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A ESPAÇONAVE DO
ÍDOLO AMARELO
Autor
HANS KNEIFEL
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
O mês de julho do ano 3.441 — tempo terrano —
aproxima-se do seu término. Perry Rhodan, que acabou de
voltar à Terra há pouco tempo, vindo da galáxia Gruelfin,
encontrou-se diante das ruínas daquilo que fora construído
com penoso trabalho de séculos. Ele deixou para trás, no
aeroporto da frota de Terrânia, a experimentada Marco Polo,
e partiu, junto com 60 companheiros, entre os quais Gucky e
Atlan, novamente para o Incerto, com a Good Hope II, uma
corveta especialmente equipada.
Perry Rhodan não tem outra escolha, ainda mesmo que
a eliminação das condições caóticas na Terra exijam a
entrada em ação, com sacrifício de cada ser humano não
afetado pela imbecilização. Mas o caos está onipresente
desde o surgimento do misterioso Enxame, há cerca de sete
meses atrás. Ele não atinge apenas o Sistema Solar, mas
estende-se por toda a galáxia, conforme atestam
comunicações e pedidos de socorro de inteligências que se
mantiveram imunes.
Perry Rhodan pretende investigar o Enxame. Ele parte
da suposição de que poderia ter êxito em encontrar um
antídoto contra a manipulação da constante gravitacional
ocasionada pelo Enxame, e que causa a imbecilização da
maioria das inteligências, ou então em, pelo menos, fazer
com que os dominadores do Enxame desistam de atravessar a
Via-Láctea.
E enquanto Perry Rhodan se dedica consequentemente
às tarefas de suas investigações, outros homens da Terra
cumprem, também consequentemente, a sua missão no
espaço.
Como Edmond Pontonac, o embaixador do Sol, ele
regressa e se encontra com o comboio dos desesperados — e
com a Espaçonave do ídolo Amarelo...
Com muito esforço, o homem lutava para atravessar o jardim hidropônico, cheio de
plantas silvestres vegetando. Finalmente arrancou algumas trepadeiras e atirou-as na
direção dos coelhos. Havia trezentos desses animais preguiçosos e gordos, a bordo desta
nave. Podia-se cheirar isso há sete meses e meio. A única vantagem desses coelhinhos era
que eles se alimentavam das inúmeras plantas do inculto jardim hidropônico e se
multiplicavam com uma velocidade fabulosa.
— Porcaria danada! Isso é um jardim de infância com fazenda experimental, e não
uma nave! — praguejou o homem.
Ele continuou em frente.
Toda a nave estava repleta de sujeira e dejetos. Naturalmente fora usado aço que
não podia enferrujar na sua construção, mas as aparições de desgaste mostravam-se com
especial nitidez agora, depois de três semanas no espaço normal.
Mais para a frente ele ouviu o grunhir dos porcos. Também havia a bordo uma
criação de porcos de doze animais, que viviam magnificamente da lavagem existente em
grande quantidade a bordo e, com isso, já estavam gordos e prontos para serem abatidos.
O responsável por esta nave lembrou-se com desespero, de como ele ensinara a dois
robôs, no dia trinta de novembro do ano passado, como se abatia, abria e aproveitava a
carne dos porcos. Tudo isso fora desenvolvido numa espécie de programa de instrução
para desmontagem de uma criatura viva.
— Eu não vou aguentar isso por mais muito tempo! — disse ele.
E era assim.
Por muito tempo esta nave e sua tripulação não conseguiria mais aguentar este
processo ilógico e consumidor de forças. Cortados de todas as notícias, com exceção dos
inúmeros pedidos de socorro vindos de todas as partes da galáxia, esta nave tinha partido
e tinha tentado alcançar a Terra — até agora inutilmente. Mas esperem — não
inutilmente de todo. Tinham chegado perto do Sistema Solar, mas já o próximo voo
linear poderia aumentar novamente esta distância otimistamente diminuta.
Os porcos grunhiram novamente. Estavam com fome. Durante vinte e dois dias ele,
Edmond Pontonac, tinha sido o único homem a bordo da nave que conservara o seu juízo
em toda a sua envergadura. Além disso, desde o dia trinta de novembro, as dores de
cabeça que voltavam periodicamente não tinham mais aparecido. Penosamente, juntando
pedrinha de mosaico a pedrinha, Edmond conseguira explicar-se o que tinha acontecido
nesta galáxia.
— Eu já vou, porcos! — murmurou ele, distraidamente, enquanto controlava os
instrumentos dos três porcos, de carga concomitantes, que ele transformara num jardim
hidropônico. Circulação de ar, lâmpadas de luz solar, umidade do ar, impregnação de
água, substâncias nutritivas — tudo estava correto, apesar das bombas, de vez em
quando, falharem. A nave entrava em decadência mais depressa do que podia ser
reparada, e o tempo, em que os reparos eram possíveis, ficava cada vez menor. Pontonac
gostaria muito de estar novamente alguns dias na presença de homens sensatos, e não
rodeado de adultos cujo potencial de inteligência correspondia a crianças de sete a quinze
anos de idade, no máximo. Edmond fechou cuidadosamente a fechadura numérica da
escotilha, e girou a combinação. Já por várias vezes algumas de suas “crianças”, andando
por ali, haviam aberto as portas de aço, e uma invasão de coelhos caíra sobre a nave. Os
animais roíam até o isolamento de correntes de alta tensão, provocando curto-circuitos e
sendo mortos no processo.
Por todo lado via-se sujeira, lixo, papéis e “brinquedos”.
No espaço normal trabalhavam somente poucos robôs.
A razão disso era que Edmond tinha desligado e guardado todas as máquinas que
ainda funcionavam. Os cerca de cento e vinte homens da Giordano Bruno Júnior
gostavam de brincar com os robôs, deixando-os confusos, e com isso já tinham
provocado duas desintegrações.
Cuidadosamente Edmond controlou todas as fechaduras de portas e escotilhas, pelas
quais passava. Depois entrou no chiqueiro dos porcos, onde foi recebido por um fedor
atordoante e um barulho ensurdecedor.
Ele abriu a escotilha do comedouro, e o mingau de restos de comida picada caiu
numa grande gamela, que Wilshire tinha soldado ainda no espaço linear. Depois
Pontonac abriu a torneira de água e anotou para si mesmo que as reservas de água
também não durariam muito, no máximo ainda por vinte dias.
— Por pouco tempo ainda... — murmurou ele.
Ele estava com falta de sono e irritadiço. Seu humor chegara ao mais baixo valor da
escala. Ele simplesmente não podia mais. Mais de sete meses, num total de duzentos e
dez dias, ele já se encontrava nesta Odisséia da Loucura. Ficou olhando para os porcos,
enquanto estes comiam e bebiam, depois também controlou os mostradores da
aparelhagem de climatização e a umidade do ar. Os filtros lentamente também já estavam
falhando, e o forte cheiro de amoníaco dos dejetos animais espalhava-se lentamente
através da pequena nave.
— Qualquer dia desses eu vou arriar de vez, e então todos estaremos perdidos! —
disse ele, em voz baixa. Ele realmente sentia-se assim. Estava com a barba por fazer, sem
tomar banho, e suas roupas estavam sujas e rasgadas. Sob as unhas via-se uma sujeira
preta, e infelizmente mesmo a pasta de dentes acabara, quando um dos homens tentara
fechar os pequenos quadrados da passagem de ar da instalação climática com o conteúdo
dos tubos ainda existentes.
Pontonac trancou o chiqueiro e caminhou vinte metros adiante, na direção da
Central.
Ele tropeçou por cima de caixotes vazios, com os quais a tripulação construía
casinhas, para esconder-se nas mesmas, durante suas brincadeiras.
Finalmente chegou diante do seu preferido.
— E então, Sabre! — murmurou ele.
O animal chegou perto das grossas barras da jaula, tentou enfiar a cabeça através
das mesmas, e deixou-se acariciar entre as orelhas por Pontonac. De vez em quando,
quando a tripulação tirava a sua soneca da tarde, Pontonac deixava sair da jaula Sabre —
assim eles chamavam esse inofensivo brinquedo, que até mesmo deixava que os homens
o cavalgassem, quando o animal estava de bom humor. Pontonac olhou para o relógio —
mais vinte minutos. A Giordano Bruno Júnior corria com nove décimos da velocidade da
luz, na direção daquele cubo espacial, que entrementes se reconhecera como o correto —
ali encontrava-se o Sol — a muitos anos-luz de distância.
— Não se preocupe, bichinho — disse Pontonac, consolando-o. Logo estaremos no
planeta azul, e você vai ter de volta o seu lindo lugarzinho no zoológico de Terrânia City.
E a cada domingo, Wilshire e eu vamos visitá-lo com um pacote gigante de carne moída!
Ele mesmo não acreditava no que estava dizendo, mas isso ajudava.
Depois abandonou o tigre dentes-de-sabre, não sem antes ter se assegurado de que
todas as fechaduras desta jaula provisória estavam garantidamente fechadas. Mais dezoito
minutos.
Pontonac finalmente chegou à central da nave.
De todas as partes da nave serpenteavam, para a provisão de emergência, grossos
cabos seguros com arames e fitas adesivas. Eles terminavam em comutações primitivas,
em parte aproveitadas de outras instalações, mas ainda funcionando. Através desta rede
de alimentação energética e comutações de comando, Edmond V. Pontonac conseguia
pilotar a Giordano desde a sua poltrona.
Ele tinha que entrar no espaço linear, apesar dessa decisão novamente representar
um risco elevado.
Exausto, Pontonac sentou-se na poltrona anatômica, de cujas costuras já sobressaía
a espuma plástica destruída.
— Maldição! — disse ele, furioso; levantou-se outra vez, fechando a escotilha da
central atrás de si.
Depois ele sentou-se novamente, com calma, tirou o maço de cigarros amassado do
bolso da jaqueta e acendeu um. Café somente haveria outra vez, quando eles estivessem
no espaço linear, ou seja na zona de libração.
Pontonac sabia que incorria em um risco, mas ele calculava para si mais chances de
um sucesso que de um fracasso.
Ele ligou o computador biopositrônico e olhou, com as sobrancelhas erguidas, o seu
teclado.
Computadores biopositrônicos funcionavam muito bem no espaço linear, depois de
um tempo de recuperação de duzentos segundos. No espaço normal todas as comutações
biopositrônicas se comportavam como cérebros humanos ou animais — elas recaíam para
um estágio da primeira infância. Para uma biopositrônica e, através dela, para uma exata
rota linear da nave, isso significa — dependência do acaso.
Lentamente e nos menores passos, Pontonac programou a rota para a Terra. Ele
alimentou, por várias vezes, as coordenadas exatas, programou programas de teste e
depois alimentou uma fita de correção, na comutação da memória do computador.
Depois ele girou os reguladores e colocou para cima a velocidade relativa da nave,
esperou alguns minutos e depois apertou um botão comutador, quando os instrumentos
que trabalhavam em base eletrônica mostraram os valores reais.
A nave entrou no espaço linear.
Pontonac disse, somente para ouvir novamente a sua voz, qualquer voz humana:
— Mais dez ou quinze saltos, depois as máquinas para o voo linear estarão
irremediavelmente destruídas. E não há um único aparelho de substituição a bordo. Em
contrapartida temos uma carga das melhores faixas-dakkar!
Aquilo era um brinquedo fabuloso. Os seus homens faziam delas móbiles
fantásticos, que não giravam, e eles as utilizavam para as mais diversas brincadeiras, e
também para com as mesmas perfurar diminutas aberturas em máquinas, e ali causar total
destruição. Pontonac esperou alguns minutos, depois apertou o botão de alarme da nave.
Os homens acordaram, e o primeiro a aparecer na central foi Wilshire, depois que
Edmond destrancara a porta.
— Bom dia, comandante! — disse ele, com uma cara que demonstrava claramente
os seus verdadeiros sentimentos. Ele correra de sua cabine até aqui, e vira no caminho em
que estado a nave já se encontrava outra vez. Este estado resultava somente numa parte
diminuta do cansaço de material normal e das conhecidas condições de desgaste. Em sua
maior parte eram culpados os homens que se transformavam em crianças, quando a nave
se encontrava no espaço normal. Agora acordavam cento e vinte homens e sabiam que
estavam novamente normais.
— Bom dia, Drosen — disse Edmond. — Mais uma vez chegou a hora.
— O que devo fazer?
Pontonac enumerou:
— Dez homens para a cozinha. Eles devem desligar o robô e preparar uma boa
comida, nutritiva. Trinta homens limpam a nave e jogam todos os detritos comestíveis no
triturador. Nós estaremos exatamente cinco horas no espaço linear, e neste tempo a nave
deve ser colocada novamente em condições habitáveis. Cinco horas, Drosen!
Wilshire anuiu.
— Ótimo. Como está o equipamento mecânico?
Pontonac retrucou:
— Quarenta homens devem formar comandos de reparos. Eu tenho aqui uma lista,
dizendo como eles deverão proceder. Terão que reparar bombas, turbinas e ventiladores,
de qualquer maneira, caso contrário não resistiremos mais nos próximos dias.
Drosen olhou para os instrumentos e observou as telas de vídeo apagadas.
— Onde se encontra a Giordano Bruno? — perguntou ele, curtamente.
— Por último estávamos a uma distância de trezentos anos-luz do Sol — respondeu
Pontonac. — De qualquer modo temos algumas chances de nos aproximarmos algumas
boas passadas do sistema.
— Excelente! — disse Wilshire e correu os olhos pela central. Como aqui só
raramente se deixava entrar alguém, havia pouca desordem. — Chefe... — disse ele,
então, hesitante — eu vou trancar a porta. Tente dormir durante as próximas quatro horas.
Eu darei conta dos problemas, com certeza.
Pontonac disse baixinho:
— Traga-me um café, sim? E quero que façam uma grande quantidade do mesmo!
— Três minutos!
Drosen abandonou rapidamente a central e correu para baixo, para o centro dos
alojamentos da tripulação. Por toda parte notava-se que os homens tomavam duchas e
trocavam as roupas sujas e rasgadas, arrumando novamente suas cabines, em caótica
desordem até aqui. Cada vez era o mesmo choque.
Cento e dezenove homens acordavam e sabiam que novamente se tinham
transformado em adultos válidos.
Eles sabiam:
Até então eles tinham sido crianças, e já na primeira olhada viam que em volta deles
parecia haver um jardim de infância de massa, no qual faltava a professora do jardim. O
choque era mais profundo, porque até agora ele se repetira constantemente. Era uma linha
constante em ziguezague, com mínimas negativas e máximas positivas. O estado de
“estar-se” adulto podia ser ampliado artificialmente, mas os conversores para o voo
linear possuíam apenas uma duração de vida determinada. Por duas vezes Pontonac tivera
que abafar um motim dos adultos, e ele o fez com lástima, mas sem consideração, com
um irradiador narcótico. Além disso ele possuía ainda uma arma secreta, mas esta agia
somente por uma única vez ainda, e seu efeito estava limitado a cinco horas.
Wilshire contribuía com um trabalho quase inacreditável.
Ele dividiu os homens, descreveu-lhes as dificuldades. As diversas bombas foram
trocadas e reparadas, em grande pressa. Os homens na cozinha sentiram-se também
responsáveis pelos magazines, e arrumaram as coisas ali. Uma curiosa sensação de
vergonha dominava os pensamentos, apesar dos homens saberem que não eram
responsáveis pelo seu estado durante o voo espacial normal.
Wilshire correu de volta a central, levando um bule de café, creme de leite em lata e
açúcar, além de copos recém-lavados.
Pontonac estava deitado, exausto, numa poltrona, e ficou olhando enquanto Drosen
encheu o seu copo, mexendo o creme e o açúcar no café.
— Obrigado, Drosen. Como estão as coisas?
