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EDUARDO NASSER
RESUMO
ABSTRACT
The aim of the text is to present Heidegger´s interpretation of the eternal recurrence in Nietzsche,
trying to bring forward the conclusions raised by this specific reading.
Introdução:
Será que, ao invés de interpretar Nietzsche, Heidegger não lança sobre a filosofia
nietzschiana somente sua preocupação da história da filosofia como história do
Ser?
O livro de Heidegger, bastante anacrônico uma vez que é composto por aulas e
artigos, dedica duas exposições sobre a doutrina nietzschiana do eterno retorno do
mesmo. Uma de 1937 (O Eterno Retorno do Mesmo), e outra, menos espaçosa, em
1940 (A Metafísica de Nietzsche)5. Se acompanharmos a organização cronológica
feita por Cragnolini, o primeiro texto corresponde à fase de Nietzsche como
1
Cragnolini, M.- Nietzsche por Heidegger: Contrafiguras por uma Perda in: Cadernos Nietzsche 10- pg. 13
2
Vattimo, G.- As Aventuras da Diferença- pg. 85
3
Nietzsche, F.- Derniéres Lettres- pg. 45
4
Smith, D.- Transvaluations: Nietzsche in France 1872- 1972- pg. 188
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seguida o filósofo da floresta negra deixa claro que o que ele entende por Dasein
nada tem de familiaridade com o pensamento nietzschiano. Como veremos adiante,
Heidegger está antecipando as principais características que deixam a filosofia de
Nietzsche ainda submetidas à categorias metafísicas.
Ao desenvolver a apresentação da doutrina em Assim Falou Zaratustra, Heidegger
entende um alargamento das conseqüências apontadas na Gaia Ciência, uma vez
que Zaratustra é a figura que expressa a transformação do homem em super
homem ao compreender o eterno retorno.
Se concentrando no capítulo Da Visão e do Enigma, Heidegger descreve uma certa
posição “negativa” de Nietzsche diante da anunciação. O problema da linguagem
estaria conectado àquele do pensar. Se o anão, ao lado de Zaratustra diante do
portal “instante”, tenta intelectualizar o enigma dentro de um mecanicismo do
círculo, e confia esse reducionismo à linguagem, em seguida é eliminado dos
domínios da doutrina por sua incapacidade de pensar. Pensar aqui é um outro
pensar. Não um pensar de anões, mas um pensar o enigma esperando que ele se
torne maior e mais sombrio. O mesmo problema reaparece para o Zaratustra
convalescente quando os animais (que querem se comportar como homens)
tentam significar o retorno em arranjos do entendimento e linguagem:
Não foram as coisas presenteadas com nomes e sons, para que o homem se
recreie com elas8?
Essa condição leva Heidegger a creditar uma estrutura simbólica desenvolvida por
Nietzsche, procurando projetar o devir que escapa do inteligível (daí a serpente e a
águia se enroscando iluminarem uma visão mais apropriada do enigma). Afinal há
uma diferença do “círculo” do anão e o círculo, já que o anão, mesmo que
representando uma variação pessimista do último homem, ainda está envolvido
pelo “falatório”9 da cotidianeidade, da mediania. A experiência do instante (a
decisão) do retorno viria, logo, recuperar o sofrimento e o “grito” necessário para
superar a tentação de intelecção da doutrina, e alcançar o “divino”. Em referência
ao aforismo 56 de Além do Bem e do Mal, Heidegger considera que a experiência
do instante acaba por afastar Nietzsche de um ateísmo gratuito, já que deus, e não o
Deus moral, se encontraria na culminação do retorno. O que Heidegger insinua, ao
afastar Nietzsche do materialismo e do agnosticismo, (além do que, essa doutrina
não teria parentesco com algum pressuposto científico), é que seu pensamento foi
muito além de uma mera laicização, e em certa medida, se aproximando da questão
do Ser. Ora, Nietzsche visto por Heidegger, procurou desenvolver um panorama
que não compreenda só um indivíduo no instante criador, mas uma decisão
histórica, uma crise. E o nome dessa crise foi o niilismo. Ao elaborar o eterno
retorno, Nietzsche teria como projeto o de experimentar todas as formas de
niilismo, que seria superado pela vontade de criar. Quando Heidegger recupera a
última passagem Da Visão e do Enigma, onde o pastor está sendo engasgado pela
gorda serpente negra (o niilismo), Nietzsche sabia que não poderia eliminar o
8
Idem- Assim Falou Zaratustra- pg. 224
9
Termo do léxico heideggeriano empregado na pg. 252, colocando mais um problema de recuperação do
sentido do Ser (fartamente desenvolvido em Ser e Tempo), que propriamente o paradoxo da linguagem para
Nietzsche.
