You are on page 1of 67

(P-521)

A LUTA PELA
CIDADE SOLAR

Autor
ERNST VLCEK

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra registram os meados
do mês do janeiro do ano 3.442. Faz mais de um ano que a
catástrofe desabou sobre quase todos os seres inteligentes da
Galáxia.
Ainda não existe nenhuma chance de impedir o vôo do
misterioso “Enxame” através da Galáxia ou reverter a
manipulação da constante 5D por ele realizada, que provoca
uma regressão mental em quase todos os seres uivos.
Mas Perry Rhodan e seus companheiros imunes, entre
os quais estão Atlan, Gucky e muitos velhos conhecidos,
fazem tudo que está ao seu alcance para desvendar o segredo
do “Enxame”. Fora algumas incursões em outras áreas, a
Good Hope II permanece quase constantemente nas
proximidades do “Enxame para colher informações e realizar
pesquisas.
E agora, depois da conferência fracassada dos imunes,
Perry Rhodan fez mais uma incursão numa área diferente.
Ajudado por Atlan, Geoffry Waringer, Fellmer Lloyd e os
especialistas de Quinto-Center, o Administrador-Geral
recolheu oitenta mil cientistas no planeta-laboratório Last
Hope e os transportou ao mundo dos Cem Sóis pertencentes
aos pos-bi, ao qual não chegam os efeitos dos raios de
deterioração mental, por causa da posição galáctica
afastada.
Mas a frota dos terranos enfrenta dificuldades na
chegada. O plasma central dos pos-bi, que até então fora um
grande amigo e aliado dos terranos, não permite que pousem
— e assiste-se à Luta Pela Cidade Solar...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador-Geral que realiza uma
missão arriscada.
Atlan, Fellmer Lloyd e Irmina Kotchistowa —
Companheiros de Perry Rhodan no avanço para
Suntown.
Jorston — Um homem que se sacrifica.
Aborq Vallain — Um homem que sabe improvisar.
Coronel Tahiko Anaka — Um homem que sonha com a fama
e o poder.
1

“Foi horrível.
“O acontecimento temporal e espacial era tão realista e ao mesmo tempo
completamente estranho à realidade. A realidade foi abstraída no sonho.
“Lá estava o sol Bolo. Brilhava em cima de mim e de Last Hope que nem um olho
malvado. De fato, era um olho gigantesco com uma expressão assassina. Seus raios
quentes ameaçavam queimar-me, tomavam incandescente a rocha, derretiam o chumbo e
o estanho.
“Não havia mais ninguém além de mim, do sol impiedoso e da paisagem
acidentada, escaldante, na qual havia lagos de chumbo e estanho. E calor e tempestade.
Tudo me ameaçava. Puxava-me e queria obrigar-me a ficar de joelho.
“Lutei uma luta sem esperança.
“O olho do sol Bolo fitava-me como se quisesse hipnotizar-me.
“De repente apareceram outros olhos. Os olhos dos imunes rebelados. Perseguiam-
me, porque não queria participar de seus planos criminosos. Estavam atrás de mim — os
sedentos do poder, os amotinados.
“Meus inimigos estavam em toda parte. Tinham-me cercado.
“Aí apareceu meu aliado. O monstro de corpo triangular, com uma cauda de 640
metros de altura que se estendia para o sol Bolo que nem uma antena. Era o Marcha-
Muito. Usava a cauda-antena para retirar energias do sol, percorria a paisagem traiçoeira
com suas trinta e seis pernas em forma de coluna, pôs em fuga os inimigos que me
perseguiam. Encontrei refúgio nas costas do Marcha-Muito, nas costas que eram
acidentadas e rochosas que nem a paisagem de Last Hope.
“Lá fiquei em segurança durante alguns meses.
“Mas não demorei a perceber que estava perdida, já que a segurança que desfrutava
era ilusória e relativa. Estava a salvo do sol e dos imunes. O calor e os gases da atmosfera
eram mantidos longe de mim. Possuía uma blindagem pressurizada supermoderna,
alimentos, água e oxigênio em abundância. Além disso havia nas costas do Marcha-
Muito depósitos de oxigênio congelado, que aproveitei.
“Elaborei este raciocínio lógico como se estivesse passando mais uma vez por tudo
isso. Percebi que daquele lado não corria mais nenhum perigo. Pouco importava que o
Marcha-Muito caminhasse pela face diurna sufocante de Last Hope, trilhando o caminho
previamente fixado, ou se endurecia na face noturna com seu frio de rachar.
“O perigo veio numa forma diferente.
“Meu espírito foi atacado.
“Subia e descia. As costas do Marcha-Muito se levantavam e baixavam, enquanto
corria a oitenta quilômetros por hora. Para cima e para baixo. O olho do sol Bolo
adaptou-se ao ritmo. Para cima e para baixo. A paisagem rochosa ofuscante, quebradiça,
também se adaptou ao movimento. Para cima e para baixo. O céu incandescente, os gases
em rotação, todo um mundo subia e descia diante dos meus olhos.
“Tive medo. De repente o temor de que um dos movimentos descendentes não
terminaria mais tomou conta de mim. Teria de cair.
“De repente ouvi um ruído de tambores. Era característico do Marcha-Muito. Toda
vez que colocava no chão uma das trinta e seis pernas em coluna havia um abalo que se
transmitia a todos os nervos de meu corpo. O ruído de tambor quase me deixou louco.
Tentei distrair-me ouvindo as diversas frequências de rádio. Mas de repente ouvi as vozes
dos imunes. Amaldiçoaram-me, proferiram ameaças contra mim.
“Fui obrigada a fechar a mente a essas vozes, a ignorar o ruído de tambor produzido
pelas batidas das pernas em coluna na rocha, e além disso precisava cuidar-me para não
cair. Sabia que bastaria um instante de desatenção para que meu espírito sucumbisse a
uma das três influências. A consequência seria a loucura.
“Tamborilar. Vozes. Para cima e para baixo.
“Tamborilar... Para cima e para baixo... Para baixo... Para baixo caí... Cada vez mais
fundo... Caí numa profundeza infinita...”
Irmina Kotchistowa iniciara seu relato com uma voz calma e indiferente. Mas
quando foi chegando ao fim sua fala era cada vez mais rápida, ofegante. Parou exausta.
Depois de uma pequena pausa acrescentou em voz baixa:
— Durante a queda nas profundezas acordei.
***
— Hum — fez o Dr. Kayasho, deu as costas à paciente que estava deitada no sofá e
olhou para um lugar distante. — Eu diria que a permanência de vários meses na
superfície de Last Hope lhe rendeu uma fobia. Tem medo do movimento e de abismos.
Mas não pode ser um medo muito forte, senão ele não apareceria nos sonhos, mas na
realidade.
Irmina Kotchistowa apoiou-se nos cotovelos, fitou o psicodinâmico com os olhos
grandes e escuros e disse:
— Deduzo de suas palavras que não há nada de errado comigo. Acho que posso
entrar em atividade.
O Dr. Kayasho fez um movimento para acalmá-la.
— Calma, senhorita. Acho que está em plena forma, mas gostaria de ocupar-me
mais alguns minutos com a senhorita.
O psicodinâmico olhou nos olhos da bioquímica até que ela se esquivou de seu
olhar. A moça era de estatura mediana, figura delicada e busto cheio. O Dr. Kayasho, que
em Last Hope pertencera à equipe de oitenta mil pessoas do Dr. Waringer, já conhecia
Irmina Kotchistowa. Era uma bioquímica competente com grande força de vontade e era
capaz de repelir as tentativas de aproximação dos colegas com charme e determinação.
Seu sentimento lhe dizia que ela resistira aos meses passados nas costas do Marcha-
Muito sem danos psíquicos. Pelo que mostravam os exames, não restava nada além de
uma fobia pouco acentuada.
Mas havia outra coisa em que estava interessado.
Irmina Kotchistowa estava escondendo alguma coisa. O Dr. Kayasho não sabia por
que fazia isso. Talvez não quisesse contar toda a verdade porque receava que Perry
Rhodan não permitiria que ela fosse com Atlan e o mutante Fellmer Lloyd ao mundo dos
Cem Sóis.
De qualquer maneira o Dr. Kayasho queria estudar o caso a fundo.
Irmina Kotchistowa olhou para ele desconfiada.
— Se não há nada de errado comigo, por que não me deixa ir embora? O senhor
sabe que o Administrador-Geral está à minha espera na Gonozal. — A moça suspirou. —
Se soubesse que haveria tantas complicações não teria vindo espontaneamente para
contar meu sonho.
O psicodinâmico sorriu vagamente e disse:
— Fez bem em vir. A causa de seus pesadelos poderia ser algo mais grave que uma
simples fobia.
Irmina ficou contrariada.
— Por que tenta convencer-me de que carrego nas profundezas da mente um medo
contra abismos? Se fosse assim, deveria temer os poços dos elevadores
antigravitacionais. Ou será que não? Acontece que não hesito uma fração de segundo em
usar um elevador destes.
O Dr. Kayasho fez um gesto contemporizador.
— Está bem. Não se fala mais na fobia. Ela não tem mesmo nenhuma importância.
Todos nós que permanecemos em Last Hope tivemos afetada a estabilidade psíquica.
Digo mais. Quase todos os seres humanos desta galáxia, e até os não humanóides, foram
afetados por isso. Tudo por causa da deterioração mental. É claro que depende do grau de
inteligência de cada um a maior ou menor resistência à manipulação da constante 5D. E
também depende muito do QI até onde um indivíduo que já foi afetado pela deterioração
mental é capaz de enfrentar a nova situação depois de escapar aos efeitos dos raios de
retardamento.
O psicodinâmico fez uma pausa.
— Vamos encarar o problema de meu ponto de vista — prosseguiu. — Eu mesmo
era um dos oitenta mil débeis que havia em Last Hope. Minhas recordações dos meses
que passei nos centros de pesquisas subplanetárias são bastante incompletas. Parece fazer
muito tempo. Mas lembro-me perfeitamente dos meus pensamentos e sentimentos
durante o vôo pelo espaço linear, ao ser transportado para cá, quando voltei ao normal.
Durante as etapas lineares recuperei a sanidade mental. Quer saber em que pensei nesses
momentos? A única coisa em que conseguia pensar era que depois de cada etapa
tínhamos de voltar ao espaço normal. Tive medo disso. Sabia que no universo
einsteiniano voltaria a ser um débil mental. Um medo selvagem do espaço cósmico
tomou conta de mim. E este medo ainda não desapareceu completamente, apesar de não
ter motivo para temer os raios de deterioração mental no lugar em que estamos, perto do
mundo dos Cem Sóis. Estamos a quase duzentos mil anos-luz da Via Láctea, num lugar
em que a manipulação da constante gravitacional da quinta dimensão não produz nenhum
efeito. Digo-lhe isto para mostrar que quase todos aqueles que ficaram expostos aos raios
de deterioração mental tiveram a mente afetada. Como vê, também carrego minha fobia.
O psicodinâmico sorriu para animar Irmina e concluiu:
— A senhorita, que possui certa imunidade contra a deterioração mental,
naturalmente tem uma constituição psíquica mais forte. Quer dizer que posso
perfeitamente autorizar que participe da ação.
Irmina respirou aliviada. Receara que o psicodinâmico só tivesse recorrido à
explicação prolixa para convencê-la delicadamente de que não estava em condições de
prestar qualquer serviço.
— Obrigado, Dr. Kayasho — disse. — Posso retirar-me?
— Só depois de revelar seu segredo — disse o psicodinâmico.
— Que segredo?
— A senhorita não contou tudo — respondeu o Dr. Kayasho e enumerou: — Como
foi parar nas costas do Marcha-Muito que ficam cem metros acima do chão? Não possuía
traje de vôo pressurizado. Mesmo que tenha escalado o corpo de noventa metros de
altura, ainda falta explicar como fez para subir pelas pernas de dez metros, que além de
tudo se movimentavam muito depressa.
Irmina sentiu-se insegura.
— Subi no Marcha-Muito na região glacial, quando estava congelado.
O Dr. Kayasho sacudiu a cabeça.
— Seu sonho revela o contrário.
— Meu sonho está mentindo.
— Quem mente é a senhorita! — O Dr. Kayasho apontou para suas mãos e
perguntou de supetão: — Por que usa luvas?
Irmina hesitou.
— Não há nenhum motivo especial para isto.
Irmina ficou pálida.
— Não! Tenho... tenho uma doença da pele e não quero que ninguém veja.
— Deixe-me ver.
— Acho que o senhor não é especializado nisso, Dr. Kayasho — recusou Irmina.
O psicodinâmico encarou-a de frente.
— Talvez seja.
Irmina baixou os olhos.
— O senhor tem razão. Quando acordei do pesadelo, estava com os braços cobertos
de pústulas.
— Tem uma explicação para isso?
Irmina acenou com a cabeça.
— Tenho. Sou uma metábio-agrupadora.
2

As dez naves cargueiras de grande tamanho, chamadas Almana 1 a Almana 10, cada
uma com 2.500 metros de diâmetro, tinham entrado em órbita em torno do mundo dos
Cem Sóis dos pos-bis, juntamente com o cruzador da USO Gonozal, mantendo uma
distância segura.
Já fazia dois dias que estavam em posição de espera. Dois dias durante os quais não
surgira nenhuma esperança, nem para os oitenta mil cientistas qualificados a bordo das
naves cargueiras, nem para os chefes da missão.
Perry Rhodan não sabia por que o plasma central não permitia o pouso das onze
naves terranas no mundo dos Cem Sóis. Segundo os cálculos de probabilidades, o plasma
central agia sob pressão; era obrigado direta ou indiretamente a agir daquela forma.
Restava saber por quem.
Ou será que o plasma celular do mundo dos Cem Sóis fora atingido pelos efeitos da
modificação da constante gravitacional da quinta dimensão? Segundo os centros de
computação positrônica isso não tinha acontecido. Rhodan também não aceitava essa
possibilidade. O mundo dos Cem Sóis dos pos-bis ficava a 289.412 anos-luz da Via
Láctea, no intercosmo.
De qualquer maneira a confiança com que Rhodan trabalhara na realização do plano
ficara abalada.
Quando foi informado em Peregrino Beta pelo ser chamado Aquilo de que o mundo
dos Cem Sóis não fora atingido pelos raios de deterioração mental, Rhodan abandonara o
plano de continuar a observar o “Enxame”. Preferiu preparar um gigantesco programa de
evacuação, que depois de alguma demora começou a ser executado.
Rhodan, Atlan, Geoffry Abel Waringer, o mutante Fellmer Lloyd e 260 imunes
partiram para Last Hope em dez naves cargueiras, além da Gonozal. Segundo o Professor
Waringer, devia haver 800.000 cientistas no planeta de pesquisas secreto. Não havia a
menor dúvida de que essas capacidades nas mais diversas áreas técnicas e científicas se
tinham transformado em débeis mentais. Rhodan pretendia levar os oitenta mil
especialistas de Last Hope para o mundo dos Cem Sóis, onde estariam fora do alcance
dos raios de deterioração mental e recuperariam as faculdades mentais.
Com essa equipe enorme de cientistas e técnicos se poderia pensar em combater as
influências negativas do “Enxame” sobre as civilizações da Galáxia em geral, e da
manipulação da constante 5D em especial.
O mundo dos Cem Sóis oferecia condições ideais para isto.
Há cerca de mil e trezentos anos havia nele algumas grandes bases terranas. Além
disso existiam seis gigantescos estaleiros espaciais, nos quais as naves terranas de todos
os tipos, por maiores que fossem, podiam ser submetidas a uma revisão geral. Dois destes
estaleiros contavam com um porto espacial.
Além dessas instalações técnicas havia um centro residencial para a guarnição
terrana que permanecia constantemente no mundo dos Cem Sóis. Eram cinco mil pessoas
vivendo em grandes alojamentos, nos quais encontravam todas as formas possíveis de
luxo.
Ao lado do centro residencial da guarnição básica fora construída uma cidade-hotel
na qual havia lugar para quinhentas mil pessoas. Era usada pelas tripulações dos
contingentes da frota terrana e das frotas de abastecimento que faziam uma escala no
mundo dos Cem Sóis durante a viagem à nebulosa de Andrômeda. A cidade, que
geralmente ficava vazia, reunia todos os tipos de casas imagináveis, desde o arranha-céu
até o bangalô.
O conjunto era chamado de Suntown. Era ali, na Cidade Solar, que seriam alojados
os oitenta mil técnicos e cientistas vindos de Last Hope.
Mas parecia que a longa viagem ao mundo dos Cem Sóis fora em vão. Logo depois
da chegada das onze espaçonaves ao mundo dos pos-bi, que era abastecido de luz e calor
por duzentos sóis artificiais, Rhodan fizera contato de rádio com o plasma central para
solicitar permissão de pouso. O pedido era uma simples formalidade, uma vez que o
plasma era um aliado fiel do Império Solar. As instalações terranas no mundo dos Cem
Sóis tinham sido construídas com a permissão expressa do plasma central. Por isso
parecia não haver a menor dúvida de que seria dada permissão para o pouso das dez
naves cargueiras e do cruzador da USO.
Por isso Rhodan só poderia ficar muito abalado quando recebeu a resposta negativa
do plasma central, que avisou que seria obrigado a derrubar qualquer nave terrana que
tentasse aproximar-se.
A atitude do plasma central era muito estranha. Mas havia um fato ainda mais
estranho. Nenhum dos membros da guarnição de cinco mil homens respondeu aos
chamados pelo rádio. Até parecia que a base terrana fora completamente abandonada.
Rhodan chamou o General Merety Dala, chefe militar do mundo dos Cem Sóis, e o
Professor Tochce Sarvonic, chefe das equipes científicas, várias vezes pelo nome. Mas
nem assim houve resposta.
Diante disso Rhodan e Atlan resolveram investigar o segredo do mundo dos Cem
Sóis. Formaram um comando especial, que deveria realizar investigações no próprio
mundo dos Cem Sóis. O comando era composto de quatro pessoas:
Perry Rhodan, Atlan, Fellmer Lloyd e Irmina Kotchistowa.
Ao amanhecer do dia 15 de janeiro de 3.442 todos os preparativos tinham sido
concluídos.
***
— Onde está Irmina Kotchistowa? — perguntou Rhodan. Fellmer Lloyd, que estava
de pé a seu lado, achou que a pergunta fora dirigida a ele.
— Parece que ela se encontra na Almana 4 — respondeu o telepata e localizador.
— Trate de descobrir, Fellmer — pediu Rhodan. Queria que usasse suas antenas
parapsíquicas e se orientasse pelos pensamentos da bioquímica. — Partiremos dentro de
trinta minutos.
— Desde que até lá sejam concluídos os testes finais — objetou Geoffry Abel
Waringer.
Abel olhou para o jato de oito metros que levaria Rhodan e seus três companheiros
ao mundo dos Cem Sóis. Os técnicos já tinham removido a cúpula de plástico blindado,
deixando descoberta a cabine de comando no centro do barco em forma de disco.
Naquele momento estavam verificando as centrífugas energéticas dos assentos
anatômicos. Waringer dirigiu-se a Atlan.
— Ainda tenho minhas dúvidas de que as providências tomadas bastem para
garantir seu pouso no mundo dos Cem Sóis — disse o hiperfísico.
Atlan sorriu.
— Não precisamos de garantias. Basta uma chance — e esta nós temos. É quase
certo que quando fizermos a aproximação o plasma central nos alerte primeiro par atirar
depois. Será o sinal para abandonarmos o jato espacial.
Rhodan concordou com um aceno de cabeça.
— Podemos contar com um alerta do plasma central. Mas ainda não me entra na
cabeça que ele seja contra nós.
— Não há dúvida de que age assim contra sua vontade.
— Seja como for — disse Rhodan. — Nem poderia ter acontecido que alguma força
pudesse aparecer no mundo dos Cem Sóis e obrigar o plasma central a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa. Para que servem afinal os cinco mil homens que temos estacionados
lá?
Atlan suspirou.
— Já discutimos isso muitas vezes. Provavelmente a guarnição básica ficou
sabendo qual era a situação na Via Láctea antes que começasse o processo de
deterioração mental e partiu para lá a fim de prestar ajuda.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não acredito que um homem competente e perspicaz como o General Merety
Dala não tenha deixado pelo menos parte da guarnição para fazer a vigilância. Logo,
devemos descobrir o que é feito desses homens e mulheres.
— É por isso que enviaremos o comando especial — respondeu Atlan
laconicamente.
Rhodan quis dar uma resposta, mas não teve oportunidade. Primeiro foi impedido
por quatro ruídos parecidos com explosões que chicotearam no hangar quando os
técnicos verificaram a centrífuga dos assentos anatômicos.
Depois apareceu o intendente da Gonozal em companhia de dois robôs que
trouxeram os trajes blindados para Rhodan e seu grupo. Tratava-se de um modelo
simplificado, mas bastante aperfeiçoado, do traje de combate terrano que já era usado há
um milênio com o nome de escafandro de combate. Era bem verdade que os trajes de
combate do presente e os escafandros de combate de outros tempos só tinham em comum
a concepção básica. O gerador do defletor, o projetar do campo defensivo, os geradores
de grande potência, as instalações de climatização e renovação de ar, os aparelhos de
rastreamento, o sistema de jatopropulsão, os projetores antigravitacionais e os outros
equipamentos técnicos, tudo era do tipo mais moderno. Os armamentos podiam ser
adaptados a cada indivíduo.
Rhodan decidiu que cada membro do comando levaria uma faca vibratória, um
desintegrador e uma arma paralisante.
— Localizei Irmina Kotchistowa — informou Fellmer Lloyd.
— Acaba de consultar um psicodinâmico. Dirige-se a um transmissor, para ir à
Gonozal.
— O que ela foi fazer num psicodinâmico? — perguntou Rhodan surpreso.
— O senhor deve fazer essa pergunta a ela — respondeu Lloyd. — Acho que não
seria justo penetrar mais profundamente em seus pensamentos. Pelo que descobri foi por
causa de um sonho.
— Um sonho? — Rhodan olhou para Atlan com uma expressão pensativa. —
Arcônida, você também imagina com que ela estava sonhando.
— Não consegue tirar da cabeça os acontecimentos de Last Hope — disse Atlan. —
Isso poderá representar uma forte carga psicológica para ela. Talvez não devêssemos
levá-la.
Rhodan hesitou.
— Não há problema com Irmina — disse Fellmer Lloyd. Quando viu Rhodan e
Atlan olhando para ele com uma expressão de espanto, apressou-se em acrescentar: — O
que quero dizer é que suas faculdades podem ajudar-nos bastante na missão. Além disso
ficarei de olho nela.
— Tenho a impressão de que o senhor já está de olho nela — disse Rhodan com um
sorriso irônico enquanto colocava a mão no pescoço, onde Whisper estava enrolado que
nem um pano.
Refletiu um instante se devia usar o simbionte para filtrar os impulsos telepáticos de
Lloyd vindos do planeta Khusal, mas resolveu que não. Havia coisa mais importante para
fazer.
— O senhor tem razão, Fellmer — disse. — Irmina poderá ajudar-nos bastante por
causa de suas faculdades. Não acredito que sofra uma psicose grave; todos os testes
foram negativos. E não tenho a menor dúvida de que o senhor cuidará dela muito bem.
Lloyd não respondeu. Não lhe escapara a ponta de ironia na voz do Administrador-
Geral.
Rhodan resolveu interpelar Irmina. Gostava de estar informado quando alguém que
devia participar de uma missão com ele estava numa crise.
Dali a pouco Irmina entrou no hangar. Rhodan franziu a testa ao ver que usava
luvas.
Imaginava o que isso podia significar. Mas nem por isso mudou de ideia. Levá-la-ia
ao mundo dos Cem Sóis. Confiava em Fellmer Lloyd.
O telepata cuidaria de Irmina.
3

