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Jornal do Cremesp

marco 2010 n 268

Coluna dos conselheiros do CFM

A relação médico-paciente
Désiré Carlos Callegari

A boa relação médico-paciente, nica, o médico seria capaz de O médico de então era tam- gradativamente, substituída médicos, assim como pela pres-
o conhecimento e o aprimora- diagnosticar a verdadeira cau- bém um homem respeitado, pela solicitação e execução de são exercida sobre os profissio-
mento da profissão, aliados ao sa da doença, assim como sua pois o ato de "curar", exercido exames e medicamentos cada nais, seja pela precarização do
cumprimento dos preceitos éticos cura. Isso o tornava, fundamen- por ele, não era apenas técnico, vez mais sofisticados. trabalho e a falta de estrutura
e bioéticos, são hoje os pilares talmente, um humanista pelas mas humano-científico. Esse foi Estava, então, criado o concei- na saúde pública ou pela baixa
para o exercício da medicina. A circunstâncias. Foi com base o modelo adotado pelos médi- to do médico cientificista, ou remuneração e o foco no mer-
própria história do desenvolvi- neste escopo que se alinharam cos do Ocidente, que se perpe- seja, o profissional que não mais cado no setor privado. Em am-
mento da arte médica nos mostra os parâmetros fundamentais do tuou, historicamente, com a utilizava os princípios hipo- bos os contextos, pela precarie-
a importância de resgatarmos a modelo do médico hipocrático. evolução da medicina. Estes cráticos para a condução de cada dade assistencial ou pela prio-
humanização sem menosprezar Ou seja, um médico deveria es- avanços aconteceram, associa- caso, mas se baseava apenas em rização do lucro, desnorteia-se
os avanços tecnológicos. tar ancorado sobre dois pilares dos ao crescente desenvolvi- evidências clínicas e tecno- o vínculo de confiança entre o
A medicina ocidental, em sua mestres para o exercício da me- mento tecnológico, o que gerou lógicas que propiciassem um paciente e o médico.
origem, era essencialmente dicina: a história com o exame mudanças na forma de atuação diagnóstico. O novo modelo en- Ora, o médico e o paciente de-
humanística. Suas raízes se as- físico e, em especial, a relação dos médicos e na sua formação quadrou uma forma de atuação vem estabelecer parceria em
sentavam na filosofia e na na- médico-paciente. acadêmica. no exercício da medicina, que busca de um objetivo comum:
tureza. Seu sistema teórico par- Esta relação favorecia a extra- Com isso, mudou a percepção comprometeu o relacionamento desenvolver e efetivar um pla-
tia de uma visão holística, que ção de todas as informações que da medicina, que passou a ser que os profissionais desenvol- no terapêutico. Mas para que o
entendia o homem como um ser norteariam a formulação do vista como uma ciência exata e viam com seus pacientes. Com êxito se configure é importante
dotado de corpo e espírito, in- diagnóstico e das consequentes biológica, perdendo pouco a o novo paradigma, não se apre- que o diálogo se estabeleça. O
serido num contexto maior. As opções terapêuticas. Assim, o pouco o seu caráter huma- goava uma visão holística, mas resgate dessa relação médico-
doenças eram consideradas médico era um homem que alia- nístico, pois a adoção de uma a segmentação. Os pacientes, an- paciente, até então desvaloriza-
consequência do desequilíbrio va conhecimentos científicos e vasta gama de recursos tecno- tes vistos como indivíduos úni- da, como forma de complemen-
na interação entre o homem (ví- humanísticos na prática profis- lógicos e de condutas já não cos com patologias próprias, tor- tar a ênfase dada aos recursos
tima da enfermidade) e a natu- sional. Era visto como profundo dependia diretamente de uma naram-se seres com doenças. tecnológicos, surge como opção
reza que o rodeava. Essa era a conhecedor da alma humana, em boa relação médico-paciente. Essa degradação do relacio- de se re-humanizar a prática da
lei universal, que no entendi- grande parte pela proximidade Dessa forma, a necessidade de namento médico-paciente, além medicina amparada sobre um
mento à época, repercutia o com seus pacientes, desenvol- desenvolver uma estreita rela- de influenciada por esse mode- novo paradigma, onde os dois
bem-estar de cada indivíduo. vendo com eles uma relação ex- ção com o paciente para um lo cientificista, foi também es- modelos - o hipocrático e o
A partir da compreensão des- tremamente benéfica para a boa diagnóstico correto e uma tera- timulada pelo interesse materia- cientificista - se encontram e se
ta relação - idealmente harmô- condução de cada caso. pêutica adequada foi sendo, lista cada vez maior de alguns complementam.

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