You are on page 1of 24

S ub sí doios para a História

Da
Freguesia

O Autor:
JOSÉ GAMEIRO
(José Rodrigues Gameiro)
Subsídios para a história
de

FICHA TECNICA:
Titulo:
SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DE FOROS DE SALVATERRA:

Tipo de Edição: Online ( pdf )

Autor: Gameiro. José

Data: SETEMBRO 2007

Editor Gameiro, José Rodrigues


Morada: Bº Pinhal da Vila – Rua Padre Cruz, Lote 49
Localidade: Salvaterra de Magos
Código Postal: 2120- 059 SALVATERRA DE MAGOS

* Tel. 263 504 458


* Fax: 263 505 494
* Telem 918 905 704

Fotos da Capa: -
Mapa da Freguesia de Foros de Salvaterra * 1936 -Construção da Barragem de Magos *Casamento, Transporte em
carroça
NOTA PRÉVIA

No dobrar do século XX, todo o rapazio da vila de Salvaterra de Magos, já


sabia que, aos sábados de manhã, se realizava um casamento na Igreja Matriz,
de gente vinda dos Foros de Salvaterra.
Era de ver, as longas filas de carroças, que chegavam ao Largo
e, logo os animais eram “amarrados” às árvores que ali existiam.
A música, acabava os seus últimos toques, e os noivos
acompanhados dos pais, padrinhos, familiares e convidados,
ajeitavam-se para a entrada naquele templo religioso.
Muitos dos convidados não entravam, aproveitavam o tempo da cerimónia,
para se dispersarem, pelas tabernas, a mais próxima à Igreja era a do Morais, e
aí ofereciam copos de vinho e cigarros, aos homens da vila ali presentes.
Algumas mulheres, iam às lojas, do José Inácio, Pedro Santos, Celestina e
outras, de quem eram clientes anuais, comprar amêndoas e rebuçados. Quando
a cerimónia religiosa terminava, a comitiva, logo se ajeitava para o regresso, os
rapazes, andavam de volta dos carros e recebiam a oferta daquelas doçarias,
tiradas dos “talegos” de pano bem guarnecidos de desenhos. Porque vivi esse
tempo, mais tarde, para uma pesquisa jornalística, fiz a recolha dos usos e
costumes daquelas gentes, contactei com os filhos e netos, dos que iniciaram o
desbravar das terras que, agora são os Foros de Salvaterra. Da terra-mãe,
Salvaterra de Magos, conservavam muitas raízes, nos seus usos e costumes, que
iam para além da indumentária, e da comida.
Na década de 80, Os “ditos populares”, que na origem já se iam perdendo,
estavam bem vivos, nas gentes Foreira, de mais de 70 anos. Tudo isto, e muito
mais já o escrevi na Colecção de Apontamentos Nº 2 “Recordar Também é
Reconstruir!”, recapitulando agora aqui e adicionado algo mais.

Setembro: 2010

O Autor
JOSE GAMEIRO
(José Rodrigues Gameiro)