Irmina não enfrentou problemas ao colocar o traje de combate. Em Last Hope


também fora obrigada a usar uma blindagem pressurizada toda vez que queria ir à
superfície. E ela usara um traje destes para fugir dos imunes revoltados do centro de
pesquisas.
A moça entrou no jato espacial depois de Rhodan. Atravessou a eclusa e foi à
cabine de comando que estava aberta. Teve um ligeiro calafrio ao lembrar-se de que teria
de percorrer as duas unidades astronômicas que a separavam do mundo dos Cem Sóis
tendo como única proteção contra o vácuo do espaço um traje blindado pressurizado.
Mas logo se recuperou. Tudo ia dar certo. Recebera instruções para todos os tipos de
emergência.
Rhodan ocupou o assento do piloto. Os outros também foram para seus lugares.
Irmina olhou para fora da cabine e viu o Dr. Geoffry Abel Waringer saindo do hangar.
Sabia que ele se dirigia à sala de comando da Gonozal para assumir o comando das onze
espaçonaves. Além disso tentaria estabelecer contato com o mundo dos Cem Sóis para
desviar a atenção do jato espacial.
— Testando! — soou a voz de Rhodan nos fones de ouvido de Irmina.
— Entendido!
— A comunicação é excelente — respondeu Fellmer Lloyd.
— Um momento — disse Atlan. Seu transmissor estava desajustado. O arcônida
levou alguns segundos para fazer o ajuste. Sua voz ainda parecia deformada. — Tudo em
ordem.
Rhodan entrou em contato com o posto de controle do hangar. Instruiu o comando
da eclusa a fazer sair o jato espacial dentro de cinco minutos. A contagem regressiva foi
iniciada.
— Estou à disposição na sala de comando — anunciou Geoffry Waringer.
— Você sabe o que deve fazer, Geoffry — disse Rhodan pelo rádio. Não tente
estabelecer contato de rádio conosco, aconteça o que acontecer. Bombardeie o mundo dos
Cem Sóis sem parar com mensagens de rádio, mas deixe-nos fora disso. Se precisarmos
de ajuda avisaremos.
— X menos quatro minutos — disse uma voz saída dos alto-falantes do hangar.
Irmina ouviu a voz pelos microfones externos de seu traje blindado. Desligou o
contato direto com o mundo exterior.
Olhou para Rhodan e Atlan, que estavam calmamente sentados em seus lugares.
Quando olhou para Fellmer Lloyd, este a brindou com um sorriso animador. Irmina
retribuiu o sorriso.
— Decolagem!
A eclusa do hangar estava bem aberta. Uma atividade intensa era desenvolvida atrás
das paredes transparentes de plástico blindado que separavam o posto de controle. Os
homens do comando da eclusa usaram raios direcionais para tirar o jato dos suportes e
levaram-no para fora em segurança através da escotilha. A algumas centenas de metros
da Gonozal os raios soltaram a pequena nave-disco e Rhodan ligou os propulsores. Dali a
instantes o jato espacial começou a deslocar-se em direção ao mundo dos Cem Sóis a
cinquenta por cento da velocidade da luz.
— Vamos aproveitar o tempo para cuidar dos problemas internos — disse Rhodan
pelo rádio. — Irmina, a senhorita há de concordar comigo que para uma boa colaboração
devemos confiar uns nos outros. Para sobreviver e sermos bem-sucedidos devemos estar
ligados por laços de confiança.
Irmina acenou com a cabeça.
— Compreendi, senhor.
O espaço do intercosmo cercava-os de todos os lados. Só bem ao longe via-se o
brilho de um ponto luminoso — o mundo dos Cem Sóis. Tinha-se a impressão de que o
jato espacial estava parado, mas na verdade ele atravessava o espaço em velocidade
incrivelmente elevada.
A gravitação artificial deu a Irmina a impressão de que sob seus pés era “embaixo”.
Mas de repente teve a impressão de que a gravitação estava desaparecendo... parecia que
caía para cima!
A ilusão não durou mais de um segundo. Irmina voltou a sentir chão firme sob os
pés.
— Tem alguma coisa a dizer que possa ser importante para nossa missão, Irmina?
— penetrou a voz de Rhodan em seu espírito.
— Não sei...
— Muito bem. Vou exprimir-me de forma mais concreta. Por que procurou um
psicodinâmico antes de viajar?
— Tive um sonho mau — respondeu Irmina laconicamente.
— Falamos que devemos confiar uns nos outros, Irmina — continuou insistindo
Rhodan. — Por que estava calçando luvas quando entrou na Gonozal?
— Por vaidade — respondeu Irmina com um sorriso nervoso e olhou para Fellmer
Lloyd. Mas o rosto do mutante continuou indiferente.
“Por que ele não me ajuda?”, pensou Irmina. “Como telepata já deve conhecer
meus pensamentos.”
Mas logo se deu conta de que Lloyd permanecia calado de propósito, para que ela
falasse.
— O psicodinâmico disse que sofro uma fobia, que carrego um medo das grandes
alturas — principiou Irmina. — Mas não percebi nada disso, a não ser em sonho. O Dr.
Kayasho obrigou-me a falar a respeito de meus dons parapsíquicos. Não desistiu
enquanto não confessei qual é a causa das pústulas que tenho nas mãos e nos braços.
— A senhorita produziu-as de propósito? — perguntou Rhodan.
Irmina respondeu que sim.
— Foi durante o sonho. O Dr. Kayasho disse que quis defender-me contra as figuras
que me apareceram e para isso mobilizei minhas energias parapsíquicas. Mas como o
inimigo estava dentro de mim, acabei ferindo-me a mim mesma. Cheguei a recear que
tivesse perdido o controle de minha faculdade, mas o Dr. Kayasho me tranquilizou.
Afirmou que só durante o sonho perco o controle de meu psi e que isso não pode
acontecer nos períodos de vigília.
— Tomara que a senhorita não acabe ferindo-se gravemente em sonho — disse
Rhodan.
— Isso nunca mais acontecerá — assegurou Irmina. — O Dr. Kayasho curou minha
fobia com o hipnotreinador.
Mas nem mesmo ela estava completamente convencida de que o tratamento fora
bem-sucedido. Não acreditara ainda há pouco que estava caindo no espaço infinito por
causa da ausência da gravidade? E como podia ter certeza absoluta de que não perderia o
controle de sua capacidade extraordinária?
Irmina era uma metábio-agrupadora. Só ficara conhecendo o nome de seu dom há
poucos dias, depois que Rhodan chegara a Last Hope. Daquela vez voltara do inferno da
superfície ao centro de pesquisa subplanetário e confiara-se ao Administrador-Geral. Dali
em diante passara a ser considerada uma metábio-agrupadora.
Mas já possuía essa capacidade antes. Lembrava-se do dia em que ficara sabendo
que possuía a arma mental mortífera...
***
Irmina compreendera bem depressa que de repente passara a ser a única pessoa que
não perdera o controle das faculdades mentais entre 80.000 pessoas mentalmente
deterioradas. Além disso teve a impressão de que sua mente sofrera uma mudança. Não
sabia como, mas tornara-se mais inteligente. No início atribuiu isso à circunstância de as
outras pessoas terem perdido a inteligência.
Mas chegou o dia em que compreendeu que realmente houvera uma mudança com
ela. Sempre se distanciara dos mentalmente deteriorados para não ser tragada pelo caos
que se espalhava no centro de pesquisas. Mas por mais que se cuidasse não conseguiu
evitar que caísse nas mãos de dois ertrusianos cujos instintos animalescos tinham sido
despertados pelo processo de deterioração mental.
Irmina viu as duas figuras atléticas claramente diante dos olhos da mente. Sentiu
seus olhares voluptuosos e enfrentou uma angústia terrível. Mas de repente viu os
ertrusianos de uma forma diferente. Era como se olhasse por um microscópio eletrônico.
Em vez de duas figuras musculosas viu duas estruturas formadas por uma conjunção de
células. Enxergou um número infinito de células das mais diversas espécies, que se
encadeavam para formar a pele, os músculos, ossos, tendões, o sangue e a massa cerebral.
Irmina ficou fascinada. Mas depois viu de novo através das formações celulares os
olhos loucos que pareciam cobertos por uma névoa. Como que para espantar a imagem,
voltou a procurar as células com os olhos. Mas não conseguiu abrangê-las com a vista,
somente com o espírito. Foi o que percebeu em seguida. Enquanto via a imagem ótica
dos ertrusianos se aproximando, também apareciam diante dela as múltiplas formações
celulares. De repente deu-se conta de que não tinha a percepção ótica das células, mas
somente as percebia no espírito.
Lá estava uma única célula do cérebro de um dos ertrusianos. No plasma celular
havia, além do núcleo, inúmeros corpúsculos; eram os mitocôndrios. Irmina já os
examinara muitas vezes pelo microscópio, no laboratório, mas desta vez era diferente.
Até chegava a penetrar o núcleo celular e abranger a série complexa de ácidos
desoxirribonucléicos, que eram os portadores dos gens. Pôde observar os mitocôndrios
enquanto produziam o ácido anenosinripfosfórico, que era uma espécie de usina de
energia no metabolismo celular.
Fazendo os mitocôndrios produzirem maior quantidade de ácido ATP carregado de
energia do que era necessário, a célula ficava supersaturada, inchava, estourava, entrava
em mutação, multiplicava-se desordenadamente... Perturbando desta forma o
metabolismo energético da célula, ainda não se produzia nenhum dano. Irmina viu os
mitocôndrios serem estimulados para a superprodução de acordo com seu desejo, fazendo
com que a célula se inflasse.
Ficou estupefata.
Mas isto não esgotava suas potencialidades. Ela era capaz de retirar ácido
timonucléico do núcleo celular, podia obrigar os vacúolos a migrar para fora do plasma
celular, tinha a possibilidade de provocar a divisão das células, estender o citoplasma
granuloso até formar um fio e insuflar ergastoplasma no núcleo celular.
Desta forma podia induzir mutações fascinantes nas células.
Mas estas eram somente os diversos micro agrupamentos. Além disso ela era capaz
de promover o macro agrupamento. Podia transferir células, séries inteiras, ao infinito.
Era capaz de provocar modificações explosivas simultâneas nas células. Até lhe era
possível reagrupar bilhões de culturas de células ao mesmo tempo, provocando sua
explosão.
Era o metábio-agrupamento.
Enquanto se entretinha com a capacidade recém-descoberta, ela esquecera
completamente os ertrusianos. Mas agora teve de lembrar-se deles de uma forma bem
enérgica.
Uma coisa encostou no pescoço de Irmina e apertou-o. Irmina quis respirar, mas as
vias respiratórias estavam estranguladas, estranguladas por um grupo de células
pertencente à mão musculosa de um ertrusiano.
Irmina repeliu o ataque das células, obrigou-as a recuar, retirou as energias dos
mitocôndrios, desviou as energias para os núcleos celulares, reagrupou os núcleos, as
células, culturas inteiras.
A mão que apertava seu pescoço amoleceu e inchou, transformando-se numa massa
disforme. O ertrusiano fugiu gritando.
Irmina nunca mais esqueceria estes gritos. Nem os gritos do outro ertrusiano
mentalmente deteriorado, cujo pescoço inchou de repente, assumiu uma coloração
vermelha e criou feridas cheias de pus. O ertrusiano morreu sufocado.
Irmina não queria que isso acontecesse.
Dali a pouco ficou sabendo que havia outros imunes em Last Hope. Mas isolou-se
deles quando descobriu que queriam assumir o poder.
Acabou fugindo para a superfície antes que alguém pudesse provocá-la a usar
novamente seus dons parapsíquicos e sacrificar mais vidas humanas. Foi assim que
abandonou o centro de pesquisas onde estava em segurança para refugiar-se na superfície
infernal.
Também era fácil explicar como fora parar nas costas do Marcha-Muito. Reagrupou
as células de um dos lados do corpo do monstro fazendo com que descessem até o chão,
formando uma espécie de escada.
Depois de passar alguns meses no exílio voluntário, ficou sabendo através das
escutas de rádio que Perry Rhodan tinha chegado. Voltou ao centro de pesquisas e
juntou-se ao grupo do Administrador-Geral.
Irmina acreditava que já sabia tudo a respeito de seu dom parapsíquico. Mas um
novo aspecto aparecera. Durante o pesadelo lutara com o subconsciente e ferira a si
mesma usando sua faculdade. Durante o sonho reagrupara inconscientemente as células
dos braços e podia dar-se por satisfeita por ter escapado com uma erupção cutânea
relativamente inofensiva.
Mas aí surgira uma pergunta angustiante. Será que da próxima vez poderia infligir-
se ferimentos mais graves por causa do descontrole de sua faculdade?
4

O mundo dos Cem Sóis contava com milhares de centros de rastreamento e


posições de artilharia. Desde o início Geoffry Abel Waringer — e também Rhodan e
Atlan, — não tinham a menor dúvida de que nem mesmo uma nave de apenas oito metros
de diâmetro como o jato espacial em que viajariam poderia chegar ao mundo dos pos-bis
sem ser detectada.
Apesar disso resolveram executar a missão arriscada, que praticamente equivalia a
uma tarefa suicida.
Waringer sabia que dependia dele melhorar as chances da ação arriscada. Cabia a
ele distrair a atenção do plasma central e da força desconhecida que o controlava.
Depois que o jato espacial saiu pela eclusa, Geoffry Waringer dirigiu-se à sala de
rádio.
Dois radioperadores tentavam fazer contato com o plasma central e a estação
terrana instalada na superfície, usando todas as frequências usuais e transmitindo em
linguagem clara, além de usar os mais diversos códigos. A única coisa que tinham de
fazer era ficar atentos nos receptores, uma vez que as mensagens eram repetidas ao
infinito pelo sistema automático previamente programado.
— Não é possível — suspirou um dos dois operadores. — Não recebemos nem um
pio do mundo dos Cem Sóis.
— Continuem — ordenou Waringer e foi para perto do terceiro radioperador, que
acabara de assumir seu lugar junto ao radiofone. Waringer sentou a seu lado, perto do
videofone. — Tem a lista? — perguntou.
— Tenho, sim senhor — respondeu o operador e levantou uma pilha de folhas de
plástico. — Daqui constam cinco mil nomes que devo recitar. São os nomes das pessoas
que guarnecem a estação terrana. Sabe quanto tempo levarei para completar a lista,
senhor? Fiz o cálculo...
— Se ficar com a boca seca, peça revezamento — interrompeu Waringer
laconicamente.
Em seguida fez uma ligação de intercomunicador com o centro de rastreamento
para pedir a posição do jato espacial.
— Está a pouco menos de cento e vinte milhões de quilômetros do mundo dos Cem
Sóis, senhor.
“Menos de uma unidade astronômica”, pensou Waringer.
Estava na hora de iniciar sua psicocampanha.
— Pode começar — disse ao radioperador que fora incumbido de transmitir os
nomes dos membros da guarnição terrana no mundo dos Cem Sóis. — E comece pelo de
posição hierárquica mais elevada, e seguindo a ordem alfabética dentro de cada
graduação.
O radioperador começou:
— Perry Rhodan, que se encontra na Gonozal, chama os terranos na cidade do Sol.
Gonozal chamando General Merety Dala. Responda, por favor, General Merety Dala.
Gonozal chamando Professor Dr. Tochce Sarvonic. Responda, por favor, Dr. Tochce
Sarvonic...
Waringer colocou os fones de ouvidos conectados ao videofone e deu início ao
apelo dirigido ao plasma central. Depois da introdução de costume foi diretamente ao
assunto.
— Há mais de mil anos as relações entre o plasma central e o Império Solar são de
perfeita harmonia. Os portadores de partes coletivas do plasma central, os pos-bis,
prestaram-nos muitos serviços. Isto nos levou a concluir que gozamos da simpatia do
plasma celular. Os terranos também já ajudaram o plasma celular a livrar-se de certos
perigos. Estamos dispostos a ajudar o plasma central a qualquer momento em caso de
perigo. Queremos que no futuro seja como foi no passado. Mas no momento somos nós
que precisamos de ajuda.
“Por que o plasma central recusa a ajuda que pedimos? Estamos presos no
intercosmo. Temos oitenta mil seres humanos e grande quantidade de máquinas valiosas
a bordo de nossas onze naves. Não podemos voltar à nossa Galáxia, porque lá um
inimigo invisível nos espreita. São os raios de deterioração mental. Mas também não
podemos pousar no mundo dos Cem Sóis, porque o plasma central proíbe. Apelo para a
amizade forte que nos liga há mais de mil anos para fazer uma pergunta: por que o
plasma central de repente é contra nós?
“Por que não podemos descer com nossas naves nos lugares reservados para nós?
Por que não permitem que entremos em contato com a guarnição básica terrana no
mundo dos Cem Sóis?”
Waringer fez uma pausa para esperar a resposta. Esperou em vão. Olhou com uma
expressão indagadora para o radioperador que estava a seu lado. Este fez que não com a
cabeça e voltou a ler com a voz monótona os nomes constantes de sua lista.
— Coronel Grogan Aarlauch, Coronel Jeng Abigain, Coronel Tacharc Aragion...
Waringer prosseguiu em seu apelo. Insistiu junto ao plasma central, voltou a
invocar a amizade eterna dos terranos e pediu um sinal secreto caso alguma força
estranha impedisse o plasma de agir por iniciativa própria.
Não teve resultado. O plasma central não respondeu. O mundo dos Cem Sóis
permaneceu em silêncio.
Waringer foi informado pelo centro de rastreamento de que o jato espacial com
Rhodan e seus companheiros a bordo só estava a 30.000 quilômetros do mundo dos Cem
Sóis.
— A reação não deve demorar — disse Waringer e deu ordem para que todos
assumissem seus postos na Gonozal.
Aconteceu o que o hiperfísico previra.
A reação esperada não demorou.
Durante a aproximação ao mundo dos Cem Sóis Rhodan reduzira constantemente a
velocidade do jato espacial. Quando se encontrava a 10.000 quilômetros, só percorria
cerca de 300 km/s.
Rhodan teve o cuidado de não se aproximar da região do planeta em que ficavam as
oitenta cúpulas gigantes com o plasma central. A apenas cem quilômetros dali ficavam
seis gigantescos estaleiros espaciais terranos com os três portos espaciais e a metrópole
Suntown.
Pousar nessa região equivaleria a um suicídio. Quem ou aquilo que controlasse o
plasma central teria mais força para golpear nesse lugar. Não era provável que em outro
lugar o jato espacial pudesse pousar sem problemas. Quanto a isso Rhodan não se iludia,
pois conhecia os armamentos do mundo dos Cem Sóis. Mas na face oposta do planeta os
quatro ocupantes do jato espacial pelo menos tinham esperança de chegar à superfície
vivos.
Rhodan dera ordem para que todos desligassem os rádios. Ficaram em silêncio. Se
necessário, os ocupantes do jato podiam comunicar-se por meio de sinais. Além disso
ainda poderiam recorrer a um método já testado. Dois ou mais interlocutores encostavam
os capacetes pressurizados uns aos outros, tornando possível a propagação das ondas
acústicas.
Para Rhodan tomava-se mais fácil entrar em contato com Lloyd. Graças a seu
simbionte Whisper, podia captar perfeitamente os impulsos telepáticos do mutante.
— Irmina está enfrentando uma pequena crise — sinalizou Lloyd. — Tem medo do
momento do salto. Quando chegar a hora vou ajudá-la. Não existe motivo para
preocupações.
Rhodan mal recebera a informação de seu simbionte, quando a luz de controle do
radiofone do jato espacial se acendeu. Rhodan fez um sinal aos outros e ligou o rádio
instalado em seu capacete na recepção.
— ...o último alerta. Detectei a nave pequena que se aproxima do planeta. Se não
mudar imediatamente de direção e voltar, serei obrigado a derrubá-la. Serei obrigado a
derrubar a espaçonave se...
A voz parou abruptamente. Parecia que alguém interrompera o contato.
Rhodan percebera imediatamente que a voz que falava era do plasma central. Ali
estava a prova de que contra sua vontade assumia uma posição hostil contra os terranos.
Mas no momento saber isso não adiantava nada.
A operação estava entrando na fase decisiva.
— Para trás! Dêem o fora, senão darei ordem para que sejam todos mandados ao
inferno.
Rhodan estremeceu ao ouvir de repente a ameaça no receptor instalado em seu
capacete. Desta vez não fora o plasma central que fizera o contato.
Parecia que a voz pertencia a um terrano.
***
Waringer ouviu o alerta do plasma central.
— Serei obrigado a derrubar a espaçonave se...
Em seguida saiu do alto-falante uma voz que parecia pertencer a um terrano.
— Para trás! Dêem o fora, senão darei ordem para que sejam todos mandados para
o inferno.
Waringer ficou intrigado, mas sua reação foi muito rápida. Deu ordem para que o
operador de rádio transferisse a ligação para a sala de comando e correu para lá.
A tripulação estava em seus lugares, conforme fora ordenado por Waringer.
Estavam todos prontos para entrar em ação. Só esperavam um sinal.
— Acelerar a toda — ordenou Waringer. —Vamos em direção ao mundo dos Cem
Sóis. Precisamos ajudar o jato espacial.
A Gonozal começou a deslocar-se. Logo atingiu setenta e cinco por cento da
velocidade da luz.
A voz triste do plasma central voltou a sair dos alto-falantes.
— Tive uma crença profunda na amizade dos terranos. Sempre fui de opinião que
não havia nada que pudesse perturbar nossa colaboração. Mas agora encontro-me num
dilema. De um lado os terranos se aproximando, de outro lado o comandante terrano
dando ordem...
Mais uma vez o plasma central foi interrompido por uma voz humana.
— Quem dá ordens sou somente eu! — disse o terrano com a voz se atropelando. —
Qualquer objeto voador que se aproxime do mundo dos Cem Sóis sem minha permissão
será derrubado. Destruirei qualquer um que tentar perturbar a nova ordem instaurada no
planeta.
Para Waringer o diálogo era uma prova de que acontecera o que ele mais temia. O
plasma central já não possuía vontade própria, não podia tomar decisões. Sua ação era
determinada pelo desconhecido.
O hiperfísico resolveu fazer mais uma tentativa de resolver a questão por meios
diplomáticos.
— O plasma central não pode enfrentar nenhum dilema! — transmitiu para o
mundo dos Cem Sóis. — Seja quem for a pessoa que exerce sua influência sobre os pos-
bis, esta pessoa é um traidor. Os verdadeiros amigos do plasma central estão aqui. Perry
Rhodan está aqui!
— Não posso! Não posso... — queixou-se o plasma central.
Parecia que queria rebelar-se contra o desconhecido. Tinha-se a impressão de que
queria dar a entender que não podia fazer nada contra o poder que parecia ter assumido
todas as funções no mundo dos Cem Sóis.
Waringer compreendeu que seus apelos não fariam efeito.
Uma risada de deboche saiu dos alto-falantes.
— Poupem suas palavras bonitas. Não esperarei mais. Vocês perderam a chance de
salvar a vida fugindo bem depressa. Darei ordem de abrir fogo ao sistema
hiperinpotrônico.
— Isso é uma loucura! — tentou contemporizar Waringer.
O plasma central soltou um grito de angústia.
5