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Ao que parece, para Heidegger, mesmo que Nietzsche tenha se utilizado de recursos
que suspendam a metafísica (a sua “teologia negativa”; o discurso simbólico), ele
ainda continua envolvido nela. Pois, ao considerar o é do ente em sua totalidade
sendo vontade de poder e o ente em sua totalidade sendo eterno retorno, ele não
realiza o seu projeto inicial de inversão do platonismo. Não só não elimina, como
solidifica o platonismo, uma vez que se pense ter se livrado dele. Se no capítulo A
Vontade de Poder como Arte, existia ainda alguma dúvida se Nietzsche havia de
fato superado o platonismo, a resposta nos chega agora sem nenhum
constrangimento. Nietzsche, ao não alcançar o início inicial (o Ser), se mantém
ainda coberto pela malha da história metafísica.
III- Os Problemas da Leitura Heideggeriana.
Como acabo com o fatalismo: 1. Pelo eterno retorno e pela preexistência. 2. Pela
liquidação do conceito de vontade14.
Segundo Smith, enquanto Heidegger propõe o eterno retorno como eterno retorno
do mesmo (uma metafísica do tempo), Deleuze encontraria aí uma limitação
decorrente dos limites da diferença ontológica, pois Heidegger ainda pensaria em
termos de identidades19.
12
Sartre, J.P- A Náusea- pg. 196/ Não só Nietzsche foi o alvo desses ataques, mas no artigo Un Nouveau
Mystique, Sartre distingue duas linhas filosóficas: a da contingência irredutível, e a que compreende uma
espécie de misticismo, composta por Kierkegaard, Nietzsche e Bataille- Louette, J.F- Sartre Contra Nietzsche-
pg. 39
13
Fink, E.- A Filosofia de Nietzsche- pg. 203
14
Nietzsche, F.- Fragments Posthumes 1884 / 25(214)- pg. 84
15
Smith, D.- Transvaluations: Nietzsche in France 1872- 1972- pg. 151
16
Klossowski, P.- Nietzsche e o Círculo Vicioso- pg. 90
17
Idem- pgs. 63- 94; 115- 142
18
Deleuze, G.- Difference et Repetition- pg. 91
19
Smith, D.- Transvaluations: Nietzsche in France , 1872- 1972- pg. 146
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Posteriormente presente no livro Eperons: Les Styles de Nietzsche. Em outra oportunidade, Derrida na
Gramatologia ,dedica igualmente uma breve passagem ao problema da leitura de Heidegger, onde procura
salvar Nietzsche dessa interpretação, compreendendo este como o libertador do significante e de uma
escritura sem verdade original- pg. 23
21
Heidegger, M.- Nietzsche I- pg. 197/ 198
22
Klossowski, em uma nota sobre a semiótica de Nietzsche na obra Nietzsche e o Círculo Vicioso, alerta
igualmente para o engajamento nietzschiano em uma escrita que não esteja em conformidade com a coerência
do intelecto, mas em coerência com os processos pulsionais. Daí os aforismos serem a forma mais evidente
desse projeto.- ver pg. 283
23
Derrida, J.- La Question du Style in: Nietzsche Ajourd´hui? - pgs. 235- 270
24
Heidegger, M.- Identité et Différence in: Questions I- pg. 275
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Referências Bibliográficas:
CRAGNOLINI, M.- Nietzsche por Heidegger: Contrafiguras para uma Perda in:
Cadernos Nietzsche 10- Discurso Edit.- 2001