1
FOROS DE SALVATERRA
( Subsídios para da História da Freguesia)

A Coutada Real de Salvaterra, em 1520, com extremas, até Benavente,


Coruche e Almeirim, tinha como pertença, entre outros, os lugares de Moita
Paredes, Ameixoeiro e Magos, nomes que, vêm de 1295, e descritos no segundo
Foral de D. Dinis, documento de bom acesso, pois já foi traduzido e impresso
em edição gráfica, com edição da Torre do Tombo de parceria com a Câmara
Municipal. Naqueles sítios, tinham lugar as caçadas de montaria, onde as
batidas começavam na Ómnia de S. Jorge, apertando o cerco lá para os lados de
Moita Paredes, onde eram abatidos; porcos bravos, javalis, gazelas e outros
animais de pelo. Lá mais para as extremas com Benavente, em Bilrete de Cima,
no vale, eram os grous e patos, os grous e faisões, os alvos mais apetecidos.
Naquelas terras de Coutada, era proibido apanhar qualquer peça de caça.
Para estes delitos, o povo recebia penalizações que, iam até à deportação
para as colónias. Num estudo, de 1758, do padre, da vila de Salvaterra de
Magos, Miguel Cerqueira, nos diz: “Naquela planície de charneca, onde os
vizinhos se dispersam pelos sítios do Culmieiro; com nove residentes.
Misericórdia; com um, Coelhos; com cinco, Cabides; com dois, Figueiras; com seis,
vendo-se um conjunto de 23 habitações”.
Tal estudo completa a informação, que junto a um grande braço de água
vindo de outras terras, existe, um vale de terras húmidas (1), com o lugar de
Bilrete de Cima; com nove vizinhos.
As terras arenosas eram conhecidas como “Milagrosas”, das suas profundezas
nasciam águas e plantas que, o homem vinha aproveitando para curar os seus
males, segundo informações de boticários da época.
“No Paul de Magos, existia o “Vale de Unheiros” onde numa nascente com
um pequeno olho de água, brotava um líquido que, o povo dizia substituir o
chá. A voz popular, dizia; “Quem Bebe-se daquela água, passaria a ter mais
vontade de comer ! “ O bruco, uma outra erva de grande poder curativo das vias
urinárias, além das terras do Paul, se colhia em outros sítios do termo da vila de
Salvaterra de Magos. Com a extinção das Coutadas Reais em 1821, a Junta da
Paróquia de Salvaterra de Magos, “aforou”, em 1845 aqueles terrenos que,
viriam a dar lugar às povoações que, hoje fazem parte do concelho.
Os povos que,” colonizaram” aquelas terras não sabiam que estavam debaixo
da alçada de leis anteriores à época romana. Em Portugal, ainda se praticava o
sistema do enfiteuse, um modo de usar as terras, pelos senhorios, já conhecido
dois séculos a. C.

************
(1) - Durante muitos anos, existiu o sítio do Vale do Grou

2
A POSSE DA TERRA

Quando do aforamento daquelas terras de charneca, os modelos usados pelos


novos donos, foi de origem espontânea, sendo na maioria utilizados alguns
sistemas de pequena “Exploração directa, Parceria ou o Arrendamento”.
As primeiras parcelas de terreno, em licitação pública foram vendidas a
250$000 réis, sendo as seguintes em preços, entre os 1.000 e 3.000$000 réis.
Os anos foram passando, a segunda geração de Foreiros, iniciava, a luta pela
posse da terra por si trabalhada, foram confrontos, que levou muitas famílias
perante as decisões dos tribunais, prolongando-se muitas causas para além da
4ª geração de rendeiros. A saída do decreto-lei n.º 39.917, de 1954, não
contemplou por inteiro os seus direitos, nem um outro de 1976, e só muitos

anos mais tarde, existiu a discussão do projecto de lei 343/IV que, foi aprovado,
e saiu como lei contemplando a legalização da Várgea Fresca e Califórnia. O povo
dos Foros de Salvaterra, conquistava assim um desejo que, durava à muitas
dezenas de anos. O progresso vinha chegando, e o primeiro ramal de
electrificação de algumas zonas, aconteceu no dia 24 de Outubro de 1981, para
comemorar o acontecimento o executivo da Junta de Freguesia, promoveu um
programa com muitos festejos.

BARRAGEM DE MAGOS

No grande Vale da Ameixoeira, onde as águas das


chuvas e, algumas nascentes tinham lugar, aconselharam a
construção da Barragem de Magos. Teve assim inicio, em
1934, a primeira obra de engenharia hidráulica, com
reservatório hídrico, a ser construída em Portugal. Num
trabalho, do Prof. Eng.º Agrónomo, Ruy F. Mayer,
publicado em 1936, eram tornadas públicas pela primeira
vez, que grande parte das terras daquela zona de Charneca,
poderia ser agora, premiada com a rega, no Verão, através

3
de um sistema de bombagem, beneficiando toda sua vasta área de terreno
areno-arenoso com calhau e alguma argila.