— Fogo! Fogo!
A Gonozal já se aproximara a oitenta milhões de quilômetros do mundo dos Cem
Sóis. Waringer foi informado pelo centro de rastreamento de que o jato espacial se
encontrava a apenas 106 quilômetros da superfície.
Neste momento viu-se o fogo saído das bocas das peças de artilharia do mundo dos
pos-bis.
Waringer lançou um olhar nervoso para as telas de rastreamento que mostravam o
jato espacial. Mas isto nem teria sido necessário, pois neste instante o sistema de imagem
ótica mostrou uma explosão gigantesca, projetando-o sobre a galeria de telas de imagem.
O jato espacial se desmanchara sob o fogo concentrado das baterias de superfície.
Para Waringer começou o tempo da incerteza. Como não podia fazer contato pelo
rádio com Perry Rhodan, não sabia se ele e seus três companheiros tinham saído do jato
em tempo. Só lhe restava fazer votos de que tudo saíra de acordo com o plano. E baseou-
se nessa hipótese para planejar suas ações dali em diante.
A Gonozal foi envolvida de repente pelo campo hiperenergético verde, enquanto a
nave corria em direção ao mundo dos Cem Sóis sem reduzir a velocidade. Waringer
mandou que ela fosse reduzida no último instante, quando a queda do cruzador da USO
no mundo dos pos-bis já parecia inevitável.
— Vocês querem assim — disse o desconhecido que submetera o plasma central à
sua influência.
O fogo saído das bocas de inúmeros canhões energéticos voltou a brilhar no mundo
dos Cem Sóis. Trilhas de luz ultra-azuis correram pelo espaço, banhando a Gonozal em
seu fogo infernal.
Waringer deu ordem aos tripulantes para que enfrentassem o bombardeio enquanto
o campo defensivo suportasse a carga.
De repente o plasma central voltou a falar, desta vez pelo hipercomunicador.
— Não me resta nenhuma alternativa. Não tenho como contemporizar. Se o
cruzador não sair imediatamente das imediações do mundo dos Cem Sóis, não poderei
evitar mais o uso dos canhões conversores.
Waringer viu os olhares do pessoal convergirem sobre ele. Todos sabiam que se o
plasma central usasse os canhões conversores estariam perdidos.
— Recuar! — ordenou Waringer.
Os homens respiraram aliviados. A única coisa que Waringer ainda podia fazer era
esperar que sua aproximação ao plasma central tivesse mantido ocupado o sistema
hiperinpotrônico. Só realizara a manobra para atrair a atenção e o fogo para si mesmo, a
fim de facilitar a descida de Rhodan e seus companheiros.
— Fogo! Fogo!
Irmina ouviu o comando no alto-falante instalado em seu capacete. Estava com o
dedo encostado ao botão do assento ejetor. Olhou para Rhodan, que erguia a mão
devagar.
O jato espacial voava a 106 quilômetros de altura.
— Está quase na hora! — observou Irmina. Como seu rádio estava ligado
exclusivamente na recepção, ninguém podia ouvi-la.
Rhodan baixou a mão. Em seguida deixou que o assento ejetor o catapultasse para
fora da cabine. Atlan e Fellmer Lloyd seguiram seu exemplo numa fração de segundo.
Irmina também não perdeu mais tempo. Fechou os olhos e apertou o botão do
assento ejetor.
Continuou com os olhos fechados e não viu o que estava acontecendo com ela. Mas
sentiu. Por um instante sentiu uma pressão forte sobre o corpo, mas esta desapareceu
depois que o projetor antigravitacional começou a funcionar com um pequeno atraso.
Irmina abriu os olhos. Em cima dela havia uma claridade ofuscante — eram os sóis
atômicos artificiais do mundo dos Cem Sóis. Bem embaixo viu o planeta com seus mares
e continentes. Não havia nenhum limite entre dia e noite, nenhuma zona de crepúsculo,
penumbra, nada de escuridão. No mundo dos pos-bis brilhava sempre a luz do dia, por
causa dos duzentos sóis artificiais que cercavam o planeta em forma de anel.
De repente houve um lampejo bem mais à frente. Eram os canhões energéticos dos
fortes da superfície encontrando o alvo. Uma bola de fogo se formou, superando por
alguns instantes a luminosidade dos sóis artificiais. Mas voltou a empalidecer aos poucos.
Era o jato espacial que continuara a entrar na atmosfera do planeta sem reduzir a
velocidade e lá acabara sendo destruído.
À esquerda e à direita de Irmina aproximavam-se três figuras enfiadas em trajes
blindados pressurizados disformes. Uma delas chegou bem perto, até estabelecer contato
com o capacete pressurizado de Irmina. Ela reconheceu Fellmer Lloyd.
— É melhor não usarmos o rádio por enquanto — comunicou ele. Sua voz soava
abafada e deformada, mas Irmina achava que provavelmente estava ficando rouco de
tanto gritar. — Usaremos nossos dispositivos antigravitacionais para subir às camadas
superiores da atmosfera. Depois entraremos em mergulho. Não se esqueça de ligar o
para-quedas, senão seu corpo se queimará com o atrito do ar.
— Obrigada pelos conselhos — respondeu Irmina em tom petulante. — Já me
enfiaram essas regras na cabeça antes de partirmos.
Lloyd hesitou.
— Tudo em ordem?
— Sinto-me tão bem como um peixe na água.
— Tomara que não se sinta como um peixe no vácuo — disse Lloyd.
Irmina não teve tempo de aborrecer-se com as atitudes do mutante. Lloyd mal
acabara de falar quando os canhões energéticos dos fortes de superfície voltaram a
disparar. Desta vez enviaram seus raios para um alvo que ficava a milhares de
quilômetros.
Dali a pouco Irmina ouviu em seus fones de ouvido o alerta final do plasma central.
— ...se o cruzador não sair imediatamente das imediações do mundo dos Cem Sóis
não poderei evitar mais o uso dos canhões conversores.
A Gonozal recuou. O fogo foi suspenso.
Atlan, Rhodan e Lloyd, que ainda há pouco desciam ao lado de Irmina, desligaram
de repente os projetores antigravitacionais e caíram como pedras.
“Chegou a hora”, pensou Irmina e também desativou seu dispositivo
antigravitacional.
Sofreu um golpe. Ainda há pouco se sentira segura; até parecia que seus pés
pisavam em chão firme. Mas agora que despencava em direção ao planeta, contando
somente com a proteção do campo de impacto e estando à mercê do sistema robotizado
previamente programado, que devia interromper a queda no momento certo — aí entrou
em pânico.
Deu-se conta de que estava caindo.
Acontecera aquilo que temera tanto quando estivera nas costas do Marcha-Muito.
Era como se ainda estivesse no pesadelo. Caía numa profundeza sem fim e não tinha
onde segurar-se.
Nem sequer podia assistir à própria queda. Não via para onde estava caindo, uma
vez que de repente o ar se tornou incandescente em torno dela. Que velocidade devia
estar desenvolvendo se o ar era ionizado pelo simples atrito de seu campo de impacto?!
Ao perceber isso quase ficou louca. Esperou o movimento ascendente que devia
seguir-se à queda. Isso acontecera em cima do Marcha-Muito. Fora um subir e descer
contínuos.
O sol Bolo dardejava impiedosamente seus raios. O calor, a claridade ofuscante,
subindo e descendo, o tamborilar das trinta e seis pernas do Marcha-Muito sobre a rocha.
Irmina gritou. Mas ninguém podia ouvi-la em sua angústia porque seu transmissor
estava desligado. Ninguém jamais saberia que ela se encontrava de novo em Last Hope e
se refugiara dos imunes rebelados subindo nas costas do Marcha-Muito.
Tamborilar.
Para cima e para baixo.
A queda nas profundezas.
— Não, Irmina — disse um impulso vindo não se sabia de onde. — Não é uma
queda. Você está flutuando. O movimento de subida e descida não é uma tortura, mas
um balanço suave, o tamborilar não passa de uma melodia tranquilizadora...
Não, não, que coisa horrível!
Irmina quis entregar-se ao medo. Queria que o pavor agisse sobre ela, para
finalmente pôr fim ao seu martírio. Não resistiria mesmo à queda nas profundezas. Logo,
poderia reagrupar imediatamente as células de seu corpo...
Mas o impulso estranho não permitiu que ela fizesse isso. Irmina não conseguiu
concentrar-se no plasma celular, não lhe foi possível retirar a energia dos mitocôndrios.
— Você está flutuando, Irmina. A claridade ofuscante desapareceu. O campo
defensivo já não está incandescente. O sistema robotizado automático ativou seu
projetar antigravitacional. Abra os olhos para certificar-se...
Irmina finalmente cedeu à voz silenciosa que soava em seu cérebro. Abriu os
olhos... e viu o milagre.
Não estava caindo mais. Seu corpo e o traje pressurizado estavam envoltos no
campo defensivo. E o campo defensivo não brilhava mais sob a luminosidade dos gases
ionizados. Oferecia, de forma clara e transparente, uma visão da paisagem do mundo
estranho.
Aquilo não era Last Hope. Era um planeta parecido com a Terra. Um planeta com
uma atmosfera de oxigênio e coberto de uma vegetação verde. Irmina flutuava a poucas
centenas de metros de altura, protegida pelo projetar antigravitacional, em direção a um
grande paredão de rocha. Lá havia um regato e uma densa mata verde-escura. E a seu
lado estavam os três companheiros, que também usavam trajes pressurizados: Perry
Rhodan, Atlan e Fellmer Lloyd.
— Obrigado, Fellmer — disse Irmina mal tinha acordado do horrível pesadelo. —
Nunca esquecerei que me ajudou neste momento de pavor.
— Fico me recriminando por tê-la trazido, Irmina — disse Rhodan depois que
tinham descido junto à floresta e aberto os capacetes pressurizados para poder comunicar-
se. Seus rádios continuavam ligados na recepção.
Irmina falou sem levantar os olhos.
— Não dê muita importância ao incidente. Felizmente escapei bem, graças à ajuda
que recebi de Fellmer Lloyd.
Antes que Rhodan pudesse dizer qualquer coisa, Atlan falou.
— Não vale a pena falarmos sobre o que deveria e o que não deveria ter sido feito
— disse. — Temos de aceitar a situação como ela é. Cheguei à conclusão de que Irmina
ainda poderá ser-nos muito útil. Quanto ao ataque de fraqueza que sofreu há pouco, é
melhor esquecê-lo. Confio plenamente nela.
O arcônida sorriu para a metábio-agrupadora. Ela ficou agradecida, apesar de saber
que Atlan a elogiara para levantar seu moral.
Perry Rhodan percebeu o lance psicológico e adaptou-se imediatamente a ele.
Começou a falar sobre o problema que era de todos.
— Além de termos a confirmação da suspeita de que o plasma central está sendo
coagido, sabemos que ele é controlado por um terrano que não sabemos quem é. Dali
surge uma série de outras perguntas. Como o desconhecido conseguiu subjugar o plasma
central? Vimos no passado que esta possibilidade existe. Mas deixemos de lado o como.
Ainda resta o por quê.
— Posso imaginar por que alguém quer controlar o mundo dos Cem Sóis — disse
Atlan. — Aqui existe tudo de que uma pessoa precisa para viver. Além disso um homem
que anseia pelo poder pode usar os recursos técnicos do mundo dos Cem Sóis para uma
guerra de conquista. Se domina o plasma central através do sistema hiperinpotrônico, o
exército formado por bilhões de pos-bis obedece às suas ordens. Na situação em que nos
encontramos o apoio dos pos-bis pode garantir-lhe o domínio da Galáxia.
— Se não fossem os raios de deterioração mental — contestou Irmina.
— Isso mesmo.
Atlan acenou com a cabeça num gesto de elogio. Irmina sentiu que estava ficando
vermelha.
— A senhora tem razão, Irmina — disse Rhodan prontamente. — Os pos-bis estão
tão sujeitos aos efeitos dos raios de deterioração mental como os seres humanos. Mas o
desconhecido nem precisa pensar na conquista da Galáxia. Basta que consolide seu poder
no mundo dos Cem Sóis. Vamos pensar para ver se descobrimos quando o desconhecido
conseguiu submeter o mundo dos Cem Sóis ao seu controle.
Fellmer Lloyd pediu a palavra.
— Não conhecemos o momento exato, mas é provável que o desconhecido não
controla o plasma central há muito tempo. Das primeiras mensagens transmitidas pelo
rádio deduz-se que o plasma central tentava resistir à influência estranha. Logo, o
desconhecido está exercendo o poder há pouco tempo.
— Sua teoria tem fundamento, Fellmer — reconheceu Rhodan. — Praticamente
podemos ter certeza de que o inimigo só conseguiu firmar sua posição depois que
chegamos. De forma alguma pode ser considerado invulnerável; deve ter vários pontos
fracos que devemos descobrir para derrotá-lo. Nesta altura só resta uma pergunta: Quem
é ele?
Irmina pigarreou.
— A base terrana do mundo dos Cem Sóis conta com uma guarnição fixa de cinco
mil pessoas. Não acha que entre estas cinco mil pessoas existe alguém que queria tirar
proveito da crise na Via Láctea para chegar ao poder?
— Naturalmente que num ponto a senhorita tem razão, Irmina — concordou
Rhodan. — Mesmo num grupo de elite pode haver ovelhas negras. Afinal, também tive
dois espécimes do Homo superior entre os tripulantes da Marco Polo. Mas no presente
caso existe um fator que contraria a suposição de que o inimigo faz parte da guarnição
básica do mundo dos Cem Sóis. É que...
— Mas é claro — interrompeu Irmina. — Nem sei como não me lembrei disso
antes. Se o desconhecido fosse um membro da guarnição, ele teria conquistado o poder
muito antes, provavelmente logo depois do início do processo de deterioração mental.
— Vejo que consegue acompanhar muito bem meu raciocínio — elogiou Rhodan.
— Nosso inimigo deve ser alguém que chegou ao mundo dos Cem Sóis há pouco tempo,
compreendeu a situação num instante e agiu sem perda de tempo.
— Sua teoria só tem um ponto fraco — disse Lloyd. — Um desconhecido que
tivesse chegado ao mundo dos Cem Sóis teria sido recebido com desconfiança tanto pelo
plasma central como pela guarnição.
— Talvez tenha conquistado sua confiança por meios astuciosos — disse Atlan em
defesa da teoria de Rhodan. — Mas acho que você nem está muito interessado em
esclarecer este ponto, Perry — prosseguiu. — Já vi aonde quer chegar. Sejam quais
forem os meios que o desconhecido usou para conquistar o poder, ele teve de lutar para
firmar sua posição. Logo, enfrenta inimigos que estão bem perto dele. E estes inimigos
são nossos aliados.
— Vamos partir dessa hipótese — disse Rhodan. — Resumindo: Nosso amigo é um
terrano, domina o plasma central e muito provavelmente deve ter-se alojado em Suntown.
Pouco importa quem seja ele e que faculdades possua, sejam quais forem os meios que
usou para conquistar o poder — alguns membros da guarnição devem ser contra ele. Se
conseguirmos entrar em Suntown, teremos de procurar estas pessoas para aliar-nos a elas.
— Mas antes disso temos de chegar a Suntown — ponderou Irmina.
— É verdade. — Atlan fitou Rhodan com uma expressão ligeiramente irônica. —
Antes de quebrarmos a cabeça sobre o que vamos fazer daqui em diante, é bom sairmos
daqui. Temos de chegar à outra face do planeta — e no caminho existem inúmeros fortes
e portos espaciais dos pos-bis dos quais temos de desviar-nos.
***
Irmina já não compreendia que alguma vez chegara a ter medo das profundezas.
Voava ao lado de Rhodan, Atlan e Lloyd em cima da paisagem do mundo dos Cem Sóis,
sem que sentisse qualquer espécie de tontura, sem falar de pânico ou medo das alturas.
Rhodan escolheu uma rota que passava por cima de áreas sem construções. A maior
parte do tempo seguiam os rios ou os desfiladeiros. Toda vez que os acidentes do terreno
não serviam aos seus propósitos ou quando tinham de atravessar planícies ou mares
desciam a vinte metros de altura.
No início avançaram bem depressa. Como mantinham fechados os trajes blindados
pressurizados e podiam seguir em linha reta, era possível tirar a velocidade máxima de
seus jatopropulsores.
Já tinham percorrido dois mil quilômetros quando detectaram a primeira povoação
dos pos-bi. Tratava-se de um conjunto de instalações industriais que ocupava uma área
gigantesca, com um porto espacial anexo. Havia dez naves fragmentárias estacionadas no
porto espacial.
Rhodan chegara à conclusão de que nas regiões desabitadas podiam comunicar-se
pelo rádio sem correr maiores riscos. Mas ao ver a povoação deu ordem para que dali em
diante se abstivessem completamente do uso do rádio, até que a área industrial e o porto
de espaçonaves tivessem ficado para trás. Mas o hiper-rádio devia ficar na recepção.
Passaram pelas instalações dos pos-bis sem incidentes. Depois que voltaram a
comunicar-se pelo rádio, Fellmer Lloyd disse:
— Parece que apesar de tudo o dia-a-dia dos pos-bi prossegue normalmente. Vi que
as instalações industriais estão funcionando e as naves fragmentárias estão sendo
carregadas com os respectivos produtos. Captei os pensamentos de alguns Willys das
esteiras. Parece que nem desconfiam de que houve qualquer mudança em seu mundo.
— Por que haveriam de desconfiar? — perguntou Rhodan. — As modificações
atingiram somente o plasma central e as j partes do sistema hiperinpotrônico que cuidam
da defesa. Por enquanto as instalações industriais não foram atingidas. Mas poderão sê-
lo, se o desconhecido resolver mandar produzir robôs com uma programação especial.
— Ele não precisa disso — afirmou Atlan. — Como o sistema hiperinpotrônico
obedece às suas ordens, todos os pos-bis estão submetidos a ele.
— Infelizmente é isso mesmo — suspirou Rhodan. — Ainda bem que não pode
exercer sua influência sobre os Willys das Esteiras.
Irmina aproveitou a oportunidade para completar seus conhecimentos.
— O que vêm a ser mesmo esses Willys das Esteiras? — perguntou. — Já ouvi falar
neles, mas não consigo formar uma imagem.
— São seres parecidos com medusas — disse Fellmer Lloyd. — Têm cerca de dois
metros de diâmetro e podem fazer sair tentáculos e olhos salientes à vontade. Para
locomover-se costumam soltar um círculo de pernas pequenas com que se impulsionam
para sair rolando. É a função que exercem nas naves fragmentárias, que não estão
equipadas com neutralizadores de pressão. Quando por exemplo pedaços do plasma
central são transportados numa nave fragmentária, os Willys forram a cabine com seus
corpos, formando um suporte macio para a massa orgânica. Por isso são chamados de
Willys das Esteiras. Trata-se de criaturas extremamente pacatas, muito afeiçoadas ao
plasma central e a todos os seres inteligentes que amam a paz. Nunca conheci um Willy
que tivesse um caráter malvado.
— Certa vez ouvi alguém se referir a esses seres como crianças de peito irmãs —
disse Irmina.
Fellmer Lloyd riu.
— Este nome foi inventado por uma tradutora, numa tradução não muito correta,
mas que reproduz perfeitamente o sentido da palavra. No fundo os Willys são mesmo
crianças de peito irmãs. Cuidam do plasma do mundo dos Cem Sóis e o alimentam na
parte em que as instalações robotizadas não são suficientes. Como já disse, os Willys das
esteiras formam uma espécie de almofada durante o transporte do plasma. São criaturas
encantadoras, com as quais a gente se afeiçoa logo, depois de acostumar-se com seu
aspecto.
— Não tenho preconceitos — disse Irmina.
Depois de terem voado ininterruptamente durante seis horas, fizeram a primeira
pausa. Teoricamente existiria a possibilidade de dormirem durante o vôo, deixando a
direção por conta do piloto automático robotizado. Mas esta possibilidade envolvia um
risco. Uma eventual mudança de rota — que se tomasse necessária, por exemplo, quando
de repente aparecesse um centro industrial ou um forte — não poderia ser executada com
a necessária rapidez por meio dos controles manuais.
Por isso Rhodan resolveu que descansariam quatro horas.
6

Já tinham passado dezesseis horas — há duas horas os calendários registravam o dia


16 de janeiro —não houvera nenhuma mudança. Por isso Rhodan tinha razão para supor
que o pouso do grupo não fora notado. Isso o deixou mais tranquilo.
Mas de outro lado não estava satisfeito com o curso que estavam tomando os
acontecimentos. Esperara que o inimigo mantivesse o contato estabelecido com as onze
naves. Mas apesar de Waringer continuar a bombardear o mundo dos Cem Sóis de
mensagens, não houve nenhuma reação. Dali só se podia concluir que o desconhecido
enfrentava outros problemas, ou que evitava o contato para não ser identificado.
Se realmente estava interessado em permanecer no anonimato, só podia esperar que
a revelação de identidade lhe causaria alguma desvantagem. Rhodan chegou a pensar na
possibilidade de se tratar de alguém que conhecesse pelo nome ou até pessoalmente. O
Administrador-Geral transmitiu sua opinião aos outros e foi apoiado por Atlan e Lloyd.
Não houve incidentes. Tiveram de desviar-se algumas vezes de um forte ou de um
centro industrial, mas isto não lhes causou nenhum prejuízo além da perda de tempo.
As observações feitas nos portos espaciais pelos quais tinham passado provavam
que o inimigo ainda não pensara em mobilizar os exércitos pos-bis. Fora mais uma
hipótese que Rhodan temera, mas que felizmente não se confirmara.
Depois de quatro pausas curtas e quase vinte e quatro horas de vôo os quatro
avistaram na primeira hora do dia 16 de janeiro os edifícios de Suntown no horizonte.
Dali a pouco alcançaram os arrabaldes da cidade-jardim muito bem projetada.
Abrigaram-se na primeira casa que encontraram pelo caminho para sondar a situação.
Tratava-se de um bangalô para uma família que dispunha dos equipamentos mais
sofisticados. Além disso na cozinha havia reservas de todos os alimentos básicos.
— À primeira vista parece que a Cidade Solar está abandonada — disse Rhodan.
— As aparências enganam — respondeu Fellmer Lloyd. — Captei muitas
emanações individuais. Diria que a confusão de pensamentos corresponde à capacidade
de mais de quinhentos cérebros. Quer dizer que há pelo menos quinhentas pessoas em
Suntown.
— Não são cinco mil? — perguntou Rhodan em tom de espanto.
Lloyd sacudiu a cabeça.
— Tenho certeza de que não chegam a cinco mil. São mais ou menos quinhentos,
como já disse. No máximo seiscentos.
— O que é feito dos noventa por cento restantes da guarnição? — perguntou
Rhodan.
Antes que alguém pudesse dar uma resposta, os receptores instalados nos capacetes
transmitiram um estalo seguido de uma voz entrecortada e aflita. Rhodan percebeu
imediatamente, antes mesmo de captar o conteúdo da mensagem, que não se tratava da
voz do desconhecido que os ameaçara durante o vôo de aproximação do jato espacial.
Rhodan percebeu mais uma coisa. O homem ao qual pertencia a voz estava em agonia, ou
corria perigo de vida iminente.
Rhodan esperara há muito tempo que uma coisa dessas pudesse acontecer, mas não
pensara que as circunstâncias fossem tão dramáticas. Era chocante ouvir o tom de
angústia e pavor naquela voz.
— Quero alertar Perry Rhodan como amigo. Ouvi todas as mensagens, mas só
agora posso transmitir. Não tenho muito tempo. É que ele já vem para cá. É um coronel
da USO e chama-se Tahiko Anaka. Trata-se de um mutante, de um assassino, que matou
seu comandante, o Almirante Cadro Tai Hun, que estava no comando da Zamorra Thety.
Assumiu o poder e me matará...
Enquanto ouvia a mensagem, Rhodan fez algumas reflexões apressadas. A imagem
começava a completar-se. Teve a impressão de já ter ouvido antes o nome do Coronel
Tahiko Anaka. Associava-o em sua mente com um oficial capaz e de confiança, que
nunca mostrara possuir faculdades parapsíquicas. A única explicação para o surgimento
repentino da capacidade de mutante só podia ser, como de tantas outras vezes, a
modificação da constante 5D.
De repente a resposta à pergunta de onde tinha vindo o conquistador do mundo dos
Cem Sóis estava na palma da mão. Era um dos arautos do paraíso que já tinham criado o
caos em Quinto Center.
Rhodan voltou a concentrar-se na voz estridente que saía do receptor instalado em
seu capacete.
7