— Eu consegui dividir todos, e os homens estão tomando duchas e fazendo a barba,
em turnos. Mas tudo parece desgraçadamente ruim — as provisões de comida estão
diminuindo rapidamente. Felizmente a provisão de bebidas alcoólicas, entrementes, foi
toda consumida, em parte dada como brincadeira para os porcos. Eu me lembro, com um
calafrio, que...
Também Edmond lembrava-se com um calafrio, da tarde — tempo de bordo — em
que os porcos embriagados, em parte com cavaleiros humanos, tinham corrido pelos
corredores, bêbados e cambaleantes. Os homens gritavam divertidos, quando eram
jogados ao chão.
Pontonac conseguiu fumar um segundo cigarro, tomar mais um copo de café, e
depois pegar no sono. Ele dormiu durante quatro horas seguidas.
Na primeira hora, a comida foi preparada e cozida. A cozinha da nave na qual dez
homens trabalhavam como loucos transformou-se novamente numa seção brilhantemente
limpa, dentro de sessenta minutos, depois de ter sido um departamento caótico, cheio de
louça suja, restos de comida, bebidas derramadas e outros dejetos. Sujeira e dejetos foram
postos no triturador e nos conversores, e a cantina da nave também foi limpa e preparada
para a refeição dos cento e vinte homens.
Alimentadores puxados para baixo foram novamente afixados, inúmeras
comutações reparadas e renovadas, quando se verificou que todas as provisões da nave
declinavam rapidamente. Muitos aparelhos da nave estavam destruídos de tal forma, que
foram desmontados, desparafusando-se as melhores peças, jogando o resto num recinto
de carga vazio.
Na segunda hora, os robôs abateram os coelhos, esmiuçaram os mesmos, e
colocaram a carne nos freezers, cujas bombas de vez em quando falhavam. A nave era
praticamente um destroço, que somente ainda era segura por fitas adesivas e pequenos
milagres. Somente a célula propriamente dita ainda estava incólume, mas muito
necessitada de renovação. No momento nenhum dos homens pensava em que novamente
lhes tinham arranjado um prazo de misericórdia — ninguém pensava em motim — e que
novamente poderiam obrigar Pontonac a permanecer por mais tempo no espaço linear.
Na terceira hora conseguiu-se reparar a instalação de suprimento e
recondicionamento de água, colocar novos filtros, e pelo menos reparar provisoriamente
todas as bombas. Elas conseguiriam funcionar novamente por alguns dias pelo menos.
Também foram colocados novos filtros nas instalações de renovação de ar, retirando a
poeira da climatização e seus alimentadores. Os homens trancaram os recintos
rearrumados da nave cuidadosamente, e seguiram depois em frente. Robôs e pessoas
trabalhavam em conjunto para limpar a nave. Lentamente aquele fedor sufocante
diminuiu, e peça por peça, os homens trabalhavam na direção do convés inferior.
Mas tudo que faziam era apenas um adiamento.
Muita coisa estava tão destruída e envelhecida que não podia mais ser consertada.
As máquinas da Giordano talvez resistissem até a Terra, mas se a Odisséia prosseguisse a
nave estaria perdida.
No fim da quarta hora, Drosen K. Wilshire acordou o comandante e disse a meia-
voz:
— Chefe, venha até a cantina. A comida está pronta, e nós conseguimos limpar e
conservar tudo que foi humanamente possível.
Pontonac olhou para o relógio. O seu nariz registrou que aquele cheiro terrível havia
diminuído, e já depois de alguns metros ele viu que a nave estava novamente arrumada
cuidadosamente.
De repente ele sentiu um calafrio ao pensar no que iria acontecer quando a nave
voltasse novamente ao espaço normal. Este instante estava distante apenas cinquenta e
oito minutos.
— Onde vamos aterrissar desta vez? — perguntou ele, a si mesmo.
Suas visões a este respeito eram afetadas por vivências muito sombrias e
aterradoras.
Quando pôs os pés na cantina, todos os homens se levantaram em silêncio.
Pontonac estava sinceramente perplexo.
Ele não contara com essa reação.
2
Então eram quinze salvos. Todas as dezesseis naves, entretanto, tinham o problema
de aterrissarem o mais depressa possível na Terra ou em algum outro planeta do sistema.
Mas a distância era de mais de doze anos-luz. Se as naves ousassem um salto conjunto
através do espaço linear, era quase certo que eles, caso realmente se aproximassem da
Terra, o fariam em dezesseis lugares diferentes. Em lugares que poderiam ser perigosos,
porque ninguém podia garantir que a nave não se arrebentasse contra uma lua.
— Uma pergunta, Davyd?
— Com prazer, comandante. O que quer saber?
— A que poderá ser atribuída a imbecilização de âmbito galáctico?
Leppa disse, lacônico:
— A uma raça que está justamente atravessando a nossa galáxia. Chama-se a esse
fenômeno, o Enxame, é bom que saiba. Evidentemente toda essa coisa tem o caráter de
uma invasão. E antes que pergunte — os outros comandantes estão justamente dormindo.
Eles estão totalmente exaustos e me pediram para fazer uma espécie de vigília.
Pontonac disse-se que para o esclarecimento de perguntas importantes secundárias
ainda restaria um bom tempo. Coisas mais importantes tinham precedência.
— Todos vocês têm o plano de alcançar a Terra. Correto?
Leppa anuiu e murmurava:
— Correto. Nós tememos que os computadores positrônicos possam nos passar a
perna.
— Nós temos uma nave cheia de imbecilizados aqui, que precisamos levar. Como
está, por aí, a capacidade de aprender?
Novamente Leppa deu informações. Parecia que ele tinha tratado consequentemente
com todos os problemas.
— Diminuta capacidade de aprender, no quadro da relativa escala de idade. Poucas
chances. O que o senhor está planejando?
— Atar todas as naves e partir na direção da Terra. Poderíamos experimentar um
truque com computadores positrônicos não biopositrônicos, ligando todos eles entre si.
— E até então?
Pontonac resmungou:
— Voo quase a velocidade da luz. Alguém precisa entrar na décima sexta nave,
para cortar a propulsão.
Leppa parecia refletir, depois opinou:
— Isso eventualmente seria possível. Mas como o senhor quer executá-lo? Vai ser
um trabalho que exigirá tudo de nós.
— Este é o problema menor. Mais importante é saber se podemos unir as dezesseis
naves numa corrente, com a grande Proteus na ponta.
Eles ficaram conversando por mais uma hora, aproximadamente.
Ninguém deles sabia — isso Leppa já verificara — o que realmente acontecera.
Eles conheciam aspectos isolados da situação apenas através de mensagens de rádio,
acidentalmente captadas. Um Enxame de naves estranhas e corpos gigantescos, portanto,
era que, envolto em escudos incolores redondos e transparentes, atravessava velozmente
a galáxia, como uma comprida faixa de pérolas de espuma, espalhando diante de si a
imbecilização e o retardamento das inteligências. Ninguém sabia alguma coisa sobre
Rhodan, ninguém tinha visto pessoalmente o Enxame, e todos eles se encontravam à
beira de severas crises de nervos e próximos da ruína física.
Mas todos os comandantes, sem exceção, mentalmente estabilizados, homens com
capas plásticas nos crânios, depois de severos ferimentos na cabeça, ou seja “salvos”, não
pensavam em desistência. O seu destino: a Terra. Eles queriam alcançá-la, e a
alcançariam, ainda que levasse doze anos, porque tinham que voar com a velocidade da
luz. De qualquer modo, eles viam nitidamente nas telas de rastreamento e nas telas de
vídeo da galeria panorâmica, a estrela que lhes servia de farol.
O Sol...
E então os dois homens discutiram o planejamento. Eles queriam tentar unir as
naves entre si, através de uma rede invisível, provocada pela ligação de projetores de
raios tratores. Uma nave segurava a outra, e este processo, executado
correspondentemente, evitaria que a formação se partisse. Lentamente o plano tomou
contornos. Ele era tecnicamente possível — pensavam eles.
Pontonac disse:
— Antes, eu tenho que tentar dormir. Estou completamente exausto e se mais tarde
tenho que correr através da nave, para efetuar diversas comutações, provavelmente vou
cair de cansaço. Eu...
No mesmo instante a ligação de vídeo foi interrompida. Pelo cabo, que serpenteava
através da central e era levado através de um buraco queimado nas proximidades de uma
escotilha, Edmond notou um forte tranco, depois um segundo e finalmente a complicada
tomada, fortemente isolada, voou como a cabeça de uma cobra, por cima do chão.
— Eles já estão brincando novamente! — berrou ele.
Pegou a arma, cuja carga já estava gasta até a metade, abriu rapidamente a escotilha,
e saiu ventando para o corredor. Ele empurrou para o lado um homem que estava
justamente tentando rabiscar, no chão de plástico, um desenho, com uma faca de cabo
quebrado. Provavelmente devia ser um dente-de-sabre, pois os longos dentes já estavam
bem delineados.
— Fora daqui! — gritou Pontonac e seguiu o grosso cabo amarelo com os olhos.
Ele caminhou bem perto dos canos que tinham sido recolocados no corredor. A
vinte metros de distância ele viu uma sombra marrom-dourada, que tinha o cabo entre os
dentes.
— Sabre! — berrou Edmond.
O dente-de-sabre ergueu a cabeça, miou alto e bateu com as patas em sua volta. O
animal soltou-se do cabo e saiu correndo pelo corredor enviesado. Pontonac correu atrás
dele, erguendo a arma. O cabo fora arrancado em quatro lugares, e o tigre parecia querer
brincar com Edmond. Pontonac precisava consertar este maldito cabo novamente, pois a
ligação de rádio dependia dele.
— Pare onde está, bicho idiota! — berrou ele.
Seus membros artificiais tornaram-se mais rápidos e então ele bateu violentamente
com o seu ombro direito contra o tigre. Sabre foi atirado um metro para trás, depois
saltou ludicamente em cima de Edmond. Mais de duzentos e cinquenta quilos de ossos e
músculos atiraram o comandante para trás, contra a parede, o seu braço bateu para cima,
e a arma de paralisação escorregou para o chão, para longe dele.
Dois homens saíram de um recinto, seguraram Edmond e acenaram para o tigre.
Sabre viu dois novos camaradas de brinquedo e aproximou-se, bateu brincando nas
pernas de Edmond e recebeu um pontapé violento. Isso apenas o estimulou. Segundos
mais tarde, três homens e um tigre dente-de-sabre rolaram pelo chão liso do corredor
lateral, “brincando” entre si. Finalmente Pontonac soltou-se do abraço fraternal do
animal e colocou-se de pé.
— Chega! — berrou ele. — Quem soltou o tigre?
Um dos homens sorriu largamente e explicou:
— Era uma vez um comandante de Riga, que brincou com um tigre...
— Parem com esses anexins! — berrou Edmond, a beira de um ataque.
Ele agarrou o ouvido esquerdo do animal, puxou o mesmo, e o bicho tentou
abocanhá-lo. Rindo, os dois homens se afastaram. Para eles a brincadeira perdera a graça,
e Edmond ficara gritando alto e furiosamente. Pontonac arrastou o tigre atrás de si, e
quando o animal tentou morder a sua mão direita, ele golpeou-o fortemente no focinho.
— É de se ficar maluco! — murmurou ele, enquanto tentava levar o animal de volta
para a sua jaula. Somente conseguiu fazê-lo quando saltou para as costas do dente-de-
sabre, trotando com ele através dos corredores e das galerias transversais. Homens
gargalhando ficaram olhando, gritando-lhe coisas bobas.
Diante da porta aberta da jaula, cuja fechadura mostrava as tentativas, coroadas de
sucesso, de cortar metal com uma serra de ultra-som movida a bateria, Edmond fincou as
botas no chão e puxou com toda a força as orelhas do animal. O tigre marchou, de má
vontade, para dentro de sua jaula. Edmond bateu a porta violentamente, trancando-a
novamente. Depois olhou em torno, por uma possibilidade de assegurar a fechadura, mas
levou vinte minutos até que encontrasse uma nova escora de metal que podia encaixar.
Levaria algumas horas, até que o tigre pudesse ser novamente libertado.
— Pronto! E agora o cabo — disse Pontonac.
Ele seguiu o cabo até de volta à sala de radiocomunicações, ali controlou os
contatos e viu que tudo estava em ordem. Depois correu de volta ao longo do cabo
amarelo, atando novamente as ligações, espantou três homens para fora da central, e
enfiou a tomada novamente no aparelho. Segundos mais tarde a imagem estava
novamente clara no vídeo.
Leppa estava justamente espantando, com palavras altas e quase implorando, quatro
dos seus homens que queriam brincar com ele. O gás narcótico tinha perdido o seu efeito.
— Davyd! A ligação está novamente de pé! — disse Pontonac em voz alta.
O outro comandante terminou o seu trabalho, fechou a roda manual do mecanismo
da escotilha, e lentamente dirigiu-se na direção das lentes. Ele limpou o suor de sua testa.
— O que foi que aconteceu? — perguntou ele.
Pontonac imaginou a reação, quando disse:
— Alguém abriu a jaula do tigre dente-de-sabre, e os homens estavam brincando
com o animal. Nisto, eles arrancaram um cabo da ligação.
Davyd esbugalhou os olhos e abriu a boca.
— O que foi que disse? — perguntou ele, sem querer acreditar. — O senhor disse
tigre dente-de-sabre?
— Sim. Eu explico.
Em poucas palavras ele descreveu porque tinha o animal a bordo. Ele era inofensivo
porque encarava os homens como parceiros de suas brincadeiras. Pontonac até agora
tivera que tratar de três costelas quebradas durante essas brincadeiras. O pior, entretanto,
aconteceu quando o tigre correu por cerca de três horas atrás de um porco, por todos os
corredores da nave, que não estava trancado, e finalmente conseguiu levá-lo até a sua
jaula, onde o enfrentou e destroçou. Desde este tempo Pontonac usava a provisão de
fechaduras semi-eletrônicas para garantir a fechadura da jaula.
Davyd disse, sacudindo a cabeça:
— Se um dia chegarmos a Terra, e o senhor contar essas coisas, ninguém vai lhe
acreditar.
— Eu não me importo com isso — disse Pontonac. — Vamos começar a sério?
Aliás, perdi inteiramente a vontade de uma soneca matinal.
O outro comandante olhou para o relógio e disse:
— A pausa somente terminará dentro de duas horas. Não deveríamos proporcionar
estas poucas horas de sono aos nossos colegas?
— Naturalmente! — retrucou Pontonac. — Com prazer. Mas o sono deles logo
terminará. Dê uma olhada no setor verde de suas telas.
O tom parecia alarmante.
A cabeça de Leppa girou rapidamente, depois ele bateu com o punho fechado na
mão espalmada e gritou:
— Nós já esperávamos por isso. E não podemos fazer nada. Eles nem sequer estão
com os rádios ligados.
A nave menor era aquela em que nenhum “salvo” estava sentado na pilotagem,
preocupando-se com os homens. Edmond não ousou imaginar como as coisas deviam
andar por ali. A nave se aproximara, depois os propulsores foram ligados e com grande
velocidade a nave globular varreu na direção de uma outra. A colisão era iminente. E
logo aconteceu.
Silenciosamente as paredes de bordo cravaram-se uma na outra.
Pouco antes do contato, os propulsores tinham toda sua força aumentada para logo
em seguida serem desligados.
Ambas as naves vibravam fortemente.
A parede de bordo da nave maior foi rompida, e o casco da menor dobrou-se como
papel de estanho. Mas somente de longe as coisas pareciam assim, na realidade esta
manobra de colisão podia ser mortal. Objetos soltos podiam matar homens, o ar podia
escapar, ligações de gás podiam ser rompidas. Pontonac ficou olhando, enquanto as duas
naves derivaram em direções diferentes, mantendo entretanto a direção básica, para o
distante Sol. Depois ele disse, duramente:
— Davyd Leppa, o senhor comanda a ruína de uma nave de combate. A bordo
existem armas de paralisação que o senhor pode usar, por telecomando. Antes que
aqueles pobres coitados lá do outro lado ainda se matem de vez, o senhor deveria fazer
uso dessas armas. Talvez haja mortos se a nave abalroar mais uma vez uma outra. Olhe
só para essa rota!
