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A moral para Nietzsche é uma invenção dos fracos, que inverteram o sentido de bom e

virtuoso para favorecer o ascético, o que nega o corpo em favor da alma, e que
portanto nega a vida. Nietzsche é favorável aos homens guerreiros, fortes, que com
apenas uma inflexão afastam de si todas as culpas anteriores e toda a mesquinhez
moral.

Nietzsche negava qualquer fundamentação metafísica da moral. A moral é uma criação


humana, imposta pelo "Dragão dos valores", aquele que diz "Tu deves" quando o
indivíduo diz "Eu quero".

A questão da moral é melhor tratada nas três dissertações do polêmico livro


"Genealogia da Moral
Nietzsche defende que os homens não são em última instância responsáveis pelo que
são e consequentemente pelos suas ações. Portanto não deve sentir mal-estar pelo
que fazem.
A moral pretende embutir nos homens este sentimento de mal-estar e culpa devido a
ações feitas contra esta moral com o objetivo da coibir estes atos ou pensamentos.
Este é um dos motivos pelos quais Nietzsche é contra a moral.
Nietzche constata que toda cultura de sua época - na verdade, da história ocidental -
está investida de uma determinada moralidade e de uma determinada concepção
filosófica sobre a realidade. Observa que ambas nos induzem a considerar a própria
existência como uma imperfeição, como algo de q devemos descartar.

A moralidade aparece a nós de uma forma tão impositiva que criticá-la parece
desrespeito. A moral, "Circe dos filósofos", não se apresenta apenas como
incontestável . Ela seduz, ora atemorizando( o desaparecimento de uma determinada
moral leva à insegurança e à anarquia, ameaçando a estabilidade do ser humano), ora
promtendo ( promessa de vida melhor, e até mesmo, de uma vida perfeita). Sê moral
e serás melhor, serás feliz!

Segundo Nietzche, uma combinação de promessa, ameaça, imposição e valorização da


moral nos tem impedido de formular as perguntas q realmente nos interessam. Além
disso, a ignorância a respeito da origem da moral torna ainda mais difícil formular
certas questões.

Já que a moral não tem uma raiz transcendente e nossos juízos sobre o certo e errado
expressam necessidades da nossa vida pulsional e instintiva, Nietzche reexamina
nosso sistema de juízos e categorias morais. Concluindo q os tipos de forças q estão
cristalizadas nas categorias morais, são aquelas q, ao invés de promover a afirmação
da vida, sustentam sua negação. Portanto, Nietzche pretende a criação de uma nova
tábua de valores morais, de acordo com a nossa condiçao natural e finitude.
A descriçao está correta. Nao há necessidade de retocá-la. A pergunta que vou colocar
é a partir daí:

Nietzche pretende a criação de uma nova tábua de valores morais, de acordo


com a nossa condiçao natural e finitude.

1) Não há nenhuma sociedade sem normas e mesmo um único indivíduo vivendo


sozinho tem as suas. É próprio do humano o processo de simbolizaçao, é um dos
fatores que o diferencia dos outros animais.

2) Assim, a própria idéia de um grupo humano partindo do nada para construir valores
nao passa de outra coisa que uma figura de expressao para tipificar um lugar dentro
de um certo discurso que almeja comunicar uma certa mensagem. Figuras como essas
nao sao patrimonio exclusivo de Nietzsche e as podemos encontrar nos discursos, por
exemplo, de Platao (a polis ideal), de Freud (a horda primeva), de Rosseau (o estado
de natureza) etc. E essas figuras sempre se tornam um problema quando depois
começam a imaginá-las como algo mais além do que são.

3) A moral, segundo diversas correntes, mas especialmente quando observada


fenomenologicamente, aparece também como um certo tipo de discurso específico,
nao redutível a outro. Evidentemente que as considerações de Nietzsche nao sao para
se desprezar dentro da filosofia, como também nao sao a de outros filósofos notáveis.
Muito menos, também, é o pensamento de Nietzsche algo para ser dogmatizado e
levantado como norma única, feito isso é melhor decretar a morte da filosofia (e viva a
ideologia).

4) A moral sempre apresenta-se ao exame fenomenológico dentro de um discurso


contínuo assossiado a uma tradição, a primeira vista estática, mas dinânica, dentro de
uma dialética própria. É o que se vê no estudo da ética, da moral, do direito.

5) Enfim, a pergunta: com base no que foi colocado, parece uma falácia a tentativa de
construçao de uma "nova moral" a partir do próprio indivíduo isolado, sem
continuidade com uma tradição. Filosofar "com o martelo" é muito mais fácil do que
ajuntar depois os cacos.

Nao é preciso muita imaginaçao para associar o quadro como mais uma repetiçao do
velho engano do "marco zero". Esse engano já aconteceu em outras áreas, em sitações
mais simples com maiores chances de sucesso, como em Descartes e sua busca do
ponto zero do conhecimento via dúvida metódica. Na moral, com muitos mais
agravantes.