— Termine logo com isso, Jorston — gritou Aborq Vallain para dentro da sala de
radiocomunicações.
Mas Jorston não o ouviu. Sabia que Tahiko vinha com dois dos seus homens. Mas
nem por isso deixou de completar seu relatório sobre a situação no mundo dos Cem Sóis.
Jorston era um homem velho, mas tinha vontade de viver como os outros. Por isso
Aborq achava ainda mais difícil de compreender que continuasse junto ao videofone em
vez de fugir.
— ...assumiu o poder e me matará — gritou Jorston coma voz estridente. Agarrou-
se com tanta força na borda do videofone que as juntas dos dedos ficaram brancas.
Prosseguiu com a voz ofegante:
— Só éramos quinhentos quando a Zamorra Thety pousou. O General Merety Dala
e o Professor Tochce Sarvonic fugiram pouco depois do início da catástrofe com o resto
do pessoal. Pegaram um couraçado e seguiram em direção à galáxia. Não tivemos mais
notícias deles.
Aborq Vallain estremeceu ao ouvir passos que se aproximavam rapidamente pelo
hall do hotel.
— Anaka está chegando! — gritou.
Jorston nem levantou os olhos.
— Anaka está chegando! — repetiu e prosseguiu: — O senhor deve prevenir Perry
Rhodan, Professor Waringer. Quase todo o mundo dos Cem Sóis está em poder dele. Ele
domina a maior parte dos membros da guarnição que continuam aqui. Somente oitenta e
dois se recusam a obedecer às suas ordens. Estamos presos num hotel da Cidade Solar.
— Qual é o nome do hotel? — perguntou o Professor Waringer.
— Transuniverso — respondeu Jorston. — É o edifício mais alto da cidade. Mas
não é o que importa no momento. Não corremos um perigo iminente. O importante é que
Perry Rhodan não se arrisque demais. Anaka é astucioso e além disso possui uma
faculdade hipnótica pouco desenvolvida. Vai... Não tenho mais tempo!
— Jorston! — gritou Aborq Vallain.
Mas Jorston não o ouviu.
— Tahiko Anaka destruiu os condutores semi-orgânicos biopon e o bloco biopon
que estabelece o contato entre o plasma central e o sistema hiperinpotrônico. Desta forma
pôde influenciar o plasma e o sistema hiperinpotrônico, até chega a dominá-los...
Neste momento o Coronel Tahiko Anaka entrou na sala de radiocomunicações do
hotel acompanhado por dois guardas. Era de estatura baixa e tinha um rosto de traços
mongolóides. Continuava a usar o uniforme da USO com o distintivo de coronel.
Quando viu Jorston, soltou um grito gutural. Ergueu a arma energética e atirou num
acesso de raiva cega.
Aborq Vallain viu de seu esconderijo Jorston estender os braços num gesto de
defesa antes de ser envolvido pelo fogo dos raios energéticos. Vallain gritou. Sentiu o
Willy puxá-lo pelas pernas para dentro do poço e viu que a porta da saída de emergência
se fechou. Ficou escuro.
— Deixe-me. Preciso ajudar Jorston — indignou-se e bateu com os braços. Mas o
Willy puxava-o inexoravelmente mais para o fundo do poço.
Quando foi arrastado para o corredor mais próximo, Vallain viu a porta da saída de
emergência abrir-se bem à sua frente. Encolheu a cabeça rápido como um relâmpago — e
no mesmo instante um feixe de raios passou chiando por cima de sua cabeça e penetrou
na parede.
O Willy formou uma estrutura parecida com uma sela em cima do corpo, agarrou
Vallain com dois robustos pseudobraços e colocou-o no assento. Em seguida saiu em alta
velocidade pelo corredor deslocando-se sobre quatro pseudopernas. Um dos membros da
guarda de Anaka postado no fim do corredor foi derrubado. O Willy atravessou o hall do
hotel com Vallain nas costas, desviou-se de alguns tiros energéticos simplesmente
mudando a forma do corpo e saiu pela porta principal.
Mas antes que os dois guardas que Anaka postara lá soubessem o que estava
acontecendo, o Willy com Vallain nas costas desapareceu atrás das árvores e arbustos do
parque do hotel.
Dali a pouco alcançaram um edifício que ficava pelo menos a um quilômetro do
Hotel Transuniverso. Uma vez lá, o Willy pôs no chão a carga humana.
— Por que fez isso, Willy? — perguntou Vallain exausto. — Por que não permitiu
que caísse sobre Anaka e vingasse Jorston?
— Fiz isto para proteger a verdadeira vida — respondera o Willy. — A verdadeira
vida é você. Acha que deveria ter permitido que você se suicidasse?
Nem mesmo Vallain pôde subtrair-se à lógica que havia nestas palavras, embora a
dor causada pela perda do amigo fiel ainda turvasse seu pensamento.
***
Jorston era ezialista. Entregara-se de corpo e alma à integração extracerebral e era
de opinião que a humanidade só caminharia a passos gigantes para um futuro com
segurança se além do exército de especialistas contasse em suas fileiras com homens
versados em todas as áreas técnicas e científicas.
Jorston dera um exemplo; era ezialista por excelência. Não fora por nada que em
Umtar, a sede da integração extracerebral, lhe fora conferido o título de professor
verdadeiro. E não fora por nada que a Faculdade Ezialista o enviara para Andrômeda
como missionário da única ciência que pretendia integrar todo o patrimônio espiritual de
uma civilização.
Infelizmente isso nunca chegara a ser feito, porque durante uma escala no mundo
dos Cem Sóis o caos desabou sobre a Via Láctea. Jorston desistiu de sua missão em
Andrômeda e ofereceu sua ajuda ao General Merety Dala. Também foi o Professor
Jorston que preveniu o general contra um vôo para a Via Láctea. Mas nem o general nem
o chefe científico do mundo dos Cem Sóis, Professor Dr. Tochce Sarvonic, quiseram
ouvi-lo.
Agora eram considerados desaparecidos e não se sabia se um dia ainda chegariam
noticias deles.
Depois que a expedição partiu em direção à Via Láctea, o Professor Jorston assumiu
a direção científica do mundo dos
Cem Sóis. O comando militar foi confiado ao Coronel Styl Manjila. Este não se
interessava muito pelas atividades ligadas à ciência e era um inimigo declarado da
integração extracerebral, que rejeitava como charlatanice. Havia divergências constantes
entre ele e o Professor Jorston, embora este fugisse ao conflito sempre que possível. Mas
o Coronel Manjila vivia provocando-o e fazia tudo para desacreditá-lo não somente entre
os soldados, mas também junto aos cientistas que eram seus colegas.
Desta forma o Professor Jorston, apesar de ser um gênio, teve o destino da maior
parte dos ezialistas — o escárnio e o desprezo.
Por isso ninguém quis ouvir sua advertência quando o Coronel Tahiko Anaka
pousou com a Zamorra Thety e exigiu que lhe fosse entregue o comando do mundo dos
Cem Sóis, alegando que fora enviado por Perry Rhodan. Só oitenta homens e mulheres
pertencentes à guarnição desconfiaram do Coronel Anaka, que era agressivo demais, mas
não se atreveram a desobedecer às ordens do Coronel Styl Manjila.
Foi somente depois que o Coronel Manjila um dia foi encontrado morto em seu
quarto que eles se passaram para o lado do Professor Jorston e passaram a combater
Tahiko Anaka. Houve uma revolta declarada, mas esta foi abafada por meios drásticos
por Tahiko Anaka e seus arautos do paraíso. O Professor Jorston, Aborq Vallain e seus
oitenta adeptos foram confinados no Hotel Transuniverso.
Os quatrocentos membros da guarnição continuavam a depositar sua confiança no
Coronel Anaka e em seus arautos do paraíso. Afirmavam que os que cercavam o
professor eram um grupo de traidores. De seu ponto de vista até podiam ter razão, pois
baseavam-se na suposição de que o Coronel Anaka dizia a verdade. E o coronel afirmava:
— Fui enviado por Perry Rhodan. O Administrador-Geral incumbiu-me de ocupar o
mundo dos Cem Sóis com meus homens. Devemos criar uma base aqui, o chamado
mundo paradisíaco, para o qual poderão ser transferidos aos poucos imunes e outras
pessoas selecionadas da Galáxia.
Não havia como conferir a veracidade de suas palavras, uma vez que o coronel
controlava as comunicações pelo rádio. Os mais de cem arautos do paraíso que tinham
vindo na Zamorra Thety ficavam nas estações de rádio e mantinham ocupadas todas as
posições-chave.
O Coronel Anaka consolidou sua posição. Mas apesar disso de vez em quando um
membro da guarnição ficava desconfiado.
Bastava, porém, uma visita a Anaka para que ele voltasse a mostrar-se submisso.
Depois que soube disso, o Professor Jorston não teve mais nenhuma dúvida de que
Anaka era um hipno. O ezialista passou a investigar a morte do Coronel Manjila e
descobriu provas evidentes de que ele não se suicidara. Sua morte fora devida a uma
influência estranha. As oitenta e duas pessoas mantidas presas no Hotel Transuniverso já
não tiveram a menor dúvida de que o Coronel Anaka conquistara sua posição no mundo
dos Cem Sóis usando alegações falsas e meios criminosos. Mas não lhes era possível
comunicar isto aos companheiros que confiavam no Coronel Anaka, porque eram
rigorosamente vigiados pelos arautos do paraíso.
De repente apareceram as onze espaçonaves. O Coronel Tahiko Anaka não teve
escolha; foi obrigado a usar a força bruta. Naturalmente não disse a seus adeptos que o
comandante dessas naves era Perry Rhodan. Afirmou que se tratava de rebeldes e
criminosos que tinham aproveitado o caos na Via Láctea para fugir.
Com esta mentira conseguiu conquistar a confiança do plasma central. Além disso
conseguiu enganá-lo, no que foi ajudado por alguns arautos do paraíso altamente
qualificados.
Em seguida separou o cérebro gigante, o chamado sistema hiperinpotrônico, do
plasma, cortando todas as ligações entre os dois. O plasma não pôde mais dar ordens ao
sistema hiperinpotrônico. O Coronel Tahiko Anaka mandou reprogramar o sistema
hiperinpotrônico segundo seus desejos e alcançou o domínio completo do gigantesco
cérebro mecânico. Com isso passou a controlar os pos-bi e todos os centros de defesa do
mundo dos Cem Sóis.
O plasma central lutou usando os poucos condutos nervosos semi-orgânicos que
ainda mantinham o contato com o sistema hiperinpotrônico para assumir o controle do
gigantesco cérebro mecânico. Mas foi uma luta sem esperança. A influência do plasma
central foi diminuindo cada vez mais.
Havia um único homem que era capaz de fazer o reacoplamento do bloco biopon
desativado para restabelecer o contato entre o plasma e o sistema hiperinpotrônico. Era o
ezialista Professor Jorston. Elaborara todas as plantas com o auxílio de dois engenheiros
especializados em hipercontroles. Mas nunca poderia levar avante seus planos.
Descuidara-se no último instante. Resolvera transmitir um alerta a Perry Rhodan
antes da decisão final — e perecera no fogo da arma energética do Coronel Anaka.
Aborq Vallain ficou triste com sua morte, pois Jorston fora um pai para ele.
Sua obra continuaria.
Vallain olhou para o Willy, que fizera sair três olhos.
— Posso contar com sua ajuda?
— Sou um guardião do interior — respondeu o Willy das esteiras. — Os inimigos
da verdadeira vida também são meus inimigos. Ajudaremos a verdadeira vida a sair
vitoriosa.
8

— Pelo menos já sabemos qual é o jogo — afirmou Atlan depois que a mensagem
de rádio fora interrompida em circunstâncias tão dramáticas. — Conheço Tahiko Anaka
desde o tempo em que era tenente — prosseguiu em tom pensativo. — Sabia que
encontraria um meio de subir na vida, pois era um homem inteligente no qual se podia
confiar. Quem imaginaria que pudesse mudar tanto? A modificação da constante 5D deve
ter alterado seu caráter, além de despertar a faculdade de mutante latente. — Atlan
suspirou e repetiu: — Pelo menos já sabemos qual é o jogo.
— E aquele que nos deu a informação teve de morrer — observou Perry Rhodan.
— Se não dermos um jeito no Coronel Tahiko Anaka, ainda haverá muitas mortes
— disse Irmina Kotchistowa, que estava saindo da cozinha automática com uma bandeja
de alimentos frios.
Os três homens olharam para ela. Rhodan dera ordem para que não tirassem os
trajes blindados pressurizados, mas apenas abrissem os capacetes. Fellmer Lloyd
estendera seus tentáculos telepáticos pelos arredores e chegara à conclusão de que não
havia nenhum ser humano num raio de quinhentos metros, mas deviam estar preparados
para qualquer surpresa.
— É claro que a senhorita tem razão — disse Lloyd, concordando com a observação
da metábio-agrupadora. — Não devemos lamentar os mortos e deixar os vivos entregues
a seu destino. Que devemos fazer daqui em diante?
— Faremos uma visita ao Hotel Transuniverso — disse Rhodan. — Sem dúvida
encontraremos entre os oitenta prisioneiros alguns aliados que poderão ajudar-nos. Não
precisamos temer o Coronel Anaka, pois ele certamente instalou seu quartel-general em
outro lugar. Sem dúvida poderemos enfrentar os guardas — isto se não for possível
passar longe deles. Que foi, Atlan?
— Estou preocupado com Geoffry — respondeu o arcônida. — Se ele acha que
morremos no jato espacial, certamente agirá por conta própria. Talvez seria melhor dar o
sinal de vida.
Rhodan não concordou.
— O risco de sermos descobertos seria muito grande. Além disso Geoffry nem
pensará em aproximar-se do mundo dos Cem Sóis depois do último alerta. Não se
preocupe. Geoffry não cometerá o erro de subestimar o Coronel Anaka.
— Não querem comer alguma coisa? — perguntou Irmina aos homens.
Atlan pegou um pãozinho e serviu-se de café. Rhodan deixou que Irmina o servisse.
— E o senhor, Fellmer? — perguntou Irmina ao telepata e localizador.
Não houve resposta. Fellmer Lloyd estava de pé, imóvel, com os olhos fechados. De
repente começou a abri-los devagar. O telepata começou a mexer com os lábios e disse:
— Alguém se aproxima num traje voador. Ainda está a cinquenta metros daqui. No
momento revista o bangalô ao lado. Pelo tipo de sua emanação mental poderia ser... isto
mesmo, é um siganês. Faz parte da tripulação da Zamorra Thety e é um adepto fanático
do Coronel Anaka. Para ele os fins justificam os meios... Está pensando num homem
chamado Aborq Vallain, que fugiu com um Willy das esteiras. Está à procura de Vallain,
porque este foi um homem de confiança do Professor Jorston... Jorston é o homem que
transmitiu a mensagem para a Gonozal e depois foi... Agora o siganês vem diretamente
para cá.
— Vamos preparar-lhe a recepção que merece — assegurou Rhodan e conferenciou
ligeiramente com os outros. — Não fique nervosa, Irmina — prosseguiu. — Dependemos
da senhora. Ficaremos quietos e faremos de conta que fomos surpreendidos.
Lloyd voltou a transmitir as impressões telepáticas que recebia do siganês que se
aproximava.
— Está contornando o bangalô, procurando pistas no chão... De repente fica
sobressaltado. Descobriu as marcas de nossos pés na grama à frente da entrada e está
admirado porque pelo menos três pessoas levando cargas pesadas entraram na casa.
Lloyd passou a falar cochichando.
— Tem certeza de que alguém entrou na casa e não saiu mais. Voa para os fundos...
está entrando por uma janela da cozinha...
Irmina virou-se devagar para a cozinha. Rhodan e Atlan ficaram em silêncio.
Depois que Lloyd se calou, Irmina viu uma sombra voando da cozinha para a sala. A
sombra não tinha mais de um palmo de comprimento.
— Ora vejam o que peguei! — soou de repente uma voz saída do ar, reforçada por
um alto-falante. — Não façam nenhum movimento, senão verão que um siganês sabe dar
três tiros muito depressa! Se não me engano tenho à minha frente os ocupantes do jato
espacial derrubado. E em dois dos senhores vejo os homens mais importantes da
Galáxia...
Irmina não suportava mais a tensão. Receava que o siganês pudesse usar a arma sem
aviso. Por isso agiu sem perda de tempo. Concentrou o espírito na arma que o
homenzinho segurava e reagrupou as células dos tendões.
O siganês soltou um grito, largou a arma minúscula e ficou agitando os braços que
nem um louco. Parecia que era atacado por espíritos maus vindos de todas as direções,
contra os quais tentava defender-se.
Rhodan pegou o siganês e destruiu o pequeno equipamento de vôo que trazia nas
costas. O siganês continuava a debater-se que nem um louco.
— O que fez com ele? — perguntou Rhodan a Irmina. — Só queria que o
desarmasse.
— Não queria que fugisse. Por isso reagrupei as células de sua pele para provocar
uma comichão insuportável.
***
Enquanto Rhodan segurava o siganês com dois dedos na mochila, Atlan lhe fazia
perguntas. Naturalmente ele se recusava a dar informações, ou dava informações falsas.
Mas isto não fazia mal, pois a única coisa que Atlan queria ao fazer as perguntas era fazer
com que o siganês pensasse no que ele queria. Por mais mentiras que saíssem de seus
lábios, seus pensamentos ocupavam-se com a verdade.
Fellmer Lloyd cuidou do resto. Como telepata tirava as informações diretamente do
cérebro do siganês. Depois que Atlan concluiu o interrogatório, Rhodan defrontou-se
com outro problema. O que fazer com o siganês?
Irmina soube a resposta. Sugeriu que fosse trancado em uma das dispensas. Lá ele
podia respirar e tinha alimentos de sobra e, mais tarde, depois que tudo tivesse passado,
podia ser libertado. Foi o que fizeram.
Fellmer Lloyd informou o que conseguira tirar dos pensamentos do siganês. Rhodan
e Atlan souberam dos acontecimentos que se tinham verificado no mundo dos Cem Sóis
antes que eles chegassem. Além disso Fellmer Lloyd disse como o Coronel Tahiko
Anaka conseguira subjugar o Almirante Cadro Tai Hun e assumir o comando da Zamorra
Thety. Usara seu dom hipnótico para submeter o espírito do almirante ao seu controle e
lhe sugerira imagens falsas. O almirante saíra da nave em pleno espaço, crente de que
colocara um traje pressurizado.
— Já sabemos que o quartel-general de Anaka fica no edifício principal do
espaçoporto sul, mas nossa tática não muda — resumiu Rhodan. — Tentaremos entrar no
hotel para fazer contato com os prisioneiros. Conheço o hotel e acho que será fácil entrar
pelo sistema de abastecimento robotizado que fica no subsolo. Qual é sua opinião, Atlan?
— Os Willys não me saem da cabeça — disse o arcônida. — Sabemos que estas
criaturas são leais ao plasma central. Podemos entrar em contato com eles e pedir seu
apoio. Tenho certeza de que nos ajudarão se explicarmos a situação.
— Sem dúvida — reconheceu Rhodan. — Mas ainda tenho minhas dúvidas. Se os
Willys das esteiras ainda não reconheceram a situação, talvez não seria conveniente
procurá-los. Não sabemos que medidas tomaram se souberem que Tahiko Anaka é
inimigo do plasma central e portanto da verdadeira vida.
— Não se esqueça de que os Willys no fundo são criaturas pacatas — lembrou
Atlan. — Nem são capazes de tornar-se violentos.
— É verdade — disse Rhodan. — Mas de acordo com sua mentalidade eles se
empenhariam para eliminar qualquer perigo que ameaçasse a vida do plasma central. É
melhor que os Willys das esteiras não sejam informados a respeito da situação. Talvez
possamos usá-los sem dar maiores esclarecimentos.
Rhodan, Atlan, Lloyd e Irmina saíram. Deixaram os capacetes pressurizados abertos
e ficaram com os receptores ligados, mas tiveram o cuidado de não usar os outros
equipamentos técnicos. Não queriam arriscar-se a ser detectados tão perto do destino. Se
surgisse um perigo em forma de seres pensantes — nos quais se incluíam os robôs
positrônico-biológicos do mundo dos Cem Sóis — Fellmer Lloyd perceberia sua
presença em tempo.
Para maior segurança, Rhodan, Atlan e Lloyd seguravam as armas paralisantes em
posição de tiro. Irmina dispensou qualquer arma de fogo, pois podia defender-se usando
seus dons parapsíquicos.
Lloyd guiou o pequeno grupo.
— O Hotel Transuniverso fica a cerca de seis quilômetros — informou. — Além
dos pensamentos dos prisioneiros amedrontados recebo os de cerca de vinte pessoas que
parecem montar guarda.
— Algum sinal de pos-bis? — quis saber Atlan.
— Nenhum — garantiu Lloyd. — Só recebo os impulsos típicos do plasma da
direção em que fica o quartel-general de Anaka, onde também ficam as oitenta cúpulas
do plasma central. Em Suntown não há nenhum pos-bi.
— Talvez Anaka ainda não controle o sistema hiperimpotrônico a ponto de
manipular os pos-bis — conjeturou Atlan.
— Tomara — disse Rhodan e dirigiu-se a Lloyd. — E os Willys das Esteiras? Há
alguns na cidade?
— Há, sim — confirmou o telepata e localizador. — Estão espalhados por toda a
Suntown. Têm um comportamento estranho. A maioria fica vagando pela cidade, sem
destino, indo das povoações terranas para as cúpulas do plasma central e vice-versa. Mas
muitos deles foram ao Hotel Transuniverso. Tento constantemente descobrir seus
pensamentos, mas toda vez que consigo fazer contato eles se protegem instintivamente. A
única coisa que consigo deduzir de seus pensamentos é que estão muito confusos.
— Provavelmente não sabem o que fazer — disse Rhodan. — Acho que nunca se
viram numa situação parecida. Enfrentam um dilema. De um lado os terranos que
controlam o sistema hiperinpotrônico e do outro lado o plasma central com o qual não
têm mais contato. Ainda bem que não explicamos aos Willys o que está acontecendo.
Estavam a apenas um quilômetro e meio do Hotel Transuniverso e viam o edifício
de seiscentos metros de altura entre as árvores-mamute do parque quando houve um
incidente que não esperavam.
Até Fellmer Lloyd teve uma surpresa ao ver os Willys das esteiras se aproximarem
correndo. Concentrara-se demais no hotel
e por isso não notara que um grupo de seis Willys se aproximava do outro lado.
Quando Lloyd os detectou e alertou os companheiros já era tarde.
Os Willys vieram correndo pelo parque que nem um furacão. Tinham assumido a
forma de esferas e solto centenas de pseudo-perninhas em cujas pontas ficavam os
cristais duros como diamantes com os quais até podiam perfurar a rocha maciça. Usavam
as pernas para imprimir um movimento de rotação ao corpo, deslocando-se a uma
velocidade incrível.
Ao que tudo indicava o grupo de seis dirigia-se ao hotel para juntar-se à procissão
que se reunira lá. Mas quando chegaram perto de Rhodan e seus companheiros reduziram
a velocidade e acabaram parando.
— Estão cada vez mais confusos — exclamou Lloyd em tom de alarme. — Parece
que nossos trajes de combate os assustaram...
Lloyd mal acabara de falar, quando os corpos dos Willys começaram a pulsar e
assumiram uma coloração avermelhada. Era um sinal claro de que estavam com medo.
Dali a um instante encolheram os olhos que vibravam e movimentaram as pseudo-
perninhas.
Lloyd levantou a arma paralisante com a rapidez de um relâmpago e gritou
alarmado:
— Querem prevenir os outros de que estamos aqui!
No mesmo instante apertou o gatilho da arma paralisante e atingiu dois Willys antes
que pudessem abrigar-se. Para Irmina o alerta de Lloyd foi o sinal de que devia entrar em
ação. Conseguiu reagrupar a estrutura celular de alguns dos pseudópodes de dois Willys,
fazendo com que não funcionassem mais. Um dos Willys colidiu com uma árvore e ficou
deitado meio atordoado. O outro adernou, caiu de lado, deixou que seus pseudópodes
rodassem e penetrou no chão macio do parque que nem uma frese.
Antes que Lloyd e Irmina pudessem atacar os outros dois Willys, Atlan e Rhodan
entraram em ação.
— Isso é uma loucura! — gritou Rhodan e investiu com tanta força contra Irmina
que ela perdeu o equilíbrio e caiu no chão.
Enquanto isso Atlan tirou o paralisador das mãos de Lloyd.
— Desgraça pouca é bobagem — disse Rhodan fungando. — Ainda conseguimos
colocar os Willys contra nós. O que lhe deu na cabeça que resolveu paralisar estes seres,
Fellmer?
— Tive medo e só quis impedir que revelassem nossa presença aos arautos do
paraíso — defendeu-se Lloyd.
— Está bem — Rhodan fez um gesto de pouco-caso e ajudou Irmina a levantar. —
Teremos de ir antes da hora às instalações subplanetárias, o que representa uma perda de
tempo.
— Deveríamos ter-nos aliado aos Willys — disse Atlan com a voz triste.
— Infelizmente é tarde para fazer isso — respondeu Rhodan e saiu à procura de
uma entrada para as diversas galerias que formavam uma rede de malha fina embaixo de
Suntown.
Finalmente Fellmer Lloyd localizou um controle biopositrônico perto do qual havia
uma entrada da rede de galerias subplanetárias.
Quando estavam descendo pela galeria um atrás do outro, sustentados por seus
projetores antigravitacionais, uma voz conhecida soou nos receptores instalados em seus
capacetes.
— Mundo dos Cem Sóis chamando cruzador da USO Gonozal! Mundo dos Cem
Sóis chamando...
A voz era do Coronel Tahiko Anaka.
9

