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Médico Assistente. Divisão de Cardiologia. Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
CORRESPONDÊNCIA: Divisão de Cardiologia. Hospital das Clínicas da FMRP-USP.
Avenida Bandeirantes, 3.900 - CEP 14.048-900 Ribeirão Preto- SP.
CASTRO RBP. Edema pulmonar agudo. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 200-204, abr./dez. 2003.
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evidenciar; nessa fase, lesões císticas intra-parenqui- nítida de afogamento; o esforço respiratório leva à
matosas e subpleurais podem acarretar pneumotórax. sobrecarga adicional sobre o ventrículo esquerdo, o
Episódios exsudativos recorrentes podem ocorrer nas que, associado à piora da hipóxia, pode desencadear
fases proliferativa e fibrosante, resultando em padrões um círculo vicioso letal. A ausculta pulmonar, na fase
radiológicos mistos, ocasionalmente exibindo caracte- 3, revela a presença de estertores grossos, roncos e
rísticas comuns às três fases. sibilos, inicialmente restritos às bases pulmonares, mas,
Pouco sintomática, nas etapas iniciais, a SARA rapidamente, progressivos até os ápices pulmonares.
pode evoluir rapidamente para dispnéia progressiva, A ausculta cardíaca, freqüentemente, é difícil, poden-
taquipnéia e cianose. A hipoxemia se instala, caracte- do revelar, entretanto, a presença de terceira bulha e
risticamente refratária à oxigenioterapia, devido ao hiperfonese do componente pulmonar da segunda bu-
shunt arteriovenoso. A ventilação mecânica com pres- lha. A pressão arterial, freqüentemente, está elevada,
são positiva expiratória final é freqüentemente neces- dada a intensa atividade adrenérgica; sua normaliza-
sária para adequada expansão do parênquima pulmo- ção ocorre, na maioria das vezes, com as medidas
nar e melhor difusão do oxigênio. terapêuticas para o edema pulmonar. Quando a hiper-
tensão arterial constituir fator desencadeador da con-
3- QUADRO CLÍNICO/ DIAGNÓSTICO gestão pulmonar, terapêuticas específicas para seu
controle estarão indicadas. Hipotensão e choque cir-
As manifestações dependem do estágio em que culatório expressam falência grave do ventrículo es-
se encontra o paciente. Assim, na fase 1, apenas a querdo, agravando sobremaneira o prognóstico. O
dispnéia de esforço costuma ser correlacionada; já, quadro radiológico típico revela velamentos pulmona-
na fase 2, o acúmulo inicial de líquido, no interstício res do tipo alveolar, em intensidades variáveis; a área
pulmonar, pode comprometer as vias aéreas de pe- cardíaca pode ser normal (tipicamente, nos casos de
queno diâmetro (terminais), particularmente nas ba- insuficiência coronariana aguda, sem disfunção ven-
ses pulmonares, associando-se a broncoespasmo re- tricular prévia), ou aumentada, quando em presença
flexo. A taquipnéia passa a ser observada, bem como de cardiopatias crônicas com dilatação de ventrículo
os sibilos expiratórios. É comum o diagnóstico indevido esquerdo. A gasometria arterial revela níveis progres-
de doença pulmonar obstrutiva ou de asma, em paci- sivos de hipóxia; nas fases iniciais, a hipocarbia é a
entes com manifestações iniciais de congestão pul- regra, devido à hiperventilação e à maior difusibilidade
monar. Radiologicamente, a fase 2 é caracterizada por do gás carbônico através da barreira alveolocapilar.
borramento peri-hilar bilateral e espessamento dos Como já referido, a detecção de hipercarbia pode ser
septos interlobulares (linhas “B” de Kerley). Ortopnéia prenúncio de depressão respiratória e morte.
pode, ocasionalmente, ocorrer. Com o progredir do Em resumo, o diagnóstico do edema pulmonar
quadro (fase 3), o acúmulo de grandes quantidades de agudo é essencialmente clínico. Os exames comple-
líquido no interstício pulmonar leva ao extravasamento mentares devem ser utilizados racionalmente, como
para a luz alveolar, presenciando-se, então, as mani- subsídios e para balizamento das condutas terapêuti-
festações clínicas em toda a sua dramaticidade. O sério cas adotadas. Nunca é demais salientar a importância
comprometimento da hematose leva à dispnéia inten- da documentação adequada, principalmente a radio-
sa, com o paciente nitidamente ansioso, assumindo lógica, de tão grave intercorrência na história clínica
posição ortostática e utilizando a musculatura respira- do paciente. Paralelamente ao diagnóstico e tratamento
tória acessória; palidez cutânea, cianose e frialdade do edema pulmonar, faz-se urgente elucidarmos a
de extremidades, associadas a agitação e ansiedade, etiologia do mesmo. A correta identificação do meca-
bem como respiração ruidosa facilitam o reconheci- nismo desencadeador aumenta as chances de suces-
mento dessa urgência clínica e obviam a necessidade so na terapia.
de terapêutica imediata. Se ela for retardada, podem
surgir a obnubilação e o torpor, expressões clínicas do 4- TERAPÊUTICA
evento mais temido no contexto - a narcose – a qual
pode prenunciar a parada respiratória e a morte. O (Restringir-nos-emos ao tratamento do edema
edema pulmonar agudo constitui experiência aterro- pulmonar cardiogênico)
rizante para o paciente e para os circunstantes. As Medidas Gerais - É clássica a recomenda-
vias aéreas, repletas de secreção causam a sensação ção do posicionamento do paciente; na verdade, ele
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próprio tende a assumir a posição sentada, freqüente- de depressão respiratória tem justificativa; pacientes
mente com os braços apoiados na beira do leito ou de maior risco para a grave complicação do uso da
sobre o encosto da cadeira e com as pernas penden- morfina são aqueles com diminuição do nível de cons-
tes, o que permite o uso mais eficaz da musculatura ciência ou evidências laboratoriais de retenção de CO2.