Leppa disse:
—Boa ideia. Não é exatamente fina e cheia de consideração, mas melhor que
centenas de mortos. Aliás, vamos ter que entrar nesta nave antes de podermos dar partida.
— Entendido. Apresse-se!
— Logo estarei de volta no vídeo.
Leppa deixou rapidamente a central, e Pontonac continuou olhando suas telas de
vídeo. Duas delas tinham se apagado e somente mostravam ainda superficiais
ligeiramente cinzentas. Edmond tentou sintonizá-las novamente, mas desistiu e desligou
definitivamente o setor em questão.
O tempo o pressionava.
Quanto mais tempo eles permanecessem aqui, maior era a possibilidade de que as
naves se pusessem mutuamente em perigo, e que os homens brincando pudessem
embrulhar ligações importantes. Pontonac ansiava quase por estar algumas horas no
espaço linear, ou então entre pessoas “normais”, e em não sentir esta espécie de
responsabilidade. Mas então ele lembrou-se de Davyd Leppa e dirigiu-se para um quadro
de instrumentos na parede dos fundos.
Ele tirou um traje espacial leve do armário embutido, espalhou-o pelo chão e
começou a testar os setores e aparelhos, isoladamente. O traje também já não servia
muito, mas de qualquer modo ainda funcionava. Pontonac procurou e encontrou, com
muito custo, baterias, ferramentas e garrafas de oxigênio.
Leppa parecia precisar de muito tempo.
— Vamos dar uma olhada, ou melhor, vamos ouvir, se eles já começaram outra vez
a arruinar a nave! — disse Edmond, foi até a escotilha e a abriu.
Na nave, excepcionalmente, não havia mais barulho que normalmente. Esse nível
de ruído dizia-lhe que somente alguns poucos dos cento e dezenove homens estavam fora
de suas cabines, para fazerem besteiras. Eles estavam chateados, isso estava claro, e todas
as brincadeiras que puderam inventar, entrementes eram velhas e sem muita graça. Eles
precisavam de terreno plano para gastar suas energias.
Campos, pensou Edmond, amargo, que eles podiam arar.
Lentamente ele imaginou o caos econômico em que esta onda de retardamento da
inteligência na galáxia tinha jogado todos os seus planetas.
Na Terra não seria muito diferente, pensou ele, mas ali certamente haveria também
o percentual mais elevado dos salvos.
— Quando Leppa vai voltar? — perguntou-se ele, admirado. Sentou-se novamente
e ficou pensando. Os seus pensamentos voltaram para o dia 30 de julho de 3.438.
Caudor II...
Eles naturalmente tinham executado sua tentativa de fuga. Arranjaram, de modo
aventureiro, uniformes da frota espacial, viajaram separados, e em intervalos, para o
espaçoporto, e conseguiram também entrar na nave, depois de terem mandado os guardas
embora. Eles também puderam dar partida nas máquinas, mas então veio o alarme.
Mesmo então eles ainda poderiam fugir, mas justamente quando Pontonac recolheu o
trem de pouso, varrendo através da camada atmosférica, uma nave de combate, que vinha
de outro planeta do sistema, veio voando na direção do espaçoporto.
Quatro tiros diante da proa — e então a nave de combate forçou a Giordano Bruno
Júnior para a aterrissagem.
Esta fora a primeira tentativa.
Wandte Artian, e isso foi o grotesco em tudo, chegou a entendê-los. Ele disse que
na situação de Welshire e de Pontonac não teria feito outra coisa, mas então tantas peças
importantes foram retiradas da Giordano Bruno que uma partida tornou-se impossível
para os cento e cinquenta homens com esta nave.
E eles o tentaram menos de meio ano depois, uma segunda vez. Eles... As
lembranças de Pontonac foram interrompidas.
— Por vinte e quatro horas estamos seguros contra outras manobras desse tipo —
disse Leppa. — Eu acho que devemos chamar os outros comandantes.
Ele comutou, para todos eles, e depois disse para Edmond:
— Primeiramente vou apresentar-lhe todos os comandantes. Eu tenho, creio eu, as
melhores possibilidades técnicas para isso.
— Entendido! — retrucou Pontonac.
Algumas horas mais tarde, tinham tomado a resolução: Eles queriam unir as naves
entre si através dos raios de tração de bordo, e deste modo tentar uma partida em massa,
em forma de comboio. Entre outras coisas, esta era a única possibilidade de levar com
eles também a pequena nave cheia de homens narcotizados.
4
O que ele empreendia, agora, teria que fazer inteiramente sozinho. Ninguém estava
em posição de ajudá-lo. Com exceção de quatorze outros homens, qualquer criatura nesta
área do cosmo somente o atrapalharia. Edmond V. Pontonac correu os olhos pela central
e refletiu. Ele teria que proceder de maneira muito cautelosa. Nenhum detalhe deveria ser
esquecido.
O traje espacial.
Ele já o tinha testado e equipado completamente e o traje estava em ordem.
— Mas ainda há determinados detalhes... — murmurou ele.
Primeiramente ele desceu para o recinto de onde podia-se controlar toda a
alimentação de ar da nave. Como por milagre, nenhum dos seus homens tinha brincado
aqui, nem girado nos botões e alavancas. A instalação ainda funcionava otimamente. Não
se levando em conta que isso aqui fedia a porcos e carne deteriorada.
Edmond destrancou uma gaveta e retirou da mesma uma lata chata — era a última
que ele possuía.
Enfiou a lata entre os grampos de sustentação, aparafusou uma grossa mangueira
flexível na abertura e fechou a torneira, que ligava a mangueira com a instalação de
preparação. Depois girou a válvula do cantil, abrindo-a. O gás agora podia ser lançado
dentro da mangueira. Edmond ligou a torneira com um comutador, que poderia ativar lá
em cima na central. Se apertasse um botão ali, o gás entraria nos dutos de distribuição de
ar da nave.
Edmond trancou cuidadosamente a escotilha e foi adiante, entrando num dos
magazines não arrumados.
Ele pegou um desintegrador pesado, que podia ser usado apenas com as duas mãos,
do armário de armas, carregou-o novamente e enfiou uma segunda célula energética no
bolso.
Uma segunda bateria de longo efeito foi metida num pesado holofote manual, sendo
testado logo o holofote.
— Funciona.
Somente as baterias para os seus próprios mecanismos de movimentação o
preocupavam. Ele somente possuía ainda dois ou três jogos e algumas baterias velhas,
que entretanto estavam praticamente esgotadas. No momento, a reserva, que ele
carregava em gavetas escondidas nas suas coxas, ainda era suficiente.
Ele carregou o seu equipamento e voltou para a central.
Lentamente vestiu o traje espacial, depois afivelou o pequeno propulsor às costas,
testou-o rapidamente e enfiou o holofote no cinturão, ajeitou o cabo, fixou a arma pesada
e colocou as luvas. Esfregou o capacete sob o braço e colocou-se diante das lentes da
aparelhagem de vídeo.
— Barracuda — disse ele. — Eu agora vou tentar abordar o Manipulador, vou
entrar nele.
O comandante Lerinck apareceu na tela e perguntou:
— E o que vai fazer com a sua gente?
— Tomei cuidados para que eles permaneçam quietos — retrucou Pontonac,
sorrindo decidido.
Ele ergueu a mão, foi até o console e apertou um comutador. No recinto de controle
da aparelhagem de alimentação de ar, o gás narcótico começou a ser lançado nos dutos de
ventilação. Pontonac colocou o capacete, ligou a alimentação do traje e abandonou a
central.
— Isso vai ser difícil — murmurou ele, ligando o rádio de capacete. Ele ficava
sintonizado na onda da frota, e podia pedir ajuda a qualquer momento. Mas receber ajuda
era questionável.
Pontonac foi até sua cabine, para pegar a sua câmera. Uma coisa pesada, retangular,
com minicomputador embutido para diafragma e exposição e a aparelhagem de flash
permanente. Ele fixou-a no seu braço esquerdo e dirigiu-se à pequena eclusa mais
próxima.
— Talvez eu o consiga! — murmurou ele.
A pequena escotilha fechou-se atrás dele. Edmond ligou todas as luzes, para depois,
quando ele voltasse, encontrasse mais rapidamente a nave, e não precisasse procurar por
muito tempo, ao embarcar. E então a escotilha externa rolou para o lado, abrindo-se.
Pontonac tinha diante de si o cosmo negro. Procurando, ele movimentou os olhos, e o
ruído de sua própria respiração dentro do traje espacial de repente lhe pareceu estranho e
desacostumado.
Lá do outro lado estava a nave pequena, e à esquerda dela, visto de sua posição
atual, encontrava-se o Manipulador.
— Vamos!
Pontonac ligou o pequeno propulsor e jogou-se para a frente. Ele regulou a força de
propulsão e guiou-se cautelosamente na direção do Manipulador de aço. Esta “coisa”
continuava girando sobre si mesmo, em círculos, lentamente, e somente o longo ferrão
que se movimentava como um tentáculo, continuava torto e hirto.
Pontonac aproximou-se da parte pontuda da asa, da parte que se parecia como uma
aleta.
Ele estava inteiramente sozinho.
Esforçou-se para não modificar sua posição de voo, flexionou as pernas
ligeiramente e depois desligou a propulsão. Em queda livre, ele continuou voando. As
formas da nave fracamente iluminadas pelas estrelas surgiram diante dele, e quando ele
ligou o holofote, movimentando-o devagar, viu por baixo de si a superfície obtusamente
brilhante da massa metálica. Diretamente diante de Pontonac abria-se, iluminado pela luz
dura do holofote, o buraco que um dos canhões transformadores abrira.
— Aproximação cautelosa — disse ele para si mesmo.
Ele deu um curto impulso propulsor, esticou as pernas, muito retas, e chocou-se
levemente com o casco exterior. Pegou o holofote na mão direita, e balançou-se,
segurando um pedaço de material arrebentado para trás e para a esquerda.
O raio da lâmpada deslizou por cima da superfície arrebentada, entre o corpo e a
aleta portadora da nave. Edmond viu o círculo branco, redondo, por cima dos elementos
de sustentação retorcidos, passando também por cima de materiais fundidos, e pela
primeira vez Edmond achou notar que aqui não se tratava de metal, mas sim de um
material cujas propriedades físicas ele não conhecia.
Mas eles devem ser parecidos com os metais mais nobres, pensou ele.
Neste lugar, logo reconheceu, ele não conseguiria entrar nesta nave misteriosa.
Material arrebentado e aletas sustentadoras aos pedaços, impediam-lhe o caminho. Ele
tocava justamente com suas botas espaciais a linha de separação entre o corpo da nave e
as aletas, deixou-se cair levemente de joelhos e deu-se um empurrão. Num círculo longo
e afastado ele voou uma vez em volta do meio do casco comprido, e chegou assim ao
outro buraco. Era decisivamente maior, provavelmente, o impacto do tiro da Proteus.
— Parece muito ruim — disse ela.
Uma voz distante alcançou-o. Era Leppa.
— Estava dizendo alguma coisa, seu astronauta de risco?
Edmond sorriu ligeiramente e depois murmurou:
— O seu tiro evidentemente acertou muito bem. A nave está inteiramente demolida.
— Foi essa minha intenção. O que pretende fazer?
O holofote de Pontonac pintou a superfície da arraia. O homem girava lentamente
na escuridão; ele agora estava afastado vinte metros do estranho.
— Estou procurando por uma entrada.
— Boa sorte!
— Obrigado. Vou precisar dela.
Pontonac dedicou meia hora ou mais para encontrar uma entrada. Finalmente,
depois de ter procurado por quase toda a superfície da arraia, ele descobriu uma eclusa.
Como também nas naves terranas, ele não era mais que uma fenda redonda, de um dedo
de profundidade na superfície lisa.
— Achei! — disse Pontonac.
— Congratulações! — comentou Leppa. — Pode entrar?
— Caso necessário, à força!
— Como está sua provisão de ar?
— Ela é suficiente! — disse Pontonac.
— Ótimo.
Edmond Pontonac ligou ligeiramente sua propulsão e aproximou-se da báscula
levemente convexa e torta. Ela tinha cerca de cinco metros de diâmetro. Não se via
nenhuma espécie de pegadores ou comutadores, o que confirmou a suspeita de Pontonac
de que esta nave era robótica.
O tentáculo tinha, por avaliação, setenta e cinco metros de comprimento e formava
agora uma espécie de sinal de interrogação.
Pontonac pudera ver aberturas maiores que provavelmente eram as básculas dos
propulsores.
Enquanto Pontonac aproximava-se do casco, ele tentou avaliar o comprimento desta
nave espacial. Ele achou que a mesma tinha um comprimento de cerca de cento e
cinquenta metros. A largura, por avaliação, era praticamente igual.
Em diversos lugares desse corpo semelhante a uma arraia, cúpulas amarelo-
douradas, semi-esféricas, e parecidas com ver-rugas, tinham chamado sua atenção. Com
alguma probabilidade, elas correspondiam a um sistema de lentes embutidas. Pontonac
tocou o casco externo, empurrou-se ligeiramente com a ponta dos dedos, e agora pairava
a poucos metros da escotilha. O círculo luminoso deslizou por cima da fenda estreita, na
superfície lisa, mas não havia nenhuma báscula, nenhum pegador, nenhum comutador...
— Curioso...
Então era mesmo uma nave-robô. Uma tripulação humana, ou de qualquer outra
espécie, devia ter uma possibilidade de entrar na nave. Provavelmente a escotilha era
aberta por um impulso de rádio.
Pontonac agora estava mais tranquilo, mas ele contava, como antes, com surpresas.
Por um momento sua atenção foi desviada, justamente quando ele desligara o holofote,
afixando-o, com a fita elástica, no braço.
Luz.
Ela vinha da área além do Manipulador. Uma outra nave tinha ativado seus reatores
encadeando-se a formação. Agora restavam somente ainda três naves, pairando
livremente. A pequena nave globular, a Barracuda, e a Giordano Bruno Júnior! As outras
astronaves realmente pareciam como um colar de pérolas de tamanhos irregulares.
Depois cessou o fogo das partículas dos reatores, e Edmond cautelosamente tirou a
pesada arma do ombro.
— Se não é possível por bem, empregamos a força! — disse ele.
Ele destravou o pesado desintegrador, girou-o, e ajustou-o em cima do quadril
direito, para assim impedir que o retrocesso o girasse. Depois mirou a fenda e apertou o
botão de disparo.
O raio da arma destruidora comeu o material como um maçarico.
Ele derreteu, soltando-se em grandes pedaços, aparentemente evaporando-se, e por
trás do buraco largo começaram a aparecer os contornos de instalações técnicas. Elas
também se evaporavam como o material do casco da nave.
A suspeita de Pontonac de que aqui não se tratava de metal, agora tornou-se uma
certeza. Ele já frequentemente tinha utilizado desintegradores contra metal — este
material, durante a destruição, se comportava decisivamente de modo diverso.
O raio enfeixado comia-se cada vez mais profundamente, a fenda se alargava.
A placa de repente tinha bordas dobradas, esfarrapadas. Pontonac parou de disparar,
estabilizou-se, com giros do corpo, e através da ligação novamente do seu propulsor
retomou sua posição, para depois continuar atirando. Lentamente ele rodeou os contornos
da porta da eclusa. Um minuto mais tarde a carga tinha se exaurido. Supostamente as
células de alto rendimento já estavam depositadas desde a hora em que a nave saíra do
estaleiro, anos atrás.
— Maldição. E agora recarregar, em estado de falta de gravidade! — gemeu
Pontonac.
Segundos mais tarde, quando ele retirara o magazine velho, empurrando-o para
longe, com um ligeiro movimento da mão, o comandante Lerinck chamou novamente.
— Problemas, Edmond? Posso ajudá-lo?