O Coronel Tahiko Anaka tinha pouco mais de 1,70 metro, Possuía uma nuca forte
sobre as quais os cabelos tinham sido raspados. Apesar da pouca altura as costas eram
muito largas e musculosas.
O homem que acabara de entrar na sala de rádio e estava parado atrás dele achava
que não podia errar o alvo. Num movimento rápido tirou a faca vibratória do cinto e
levantou o braço para dar o golpe. Mas a mão que segurava a arma mortal não chegou a
descer.
O Coronel Tahiko Anaka virou-se devagar, com um sorriso matreiro no rosto.
Pegou a mão erguida do atacante e tirou-lhe a faca vibratória.
— O senhor deveria ter dado ouvido aos boatos segundo os quais sou um hipno,
Tenente Bastik — disse. — Não compensa ser contra mim. É uma pena que justamente o
senhor tenha feito tamanha bobagem, tenente. Sempre confiei no senhor. O que o levou a
fazer isso?
O Tenente Bastik respondeu com toda franqueza:
— A maneira pela qual se apoderou do mundo dos Cem Sóis; não gostamos. No
início estávamos de seu lado porque acreditávamos que realmente fosse um representante
do Administrador-Geral. Mas acabamos descobrindo a verdade.
O Coronel Anaka libertou completamente o espírito do tenente. A mão rigidamente
levantada relaxou e caiu molemente ao lado do corpo.
— O senhor não descobriu coisa alguma, tenente — disse Anaka. — Quando sair
daqui e voltar para junto dos companheiros da guarnição, saberá menos do que quando
entrou. Em compensação será mais dócil. Nunca mais duvidará de mim.
— A mim o senhor não subjuga — disse o tenente em tom convicto.
— Subjugo, sim.
Os dois olharam-se nos olhos. Dali a instantes o tenente virou-se com movimentos
duros que nem uma marionete e saiu da sala. A cada passo que se afastava do Coronel
Anaka as lembranças do que acabara de acontecer iam ficando mais fracas. Quando
chegou perto dos seus aliados, a ordem pós-hipnótica produziu todos os efeitos. Perdera a
lembrança dos acontecimentos reais, que fora substituída por uma falsa lembrança
sugestionada.
Quando os companheiros perguntaram o que tinha acontecido na sala de rádio, o
Tenente Bastik disse:
— O Coronel Anaka convenceu-me de que as medidas que tomou foram justas.
O Coronel Anaka poderia dar-se por satisfeito com este resultado, mas não se deu.
Era um sucesso parcial. Muitos dos seus planos grandiosos tinham falhado.
Tudo começara quando Perry Rhodan chegara ao mundo dos Cem Sóis com
algumas naves cargueiras de grande porte e um cruzador. Até lá tudo correra segundo
seus desejos. O Coronel Anaka conseguira guardar as aparências, fazendo com que os
terranos que viviam no planeta acreditassem que era um representante do Administrador-
Geral. Desta forma conseguira assumir o poder no mundo dos Cem Sóis.
Mas só podia manter sua posição porque nem o plasma central nem os membros da
guarnição tinham como verificar suas informações. Garantira-se neste ponto por meio do
controle das comunicações de rádio no mundo dos Cem Sóis.
Mas sua conta acabara não fechando porque o Administrador-Geral resolvera levar
oitenta mil seres humanos ao mundo dos Cem Sóis.
O Coronel Anaka não tivera alternativa a não ser desativar imediatamente o plasma
central e apoderar-se do sistema hiperinpotrônico. Tinha que evitar de qualquer maneira
que uma das onze naves — ou até mesmo um simples barco espacial — pousasse no
mundo dos Cem sóis. Neste ponto não tinha motivo para temer nada, porque controlava o
sistema hiperimpotrônico.
Mas suas medidas drásticas produziram algumas consequências desagradáveis. Os
mais de quatrocentos homens e mulheres pertencentes à guarnição terrana, que já tinham
confiado nele, começaram a distanciar-se de repente. Continuavam a obedecer às suas
ordens, mas já não pareciam tão submissos.
Um dos exemplos mais marcantes fora o Tenente Bastik, que tentara assassiná-lo.
Tudo isso tivera início com aquele professor ezialístico maluco, que criara uma
ligação provisória com o relê principal do hiper-rádio e transmitira o alerta para a
Gonozal. Anaka fora obrigado a matá-lo, mas gostaria de pôr as mãos em seu assistente.
Mas Aborq Vallain conseguira fugir.
A única coisa que Anaka podia fazer era colocar as cartas sobre a mesa. O tempo do
esconde-esconde passara. Tinha de enfrentar Rhodan.
O Coronel Tahiko Anaka aproximou-se do hiper-rádio e fez uma ligação com a
Gonozal. Mas depois que foi estabelecido o contato Anaka viu que seu interlocutor não
era Perry Rhodan, mas mais uma vez apenas o hiperfísico Geoffry Abel Waringer. Neste
instante uma suspeita nasceu na mente de Anaka...
O Coronel Tahiko Anaka foi diretamente ao assunto.
— Tenho uma proposta para Perry Rhodan — disse. — Ele quer pousar no mundo
dos Cem Sóis. Pensei no assunto e cheguei à conclusão de que no fundo quero a mesma
coisa. Por que oitenta mil seres humanos deveriam passar privações nas espaçonaves?
Afinal, são cientistas e técnicos altamente qualificados. Ou não são? Além disso as naves
cargueiras transportam aparelhos muito úteis. Não tenho nenhuma objeção em que essas
mercadorias sejam trazidas ao mundo dos Cem Sóis.
— Em que condições sugere que seja feito o pouso? — perguntou Waringer.
A voz do Coronel Tahiko Anaka assumiu um tom enérgico.
— Exijo que o Administrador-Geral, o senhor, Waringer, e dez pessoas importantes
pousem primeiro num barco espacial em um dos três portos espaciais terranos. Depois
que as doze pessoas estiverem sob minha proteção, as naves cargueiras deverão pousar
uma após a outra. A Gonozal será a última a receber permissão de pousar. Para completar
ainda quero acrescentar que cada nave será flanqueada por duas naves fragmentárias dos
pos-bis. Eis aí minha proposta.
— Não é uma proposta, mas um ultimato — exclamou Waringer em tom nervoso.
— Posso adiantar que o Administrador-Geral não concordará.
— Se pensa assim, pode acrescentar que enviarei para o espaço vinte naves
fragmentárias fortemente armadas, caso o Administrador-Geral não se mostre disposto a
encarar minha proposta com boa vontade — afirmou o Coronel Tahiko Anaka.
— Posso garantir que todos os pos-bis a bordo das naves fragmentárias obedecem
às minhas ordens.
— O senhor está blefando, coronel — respondeu Waringer.
— O senhor não entende nada dessas coisas — respondeu o Coronel Anaka em tom
de desprezo. Passou a pesar cuidadosamente cada palavra. — Quero falar pessoalmente
com Perry Rhodan. Ele saberá dar a necessária atenção à minha proposta.
O Rádio permaneceu em silêncio por algum tempo. Finalmente Waringer disse com
uma hesitação quase imperceptível:
— O Administrador-Geral não pode atender no momento. Está completamente
exausto. Não pode falar no rádio.
O raciocínio do Coronel Anaka funcionou imediatamente. Será que a desculpa
apresentada por Anaka era uma prova de que sua hipótese estava certa? Sem dúvida
tratava-se de uma desculpa, porque um homem como Perry Rhodan, que usava um
ativador de células, não sentia tão depressa as manifestações de cansaço.
— Não acredito numa palavra do que está dizendo, Waringer — disse o Coronel
Anaka levantando a voz. — Por mais cansado que esteja Perry Rhodan, ele terá de chegar
perto do rádio. Ou será que a vida de oitenta mil seres humanos não vale nada para ele?
— Vale, sim — apressou-se Waringer em afirmar, mas não conseguiu esconder a
insegurança de sua voz. — Transmitirei seu ultimato ao Administrador-Geral. Mas repito
que já conheço a resposta.
— Quero ouvir a resposta dele mesmo. E já!
— Isso não é possível pelo motivo que já informei.
— Não me venha com desculpas baratas! — Um sorriso de triunfo cobriu o rosto do
Coronel Anaka. Ele tinha certeza de que sua hipótese estava certa. Mas não mostrou seus
sentimentos ao prosseguir em tom autoritário: — Se Perry Rhodan é covarde demais para
discutir as condições comigo, as consequências correrão por sua conta. Darei ordem para
que vinte naves fragmentárias decolem. Vamos ver se aí Rhodan não se dá ao incômodo
de receber pessoalmente minha proposta...
— Não adianta fazer ameaças...
— Como pode ter tanta certeza?
Waringer respondeu em tom bastante inibido:
— Porque não existe a menor possibilidade de o Administrador-Geral entrar em
contato com o senhor. Dê-nos um prazo de dez horas. Até lá veremos o que se pode
fazer.
— Está bem. Dez horas. Nem mais um segundo.
O Coronel Tahiko Anaka desligou. Estava triunfante. Já tinha a prova de que sua
hipótese era correta. Perry Rhodan estava morto. Sem dúvida encontrava-se a bordo do
jato espacial derrubado pelos fortes do mundo dos Cem Sóis. Que outro motivo podia
haver para que as pessoas a bordo da Gonozal se recusassem a deixá-lo negociar numa
hora destas...?
A bordo da Gonozal Waringer se sentia triunfante. Possuía bastante senso
psicológico para interpretar corretamente as reações do Coronel Anaka. Pelo
comportamento de Waringer, ele devia ter chegado à conclusão de que Rhodan estava
morto — perecera na tentativa de chegar ao mundo dos Cem Sóis num jato espacial. Mas
não foi um triunfo completo, pois Waringer não sabia se blefara ou revelara a verdade.
Não estava informado sobre o destino de Rhodan.
O Coronel Anaka também não teve muito tempo para deleitar-se com sua sensação
de triunfo. Uma notícia preocupante estourou no meio de suas reflexões a respeito da
morte de Rhodan e do fato de não haver mais ninguém que pudesse disputar o poder com
ele no mundo dos Cem Sóis.
Grande número de Willys das esteiras tinham comparecido à frente do Hotel
Transuniverso, ao que parecia para protestar contra uma repressão da verdadeira vida.
O Coronel Anaka não sabia o que podia ter deixado tão indignadas essas criaturas
geralmente tão pacíficas.
10

