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ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

PODER JUDICIÁRIO
2ª Vara Criminal - Zona Norte
Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º Andar, Potengi - CEP 59.112-560, Fone: 84 3615-4663, Natal-RN
- E-mail: zn2cri@tjrn.jus.br

TERMO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Ação Penal nº (APAGADO)


Autor: Justiça Pública
Réu: (APAGADO)
Data e hora: (APAGADO) às (APAGADO)

PRINCIPAIS INFORMAÇÕES E OCORRÊNCIAS

[(s) = sim (n) = não] - Presenças: Ministério Público – Drª Sivoneide Tomaz do Nascimento:
(s); acusado(a)(s) – (APAGADO): (s); defensor – Defensor Público, Dr. Manuel Sabino
Pontes. Oitiva(s): vítima – (n); testemunha(s) – (s). Nome(s) da(s) testemunha(s) e
declarantes ouvido(a)(s): FRANCISCO EVARISTO DA COSTA e ADRIANO RICARDO
GOMES DA SILVA. Acusado(a)(s) – (s). Caminho e nome do arquivo multimídia:
D:\Gravação de Audiências\2010\setembro\002.10.000434-4. Alegações finais orais - (s).
Ocorrências dignas de nota: disse o MM Juiz: "Antes de proceder ao interrogatório do
acusado, entendeu o magistrado que o Estado Democrático de Direito repercute no âmbito do
Processo Penal através do Princípio Acusatório. Apregoa ele que as funções de acusar,
defender e julgar são atribuídas a órgãos diversos, bem como que a produção das provas
compete às partes e não ao magistrado. Outrossim, quando o magistrado produz as provas ele
perde sua imparcialidade, notadamente em favor da acusação, pois a tese é o primeiro
elemento que lhe chega às mãos. Na verdade, inconscientemente (e às vezes conscientemente
também), termina o magistrado por buscar nas provas apenas, e tão somente, a confirmação
do pré-juízo anterior condenatório que já possuía, culminando por despir-se da toga e a dividir
a vestimenta da beca de quem acusa, seja o Ministério Público, seja o querelante. Por isso o
interrogatório será procedido pelas partes e, ao final, complementarei com alguma dúvida que
tiver, sendo a última pergunta se a parte ré tem algo mais a dizer em sua defesa, cumprindo o
princípio da ampla defesa". Compareceram para a audiência as acadêmicas de direito Luciana
Batista da Silva, Francisca Ennanilia de Souza Medeiros, Janaína Fernandes Pinheiro e Nataly
Gomes Magno Pinto. Deliberações finais: segue sentença.

SENTENÇA

RELATÓRIO
Trata-se de ação penal pública em que figura (APAGADO), parte já qualificada nos autos,
como acusada pela prática do fato violador da regra penal prevista no artigo 12 da Lei nº
10.826/2003. Quanto às provas documentais e periciais, há o termo de exibição e apreensão
de fl. 12 e o laudo de exame em arma de fogo e munição de fls. 98-104. A denúncia foi
recebida no dia 26/02/2010 (fl. 70). A citação se deu à fl. 86. A resposta à acusação se
encontra às fls. 92-93. O interrogatório ocorreu em audiência. As testemunhas foram ouvidas
1
em audiência. Nas suas alegações finais a acusação disse, em suma, o seguinte: a
materialidade e a autoria estão comprovadas pelas provas juntadas aos autos, devendo ser
condenado nos termos da inicial. Houve confissão em juízo. Nas suas alegações finais a
defesa disse, em suma, que o acusado confessou e por isso deve ser aplicado a ele a atenuante.
Protestou a comum prorrogação do prazo para devolução das armas. Aplica-se a ele a
atenuação ainda com fulcro na teoria da co-culpabilidade.
FUNDAMENTAÇÃO
Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e dando início à
formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e imputados
ao réu, verifico, sucessivamente, a materialidade e a autoria. Analisando a
MATERIALIDADE e a AUTORIA, vê-se o seguinte: no tocante à prova documental ou
pericial, consta o termo de exibição e apreensão de um revólver calibre 38, de marca Taurus,
com capacidade para cinco disparos e dois cartuchos de calibre 38, dos quais um estava
percutido e não deflagrado e três estavam intactos. Há também o laudo de exame em arma de
fogo e munição o qual concluiu que a arma de fogo apreendida se encontrava com poder de
realização de disparo. A testemunha FRANCISCO EVARISTO DA COSTA, durante oitiva
judicial, afirmou que estava em patrulhamento na Redinha. Foram abordados por um cidadão
dando conta de que havia uma pessoa armada no local. Lá o acusado indicou onde estava a
arma. Tinha munição. O acusado justificou que tinha inimigos. Isso começou à tarde. A arma
estava numa bolsa. O acusado disse que morava nas Rocas. A denúncia dizia que um cidadão
das Rocas estava na casa do pai, portando uma arma. Quando falou com o acusado, ele disse
que a arma estava em sua bolsa. O acusado estava dentro de uma rede, numa cama.
ADRIANO RICARDO GOMES DA SILVA, testemunha ouvida judicialmente, relatou que
estava em patrulhamento e foram abordados por um popular que disse que existia um rapaz
em uma casa e ele estava foragido de um outro bairro e estava portando uma arma.
Localizaram a casa. Encontraram uma pessoa. Nas perguntas feitas o acusado confessou que a
arma estava numa bolsa. Não recorda se ele tinha usado essa arma. Não recorda bem se estava
municiada, mas acha que estava com algumas munições. São muitos casos parecidos. O
comandante da viatura entrou na casa e fez a abordagem no acusado, que estava dormindo.
Durante interrogatório judicial, a parte acusada, (APAGADO), disse que é verdadeira a
acusação. Estava na casa de seu pai dormindo, com a arma em sua bolsa. De repente a polícia
chegou com a arma em sua cabeça. Não usou a arma. Estava com a arma. As pessoas sabiam
que tinha a arma. Era do conhecimento do povo da vila e alguém disse que o depoente estava
com a arma. O povo via a arma na cintura. Tinha a arma porque tinha inimigos. Lá no
Semi-Aberto tinha gente dormindo armado. Tem inimigos devido a brigas na rua. Foi
condenado por roubo a seis anos e cinco meses de reclusão. Quando acordou já havia um
monte de policiais. Estava dormindo. Quando acordou os policiais já estavam em cima de si.
Os policiais estavam procurando. Eles perguntaram onde estava a arma e por isso o depoente
informou onde estava a arma. Os que entraram primeiro bateram no depoente. Não sabe o
nome dos que bateram no depoente. Foi criado pelos pais desde pequeno. Só foi preso duas
vezes. Sabe ler pouco. Estudou até a quarta série porque morava nas Rocas e não estudava.
Em síntese à tese da acusação e a antítese da defesa, concluo que o acusado deve ser
condenado nos termos da inicial. A parte final da fundamentação se encontra em arquivo
digital multimídia anexado aos autos em um CD-ROM.
DISPOSITIVO
Em razão de todo o exposto e fundamentado, resolvo julgar procedente a pretensão punitiva
do Estado, condenando (APAGADO), parte já qualificada nos autos, como incurso nas
sanções advindas da infringência do art. 12 da lei 10.826/2003. Passo a dosar a pena com as
devidas fundamentações em razão de imposição constitucional (CF-88 art. 93, IX).
Circunstâncias judiciais - Culpabilidade: é o núcleo das circunstâncias que compõem a
pena-base. É a primeira e mais importante circunstância. Isto porque representa a aplicação na

