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Teresa

Manuel Bandeira

A primeira vez que vi Teresa


Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo


Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo
.............................................................................................[nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada


Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

O poema Teresa, de Manuel Bandeira, faz parte do livro Libertinagem, o


primeiro livro modernista do autor. Trata-se de um texto lírico-amoroso em que
é narrada a descoberta amorosa da personagem do título pelo eu lírico. Esta
descoberta acontece de forma banal, sem os arroubos de paixão romântica, o
que quebra a expectativa do leitor de encontrar um grande história de paixão à
primeira vista ou de encontrar uma grande musa por quem, mais à frente, o eu
lírico irá se apaixonar.

Teresa, para o eu lírico, à primeira vista, parece burra. Burra, pois a cara
parecia uma perna, compara o autor, um perna estúpida, ou seja, grosseira,
inexpressiva. Depois, no entanto, o olhar sobre Teresa se aprofunda: é um olhar
que investiga o olhar. O eu lírico olha no fundo dos olhos de Teresa, e enxega
Teresa além da perna. Teresa tem olhos velhos, e enxergar a alma velha
dentro dos olhos não só denota um interesse como perceber olhos velhos indica
uma relação já mais terna. Teresa tem um corpo jovem, mas seu olhar
demonstra sofrimento e/ou sabedoria. A casca estúpida de Teresa é deixada de
lado, a partir da segunda estrofe, pois o que se assinala então é o paradoxo da
identidade da personagem.

Por fim, na terceira estrofe, o eu lírico capitula diante de Teresa. O


terceiro encontro é recheado por magia (os céus se misturam com a terra) e
milagre (Deus caminha sobre a água), por uma descoberta de sensações
profundas, misteriosas e grandiosas. É o momento em que o eu lírico não
enxerga mais nada, o que denota uma impotência diante da visão de Teresa,
sua perda de poder de reação. Neste verso, por sinal, Bandeira parafraseia,
implicitamente, o dito popular "O amor é cego". Impossibilitado de ver, cego
àquilo que enxergava até então (os defeitos de Teresa), o eu lírico está
realmente apaixonado.

A forma sintética de expressão do poema, estruturado em tercetos, é


característica do movimento ao qual Bandeira se junta a partir do livro
Libertinagem. O Modernismo se demarca pelo abandono das convenções
literárias, pela busca da linguagem coloquial, livre, apoética até. No plano da
expressão do poema Teresa, isso ocorre na estruturação livre (e
excessivamente longa até, no caso do último verso da segunda estrofe, o qual,
precisa ser alinhado abaixo do verso, com o sinal [ indicando que pertence
ainda ao verso anterior) de todos os seus versos, do uso de versos brancos em
todo o poema e da quase total ausência de figuras de linguagem na construção
textual. O poema de Bandeira se manifesta poeticamente muito mais pela
associação de elementos inesperados ("a cara parecia uma perna") do que pela
percepção de uma beleza divinizada na mulher amada ou na existência. Esta
percepção de poesia naquilo que menos se espera, nas fontes mais incomuns
do prosaismo, do cotidiano, também é uma forma de manifestação do
Modernismo no poema, visto que uma característica desta escola é justamente
desmistificar a poesia e conectá-la à vida cotidiana e prosaica do ser humano
comum.

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