acessória, a diminuição do retorno venoso e o aumen- Vasodilatadores - A a nitroglicerina endove-
to da capacidade vital. O decúbito horizontal é sem- nosa tem sido considerada a droga mais efetiva no
pre mal tolerado pelo paciente consciente. O uso de edema pulmonar cardiogênico; a venodilatação e con-
torniquetes em extremidades, visando à redução do seqüente redução da pré-carga do ventrículo esquer-
retorno venoso, é muito pouco utilizado nos dias de do bem como a redução da resistência vascular
hoje. Monitorização eletrocardiográfica, acesso venoso sistêmica (pós-carga) são a base de sua utilização.
e oxigênio por máscara deverão ser imediatamente Nao deverá ser utilizada, se a pressão arterial sistêmica
providenciados. O oxímetro de pulso é um recurso útil for inferior a 100 mmHg. A dose inicial endovenosa
na avaliação contínua da eficácia terapêutica; sua efi- recomendada é de 10 a 20 mcg/min com incrementos
ciência diminui nos casos de má perfusão periférica. de 5-10 mcg/min, a cada 5 a 10 min, até que se atinja
O paciente em edema pulmonar agudo deve ser ob- a resposta terapêutica ou hipotensão (PA<100mmHg).
servado em unidade apropriada, com recursos ade- O uso de comprimidos sublinguais poderá ser útil até
quados ao atendimento de urgências cardiológicas e que um acesso venoso tenha sido obtido.
na presença constante de pessoal médico, até a esta- O nitroprussiato de sódio tem ações semelhan-
bilização do quadro. tes à nitroglicerina, com discreta superioridade na ação
Oxigênio - Uma máscara facial de oxigênio dilatadora arterial; está indicado nos casos com hiper-
com fluxo de 5 a 6 l/min deverá ser a opção inicial; se tensão arterial mais grave. A dose endovenosa reco-
necessário, máscaras sem reinalação e com reserva- mendada é de 0,1 a 5,0 mcg/Kg/min. O limite pressórico
tório permitem concentrações de 90 a 100%. O uso mínimo, de 100 mmHg para que se possa iniciar o uso
do CPAP através de máscara especial ou no paciente do vasodilatador, também deverá ser respeitado.
já entubado é bastante útil. Profissional treinado em Inotrópicos - A associação de choque circula-
entubação endotraqueal deverá estar disponível, bem tório e edema pulmonar agudo é uma das mais graves
como todo o material necessário, notadamente se: uma situações com que nos deparamos na sala de urgên-
PaO2 > 60mmHg não for obtida, mesmo com másca- cia. Nesses casos, se a pressão arterial sistólica esti-
ras de 100%, se o paciente apresenta sinais de hipóxia ver entre 70 e 100 mmHg, inicie dopamina na dose de
cerebral (letargia ou obnubilação) ou se apresenta 2.5 a 20 mgc/Kg/min; se dose superior a esta for ne-
aumentos progressivos da PCO2 ou acidose. cessária, acrescente norepinefrina e reduza a dose de
Diuréticos _ A furosemida tem sido conside- dopamina para 10 mcg/Kg/min. A dobutamina, tam-
rada peça fundamental no esquema terapêutico do bém na dose de 2,0 a 20 mcg/Kg/min, deverá ser re-
edema pulmonar. Tem uma ação bifásica: venodilatação servada para casos de hipotensão sem sinais de cho-
imediata, com conseqüente aumento da capacitância que associados. A digitalização só está indicada no
venosa (nos primeiros 5 min), seguida de diurese, com controle de taquiarritmias supraventriculares como a
pico de efeito 30 e 60 min. As doses são variáveis e fibrilação atrial de alta resposta ventricular; sua ação
baseiam-se na resposta terapêutica, que deverá ser inotrópica é muito retardada e não demonstra benefí-
avaliada após os primeiros 20 min. A intensidade da cios na reversão do edema pulmonar ou na estabiliza-
diurese deverá ser ditada pelo grau de retenção volê- ção hemodinâmica.
mica observada e na função renal; lembrar que, na Outros recursos terapêuticos - A amrinone
falência ventricular esquerda aguda (isquêmica por (dose de ataque de 0,75 mg/Kg em 2 a 3 min e manu-
exemplo), não se observa hipervolemia e a terapêuti- tenção de 2 a 20 mcg/Kg/min) associa efeitos inotró-
ca deverá priorizar a vasodilatação com conseqüente picos e vasodilatadores. A aminofilina (dose de ata-
redução da pós-carga do VE. que de 5mg/Kg em 10 a 20 min, seguida de manuten-
Morfina - O sulfato de morfina (2 a 8mg EV, ção de 0,5 a 0,7 mg/Kg/hora) é útil nos pacientes que
se PA>100mmHg) permanece como recurso útil no se apresentam com componente de broncoespasmo
edema pulmonar agudo. Tem ação venodilatadora, significante (“asma cardíaca”) salientando-se, entre-
além de sedação ligeira, reduzindo o esforço respira- tanto, o seu potencial de agravar arritmias, notada-
tório e a ansiedade. A preocupação de muitos profis- mente, no paciente portador de insuficiência corona-
sionais com seu efeito sedativo e conseqüente risco riana. Os trombolíticos podem ser úteis no paciente
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CASTRO RBP. Acute pulmonary edema. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 200-204, apr./dec. 2003.
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