— Não — disse Edmond. — Preciso apenas trocar um magazine energético. Vou
consegui-lo.
— Entendido.
Ele movimentou-se lentamente em volta do seu eixo, quando retirou o magazine do
bolso, segurando-o, e depois pressionando-o contra o descanso do trilho. Ele tinha que
fazer muita força, e na escuridão não via o bastante.
— Eu... maldição! Caiu!
O magazine ficou de canto, deslizou de sua mão, e saiu voando. Ele girou
lentamente, enquanto Pontonac ainda podia vê-lo. Ele quis agarrá-lo, esticando a mão,
girando, mas perdeu o magazine de vista. Praguejou muda e amargamente — isso
significava que ele não poderia abrir a escotilha a tiros.
Ele conhecia apenas a direção na qual o cubo saíra voando.
Edmond estabilizou sua posição, continuou praguejando, e ligou o holofote
novamente. No fim do feixe luminoso, que se perdia rapidamente na escuridão, girava o
cubo claro no espaço. Pontonac deu ignição no seu propulsor, atirou-se na direção, e saiu
voando velozmente com toda a força do propulsor. Ele olhou para as estrelas, orientou-
se.
— Talvez eu ainda o consiga! — murmurou, baixinho.
Ele agora continuou pairando, com o propulsor desligado, girou a lâmpada bem
devagar e de repente viu o cubo novamente. Ele continuava girando. Novamente
Pontonac deu ignição no propulsor, tornou-se mais rápido e alcançou o cubo.
Ele esticou a mão, tentou agarrar o magazine energético, e falhou. Um dedo tocou o
magazine e deu-lhe uma outra direção.
Imediatamente corrigiu a rota, soltou curtamente a pilotagem e levou ambas as
mãos para agarrá-lo.
— Consegui! — murmurou ele.
Sentiu que sua agitação diminuiu. Ele já calculara que teria que desistir de sua
tentativa. Agora pressionou o magazine com a mão esquerda, na parte do peito do traje,
girou e ligou novamente o propulsor. O caminho de volta foi decisivamente mais fácil.
Edmond pegou a arma, que estava dependurada quase sem movimento no espaço,
girou o holofote e desta vez encaixou o magazine, enquanto toda a luz caía sobre o trilho
direcional. Depois colocou-a novamente em posição.
— Vamos continuar. De alguma maneira vamos descobrir o segredo dos
Manipuladores! — disse ele, agora mais perto de seu estado de espírito sempre tranquilo,
como dias atrás.
Ele apertou no disparador, e novamente o raio desintegrador comeu silenciosamente
o material. Também o último terço foi dissolvido, a fenda alargou-se, as bordas fundiram.
Tudo dissolveu-se e saiu voando como uma tênue névoa, através da luz do holofote. E
então Pontonac percebeu que a escotilha só estava ainda dependurada levemente no
quadro destruído.
— Como vou conseguir entrar? — perguntou-se ele. Esta era a questão.
Os outros comandantes não chamaram.
Eles sabiam que isto apenas eram monólogos, com os quais Pontonac tranquilizava
os seus nervos.
Ele aproximou-se da borda, agarrou-se firmemente e fincou o cano da arma entre os
dois planos. Garantiu-se com uma mão e os dois pés e utilizou a arma como alavanca.
Como tanto a nave como também a placa da eclusa eram sem peso, o buraco redondo se
mexeu. Ele mexeu-se mais fortemente, ergueu-se de dentro do recorte.
Pontonac soltou a arma, garantiu-se com o braço esquerdo e usou o seu braço
direito, de aço, para pôr a placa de canto. Ele forçou os dedos em volta de um canto, e
esticou seus músculos eletromagnéticos, depois puxou fortemente. Lentamente ela
movimentou-se na sua direção, passando depois por ele. Ele respirou fundo e deu um
empurrão na placa. Depois girou um pouco, bateu fortemente contra o quadro
arrebentado a tiros, e logo após caiu em câmera lenta para fora do alcance do holofote.
— Finalmente! — disse ele, em voz alta.
Ele segurou-se, soltou a arma. Ela velejou silenciosamente atrás da placa. Depois
Edmond Pontonac viu-se de pé no chão da eclusa. Ele notou, admirado, que não havia
uma porta interna de eclusa. Cautelosamente puxou-se para a frente, dirigindo o cone de
luz para o chão, e tateando adiante. Pairou lentamente para dentro da nave. Metro a metro
ele prosseguia o caminho.
— Pontonac! — perguntou Leppa, em voz alta e alarmado.
A sua nave estava numa posição que não lhe permitia ver como Pontonac penetrara
na nave.
— Estou aqui. Dentro da nave. Cinco metros para dentro.
— Tudo em ordem?
— No momento ainda... Atenção!
De repente a luz acendeu-se. Era uma luz verde-clara, ofuscante, que vinha do teto e
das paredes e que brilhava como fósforo. Edmond não conseguiu ver nenhuma fonte de
luz.
— Perigo?
— Luz! — respondeu Edmond. — Portanto é mesmo uma nave-robô.
— O senhor deveria apressar-se um pouco — achou Leppa. — Estamos apenas
esperando por sua ação.
— Com prazer, sempre que possível! — confirmou Edmond. — Mas primeiramente
vou dar uma olhada no que achei. Além do mais, estou de posse de uma câmera
excelente.
Leppa murmurou, chateado:
— Por mim. A Terra, afinal de contas, pode esperar.
— Rapaz! — disse Pontonac, quase com fervor. — Eu aterrissei numa nave de luxo.
No momento aqui está havendo até uma gravidade.
Lentamente ele foi puxado para o chão.
O chão encontrava-se em cima. Em cima, isso significava que ele agora girava
lentamente em volta do seu eixo e lentamente estava de pé em cima de um chão liso,
brilhante. À sua entrada, ou à passagem por fotocélulas, tinham ligado as luzes e a força
de gravidade.
Edmond Pontonac ficou parado, desligou o holofote e respirou fundo e devagar.
— Muito bonito!
Ele olhou em torno. Diante e atrás dele estendia-se um corredor de cerca de cinco
metros de largura e três metros de altura. O chão, as paredes e o teto, eram lisos como
espelhos. Deles emanava essa luminosidade verde, fosforescente, ofuscante. O corredor
tinha mais de cem metros e na sua extremidade ele viu uma figura pequena, de algum
modo parecendo humanóide. Ele assustou-se. Havia uma tripulação viva nesta nave?
Puxou a arma de mão do seu coldre de proteção e recuou para a parede do corredor.
Edmond V. Pontonac não era absolutamente um homem cuja valentia poderia ser
chamada de proverbial. Mas desde o dia em que perdera as suas pernas, ele avaliava mais
corretamente e com mais frieza os perigos da vida. Ele sabia que aqui se encontrava no
âmbito de influência de um poder estranho, de uma civilização totalmente diferente.
— Pontonac, para Davyd Leppa — disse ele. — Estou dentro da nave. É possível
que aconteça alguma coisa que não estava planejada no programa. Eu me comunico com
vocês imediatamente, se vejo alguma coisa. O comandante Lerinck entrementes poderia
experimentar puxar para perto o Manipulador, com uso do raio de tração.
Leppa disse em voz alta:
— Eu vou passar isso adiante. Se possível faça muitas fotos, Edmond — nós vamos
precisar delas!
— Está em ordem. Era o que eu mesmo pretendia fazer.
Pontonac caminhou, com a arma destravada na mão direita, lentamente na direção
da figura escura. Quando ele já dera cinco passos, à sua direita, bem perto, abriu-se uma
parte da parede. Ela simplesmente deslizou para ambos os lados, ao longo de uma
abertura.
Pontonac assustou-se, saltou para a esquerda, e ergueu a arma. Mas não havia
ninguém atrás da abertura, que lentamente ficava mais larga. O comandante controlou-se
novamente, aproximou-se cautelosamente da abertura e olhou através do visor de seu
capacete para o cenário estranhamente técnico, que se achava sob aquela luz verde-
venenosa.
— Uma nave de maravilhas! — disse ele, irônico. — Até agora continua vazia de
gente. Ou simplesmente vazia.
Ele pegou a câmera do cinturão, empurrou a capa protetora para trás e enfiou a arma
no cinto. Lentamente entrou no recinto, que se estendia atrás da abertura. O tamanho era
tão imenso, que ele achou que o salão tocaria praticamente a parede oposta de bordo.
Ele caminhou quinze metros em linha reta, depois olhou em volta, encantado.
— Interessante! — murmurou ele e fez dez fotografias.
Ele viu-se diante de uma instalação muito curiosa. Como um cenário teatral
surrealista, pensou.
Do chão verde erguiam-se, como se crescessem no mesmo, colunas redondas,
oblíquas. Nestas colunas, que certamente consistiam do mesmo material vítreo, que
brilhava esverdeado, encontravam-se janelinhas negras. Perto das colunas havia pequenos
elementos em formato de cubo, que aparentemente estavam espalhados pelo recinto de
um modo que não fazia sentido. Das paredes e do teto sobressaíam e estavam
dependuradas coisas que tinham certa semelhança com cones torcidos pontudos. Eles
portavam, nas suas pontas finas, bolas negras, do tamanho de cabeças, com aberturas de
formatos e tamanhos diferentes.
Pontonac não escutou nenhum som nem sentiu quaisquer vibrações.
Ele caminhou lentamente, em círculo, pelo recinto, aprontou outras fotos e
finalmente chegou a uma construção, que ligava o chão com o teto, parecendo que uma
ampulheta lhe servira de modelo. Do ponto mais fino esticavam-se, em arco, grossos fios
que desapareciam novamente no chão, no teto ou nesses pequenos cubos.
Tudo brilhava esverdeado.
Não havia nenhum reflexo luminoso, nada de relógios, nenhum assento, nenhum
console de comutações. Ele nem imaginava para que estes objetos aqui seriam bons, o
que eles deviam realizar, ou se simplesmente deviam representar apenas uma decoração.
Mas ele desfez-se imediatamente dessa ideia, outra vez.
Numa nave-robô, cujo único fim era a difusão de raios de imbecilização, um enfeite
decorativo não fazia sentido.
Por outro lado — o que pensava uma raça estranha?
Ele não sabia dizer.
Pontonac lembrou-se do efeito limitado no tempo do gás narcótico no seu
empreendimento e sentiu, ao abandonar o recinto, um leve solavanco. Portanto o campo
do raio de tração já estava agarrando o Manipulador.
Ele saiu novamente para o corredor central e prosseguiu na direção do seu objetivo.
Depois de três metros abriu-se uma outra abertura vertical, desta vez do lado esquerdo do
corredor. Desta vez, Edmond reconheceu que tinha razão com sua avaliação — no final
deste recinto ele viu a destruição do impacto do tiro e entre as ruínas luminosas do local
de impacto, de vez em quando, via um pedaço do cosmo. Recortes, que se tornavam
visíveis através dos elementos de construção arrebentados.
— O segundo salão também com formas incompreensíveis.
— Entendido. Faça o maior número possível de fotos. O Manipulador, entrementes,
está sendo puxado para junto da Barracuda.
— Excelente, Lerinck! — disse Edmond. — Vou tentar me apressar.
Neste recinto havia somente colunas verticais, que eram tão grossas como árvores.
Nelas estavam afixadas elementos parecidos com caixas. Elas transcorriam mais ou
menos na altura do cinturão do traje espacial e continham muitos buracos escuros,
ordenados em fileiras paralelas. Pontonac estendeu os seus dedos, mas logo os puxou
para trás — ele não podia nem imaginar o que poderia provocar.
Uma parte do salão estava irremediavelmente destruído, e das ruínas de elementos
amassados, tortos e deslocados, sobressaíam em espiral muitos fios pretos, muitos finos.
Tudo parecia-se com uma teia de aranha destruída. Quando Edmond procurou pelo
recinto, chamou sua atenção uma grande abertura redonda na parede, que podia ser vista
muito bem, de todas as colunas igualmente. Ao passar diante dela, espelhou-se na
mesma.
Mas... ele não estava com a imagem invertida.
Ele ergueu a mão direita com a câmera, apertou o disparador e executou uma curta
evolução. Depois juntou as peças destruídas e abandonou o salão novamente. Ele agora
andou lentamente na direção do fim do corredor e não deu mais atenção às fendas que se
abriam, sempre que ele passava por uma foto-célula, ou quando interrompia um raio
invisível.
Depois de alguns minutos de corrida dentro do traje espacial, que lhe deixava a testa
suada, chegara ao fim do corredor.
E então ele viu o ídolo amarelo.
Cinco vezes o flash da câmera espoucou. Edmond Pontonac aproximou-se mais e
observou a imagem. Era uma estátua de corpo inteiro, com cerca de um metro de altura.
Ele encontrava-se em cima de uma base, que parecia um altar. Também ele crescia de
dentro do chão, quase tocava a testeira do corredor e acabava na altura dos reforços do
joelho de Edmond.
O ídolo... Edmond olhou-o, fascinado. Sua respiração ficou mais rápida, e o suor
secou. A testa e as palmas das mãos de repente pareciam geladas. Edmond estava parado
ali, sem conseguir raciocinar, e estava totalmente hipnotizado com aquela visão, que lhe
era oferecida.
O ídolo... ele tinha traços aproximadamente humanóides.
Ele estava ajoelhado sobre o joelho esquerdo e flexionara a coxa. Os três dedos da
ponta do pé direito tocavam a base, no seu canto dianteiro, e o joelho direito portava,
quase junto ao peito pontudo do ídolo, um grande ferrão. O ferrão enterrava-se
profundamente no peito, um pouco abaixo do pescoço. Os braços estavam ligeiramente
flexionados.
Edmond contou um total de nove dedos, cinco à direita, quatro à esquerda.
Eles estavam expressivamente dirigidos para a frente e pareciam garras de uma ave
de rapina, que se encontrava na iminência de se atirar sobre sua presa. As pontas dos
dedos terminavam finas como agulhas.
As veias dos braços sobressaíam nitidamente, como um duro entrelaçado redondo.
Do peito pontudo, em forma de proa, saía um pescoço fino, curto, que portava um
crânio de curiosa intensidade. Quase oval, com um queixo pontudo e grandes partes dos
olhos, formados detalhadamente e de forma naturalística. O nariz era totalmente reto e ia
de um ponto, onde a testa passava a uma bicharia de cabelos serpenteantes e grossos, até
pouco acima da boca.
A boca e os olhos...
Era uma boca cruel, de algum modo sensata, perversa, com dentes pontudos por
trás. Com sua colocação, a boca deixava-se comparar com a de um psicopata, que se atira
sobre sua vítima. Ao mesmo tempo, estavam reproduzidas duas grandes lágrimas, que
pingavam para baixo, dos cantos dos olhos.
— Estou ficando doido — tossiu Pontonac. — Um ídolo, numa nave-robô.
Ele deu três passos para a esquerda, ergueu a câmera e tirou mais algumas fotos. O
ídolo amarelo não se mexeu.
— Fantástico!
Em toda a volta da cabeça do ídolo, como uma auréola ou uma coroa de estrelas,
nove caveiras estavam embutidas na parede, que brilhava esverdeada. Elas pareciam uma
semiplástica. Também elas pareciam ter pertencido a uma raça distintamente humanóide,
mas as principais características eram diferentes. As queixadas não tinham dentes, o nariz
consistia de um vômer reto, e, sem exceção, os crânios eram fendidos.
Quando estas criaturas ainda viviam, elas deviam ter os seus crânios abertos com
um objeto semelhante a uma machadinha, com muita violência. Ossos velhos estilhaçam
de modo diferente que aqueles que se encontravam sob tecidos viventes.
— Espantoso, inacreditável... mas em tempos normais, eu poderia arrecadar
centenas de milhares de solares por estas fotos. Pois é, a gente sempre acaba chegando
tarde... — disse Edmond.
Ele tinha que tentar livrar-se dessa impressão sufocante.
E justamente quando ia virar-se escutou um murmúrio. Era mais um sibilar, como
se emissões de ondas longas sacudissem seu traje.
