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Outubro de 2006
1. Introdução
No período recente, principalmente neste ano de 2006, a economia brasileira vem
experimentando uma situação peculiar, no que se refere aos patamares de inflação. Como atestam
os diversos índices de preços, vem se observando sua queda contínua e expressiva, ao ponto de o
país hoje conviver, com taxas anuais muito semelhantes às verificadas em economias estáveis. De
fato, a taxa acumulada de inflação nos doze meses findos em agosto, segundo o Índice do Custo de
Vida calculado pelo DIEESE, atingiu apenas 2,8%. Uma noção melhor da queda da inflação pode
ser obtida a partir da Tabela 1, abaixo, que traz uma série histórica de nossas taxas de inflação.
TABELA 1
Taxa anual de inflação – ICV DIEESE
1990 a 2006
Anos INPC ICV
A medida de variação dos preços tem alcançado taxas tão baixas, no período recente, que
chega a provocar, em diversas pessoas, uma reação de incredulidade. Parte desta reação se deve ao
fato de que, em anos anteriores, houve uma forte queda no rendimento real dos assalariados – que
nem sempre conseguiram “zerar” as perdas salariais nas datas-base – e também houve crescimento
do desemprego, que diminui a renda familiar disponível, ocasionando queda no nível de consumo
das pessoas.
Além disso, deve-se levar em consideração que a taxa de inflação é uma média da evolução
dos preços de mercadorias e serviços. A rigor, cada família “sente” a variação dos preços de modo
particular, pois o peso de cada item no seu orçamento é diferente. Assim, se, por exemplo, o preço
Os salários num contexto de baixa inflação 2
dos medicamentos sobe muito, a inflação das famílias que têm mais idosos tende a ser maior. Se o
preço dos alimentos cai, a inflação das famílias mais pobres tende a ser menor, já que boa parte de
seu orçamento é gasto em alimentação.
Até mesmo dirigentes sindicais não deixam de se surpreender com os resultados recentes e
manifestam certa decepção quando informados do percentual de reajuste salarial necessário à
recomposição do poder de compra dos salários. A primeira reação é olhar para tais resultados como
um problema. O raciocínio imediato é: “será muito difícil mobilizar os trabalhadores na ‘campanha
salarial’ para lutar por um percentual tão baixo”.
Esta nota técnica procura avaliar, brevemente, o impacto sobre os salários da redução
observada nas taxas de inflação e avançar numa tentativa de recolocar o problema dos salários no
Brasil em outras bases1.
• Salário Nominal: é o valor do salário recebido pelo trabalhador a cada mês, no padrão
monetário vigente, atualmente em reais.
• Custo de vida: “é um conceito mais concreto. Considere-se uma família que gasta sua
renda adquirindo bens e serviços. A aquisição desses bens e serviços assegura a ela um
determinado padrão de vida. O custo de vida é o total das despesas efetuadas para se
manter certo padrão de vida”.
1
Esta Nota Técnica aponta os benefícios e limitações trazidos pela baixa inflação para a manutenção do poder de
compra dos salários. Entretanto, deve-se ressaltar a existência de um longo debate que confronta a opção estratégica
pela estabilidade monetária em detrimento do crescimento econômico. Assunto que não será tratado nesta Nota.
2
DIEESE. Matemática Sindical: cálculos e conceitos úteis à negociação coletiva. São Paulo: 1996
O Gráfico 1 procura demonstrar esta afirmação. Uma primeira observação permite perceber
a evolução do salário real no decorrer do período que se estende de setembro de 2001 até agosto de
2006. Tal evolução expressa o comportamento dos salários dos trabalhadores pertencentes a uma
categoria cuja data-base é setembro. Além disso, imagina-se, de forma otimista que, nas cinco
datas-base contidas no período, os trabalhadores e o sindicato que os representa conseguiram a
recuperação plena do poder de compra dos salários. Isto pode ser visto no gráfico, onde, em cada
data-base, o salário real volta ao mesmo nível estabelecido na data-base anterior, neste exemplo, no
patamar equivalente a R$ 1.000,00, em valores de agosto de 2006.