— Geoffry não perdeu a cabeça — disse Rhodan satisfeito depois de ter escutado a
conversa entre o hiperfísico e o renegado. — Isso sempre nos rendeu um prazo de dez
horas.
— Não é muito, considerando os objetivos que queremos alcançar — disse Atlan
aborrecido, mas logo acrescentou: — É claro que Geoffry não pode ser acusado de nada.
Aproveitou a situação da melhor maneira.
Enquanto o Coronel Anaka e Geoffry Waringer conversavam pelo rádio, Rhodan e
seus três companheiros tinham entrado nas instalações subplanetárias de Suntown. Já
tinham percorrido mais de um quilômetro num túnel de ligação de grande distância para
veículos antigravitacionais. Orientaram-se sem dificuldade pelas indicações colocadas
nas subidas para os diversos hotéis.
Como o tráfego em Suntown estava praticamente paralisado, não tinham nada a
temer desse lado. A ligação entre o porto espacial, onde o Coronel Anaka instalara seu
quartel-general, e o único hotel habitado da cidade, era feita exclusivamente pelo ar. No
subsolo do planeta não se via ninguém.
Quando chegaram à subida para o Hotel Transuniverso os quatro abandonaram
imediatamente o túnel principal, mas em vez de tomar a subida passaram por uma porta
lateral que levava às esteiras rolantes do sistema de abastecimento.
Lloyd, que estendia constantemente seus tentáculos mentais para todos os lados,
parou de repente.
— Já há cerca de cem Willys reunidos à frente do hotel — disse. — Foram todos
tomados de uma estranha excitação, mas continuam a mostrar-se muito confusos.
Protestam contra a repressão da verdadeira vida, mas nem mesmo eles sabem exatamente
o que querem conseguir. Mas pelo menos mantêm ocupados os guardas. Não deve ser
difícil entrar no hotel.
— Que fazem os guardas? — quis saber Rhodan.
— Mantêm as armas apontadas para os Willys, mas só as usarão em último caso —
respondeu Lloyd. — Os guardas não concordam inteiramente com a decisão do Coronel
Anaka de que os Willys não devem entrar mais no hotel depois de terem ajudado um dos
prisioneiros na fuga.
— Os guardas fazem parte do grupo dos arautos do paraíso? — perguntou Rhodan.
Lloyd sacudiu a cabeça.
— Nem todos. Alguns fazem parte da guarnição terrana. São principalmente estes
que não compreendem por que os Willys não devem entrar no hotel para cuidar dos
prisioneiros.
— É estranho — disse Rhodan. — Não acha, Atlan?
— O que há de estranho no fato de o Coronel Anaka querer manter os Willys longe
dos prisioneiros? — espantou-se Irmina. — Afinal os Willys contrariaram seus
interesses.
— Não foi isso que Perry quis dizer — explicou Atlan no lugar do Administrador-
Geral. — O comportamento dos Willys é mesmo esquisito. Conforme Lloyd deduziu de
seus pensamentos, eles compareceram para protestar contra a repressão da verdadeira
vida. Mas ficamos sabendo que o comportamento que adotaram os deixa confusos. Dali
se conclui que talvez alguém os tenha levado a fazer essa encenação. E quem fez isso
deve ter alguma coisa em vista.
— Será que não é o fugitivo que o siganês estava procurando? — opinou Irmina.
— É o que penso — confirmou Rhodan. — Acho que dentro de pouco tempo
teremos novidades por aqui. Vamos apressar-nos para não perder o contato.
O grupo atravessou os corredores estreitos que só costumavam ser usados pelas
comissões técnicas de manutenção e chegaram ao ponto de distribuição robotizado de
onde as mercadorias eram enviadas aos diversos setores do hotel. Era dali que
convergiam os canais do correio pneumático que traziam alimentos dos diversos
depósitos e era também onde terminavam as esteiras rolantes que serviam para
transportar volumes maiores.
Rhodan fez uma avaliação. Não podiam chegar ao hotel pelo caminho que seguiam
os alimentos. Não havia nenhuma passagem que permitisse a entrada de um ser humano.
Mas com as esteiras rolantes destinadas ao transporte de volumes maiores as coisas
eram diferentes. Estavam paradas. Além disso os poços antigravitacionais pelos quais os
objetos grandes eram levados para cima permitiam a passagem de um ser humano,
mesmo que ele usasse um traje blindado pressurizado.
Rhodan foi o primeiro a subir por um desses poços. Depois dele seguiram Fellmer
Lloyd, Irmina e finalmente Atlan.
Depois de chegar ao fim do poço entraram num armazém. Os braços mecânicos
articulados presos em trilhos magnéticos montados no teto, que recebiam as cargas e as
levavam às respectivas prateleiras, estavam parados. O armazém estava em desordem.
Em toda parte havia grossas camadas de pó.
Rhodan dirigiu-se à porta sem dizer uma palavra. Mas antes de abrir a porta fez um
sinal para Lloyd. O telepata e localizador sacudiu a cabeça. Isto significava que não havia
ninguém fora do depósito.
Foram parar num corredor no qual reinava uma tremenda desordem.
— Demorará pelo menos uma semana para pôr este hotel em ordem — disse Irmina
e franziu o nariz.
— Isso não é nosso problema — respondeu Atlan. — Só queremos saber onde se
encontram os prisioneiros.
— Em um dos andares superiores — respondeu Lloyd prontamente. — Temos cerca
de duzentos pavimentos pela frente. Para chegar aos elevadores temos de atravessar o
hall, que está apinhado de guardas. Não existe outro caminho. Logo, teremos de enfrentá-
los.
— Prepare-se, Irmina — disse Rhodan e destravou a arma paralisante.
Depois de chegar ao fim do corredor, o Administrador-Geral olhou para o hall. Era
como Fellmer Lloyd dissera. Havia cerca de cem Willys amontoados à frente do portal
principal, no qual não havia portas, mas somente uma cortina climatizante energética.
Seus corpos tinham assumido as mais diversas formas. Esticavam os pseudópodes para
cima, batiam palmas ritmicamente com mãos não muito bem formadas ou simplesmente
esfregavam os cristais duros como diamantes que havia nas pontas dos pseudópodes, o
que produzia uma estranha melodia como fundo das palavras de ordem que gritavam.
— Liberdade para a verdadeira vida! — gritaram os Willys.
Apesar da situação tensa, Rhodan foi obrigado a sorrir.
Willys fazendo uma demonstração! Nunca pensara que isso pudesse acontecer.
De repente houve um tumulto em suas fileiras. Os dez guardas postados em duas
fileiras à frente do portal e no hall levantaram as armas paralisantes. Os Willys
avançaram, os guardas foram recuando devagar.
— Vão tomar de assalto o hotel — disse Rhodan.
— De forma alguma — contestou Fellmer Lloyd. — Um único Willy quer
atravessar as linhas dos guardas. Os outros nem pensam em fazer qualquer coisa.
Lloyd mal acabara de falar quando um único Willy se separou da cunha avançada e
saiu rolando em direção aos guardas.
— O Willy está irradiando seus próprios pensamentos além dos de um ser humano!
— gritou Lloyd perplexo.
Rhodan sabia o que estava acontecendo.
— Dêem-me cobertura! — gritou e saltou para o hall.
***
A primeira fileira de guardas foi literalmente atropelada pelo Willy. Mas os cinco
guardas que formavam a segunda fileira já se tinham recuperado da surpresa. Um deles
disparou a arma paralisante. O Willy foi atingido de raspão.
Os outros não tiveram tempo de atirar. Dois deles caíram paralisados ao serem
atingidos nas costas por raios paralisantes. Os outros dois começaram a gritar,
aparentemente sem motivo, deixaram cair as armas paralisantes e comprimiram o corpo
com as mãos. Contemplaram em pânico os dedos doloridos, cuja pele estourava deixando
à vista feridas purulentas. O quinto guarda, que conseguira dar um tiro, também foi
derrubado por um raio paralisante disparado de tocaia.
Rhodan interceptou o Willy que parecia sofrer de perturbações de equilíbrio por
causa do tiro que o atingira de raspão e se dirigia à escada de emergência. Parecia saber
que os elevadores tinham sido desligados pelo pessoal de Anaka.
— Para cá! — gritou Rhodan e apontou para o poço do elevador antigravitacional
que estava sem energia.
O Willy uivou assustado e parou. Seus dois olhos salientes tremiam. O corpo inchou
e ficou de uma cor avermelhada. De repente abriu-se uma fenda no corpo muito inchado
e dela saiu cambaleando um homem — um jovem!
— O que...? — principiou o homem, mas Rhodan interrompeu-o.
— Deixemos as explicações para depois — disse e empurrou o homem para o
elevador antigravitacional. Ligou seu projetor antigravitacional, abraçou o corpo do
homem de trás e subiu pelo poço. No poço ao lado Atlan fez a mesma coisa com o Willy.
Mas para o arcônida isso não foi tão fácil, porque a criatura assustada vivia inchando,
mudando de forma e encostando os pseudópodes na parede do poço. Atlan teve de usar
todo o poder de persuasão para acalmar o Willy e conquistar sua confiança.
Enquanto isso Irmina e Fellmer Lloyd repeliam os ataques dos outros cinco guardas
que já se tinham recuperado. Mas quando o primeiro de repente largou a arma e começou
a cambalear com o rosto inchado e os olhos cobertos, comportando-se como se estivesse
cego, os outros fugiram.
Irmina e Fellmer Lloyd entraram no poço um atrás do outro e subiram usando os
projetores antigravitacionais.
— Até que enfim conseguimos uma pausa — disse Irmina e lembrou-se dos três
homens que pusera fora de ação reagrupando suas células. Teve a impressão de não lhes
ter causado lesões permanentes. Suas feridas sarariam, as inchações regrediriam, ou elas
poderiam ser removidas por meio de intervenções plasto-cirúrgicas.
— No momento não temos com que preocupar-nos — concordou Lloyd. — Mas os
pensamentos dos guardas que pegamos de surpresa revelaram claramente suas intenções.
Entrarão em contato com o Coronel Anaka para pedir reforços.
— Quer dizer que para nós este edifício é uma armadilha. Em vez de responder
Lloyd disse:
— Temos de sair no andar duzentos e dez. Lá estão os oitenta prisioneiros.
Lloyd deu uma risadinha.
— Que foi? — quis saber Irmina, que voava acima dele.
— Nada de importante — respondeu Lloyd. — Rhodan e Atlan já chegaram ao
lugar em que estão os prisioneiros. Cenas incríveis estão acontecendo.
No primeiro instante Irmina ficou sem saber o que Lloyd queria dizer, mas
descobriu logo, quando saiu do poço no andar 210.
Uma multidão incrível se comprimia no corredor à frente do elevador
antigravitacional. Homens e mulheres acotovelavam-se em torno de Rhodan, Atlan, do
Willy e de seu companheiro — e outras pessoas chegavam constantemente das salas e
corredores próximos. No meio da confusão o Willy teve um acesso de agorafobia e
mostrou isso pela coloração vermelha do corpo.
Irmina e Fellmer Lloyd tiveram muito trabalho em sair do elevador através da
barreira que podia ser atravessada de um lado e abrir caminho no meio da multidão.
Irmina teve uma sensação de euforia ao ver a recepção grandiosa que os prisioneiros
ofereciam a Rhodan e Atlan. Sentiu uma espécie de embriaguez da vitória. Até parecia
que o Coronel Tahiko Anaka já fora destituído e que eles não eram mais seus
prisioneiros. Ficou surpresa com a confiança que as pessoas depositavam no
Administrador-Geral.
Rhodan levantou as mãos para que os outros o ouvissem. Não demorou, e a
multidão ficou em silêncio, contemplando-o com uma expressão ansiosa.
— Não vamos festejar antes da hora, que por enquanto não ganhamos nada —
principiou Rhodan. — O Coronel Anaka já sabe que tem de contar com uma resistência
obstinada. Logo veremos que medidas tomará. Mas até lá não vamos ficar sem fazer
nada. O homem que está a meu lado é Aborq Vallain, que trabalhava com o Professor
Jorston. O professor foi morto pelo Coronel Anaka quando tentava alertar-nos. Não pôde
realizar mais seus planos de restabelecer a ligação entre o plasma central e o sistema
hiperinpotrônico, através do bloco biopon. Vallain entrou no hotel há poucos instantes
com a ajuda dos Willys, porque queria entrar em contato com os dois engenheiros de
hipercontroles que colaboraram com o Professor Jorston na elaboração dos planos. Os
dois engenheiros estão presentes?
Houve um movimento na multidão e um sim saído de duas bocas foi ouvido.
— Façam o favor de aproximar-se, para que possamos discutir juntos as medidas a
serem tomadas daqui em diante — pediu Rhodan. Em seguida dirigiu-se aos outros. —
Seria conveniente dirigirem-se aos andares de baixo pela escada de emergência. Lá
certamente não correrão tanto perigo caso o Coronel perca o controle dos nervos e
resolva bombardear o hotel. Não existe motivo para entrarem em pânico. Se descerem
estarão em segurança. A situação só ficará crítica quando eles perceberem que os homens
de Anaka estão saindo do hotel. Mas se isto acontecer os senhores ainda poderão fugir
para o subsolo. O Willy que está aqui os acompanhará e pedirá o apoio dos
companheiros.
Rhodan olhou em volta.
— Quem dos senhores estava no comando?
Um homem alto e magro levantou o braço. Chamava-se Danuk Gee Armblast e era
galatopsicólogo. Prometeu a Rhodan que seguiria suas instruções em todos os detalhes e
levaria o pessoal para baixo.
— Nada de falso heroísmo, por favor — ainda advertiu Rhodan.
A multidão saiu sob o comando de Danuk Gee Armblast e dirigiu-se às duas
escadas de emergência.
— Existe alguma sala onde possamos conversar tranquilamente? — perguntou
Rhodan a Aborq Vallain.
Vallain sorriu.
— Conheço um lugar que serve, desde que o Coronel Anaka nos deixe em paz.
Neste andar existe uma pequena biblioteca na qual Jorston trabalhava.
***
A biblioteca estava em desordem como o resto do hotel. Mas havia um sistema na
desordem. Livros e espulas de microfilme, anotações, um aparelho de leitura, uma
prancheta de desenho e grande quantidade de esquemas e outras coisas estavam
espalhadas por todos os lugares.
O velho ezialista Professor Jorston trabalhara nesse lugar. Aborq Vallain e os dois
engenheiros de hipercomandos queriam começar a arrumar o lugar, mas Rhodan fez sinal
para que não o fizessem.
— Temos coisa mais urgente para fazer — disse. — Onde estão os planos
elaborados pelo senhor e o Professor Jorston?
Um dos dois engenheiros — seu nome era Calvan Pratt e era um homem alto e
robusto — dirigiu-se à prancheta de desenho e tirou algumas folhas grandes presas no
suporte magnético.
Voltou e espalhou-as sobre a escrivaninha.
Rhodan e Atlan ficaram um de cada lado do engenheiro. Lloyd, Irmina e Vallain
espalharam-se em torno da mesa, enquanto Wyne Thauss, o outro engenheiro de
hipercomandos, trazia vários aparelhos de medida e ensaio de um canto da biblioteca.
Quando viu que Rhodan o observava, sorriu ligeiramente.
— Como vê está tudo preparado para o grande golpe, senhor — disse. — O único
problema era levar os aparelhos aos lugares em que deviam ser usados. Afinal, o sistema
hiperimpotrônico fica a cem quilômetros daqui. Precisaríamos de uma plataforma
antigravitacional ou de um planador. Ainda nos defrontamos com o problema do
transporte.
— Não pode trabalhar sem estes aparelhos? — perguntou Rhodan.
— Infelizmente não, senhor.
— Jorston poderia fazer o que tinha sido planejado apenas com as mãos —
informou Aborq Vallain. — Era ezialista.
— Infelizmente o Professor Jorston está morto.
— Também sou ezialista — respondeu Vallain.
Rhodan tomou a palavra.
— Gostaria que mostrassem o plano — pediu.
Pratt inclinou-se sobre a folha. Apontou para um círculo de traço grosso.
— Esta é uma das duas torres nas quais fica o acesso ao sistema hiperinpotrônico
que juntamente com o plasma central ocupa uma área de dez por dez quilômetros no
subsolo. Existem vários túneis ligando os diversos setores. Não dispomos de veículos.
Mas como sabe não se tinha acesso a todos os setores do sistema hiperinpotrônico.
Campos energéticos fecham o caminho.
“Mas o Coronel Anaka usou um truque para ter acesso ao bloco biopon. Não sei o
que fez para enganar o plasma. Provavelmente confiou nele por acreditar que era o
homem de confiança do senhor. Uma coisa é certa. O acesso ao bloco biopon ainda
existe. Mas sem dúvida há alguns homens de Anaka postados lá. O Professor Jorston e eu
fizemos cálculos para apurar qual dos dois acessos foi aberto por Anaka.
“Partimos do pressuposto de que Anaka escolheu o caminho direto para aproximar-
se do bloco biopon. Mas abandonamos esta hipótese porque na linha reta, que passa por
um poço vertical e um corredor na horizontal, existem muitas armadilhas energéticas.
Estão desligadas, mas Anaka deve contar com a possibilidade de serem ativadas. Como
sabemos, o plasma ainda mantém contato com o sistema hiperinpotrônico através de
alguns nervos semi-orgânicos muito fracos. Por isso o plasma talvez consiga ligar uma ou
outra armadilha energética.
“Depois de desenvolver este raciocínio, tivemos certeza de que Anaka optou pelo
caminho mais longo para aproximar-se do bloco biopon sem maiores riscos. A rota está
marcada em vermelho neste diagrama. São cinco quilômetros, no total, da entrada até o
centro do bloco biopon, cinco quilômetros que passam pelas instalações subplanetárias.”
Pratt afastou a folha de cima e dirigiu-se ao companheiro.
— Quer fazer o favor de continuar, Wyne?
Wyne Thauss aproximou-se. Apontou para a folha seguinte.
— Eis aqui o bloco biopon. O senhor deve estar lembrado de que existem muitas
ligações principais entre o plasma e o sistema hiperinpotrônico. O Professor Jorston
descobriu que Anaka desativou estas ligações provisoriamente, mas de forma muito
eficaz. Teve bastante inteligência para não cortá-las com armas energéticas. Seria
possível que ao primeiro sinal de violência o plasma reagisse.
“Anaka agiu de outra forma. Mandou instalar em todos os tendões nervosos semi-
orgânicos que conseguiu descobrir aparelhos de sangria, que desviavam os impulsos
vindos do plasma central para o hiperespaço. Desta forma não provocou a desconfiança
do plasma. Enquanto este acreditava estar em ligação com o sistema hiperinpotrônico, um
condutor após o outro deixou de funcionar — até que o plasma central praticamente ficou
isolado do sistema hiperinpotrônico. Os lugares expostos foram assinalados no
diagrama.”
Rhodan acenou com a cabeça. Examinou as folhas. Depois de algum tempo
levantou os olhos.
— Se tem tanta certeza de que maneira os condutores que levam ao bloco biopon
foram desativados, para que precisa de tantos aparelhos de medida? — perguntou.
— A pergunta tem sua razão de ser — respondeu Pratt. — Gostaria de dizer o
seguinte: Quando o plasma central ainda não estava completamente separado do sistema
hiperinpotrônico, ele ativou imediatamente alguns robôs positrônico-biológicos para
consertar os pontos nevrálgicos. Mas os robôs não possuíam os necessários equipamentos
técnicos — e com os meios convencionais não conseguiram nada. Isto é uma prova de
que os aparelhos de sangria instalados por Anaka não podem ser identificados sem os
respectivos equipamentos técnicos. Por causa disso precisamos dos aparelhos.
— Temos de encontrar um meio de transportá-los — disse Rhodan. — Mas onde
arranjaremos uma plataforma antigravitacional num tempo tão curto?
Atlan teve uma ideia.
— Os Willys das esteiras! Elas poderão incumbir-se do transporte.
— Não é necessário perdermos tempo — disse Vallain. — Jorston explicou como
acha que se pode localizar os aparelhos de sangria sem equipamentos técnicos. Basta um
aparelho portátil. Sinto-me capaz de realizar a tarefa.
Pratt bateu no ombro do discípulo da integração extracerebral.
— Ninguém nega sua boa vontade, Aborq. Mas há muita coisa em jogo. Não
podemos arriscar experiências.
De repente Fellmer Lloyd, que estivera sentado quase todo o tempo meio distraído,
estremeceu. Seus olhos clarearam.
— A ideia dos Willys é boa, mas não pode ser transformada em realidade — disse.
— Estou captando inúmeros impulsos mentais vindos do espaço aéreo em tomo do hotel.
O Coronel Anaka mandou cercar o hotel com pelo menos vinte planadores armados.
Antes que alguém pudesse dar uma resposta, Rhodan, Atlan e Irmina ouviram a voz
do Coronel Anaka nos receptores instalados em seus capacetes.
— Rendam-se imediatamente, senão o edifício será reduzido a escombros.
11

Rhodan saiu às pressas para o corredor e olhou por uma das grandes janelas. Viu
cinco planadores fazendo curvas. Um dos pilotos devia ter notado o movimento através
da vidraça, pois trouxe seu planador em vôo rasante para perto do hotel.
Rhodan viu o canhão energético instalado na proa do veículo relampejar.
— Protejam-se! — gritou para os outros que saíam da biblioteca enquanto ativava
seu campo defensivo.
Uma luminosidade azul espalhou-se na frente da janela. O vidro derreteu, as
colunas de sustentação cederam, vergaram para dentro e arrebentaram. Rhodan foi
alcançado pela pressão do deslocamento do ar e atirado alguns metros no corredor. Só
não morreu por estar com o campo defensivo de seu traje blindado ligado.
Parecia ter sido o sinal para os outros planadores. De repente começaram a atirar de
todos os lados para os pavimenteis superiores do hotel. Os planadores aproximavam-se
em alta velocidade, disparavam seus raios mortíferos contra a fachada do hotel e faziam
uma curva para cima pouco antes do alvo.
O calor ficou insuportável, tinha-se a impressão de que o ar fervia. As paredes
externas do hotel derreteram que nem neve ao sol. Pedaços salientes da parede
desabaram. A pressão causada pelas explosões arrancavam portas das dobradiças e as
arremessava pelos corredores. Paredes divisórias foram derrubadas. Fendas apareceram
no chão.
— Temos de retirar-nos para um dos pavimentos inferiores! — gritou Calvan Pratt
ofegante. Estava com o rosto banhado de suor e sangrava de uma ferida no braço. Fora
atingido por um estilhaço. Os cabelos estavam chamuscados.
Wyne Thauss soltou um grito. Andara junto à parede quando esta rachou de repente,
desmoronou e soterrou o engenheiro de hipercomandos.
— Wyne! — gritou Pratt apavorado e quis ajudar o colega.
— Dê o fora! — gritou Rhodan e dirigiu-se ao monte de escombros embaixo do
qual estava Thauss. Só se via a cabeça e os ombros. O engenheiro choramingava. O lado
esquerdo do rosto estava ensanguentado e começava a apresentar uma coloração azul.
Atlan veio para ajudar Rhodan. Juntos tiraram o engenheiro dos escombros.
— Tudo em ordem? — perguntou Atlan.
— Minha perna esquerda!
Thauss gritava. Atlan pegou um pedaço de sarrafo de porta e fez uma tala
provisória. Depois colocou o engenheiro nas costas, amarrou-o com um cinto do traje
blindado e saiu correndo.
Atlan e Rhodan alcançaram os outros, que estavam quase chegando à escada de
emergência.
— Onde está Vallain? — perguntou Rhodan.
— Na biblioteca — respondeu Fellmer Lloyd.
Lloyd mal acabara de falar quando o jovem ezialista entrou. Sacudia em uma das
mãos a planta do bloco biopon, enquanto na outra segurava um instrumento relativamente
pequeno.
— Já temos tudo que precisamos — exclamou.
O chão desabou no lugar em
que tinham estado pouco antes. O
ezialista empalideceu e acelerou o
passo. Uma nuvem espessa de
fumaça e poeira alcançou-o. Vallain
desapareceu nela.
Rhodan penetrou na parede de
poeira, agarrou o ezialista e sacudiu- o.
— Não perca os nervos numa
hora destas, cara! — gritou. Tirou
dois cintos elásticos da altura do
peito de seu traje blindado, entregou- os
a Vallain e disse: — Estou com o
campo defensivo desligado. Amarre- se
nas minhas costas. Cuidado para que os
fechos magnéticos engatem.
Vallain mexeu algum tempo nas costas de Rhodan. Finalmente disse:
— Pronto. Será que conseguirá carregar-me, senhor?
— Para que serve o projetor antigravitacional que trago comigo? — respondeu
Rhodan e regulou o aparelho de tal maneira que a gravitação que agia sobre seu corpo
ficou reduzida a 0,4 gravos. Já não sentia a carga que levava nas costas.
De repente o chão cedeu sob seus pés. Rhodan caiu quase um metro antes que
tivesse tempo de neutralizar completamente a gravidade. Em seguida ligou o
equipamento de vôo acoplado ao projetor antigravitacional e sobrevoou o abismo que se
abrira à sua frente. Dali a pouco alcançou os outros que já tinham chegado à escada de
emergência.
Rhodan só conseguiu estabelecer contato telepático com Fellmer Lloyd, por
intermédio de Whisper. Deu ordem para que fizesse com Calvan Pratt a mesma coisa que
ele e Atlan tinham feito com os outros. De repente um abalo sacudiu o edifício, ouviu-se
um chiado — e a escadaria desabou com um estrondo.
Fellmer Lloyd segurou Calvan Pratt no centro do corpo e saiu voando da área de
perigo. Atlan, que já notara o perigo antes, foi o primeiro a ficar em segurança com seu
protegido.
Irmina desapareceu na nuvem de poeira. Rhodan teve a impressão de ter visto o
lampejo de seu campo defensivo, mas não tinha certeza. Sabia que estivera no ponto de
ruptura quando a escadaria desabou.
O Administrador-Geral quis ativar seu campo defensivo para ir ajudar Irmina
quando ela saiu que nem um objeto catapultado do inferno de destroços, fumaça e poeira.
Parecia que não estava ferida.
— Ainda existe uma possibilidade de escaparmos ao inferno — disse Rhodan.
Encontravam-se a quase seiscentos metros de altura, numa plataforma suspensa que
era sustentada apenas por uma coluna de concreto. A plataforma estava cercada por restos
de paredes que se destacavam no meio da fumaça que nem um esqueleto, ameaçados por
vinte planadores que desmontavam sistematicamente o edifício de cima para baixo,
usando seus canhões energéticos. Não havia nenhum caminho para chegarem aos andares
de baixo.
O chão embaixo de seus pés tremia.
— Estamos perdidos! — gritou Calvan Pratt.
O vento tocava a fumaça e os planadores que investiam contra eles que nem
marimbondos, vindos de todos os lados, puderam ser vistos.
— Ligar defletores! — ordenou Rhodan.
Parecia que de repente Atlan, Fellmer e Irmina se tinham dissolvido no ar. Estavam
com os campos de deflexão ligados e estes desviavam as ondas eletromagnéticas
tomando-os invisíveis. Já não podiam ser detectados oticamente.
O chão em que pisavam desceu mais alguns centímetros.
— Vamos usar os projetores antigravitacionais para afastar-nos — decidiu Rhodan
e começou a subir. Como seus rastreadores estavam desligados, não sabia qual era a
reação dos companheiros. — Voaremos diretamente para perto do plasma central. Cada
um agirá por sua conta. Só voltaremos a fazer contato depois que tivermos chegado lá.
Nada de comunicação pelo rádio, nenhuma atividade energética que possa ser evitada.
Desta forma não terão tanta facilidade em detectar-nos.
Rhodan não aguardou a confirmação. Saiu voando com a aceleração máxima que
seu projetor antigravitacional era capaz de desenvolver.
Rhodan mal tinha percorrido cem metros quando atrás dele a gigantesca coluna de
sustentação em cuja plataforma superior tinham estado há pouco se inclinou e tombou
com um estrondo. Rhodan lembrou-se dos seres humanos que eram mantidos prisioneiros
nesse lugar pelo Coronel Anaka. Fazia votos de que tivessem chegado ao subsolo onde
estariam em segurança.
— Cuidado, senhor! — gritou Vallain ao seu ouvido por cima do ombro.
Rhodan mal ouvira sua voz no vento, mas percebeu imediatamente o que Vallain
queria dizer. Um planador apareceu à sua frente e seguiu em sua direção. A primeira
ideia que Rhodan teve foi que o piloto o detectara como objeto energético por meio de
seus rastreadores e tirara a conclusão certa. Refletiu se devia usar a arma energética. Mas
quando pôs a mão na arma que trazia presa no cinto o planador fez uma curva e desceu
em mergulho sobre o hotel.
Vallain voltou a gritar alguma coisa, mas Rhodan não o entendeu. Não devia ser
uma coisa importante. No momento o importante era sair da área de maior perigo. Só
estariam relativamente seguros depois de se terem afastado alguns quilômetros dos
planadores.
Rhodan reduziu a velocidade por lembrar-se que Vallain, que estava em suas costas,
ficava completamente desprotegido do vento. Ele mesmo não sentia nada porque estava
com o capacete fechado. Por isso Rhodan ativou o campo defensivo mais cedo do que
planejara. O perigo de ser detectado aumentava, mas em compensação podia desenvolver
a velocidade máxima porque Vallain não era atingido pelo vento.
— Caramba — disse Vallain assim que o campo defensivo foi ativado. — Há muito
vento aqui em cima.
— Ainda tem a planta e o instrumento? — perguntou Rhodan.
— Guardo-os como um tesouro — afirmou Vallain.
Dali a pouco alcançaram as áreas periféricas, onde só havia edifícios menores, e
saíram de Suntown sem incidentes. Fizeram uma curva ampla para desviar-se do porto
espacial e de dois grandes estaleiros que ficavam à sua frente.
Apesar da distância Rhodan viu que havia quatorze espaçonaves estacionadas no
amplo campo de pouso. Eram todas naves esféricas de grande porte, entre elas
ultragigantes da classe galáxia, cinco naves de mil metros, um couraçado da USO com
800 metros de distância e mais seis naves de 500 metros.
— Está vendo o couraçado da USO, senhor? — perguntou Vallain. — É a Zamorra
Thety. O Coronel Anaka e seus arautos do paraíso vieram nela.
Rhodan não deu nenhuma resposta. Em pensamento já dera mais um passo. Pensava
na tarefa que tinha pela frente. Se tudo desse certo chegariam dentro de mais ou menos
vinte minutos às oitenta cúpulas nas quais estava guardado o plasma central. Só depois
disso a operação entraria na fase decisiva.
Depois de ter deixado para trás o porto espacial e os estaleiros, quando já se
aproximava da área em que estava guardado o plasma central, Rhodan arriscou-se a ligar
por alguns instantes os rastreadores de seu traje pressurizado. Localizou três fontes de
energia fracas na atmosfera, não muito longe, à sua frente, e respirou aliviado. Eram os
companheiros: Atlan, Irmina Kotchistowa, Fellmer Lloyd e os dois engenheiros de
hipercomandos.
Mas de repente Rhodan sobressaltou-se. O rastreador de massa mostrou dez objetos
aproximando-se de trás. Sua massa correspondia à dos planadores.
Não havia a menor dúvida.
Estavam sendo perseguidos pelos homens do Coronel Anaka.
12

