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virtuoso para favorecer o ascético, o que nega o corpo em favor da alma, e que
portanto nega a vida. Nietzsche é favorável aos homens guerreiros, fortes, que com
apenas uma inflexão afastam de si todas as culpas anteriores e toda a mesquinhez
moral.
A moralidade aparece a nós de uma forma tão impositiva que criticá-la parece
desrespeito. A moral, "Circe dos filósofos", não se apresenta apenas como
incontestável . Ela seduz, ora atemorizando( o desaparecimento de uma determinada
moral leva à insegurança e à anarquia, ameaçando a estabilidade do ser humano), ora
promtendo ( promessa de vida melhor, e até mesmo, de uma vida perfeita). Sê moral
e serás melhor, serás feliz!
Já que a moral não tem uma raiz transcendente e nossos juízos sobre o certo e errado
expressam necessidades da nossa vida pulsional e instintiva, Nietzche reexamina
nosso sistema de juízos e categorias morais. Concluindo q os tipos de forças q estão
cristalizadas nas categorias morais, são aquelas q, ao invés de promover a afirmação
da vida, sustentam sua negação. Portanto, Nietzche pretende a criação de uma nova
tábua de valores morais, de acordo com a nossa condiçao natural e finitude.
A descriçao está correta. Nao há necessidade de retocá-la. A pergunta que vou colocar
é a partir daí:
2) Assim, a própria idéia de um grupo humano partindo do nada para construir valores
nao passa de outra coisa que uma figura de expressao para tipificar um lugar dentro
de um certo discurso que almeja comunicar uma certa mensagem. Figuras como essas
nao sao patrimonio exclusivo de Nietzsche e as podemos encontrar nos discursos, por
exemplo, de Platao (a polis ideal), de Freud (a horda primeva), de Rosseau (o estado
de natureza) etc. E essas figuras sempre se tornam um problema quando depois
começam a imaginá-las como algo mais além do que são.
5) Enfim, a pergunta: com base no que foi colocado, parece uma falácia a tentativa de
construçao de uma "nova moral" a partir do próprio indivíduo isolado, sem
continuidade com uma tradição. Filosofar "com o martelo" é muito mais fácil do que
ajuntar depois os cacos.
Nao é preciso muita imaginaçao para associar o quadro como mais uma repetiçao do
velho engano do "marco zero". Esse engano já aconteceu em outras áreas, em sitações
mais simples com maiores chances de sucesso, como em Descartes e sua busca do
ponto zero do conhecimento via dúvida metódica. Na moral, com muitos mais
agravantes.
O próprio Nietzsche devia estar ciente da dificuldade, já que nao apontou receita para
a construçao da "nova moral" apregoada. Ele nao sabia a resposta, apenas manifestou
o desgosto pela situaçao presente e gritou o problema. Cabe entao aos que defendem
a mesma, se nao admitem o conceito como uma figura, mas como algo a ser
concretizado, responderem à tarefa:
Como construir essa "nova moral" sem nos destruirmos uns aos outros?
"Com este livro começa a minha campanha contra a moral." (Referiu-se anos mais
tarde à Aurora)
Uma campanha ausente de instruções...
Nietzche não fornece, e nem chega a cogitar, uma receita, até porque ele já se
encontrava de certa forma satisfeito (creio eu) com o resultado obtido.
Claro que a coisa é mais complexa do que isso, mas quem quiser por a prova a
agudeza dessa forma de crítica que experimente ler as obras de Nietzsche como se
escritas por outro e direcionadas a crítica do próprio Nietzsche. É impressionante como
as armas do discurso nietzschiano podem ser contundentes contra a própria postura de
Nietzsche. Isso parece que vem corroborar a idéia de que nao há base para aprovar ou
reprovar o q ele diz. Vc tem apenas a opção de concordar com ele ou repudiá-lo. Mas,
ao apelar para o lógos como retórica (próprio do sofista) em detrimento do lógos como
episteme (próprio da tradiçao platonica), nao é surpreendente que Nietzsche se torne
vítima de algo do tipo. Afinal, nao era isso que era chamado de doxa?
Por exemplo, em Assim falou Zaratustra, Nietzsche diz que "Deus é apenas uma
suposição" a que em determinado período histórico recorremos. Com o esgotamento
dessa suposição, abre-se enfim a possibilidade de construir um novo sistema de
valores, afeito às realidades do ser humano finito e não a projeções ideais. No prólogo
desse mesmo livro, ele simplesmente contrasta o que deve ser desprezado e o que
deve ser exaltado na construção dos novos valores.
"Eu vos conclamo, irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam
de esperanças ultraterranas! Não passam de envenenadores, conscientes ou não..."
Fica nítido que esse método aforismático adotado por Nietzsche não nos deixa muitas
opções, e pelo contrário as restringe. Ou concordamos com ele ou não.