A AGRICULTURA

No início do século XX, as manchas de vinha, pinhal e eucaliptal, ocupavam


já grandes áreas, passando a ser as maiores fontes de rendimento do povo
foreiro. O sobreiro, oriundo da sua antiga charneca, vivia em espaços bem
localizados, convivendo com Chaparral da Casa Roquette, que dava mostras
do seu desaparecimento.
As searas de regadio, mais tarde conheceram os furos artesianos, muitas
vezes a grandes profundidades, que deram àquelas terras aptidões para
grandes colheitas. O vinho, das suas terras areno-arenosas, com uma qualidade
e sabor, muito apreciado que, o mercado identificava ”Vinhos dos Foros de
Salvaterra”. Os seus terrenos frescos, eram procurados para a criação de gado
cavalar.

Uma nova etapa, começou nos terrenos que, durante centenas de anos, davam
sementes de sequeiro, como: o grão, a fava, o milho e o trigo, eram agora
aproveitadas na batata, tomate e cenoura. Estas três culturas agrícolas, estavam
agora a mostrar serem mais produtivas.

O ABASTECIMENTO DA POPULAÇÃO

Por volta de 1968, as mulheres Foreiras, ainda vinham a Salvaterra, fazer as


suas compras “avios” de mercearia aos sábados. Trabalhavam de manhã, e
depois do almoço muitas vinham a pé, ou aproveitavam alguma boleia de
carroça. Após as compras, nas “Lojas” onde se abasteciam com créditos anuais,
lá procurava a Central das carreiras, com as pequenas cestas, cheias de
alimentação para uma semana.

4
Pelas 15,00 horas, um grande corrupio de passageiros, dava para encher
algumas camionetas, nos transportes públicos. A maioria ficava no Estanqueiro.

Quanto à roupa e calçado, aproveitavam a confiança concedida pelos


comerciantes de Salvaterra, iam suprindo as necessidades e no final, da
temporada, fim do Verão, lá para Setembro, quando as colheitas, e a vindima
estavam feitas, faziam a liquidação das contas.

Mais tarde, naquela época do ano, era no Mercado de Marinhais, que a roupa
e o calçado eram comprados para vestir a família, aproveitando também para a
compra de um porco para a engorda.

DIA DE FESTA CASEIRA


(A Matança do Porco)

Uma outra forma de abastecimento, era a guarda em caixote de madeira


”salgadeira” de carnes de porco. Era um alimento, que entrava em todas as
refeições, especialmente os enchidos (chouriço de carne e chouriço preto), que
tinham origem na matança de um porco. Quando as famílias eram numerosas,
matavam-se dois porcos por ano – um na Primavera um outro no Outono.
Nos dias da matança do porco, eram convidados, alguns familiares e amigos.

Estes, chegavam a vir de terras afastadas, sendo uma forma de reencontro


anual, era dia de festa! Os homens, depois de prepararem uma fogueira com
“caruma”, ajudavam a segurar o porco, com algumas arrobas, em cima de um
estrado, ou mesa de madeira, enquanto o que tinha mais jeito, de faca em
punho, lá a espetava na garganta do animal.

As mulheres, quando o “bicho” sangrava, com um alguidar de barro, sal e


vinagre, recebiam o sangue, que depois servia para os enchidos, de chouriço
preto. Também, em jeito de fila, lá iam dando água, a umas outras que
raspavam os pelos queimados.

5
As entranhas, do animal eram todas limpas e aproveitadas. Algumas, serviam
logo para o primeiro petisco, caso das tripas, fígados. Quando a matança, era
no Outono, aproveitava-se, para a prova do vinho/ou água-pé.

RELIGIÃO/ FESTAS POPULARES


Desde tempos imemoriais, que a primeira população foreira venerava Nossa
Senhora do Castelo, talvez por se comemorar em 15 de Agosto, feriado
religioso, religiosidade que vinha transmitindo aos seus descendentes. Era dia
de festa, a ida a Coruche, filas de carroças logo “cedinho” com o raiar do sol.
Juntavam-se algumas famílias e amigos, levavam as
suas comidas, em pequenas cestas, que era comida na
encosta do castelo, ou ali perto da estação do comboio,
local onde “amarravam” as bestas. Como o decorrer
dos anos, o padre José Rodrigues Diogo, da paróquia
de Salvaterra, foi estabelecendo contactos mais
aguerridos com muitos paroquiados dos Foros, e com a
sua perseverança não deixou de levar a cabo um
desejo; a construção de uma Igreja naquele lugar.