GRÁFICO 1
Evolução do salário real
Setembro de 2001 a agosto de 2006
1.050,00
salário real
1.000,00
Salário Real
950,00
850,00
Sep-01 Sep-02 Sep-03 Sep-04 Sep-05
Fonte: DIEESE
Obs:. Deflator ICV/DIEESE
O Gráfico permite verificar que os diferentes patamares de inflação fazem muita diferença
nos efeitos que provocam sobre o poder aquisitivo do salário de cada mês, no período entre uma
O mais importante é chamar atenção para o comportamento do salário real médio anual,
indicado no gráfico pela linha mais regular, que expressa o valor real médio do salário ou o poder
de compra médio durante os 12 meses entre datas-base. No período entre setembro de 2002 e
agosto de 2003, esta média ficou em R$ 903,78 ao mês (Gráfico 1 e Tabela 2). Assim, embora o
salário negociado na data-base de setembro de 2002 tenha retomado o patamar de R$ 1.000,00, a
alta do custo de vida o corroeu tão fortemente que seu valor real médio tornou-se R$ 96,22 menor!
Isto é, a perda salarial anual sofrida pelos trabalhadores nos 12 meses entre as datas-base de 2002 e
2003 (perda de massa) foi de R$ 96,22 vezes 13 (12 salários mais o 13º salário), o que correspondeu
a R$ 1.250,86, ou seja, 1,25 salário.
Na situação oposta, no período entre setembro de 2005 e agosto de 2006, com patamares
baixos de inflação, o salário médio real foi de R$ 977,22, R$ 22,78 menor que o negociado na data-
base. Multiplicando por 13, a perda de massa salarial no período de setembro de 2005 a agosto de
2006 equivale a R$ 296,14 ou apenas 0,30 salário.
TABELA 2
Evolução dos salários reais deflacionados pelo ICV/DIEESE
Setembro de 2001 a agosto de 2006
Inflação Salário Real Salário Real Diferença entre
Salário Real em
Acumulada em Médio entre salário mensal
(1) Agosto
(ICV/DIEESE) Setembro datas-base contratado e
Período
salário real médio
(R$)
(%) (R$) (R$) recebido (R$)
(A) (B) (C = A - B)
No início dos anos 90, a inflação chegou a atingir taxas mensais superiores a 80%. Era
como se a moeda estivesse se dissolvendo em nossas mãos. A conseqüência era uma busca
permanente e generalizada de adoção de mecanismos cada vez mais complexos e imediatos de
correção dos contratos, entre os quais os contratos salariais, de forma a se manter o seu poder de
compra.
Nessa corrida, via de regra, os assalariados sempre perdiam, uma vez que não conseguiam
corrigir seus salários na mesma velocidade e intensidade em que eram corrigidos os preços das
mercadorias que consumiam.
Além do esforço para a recomposição, o reajuste elevado, da ordem de 40%, 60%, 100%,
levava os trabalhadores a experimentarem por um mês, dois ou três, a idéia de que tinham obtido
uma melhora acentuada em seus rendimentos. Isto porque a base que utilizavam para comparação –
Mas os reajustes obtidos pelos trabalhadores organizados, nos anos de pico do processo
inflacionário, rigorosamente falando, significavam, quando muito, o retorno a uma situação anterior
em termos de poder de compra. Não ocorria qualquer tipo de ganho real. E a alta inflação do
próprio mês da data-base já corroia o poder aquisitivo do salário negociado até o momento em que
ele fosse recebido.
Nesse sentido, num momento de baixa inflação, como o atual, a perda e a sua percepção
tornam-se menores, reduzindo conseqüentemente seu poder mobilizador. A energia a ser
despendida pode parecer não compensar o resultado almejado. Obter a recomposição da inflação do
período significa um incremento salarial de cerca de 3%. Isso tem sido visto como pouco, porque o
acréscimo monetário é pequeno, comparativamente aos períodos de alta inflação. Esse fenômeno,
pode ser chamado de “desilusão monetária”.