Depois que perdeu o controle do sistema hiperimpotrônico, o plasma central não


teve mais nenhuma influência sobre as instalações gigantescas do mundo dos Cem Sóis e
não podia dar ordens aos pos-bis. Mas não estava completamente indefeso. Pelo menos
era capaz de cercar uma área livre de dez quilômetros de diâmetro com uma grade
energética de milhares de metros de altura. Era bem verdade que esta medida de
autoproteção não garantia uma segurança absoluta, uma vez que era possível chegar ao
plasma por via subplanetária, usando o acesso do sistema hiperinpotrônico.
E este acesso ficava fora da barreira energética. Lá havia duas torres de canhões,
cujos elevadores antigravitacionais levavam às instalações que ficavam embaixo da
superfície.
O Coronel Anaka colocara seis dos seus melhores homens em cada tone...
— Coronel Anaka a todos! Quatro prisioneiros fugiram. Dirigem-se ao plasma
central. Pelo que conseguimos apurar, possuem trajes blindados do tipo mais moderno e
estão fortemente armados. Se os prisioneiros aparecerem perto do plasma abram fogo
imediatamente e sem aviso. Sigo com reforços. Final.
— Entendido — disse Korpish e colocou a chave do radiofone na posição zero.
Korpish já fora tenente da Segurança Solar, mas no momento estava sob as ordens do
Coronel Anaka.
Um sorriso forçado desfigurou seu rosto enquanto contemplava a tela do rastreador
de energia, onde se viam quatro pontos luminosos que aumentavam de forma quase
imperceptível. Ainda estavam a um quilômetro das torres.
— Vamos proporcionar-lhes uma recepção calorosa — prometeu o Tenente
Korpish. — Quando estiverem a quinhentos metros, abriremos fogo com as armas
energéticas até que seus campos defensivos entrem em colapso. É a coisa mais simples
do mundo.
— Não compreendo que se faça tamanho estardalhaço em torno disso — concordou
o homem que estava junto ao rastreador.
O Tenente Korpish puxou o microfone para perto. Falou aos homens que
guarneciam os postos de artilharia das duas torres.
— Quando estiverem a quinhentos metros podem abrir fogo.
— Ainda estão a setecentos metros — disse o especialista em rastreadores. —
Seiscentos... — De repente saltou da poltrona como se tivesse sido picado por uma cobra.
— Droga! Não consigo localizá-los mais. Devem ter pousado e desligado suas fontes de
energia.
As torres de canhões transmitiram a mesma informação.
— Pois então usem a mira ótica! — gritou o Tenente Korpish para os artilheiros.
— Impossível. O terreno é muito acidentado.
O Tenente Korpish estava furioso. Sabia que a única coisa que podia fazer era
enfrentar os atacantes em campo aberto. Teria de entrar numa luta corpo-a-corpo.
O tenente retirou os homens da sala de rádio, do rastreamento e dos postos de
artilharia e deu-lhes armas. Depois mandou que saíssem. Ele mesmo ficou na sala de
rádio e rastreamento e manteve contato pelo rádio com seu pessoal.
Por duas vezes viu os atacantes na tela de imagem, mas foi por um tempo tão curto
que não serviu para nada. De qualquer maneira viu que não eram quatro, mas sete
pessoas. Mas três delas não usavam trajes blindados.
Seus homens, que se tinham espalhado em volta das torres, informaram que ainda
não tinham visto nenhum sinal dos atacantes. O Tenente Korpish entrou em pânico.
— Não é possível! — gritou. — Devem estar a menos de cem metros de vocês.
— Não se vê nada.
— Eles não podem ter-se desmanchado no ar... — O tenente interrompeu-se. De
repente descobriu a solução do enigma. Olhou para a tela dos rastreadores e viu que era
como ele pensara. Os quatro atacantes apareciam nitidamente como fontes de energia que
emitiam um brilho fraco. — Ligaram os campos defletores — gritou o Tenente Korpish
numa raiva impotente. Podia localizar de novo os atacantes, mas estavam tão perto que
não podia usar os canhões pesados contra eles. — Retirem-se para as torres — ordenou
aos seus homens. — Lançaremos um fogo de barragem em volta das torres para que não
possam entrar. Enquanto isso o coronel deverá chegar com os reforços.
Mas já era tarde para isso.
Antes que os homens pudessem voltar às torres, eles foram caindo um atrás do
outro. Os tornozelos incharam de repente, as pernas recusaram-se a obedecer...
O Tenente Korpish ouviu seus gritos de dor. Estava cada vez mais confuso.
Na tela dos rastreadores via-se as quatro fontes de energia se aproximando da
entrada da torre na qual se encontravam. De repente apagaram-se.
Era um sinal de que tinham desligado os defletores.
O Tenente Korpish pegou uma arma térmica e saiu às pressas da sala de rádio e
rastreamento. Quando chegou ao corredor os intrusos já vinham ao seu encontro. Korpish
reconheceu o primeiro.
Era Perry Rhodan!
Mas apesar disso teria apertado o gatilho da arma térmica, se não tivesse sido
atingido por um raio paralisante.
***
Atlan caminhava no fim do grupo. Só percebera no subconsciente que Perry Rhodan
atirara em alguém com a arma paralisante. No momento em que estava entrando na torre,
os planadores do Coronel Anaka entraram em mergulho e abriram fogo de barragem com
os canhões energéticos.
— Não há motivo para ficarmos preocupados — disse Fellmer Lloyd. — Percebi
dos pensamentos dos pilotos que Anaka proibiu abrir fogo contra as duas torres.
— Sem dúvida quer que o acesso ao sistema hiperimpotrônico continue livre —
opinou Rhodan.
O grupo foi ao centro da torre, onde havia um espaçoso elevador antigravitacional
que também era usado no transporte de cargas. Rhodan apertou a tecla que punha o
elevador em funcionamento.
— Está sem energia — informou. — Isto era de esperar, imaginei que os homens
que Anaka colocou nas instalações subplanetárias desligariam o elevador. Mas isto não
nos impedirá de seguirmos adiante. Afinal, temos os projetores antigravitacionais de
nossos trajes blindados. Fellmer, o senhor pode verificar onde há outros guardas
postados?
— A quatrocentos metros de profundidade, exatamente no ponto de saída do
elevador antigravitacional — respondeu o telepata. — São dois homens. Anaka
informou-os de que chegamos aqui. Estão à nossa espera.
— Serei o primeiro a arriscar a descida — disse Lloyd.
Rhodan hesitou um pouco, mas acabou concordando.
“Quatrocentos metros”, pensou Irmina apavorada.
Naquele momento não temia a profundidade do poço. Teve medo de que a fobia
pudesse tomar conta dela na descida...
— O senhor voltará a amarrar-se em minhas costas, Vallain — disse Rhodan ao
ezialista. — Atlan, você fica encarregado de Pratt. Como Lloyd precisa de liberdade de
movimentos, a senhorita Irmina terá de levar Thauss.
O engenheiro de hipercontroles que fraturara a perna fora carregado por Pratt e
Vallain os seiscentos metros que os separavam da torre. Atlan lhe aplicara uma injeção de
analgésico tirada de seu estojo de primeiros socorros. Thauss ficou imóvel, com a perna
precariamente encanada estendida, enquanto olhava fixamente para a frente com uma
expressão apagada. Quando ouviu seu nome começou a mexer-se.
— Não vou — disse com a voz apagada. — Só serviria para atrapalhar os outros.
Deixem-me aqui com uma arma.
Pratt inclinou-se sobre ele.
— Bobagem, Wyne. Precisamos de você. Sem sua ajuda não conseguiremos fazer a
ligação do sistema hiperinpotrônico com o plasma.
Thauss deu um sorriso apagado.
— Deixem por conta de Vallain. É um bom ezialista.
De repente sua cabeça caiu molemente sobre o peito e o corpo tombou para o lado
bem devagar. Pratt saltou para segurá-lo.
— Deixe-o dormir — disse Rhodan. — De qualquer maneira o levaremos.
Pratt levantou. Estava pálido e parecia perturbado.
— Wyne não está dormindo, senhor — disse incrédulo. — Morreu.
Quando viraram Thauss, viram uma ferida profunda nas costas. Já devia tê-la
quando saíram de Suntown...
— Quero ficar com ele — disse Irmina em meio ao silêncio. Enquanto isso lançava
um olhar de súplica para Fellmer Lloyd.
O telepata penetrou em seu espírito, sentiu a insegurança, o medo de falhar no
momento decisivo durante a descida...
— Acho que seria mesmo melhor que Irmina ficasse — disse a Rhodan. — Poderia
dar-nos uma excelente cobertura evitando que os homens de Anaka entrassem nas
instalações subplanetárias.
Rhodan compreendeu a situação.
— Não temos tempo para discutir — disse. — Espero que tenha consciência do
perigo a que se exporá, Irmina.
Irmina sorriu ligeiramente. Na verdade, aquilo era uma forma de suicidar-se. Mas
talvez conseguisse deter o Coronel Anaka algum tempo, permitindo que seus
companheiros manipulassem os controles do sistema hiperinpotrônico,
Fellmer Lloyd desceu pelo poço escuro. Orientou-se pelos pensamentos dos dois
homens que estavam à espera no fim do elevador antigravitacional. Estavam dispostos a
matar sem contemplação qualquer intruso. E tinham certeza da vitória.
Seus pensamentos ficavam expostos à frente de Lloyd que nem um livro aberto,
mas ele não conseguiu descobrir por que se sentiam tão seguros. Não dedicavam nenhum
pensamento à surpresa que reservavam para os intrusos.
Os dois guardas não diziam uma palavra. Concentravam-se ao máximo, seus
pensamentos giravam somente em tomo dos intrusos que deviam sair do poço a qualquer
momento. O inferno só começaria depois que todos tivessem posto os pés no chão...
Isso era uma indicação importante.
Lloyd deduziu que não haveria perigo para ele quando saísse do poço. Ainda tentou
descobrir nos pensamentos dos homens quantos intrusos eles esperavam.
Sete!
Os dois guardas pensavam em sete homens. Sabiam que quatro deles usavam trajes
blindados pressurizados. Só podiam ter obtido essa informação do Coronel Anaka pelo
rádio.
O coronel também lhes explicara o que deviam fazer para que os trajes
pressurizados se transformassem numa armadilha mortal para quem os usava. Se alguma
coisa não desse certo, os dois guardas usariam os desintegradores. Não corriam perigo no
esconderijo seguro em que se encontravam, pois sabiam que os intrusos só usavam armas
paralisantes. E contra estas eles estavam protegidos atrás da grossa parede blindada.
Lloyd fez contato telepático com Rhodan e o fez trocar a arma paralisante pelo
desintegrador. Também informou Rhodan sobre a armadilha que fora montada no hall,
mas lamentava que por enquanto só sabia que os trajes blindados seriam sua desgraça.
— A única coisa que podemos fazer — telepatizou Lloyd — é tirar os trajes
pressurizados ou contornar o hall.
Depois que Whisper transmitiu a notícia a Rhodan, este sinalizou:
— Continue investigando, Fellmer!
Os pensamentos de Lloyd foram desviados por alguns segundos para Irmina. Cerca
de vinte homens de Anaka cercavam as duas torres, mas ela ainda não fora obrigada a
defender-se. Parecia que Anaka queria aguardar o resultado da ação dos dois guardas.
Enquanto isso Irmina fazia experiências com Wyne Thauss, mas não conseguira reanimá-
lo por meio da regeneração das células. Ficou desesperada, porque acreditara que seria
capaz de ajudar Thauss se sua faculdade fosse mais desenvolvida.
Depois disso Lloyd voltou a dedicar sua atenção aos dois guardas. Estava a menos
de cem metros do fundo do poço e já recebia seus pensamentos de forma bem clara. Mas
ainda não descobrira que cilada tinham preparado.
— Como um traje blindado pressurizado pode transformar-se numa armadilha para
quem o usa?
Fellmer Lloyd concentrou-se nesta pergunta até que seus pés tocaram no chão.
Ainda não encontrara a resposta. Perry Rhodan e os outros pousaram atrás dele. Mas não
saíram do poço.
Viram à sua frente um hall amplo, de teto alto, no qual brilhava uma luz verde fria.
— Foi detonado... as radiações fazem efeito... a carga dos reatores de fusão dos
trajes pressurizados aumenta, ficam superaquecidos...
Foram os pensamentos de um dos dois homens que esperavam num corredor lateral,
no fim do hall, com um desintegrador sobre rodas.
— Saiam dos trajes pressurizados! — gritou Lloyd com a voz abafada. — Os
reatores foram aquecidos por meio de teleimpulsos hiperenergéticos. Podem explodir a
qualquer momento.
— Droga! — exclamou Rhodan, enquanto abria o fecho magnético de seu traje.
Lloyd saiu correndo. Tirou o traje pressurizado sem interromper a corrida. Quando
chegou ao fim do hall, todos os fechos estavam abertos. A única coisa que tinha de fazer
era sair do traje pesado. Mas não o jogou fora.
Atlan e Rhodan aproximaram-se com o engenheiro de hipercomandos e o ezialista.
Só usavam os uniformes.
— Cuidado! — gritou Lloyd, atirou seu traje pressurizado no corredor em que
estavam os dois guardas e saiu correndo pelo corredor principal. Os outros seguiram-no.
Ouviram o desintegrador ser movimentado atrás deles para persegui-los. Mas não
chegou longe.
Houve três explosões seguidas, que sacudiram as instalações subplanetárias.
Paredes de aço maciço arrebentaram, o chão abriu-se, o teto desabou. O desintegrador foi
levantado e atirado através do hall, onde explodiu no inferno das energias liberadas.
Depois que o abalo causado pelas explosões acabou, Rhodan e os outros saíram dos
esconderijos.
— Foi por pouco — disse Atlan.
— Nossos problemas ainda não acabaram — disse Lloyd. — Anaka deu ordem de
atacar. As explosões devem ter acionado um alerta automático. Seus homens estão
atacando as duas torres.
Lloyd fez votos de que Irmina aguentasse até que tivessem colocado em
funcionamento a ligação principal do plasma central com o sistema hiperinpotrônico.
Mas não tinha muita esperança.
Ainda faltava muito para chegarem ao bloco biopon.
13

Irmina não se iludiu. Sabia que podia pôr fora de combate muitos inimigos, mas
também sabia que com isso só conseguiria retardar a derrota.
Mas já valia muito. Tinha de conseguir mais tempo para Perry Rhodan e seus
companheiros. Cada minuto os levaria mais perto do bloco biopon.
Irmina lançou mais um olhar para o poço antigravitacional. No fundo não faria
nenhuma diferença que sofresse um colapso mental na descida ou que esperasse o fim na
torre. A única coisa que importava no momento era manter sua posição enquanto isso
fosse possível.
De repente teve uma ideia que podia ajudá-la a ganhar tempo. Achava que já não
importava que a presença de Perry Rhodan no mundo dos Cem Sóis continuasse em
segredo ou não.
Irmina foi à sala de rádio e rastreamento, que fora separada em parte do sistema
hiperinpotrônico porque o Coronel Anaka queria que os aparelhos fossem operados por
seu pessoal.
Uma vez na sala, foi ativando todos os aparelhos de rastreamento, os rastreadores de
massa e energia, o radar, o rastreamento infravermelho e o sistema de detecção ótica.
Irmina olhou para a galeria de telas de imagem que mostravam os arredores das duas
torres.
Dez plataformas de transporte tinham pousado. Delas desceram cem homens
armados. Muitos deles provavelmente pertenciam à guarnição da base terrana. Irmina não
podia imaginar que estes homens fossem completamente leais ao Coronel Anaka. Mas
sabia que Anaka conseguira atraí-los por meio de mentiras.
Vinte planadores de um ocupante descreviam círculos em cima das torres. Num
lugar mais afastado, a cerca de um quilômetro de distância, havia um exército de pos-bi.
Os robôs positrônico-biológicos estavam esperando. Parecia que não tinham sido
informados das tarefas que iriam cumprir.
“Pelo menos estes não representam nenhum perigo”, pensou Irmina e ligou o rádio.
Começou a falar com a voz calma e controlada. Depois de repetir a chamada duas vezes o
Coronel Anaka respondeu.
— Ainda bem que vocês se dignaram fazer contato — disse sua voz histérica. —
Isso pode representar sua salvação. Acabo de dar ordem de ataque. Mas ainda posso
chamar meu pessoal de volta. Rendam-se!
— O senhor não está avaliando corretamente a situação, coronel — respondeu
Irmina. — Entrei em contato com o senhor para dar-lhe uma chance. Se capitular
imediatamente, Perry Rhodan talvez tenha compaixão e não o faça suportar todo o peso
da responsabilidade.
Uma confusão de vozes saiu do alto-falante. Irmina sabia que eram os homens da
guarnição terrana que tinham ouvido a conversa.
— Que é isso? — exclamou o Coronel Anaka aborrecido. — Perry Rhodan está
morto. Estava a bordo do jato espacial derrubado por mim.
— É verdade — confirmou Irmina. — Mas antes que o jato explodisse, Perry
Rhodan, Atlan, Fellmer Lloyd e eu saímos. Neste momento o Administrador-Geral e seus
companheiros dirigem-se ao bloco biopon.
Mais uma vez o alto-falante transmitiu um murmúrio, que primeiro era uma
expressão de surpresa, depois de aborrecimento, e finalmente de raiva e ódio. Os homens
da guarnição terrana sentiram-se traídos pelo Coronel Anaka. Comunicaram-lhe em
palavras apaixonadas que nestas condições não lutariam por ele.
— Se vocês se acovardam de repente só porque o inimigo se chama Rhodan tratem
de dar o fora — gritou o Coronel Anaka. — Não quero covardes em minhas fileiras.
Meus homens e eu saberemos enfrentar a situação sozinhos.
— O senhor já se deu conta de que com essa atitude se coloca abertamente contra os
interesses da humanidade em seu todo? — advertiu Irmina.
O Coronel Anaka parecia ter perdido completamente o autocontrole.
— Quero que a humanidade vá para o inferno — gritou. — Declarei que o mundo
dos Cem Sóis é um planeta paradisíaco e quero que ele seja reservado exclusivamente
para a elite de todos os povos galácticos.
— É sua última palavra, coronel?
— Como estou falando com uma mulher, faço-lhe mais uma oferta. Saia da torre e
renda-se. Não gostaria de medir forças com uma mulher frágil.
— Saberei defender-me.
— Seja o que quiser.
Dali a instantes Irmina sentiu uma força invisível tentando apoderar-se de sua
mente. Mas conseguiu defender-se do ataque parapsíquico do hipno. A faculdade do
Coronel Anaka era muito fraca para produzir o efeito desejado a uma distância tão
grande.
Irmina concentrou-se na luta que tinha pela frente.
***
Os membros da guarnição terrana foram levados às plataformas de carga pelos
arautos do paraíso e mandados de volta para Suntown. O Coronel Anaka convocou seus
seguidores fiéis pelo rádio, pedindo-lhes que abandonassem seus postos no porto espacial
e na cidade e se dirigissem o mais depressa possível às instalações do plasma central.
Em seguida deu o sinal de ataque.
Os planadores de um ocupante pousaram e deles saíram homens pertencentes aos
mais diversos povos, armados até os dentes.
Os atacantes aproximaram-se devagar. Eram foras-da-lei, renegados, mas ainda
tinham um senso de decência. Não gostavam de aproveitar sua superioridade diante de
uma mulher.
O rosto de Irmina crispou-se num sorriso. Depois que usassem seu dom
parapsíquico, os homens logo perderiam toda inibição.
Irmina esperou que os primeiros atacantes chegassem a cinquenta metros antes de
dar o golpe.
Escolheu a primeira vítima na tela de imagem. Tratava-se de um ertrusiano que
levava uma arma narcotizante pesada e ia na primeira fileira. Irmina concentrou-se em
sua coxa musculosa.
Fixou o olhar num feixe de músculos, concentrou-se nos bilhões de células — e
reagrupou-se. As células mudaram de aspecto, alongaram-se e assumiram a forma de
fusos...
O ertrusiano gritou de repente, suas pernas cederam e ele caiu esticado. Seus
companheiros espantaram-se ao vê-lo contorcer-se de dores aparentemente sem motivo.
De repente o vizinho do estrusiano também cambaleou. Largou a arma térmica
como se tivesse ficado incandescente. Esticou os braços, as mãos começaram a deformar-
se.
A mesma coisa aconteceu com mais dois homens.
Quatro epsalenses que estavam chegando à torre e queriam tomar de assalto a
entrada caíram e entraram em convulsões. O efeito fora produzido por uma inchação dos
gânglios cerebrais.
Só então os atacantes se deram conta de que aquilo não acontecia por acaso. A
inteligência não conseguia compreender, mas o instinto lhes disse que as baixas entre os
companheiros resultavam de uma ação orientada.
— Vamos tirar essa bruxa dali! — juraram.
Foi o momento em que suas dúvidas desapareceram de repente.
Irmina só percebeu a mudança do estado de espírito dos inimigos no subconsciente.
Seus olhos viram que os atacantes já não se mostravam hesitantes, mas investiam contra
as duas torres. Mas ela mergulhou inteiramente no micromundo que se abria diante de
seu espírito.
Não se dispersou mais em contemplações e ações isoladas. Passou a concentrar-se
nos cérebros dos homens. O fascínio não emanava somente da camada corticóide do
cérebro, de onde partiam todos os nervos motores e sensoriais. Somente o córtex de um
cérebro continha dez bilhões de células nervosas, cujas ramificações fibrosas cheias de
medula preenchiam o interior do hemisfério. O comprimento desses condutos nervosos
era de 480.000 quilômetros — e cada centímetro deles reagia aos estímulos parapsíquicos
de Irmina.
Que tarefa para uma metábio-agrupadora, transmitir seus impulsos às vias motoras e
sensoriais e impor-lhes uma vontade estranha. Que tarefa era não matar essas vias, mas
somente transformá-las. Influenciar as vias responsáveis pelos movimentos da cabeça, ou
aquelas que deviam processar as impressões óticas colhidas pelos olhos.
De repente os homens tiveram a impressão de que estavam cegos. Seus olhos
absorviam as ondas eletromagnéticas da luz, mas não as viram.
Outros pararam de repente. Não conseguiam mover as pernas. Ficaram paralisados.
Ainda outros perderam de repente o controle das pernas, que passaram a executar
movimentos desordenados afastando seus donos das torres.
Havia homens que perdiam a capacidade de orientação... Outros caíram
inconscientes depois que as funções motoras do corpo pararam de repente para só voltar
aos poucos... Outros homens perdiam a audição...
Irmina não se sentiu triunfante. Ficou assustada com a capacidade horrível que
representava o metábio-reagrupamento. Pensou no que poderia acontecer se um homem
sem escrúpulos como Anaka dominasse o metábio-reagrupamento...
Anaka certamente não se preocuparia em evitar que suas vítimas sofressem lesões
permanentes. Irmina agia com cuidado, para que os sofrimentos dos inimigos fossem
passageiros. Geralmente a regeneração das células progredia rapidamente e reparava os
estragos. Os casos mais sérios seriam resolvidos mais tarde, por meio do tratamento
médico.
— Retirar! Vamos concentrar-nos fora da área de perigo! — soou a voz histérica do
Coronel Anaka saída do receptor.
Irmina respirou aliviada. Mas de repente sentiu impulsos estranhos no cérebro, que
a obrigavam a usar sua faculdade contra si mesma.
“Mate-se, Irmina, mate-se!”
Primeiro pensou que fosse um ataque de fobia, mas logo percebeu que o Coronel
Anaka estava atrás disso. Tentava usar os mesmos meios que ela.
Era um hipno, e acabaria impondo sua vontade.
14

Chegaram ao pavilhão gigantesco onde estava a figura gigantesca do bloco biopon.