Uma voz, cujo caráter ele não conseguia explicar nem interpretar, disse:
— Este é o ídolo amarelo.
Ele é Y'Xanthymr, que mata e chora pedras vermelhas ao jazê-lo.
— Estou sonhando?
— Disse alguma coisa?
Pontonac respirou fundo e acalmou seus nervos eriçados. Depois ele perguntou,
lentamente e com firmeza:
— Leppa?
— Sim?
— O senhor ainda há pouco ouviu outra voz, além da minha?
— Não.
— Obrigado — disse o comandante. — É só isso.
Leppa agora parecia seriamente preocupado. Ele gritou:
— Edmond, saia daí, antes que aconteça uma desgraça! Já está ouvindo vozes que
não existem! Saia daí, depressa, homem!
Edmond retrucou, torturado:
— Coisa boa precisa de tempo, camarada. Somente temos esta chance uma vez.
Lerinck entrou na onda e avisou:
— Pontonac, o Manipulador está seguro perto da Barracuda. E como nave seguinte
e penúltima, é a vez da Giordano Bruno Júnior. Entendido?
Edmond garantiu:
— Claro, entendido, Lerinck. Obrigado. Eu ainda tenho o que fazer por aqui...
talvez vamos perder o Manipulador pelo caminho. Eu não vou desistir, enquanto não
tiver gasto todo o filme.
Por uma última vez ele olhou o ídolo amarelo.
A boca cruel parecia ter sorrido ainda há pouco, mas isso fora apenas uma ilusão de
ótica, provocada pela sombra e pela troca de lugar de Edmond. As nove caveiras — quem
já vira antes ossos de caveiras pretas, que pareciam de pedra polida? — rodeavam o ídolo
Y'Xanthymr.
— Que mata e ao fazê-lo chora pedras vermelhas... um ídolo com traços
individualistas. Antigamente nossos ídolos terranos costumavam sempre sorrir satisfeitos,
quando lhes ofereciam crianças, bois ou virgens, como sacrifícios. Brrr! — murmurou
Edmond.
Ele ainda não conseguia afastar-se daquele cenário hipnótico.
Mesmo porque era tão atípica Uma inteligência humana, que não fosse exatamente
de via única, recusava-se a compreender as significações isoladas, para corretamente criar
uma imagem to tal. Pontonac movimentou-se lentamente para trás. Ele esperava que eles
conseguissem rebocar esse Manipulador para a Terra. Ali os cientistas, que estavam entre
os salvos, literalmente se atirariam sobre ele.
Pontonac esperou até que perto dele abriu-se uma outra fenda. Esse devia ser um
recinto perto da ponta do veículo espacial. Ou da popa?
Durante o voo de aproximação, o ferrão da arraia tinha visado para trás, portanto
não na direção da formação de naves. Então esta construção tinha freado fortemente,
girando em cento e oitenta graus. Já neste lugar, Pontonac pensara que esta nave não era
tripulada.
De volta as caveiras — esta fora a última impressão que ele tivera, antes de entrar
no salão.
As caveiras tinham mais ou menos o tamanho de crânios de crianças terranas. Caso
se tomasse um tamanho de corpo análogo, então a raça de cultura de onde vinha o
Manipulador devia ser menor que o terrano médio.
A voz?
Edmond observou o salão. Ele era quase redondo e também aqui não havia ângulos
agudos. O chão, as paredes semi-esféricas e o teto, se interligavam arredondados. Muitas
centenas de aberturas diversas se encontravam na parede, e se destacam fortemente da
massa brilhantemente verde porque eram negras. No material negro, por sua vez,
encontravam-se inúmeras aberturas, através das quais somente se poderia enfiar um dedo.
Silenciosamente, sem elementos funcionais, sem vida técnica, que Edmond pudesse
identificar. Ele fez suas fotos e deixou o recinto.
A voz?
Novamente ele lembrou-se dela.
Como era possível que ele pudesse ter ouvido uma voz sussurrante, num traje
espacial fechado que, além do mais, ainda falara em idioma terrano? Rádio? Isso era
possível se ele se tivesse movimentado para dentro do campo de radiação de um circuito
primário de indução. Mas neste caso, primeiramente deveria ter havido ruínas de
impulsos de reação e, em segundo lugar, os outros comandantes teriam que ter ouvido
alguma coisa. E este não foi o caso.
Telepatia?
Numa nave-robô?
Sem dúvida, alguma coisa desse tipo. E sem dúvida, a sua capacidade de descobrir
inseguranças e mentiras, subterfúgios e hesitações em parceiros de conversas viventes, o
tinham ajudado. Afinal de contas, ele tinha um dom excepcional. Por isso, ele era
especialmente receptivo para sensações esquisitas. Ele pôs os pés no recinto do lado
oposto e não sentiu nenhuma vibração, mesmo colocando as pontas dos dedos contra a
fazenda do traje.
— O que é isto?
Edmond encontrava-se diante de uma fileira de esferas com um diâmetro de três ou
mais metros. Elas estavam interligadas numa fileira e repousavam em cima de um
fundamento retangular, que por seu lado saía do chão sem cantos ou fendas. De cada
esfera saíam quinze ferrões para todos os lados, ficavam cada vez mais finos, depois
novamente mais grossos e se fundiam com o teto e com as paredes. Este recinto
transmitia a Pontonac a sensação de força, vigor, poder e coisas semelhantes.
— Será a casa de máquinas?
Ele ergueu a câmera, deu alguns passos para trás e filmou. De repente houve um
clique no aparelho, ele o sentiu através da luva, uma luz vermelha de aviso acendeu-se, e
em cima estava escrito: Computador falhou.
— Só me faltava essa! — disse Pontonac. Evidentemente tudo que ele tinha em
volta estava tão velho e quebradiço, que acabava deixando de funcionar, em meio a sua
utilização.
Ele esperava que o filme ou a fita seriam expostos e continuou a fazer suas fotos,
filmando uma conversão, depois deixou o recinto.
Antes de pôr os pés no recinto seguinte, olhou através do visor transparente do
pulso do seu traje espacial.
As cinco horas em que a última provisão de gás narcótico conservaria seu efeito,
praticamente tinham passado.
Ele precisava dar um jeito para voltar para a Giordano Bruno.
6
Depois da data funesta em que, no Planeta Caudor II, tudo ruiu de golpe, Edmond
V. Pontonac se encontrara numa situação singular.
Ele era um dos dois homens que em todo um planeta permanecera normal.
Primeiramente eles nada sabiam um do outro. Somente minutos antes da partida da
Giordano eles se encontraram — por um acaso.
Pontonac tinha trabalhado como um mouro, para preparar a nave para a partida.
Primeiro ele procurara por todas as peças desmontadas, que finalmente achou.
Durante dias ele tentou embutir as caixas de comutações ligando-as corretamente.
Finalmente ele conseguiu o que queria, e então deu início a uma metódica inspeção da
nave. Faltavam alimentos e inúmeros objetos do equipamento. Pontonac precisou de mais
de duas semanas para reunir o equipamento e trazê-lo para a nave.
Depois ele procurou os seus homens na cidade, trouxe-os num planador para a
Giordano, e teve um trabalho constante, para acalmar as outras pessoas, também
infantilizadas, mostrando-lhes onde havia algo para comer. A cidade estava desértica em
diversos lugares, em outros aparecia lentamente a destruição, que sempre aparece em
lugares em que um mundo altamente técnico é atingido por comutações erradas e
irrefletidas.
Ele teve trabalho para manter os homens dentro da nave.
Mais de trinta ele não encontrou mais. Eles tinham se perdido na cidade e nos seus
arredores próximos. Finalmente ele visitou, por uma última vez, o zoológico, e percebeu
que ali também reinava o caos. Jaulas tinham sido arrebentadas, animais tinham matado
outros animais, muitos bichos tinham fugido. O tigre dente-de-sabre pulara nele —
também ele estava “imbecilizado”. Ele não desenhava mais triângulos, quadrados e
círculos — ele era apenas um gatinho brincalhão de mais de duzentos e cinquenta quilos
de peso, e dotado de dentes dilaceradores, com os quais era capaz de perfurar uma chapa
de aço fina.
Pontonac levou-o consigo — ele não saberia dizer porque. Talvez mais tarde ele o
descobriria, quando tivesse tempo para refletir melhor sobre isso. Agora não tinha
ocasião para isso.
Então, há mais de sete meses ele tinha partido e já no primeiro salto através do
espaço linear notara que evidentemente toda a vida orgânica, ou seja, também as
complicadas biopositrônicas, tinham sido danificadas. Certamente, depois de uma certa
escala, a imbecilização não ocorria mais. Portanto o pressuposto para o efeito daqueles
raios era um certo estágio elevado da evolução. Enquanto vermes ou animais inferiores
não eram danificados, qualquer ser vivo superior era infantilizado. Primatas, mamíferos e
também o homem. O Homo não era mais sapiens.
Com muito esforço, Edmond Pontonac voltou à realidade.
Ele se encontrava no último salão ou no último recinto desta notável nave estranha.
A câmera não funcionava mais a contento. Agora ele ouviu a voz de Lerinck:
— Edmond! Apresse-se! Nós estamos preocupados!
Pontonac ergueu a câmera e esperou que o diafragma, mesmo assim, ainda
funcionasse.
— Logo estarei pronto! — disse ele. — Eu já estou indo.
— Tudo em ordem? — quis saber Lerinck.
— Sim. Eu pude fazer observações espantosas.
Houve uma pausa.
Depois Lerinck murmurou, sonolento:
— Volte! Logo!
— Sim.
Pontonac olhou o recinto. Ele era tão inconcebível, exótico, como os salões
precedentes. A massa brilhando esverdeada, era formada como uma esponja formidável,
abalofada. Cavidades grandes e arredondadas em parte se encaixavam mutuamente,
separadas por finas paredes com grandes buracos redondos. Por outra parte elas eram
separadas por filmes transparentes. Edmond permaneceu dez minutos neste jardim de
loucura luminosa e meias-sombras, deixou correr os últimos metros de filme e depois
guardou a câmera outra vez, após ter apertado a alavanca correspondente. Quando ele
chegasse à nave, já teria um filme revelado, se possível corretamente iluminado, ou seja,
uma fita de vídeo.
— De volta à nave! — disse ele para si mesmo.
— Bravo! — comentou Leppa, de bordo da Proteus.
Na gravidade do aparelho voador parecido com uma arraia, que era de mais ou
menos dois terços da acostumada terrana — pelo menos Edmond calculou esse valor —
ele entrou na eclusa semidestruída, deu uma pequena corrida, e deu-se um empurrão, logo
que atingiu a linha de separação. O seu propulsor às costas disparou, e com certa rapidez
ele guiou-se em volta da nave, orientando-se.
Somente uma nave ainda pairava fora da corrente.
Também a Giordano Bruno Júnior já havia sido puxada. Ela encontrava-se no cabo
de reboque energético da Barracuda, e distante cerca de cinquenta metros da nave de
Lerinck, “acima” da corrente de naves, pairava o Manipulador aprisionado. A sua cauda
de arraia quase tocava a parede de bordo da nave.
— Pontonac, para todos! — disse Edmond e girou um pouquinho, depois de ter
desligado a propulsão. — Eu abandonei o Manipulador e agora me encontro em voo de
aproximação da eclusa de minha nave!
Leppa disse:
— Finalmente. Estamos esperando pelo senhor!
Edmond retrucou:
— E por mim estão esperando os meus homens. Eles já devem ter acordado da
anestesia.
— Continue em ligação de rádio.
— Naturalmente — disse ele. Agora ele viu o retângulo brilhante da eclusa do
hangar aberta, pilotou-se naquela direção, e minutos mais tarde encontrou-se sobre o chão
relativamente seguro de sua própria nave.
Ele fechou o portal exterior, esperou pela compensação da pressão e depois abriu a
porta interior menor, na placa decisivamente maior da escotilha de pressão. Ele abriu-a
empregando força, e saiu para o vestíbulo. E então teve um susto terrível.
Seu primeiro gesto foi agarrar o coldre da arma. Ele a manteve, desbravada, na mão.
A três metros diante dele estava caído, no meio de uma poça de sangue, o corpo
mutilado de um homem. Não podia mais reconhecer-se qual era o homem da tripulação
que estava ali.
— Não! — murmurou.
Ele tirou o capacete, colocou-o mecanicamente sobre uma caixa comutadora e
depois desligou a alimentação de oxigênio do traje. Lentamente dirigiu-se até o cadáver,
acocorou-se e não notou que ainda podia sentir-se o cheiro do gás narcótico, ainda que
fracamente.
— Sabre! — murmurou ele.
O tigre matara seu primeiro homem. O animal selvagem parecia novamente ter
vindo à tona.
De modo fulminante Edmond reconstruiu a situação:
Quando os homens tinham acordado da anestesia, tinham se sentido novamente
como crianças, e se comportaram como tal. Talvez eles o tivessem procurado. Então
tinham aberto a porta da jaula do tigre, e brincado com o animal. Isso fora bem durante
algum tempo, até que a brincadeira repentinamente se transformara numa coisa séria e
sangrenta. Talvez os seus cérebros retardados tivessem notado o que estava acontecendo.
Agora reinava uma calma mortal na nave. Talvez eles tivessem se dado conta e fugido
para suas cabines, nas quais agora estavam sentados, tremendo.
O tigre estava solto.
Ele tinha sentido o gosto de sangue humano e agora era um perigo.
Onde estava ele?
Edmond ficou sabendo disso uma fração de segundos depois.
Duzentos e cinquenta quilogramas de carne e músculos saltaram em cima dele,
lateralmente e por trás, chocaram-se com seu ombro esquerdo e o jogaram no chão. Uma
patada abriu compridos rasgões no traje espacial. E então o tigre estava em cima dele. O
braço direito de Pontonac, num movimento reflexo, veio atrás do ar, a coronha da pesada
arma de raios acertou o tigre no focinho, e Sabre deu um berro, que ecoou no vestíbulo da
eclusa.
E então ele mordeu.
Os dentes afiados acertaram os dedos de aço de Pontonac, e uma dor penetrante fez-
se sentir em algum lugar perto da coluna vertebral. A arma foi arrancada da mão de
Edmond, e ele bateu à sua volta, rolou lateralmente, saindo debaixo do tigre, e sentiu o
hálito fedorento de animal selvagem, que Sabre soprou na sua cara. E então conseguiu
pôr-se de pé.
O tigre atacou, suas patas escorregaram rangentes por cima do plástico que cobria o
chão, e isso evidentemente salvou a vida de Edmond uma segunda vez. O tigre acertou a
arma, escorregou novamente com uma pata traseira, mas a arma girou pelo menos trinta
metros pelo corredor, até bater fortemente num canto. Ela estava fora do seu alcance.
Ainda enquanto saltava lateralmente, Edmond procurou por uma outra arma.
O tigre segurou-se junto de uma parede, girou sobre si mesmo de um salto, mas
então Edmond já tinha o cabo de um machado na mão, que aqui estava dependurada
numa fixação de segurança. Ele estava ali, para, em caso de necessidade, cortar
mangueiras, separar ligações. Edmond esperava que a célula de alto efeito ainda estivesse
funcionando.
Quando ele girou rapidamente sobre si mesmo, a sua mão direita arrancou o
machado de sua fixação de molas.
— Pontonac, por que não vem para a central? — perguntou uma voz pelo rádio.
Edmond esquivou-se de um terceiro ataque, ligou a lâmina vibratória da arma, e
ouviu, aliviado, que o aparelho começou a zunir, e poucos segundos mais tarde subia
mais, e em ultra-som acabou inaudível para ele. De pernas muito abertas, com o machado
colocado para cima e para trás, o comandante estava parado ali, no seu traje espacial
esfarrapado.
Ele olhou fixamente para o tigre.
Os olhos cor de âmbar do animal desviavam-se do seu olhar, o animal miou de má
vontade e sacudiu a cabeça. Os músculos das patas traseiras vibravam.