O povo passou a ter mais religiosidade, em Nossa


Senhora da Conceição “Imaculado Coração de Maria”,, tradição que vinha de há
séculos, em Salvaterra, adoptando-a como sua padroeira, festa que se realiza em
plena época de Verão. Um outro templo religioso foi construído, no sitio da
Várgea Fresca, onde as festividades culminam na 3ª semana de Julho, com a “
Festa da Amizade”.

6
HINOS À NATUREZA

Nos anos 70, segundo uma recolha que fiz, especialmente na zona de Moita
Paredes e Lagoa, as gerações mais antigas de Foros Salvaterra, conservavam
ainda no seu rico vocabulário, “hinos à natureza”, como:

* As terras da Lezíria, são uma beleza *


* Na Primavera, a formiga em carreiro, sua mesa começa a juntar !
* Tempo quente, Verão, de queimar, Vejo, trigo loiro, pronto a debulhar! *

Cearas de tomate, a vermelhar,


O melão, madura a adocicar!
No Outono, a uva está pronta a vindimar,
Chuvas no Inverno, são de tragar !
Canto e choro a trabalhar,
Que, mais, a terra nos há-de dar!

* E eu, assim vivo desta natureza*

A CASA DOS FOREIROS


Uma habitação típica da Lezíria ribatejana !

A arroteia daqueles terrenos de charneca, foi um longo e lento trabalho de


homens e animais que, ocupou famílias, durante anos e anos, ali instaladas
desde o seu aforamento.

De Salvaterra de Magos, a terra-mãe, saíram os seus primeiros “colonos”,


com seus usos e costumes - danças e cantares da planície ribatejana.
Assim, nasceu o lugar de Foros de Salvaterra !

Os novos foreiros, depressa começaram a construir pequenas casas que, sendo


destinadas à sua habitação, também tinham agregadas divisões, servindo de

7
espaços para armazém de viveres e adega. Na habitação, muito pobre de
construção, era usado o adobe (terra negra de aluvião e palha) com o reboco das
paredes em massa de cal.
Por perto viviam os animais de trabalho, aquartelados em estábulos
precários. O burro, era a besta mais utilizada, como meio de transporte,
enquanto o gado vacum, além do leite dava a força para o amanho da terra.

Um pequeno forno e um poço, também


tinha lugar nas redondezas, enquanto as
árvores de fruto com hortado, serviam a
família. Num espaço, aramado em rede
feita à mão, viviam as galinhas, enquanto
na pocilga, um porco de engorda, era
alimentado para a matança anual.

A casa com divisões pequenas, cujo estilo de construção, ainda durava nos
anos 50, deste século agora a findar, deu-lhes um lugar típico na Lezíria
ribatejana. O telhado com telha de canudo (a chamada telha portuguesa), era a
cobertura primitiva, dando lugar anos depois, a uma outra de desenho plano, a
Marselha. A entrada da casa, com espaço largo, servia de sala de receber as
visitas e funcionava como cozinha e lugar das refeições.
No fundo uma chaminé de construção junto ao chão, com uma grande boca,
onde durante o dia uma fogueira de lenha se mantinha acesa. Panelas grandes,
de ferro fundido com tripé, ali eram colocadas, para a cozedura das refeições
familiares e também dos animais. A meia altura da empena da chaminé, um
suporte (prateleira), construída em cimento ou madeira, suportava os potes de
barro, com água potável, para a bebida da família.

Na chaminé no início do
fecho do pescoço, no
interior, algumas
peças em ferro, suportavam
os enchidos, na sua cura de
fumeiro Uma outra divisão,
usada como quarto do
casal, tinha a completar,
um outro mais pequeno,
para agrupar as camas dos filhos, enquanto pequenos, consoante os sexos.

No campo do mobiliário, as peças em madeira eram de grande rusticidade,


com um revestimento de uma laca, a que chamavam “vioxene”. As mesas e
cadeiras da cozinha, muitas vezes apresentavam-se pintadas de azul ou verde.