2
íntegra do princípio da proporcionalidade entre a prática do fato e a pena, desconsiderando
fatores intrínsecos à pessoa do agente. Como bem alerta AMILTON BUENO DE
CARVALHO, “a interioridade da pessoa não deve interessar ao Direito Penal mais do que
para deduzir o grau de culpabilidade de suas ações”.1 Assim, o que uma parcela considerável
dos operadores do direito ainda não percebeu é que a culpabilidade possui dupla faceta. Uma
antropológica, que constitui elemento do crime. Outra fática, que constitui a pena. A primeira
faceta da culpabilidade é elemento do crime que diz respeito à reprovação ou não do agente,
isto é, se ele tem o discernimento e o modo de se determinar conforme esse discernimento. Na
segunda se mensura a reprovação do fato praticado pelo agente, com base na intensidade da
violação do bem jurídico. Portanto, o constitucionalmente aceitável, na fase de aplicação da
pena, vencida que foi a da imputação do agente, é constatar a justa medida da pena,
examinando apenas o grau de censura merecido em face da conduta realizada e não da pessoa
que é o acusado. Portanto, avaliando que a arma era do tipo comum, entendo favorável;
Antecedentes: não posso entender os antecedentes penais do acusado como um elemento
capaz de aumentar a pena-base. Responder a outro processo não é crime, até porque depois
pode se chegar a um veredicto reconhecendo a inocência. Mas a questão nem é essa. Com a
Constituição Federal de 1988 o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi erigido a um
dos Fundamentos da nossa República (art. 1º, III). Por outro lado, diz o art. 5º, LIV, que
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O acusado
não pode ter sua pena agravada nos autos de um processo tão somente em razão de responder
a outro processo. Não pode ser prejudicado (e prejulgado) por não ter havido julgamento
numa outra relação processual (e com a possibilidade de absolvição, inclusive). E diz mais a
Constituição Federal no mesmo art. 5º: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes;”. Como pode o acusado se defender nestes autos de um
fato ocorrido em outro processo? Estamos, assim, ferindo não somente o devido processo
legal, mas também o principio secular do Direito Penal do Fato. Não estaríamos, no caso de
reconhecimento dessa circunstância judicial, com o conseqüente aumento da pena-base,
punindo alguém pelo que é (responder a vários processos) e não pelo que fez (praticou vários
ilícitos em cada processo, isoladamente)? Fazendo outra reflexão, mesmo em caso de
condenação não estaríamos punindo duplamente alguém por um mesmo fato (neste e no outro
eventual processo penal)? Acredito que sim. Por fim, se não há pena sem reconhecimento de
culpa, há que se ler atentamente o que diz outro inciso do art. 5º, o LVII, que determina que
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;”. Se estamos aqui tornando a pena mais pesada somente em reconhecendo que
o acusado responde a, por exemplo, um inquérito policial, estamos antecipando uma pena,
pois seja mesmo um dia a mais de pena, é um suplício a ser imposto, indevidamente, diga-se
de passagem. Assim, essa circunstância, se adotada para influir na pena do réu, fere a nossa
Constituição. E uma norma que fere a Constituição não é válida. Talvez em um país com um
paradigma de tanto desrespeito aos desafortunados não nos demos conta desse fato. Mas
temos que respeitar a dignidade da pessoa humana, tratar a pessoa como ser humano que é,
ainda que em alguns casos falha, mas que responda pelas condutas que praticou naquele
processo específico. Deixo ao largo os moralismos tão em voga na atualidade e que rotulam
as pessoas como “bandido”, “marginal” ou “monstro”, reconhecendo que aqui estamos
julgando um igual e por um fato específico, sob pena de duplamente avaliarmos um mesmo
comportamento. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância; Conduta social:
entendo que essa circunstância é inconstitucional, sob pena de ferir o princípio da
anterioridade e da legalidade. Não estou julgando alguém pelo que ele é, mas sim pelo que fez

1
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da pena e Garantismo. 3. ed., ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 46.

3
ou deixou de fazer. Se o sentenciando é um mau vizinho, uma pessoa de comportamento
social reprovável no âmbito moral, não o sendo na esfera penal, não posso admitir tal
circunstância, sob o risco de criar pena sem crime, pois graduaria a pena-base negativamente
em razão dessa questão. O direito penal brasileiro é de conduta, e não de autor, não obstante
os mais carentes serem seus maiores alvos, os “criminalizados”, no dizer de Zaffaroni. Por
inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Secularização,
essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Personalidade do agente: a Parte Geral
Código Penal é maior de idade. Aliás, já está ultrapassada aos vinte e dois anos de vida (1984)
e uma Constituição Federal depois... Este tópico da personalidade do agente como
circunstância judicial deve ser repensado. O juízo humano é de tal complexidade que a tarefa
de avaliação dele pelo magistrado que pouco ou quase nenhum contato teve com o acusado
torna-se tarefa temerária... Por inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa
Humana e da Secularização, essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Motivos:
alegou ter inimigos. Portanto, entendo favorável; Circunstâncias do crime: nada digno de
nota. Portanto, entendo favorável; Conseqüências do crime: se trata de crime contra
incolumidade pública. Portanto, entendo favorável; Comportamento da vítima: se trata de
crime contra incolumidade pública. Portanto, entendo favorável; Tomando como parâmetros
as circunstâncias acima observadas e fundamentadas, fixo a pena-base em 1 ano de reclusão
e 10 dias-multa. Circunstância agravante - Em relação à reincidência, preciso fazer um
juízo mais racional e menos emocional. É bem verdade que a tese que ora esboço é
amplamente rejeitada pelo conservadorismo formalista, que mais se preocupa na manutenção
"do-que-está-aí" e menos com a real diminuição dos nosso graves problemas sociais. O
acusado é pobre, tem o perfil perfeito para o "etiquetamento". Depois lavaria eu as mãos,
imputando a ele um caráter fraco, distorcido, quando na verdade as pesquisas mostram que a
reincidência, antes de ser uma degeneração da pessoa do acusado, é uma prova gritante das
disparidades do nosso sistema social, que nunca aplicou o mais importante princípio
constitucional, o da isonomia. Assim, no tocante à reincidência, entendo que não foi
recepcionada pela Carta de 1988 por várias razões. Vou a primeira. Uma pessoa deve ser
punida pelo que fez e não pelo fato de que responde a outro processo ou a uma execução
penal. Isso é ferir o princípio do non bis in idem. Outra. O discurso do sistema penal é o de
que a prisão se justifica para ressocializar o condenado. Quando ele volta a delinquir se trata
de uma falha da pessoa ou do sistema? A certeza de que tenho é que em nosso
ordenamento jurídico a ressocialização é praticamente nula. O índice de reincidência é tão
alto que não consegue esconder isso. O apoio ao egresso é uma piada de mal gosto, peço
desculpas mas não posso deixar de manifestar minha indignação com expressões mais
fortes. Mas punir o reincidente é novamente ferir o princípio da dignidade da pessoa
humana, pois a ele não foram dadas as condições mínimas de ressocialização. Pelo
contrário. Passar pelo sistema penal é afundar num poço profundo, escuro, onde jogamos
entulhos e não colocamos escadas para dele sair. Depois ficamos nós do alto bradando
contra o pobre diabo porque ele não conseguiu de lá sair para nosso nível. A exclusão
social no Brasil é uma aberração, permeando toda a nossa história. E no dizer de MARCIO
POCHMANN, a resistência ao enfrentamento da exclusão social não advém somente de
governos historicamente inconseqüentes ou de políticas sociais erradas, mas das próprias
classes superiores que se alheiam ao apartheid social (o grupo das famílias mais ricas
brasileiras, que constitui 0,001% da população, possui um patrimônio que representa
40% do PIB brasileiro) 2 , passando o discurso da desigualdade como um “fenômeno
natural”, para uma compreensão mais cômoda que vincula o ambiente da pauperização à
criminalidade, cabendo, nesse sentido, o incremento do aparato de segurança e o aumento da

