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aCr6nica Moacyr Sctiar A dificil arte do prognostico fo final do ano, estreou um filme que che- gou as telas do mundo com grande estardalhago: 2012, dirigido por Roland Emerich. © ano em questio marca o final de um antigo calendério mesoamericano, € 0 filme, em seu furor catas- trofista (coisa que Hollywood adora) nao deixa por menos: se € o fim do calendario € também. © fim do mundo, portanto salve-se quem puder (mas nao antes de comprar o ingresso) Certamente 0 mundo nao terminaré em 2012, como nao terminou nas numerosas vezes em que tal foi previsto. Umia dessas vezes foi o ano mil. Na Europa, as pessoas estavam to convencidas de que 0 milénio assinalaria o final dos tempos, que muita gente renunciou as suas ocupacdes habituais para simplesmente aguardar a catés- trofe. Quando esta nao ocorreu, a reacio deve ter sido mista: alivio e decepcao a um s6 tempo. O fim de um ano e 0 comego de outro é uma classica ocasiao para previsoes, para antecipar 0 que est4 por vir. £ a época da bola de cristal, do tard, dos biizios, das varias formas de adivinhaco que aparecem no folclore brasileiro. Ai precisio nao é a regra, mas quando experts so ouvidos em diversas dreas — finanas, politica, ciéncia € tecnologia — a coisa fica diferente. Trata-se de terreno minado, onde as pessoas sio obrigadas a se mover com muita cautela, Fazer um prognés- tico acertado é uma coisa muito dificil. Sabiam disso os antigos meteorologistas, que tinham de torcer para que suas previsbes dessem certo. O mesmo poderiam dizer os economistas. No dia 24 de outubro de 1929, a “quinta-feira negra"da Bolsa de Nova York, 35 grandes empresas emi- tiram uma declaragao conjunta dizendo: “O pior jd passou". E ai veio a Grande Depressio. Para a medicina, responder a pergunta do paciente, “o que vai me acontecer agora?” € sempre um desafio. Um desafio que exige o desenvolvimento de habilidades especiais, tan- to do ponto de vista cientifico como do ético & psicol6gico. E é um desafio que surge cedo na hist6ria da medicina. Podemos dizer que a arte do prognéstico antecipou mesmo a do diagnéstico. Disso a medicina grega sempre foi um exemplo. Para os médicos hipocraticos, o diagndstico era feito em termos de reais ou supostos distirbios humorais (excesso de bile negra, pletora de san- gue etc.). Nao havia uma base anatomopatolégica nem exames complementares. Havia 0 veredito médico, que os pacientes provavelmente ace’ A resposta possivel quase nunca satisfaz o paciente. Ele quer saber se esta nos 80% que ficarao curados ou nos outros 20% Ser Médico. 15 Numa profissao que inevitavelmente tra- batha com um grau de incerteza (Dans Ja médécine, comme dans Vamour, ni ja- mais ni toujours, diziam ‘0 antigos clinicos france- ses — na medicina, como no amor, nem nunca nem sempre), isto € um gran- de avango, Mas, mui vezes, nao satisfaz as necessiclades emocionais do paciente. Fle gostaria de saber se est nos 80% que ficarao curados ou nos outros 20%, E é ai que aquele antigo lado da medicina, 0 lado da compaixio, sitio. Tanto quanto quer diagnéstico e prognéstico precisos, o paciente quer apoio. A certeza desse apoio € 0 maior antidoto contra as incertezas do prog- néstico. Ntimeros so importantes, mas 0 afeto também 0 €, em relacdo a0 prognéstico, a exigéncia era grande, principal mente se © paciente era alguém importante: um rei, um nobre, um rico proprietério, Nesses ca- sos havia interesses em jogo e muitas pessoas queriam saber do médico qual seria o desfe- cho do caso; e, sendo este quando ocorreria © dbito. Pode-se imaginar que a muitos doutores devem ter suadg frio nes condicoes. Com o tempo, prog: néstico foi se tornando um exercicio cientifico. A economia aprendeu a estudar tendéncias, a estabelecer formulas equagdes; € a meteo: rologia passou a contar com apoio dos satélites ¢ de suas fotos. Da mesma forma, a medicina agora tinha estudos de natureza estatistica e epidemiol6gica Atualmente, quando falamos em prognéstico, falamos nos possiveis desfechos de uma doenga € na frequén-cia com que tais desfechos ocorre- ore ; “Escrito e médico, membro da Academia Brasileira de Le ro. E isto significa usar nimeros, porcentagens: ras, ganhador do Prémio fabuti 2009 na categoria ficgdo “O senhor tem 80% de chances de ficar curado.” conto ltero Manual da paixao solitria ~ Cla. da Letras.

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