O próprio Nietzsche devia estar ciente da dificuldade, já que nao apontou receita para
a construçao da "nova moral" apregoada. Ele nao sabia a resposta, apenas manifestou
o desgosto pela situaçao presente e gritou o problema. Cabe entao aos que defendem
a mesma, se nao admitem o conceito como uma figura, mas como algo a ser
concretizado, responderem à tarefa:

Como construir essa "nova moral" sem nos destruirmos uns aos outros?
"Com este livro começa a minha campanha contra a moral." (Referiu-se anos mais
tarde à Aurora)
Uma campanha ausente de instruções...

Nietzche não fornece, e nem chega a cogitar, uma receita, até porque ele já se
encontrava de certa forma satisfeito (creio eu) com o resultado obtido.

Certas passagens de sua obra e correspondência atestam o quanto de alegria Nietzche


encontrava no seu esforço intelectual , que lhe anunciava uma "nova saúde", isto é,
uma libertação da doença da moralidade e suas avaliações negativas sobre a existência
humana.

E essa alegria apresentava um motivo: seu sofrimento pessoal finalmente encontrara


serventia; transmutara-se em uma interpretação de experiência humana capaz para
conduzí-lo além do niilismo - para a criação(retórica) de valores de aceitação plena das
características da existência humana.
A abordagem que estamos considerando parece que reforça a idéia acima, se nao no
todo, pelo menos em parte, pois a filosofia deixa a preocupaçao pela verdade (nos
moldes anteriores) para se tornar uma forma sofisticada de terapia. O "abandono" da
ética e moral, resulta do esfacelamento do direito e da política, considerados agora
dentro de um quadro clínico de patologia existencial a ser autoclinicada com a busca
da transvaloraçao.

Claro que a coisa é mais complexa do que isso, mas quem quiser por a prova a
agudeza dessa forma de crítica que experimente ler as obras de Nietzsche como se
escritas por outro e direcionadas a crítica do próprio Nietzsche. É impressionante como
as armas do discurso nietzschiano podem ser contundentes contra a própria postura de
Nietzsche. Isso parece que vem corroborar a idéia de que nao há base para aprovar ou
reprovar o q ele diz. Vc tem apenas a opção de concordar com ele ou repudiá-lo. Mas,
ao apelar para o lógos como retórica (próprio do sofista) em detrimento do lógos como
episteme (próprio da tradiçao platonica), nao é surpreendente que Nietzsche se torne
vítima de algo do tipo. Afinal, nao era isso que era chamado de doxa?
Por exemplo, em Assim falou Zaratustra, Nietzsche diz que "Deus é apenas uma
suposição" a que em determinado período histórico recorremos. Com o esgotamento
dessa suposição, abre-se enfim a possibilidade de construir um novo sistema de
valores, afeito às realidades do ser humano finito e não a projeções ideais. No prólogo
desse mesmo livro, ele simplesmente contrasta o que deve ser desprezado e o que
deve ser exaltado na construção dos novos valores.
"Eu vos conclamo, irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam
de esperanças ultraterranas! Não passam de envenenadores, conscientes ou não..."

Fica nítido que esse método aforismático adotado por Nietzsche não nos deixa muitas
opções, e pelo contrário as restringe. Ou concordamos com ele ou não.

Apesar da problemática em função do método aforismático de Nietzche, acho


importante ressaltar um tema examinado detalhadamente no livro "A genealogia da
moral", que é a distinção entre moral nobre e moral servil.

O escravo pensa as categorias da moralidade a partir de sua própria fraqueza e


impotência. Incapaz de aceitar sua condição real ou de lutar contra ela, ressente-se da
força do tipo nobre , na qual vê espelhada a sua impotência. Como, em razão de sua
falta de confiança e fraqueza não consegue confrontar diretamente o nobre e seus
valores, reage desvalorizando as qualidades deste, tratando-as como moralmente
negativas.
Para Nietzsche, o código moral do tipo humano servil está na raiz de nossas
concepções presentes da moralidade graças ao sacerdote ( o "ideólogo" religioso).
O nobre então "proibido" pela moralidade escrava de expressar sua natureza
afirmativa, volta suas forças contra si mesmo, tornando-se culpado, impotente e
infeliz.
Na segunda dissertação da Genealogia, Nietzsche descreve como os resultados dessa
agressão moral aos instintos se combina com a domesticação das pulsões humanas
imposta pela vida em sociedade.
Com o aparecimento da perspectiva servil, a "primeira interiorização do homem", fruto
da sociabilidade e gênese do sentido de obrigação e responsabilidade exigido pelas
necessidades de vida em grupo, torna-se ainda mais dolorosa. Agora, o ser humano
passa a considerar-se responsável por seu próprio sofrimento.

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