Recolocando o problema
Há ainda uma segunda ordem de explicação para o desconforto dos trabalhadores.
Provavelmente, a sua razão está no fato de serem muito baixos os rendimentos da maioria da
população. Se a inflação for absolutamente igual a zero, isto é, se os preços ficarem inalterados
durante todo um ano, isso em nada alterará o fato de que, ainda assim, a maioria dos brasileiros
continuará tendo rendimentos muito baixos para fazer face ao custo de uma vida digna. Este talvez
seja o verdadeiro problema.
Costuma-se confundir a variação do custo de vida com o custo de vida propriamente dito.
Se a variação do custo de vida for zero, mas os salários da maioria dos trabalhadores não forem
alterados de forma relevante e persistente, o custo de vida continuará sendo elevado, para aquele
patamar de rendimentos.
Uma forma de se perceber a necessidade da elevação real dos salários é observar como se dá
a distribuição funcional da renda no país. Nesta perspectiva, pode-se ver quanto da renda é
apropriada pelos trabalhadores, na forma de salários, e quanto é apropriada pelos empresários, na
forma de lucros.
Conforme se observa no Gráfico 2, ao longo dos anos 90 e início dos anos 2000, a
participação dos rendimentos do trabalho na renda nacional caiu 9,5 pontos percentuais, ao passo
que o excedente operacional bruto, correspondendo grosso modo ao lucro empresarial, aumentou
sua participação em 8 pontos. Ademais, a participação dos trabalhadores na renda é bastante baixa
comparativamente a outros países.
GRÁFICO 2
Evolução da distribuição funcional da renda, considerando apenas os rendimentos do
trabalho e do capital(1)
- Brasil 1993 a 2003
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Fonte: IBGE
Elaboração: DIEESE
Nota: (1) Excluídos os rendimentos de autônomos e os impostos líquidos
Trata-se de uma mudança qualitativa importante, pois a idéia é passar de uma posição
defensiva do poder de compra dos salários, para uma posição ofensiva de aumento da participação
no resultado do produto social. Ao invés da decepção com a baixa inflação, deve-se saudar a morte
do fantasma da “ilusão monetária”.
Diante do exposto, resta a seguinte questão: o que fazer para, o quanto antes, deixar para trás
a agenda imposta pelas taxas de inflação? Por meio de quais instrumentos se pode desenvolver a
luta pela redistribuição da renda e pela melhora do poder de compra dos salários?
Direção Executiva
Carlos Andreu Ortiz – Presidente
STI. Metalúrgicas de São Paulo
João Vicente Silva Cayres – Vice-presidente
Sind. Metalúrgicos do ABC
Antonio Sabóia B. Junior – Secretário
SEE. Bancários de São Paulo
Carlos Eli Scopim – Diretor
STI. Metalúrgicas de Osasco
Alberto Soares da Silva – Diretor
STI. Energia Elétrica de Campinas
Zenaide Honório – Diretora
APEOESP
Pedro Celso Rosa – Diretor
STI. Metalúrgicas de Curitiba
Paulo de Tarso G. B. Costa – Diretor
Sind. Energia Elétrica da Bahia
Levi da Hora – Diretor
STI. Energia Elétrica de São Paulo
Carlos Donizeti França de Oliveira – Diretor
Femaco – FE em Asseio e Conservação
do Estado de São Paulo
Mara Luzia Feltes – Diretora
SEE. Assessoria Perícias e Porto Alegre
Célio Ferreira Malta – Diretor
STI. Metalúrgicas de Guarulhos
Eduardo Alves Pacheco – Diretor
CNTT/CUT
Direção técnica
Clemente Ganz Lúcio – diretor técnico
Ademir Figueiredo – coordenador de desenvolvimento e estudos
Nelson Karam – coordenador de relações sindicais
Equipe técnica
Carlindo Rodrigues de Oliveira
Carlos Jardel Leal
Frederico Mello
Paulo Jäger
Iara Heger (revisão)