— Irmina alcançou uma vitória parcial sobre Anaka — informou Fellmer Lloyd
enquanto ainda ressoavam em seu interior os pensamentos apavorados dos homens que
Irmina obrigara a fugir. Suas ações nunca tinham sido mortais, mais deixaram
desmoralizados os homens de Anaka.
— Agora conseguiremos — disse Perry Rhodan e passou os olhos pela confusão e
tubos e condutos biopon semi-orgânicos. Seu otimismo desapareceu imediatamente. Já
era difícil identificar os condutores biopon mais importantes sem o respectivo
equipamento técnico. Mas era impossível desmontar os pontos de sangria instalados pelo
Coronel Tahiko Anaka.
O sorriso desapareceu do rosto de Lloyd, dando lugar a uma expressão preocupada.
— Anaka tenta impor sua vontade a Irmina — disse. — Temos de apressar-nos.
Calvan Pratt deu uma risada áspera.
— Isso não é tão fácil. Por onde vamos começar? Podemos levar horas para
localizar o primeiro aparelho de sangria. E demoraremos outras tantas horas para pôr em
funcionamento o condutor principal mais próximo.
Rhodan não ligou para a objeção do engenheiro. Dirigiu-se a Aborq Vallain.
— Perdeu a fala, jovem? Pensei que possuísse um remédio milagroso para localizar
os aparelhos de sangria.
O ezialista estremeceu.
— Desculpe, senhor. Estava refletindo sobre o melhor ângulo em que devemos
colocar os paralisadores para alcançar o melhor efeito de dispersão.
— Paralisadores! — exclamou Pratt. — Para que queremos paralisadores?
— Irmina não demorará a sucumbir às sugestões de Anaka — disse Lloyd neste
instante.
Vallain dirigiu-se ao engenheiro.
— Não seja tão teimoso, Pratt. Que importa que se use um método que o senhor não
conhece? Isso não é motivo de recusar a experiência de antemão. O senhor ouviu que não
temos muito tempo.
— O que o senhor pretende fazer é um absurdo! — insistiu Pratt.
— Pelo menos ouça o que acho que deve ser feito...
— Não é necessário — interrompeu Rhodan. — Faça os preparativos, Vallain.
Todos ajudaremos. Inclusive o senhor, Pratt. Se a experiência falhar, ainda poderemos
usar o método mais demorado. Só faço votos de que não nos faça perder nosso precioso
tempo, Vallain.
— Daqui a dez minutos saberemos se meu método dá certo.
— Tomara que Irmina aguente até lá — disse Lloyd em tom pessimista.
***
De repente Vallain desenvolveu uma atividade febril, de que ninguém o julgara
capaz.
Colocou Rhodan, Atlan e Pratt em linha, a dez metros um do outro. Cada um
recebeu uma arma paralisante regulada na capacidade mínima.
— Regulem a arma na maior dispersão possível e façam pontaria nos setores das
ligações biopon que saem do bloco. Só liguem as armas paralisantes quando eu der o
sinal.
Rhodan e Atlan obedeceram às instruções de Vallain sem fazer comentários. Mas
Pratt resmungou. Não conseguia imaginar que seria possível localizar os aparelhos de
sangria de Anaka usando um método tão rudimentar.
— O senhor não deve ter muita confiança nos métodos de trabalho ezialistas —
comentou Vallain.
Não esperou resposta, mas dirigiu-se a Fellmer Lloyd.
— O senhor tem possibilidade de estabelecer contato telepático com o plasma
central?
Lloyd acenou com a cabeça.
— Sem dúvida.
— Pois então tente irradiar através de todos os contatos principais impulsos
dirigidos ao bloco biopon. Pouco importa de que espécie sejam estes impulsos. O
importante é que haja corrente nos contatos.
— Farei o que pede — prometeu Lloyd.
— Isso é um absurdo — objetou Pratt. — Acha que os contatos biopon podem ter
corrente se os aparelhos de sangria desviam os impulsos para o hiperespaço?
Vallain sorriu.
— Queremos descobrir em que lugar os impulsos são desviados para o hiperespaço.
Provavelmente conseguiremos se usarmos este aparelho.
— Isso é um encefalógrafo que mede as correntes elétricas do cérebro e as
diferenças de potência — disse Pratt em tom de desprezo. — E então? Só com um
aparelho destes o senhor não consegue absolutamente nada. Faltam os acessórios para
determinar a origem das correntes. Os resultados que obtiver serão uma mistura dos
impulsos do plasma central e das correntes de nossos cérebros.
— É só aguardar — disse Vallain em tom de mistério e acrescentou: — Na verdade
tenho dois encefalógrafos, pois espero que Mr. Lloyd coloque à minha disposição sua
capacidade telepática.
— O plasma central está preparado — informou Lloyd. — A partir deste momento
tenta chegar ao bloco biopon através de todos os contatos.
Vallain pediu a Lloyd que ficasse fora do alcance dos raios paralisantes. Ele mesmo
tomou posição do lado oposto. Depois pediu a Lloyd:
— Sua tarefa consistirá principalmente em examinar os contatos principais, a partir
da saída do bloco biopon, à procura dos impulsos mentais típicos do plasma central. É
claro que não encontrará estes impulsos no bloco biopon, pois nem chegarão lá. São
absorvidos no trecho entre a parede e o bloco, ou melhor, são desviados. Por isso peço-
lhe que experimente ao longo dos contatos principais até o lugar em que receber
impulsos.
Lloyd obedeceu. De repente recebeu os impulsos do plasma quinze metros atrás do
bloco biopon. Mas disse:
— Infelizmente não posso traçar uma linha divisória. Só sei que os impulsos são
desviados neste lugar. O aparelho pode ficar em qualquer ponto numa extensão de quatro
metros. É muita coisa.
— É um excelente resultado — afirmou Vallain e dirigiu-se a Rhodan, Atlan e
Pratt: — Liguem as armas paralisantes por um segundo e voltem a desligá-las. Repitam a
operação constantemente. Desta forma se verificará uma paralisação temporária dos
elementos direcionais orgânicos, fazendo com que os impulsos também sejam
interrompidos num ritmo constante. Desta forma o encefalógrafo poderá distinguir as
correntes cerebrais dos homens dos impulsos elétricos do plasma. Isto afasta suas
dúvidas, Pratt?
O engenheiro de hipercomandos ficou espantado.
— Meus respeitos, Vallain. Nem me lembrava disso. Vallain ficou de olho na escala
do encefalógrafo. Apontou-o para o contato biopon. O ponteiro saltou de uma marca para
outra da escala semicircular que nem o ponteiro de segundos de um relógio. Quando
tinha percorrido dois terços da escala, parou. Tiquetaqueou num ritmo de um segundo.
— Descobri — exclamou Vallain. — Bem no lugar em que o raio telepático de Mr.
Lloyd se encontra com o do encefalógrafo. É lá que deve estar depositado o aparelho de
sangria. Mr. Lloyd, guarde o limite de tolerância da direita e indique-o no contato biopon.
Farei a mesma coisa na marcação elétrica por mim apurada. Encontraremos o aparelho de
sangria bem no centro entre os dois pontos.
Realmente foi assim. Rhodan tirou do lugar indicado um cilindro de dez centímetros
de comprimento e menos de dois centímetros de diâmetro, escondido no contato biopon.
— O fato de termos desobstruído um dos contatos principais não basta — disse Lloyd
preocupado. — Se levarmos tanto tempo para encontrar os outros, Irmina está perdida.
— Depois que estivermos treinados, não levaremos mais que uma quarta parte desse
tempo — garantiu Vallain em tom esperançoso.
15

A situação de Irmina era cada vez mais crítica. Mal conseguia pensar. A vontade
estranha que penetrava em seu espírito era cada vez mais forte. Ainda não sucumbira a
ela, mas seus sentidos começavam a ficar perturbados.
Só via as coisas vagamente, como num sonho.
Lá estava a galeria de telas de imagem, na qual apareciam os arautos do paraíso.
Tinham-se retirado. Os planadores descreviam círculos sobre as duas torres. Cinco
plataformas de carga tinham chegado. Delas desceram mais arautos do paraíso.
Irmina sabia que não resistiria mais por muito tempo ao poder sugestionador de
Anaka.
As emanações hipnóticas do Coronel Anaka eram cada vez mais fortes. Não era
somente porque a resistência de Irmina diminuía. Não. O Coronel Anaka devia ter
chegado mais perto. Irmina tentou obter a imagem de suas células, mas não foi possível.
Não conseguia localizá-lo, e por isso não teve como usar suas faculdades contra ele.
Irmina travava uma luta silenciosa, sem esperança.
— Mate-se, Irmina, mate-se!
A ordem foi ficando mais insistente, mais intensa — até parecia que Irmina
desejava reagrupar as células de seu corpo.
Ela rebelou-se. Mas a compulsão interna, que a mandava executar logo o ato final,
era cada vez mais forte. O Coronel Anaka devia estar bem perto.
Irmina olhou para as telas. Os planadores descreviam círculos em cima das torres,
os arautos do paraíso se mantinham a uma distância segura, observando. Os pos-bis...
Uma ideia fascinante.
“Reagrupe as células de seu corpo, Irmina!”
Não.
“Mate-se, Irmina, mate-se!”
Por que não?
Irmina contemplou-se. Estava sentada na poltrona anatômica, com o corpo rígido.
Ainda pensava que tudo não passava de um sonho onde a gente pode ver-se como uma
outra pessoa. De repente teve a impressão de que seu corpo era uma coisa estranha.
Estava na hora de destruí-lo.
— Mate-se, Irmina, mate...!
O pensamento não foi levado até o fim. As sugestões ficaram mais fracas. Irmina
reencontrou seu corpo, viu com seus próprios olhos as imagens dos acontecimentos
projetados nas telas.
Os arautos do paraíso estavam fugindo.
Atiravam aparentemente a esmo enquanto recuavam. De repente apressaram o passo
e saíram correndo. Pararam quando chegaram perto das plataformas de transporte,
voltaram a abrir fogo, mas acabaram capitulando. Alguns dos planadores que circulavam
em cima das torres seguiram em direção ao porto espacial.
As tropas de infantaria subiram nas plataformas e fugiram.
Irmina ficou intrigada. Libertara-se da compulsão, mas não estava compreendendo.
Relês estalavam em torno dela. A maquinaria da torre entrou em atividade sem que ela ou
qualquer outra pessoa tivesse mexido nos controles.
De repente o exército pos-bi apareceu nas telas. Os robôs positrônico-biológicos
começavam a movimentar-se. Avançaram em frente ampla, raios energéticos saíam de
seus braços armados. Dois planadores foram atingidos e caíram.
— Droga! — disse uma voz saída do rádio. — Que aconteceu?
— Não faço ideia. Deu a louca no sistema hiperinpotrônico.
— Estamos sendo atacados pelos pos-bis!
— Isso só pode significar...
Neste momento Irmina percebeu o que isso significava.
Perry Rhodan certamente conseguira restabelecer o contato entre o plasma e o
sistema hiperinpotrônico. O plasma central dominava o mundo dos Cem Sóis. O Coronel
Tahiko Anaka perdera o jogo.
Por isso ele se retirara tão de repente de seu espírito.
O clique dos relês — o ruído vital das instalações robóticas — soava nos ouvidos de
Irmina. O sistema hiperinpotrônico recebia os impulsos do plasma central e processava-
os. O plasma central dava ordens, fornecia instruções, tomava medidas.
De repente o rádio transmitiu uma voz conhecida. Um rosto que Irmina conhecia
apareceu na tela. Era Fellmer Lloyd.
— Vencemos, Irmina — disse Lloyd.
Irmina sacudiu a cabeça.
— Ainda não.
Em seguida saiu correndo da torre. O espaço aéreo estava livre, os planadores
tinham fugido.
Irmina não perdeu tempo. Ativou o jatopropulsor de seu traje blindado e voou atrás
dos planadores.
***
O porto espacial estendia-se embaixo dela. Os arautos do paraíso tinham
estacionado seus planadores e plataformas de transporte perto de uma nave esférica de
sessenta metros de diâmetro do tipo corveta. Saíram correndo para o pequeno veículo e
entravam em pânico. Perto da eclusa havia tumulto, os arautos do paraíso batiam
furiosamente uns nos outros. A paz só voltou a reinar em suas fileiras quando um
contingente de trinta pos-bi se aproximou vindo do edifício de controle.
Os arautos do paraíso entraram em forma e repeliram os pos-bi com algumas salvas
energéticas.
Irmina imaginava que fora o Coronel Tahiko Anaka que restabelecera a calma e a
disciplina nas fileiras de seus subordinados. Tentou identificá-lo em meio às figuras que
voltavam a dirigir-se à corveta, mas não foi possível.
Por isso desceu para ver melhor os detalhes.
De repente reconheceu o Coronel Anaka.
De repente estava isolado dos outros, com as pernas afastadas e a cabeça jogada
para trás. Parecia tê-la visto.
Irmina reduziu a velocidade, e acabou parando cem metros acima dele, usando o
projetor antigravitacional.
O cérebro de Anaka abria-se diante dela que nem uma gravura gigantesca,
abrangendo todo o universo com seus bilhões de células. Irmina não teve nenhuma
dificuldade em separar a gigantesca massa cinzenta em suas diversas partes. Caminhou
pelos labirintos do palio, penetrou no cerebelo até o núcleo do cérebro, roçou a pituitária
e atravessou os centros visuais e auditivos sub-corticais ligados ao cerebelo.
Irmina hesitou, indecisa sobre como pôr Anaka fora de ação. Seu plano era eliminar
seus dons resultantes da mutação por meio de uma interferência bem orientada no
cérebro, transformando-o.
Mas a hesitação foi sua desgraça.
Anaka foi mais rápido. Visou-a e desferiu o golpe.
— Irmina, você vai cair, cair bem fundo!
A ideia terrível apareceu de repente em seu espírito. Irmina olhou para baixo — e
de repente parecia ver as coisas com olhos bem diferentes. A fobia profundamente
enraizada despertou de repente. Estava suspensa cem metros acima do solo! Se o projetor
antigravitacional falhasse — ou se ela o desligasse — ela cairia e se despedaçaria de
encontro ao solo.
Irmina sentiu tonturas. Os contornos dos objetos desmanchavam-se diante de seus
olhos...
O sol Bolo irradiava um calor forte. O corpo enorme do Marcha-Muito subia e
descia a cada movimento de suas trinta e seis pernas-tronco que tamborilavam a rocha
num ritmo monótono. O sol Bolo deixou-a ofuscado. O sol Bolo irradiava um calor forte.
Em seus ouvidos ressoava um tamborilar tão forte que ela achou que sua cabeça
arrebentaria de um momento para outro. E subia e descia... Descia.
Os dedos de Irmina tomaram-se independentes e desligaram o projetor
antigravitacional. Ela caiu.
Foi como nos pesadelos que já experimentara. Caía num abismo sem fim e tentava
instintivamente agarrar-se em alguma coisa. Mesmo que fosse apenas uma pequenina
cultura de células na qual pudesse segurar-se. Seu espírito estendeu os tentáculos
tentando encontrar alguma coisa.
Mas não! Ainda havia a massa cinzenta, que abrangia todo o universo. Viu-a à sua
frente, a figura gigantesca com seus inúmeros gânglios, bilhões de divisões, setores e
centros. Com zonas que serviam para ouvir, ver, cheirar, sentir sabores, os centros das
funções motoras e sensoriais, os pontos de coordenação... Tálamo e hipotálamo.
E a área reservada à capacidade sugestiva.
O cérebro de um hipno.
Do Coronel Tahiko Anaka!
— E eu estou caindo!
O espírito de Irmina agarrou-se desesperadamente ao único ponto de referência que
podia atingir com seus poderes sensoriais parapsíquicos. O pânico, as angústias, tudo isso
se descarregou de maneira parapsíquica, a força espiritual liberada precipitou-se sobre a
figura gigantesca feita de trilhões de células — sobre o cérebro do Coronel Anaka.
Irmina sentiu-se aliviada depois de descarregar suas angústias em uma única
explosão. Parecia mudada — e de repente soube o que devia fazer.
Devia ligar seu projetor antigravitacional para não espatifar-se sobre o piso do porto
espacial. Dali a pouco pousou suavemente. A menos de dez metros de distância estava o
Coronel Anaka com os membros retorcidos de uma forma estranha. Uma massa disforme
saía da parte traseira de seu crânio.
Irmina virou o rosto para outro lado. Não quisera isso.
Atrás dela estava decolando a corveta que levava os arautos do paraíso.
Não chegaram longe. Quando a pequena espaçonave se encontrava a 500.000
quilômetros do mundo dos Cem Sóis, o plasma central tomou a iniciativa. Apesar de
Rhodan ter pedido que deixassem fugir os renegados, o plasma abriu fogo com canhões
conversores pesados e destruiu o veículo espacial esférico.
16

Rhodan olhou pela parede de vidro alta. Viu o porto espacial, onde haviam pousado
dez naves de transporte de 2.500 metros de diâmetro.
O pouso se verificara há três dias, mas a operação de descarga ainda não fora
concluída. Máquinas e equipamentos técnicos continuavam a ser tirados do ventre das
naves por meio de guindastes antigravitacionais para serem colocados sobre grandes
plataformas de carga que faziam o transporte para os centros científicos de Suntown.
Os oitenta mil técnicos e cientistas de Last Hope, homens e mulheres pertencentes a
todos os povos da Via Láctea, tinham sido alojados em Suntown assim que chegaram.
Ficaram entusiasmados com o conforto das residências, a excelente alimentação e a
planta das instalações.
— Aqui pode-se trabalhar à vontade — disse Waringer ao ser informado por Perry
Rhodan de que assumiria a direção dos trabalhos de pesquisa em Last Hope. — Disponho
de excelentes recursos técnicos e posso contar com uma equipe de especialistas de
primeira. Assim que a confusão diminuir um pouco começaremos a trabalhar para
descobrir um meio contra a deterioração mental.
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— Você tem de trabalhar a todo vapor para encontrar um meio de anular a
influência da manipulação da constante 5D sobre as formas de vida da Via Láctea —
disse. — Terá todo nosso apoio, Geoffry. Tirarei imunes de toda parte, da Terra, de
Olimpo, de Quinto Center e das outras estações e os encarregarei de reunir especialistas
de todas as áreas técnicas e científicas que se transformaram em débeis mentais para levá-
los ao mundo dos Cem Sóis. Você vai ver. Dentro de muito pouco tempo terá mais
colaboradores. Foi feito tudo para finalmente pôr fim ao caos reinante na Galáxia.
— E você? Quais são seus planos? — perguntou Waringer.
— Primeiro nos dirigiremos a Quinto Center com a Gonozal. Lá serão trocados os
conversores lineares bastante gastos.
Neste momento Aborq Vallain juntou-se a eles. O ezialista devia ter ouvido as
palavras de Rhodan, pois disse:
— Sugiro que um dos comandos de imunes se dirija a Umtar. Sei que os cientistas
convencionais ainda fazem pouco do ezialismo. Mas garanto que o resultado que alcancei
junto ao bloco biopon não foi um caso isolado. Garanto que o senhor não se arrependerá
se der uma chance ao ezialismo, senhor.
— Recebo seu conselho com a maior boa vontade — disse Rhodan. — Que tal se
lhe cedesse uma nave com a respectiva tripulação para que possa ir a Umtar?
— Aceitaria com muito prazer.
— Combinado — disse Rhodan e olhou para o pavilhão, onde acabava de aparecer
Irmina Kotchistowa acompanhada do psicodinâmico Dr. Kayasho. Atlan e Fellmer Lloyd
olharam na mesma direção. Fitaram a metábio-agrupadora com muito interesse.
— Então? — perguntou Lloyd ansioso.
O rosto de Irmina trazia uma expressão de indiferença.
— Prefiro que perguntem ao Dr. Kayasho como estou.
— A senhorita está nos deixando curiosos — disse Atlan. — Queira ter a bondade
de informar-nos, Dr. Kayasho.
— Está sob os efeitos do choque — respondeu o psicodinâmico.
— Quer dizer que o conflito parapsíquico com o Coronel Anaka produziu um
choque em Irmina? — perguntou Fellmer Lloyd.
O Dr. Kayasho sorriu.
— O que quero dizer é que o choque produziu a cura. A fobia de Miss Kotchistowa
não existe mais. Durante a queda e na iminência da morte que parecia inevitável ela
desenvolveu a verdadeira angústia, que eliminou a angústia aparente da fobia.
— Tem certeza absoluta, Dr. Kayasho? — quis saber Rhodan. — Deve estar
lembrado que certa vez atestou que Irmina estava apta para o serviço — o que só era
verdade em parte.
— Desta vez tenho certeza — garantiu o Dr. Kayasho um pouco embaraçado.
— Pode acreditar no que ele diz, senhor — observou Aborq Vallain. — Estudei
pessoalmente o caso de Miss Kotchistowa e posso confirmar o diagnóstico do Dr.
Kayasho.
— Lorotas! — disse o Dr. Kayasho e deu as costas ao grupo.
Dissera tudo que em sua opinião devia ser dito a respeito do ezialismo.
Rhodan sorriu satisfeito.
— Quer dizer que não existe nenhum inconveniente em levá-la para Quinto Center,
Irmina. Poderia partir dentro de duas horas?
— Minha bagagem está a bordo da Gonozal — disse a metábio-agrupadora.
Rhodan dirigiu-se a Aborq Vallain.
— Também poderemos contar com o senhor daqui a duas horas?
— Estou sempre preparado — assegurou Vallain. — Tudo de que um ezialista
precisa para sua atividade eu trago na cabeça — uma inteligência sadia.
— Lorotas! — voltou a dizer o Dr. Kayasho e afastou-se orgulhosamente com a
cabeça erguida — dos pés à cabeça o símbolo do desprezo pela integração extracerebral.

***
**
*

Oitenta mil homens e mulheres que recuperaram o


juízo encontraram um novo lugar para ficar — além da
chance de usar os recursos da técnica e da ciência para
lançar uma ação decisiva contra o “Enxame”.
Sem dúvida seu trabalho não demorará a trazer
frutos, mas antes disso voltaremos a Sandal Tolk. O
vingador da Exota Alfa encontra-se a bordo de uma
nave dos assassinos e chega ao planeta dos vulcões.
Suas aventuras serão contadas no próximo volume
da série Perry Rhodan, cujo título é A Pista do
Vingador.
Visite o Site Oficial Perry Rhodan:
www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


Não perca a chance de conhecê-lo e/ou se associar:

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?
cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1

You might also like