2
POCHMANN, Marcio, et al. (organizadores). Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2004. Vol. 3. p. 29.
4
repressão sobre as classes pobres 'perigosas'. Assim, a exclusão social tem sido concebida
fundamentalmente como uma conseqüência do fracasso na trajetória individual dos próprios
excluídos, incapazes de elevar a escolaridade, de obter uma ocupação de destaque e de maior
remuneração, de constituir uma família exemplar, de encontrar uma carreira individual de
sucesso, entre outros apanágios da alienação da riqueza 3. Gasta-se, no Brasil, mais com
segurança pública e privada do que com políticas sociais 4. Enquanto isso, "No limiar do
século XXI, o Brasil registra uma manifestação surda mas poderosa – ainda que não
articulada em torno de fins políticos – dos seguimentos excluídos da cidadania, esgarçados
numa sociabilidade marcada pela violência urbana e pelo 'ganho fácil' no tráfico de drogas, na
prostituição e na corrupção; ou ainda, sujeitando-se ao trabalho infantil e ao trabalho quase
forçado executado por milhões de jovens com inserção profundamente precária, abrindo
assim novas formas espúrias de valorização do capital" 5. Mais uma vez deixando de lado o
formalismo idealizador e alienante de Kelsen, vê-se que o sistema penal termina por
etiquetar (labeling) 6 o criminalizado, gerando a chamada delinqüência cíclica 7, isto é,
a reincidência contumaz. Cria-se um estigma, principalmente em relação àqueles que entram
no ciclo de criminalização e possuem vários processos. Inconscientemente, o senso comum
dos juristas é de predisposição à condenação. Maiores são as chances de aplicação de pena
àquele indivíduo que se expressa usando gírias que se identificam com o discurso dos
“marginais”. Candidatos potenciais também são os dependentes de entorpecentes ou que
possuem uma conformação física “marginalizada”, como a presença de tatuagens no
corpo. Com efeito, não obstante as disparidades gritantes das leis incriminadoras, o sistema
penal não funciona de acordo com o que está previsto nas normas garantidoras dos direitos
dos criminalizados. Possui mecanismos próprios que revelam um direito penal de autor, e
não de fato. Como já dito, o Judiciário e do Ministério Público imaginam ter mais poder que
o aparato policial, só que a filtragem é feita na fase investigativa 8. Após dezoito anos da
Constituinte e mais de cinco da Reforma do Judiciário9, muitos estados-membros ainda não
possuem Defensorias Públicas funcionando. Quem conhece a realidade do processo penal
brasileiro sabe dos prejuízos com essa omissão. Como o sistema penal é seletivo, os mais
pobres são a ele submetidos e, na maioria das vezes, não possuem condições de constituir um
defensor. Na falta de defensores públicos, são nomeados “dativos”. E o que é dado,
obviamente, se revela pior do que é pago. Resultado: defesas ineficientes, quando não,
materialmente inexistentes. O processo penal se transforma em um jogo de cartas marcadas,
num simulacro de contraditório em ampla defesa. Bem lembradas as palavras de Honoré
Balzac – escritor francês (1799 a 1850): “as leis são teias de aranha em que as moscas grandes
passam e as pequenas ficam presas”. E agora pergunto: há pena de morte no Brasil? E
prisão perpétua? O discurso dogmático e positivista vai, obviamente, dizer que não. Mas
3
Idem. p. 10.
4
Ibdem. p. 10.
5
Ibdem. p. 33.
6
ZAFFARONI, 2001. p. 74.
7
Processo individual e social pelo qual o criminalizado fica o estigmatizado, não mais conseguindo se readequar
à vida em sociedade, retornando ao cárcere.
8
Na prática, o poder Judiciário e o Ministério Público só vêm a ter conhecimento das infrações que a polícia
formaliza, deseja. E esta, dada a desestruturação e submissão ao Poder Executivo, não possui independência para
investigar pessoas ligadas aos grupos centrais do poder. Os que assim insistem são, não raras vezes, perseguidos
e punidos por estarem cumprindo o seu dever funcional.
9
Arts. 134, § 2º e 168 da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional nº 45/2004.
5
existe, sim, embora que não institucionalizada. Não devemos ser idealistas no sentido de
imaginar que só existe o que está no papel. Os dados acima falam por si sobre a pena de
morte não institucionalizada. Já a prisão perpétua se dá pelo índice de reincidência que
beira 1/3. É a fossilização do indivíduo, que ingressa no sistema penal e de lá não
consegue mais sair. O Direito Penal conseguirá, isoladamente, resolver a questão da
criminalidade? Não, não conseguirá. É preciso mudar a estrutura social do Estado,
diminuir as disparidades. Enquanto isso não ocorrer, isso aqui não será uma Noruega.
Considerando que cada sociedade tem o crime que (muitas vezes) ela mesma produz e
merece, uma política séria e honesta de prevenção deve começar por um sincero esforço
de autocrítica, revisando os valores que a sociedade oficialmente pratica e proclama 10.
Somente para fechar essa questão, dando-me ainda mais certeza de que penas longas são
apenas formas de degenerar ainda mais o criminalizado, informo os seguintes dados do último
Censo Penitenciário Nacional 11: Custo médio de cada vaga: 35 mil reais; custo mensal de um
preso: 3,5 salários mínimos; mandados de prisão não cumpridos: 275 mil. Crimes: roubo
(33%), furto (18%), homicídio (17%), tráfico (10%), lesão corporal (3%) estupro (3%),
atentado violento ao pudor (2%), extorsão (1%). Idade média: 53% com menos de 30 anos (no
auge da força de trabalho); ociosos por falta de trabalho dentro do sistema prisional: 55%;
sem o 1º grau completo: 87%; pobres: 95%; sem condições financeiras de constituir um
advogado: 85%; reincidência: 33%. Posto isso, com fulcro no princípio da culpabilidade, do
non bis in idem e da dignidade da pessoa humana, afasto a aplicação da agravante da
reincidência. Que responda por cada crime que cometeu e não pelo "conjunto da obra" do
qual a sociedade termina por ser co-autora. Circunstância atenuante – DA ATENUAÇÃO
AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL - Em relação a atenuantes, houve o seguinte: confissão e
culpabilidade social. É bem verdade que há súmula 231 do STJ12 e recente decisão do STF
considerando que as atenuantes não podem ir aquém do mínimo legal.13 Contudo, considero
que as bases do raciocínio da edificação da súmula do STJ e da decisão com repercussão geral
do STF constituem um erro de interpretação, notadamente em razão da aceitação de premissas
que, com todo respeito, são falácias. Cuido do raciocínio que apregoa que da leitura dos arts.
59, II, 61, 65, 67 e 68 do atual CP se conclui pela vedação da aplicação das atenuantes fora
dos limites legais. Veja-se o que dizem os dispositivos: Fixação da pena - Art. 59. O juiz,
atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime: I -

10
MOLINA, García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos:
introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95 – lei dos juizados especiais criminais. 4 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 457.
11
(MOLINA, 2002. pp. 671-674).
12 “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal.”
13 “EMENTA : AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo
legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de
redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso
extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode
conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.” (RE 597270 RG-QO / RS - RIO GRANDE DO SUL.
REPERCUSSÃO GERAL POR QUEST. ORD. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CEZAR
PELUSO. Julgamento: 26/03/2009. Publicação: DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009. EMENT
VOL-02363-11 PP-02257).

6
as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos
limites previstos; (...) Circunstâncias agravantes - Art. 61. São circunstâncias que sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (...) Circunstâncias
atenuantes - Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) Concurso de
circunstâncias agravantes e atenuantes - Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a
pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes,
entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da
personalidade do agente e da reincidência. (...) Cálculo da pena - Art. 68. A pena-base será
fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as
circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
O ART. 59 – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - É de fácil constatação que o art. 59, que fixa
a pena-base (circunstâncias judiciais), em seu inciso II, determina que a pena deva se limitar
ao previsto no tipo penal. Por exemplo: um crime contra a ordem tributária (art. 1º da lei
8.137/90), possui pena cominada de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. Independentemente da
valoração das circunstâncias do art. 59, a pena-base não poderá ser inferior a 2 anos e nem
superior 5 anos. Com isso há de concordar o leitor. Agir contrariamente a isso seria ferir os
Princípios Constitucionais da Legalidade e da Individualização da Pena (CF, art. 5º, II e
XLVI), que dão suporte ao inciso II do art. 59 e servem de baliza ao magistrado na
individualização da pena. ARTS. 61 E 62 – CARÁTER COGENTE DAS NORMAS - A
redação dos arts. 61 e 65 é clara quando diz que as atenuantes e agravantes sempre agravam
ou atenuam a pena. Não é lógico entender que sempre é às vezes, o que poderia levar a um
paradoxo ao se possibilitar que a expressão às vezes também possa ser tomada como sempre.
Prefiro entender o básico. Sempre é sempre, salvo se existentes exceções a esse comando em
alguma norma, seja regra ou princípio jurídico (como é o caso do princípio da proibição do
bis in idem – uma circunstância não pode ser aplicada duas vezes). O pior é que o senso
comum teórico dos juristas procura fazer um verdadeiro contorcionismo para se inserir
exceções não previstas, ferindo direitos fundamentais do cidadão, através de analogia in
mallan partem. ART. 67 – CONTORCIONISMO INTERPRETATIVO - Outrossim, o art. 67
do CP trata do chamado “Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes” e diz que a
pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes,
entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da
personalidade do agente e da reincidência. Ora, novamente o contorcionismo interpretativo
distorce. Argui-se que a expressão limite é prova de que não cabe às atenuantes e agravantes
ultrapassarem o limite fixado na pena in abstrato. Esquecem de olhar o contexto. A expressão
limite do art. 67 do CP nada tem a ver com a limitação descrita no inciso II do art. 59 do
mesmo Código, que diz respeito às circunstâncias judiciais. Aquele dispositivo trata da
situação em que há várias circunstâncias legais antagônicas (atenuantes versus agravantes). A
pena deve se aproximar do limite (que seria o quantum de atenuação que se daria em razão da
circunstância, isoladamente), até porque se chegasse a ele, a outra circunstância teria sido
anulada, teria sido desconsiderada. ART. 68 – CUMPRA-SE A CONSTITUIÇÃO - No Resp
7287/PR nova falácia é encontrada quando se argumenta que: a) as causas de aumento e de
diminuição de pena permitem resultados abaixo ou acima dos limites estabelecidos na lei; b)
as causas de aumento devem ser consideradas após a aplicação das agravantes ou atenuantes;
c) assim, as atenuantes não têm o efeito de diminuir a pena aquém do mínimo legal.
Verifica-se que as premissas não guardam nenhuma coerência com a conclusão. Tratam-se de
premissas válidas, mas não a conclusão. Ocorreu aí a chamada “falsa causa”. 14 Outro
raciocínio falacioso: a) a individualização da pena é feita em três fases, sendo a primeira
cominação dada pelo legislador, a aplicação feita pelo juiz e a execução regulada pela Lei
7.210/84; b) o princípio da individualização é garantia para o réu e limite do poder de punir;