8
1934 - Início da construção da Barragem de Magos

1942 – A bacia da Barragem de Magos, cheia de água

1934 – Em dia de vindima, homens foreiros, carregando cestos de uvas


1934 – Mulheres Foreiras, mondando arroz, no Paul de Magos

1966 - Maria da Silva (Maria Chaparrana),


em dia de Espiga (Quinta-feira de Ascensão)

1983 – Construção de um reservatório de água – abastecimento ao domicilio


Elevação de Foros Salvaterra a Freguesia
Igreja dos Foros Salvaterra

Edifício da Extensão do Centro de Saúde - Foros Salvaterra


Nos quartos, viam-se camas de ferro, com algumas peças em metal que, era
limpo periodicamente, para conservarem o brilho.
Na primeira metade do século passado, ainda era muito usual, no chão, uma
massa negra, a que chamavam “pavimento de salão” (1) , sendo semanalmente
“borrifado com água”, ficando macio e brilhante durante algum tempo, dando
estes espaços lugar ao cimento, nas novas construções.
Nas pequenas janelas, no interior das divisões de maior privacidade,
pendiam peças de tecido transparente, a que chamavam cortinados.

Os anos passaram, as vinhas


e o pinhal foram dando lugar
as novos estilos de vida, o
foreiro tradicional, foi
dando lugar, a novos hábitos de
“amanhar a terra” com a
compra de novas alfaias
agrícolas, dedicando-se mais à
cultura de searas de produção
intensiva. Na construção de
habitação, uma nova urbanização, de inicio como que a “receio”, as novas
construções, depressa deram lugar em grande escala a pequenas moradias,
agora chamadas de vivendas. Os terrenos, passaram a ser muito procurados
por gente de fora, que tem modificado os Foros de Salvaterra, com este tipo de
habitação, que passou a ser casa de campo, ou de fim de semana.

**************

AS TRADIÇÕES NO CASAMENTO

Apesar do período de grande transformação, onde o exotismo dos casais já


ter dificuldades em constituir e manter uma família consistente, os foreiros, até
aos bem poucos anos, conservavam nos seus tradicionais costumes, o
casamento como um bem digno de registo.

***********
(1)- Solão=Saibro de Aluvião

A povoação de Foros de Salvaterra, situada entre Coruche e Salvaterra de


Magos, nos finais da década de 80, do século passado, ainda tinha, talvez como
inéditas em Portugal, uma tradição nas suas festas de casamento do seu povo.

9
Por necessidade de deslocação à Igreja Matriz da vila, os noivos e padrinhos
e restantes convidados eram transportados em vistoso cortejo.

UM CASAMENTO NOS FOROS DE SALVATERRA

Já um distinto cronista(1), tratou desta forma, com a descrição :


“Tem colorido e graça um casamento nos Foros. Os noivos e os seus convidados
montam em burros, cujas albardas vão cobertas de colchas de algodão de cores vistosas,
lembrando uma cavalgada da Idade Média, numa imitação quixotesca.
A noiva, traz um largo e comprido vestido azul com requifes brancos, mantilha branca
na cabeça, onde a laranjeira abunda. O requife faz nos vestidos os mais inéditos
desenhos, que enchem de graça este trajar simples. O noivo, de preto, jaleca, chapeirão
de aba larga, com pena de pavão espetada
no chapéu e, junto à fita e no feito, ramos
de flores de laranjeira”

No dobrar do século, outra


forma de cortejo era usada. No meio
da vasta fila de carroças, um
acordeonista, contratado para os dias da festa, tocava as mais diversas modas,
como: Corridinhos e marchas.
Sendo eu, o responsável, pela feitura da página o “Jornal de Salvaterra”, que
tinha lugar no semanário “Aurora do Ribatejo”, com sede em Benavente.