Depois Sabre pulou para a frente.
— Seu bicho sujo, desgraçado! — resmungou Edmond, cheio de ódio, a agitou o
machado. Com um barulho ensurdecedor ele enterrou-se exatamente entre os olhos no
crânio do tigre, afundando pela metade.
O animal estertorou e caiu ao chão, trinta centímetros diante dos pés de Pontonac.
As patas estremeceram ainda algumas vezes, depois o tigre ficou caído, quieto. Pontonac
desligou, enquanto puxava a arma para fora, a lâmina vibradora, e meteu o machado
novamente entre seus apoios na parede.
— Pronto! — disse ele.
Ele dirigiu-se lentamente ao cadáver, ergueu-o estranhamente sem grande esforço, e
carregou-o cuidadosamente para dentro do pequeno recinto da eclusa. Depois ativou um
robô, que puxou o tigre para junto do cadáver. Edmond desativou a máquina, trancou a
escotilha interna cuidadosamente, e não respondeu à voz que constantemente vinha pelo
alto-falante.
Edmond ficou parado, primeiramente desligou a gravidade artificial da eclusa do
hangar, e depois fez deslizar para os lados, abrindo a pequena porta da eclusa.
No próximo movimento mais forte da nave, os dois cadáveres pairariam para fora.
Mais do que isso Pontonac não podia fazer.
Ele encostou-se na parede, exausto. Sentiu que todo o seu corpo estava molhado de
suor, e tremia.
— Edmond! Comunique-se comigo, de uma vez por todas, droga! — agora gritou
Leppa.
Pontonac ouviu séria preocupação na voz de Leppa, e a dúvida de que ele ainda
estivesse vivo. Edmond estava fraco demais e exausto demais, para ainda poder sentir
uma genuína gratidão.
— Eu estou bem! — disse ele, baixinho.
— O que aconteceu?
Edmond abaixou em parte o traje espacial, lembrou-se e retirou a câmera. Depois
despiu o traje completamente, jogando-o sem maior atenção dentro de um pequeno
recinto, que existia ao lado da eclusa.
Ele disse:
— Alguém soltou o tigre, ele ficou sedento de sangue e por isso matou um dos
meus homens.
Leppa silenciou, espantado.
Edmond seguiu ao longo do corredor cuja esteira rolante há meses não era ligada.
Ele aproximou-se da central, e quatro metros diante da escotilha aberta ele lembrou-se.
Deu meia-volta no lugar e foi buscar a arma que o sabre tinha arremessado a um canto.
Era perigoso deixar armas espalhadas por ali. Os homens poderiam se matar mutuamente
com elas.
— Ainda consegue passar, Edmond? — perguntou Lerinck, alguns minutos mais
tarde.
— Eu acho que sim, mas preciso de uma pausa.
— Tudo concedido.
Estes quatorze homens sabiam muito bem que condições haviam recebido
Pontonac, mesmo se não tinham uma imagem exata disso. Pelo caos de suas próprias
naves podiam deduzir o que se passava nas outras. A circunstância de que o comboio
ainda não dera partida na direção da Terra era que os imbecilizados sabotavam, em parte,
o que os normais haviam construído.
Edmond alcançou a central, sentou-se e ajeitou a poltrona para trás. Na nave ainda
reinava um silêncio de morte. Os homens, assustados, tinham se escondido. O homem
exausto colocou o resto do café frio num copo, adicionou álcool e acendeu um cigarro.
Depois tomou a bebida de um só gole, e fechou os olhos enquanto fumava.
Ele estava totalmente exausto e adormeceu.
Cerca de uma hora e meia depois ele acordou novamente e precisou de minutos para
reencontrar-se. Estava com a barba por fazer, e quando olhou para uma tela apagada, viu
o rosto pálido, emagrecido, olhando-o de volta, marcado pela exaustão. Além disso,
sentiu uma fome, que o deixava enfraquecido.
Ele olhou para o relógio.
Era muito tarde.
Há mais de cinco dias ele chegara aqui. Cinco? Não, entrementes eram quase sete
dias, conforme ele recalculou apressadamente. O que acontecera durante estes dias
parecia não poder preencher este espaço de tempo, mas as pequenas coisas,
aparentemente não importantes a bordo, detinham as dezesseis naves, obrigando a
repetidas interrupções.
Preparar uma comida ou mandar prepará-la.
Com muita dificuldade tranquilizar os homens insatisfeitos e desamparados, falar
com eles, discutir problemas que eram decisivamente infantis — isso detinha, cansava e
custava horas valiosas. Além disso, o sono interrompido, a tentativa de conseguir um
pouco de paz.
Quase cento e setenta horas...
Edmond sacudiu a cabeça. Ele sentiu-se um pouco melhor, e seus dedos não
tremiam mais.
Ele respirou fundo, anuiu para sua imagem na tela e abandonou a central.
Cento e dezenove homens esperavam por ele.
E uma tarefa, que estava estreitamente entrelaçada com a continuação da vida de
alguns milhares de pessoas.
Nas próximas horas ele repetiu o que fazia nos últimos longos meses, com uma
paciência que beirava ao inacreditável. Ele cuidou dos seus homens, dando-lhes de
comer. Quando, depois de horas, ele terminara com isso, o seu humor estava bem perto
do ponto zero absoluto. Isso era menos devido a sobrecarga e sim pelo fato dele ter que
assistir que seus homens tinham se transformado em crianças, o que lhe doía
profundamente. Ele cambaleou, exausto, para a sua cabine, e dormiu, como se tivesse
sido narcotizado.
7
Doze horas depois Pontonac encontrou-se novamente diante da tela de vídeo, que
também o ligava oticamente com o comandante Leppa, a bordo da Proteus.
O homem com a jaqueta de couro brilhante disse:
— Eu acho que nesta velocidade nós vamos consegui-lo. Que acha, Edmond?
Pontonac anuiu e retrucou:
— Sim, eu puxo a nave pequena com ajuda do raio de tração, depois nós aceleramos
e levamos o Manipulador conosco.
— É como planejamos.
Edmond respondeu, curto:
— E é assim que vamos executá-lo, parceiro. De qualquer modo, conseguimos
chegar alguns anos-luz mais perto da Terra.
— De qualquer modo! — observou Edmond, sarcástico.
Ele recostou-se e olhou para as telas de vídeo. Com exceção das interferências,
podia reconhecer nitidamente que quinze naves formavam uma fileira e que diretamente
acima da nave mais próxima, a grande Barracuda, pairava o Manipulador. Na
continuação do colar, pairava a pequena nave que já por duas vezes provocara uma
colisão. Se Pontonac puxasse a nave para si, o comboio para a Terra estaria pronto, e
podia-se proceder a programar a rota.
Edmond levantou-se, ficou diante das lentes e acendeu um cigarro.
— Portanto eu vou até a estação de comutação do raio de tração, e puxarei para
mim a pequena nave, parando o campo e depois passando uma comunicação de trabalho
executado.
Leppa disse:
— Tanto mais que nós não podemos ajudá-lo, Ed. O senhor está colocado
exatamente entre o âmbito de alcance de nossos aparelhos e a pequena nave. O senhor
terá que fazê-lo sozinho. Sinto muito.
Edmond começou a calcular e disse:
— A Barracuda, de qualquer modo, pode atrair a nave pequena... mas eu chamarei
novamente.
— Entendido.
Edmond deixou a central, tranquilizou alguns homens, brincando um pouco com
eles, até podê-los empurrar de volta para dentro de suas cabines. Em seguida chegou ao
corredor lateral e abriu, com uma chave-mestra — uma caneta eletrônica — a porta de
um pequeno recinto, que continha o comando da instalação do raio de tração.
Edmond sentou-se, girou o comutador geral, e esperou pela luz das lâmpadas de
controle.
Nada.
Ele comutou uma segunda vez. Nem um único instrumento mexeu-se. Edmond
levantou-se outra vez, e uma suspeita desagradável cresceu dentro dele. Ele acocorou-se e
soltou uma placa do revestimento da parede lateral, e logo viu aquilo.
— Eu devia ter pensado nisso — disse ele, baixinho.
O cubo, no qual ocorria o comando eletrônico dos procedimentos de comutação,
faltava. Os homens de Wandte Artian, o chefe da segurança, provavelmente o haviam
retirado e escondido, e Edmond nem em sonho pensara, antes da partida, em verificar se
ele estava faltando ou não.
— Acabou-se! — disse ele, e desligou o console.
Ele deixou o recinto, sem fechá-lo. Voltou para a central e colocou-se diante das
lentes.
— Pontonac, ao Comandante Lerinck!
Ele esperou alguns minutos, até que Lerinck aparecesse.
— Está com uma cara que parece o ódio da galáxia — disse Lerinck, lacônico. —
Pela expressão de seu rosto, deduzo que novamente está em dificuldades.
— Adivinhou! — disse Edmond. — Mas desta vez eu realmente não acho isso nada
engraçado.
— Mas...?
Os homens se entreolharam fixamente. Eles sabiam o que deviam pensar da
situação.
— Trágico. Escute só, Lerinck — o senhor precisa nos ajudar. Eu acabo de verificar
que minha instalação de raio de tração não funciona, e também não posso consertá-la.
Portanto estou desesperado. Olhe uma vez para o setor verde de suas telas panorâmicas!
Lerinck murmurou:
— Vejo que posso atrair a pequena nave com a aparelhagem própria de bordo, mas
não conseguirei pará-la, porque a curvatura polar de sua nave está metida no meio.
— Eu só queria pedir-lhe este favor.
Lerinck piscou surpreso e perguntou, depois de ter limpado a garganta:
— Até aí, tudo bem. Mas como é que pretende segurar a nave?
— Mecanicamente — disse Edmond.
— Excelente — opinou o outro. — O senhor simplesmente põe para fora da sua
nave o seu braço direito e puxa a nave atrás de si.
Edmond riu rapidamente e sentiu muita falta de um cafezinho quente.
— Exatamente, é como está dizendo, parceiro. — Por favor comece logo, eu já
estou a caminho. Nós temos que sumir daqui.
— Feito! — murmurou Lerinck.
— Posso confiar no senhor?
Lerinck respondeu, chateado:
— Quem é que pode dizer isso, nestes tempos inseguros?
Edmond anuiu.
— Falado com verdade! — disse ele. — Y'Xanthymr esteja convosco.
Ele colheu um olhar longo, pensativo, do outro comandante, enquanto abandonava a
central.
Meia hora mais tarde ele estava parado na escotilha aberta de um recinto de carga
aberto.
***
Ele envergava um novo traje espacial, tinha colocado um holofote transportável em
posição, e à sua volta viam-se rolos e pilhas, que não podiam ser exatamente
reconhecidos. A eclusa de carga estava muito aberta, e então o feixe de luz do holofote
brilhou forte. Ele oscilou um tempo através da escuridão, e então a luz bateu forte contra
o casco da pequena nave.
— Excelente manobra, colega! — comentou Edmond.
Lerinck tinha agarrado a pequena nave com o raio de tração, e puxou-a para mais
perto. A nave movimentava-se bem depressa, veio direta na direção da Giordano Bruno
Júnior e foi freada, quando ainda se encontrava duzentos metros distante. Durante todas
estas manobras, mesmo aquelas da semana passada, o grupo de naves continuara voando
com metade da velocidade da luz, na direção do Sol, mas o astro continuou o que era —
um diminuto pontinho luminoso entre muitos outros.
— De mim nunca espere outra coisa! — disse Lerinck.
A pequena nave fora freada, e agora voava, fora do alcance de todos os raios de
tração, não importando que nave os usaria, a cerca de duzentos e cinquenta metros
distante de Pontonac.
Edmond entabulara um plano muito simples para si mesmo.
Ele agarrou a extremidade de um cabo grosso, fixou-o no cinturão e ativou a forte
propulsão nas suas costas.
Lentamente Edmond voou para fora da eclusa, enquanto desenrolava o cabo de
plástico com núcleo de aço atrás de si.
Já antes de sua partida de Caudor II, ele refletira da razão por que este porão de
carga estava recheado de rolos de cabos, cordas, pesadas correntes de terconite e cabos
superpesados de aço.
Supostamente esta era uma parte da carga que a Giordano devia transportar para
uma base de apoio terrana. Não havia conhecimentos de carga. Lentamente o tambor do
cabo girava para a frente, enquanto o propulsor trabalhava com toda a sua força.
Cem metros...
Duzentos metros...
O casco amassado da outra nave aproximou-se e encheu o seu campo visual.
Pontonac viu a sua própria sombra e a do cabo, uma vez que voava através do cone de
luz. A sombra ficou cada vez menor e estava tão grande quanto ele mesmo, quando o
homem alcançou as manoplas embutidas profundamente perto de uma eclusa não
destruída.
— Chegou bem? — perguntou Lerinck.
Pontonac admirou-se de que os outros comandantes ainda não tinham perdido a
calma. Tudo ia tão devagar.
— Sim. Estou aqui.
Primeiramente ele afixou o cabo na manopla, enquanto o propulsor trabalhava.
Depois ele tateou-se adiante, até um recesso, na qual se abobadava uma grossa semi-
esfera de plexiglas por cima de um botão do tamanho de um punho fechado, que brilhava,
vermelho.
Edmond leu o texto:
Explosivo!
Eclusa A III.
Atenção!
— Este botão — disse ele baixinho — foi uma das melhores ideias da construção
astronáutica terrana.
E isso estava correto.
Um botão como este tinha sido construído para ocasiões como esta. Ele funcionava
em condições extremas, e naturalmente também, quando a cúpula de plexiglas era
destruída por uma manobra no espaço.
Enquanto a sua mão se fechava em volta de ambas as alavancas, enquanto Edmond
girava, ele procurou, no espaço, por Manipuladores chegando, por pontos luminosos que
se aproximavam, por astronaves — ele não sabia o que estava procurando — do que
estava com medo.
A capa de proteção velejou, relampejando, através do raio de luz para o espaço,
depois Pontonac segurou-se com a mão esquerda, ergueu a mão direita e bateu fortemente
sobre o botão.
Depois disse:
— Estou na outra nave. Espero que ninguém abra a escotilha, caso contrário ocorre
uma descompressão explosiva, o que rapidamente terminaria com minha tarefa.
Ele olhou em volta.
Seu conhecimento de planos de construção de naves terranas o tinha ajudado
durante o seu plano. Ele puxou o cabo cautelosamente por trás de um total de cinco
suportes grossos, da altura de um homem, que iam do teto até o chão, e serviam para a
construção do casco da nave. Depois fixou a extremidade do cabo, atravessou a eclusa e
tirou a arma de raios.
Metodicamente ele fundiu em cerca de vinte lugares, os quadros da escotilha com o
metal da mesma.
Não se podia mais entrar na eclusa!
Ele anuiu satisfeito, depois colocou-se perto do primeiro suporte e puxou no cabo.
Ele fez força suficiente para puxar cerca de trezentos metros do cabo de três dedos de
grossura, de cima do tambor, que entrementes tinha corrido adiante lentamente.
O trabalho seguinte consistia em que ele também puxasse estes trezentos metros em
volta de todos os outros suportes de aço, até que diante da eclusa se contorcesse um
gigantesco embrulho de cabos, que em estado de falta de gravidade, se mexia como
algumas cobras serpenteantes.
— Eu vou voltar! — disse ele.
Depois desligou a gravidade artificial do hangar.
— Entendido!
Ele pegou a extremidade do cabo, ligou a propulsão, e saiu velejando rapidamente
através do espaço. Aterrissou no porão de carga, atou a extremidade do cabo e respirou,
aliviado.
Até aqui tudo fora bem.
Apesar disso ele tinha a sensação, que já durava três horas, de que um perigo que
ainda era maior que o Manipulador se aproximava desse curioso reboque.
Ele encolheu os ombros. O que é que ele podia fazer?