14 COPI, 1978, pp. 83-84


7
c) assim, não é possível a atenuante ultrapassar, para menos, os limites da cominação, sob
pena de transformá-la em causa de diminuição de pena.15 Também não guardam coerência as
premissas e a conclusão. Mais um caso de falácia: a) a causa de diminuição não se confunde
com a atenuante, pois aquela afeta a cominação (pena em abstrato), enquanto esta a aplicação
(pena em concreto). Isso não é relevante para a conclusão de que a atenuante não pode
ultrapassar os limites cominados. Nova falsa causa. 16 Em outro precedente falacioso se
reconheceu que o juiz fixa a pena-base apreciando as circunstâncias judiciais, depois aplica as
circunstâncias legais sem extrapolar os limites legais, havendo qualificadora (sic), aumenta a
pena na quantidade prevista e apenas nessa última fase pode ir além ou aquém dos limites
abstratamente cominados. 17 Novamente não se explicou o porquê de na apreciação das
circunstâncias legais, que são depois das judiciais, não se permitir a atenuação abaixo do
mínimo ou o agravamento acima do máximo, se as causas de aumento de pena também
acontecem depois e podem ultrapassar esses limites. Simplesmente se partiu de um dogma. E
dogma não é científico. O dogma pertence à crença e não à ciência. Novo precedente com
conclusão falha e débil.18 Decidiu-se que no direito brasileiro não se admite que a atenuante
vá aquém do mínimo legal, conforme entendimento já reiterado no STJ. E foi só. Bastou-se
por si. Vivemos uma época de objetificação do sujeito e da pasteurização das idéias. Quer-se,
assim, impor por meio da força a vinculação de posicionamentos através de súmulas em que
seus criadores almejam estar acima de tudo e de todos. Permitir ao magistrado raciocinar é
perigoso. Melhor o juiz-robô, que foi programado para ilações de subsunção, tão somente. O
art. 68 é claro ao determinar que na aplicação da pena o juiz fixa a pena-base de acordo com o
critério do art. 59, que em seu inciso II impõe a limitação ao quantum mínimo e máximo do
tipo penal. “Em seguida”, isto é, não mais se atendendo ao critério do art. 59, serão
consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e
de aumento. Ora, se o argumento foi de que essa limitação deve se impor às circunstâncias
legais, mesmo raciocínio deve ser feito no tocante às majorantes e minorantes. Por qual razão
não? Por que estas atuam na cominação e aquelas na individualização? Isso não justifica
diferenciação. Trata-se de uma falácia informal de falsa causa. Sua estrutura é a seguinte: Se
as majorantes podem ultrapassar os limites mínimo e máximo, então elas atuam na cominação
da pena (em abstrato); as atenuantes atuam na aplicação (em concreto). Portanto, a atenuante
não pode ultrapassar o máximo legal. Veja-se que se parte de uma premissa que não é causa
da outra. Portanto, a conclusão não é válida. Também não é logicamente válido o argumento
de que as atenuantes não podem ultrapassar os limites da pena-base porque não possuem um
quantum definido, podendo ocorrer pena zero. Esquecem, contudo, da existência de
postulados que se aplicam ao direito como um todo: estou a falar da proporcionalidade e da
razoabilidade. Verei mais à frente. No momento, vale aferir a existência de um fenômeno
vedado em qualquer Estado Democrático de Direito: a analogia in mallan partem. Analogia
in mallan partem - A se admitir a tese de limitação das circunstâncias legais ao quantum
máximo e mínimo abstratamente previsto, estar-se-ia, primeiramente, ferindo o princípio
constitucional da legalidade, pois se ignoraria uma regra expressa determinando que as
atenuantes e agravantes sempre incidem. E mais um gravame aos direitos fundamentais se
estaria fazendo, a saber: um processo analógico in mallan partem. Com efeito, se adotaria,
face a inexistência de uma regra expressa vedando a aplicação além do mínimo e do máximo
previsto no tipo, uma postura criacionista e de voluntariosa analogia in mallan partem, que se
arvoraria isoladamente das palavras atenuantes (no plural, pois a regra tem a ver com o

15 REsp 15691-PR.
16 REsp 32.344-0.
17 REsp 46.182-0.
18 REsp 49500-8.
8
concurso de circunstâncias antagônicas – atenuantes e agravantes) e limites, do art. 67 do CP,
para prejudicar o réu no momento da aplicação. Patente caso de analogia in mallan partem.
Interessante, nesse talante, o alerta de Zaffaroni: se por analogia, em direito penal, entende-se
completar o texto legal de maneira a estendê-lo para proibir o que a lei não proíbe,
considerando antijurídico o que a lei justifica, ou reprovável o que ela não reprova ou, em
geral, punível o que não é por ela penalizado, baseando a conclusão em que proíbe, não
justifica ou reprova condutas similares, este procedimento de interpretação é absolutamente
vedado no campo da elaboração científico-jurídica no campo do direito penal. 19 A
ISONOMIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - Outro ponto importante em relação à
aplicação das circunstâncias legais tem a ver com princípio constitucional da isonomia. E
isonomia não quer dizer mera igualdade, mas igualdade substancial. E dentro desse conceito
se encontra o de tratar desigualmente os desiguais. Mas não é só isso. Estar-se-ia ferindo o
princípio constitucional da individualização da pena, uma vez que a reprimenda precisa ser
proporcional aos diversos elementos descritos na lei para quantificação dela. PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS EM JOGO - Fixada a premissa de que as circunstâncias legais podem
ultrapassar os limites máximo e mínimo, cabe agora saber: até onde vamos? E o risco da pena
zero? Antes de definir isso, devo buscar os princípios constitucionais que regem a questão: a
necessidade da pena, por um lado, e a individualização, por outro. O direito penal possui
assentamento constitucional. E está nos direitos fundamentais, notadamente nos dispositivos
seguintes do art. 5º da Constituição da República, em seus incisos XXXV (“a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, XXXVIII (Garantia do Tribunal
do Júri), XXXIX (Princípio da Legalidade), XL (Irretroatividade da Lei Penal), XLI - a lei
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, XLV
(Princípio da Responsabilidade Pessoal e da Intranscendência da Pena) e XLVI
(individualização da Pena). Além disso, expressamente em várias passagens do mesmo art. 5º
há mandados de penalização, notadamente nos incisos XLI (“a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”), XLII (“a prática do
racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos
da lei”) e XLIII (penalização mais gravosa da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, do terrorismo e dos definidos como crimes hediondos). Temos, assim, o Direito
de Punir do Estado, de um lado, e a Individualização da Pena, do outro. Precisa haver a
compatibilização de ambos. Um impõe. O outro dispõe. Um determina, o outro condiciona.
Um é abstrato. O outro é concreto. Mas falar de legitimação do direito penal é, antes de tudo,
falar da adequação material da lei incriminadora à Constituição, uma vez que esta, ao passo
que prevê a atuação do direito penal, faz sua delimitação. A Constituição é, ao mesmo tempo,
o fundamento normativo do direito de punir e seu limitador. Conforme Luciano Feldens: Ao
estabelecer no art. 5º, XXXIX, que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem
prévia cominação legal, a Constituição transfere ao legislador ordinário tanto a decisão sobre
o que deva ser considerado infração penal, quanto a definição sobre a medida da conseqüência
jurídica (sanção) atribuível á espécie. 20 (...) em um modelo de Estado Constitucional de
Direito a exemplo do nosso (...) a dogmática jurídica e a política criminal não podem se
estruturar de forma divorciada da Constituição, a qual predispõe-se a definir os marcos no
interior dos quais haverão de desenvolver-se tais atividades político-intelectivas.21 Há, ainda,
um conteúdo ideológico subjacente a toda essa discussão Não nos enganemos, pois por trás