Um dia, João Pereira (Jope), que de vez enquanto para lá enviava um artigo,
me abordou, entregando-me o texto seguinte:

***********
(1) – Francisco Câncio

O som da música, misturado com a alegre vozearia do enorme trotar dos


animais que, por vezes percorria muitos quilómetros, por terras de areia, onde o
estridente guizalhar dos seus ornamentos que, puxavam as carroças em grande
fila indiana.
O trote certo daqueles, era vigiado pelos condutores, com a ajuda do
inseparável chicote. Em Salvaterra, durante e após a cerimónia matrimonial, os
padrinhos ofereciam um copo de bebida e um cigarro, aos mirones que, se
juntavam perto das escadas da Igreja ou que ou por uma taberna que estava
ali ao lado. O rapazio, esse, em grande correria, acompanhava o cortejo, já no
regresso, até à estrada das “cavalhariças ” (1) apanhando as amêndoas e
rebuçados, agora oferecidos por outros membros comitiva, que as atiravam

10
para o ar. Ao iniciarem o caminho, os nubentes tomavam o lugar na última
carroça do cortejo, de costas voltadas para o condutor, e acenavam alegremente
para a assistência que no percurso lhes desejavam muitas felicidades.

Durante a viagem, por caminhos difíceis, onde os valados cobertos de


verdura, mostravam ao fundo casas caiadas de branco, demonstrando grande
cuidado dos seus habitantes. Por vezes, algumas amigas da noiva, muito antes
do termo da viagem, esperavam o cortejo e, com arcos engalanados de flores
naturais e de papel, obrigavam os participantes no casamento a percorrer o
espaço que faltava até ao local da boda, acompanhados de músicas e cantares
da região.
À chegada ao local, era sempre um ancião (homem ou mulher) que, dizia os
versos seguintes:
“Vou dar os parabéns aos noivos !
Que por Deus já estão casados !
Se forem muito amiguinhos !
Por Deus serão ajudados !
Foram hoje à Igreja !
Encruzar as mãos em cruz !
Deus queira que se dêem tão bem !
Como a virgem Maria com Jesus !

Antes da entrada no local da boda, uma boa mesa de vários pratos, à base de
carnes e doces, os esperava, com algumas garrafas de vinhos licorosos.
O acordeonista, tocava algumas modas, onde todos os convivas dançavam
durante alguns minutos. Durante a tarde, até à hora de jantar, novamente a
dança ocupava o tempo dos convidados, especial dos mais novos.

*********
(1) - Cruzamento Salvaterra/Coruche/Santarém

Os mais velhotes, os homens, entretinham-se a comenta o tempo e o ano


agrícola, e as anedotas sempre picantes de premeio, chegavam assim à noite, já
com uns bons copitos no bucho<.!

11
As mulheres, essas em grupo, entretinham-se a saber e contar das novidades
locais!
Pela noite dentro e, com o jantar a decorrer, as músicas não paravam, a
convidar sempre um pé de dança, num baile que, durava até sol fora do dia
seguinte. Os noivos, não arredavam pé e, de vez enquanto a pedido, tinham de
dar a sua graça no bailarico.

Após o almoço, depois da tarde ser passada em convívio com os convidados,


recebiam a chave da sua nova habitação, ficam enfim a sós.

A ENTREGA DA CHAVE

Na cerimónia da entrega da chave, os padrinhos e os pais dos noivos e, estes


caminhando a pé até à nova residência, abriam a porta, e após uma dança (uma
última modinha), recebendo a chave das mãos dos padrinhos:

Dizia o noivo para a já sua mulher:


Toma lá esta chave ! Já que és minha mulher ! Para me abris a porta ! A toda a hora
que eu vier !

A noiva ao abrir a porta, aos presentes respondia:


Meu padrinho, minha madrinha e, a todo o acompanhamento; Se meu marido der
licença,
façam favor de entrar para dentro !

Era então o momento das mulheres bisbilhotarem e, os comentários eram


tema de conversa no campo, durante a semana seguinte.

Após uma pequena visita e desejos de boa sorte, os recém-casados, lá ficavam


a sós, pois muitas vezes, no dia seguinte (segunda-feira), era dia de trabalho.

O NATAL DE OUTROS TEMPOS!