Primeiro deixou correr o tambor do cabo, em seguida atou a extremidade do cabo
no último elo de uma corrente, cujo diâmetro estava acima dos quinze centímetros. O fim
do cabo que ele trouxera consigo novamente, ele atou sobre o tambor, colocou-se do lado
e fez o tambor girar.
A energia para o tambor vinha do gerador da nave. Pontonac a tinha ligado.
Rapidamente a provisão de cabo se enrolou, depois o cabo se esticou, a roldana
começou a vibrar, e finalmente o cabo puxou a corrente fina do porão de carga. Agora era
importante não sobrecarregar o cabo.
Levou bastante tempo até que os primeiros elos da corrente atingissem a eclusa do
hangar da pequena nave.
Ali, também num ambiente sem gravidade, ela lentamente foi puxada em volta dos
suportes de aço, enganchando-se diversas vezes, soltando-se novamente, e finalmente
Pontonac notou que a corrente voltava novamente a sua nave. As forças empregadas eram
tão pouco fortes, que as naves saíram de suas rotas no máximo alguns metros, ou seja,
aproximando-se nesta proporção.
A mesma manobra ele repetiu com a corrente pesada, depois fixou a corrente
pesada em volta dos suportes do próprio porão de carga.
Ambas as naves estavam presas, uma à outra.
E quando a sua mão tocou a alavanca, com a qual ele queria fazer a eclusa abrir-se
pela metade, utilizou para isso o último resto de sua energia de bateria.
Ele ainda conseguiu encostar-se à parede para soltar o botão novamente, antes de
ficar incapaz de se mexer.
— Não totalmente — murmurou ele.
Ele ainda conseguia mexer o braço esquerdo, todos os dedos, conseguia girar a
cabeça e dobrar o tórax. Mais, não.
Ele estava metido numa armadilha.
Na armadilha de sua própria incapacidade.
E começou a praguejar em voz alta...
8
Edmond olhou Leppa nos olhos, depois o seu olhar foi até Lerinck, com quem podia
falar através do pequeno monitor. Ele descreveu o que lhe acontecera, e pela primeira vez
os dois homens ficaram sabendo que ele portava três próteses.
— De qualquer modo podemos partir — disse Pontonac. — Somente precisamos
ainda de uma cuidadosa coordenação.
Eles concordaram com um tempo de aceleração de quatro horas. A aceleração
exata, ou seja, a relação entre a energia despendida e o tempo necessário, devia ser
calculada pelos pequenos computadores de rota, que trabalhavam positronicamente e não
biopositronicamente. Com isso eles consumiram várias horas; depois, após uma nova
sintonia dos seus relógios, eles ligaram os propulsores.
As naves aceleraram.
A Giordano gemeu em todas as suas juntas, quando tomou velocidade, mas ela
aguentaria. A pequena nave globular no fim foi rebocada, e também ali todos os espeques
de aço se curvaram.
Uma corrente de dezesseis naves pôs-se em movimento ao longo de uma reta.
Meia velocidade da luz.
Mais depressa... mas só muito cautelosamente, e de acordo com os valores dos
computadores de rota, que tinham sido alimentados com outros programas de cálculos.
Quinze homens observavam atenciosamente os instrumentos e se comunicavam
ininterruptamente.
A distância deixada para trás era insignificante — mas agora a meta aproximava-se,
estando quase ao tocar da mão.
Já tinham combinado que Lerinck, quando as naves estivessem em órbita da Terra,
devia partir com um space-jet, para aterrissar a pequena nave. O jet ficaria perdido, mas
certamente haveria ajuda na Terra.
As transmissões de rádio sempre eram interrompidas por pedidos de socorro, que
pareciam chegar de todas as partes da Via-Láctea.
Uma das vantagens era que os homens infantilizados novamente se tornariam
normais no espaço linear.
Pontonac jurou para si mesmo que mandaria matar um porco.
Ele ansiava por comer uma enorme costeleta.
A viagem continuou.
Por acaso, Pontonac olhou para uma de suas telas, e quando avistou o Manipulador,
reagiu novamente com a rapidez costumeira.
Ele jogou-se para fora da poltrona, correu para o console correspondente, e ali ligou
o gravador de vídeo.
O aparelho filmou a imagem, que o vídeo correspondente mostrava na galeria
panorâmica.
Ele mostrava uma imagem muito curiosa.
— Pontonac para todos! — gritou Edmond, quando as câmeras começaram a girar.
— Liguem as câmeras e observem o Manipulador!
— Entendido!
— O que é isso?
— Essa coisa está queimando!
E diversas outras exclamações, sem exceção de espanto. A “coisa” não estava
queimando, mas se comportava estranhamente.
Ela rebrilhava, luminosa.
O Manipulador, que se encontrava no cabo de reboque do raio de tração, agora
estava dependurado entre a Barracuda e a Giordano. A forma exótica do objeto voador
espacial ficou visível nitidamente, com seus contornos bem delineados, pois o
Manipulador agora estava brilhando esverdeado.
Lentamente o Manipulador girou sobre si mesmo, e a imagem mudou para a tela
vizinha. Edmond comutou para a aparelhagem de captação desse setor e esperou
tensamente. Ele pensou em bombas cósmicas e que agora, provavelmente, um
transmissor dava conhecimento da destruição e uma frota dos curiosos estranhos viria
voando em alta velocidade, para bombardear as naves terranas.
Depois, aquele rebrilhar esverdeado apagou-se lentamente.
Mas permaneceu um núcleo, que se modificou nas suas cores. O material tornou-se
transparente, e somente o sítio, onde Edmond sabia que estava o ídolo amarelo, ficou
iluminado numa luz amarela, penetrante. E então ele também viu Y'Xanthymr, que mata
e chora pedras vermelhas ao fazê-lo. O Y'Xanthymr tomou-se maior e maior, e agora já
devia estar tocando no teto do corredor.
— Isso é impossível! — gemeu Pontonac, assustado.
Ele estava de pé, no meio da central e olhava fixamente para as duas telas. Dos
olhos do ídolo eram disparadas esferas vermelhas que atravessavam velozmente o
material transparente, como se este fosse de papel. A imagem tornou-se difusa, opaca, e
as esferas vermelhas, no seu caminho, arrebentavam a massa que parecia de vidro. Tudo
ruiu. Cada vez mais bolas vermelhas eram disparadas dos olhos, arrebentando tudo, e
varrendo para longe, no espaço.
Pontonac voltou para o seu console. Ele não tirava os olhos do objeto espacial
estranho.
Aquilo não durou muito tempo.
Poucos minutos mais tarde, somente destroços vítreos, transparentes, ainda
pairavam pelo espaço. Nenhum dos espaços era maior que um corpo humano, de modo
algum maior que um metro cúbico de massa. Edmond olhou para a tela do rastreamento.
Dentro de poucos minutos a nave tinha se destruído, dissolvida, e agora também se
apagou aquele brilho intenso que emanara do ídolo inchado. Uma nuvem de cristal
velozmente desfez-se no espaço.
Por algum tempo reinou o silêncio. Depois Leppa chamou.
— Vocês viram o que eu vi? — perguntou ele.
Teerpa, da Tara Queen, disse:
— Sim, mas não exatamente. Eu cheguei tarde demais aos vídeos.
Pontonac murmurou:
— Eu filmei tudo. Nós registramos um documento único.
***
As dezesseis naves aceleraram mais.
A rota exata fora programada, com dados idênticos para cada nave, com exceção da
última que estava presa à Giordano Bruno Júnior. Da meia velocidade da luz passou-se a
dois terços, e os autômatos trabalhavam excelentemente. Quando tiveram certeza de que,
com grande probabilidade, não haveria panes, Leppa foi o primeiro a abandonar o seu
lugar na central.
Depois o seguiu Pontonac.
Afinal de contas, todos os quinze salvos, deste estranho conjunto de naves, tinham o
que fazer.
Edmond lembrou-se que os seus homens também deviam sentir-se famintos como
ele. Seu primeiro caminho passou por alguns homens dormindo no chão do corredor,
onde estavam embolados.
Edmond abriu a cantina e ativou os robôs.
Ele refletiu:
— As provisões estão terminando. Por outro lado ainda temos porcos a bordo. E
carne congelada. Que tal um gulasch?
Ele programou os robôs, deu ordens detalhadas, e esperou não ter deixado passar
nada. A maioria dos trabalhos era feito por máquinas, e não importava se a comida fora
condimentada corretamente, ou se as massas, talvez estivessem um pouco empapadas.
— Comida para cento e vinte homens! — disse ele.
Ele estava contente por não ter mais que dar comida na boca dos seus homens. Nem
todos sabiam comer com garfo e faca, mas também aqui o principal era que eles
saciassem a sua fome. Pontonac abriu uma geladeira, cortou uma fatia de dois dedos de
um dos últimos presuntos enlatados, torrou duas fatias de pão, e tomou meio litro de suco
de frutas. Depois, após ter feito um terceiro controle do programa, ele foi dar comida aos
coelhos, não se esquecendo de dar água aos porcos.
Horas mais tarde, quando a velocidade do comboio tinha aumentado novamente em
alguns por cento, Edmond estava novamente sentado na central. Em uma ou duas horas, a
cantina estaria pronta, e ele poderia chamar os seus protegidos de todas as partes da nave,
conduzindo-os para a refeição.
Pontonac murmurou:
— Algum dia vamos ficar sabendo quem é responsável por isso. Espero que então
esse reconhecimento não acabe provocando uma guerra sangrenta outra vez! — Há cerca
de sete meses acontecem coisas pavorosas...
Valores, que jamais poderiam ser recuperados, tinham sido arruinados. As pessoas,
com inteligência de crianças, só raramente eram malévolas. Mas elas passavam fome. E
aproveitavam qualquer responsabilidade para conseguir comida.
Ninguém lhe ensinara como conseguir alimentos de outra maneira que não por
roubo e pilhagens... Quem poderia tê-lo feito?
E ali, onde os famintos, abandonados e sem pátria, encontravam obstáculos, os
adultos infantilizados começavam a afastar estes obstáculos.
Eles não queriam destruir.
Eles apenas queriam chegar junto daquilo de que precisavam. E deste modo
destruíam valores de bilhões de solares. Deste modo eles não reconheciam que causavam
o seu próprio desaparecimento, quando apertavam os botões errados.
Mas não havia ninguém ali para ensinar-lhes a apertarem os botões certos — ou
para não tocarem, de modo algum, naqueles botões.
Edmond entrementes podia imaginar como as coisas estavam na Terra, um dos
planetas de mais alta tecnologia da galáxia.
Ali reinava o caos.
— Se os conquistadores estranhos não são os que dominam ali, tomando todo um
planeta como campo experimental para seus escravos.
Ele sacudiu a cabeça.
— Vamos dar uma olhada! — disse ele, falando consigo mesmo, metendo um
cigarro entre os lábios e esquecendo-se de acendê-lo.
Ele observou as telas de vídeo, nas quais podia ver-se partes da nave seguinte, a
pequena nave, que estava dependurada na pesada corrente de aço terconite, e na qual
tinham aparecido as constelações familiares, que rodeavam o Sol terrano.
Pontonac não conhecia mais todas as coordenadas e de modo algum todos os dados,
mas podia ver a Alpha Centauri claramente.
Perto dela a Próxima Centauri.
Ele também descobriu Groombridge 34, além de Munich 15.040 e “por trás”, BD
1204523. Estas eram estrelas próximas da Terra.
As naves encontravam-se a caminho de casa.
Por longos minutos Pontonac gozou da calma, uma curta fase de relaxamento e a
esperança tomou conta dele.
Quando então alguns protegidos famintos entraram repentinamente na central,
reclamando que há muito tempo não ganhavam mais nada para comer, Edmond apenas
anuiu e foi com eles para a cantina.
10
Com uma voz, na qual se podia notar um desespero ilimitado mas também o alívio
de que a incerteza havia passado, Davyd Leppa, da Proteus, disse:
— Edmond?
Pontonac acordou de um curto sono, piscou e olhou para a imagem do outro
comandante.
— Sim?
Quando viu o rosto de Leppa, ele sabia, sem ter que analisar a voz do homem diante
dele, que acontecera alguma coisa.
— Vamos ter visitas! — disse Leppa.
Pontonac lentamente virou a poltrona para a frente.
— Conte!
Leppa disse:
— Um eco bastante forte, nos meus monitores de rastreamento. Eu tive um pouco
de tempo e calma e pude utilizar os instrumentos do departamento de rastreamento, sem
ter que me ocupar com os monitores aqui da central. Um objeto, praticamente em rota de
colisão.
Edmond anuiu.
Ele digitou uma tecla, que provocava a autopilotagem das câmeras dos vídeos. Em
seguida foi até a tela do rastreador, que estivera funcionando ininterruptamente. A
imagem estava sofrivelmente nítida.
— Estou vendo! — disse ele.
Ele ligou o computador, e depois viu que nos campos apareceram as cifras
eletrônicas.
Era uma nave espacial gigantesca, reconhecível por sua grande massa e pela força
dos seus propulsores. Ela estava a uma distância de cento e noventa minutos-luz,
movimentava-se no espaço normal, e vinha voando numa rota que a levaria a passar,
lateralmente, a algumas centenas de quilômetros, pelo comboio. A velocidade era de
nove décimos da velocidade da luz.
— Duzentos e setenta mil quilômetros por segundo. Um troço desgraçadamente
pesado. Parece que está vindo da Terra, mas isso também pode não significar nada.
Afinal de contas, é possível voar-se também em curvas.
Leppa opinou, amargo:
— O senhor tem um gênio dourado, parceiro. O que devemos fazer?
Pontonac abriu ambos os braços, riu ligeiramente e murmurou:
— Nada!
— Não está falando sério, Edmond?
Pontonac resmungou, furioso:
— O senhor tem uma proposta melhor? Ligar os escudos protetores? Com isso
explodimos a nossa formação, pois somente poucas das naves terão o equipamento
necessário para ampliar os diâmetros dos escudos de tal modo, e receber deles ainda sua
total função defensiva.
Leppa enterrou os punhos fechados nos bolsos de sua jaqueta de couro.
— O senhor tem razão, Edmond — disse ele, baixinho.
— Ou acha que nos ajudaria, se todos corrêssemos ao canhão-transformador,
atirando em cima dessa nave gigantesca? O comandante ali nem sequer esboçaria um
sorriso.
— A fuga também está fora de cogitação! — observou Lerinck, sombriamente.
— E nós também não devemos esperar que eles ainda não nos notaram — interveio
o comandante Leppa.
Edmond disse:
— O senhor tem o melhor e o mais forte radiotransmissor, Leppa. Transmita na
onda da frota. Este será um teste. Se alguém responder, será com certeza uma nave
terrana, na qual reinam as mesmas condições que nas nossas.
Leppa concordou e retrucou, baixinho:
— Eu vou tentar.
Edmond olhou para o monitor, apertou a tecla do computador de cálculos, e viu as
novas cifras oferecidas. A nave aproximava-se cada vez mais, e eles estavam voando
exatamente na sua direção. Isso diminuía a distância drasticamente.
Mesmo assim, levaria ainda mais de uma hora, se o estranho ali, naquela nave
espacial gigantesca, com suas fortes emissões de propulsão, não passasse ao voo linear,
para repentinamente enfiar-se na rota deles. Pontonac esperou alguns minutos depois
formalmente arrancou-se da poltrona.
No meio do murmúrio de Leppa, que tinha estabelecido a ligação nave a nave a um
mínimo, veio uma voz clara, muito alta:
— Aqui é a estação de rádio da Intersolar, sob o comando do Marechal-de-Estado
Bell e Julian Tifflor. Estamos chamando a caravana de naves...
Houve uma pausa, depois a mesma voz continuou:
— Sim, estou escutando! Estou ouvindo sua mensagem de rádio, Proteus!
Leppa começou a gritar. Ele estava próximo de perder a cabeça.
— Bell! É o Marechal-de-Estado!
Teerpa gritou no meio:
— Isso pode ser uma armadilha, meus amigos! Cuidado! Eu não acredito que seja a
Intersolar.