19 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.
5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 200, p. 153.
20 FELDENS, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 40.
21 FELDENS, 2005, P. 43.
9
deste manto de defesa da proibição da atenuante abaixo do mínimo legal existe, sim, uma
política criminal alheia aos direitos fundamentais, soerguida pelo “movimento da lei e da
ordem”22 que, em última análise, vencidas todas as falácias que a sustentam, descerrada a sua
máscara, confessa que a súmula deve ser aplicada, pois “não se deve dar colher de chá a
bandidagem.” Juiz que age assim não é juiz constitucional. Pode ser aplicador de muita coisa,
mas não do Direito. E juiz que não aplica o Direito o que é, realmente? Assim, a interpretação
que a súmula 231 deu é inconstitucional e ilegal, por violar o princípio constitucional da
individualização da pena, bem como as regras descritas na Parte Geral do Código Penal, em
especial o seu art. 68. Lembrando que essa súmula em si não é vinculante, não possui caráter
cogente (embora, infelizmente, o senso comum teórico dos juristas a confira, na práxis, tal
status, indevidamente), não cabendo controle de constitucionalidade quanto a ela e sim quanto
aos julgados que se utilizam de igual fundamentação. POSTULADO DA
PROPORCIONALIDADE E A ATENUAÇÃO ATÉ UM SEXTO - Mas admitida a
constitucionalidade das circunstâncias legais aquém e além dos limites descritos no art. 59, II,
do CP, até onde se pode ir? Há o risco de pena zero? Pode uma atenuante ter uma graduação
maior que uma circunstância majorante ou minorante? Como resolver isso se o direito
positivo não traz uma solução? Eis aí onde reside uma grande dificuldade dos atores jurídicos:
criar uma norma para situações onde não há expressa regulamentação. Mas a solução se
encontra no próprio sistema jurídico. No caso, o postulado da proporcionalidade. Com efeito,
explica HUMBERTO ÁVILA23 que, regras e princípios são normas de primeiro grau, que
visam promover um estado de coisas. Mas há entes que não se situam em qualquer das duas
categorias, pois não visam conferir direitos ou impor obrigações. Funcionam como uma
ferramenta para aplicação das regras e dos princípios. E esses entes jurídicos, a quem Ávila
chama de metanormas e outros de postulados 24 , não descrevem direta ou indiretamente
comportamentos, “mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que
indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, não se podem confundir
princípios com postulados.”25 Seriam os postulados normas de segundo grau. Vozes recentes
no STF entendem o mesmo. Paradigmático foi o voto do Ministro EROS GRAU na ADI em
que se declarou a constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa dos Consumidores às
instituições financeiras. E disse o Ministro: (...) razoabilidade e proporcionalidade são
postulados normativos da interpretação/aplicação do direito – um novo nome dado aos velhos
cânones da interpretação, que a nova hermenêutica despreza – e não princípios. 26 Os
postulados se diferem dos princípios, pois não são realizados em vários graus, mas em um só
(a medida é ou não é proporcional ou razoável, por exemplo). Não são regras porque não
possuem uma hipótese e uma conseqüência, e nem podem ser declaradas inválidas em caso de
colisão. Assim, não se ponderam e nem se declaram válidos ou não, pois são eles mesmos
ferramentas para se ponderar princípios e se aquilatar a invalidade de uma regra. Aliás, não

22 Sobre o movimento da lei e da ordem, vide: SANTOS JR., Rosivaldo Toscano. As duas faces da política
criminal contemporânea. In Revistas dos Tribunais. Ano 87, vol. 750. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
461-471.
23 ÁVILA, HUMBERTO. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 122.
24 “Em geral uma proposição que se admite, ou se pede seja admitida, com o escopo de tornar possível uma
demonstração ou um procedimento qualquer” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ed. São
Paulo: Mestre Jou, 1982, p.751.
25 ÁVILA, 2006, p. 123.
26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2591/DF Rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Eros
Grau, j. 07/06/2006, DJ 29.09.2006, p. 31.
10
são princípios. São meios. Meios de se aplicar o Direito. Aliás, não se podem aplicar as
metanormas – v.g. a proporcionalidade ou a razoabilidade – como princípios, já que assim se
estaria transformando o juiz em legislador, competindo a ele criar uma norma que, ao alvedrio
de qualquer princípio ou regra que a fundamentasse, fosse a mais “proporcional” ou
“razoável” para aquele caso. Voltaríamos à visão positivista de discricionariedade judicial.
Como bem adverte ÁVILA, "Só elipticamente é que se pode afirmar que são violados os
postulados da razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor,
violadas são as normas – princípios e regras – que deixaram de ser devidamente aplicadas".27
Em nosso direito constitucional contemporâneo o postulado da proporcionalidade, que deve
ser obedecido tanto por quem exerce quanto por quem se submete ao poder, tem por
pressuposto: a) a existência de um ato normativo que afete um direito constitucional
fundamental; b) uma relação entre os fins perseguidos e os meios utilizados nesse desiderato;
c) uma situação de fato, conforme preleciona PAULO BONAVIDES.28 Não obstante a idéia
de proporcionalidade já remontasse a Aristóteles –, foi a jurisprudência alemã que a
sistematizou em três máximas parciais, a saber:29 a) adequação (Geeignetheit); b) necessidade
(Enforderlichkeit) c) proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit). Adequação
significa o meio apto a atingir o fim fomentado pela norma. Não se exige que este fim seja
atingido, mas sim, perseguido. Essa é a posição de HUMBERTO ÁVILA, que critica a
formulação feita por Gilmar Mendes, atribuindo a ele um erro de tradução do significado da
expressão, uma vez que o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal fala em adequação
como atingimento do fim. 30 Necessidade quer dizer o meio menos oneroso aos bens ou
valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis. Verifica-se aqui um
conteúdo comparativo entre as possibilidades de decisão. Por fim, proporcionalidade em
sentido estrito diz respeito a sacrificar o mínimo visando preservar o máximo de direitos, uma
vez que nenhum direito constitucional pode, sob nenhuma circunstância, suprimir outro por
inteiro. Assim, o grau de restrição de um direito fundamental deve ser justificável em razão do
fim perseguido.31 Voltando ao objeto desse estudo, é essencial haver a determinabilidade da
pena. Pena zero não é pena, realmente. Pensamos sobre o assunto. Chegamos a um raciocínio
que consegue ponderar os princípios da necessidade da pena, por um lado, e da
individualização da pena, por outro. Entendemos que há uma graduação crescente na
amplitude dos institutos. Das três fases previstas no art. 67 do CP, duas são delimitadas
expressamente. A primeira, a da pena-base, é a mais restrita e delimitada. A última, das
majorantes e minorantes, ultrapassa os parâmetros restritivos do mínimo e do máximo em
abstrato cominado pelo tipo. A segunda fase não haveria de ser a mais amplas de todas, sob
pena de se ferir o princípio da necessidade da pena, uma vez que não há determinação do
quantum de atenuação ou agravamento. Adotando-se o critério trifásico do postulado da
proporcionalidade, através de um método centrífugo (fuga do centro, onde neste estaria a
primeira fase – a das circunstâncias judiciais – pena-base), um meio apto para atingir o fim
fomentado pelo princípio da individualização da pena (adequação) seria entender que as
circunstâncias legais estão parametrizadas entre os limites da pena cominada até o aumento ou
diminuição mínima, assim como é na sua sequência de aplicação da pena pelo critério
trifásico, sem se anular, assim, a necessidade da pena. Esse raciocínio é o menos oneroso aos