Há dias, minha sogra, Rita Silva, de 85 anos de idade, perguntou-me se o dia


de Natal estava perto. Lá lhe fui dizendo que faltavam uns dias, dizendo-me
muito mais puxando pela memória já muito débil. Olhe, talvez não saiba, que
na minha geração, não se dizia os meses do ano;, eram o (S. João, S. Tiago, S.
Miguel, Piedade, Santos e Natal), os outros; Janeiro, Fevereiro, Março, Abril,
Maio e Outubro. Quando eu, era nova, na terra onde nasci – Foros de
Salvaterra, a festa do dia de Natal, resumia-se ao almoço em casa, quer a família
fosse de muitos ou poucos filhos. A comida do almoço, era à base de galinha, e

12
por vezes lá se matava um coelho e também carne de cabrito, ou carneiro, que
era muito raro, nestas últimas.
Eram animais criados em casa, para se comer algum dia diferente, como,
doença, ou do nascimento de um filho (fazia-se uma canja com arroz). O dia de
Ano Novo, já não tinha grande importância, mas se tinha sobrado alguma coisa
do Natal, servia para a refeição do almoço.

Dois, ou três dias antes do Natal, depois da jorna do trabalho, noite dentro,
algumas vizinhas ou raparigas familiares, juntavam-se em casa de uma delas, e
ali faziam “velhozes” e arroz doce. Os bolos, era coisa desconhecida para
aquele povo rural. Um ou outro, mais endinheirado, lá comprava uns bolos
diferentes.
Como havia cozedura de pão, também se faziam umas “caralhotas” que as
crianças gostavam muito (massa do pão, azeite, canela e açúcar), aliás era um
doce que era feito todo o ano, sempre que o forno era quente e havia pão cosido
de fresco. Ao cair da noite da véspera de Natal, e sempre que o tempo
convidava, todos os vizinhos do canto onde viviam, em grande “ajuntamento”,
a pé com lanternas (umas com velas outras já com petróleo), acesas, lá iam por
estradas de areia – que eram os carreiros das carroças e das manadas de
animais, atravessando pinhais, fazia-mos a entrega de lembranças aos nossos
familiares mais próximos, especialmente aos mais idosos. A romaria, era feita
pelas mulheres e raparigas que cantavam e, no grupo sempre havia um homem
que tocava gaita de beiços, adoçando as “goelas” com uns golos de vinho doce,
ou aguardente (1)

ELEVAÇÃO A FREGUESIA

Com o decreto Nº 73/84 de 31 de Dezembro de 1984, subiu à categoria de


freguesia, e no campo territorial, deixava agora de pertencer à sua terra - mãe,
Salvaterra de Magos, passando a ocupar uma área de terreno de 35,60 Kms2,
com cerca de 5.000 habitantes.

***************
(1) – In Blogue “historia de Salvaterra

O PROGRESSO

13
A povoação conheceu melhores dias, após a revolução de Abril de 1974, tanto
o comércio e prestação de serviços muito se desenvolveu.
O abastecimento de água que, até ali era o reservatório do poço, foi
desenvolvido e numa primeira fase foram enterrados numa vasta zona, cerca de
70 kms de canalização para o abastecimento domiciliário.

No campo da saúde, foi construído um posto médico para apoio à


população. As vias de comunicação, modernizaram-se com a pavimentação de
muitas delas. No entanto a sua melhor conquista, foi a elevação a freguesia,
que ocorreu no ano de 1984. A Barragem de Magos, foi sofrendo vários arranjos
para o turismo, sendo agora um espaço de grande procura.

*************** *******************

NOTA:
Quando da venda, em 1845, pela Junta da Paróquia de Salvaterra de Magos, dos terrenos
que, foram da Coutada real, estes em grande parte adquiridos por lavradores e proprietários
agrícolas de boas posses, da região, como: As Casas Cadaval, Roquette, Costa Freire, Roberto,
Porfírio Neves da Silva, Rebello de Andrade, Sousa Vinagre, Eugénio de Menezes, entre outros.

A maioria destes terrenos foi sujeita, após a compra a uma colonização expontânea, por
famílias que, ali se instalaram, para transformarem solos bravios, em terras produtivas, de
regime de cultura intensiva. Para a exploração directa dos cultivadores, foram usados os
sistemas; Aforamento, Venda, Arrendamento, e numa pequena escala a Parceria.