Edmond Pontonac esperou. Ele amaldiçoou esta espera, à qual estava entregue.
Nada podia fazer. Qualquer tipo de defesa era sem sentido. E também ele não acreditava
que era Reginald Bell que vinha ao encontro do comboio.
Novamente eles esperaram.
O que se passava nos pensamentos dos quinze homens apenas podia ser suspeitado.
As reações quanto a mensagem de rádio iam da extrema desconfiança à mais pura
euforia. Uma das alternativas chamava-se morte e destruição, a outra um salvamento
definitivo.
Depois Leppa chamou novamente.
Ele disse, muito calmo:
— Amigos, é Reginald Bell. Eu estou com ele nas telas e faço a comutação da
imagem para todos.
Segundos mais tarde mudou a imagem nas grandes telas de comunicação e Edmond
viu a parte superior do corpo do Marechal-de-Estado Reginald Bell, enquanto as naves
continuavam se aproximando em louca velocidade, mas ainda lentamente demais.
Edmond, assim acreditava ele, jamais em sua vida vira com mais satisfação um homem,
do que aqui e agora, Reginald Bell.
Ele disse ao seu microfone:
— Leppa, assuma a conversação. De todos nós o senhor é o mais cortês!
— Seu piadista!
Leppa respirou fundo. Em algumas sentenças ele descreveu a situação, que reinava
aqui no interior da formação da nave. Bell interrompeu-o e disse:
— Nós vamos entrar no espaço linear, comandante, e em alguns segundos teremos
calculado uma rota. Vamos voar ao seu lado! Eu quero ver isto de perto!
— Está bem, obrigado, Sir!
A imagem desapareceu, e então também a Intersolar desapareceu das telas de
imagem do rastreamento do espaço normal. Pouco tempo depois Edmond viu nas suas
telas panorâmicas, como a grande nave saía do espaço linear, voando uma manobra de
adaptação e depois, com a mesma velocidade, voou ao longo do comboio.
A ligação de rádio continuou de pé.
— Sir, nós precisamos de sua ajuda! — disse Leppa.
Pontonac ficou escutando atentamente.
— O senhor vai receber a ajuda de que precisa, mas não se prometa muito dela.
Temos muito menos que homens suficientes a bordo. A Intersolar somente está tripulada
numa pequena fração de suas necessidades.
— Eu quis dizer, apenas de passagem. Nossos computadores biopositrônicos...
Bell fez um gesto defensivo. Ele estava contente em poder ajudar, isso Pontonac
sentiu nos seus pensamentos, mas ao mesmo tempo estava furioso com aquela força
misteriosa que era responsável por estas condições.
— Nós estamos informados. Esta radiação se estende sobre todas as criaturas vivas,
acima de determinado grau de evolução. Nós conseguimos um processo, com o qual
todos os computadores positrônicos funcionam sem problemas. Nós eliminamos uma
grande parte das biopeças.
— Vai nos ajudar? Quero dizer... Nós temos, no rabo do comboio, uma nave cujo
conteúdo nós não conhecemos. Ali não há nem um único “salvo” a bordo. O senhor
deveria mandar um comando para ali, e...
Bell disse, enquanto se virava para falar com um parceiro invisível:
— Vocês escutaram tudo. Equipem o comando de emergência, carreguem um jato,
e alguém, se possível, deverá voar a nave para a Terra, e imediatamente voltar para cá
novamente.
A conversa ia e vinha.
Os homens nas naves perguntavam e Bell e Tifflor respondiam. Depois o Marechal-
de-Estado perguntou pelos acontecimentos, e novamente Pontonac registrou uma raiva
desamparada. Finalmente Teerpa mencionou o Manipulador, e isso provocou uma reação
em Bell, que Edmond não esperara. Evidentemente Bell somente conhecia esse objeto
voador, através de descrições.
— Onde está o Manipulador?
Pontonac curvou-se para a frente, apertou seu botão de contato e interveio na
conversa.
— Sir — disse ele. — O Manipulador manipulou-se para fora dos acontecimentos,
mas nós provavelmente temos uma rica conquista fotográfica a respeito desse objeto
voador espacial e do seu fim.
Enquanto ele falava com Bell, viu que a nave gigante lançava um jato. O space-jet
dirigiu-se diretamente para a nave pequena, e o piloto freou fortemente, quando na luz
dos muitos holofotes de aterrissagem viu a corrente de aço, que se esticava entre as
naves. Pontonac teve que sorrir, ao imaginar as caras dos homens no jato.
— Como foi que disse? O senhor tem fotos?
— Sim — disse Pontonac.
Bell olhou-o duvidando, depois perguntou perplexo:
— Diga-me uma coisa... o senhor não é o comandante militar da lua Titã?
— Fui, sim — disse Pontonac. — Mas circunstâncias adversas me detiveram.
Bell disse, pensativo:
— Deighton enviou-o como correio e diplomata terrano, para buscar ajuda. E então
havia uma coisa como uma dívida, que se tinham esquecido de contabilizar... isso é
correto? Mas isso foi há três anos atrás!
— Desde este tempo eu ando de um lado para o outro nos planetas da Ordem
Shomona.
Bell disse, decidido:
— Ouçam-me, meus senhores. Eu vou mandar buscá-los, e comandos da Intersolar
irão até suas naves para ajudá-los.
— Entendido. Eles virão buscar-nos?
— Sim. Traga os seus filmes, são informações importantes para nós. Algo assim é o
que nós procurávamos.
Os olhos de Edmond caíram no cassete, no qual estavam registradas as mensagens
de rádio e os pedidos de socorro de diversos planetas. Ele confirmou, anuindo, tirou as
bobinas com as gravações das duas câmeras embutidas, bem como as fotos entrementes
reveladas.
Enquanto colocava o traje espacial, de vez em quando olhava para as telas.
Do jato saíram diversos homens em trajes espaciais, abriram uma outra eclusa de
hangar, com a comutação explosiva, e depois entraram ali com o jato. Os portais
fecharam-se novamente. Pontonac ficaria sabendo que caos os homens teriam encontrado
ali. Ele acreditava que eles rapidamente programariam a rota e depois partiriam para o
espaço linear, para com isso aliviar o trabalho para si mesmos, para que eles
vivenciassem como dos infantilizados se formaria novamente uma tripulação de
astronave altamente inteligente.
Pontonac pegou o cassete e os rolos, colocando-os numa bolsa de bordo e esperou.
O capacete espacial estava em cima do console.
— Leppa, o senhor está pronto? — perguntou ele, então.
— Sim, mas não fique impaciente. Agora está tudo em ordem. Provavelmente
vamos ter que dissolver o comboio novamente. E isso é quase uma pena.
Pontonac ainda não podia acreditar que os problemas tinham terminado.
Ele foi lentamente para a eclusa mais próxima, e no caminho tranquilizou alguns
homens, que com tinta spray tentavam grafitar uma imagem de Ed em traje espacial nas
paredes. Ele trancou a porta interna da eclusa e colocou o capacete, ligou a aparelhagem
de rádio e de alimentação, e deixou rolar para os lados a placa externa. Ligou a
iluminação; o jato que o viria buscar, assim rapidamente encontraria o caminho.
Sempre que, pensou ele, os homens sob o comando de Bell influenciassem as
biopositrônicas. O que aconteceria então?
As dezesseis naves se soltariam umas das outras, e em poucas horas voariam
rapidamente para a Terra, através do espaço linear.
Ali os comandantes, provavelmente, teriam que pousar as naves usando pilotagem
manual. Onde isso deveria acontecer, poderia combinar-se com o Marechal-de-Estado.
E então...?
A Terra possuía novamente quinze salvos, mas também alguns milhares de homens
que estavam imbecilizados. Mas eles eram, ainda que dentro de certos limites, capazes de
aprender. Os pensamentos de Pontonac foram interrompidos, quando diante dele surgiu
uma luz ofuscante, piscando várias vezes.
Ele ergueu o braço e disse:
— Eu sintonizei a onda da frota no meu capacete — acho que podemos nos
entender.
— Entendido, Pontonac. Nós nos meteremos pela metade na eclusa. O senhor
embarca na eclusa polar do jato, e nós voamos de volta para a Intersolar. Está claro?
— Eu entendi! — disse Edmond, e esperou.
O jato aproximou-se, diminuiu o voo de aproximação e manobrou depois com leves
jatos correcionais para dentro da eclusa do hangar. A pequena eclusa do polo abriu-se,
Pontonac abaixou-se e embarcou. Uma mão estendeu-se e puxou-o para cima. Anda
enquanto a escotilha se fechava novamente, o jato pairou para trás, para fora da eclusa,
girou sobre si mesmo, e saiu voando obliquamente, em alta velocidade, ao encontro da
gigantesca célula globular da Intersolar.
A compensação de pressão ocorreu, e os dois homens jogaram seus capacetes para
trás.
— Bem-vindo, Edmond Pontonac — disse um homem de nariz aquilino, com
cabelos curtos, negro-azulados, sacudindo a mão de Pontonac. — O senhor parece
bastante abatido.
— E é exatamente como eu me sinto — disse Edmond — Como estão as coisas
com vocês?
O homem deu uma curta risada, amarga.
— Venha para a cúpula, lá em cima. Em nossa nave naturalmente tudo está em
ordem — se é que se pode falar de ordem, quando trezentos e vinte e dois homens e
mulheres procuram pilotar e trabalhar numa nave gigantesca como esta. Setores inteiros
estão desertos.
Pontonac perguntou, enquanto eles pairavam para cima no elevador:
— Por acaso vocês não têm, a bordo, uma jovem de nome Caryna Nillbaerg?
O homem de nariz aquilino sacudiu a cabeça.
— Não. Conhecida?
Edmond saudou os três homens que estavam sentados diante dos controles. Ele
olhou em torno — aqui não havia indício de decadência, de desordem e de sujeira.
— Sim. Uma conhecida — disse ele, a meia-voz. — Provavelmente ela está
desaparecida,
O cosmo entre a Intersolar e as dezesseis naves estava cheio dos discos dos jatos, de
holofotes e luzes. Os comandos das fileiras dos mais de trezentos salvos sob o comando
de Bell e Tifflor desdobravam-se, num total de cerca de oitenta homens e mulheres com
suas aparelhagens.
— Além disso, temos Corello e Balton Wyt a bordo — disse o homem de cabelos
negros. — Os filmes estão aí?
Ele apontou para a bolsa de Pontonac.
— Sim.
Dois jatos entraram de volta à nave, um atrás do outro. Finalmente Edmond tinha
condições de apertar a mão do comandante Leppa. O homem tinha quase a sua altura,
mas era mais largo nos ombros. Ele tinha banha demais na barriga, que apertava com um
cinturão largo, muito evidente, da última moda.
Ele perguntou imediatamente a alguém do acompanhamento de Pontonac:
— Por que, aliás, a Intersolar está viajando por aqui?
A explicação era simples.
— Bell queria tentar recolher gente, em todos os lugares, de onde ele recebia
pedidos de socorro. Nós temos que organizar tudo, de maneira totalmente nova. Dos
planetas antes altamente técnicos, vamos ter que fazer, em parte, mundos agrícolas, caso
contrário bilhões vão morrer de fome.
Enquanto eles eram conduzidos ao alojamento privado de Bell, tiveram ocasião de
ver uma nave limpa, que funcionava de maneira excelente em todas as suas partes. As
biopositrônicas pareciam, sem exceção, ter sido substituídas por positrônicas. Eles
também ficaram sabendo mais a respeito das missões da Intersolar. A nave tinha partido
em começos de maio, e já tivera contato com Rhodan.
— Quer dizer que Rhodan voltou! — verificou Pontonac.
— Ele chegou a uma galáxia totalmente confusa — disse um dos homens. — Nós
também voamos até estações da USO, e procuramos agradar, onde é possível. Mas com
todos os nossos intensos esforços, isso acaba sendo apenas um trabalho parcial. Nós não
temos gente bastante.
— Eu compreendo.
Finalmente, depois de uma saudação cordial, eles estavam sentados diante de Bell.
Eles encontravam-se numa cabine, que se diferenciava de maneira francamente acentuada
do seu ambiente acostumado há meses. Ao lhes ser perguntado se queriam comer alguma
coisa, eles responderam, a uma só voz:
— Sim, Sir.
Minutos depois, excelentes porções de comida estavam diante deles, grandes,
quentes e condimentadas. Além disso, uma escolha de bebidas, que os fez acreditar que
estavam novamente num restaurante de luxo em Terrânia City.
Bell disse, calmo:
— Nós temos tempo. Comam tranquilamente, e depois me façam seus relatórios.
Primeiramente me interessam os nomes das naves e acontecimentos especiais.
Davyd Leppa começou a recontar.
Ele descreveu ao Marechal-de-Estado como eles, por acaso, tinham encontrado
quatro naves. Isso fora na ocasião em que os salvos isolados ainda não tinham dominado
absolutamente a situação a bordo. Frequentes panes eram a consequência. De qualquer
maneira, decidiu-se, primeiramente acelerar durante algum tempo, e tomar o rumo da
Terra, no espaço normal. Achava-se que, por acaso ou não, se existisse realmente, neste
lugar a concentração de naves seria mais densa.
Os quatro comandantes tiveram suas suspeitas confirmadas.
Pouco a pouco vieram, de diferentes posições, mais onze outras naves. O acaso
tinha feito que elas saíssem perto deste lugar, ou ainda em distância tão favorável, vindos
do espaço linear, que foi possível se entenderem pelo rádio, e se reunirem numa
formação. As outras naves se juntaram a elas no lento voo na direção do Sol.
Como última nave, chegou finalmente a Giordano Bruno.
— Eu não compreendo — disse Bell — porque o senhor foi mantido tanto tempo
como refém. Está bem, durante as lutas com os Coletores reinava em nossa administração
uma confusão danada e agitação sem limites. Mas entre o dia-X e o final das lutas,
Adams deveria ter feito alguma coisa. Afinal, isso é um procedimento normal... ou pelo
menos era, até cerca de sete meses atrás.
Depois Bell informou o que acontecera.
Novas designações surgiram.
O Enxame...
Os estranhos... Pânico em Olimpo... total desorientação nos oito planetas, ou então
nas suas luas...
O Homo superior...
Finalmente Bell terminou o seu relato. Ele disse:
— Agora os senhores sabem o que os espera na Terra. Procurem entrar em contato
com Roi Danton. Ele lhes designará uma tarefa, que mal se diferenciará daquela, que os
senhores tiveram por sete meses. Eu tenho que dizer-lhes de minha maior admiração e
dar-lhe o meu louvor por tudo que os senhores conseguiram, o que foi quase
desumanamente muito.
Edmond sorriu curto e disse, finalmente, naquela sua maneira conhecida e cordial:
— Depois da refeição e na certeza de que em poucas horas pousaremos na Terra,
qualquer tarefa tem solução, Sir.
Uma tela de vídeo acendeu-se. Um locutor falou:
— Sir, o comando que penetrou na Golden Gate, pede-lhe para receber uma
transmissão de audiovídeo!
— Mande ligar — disse Bell, e voltando-se para os dois homens. — Desculpem!
Edmond e Davyd se entreolharam.
Uma sonolência boa tinha tomado conta deles. A sensação de que tinham todo o
trabalho árduo atrás de si contribuiu para relaxá-los. Se eles não fizessem um esforço
adormeceriam aqui mesmo, nestas poltronas, sem acordar antes de vinte e quatro horas.
Um homem em traje espacial sem capacete apareceu na tela e disse:
— Sir, o senhor precisa ajudar-nos. Se devemos dar partida na nave, primeiramente
teremos que partir, a tiros, a corrente que está esticada entre a Golden Gate e a Giordano
Bruno Júnior. Estes comandantes astronautas, engenhosos, simplesmente amarraram duas
naves entre si, como se fossem brinquedos.
Bell sentou-se, muito rígido, olhou para Leppa e Pontonac, e depois caiu numa
gargalhada retumbante.
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