27 Idem, p. 122.
28 BONAVIDES, 2004, p. 393.
29 PEREIRA, 2006, p. 320-321 e 324 e ss.
30 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p.43.
31 BILHALVA, Jacqueline Michels. A aplicabilidade e a concretização das normas constitucionais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 134-135.
11
bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis, pois ao
mesmo tempo que franqueia maior liberdade na individualização da pena, um direito do réu,
impede a impunidade, um direito da sociedade (necessidade). Por fim, há um sacrifício
mínimo do princípio da necessidade da pena, na medida em que garante a individualização
desta (proporcionalidade em sentido estrito). Cumpridos estão os três requisitos, vejamos
como fica a limitação da aplicação da segunda fase do critério trifásico do art. 67 do CP: a
fórmula seria essa: {[(pb) + ag] + ad} - onde pb = pena-base; ag = atenuantes e agravantes; e
ad = causas de aumento e de diminuição de pena. O RISCO DA PENA ZERO E O
POSTULADO DA RAZOABILIDADE - Um dos principais argumentos falaciosos contra a
aplicação das circunstâncias legais reside no propalado risco de pena zero. Com efeito, já
infirmamos que as circunstâncias legais podem ser graduadas em até um sexto. Em razão da
quantidade de atenuantes previstas no art. 65 do CP, sete, e das ilimitadas possibilidades de
aplicação de atenuantes genéricas (art. 66 do CP), caso houvesse pelo menos seis delas,
poderia ocorrer a pena zero. Esquecem-se os militantes desse raciocínio que o magistrado não
é um autômato e que o Direito – uma ciência social – não é matemática. Direito é razão. E
dele deriva a razoabilidade como postulado imanente ao seu próprio funcionamento, tanto em
sua teoria quanto na práxis. A palavra razão tem duas origens: o latim ratio e o grego logos,
em ambas com o mesmo sentido: contar, reunir, juntar. E o que fazemos – reflete
MARILENA CHAUÍ – “quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos?
Pensamos de modo ordenado (...) Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para
pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são”.32
Ensina HUMBERTO ÁVILA sobre como a razoabilidade funciona: A pergunta a ser feita é: a
concretização da medida abstrativamente prevista implica a não realização substancial do bem
jurídico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos
bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da
particularidade ou excepcionalidade do caso individual. (...) A razoabilidade determina que as
condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão. É
importante salientar dois pontos na razoabilidade: a) deve-se verificar como paradigma o que
ocorre no dia-a-dia, e não o extraordinário; b) deve-se considerar, além disso, as
peculiaridades da situação frente à abstração e generalidade da norma. Verifica-se que os dois
elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagônica à
arbitrariedade e respeitando a justiça do caso concreto, isto é, a eqüidade. Assume-se, assim,
um dever de consistência e coerência lógica. Consoante WILSON ANTÔNIO STEINMETZ,
na razoabilidade “objetiva-se verificar se a resultante da aplicação da norma geral (que é uma
norma constitucionalmente válida) ao caso individual é razoável, não-arbitrária.” 33
Advertimos que não entendemos que as atenuantes devem ser fixadas em um sexto, mas em
até um sexto. O critério que deve validar essa quantificação será dado pelo caso concreto,
razoavelmente. Por exemplo, uma confissão qualificada não deve ser sopesada da mesma
forma que uma confissão completa. Proceder ao magistrado um mero cálculo matemático de
simples soma de seis atenuantes (e se fossem sete, ficaria com crédito?) à fração individual de
um sexto, seria ferir a razoabilidade, pois naquele caso a concretização da medida
abstrativamente prevista implicaria a não realização substancial do bem jurídico a ser
protegido pela norma penal. Seria uma arbitrariedade.
CONCLUSÃO SOBRE O TEMA DA ATENUANTE AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL - Eis
aí onde reside a lógica do Direito: ajustar-se, ponderando os princípios em jogo e as regras
que sobre as quais eles incidem, e encontrar a decisão justa, racional, proporcional, razoável.
Juízes que agem assim são entes pensantes, não meros autômatos togados, cumpridores de

32 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003, p. 62.
33 STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 187
12
fórmulas e rituais, que necessitam de um oráculo supremo que lhe diga todas as verdades. No
Direito Penal cada caso é ímpar, por mais parecidas as circunstâncias reveladas pela
historicidade dos fatos, e únicas suas implicações. Não existem fórmulas prontas. O Direito
não deve ser realizado em linha de montagem, como se pessoas fossem a matéria-prima e a
liberdade ou prisão meros produtos. Nesse diapasão, destaco a advertência feita por
ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, no tocante às súmulas vinculantes, mas que
perfeitamente se aplica às que não tenham, formalmente, esse efeito mas, na prática, terminam
sendo usadas como dogma jurídico: “O risco é a exarcebação de um nível de abstração que
chegue a ferir o núcleo concernente à singularidade humana (...) o formalismo judicial
perpassou dos textos legais às súmulas, com um magistrado similar a um juiz-funcionário.”34
STRECK é claro quando diz que aclimatamos aqui o sistema americano do stare decisis de
maneira deturpada: Os denominados “precedentes sumulares” e os “verbetes jurisprudenciais”
que constam aos bordões em inúmeros “manuais” são utilizados (e citados) de forma
descontextualizada. Já no direito norte-americano isso não ocorre, mormente pelo fato de que
lá, o juiz necessita fundamentar e justificar detalhadamente sua decisão. Como contraponto,
no Direito brasileiro, de origem continental,suficiente que a decisão esteja de acordo com a lei
(ou com uma Súmula ou com uma “jurisprudência dominante” ementada). Não estamos a
fazer uma ode contra as súmulas, pois elas cumprem importante papel de revelar o
posicionamento, naquele momento histórico, de um tribunal. Mas são os magistrados,
notadamente os juízes de primeira instância, que conhecem os fatos e produziram as provas,
estão próximos dos fatos concretos. E é dever do magistrado entender essa realidade inefável
e cumprir o papel que lhe é delegado: ser justo. Sendo assim, no momento oportuno atenuarei
a pena, em obediência aos princípios constitucionais acima. DA CO-CULPABILIDADE
SOCIAL - A parte acusada teve muito pouco estudo, digo educação formal, e transborda sua
rudeza, decorrente, infelizmente, de nosso sistema abissalmente desigual e injusto, em que a
isonomia é um mito, e somente não denunciam isso os ingênuos. assim, justifica-se o
reconhecimento de atenuante inominada em favor do acusado, em razão da co-culpabilidade
social na participação do delito, pois é notório que a situação acima torna o acusado pessoa
mais vulnerável ao cometimento de crimes e à seleção pelo sistema penal, em sua peneira já
tão bem denunciada por Honoré de Balzac, quando dizia que "as leis são teias de aranha, em
que as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas" . Sobre o reconhecimento da
co-culpabilidade social como circunstância atenuante inominada, vejamos excelente artigo de
Bruno Carrijo Carneiro35: (...) 2. Os Princípios da Co-culpabilidade e da Individualização
da Pena A aplicação da pena representa, sem dúvida alguma, um desafio para os operadores
do Direito, principalmente no que toca à dosimetria da pena sob a luz do princípio da
co-culpabilidade. Insta salientar que a co-culpabilidade deve ser considerada como um
princípio que está intimamente relacionado a outros, em especial o da isonomia e, por
conseguinte, ao da individualização da pena. Salo de Carvalho, reportando-se aos dizeres de
Eugênio Raúl Zaffaroni, afirma que "reprovar com a mesma intensidade pessoas que ocupam
situações de privilégio e outras que se encontram em situações de extrema pobreza é uma
clara violação do princípio da igualdade corretamente entendido, que não significa tratar todos
igualmente, mas tratar com isonomia quem se encontra em igual situação". Deste modo,
considerando o princípio da isonomia na aplicação da pena, o juiz não poderá reprovar, com a
mesma intensidade, pessoas que ocupam diferentes papéis dentro da estrutura social,
principalmente em decorrência da situação econômica. Todavia, não é apenas a diferença de

3434 ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Efeito vinculante e concretização do direito. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009, p. 22-23.
35
In http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/artigo_default.asp?ID=343. Acesso em
19.12.2007.