Os primeiros Foreiros instalaram-se e construíram habitações para as suas famílias, na situação


de ilegalmente, ou autorizados verbalmente, e nas partilhas dos seus bens, para com as gerações
descendestes, eram usada a repartição de parcelas, onde usavam a sorte do barrete, hábito
ainda usado até a meados do século passado.

14
Ainda na primeira metade do séc. XX, vários foram os Dec.Leis, publicados, autorizando a
então criada, Junta de Colonização Interna, a comprar em vário pontos do país, terrenos aos
primitivos donos, para uma colonização intensiva.

De modo a sua posse pelos usuários, fosse menos penosa na aquisição, a entrega aos
“colonos/foreiros”, dos terrenos era feita através de escritura de venda/compra, com pagamentos
mensais e durante vários anos

Nos Foros de Salvaterra, alguns terrenos foram assim transaccionados, ao abrigo daquelas
primeiras leis, e só muitos anos depois, em 1987, alguns casos foram solucionados, entre eles os
terrenos da “Califórnia”, na zona da Várzea Fresca, nome que recentemente tinha aparecido na
linguagem do povo.

******************
***********
*********

15
BIBLIOGRAFIA USADA:

Documentos do Autor :
* SALVATERRA DE MAGOS E O SEU CONCELHO:
Freguesia de Foros de Salvaterra
* OS FOREIROS DA CALIFÓRNIA E VÁRGEA FRESCA
Uma Luta de muitos anos !
* FOROS DE SALVATERRA “HISTÓRIAL”
(Texto oferecido pelo autor, e usado no livro de publicidade das Festas dos
Foros de Salvaterra, no ano 1994, pela sua Comissão),Também foi usado,
pela Câmara Municipal, no livro: “Salvaterra, Paladares Antigos.
* FOROS DE SALVATERRA “Uma terra abençoada pela natureza !”
* Texto da rubrica: - Já sabia, Que !
(Rubrica semanal, que o autor, tinha na rádio de Marinhais-1990)
*Natal de Outros Tempos ! – Autor *** In Internet “História de Salvaterra”
Blogue: http://www.historiadesalvaterra.blogs.sapo.pt
**************** *****************

FOTOS USADAS:
- Pág 3 Monda de Arroz, no Paul de Magos .. 1936 <<<<<<.. a/d
- Pág.3 Construção da Barragem de Magos <.1936 <<<<<<. a/d
- Pág.4 Fazendo a vindima <<<<<<<<1936 <<<<<<. a/d
-Pág.4 Lavrando a terra, com Junta de bois <.1936 <<<<<<. a/d
-Pág.5 Mulheres Foreiras, entrando para as camionetas de transporte
Público <<<<<<<<<<<<<<1960 <<<.. Foto autor
- Pág.5 Francisco Libório e António (Casaquita), este com o burro
Junto à taberna do Leopoldino em Salvaterra, 1967, Foto E.Gageiro
-Pág.7 Rancho Folclórico de Foros de Salvaterra .. 1975 <<<<. a/d
- Pág.7 Casa tradicional de família Foreira<<1950 <<<<<< a/d
- Pág.8 Cama/quarto, Família Foreira<<<< 1950 <<<<<< a/d
-Pág 9 – Família Foreira <<<<<<<<<.. s/d <<<<<<< a/d
-Pág.10 Igreja Matriz e Taberna do Morais <.. s/d <<<<<<< a/d
- Pág.10 Carroças do cortejo de um casamento em Salvaterra <<..a/d
–Pág.13 Uma viúva Foreira e filha, na EN118 (Vale Queimado) 1967
Foto Eduardo Gageiro * Revista Século Ilustrado
-Pág. 15 Grupo de de homens transportando cestos com uva 1936 a/d
Pág. 15 Construção da Barragem de Magos<<<<<<<<<<. a/d

**************
As Fotos do Anexo, foram retidas da edição: Práticas e Saberes das Avós no
Cuidar das Crianças (Pág. 91,92,93) – Autor: João Paulo Vieira Rodrigues

16
Dedico este livro:
A minha esposa,
Maria da Conceição,
nascida nos Foros de Salvaterra,
Nesta data, minha companheira
de 50 anos!

17
Edição do Autor

Online

Publicado:
http://www.historiasalvaterra.blogs.sapo.pt

You might also like