13
status financeiro que interessa à aplicação da pena. Ao lançar mão do princípio da isonomia, o
operador do Direito deve considerar, também, outros aspectos, tais como o elemento
“potencial conhecimento da ilicitude do fato”. Há, inegavelmente, apenas a título de exemplo,
uma notável diferença, quanto ao conhecimento da ilicitude do fato, entre um sujeito com 21
anos de idade, que não possui nem o 1º grau completo, e outro indivíduo pertencente à classe
média, com a mesma idade daquele, que esteja concluindo o ensino superior. É inconteste que
não há, por parte do Estado, a satisfação dos direitos fundamentais a todos os cidadãos –
direitos de liberdade, sociais, econômicos e culturais. Assim, o juízo de reprovabilidade
individual pelo ato delitivo não pode ser igual entre os desiguais, nem desigual entre os
iguais. Caso contrário estaria configurada tão somente uma igualdade formal, porém restaria
prejudicado o princípio da isonomia. Destarte, tal desigualdade entre os sujeitos, diante do
absenteísmo do Estado, deve ser observada. Preconiza Salo de Carvalho que "o entorno
social, portanto, deve ser levado em consideração na aplicação da pena, desde que, no caso
concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal em
disponibilizar ao indivíduo mecanismos de potencializar suas capacidades e o fato danoso por
ele cometido. O postulado é decorrência lógica da implementação, em nosso país, pela
Constituição de 1988, do Estado Democrático de Direito, plus normativo ao Estado Social
que estabelece instrumentos dos direitos sociais, econômicos e culturais". Portanto, em meio a
uma sociedade de camadas sociais e diante de um Estado omisso, o direito penal mais justo,
nas palavras de Gustav Radbruch, “só poderia ser um direito relativamente justo.” E, o mesmo
autor, citando as palavras de Anatole France, pontifica que "em sua igualdade majestática a lei
proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir debaixo das pontes, esmolar nas ruas e furtar pão,
e nela vale também para o direito penal a palavra amarga: 'Deixais ao pobre tornar-se culpado,
em seguida o entregais à dor'!" E adiante arremata Gustav Radbruch que: "Se é a situação de
classe que predominantemente provoca a queda do crime e o uso da pena, deduz-se que não o
direito penal, mas, de acordo com a palavra de Franz von Liszt, “política social é a melhor
política criminal” – sendo a tarefa duvidosa do direito reparar, contra o criminoso, o que a
política social deixou de fazer por ele. Pensamento amargo esse, de quantas vezes as custas do
processo e da execução, se empregadas antes do crime, teriam bastado para evitá-lo!" O
operador do Direito, ao dedicar atenção ao princípio da isonomia, contempla, por conseguinte,
um princípio fundamental do direito penal, a saber: o princípio da individualização da pena,
insculpido no artigo 5º, inc. XLVI, de nossa Magna Carta. Preconiza Chaïm Perelman que "a
passagem da igualdade formal para a igualdade real se manifestará, em direito penal, pela
teoria da individualização da pena, que leva em conta, na repressão, a individualidade do
delinqüente. Em vez de atentar apenas aos elementos objetivos de uma infração, insistir-se-á
nos elementos subjetivos; o que, necessitando de uma medida individualizada, redundará em
penas desiguais, mesmo para co-autores de um mesmo delito. A Corte de Cassação da Bélgica
aprovou esse modo de agir ao rejeitar vários recursos que pretendiam que o juiz havia violado
o art. 6º da Constituição belga, que garante a todos os belgas a igualdade perante a lei, porque
havia tratado diferentemente dois homens que haviam cometido um mesmo delito." Destarte,
o princípio da individualização da pena ganha supremacia sobre o princípio da mera igualdade
formal que, não raro, é ensejador de injustiças. O princípio da isonomia, pelo qual se deve
tratar os desiguais na medida em que se desigualam, deve ser o princípio basilar para uma
justa individualização da pena e, deste modo, o fundamento de aplicação do princípio da
co-culpabilidade. J. Messine, em citação de Chaïm Perelman, afirma: “O que é mister buscar
não são penas iguais: são penas adequadas ao objetivo que se lhes atribui.” 3. A
co-culpabilidade como atenuante genérica As circunstâncias legais atenuantes estão
previstas no artigo 65 do Código Penal. O rol constante do dispositivo não elenca a
co-culpabilidade como circunstância atenuante, mesmo porque se trata de uma nova tendência
do Direito Penal. Não obstante, a enumeração de tais circunstâncias não é taxativa, haja vista
o que dispõe o artigo 66 da Legislação Penal, in verbis: “A pena poderá ser ainda atenuada em

14
razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista
expressamente em lei.” Deste modo, a lei vigente, abandonando o sistema da enumeração
exaustiva de atenuantes, adotado pelo Código Penal de 1940, introduziu regra que vem a
permitir o reconhecimento de atenuantes não expressamente previstas. Assevera Heleno
Cláudio Fragoso que "qualquer circunstância relevante relacionada com o fato ou com a
pessoa do agente, que afete de forma significativa o merecimento de pena, deve ser
considerada como circunstância relevante." Destarte, indaga-se, a esta altura, se o princípio da
co-culpabilidade poderia ser considerado uma circunstância atenuante, mediante a aplicação
do artigo 66 do Código Penal brasileiro. Alguns autores há, como Eugênio Raul Zaffaroni e
Salo de Carvalho, que advogam a favor da consideração da co-culpabilidade enquanto
circunstância atenuante genérica ou inominada. Preceitua Eugênio Raúl Zaffaroni "que a
co-culpabilidade é herdeira do pensamento de Marat e, hoje, faz parte da ordem jurídica de
todo Estado social de direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem
cabimento no CP mediante a disposição genérica do art. 66." Nesta mesma esteira, afirma
Salo de Carvalho que: “... a precária situação econômica do imputado deve ser priorizada
como circunstância atenuante obrigatória no momento da cominação da pena.” E, adiante,
vem a complementar a sua idéia, apontando que ”juntamente com a valoração da situação
econômica, devem ser avaliadas também as condições de formação intelectual do réu, visto
que esta relação é fundamental para a averiguação do grau de autodeterminação do sujeito.”
Salo de Carvalho, ao entender que deve também ser verificada a formação intelectual do réu,
vislumbra, ao que parece, o denominado erro de proibição que, se tratar de erro evitável, a
pena será amenizada e, em se tratando de erro de proibição inevitável, a pena deverá ser
excluída. Estas circunstâncias atendem, antes de mais nada, ao princípio da isonomia, uma
vez que centram-se na análise da real capacidade de o autor socialmente referido conhecer,
compreender e motivar sua conduta conforme o direito. Com razão, Salo de Carvalho advoga
que o Código Penal, ao permitir a diminuição da pena em razão de “circunstância relevante”,
anterior ou posterior ao crime, embora não prevista em lei, já fornece um mecanismo para a
implementação deste instrumento de igualização e justiça social. Fundamentando a aplicação
do princípio da co-culpabilidade como circunstância atenuante, o autor supra-referido lança
mão do artigo 14, inciso I, da Lei n. 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O citado
dispositivo reza, in verbis: “São circunstâncias que atenuam a pena: baixo grau de instrução
ou escolaridade do agente”. Inquire o autor se seria permitida a utilização extensiva da
supracitada circunstância atenuante para outras espécies de condutas ilícitas. E assevera Salo
de Carvalho que "é mister lembrar que é plenamente admissível, na estrutura do direito de
garantias, a utilização da analogia, desde que não seja em prejuízo do réu. A admissão é tida
como pacífica na jurisprudência e na doutrina, dispensando maiores divagações." Deste modo,
possível se torna, sem nenhum óbice, a aplicação analógica do artigo 14, inciso I, da Lei n.
9.605/98, permitindo a inclusão, como atenuante, o baixo grau de instrução ou escolaridade
do agente. Portanto, Carvalho sustenta a aplicação ampliativa da referida regra, porque
segundo ele mesmo afirma, “... não entendemos que exista vínculo necessário e suficiente que
a restrinja aos delitos ecológicos, como ocorre, por exemplo, com as outras atenuantes
mencionadas no art. 14 da Lei n. 9.605/98.” Assim, para o autor, a circunstância prevista no
inciso I daquele artigo, qual seja, “grau de escolaridade”, não se vincula tão somente à
minimização do dano ambiental, como ocorre com as outras circunstâncias previstas –
arrependimento, reparação, comunicação e colaboração. Não existindo este vínculo direto
entre o grau de instrução do agente e a minimização do dano ao meio ambiente, nada obsta
que aquela circunstância atenuante seja aplicada para outros delitos que não os ambientais.
Quanto à aplicação do princípio da co-culpabilidade como atenuante inominada, vindo a
diminuir a pena em virtude das condições econômicas do réu, vale transcrever a ementa de
um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada por Salo de Carvalho. Ei-lo:

15
Roubo. Concurso. Corrupção de Menores. Co-culpabilidade. Se a grave ameaça emerge
unicamente em razão da superioridade numérica de agentes, não se sustenta a majorante do
concurso, pena de "bis in idem". Inepta é a inicial do delito de corrupção de menores (lei
2252/54) que não descreve o antecedente (menores não corrompidos) e o conseqüente (efetiva
corrupção pela prática de delito), amparado em dados seguros coletados na fase inquisitorial.
O princípio da co-culpabilidade faz a sociedade também responder pelas possibilidades
sonegadas ao cidadão-réu. Recurso improvido, com louvor à Juíza sentenciante. O ora
decisum merece aplausos, na medida em que não olvida o princípio da co-culpabilidade,
entendendo que ao lado da reprovabilidade do criminoso pelo fato, existe uma parte da
culpabilidade que a sociedade deve suportar, em virtude das possibilidades sonegadas àquele
que agiu contrariamente ao Direito. Acerca da consideração da co-culpabilidade como
circunstância atenuante genérica, arremata, magistralmente, Salo de Carvalho: "... tal
interpretação possibilita no interior da dogmática jurídico-penal, criar um mecanismo de
minimização da cruel inefetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais, impondo ao
Estado-Administração, via Judiciário, uma 'sanção', mesmo que residual ou simbólica, pela
inobservância de sua própria legalidade no que diz respeito à estrutura do Estado Democrático
de Direito que congloba, como vimos, a matriz do Estado Liberal e do Estado Social." Eis,
pois, o modo mais justo de se aferir a culpabilidade, visto que o Estado (brasileiro) contribui
sobremaneira para o incremento da criminalidade, à medida que tem sonegado as condições
mínimas de desenvolvimento aos seus cidadãos. Vale ressaltar, aqui, as palavras do Professor
Dr. Nilo Batista, segundo o qual, “propensão para o crime tem é o Estado que permite a
carência, a miséria, a subnutrição e a doença – em suma, que cria a favela e as condições
sub-humanas de vida”. Pode-se inferir que, para a aplicação de um Direito Penal justo, o juiz
criminal deve ser mais que um autômato que anda à procura do tipo legal para determinada
conduta típica, antijurídica e culpável. Seu trabalho deve ir além disso, e o princípio da
co-culpabilidade emerge aqui como uma importante ferramenta para a humanização do
Direito Penal, a fim de atenuar os efeitos deletérios da exclusão social e econômica de
determinadas camadas, em grande parte pelo absenteísmo estatal. A busca da justiça penal,
principalmente na adequada aplicação do princípio da co-culpabilidade, não é tarefa fácil,
porém não é impossível. Sem embargo disso, qualquer aplicação da pena que enxergue no
criminoso uma pessoa com dignidade a ser respeitada, já é uma tentativa de se chegar a um
direito penal mais justo. E essa liberdade pode ser limitada pelas condições sócio econômicas
do agente, impondo-se à sociedade e ao Estado certo grau variável de co-responsabilidade
pela conduta típica perpetrada (em parte) pelo agente, impelido por condições adversas,
recomendando o abrandamento da resposta penal nesses casos. Esse princípio tem sua
sustentação nos princípios da igualdade (máxime em seu aspecto material) e da dignidade da
pessoa humana. Em suma, a idéia de Cabette é que “o Direito Penal, perpassado pelo
mesmo fio de oura da ética, deve reconhecer em seu bojo o Princípio da
Co-Culpabilidade, compreendendo a considerável perda de liberdade de
autodeterminação imposta a relevante parcela da população”36. Posto isso, temos que a
obediência ao princípio da Co-Culpabilidade representa o respeito pelos valores da dignidade
humana, igualdade e justiça, merecendo ser interpretada conjuntamente com o disposto no art.
66 do CP, no sentido de ser reconhecida a atenuante inominada quando circunstâncias
adversas causadas pelas inércia do Estado contribuírem para diminuir a
autodeterminação do agente no cometimento de infrações penais. Por essas duas
circunstâncias (confissão e atenuante genérica) atenuo a pena em 1/8, restando 10 meses e 15
dias de reclusão, e 8 dias-multa. Causa de aumento de pena - nenhuma. Causa de
diminuição de pena - Nenhuma.
Do total da pena

36
Op. cit.

16
Sem mais nenhuma hipótese de flutuação a ser observada na fixação da pena, finalizo-a em 10
meses e 15 dias de reclusão, e 8 dias-multa, na proporção de 1/30 do salário mínimo em razão
do estado econômico da parte ré.
Do regime de cumprimento da pena
O regime de cumprimento da pena será o inicialmente aberto, por força do art. 33, § 2°, c, do
CP.
Da substituição por pena alternativa (lei 9.714/98)
É o Código Penal quem fixa os requisitos para a substituição. Diante do caso concreto,
acontece o seguinte: é reincidente, mas mesmo assim este delito não foi praticado com
violência ou grave ameaça à pessoa. Pos isso, substituo a pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, cuja modalidade restará individualizada pelo Juízo da e no momento da
Execução Penal, que terá contato pessoal com o condenado, especialmente com essa
finalidade e, assim, com melhores condições de avaliar qual a melhor medida a ser tomada e
cumprir fielmente o ditame constituição da terceira fase da individualização da sanção penal..
Da suspensão condicional da pena
Fica prejudicada em razão da substituição, haja vista a redação do art. 77 do CP, a saber: Art.
77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser
suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (...) III - não seja indicada ou cabível a
substituição prevista no artigo 44 deste Código.
Do estado de liberdade do acusado
Diz a nova redação do parágrafo único do art. 387 do CPP que "O juiz decidirá,
fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou
de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser
interposta". No caso em apreço, o regime de cumprimento da pena aplicado foi o aberto;
houve substituição por pena restritiva de direitos. Seria um contra-senso prendê-lo nessas
circunstâncias. E ausente qualquer fundamento pra a decretação da prisão preventiva, razão
pela qual concedo o direito de apelar em liberdade. Em todo caso, continuará preso, pois
administrativamente infringiu uma norma legal e terá seu regime de pena regredido.
Do quantum mínimo para reparação
Levando em consideração as conseqüências da infração para a pessoa da vítima, isto é, como
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido,
no caso, diante do fato de que se trata de crime contra a incolumidade pública, entendo
prejudicado esse capítulo da sentença.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Condeno ao pagamento das custas. Contudo, o acusado é pessoa em situação de patente
pobreza. Por força dos arts. 4º e 12 da lei 1.050/60, suspendo a exequibilidade das custas
processuais. E somente após o trânsito em julgado, promova a Secretaria as seguintes
providências: intime-se a parte acusada, com cópia da Guia de Execução, para
comparecer na 12ª Vara Criminal e dar início ao cumprimento da pena; lance-se o nome
do réu no rol dos culpados (art. 393, II); comunique-se ao setor de estatísticas do ITEP;
oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de suspensão dos direitos políticos (art. 15,
III, CF); encaminhem-se as respectivas Guias, devidamente instruídas, ao Juízo das
Execuções Penais; comunique-se ao Distribuidor Criminal, para os fins necessários.

CIÊNCIA DO CONDENADO
NECESSIDADE COMPARECIMENTO DAQUI A 20 DIAS, SOB PENA DE PRISÃO

Eu, (APAGADO), estou ciente de que daqui a vinte dias terá ocorrido o trânsito em
julgado da sentença condenatória e por isso estou cientificado de que deverei
comparecer à Secretaria Judiciária desta Vara para ser orientado sobre o início do
cumprimento da condenação, sob pena da expedição imediata de Mandado de Prisão e

17
recolhimento a uma Delegacia de Polícia.

Assinatura do acusado:___________________________________

Assinatura do acusado:___________________________________

E como nada mais houve, determinou que fosse encerrado o presente termo que, lido e achado
conforme, vai devidamente assinado. Eu, _______, Técnico Judiciário, digitei e vai assinado
pelas partes e pelo MM. Juiz.
Juiz:_________________________________ MP:__________________________________

Defesa:_______________________________ Acusado:_____________________________

Acusado:_____________________________ Vítima:_______________________________

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