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O Museu e o Ensino de História

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Ana Ramos Rodrigues

A palavra museu sempre esteve carregada de um poder ritualizado. Segundo Canclini


“durante muito tempo, os museus foram vistos como espaços fúnebres em que a cultura tradicional
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se conservaria solene e tediosa, curvada sobre si mesma”. Este autor trabalha com o seguinte
conceito de museu:

O museu é a sede cerimonial do patrimônio, o lugar em que é guardado e celebrado, onde se


reproduz o regime semiótico com que os grupos hegemônicos o organizaram. Entrar em um
museu não é simplesmente adentrar um edifício e olhar obras, mas também penetrar em um
sistema ritualizado de ação social. iii

Acredita-se na relevância da visita aos museus históricos, para contribuir sobre o processo
de construção de conhecimento, dentro da disciplina de História, não se restringindo apenas à sala
de aula.
Nesta perspectiva este artigo visa problematizar como se efetiva o ‘ensinar’ e o ‘aprender’
num lugar diferente da sala de aula, observando quais as vantagens e os problemas de levar os
alunos neste espaço de educação não- formal, que é o museu.
Para Meneses, a ação de educar só será completa no momento em que se trabalhar os
museus através de uma formação crítica, onde identidade e história fossem os “objetos seus de
tratamento crítico, até mesmo para fundamentar uma ação educacional legítima e socialmente
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fecunda”.
Conforme Meneses teríamos que conceber um museu histórico, “[...] não como a instituição
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voltada para os objetos históricos, mas, para os problemas históricos”. Sendo que estas instituições
estão reproduzindo a sociedade através de um recorte temporal e espacial.
Sabendo que o museu sempre comunica a ideologia e o poder de uma classe social, de uma
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etnia e de uma geração , a figura do professor de História como regente da preparação e/ou da
visita é fundamental, pois dele partirão o estímulo a uma análise crítica nos objetos expostos ou
uma compactuação com o objetivo da exposição dos mesmos.
A condução da visita, a percepção, os questionamentos e os resultados decorrentes dela estão
relacionados com a preparação prévia da mesma feita pelo professor em sala de aula com os seus
alunos.
Conforme Canclini “o patrimônio existe como força política na medida em que é
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teatralizado: em comemorações, monumentos e museus” , passando a ser reproduzido como algo
pré-concebido:

A teatralização do patrimônio é o esforço para simular que há uma origem, uma substância
fundadora, em relação à qual deveríamos atuar hoje. Essa é à base das políticas culturais
autoritárias. O mundo é um palco, mas o que deve ser representado já está prescrito. As
práticas e os objetos valiosos se encontram catalogados em um repertório fixo. Ser culto
implica conhecer esse repertório de bens simbólicos e intervir corretamente nos rituais que o
reproduzem. Por isso as noções de coleção e ritual são fundamentais para desmontar vínculos
entre cultura e poder. viii

Para que se possa refletir, esta seleção para uma formação de identidade, Canclini apresenta
que o que está sendo celebrado dentro dos museus, como patrimônio é algo pré-selecionado por um
grupo. Se o professor de História, conseguir despertar no aluno esta formação de pensamento, já
está sendo válida a visita à instituição.
Segundo Canclini “Os museus, como meios de comunicação de massa, podem desempenhar
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um papel significativo na democratização da cultura e na mudança do conceito de cultura”.
Sendo assim o museu já não pode mais ser visto como depositário, mas podendo ser
trabalhado como um recurso pedagógico, como coloca Canclini:
As mudanças na concepção do museu – inserção nos centros culturais, criação de ecomuseus,
de museus comunitários, escolares, de sítio – e várias inovações cênicas e comunicacionais
(ambientações, serviços educativos, introdução de vídeo) impedem de continuar falando
dessas instituições como simples depósitos do passado. x

De maneira que o museu através da sua função social de inclusão, também deve ser vista
como um espaço de exclusão, pois a instituição museológica, representa um espaço celebrativo da
memória do poder ou quando trabalhada de forma democrática o poder da memória.
E para corroborar com esta perspectiva cito Canclini, que apresenta a reflexão de Pierre
Bourdieu:

Um dos poucos autores que coloca de forma laica a investigação sobre rituais indagando sua
função simplesmente social, Pierre Bourdieu, observa que tão importante como o fim de
integrar aqueles que os compartilham é o de separar os que se rejeita. Os ritos clássicos –
passar da infância à idade adulta, ser convidado pela primeira vez para uma cerimônia
política, entrar em um museu ou em uma escola e entender o que ali se expõe – são, mais que
ritos de iniciação, “ritos de legitimação” e “de instituição”: instituem uma diferença
duradoura entre os que participam e os que ficam de fora. xi

Uma forma de oportunizar uma mudança é a escola promover, construir e estimular a prática
cidadã, e a criticidade decorrente dessas ações, é viabilizar visitas a museus, contribuindo, assim,
com a construção de conhecimento a partir do sujeito como parte do contexto histórico.
Conforme Chagas a escola é responsável pelo despertar do conhecimento crítico:

É necessário que se conheça para que se possa preservar, a preservação é o fruto de uma
tomada de consciência, a escola atuando dentro da sua função social se torna responsável por
esta ação, de levar seu aluno ao encontro do conhecimento. xii

Ramos afirma ainda que: “ir ao espaço museológico implica necessariamente efetuar
atividades educativas, questionamentos e maneiras, teoricamente fundamentadas, de aguçar a
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percepção para os objetos de exposição”. Assim, trabalhando a visita escolar através do diálogo e
não de forma mecânica, para que esta atividade, não se torne algo acabado e sim que seja possível,
uma reflexão do material exposto.
Neste sentido é de grande importância que o professor de História, trabalhe a visita de forma
temática. Ramos argumenta: “é muito improdutivo percorrer as salas do museu sem fazer
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delimitações para privilegiar certos aspectos”.
Sendo assim, não será possível trabalhar a idéia de construir problemáticas a partir do tema,
desenvolvido em sala de aula, para compor futuras perguntas a respeito das peças expostas, se isto
não estiver relacionado na proposta da visita do professor, ao museu, dentro do seu planejamento
pedagógico. No Brasil, pesquisas mostram que, na maioria das vezes, é somente por meio da escola
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que crianças e jovens das classes em desvantagens econômicas visitam as instituições culturais.
Desenvolvendo uma maior conscientização cultural para professores, alunos e todos
envolvidos, não ficando apenas o museu desenvolvendo seu trabalho e a escola agindo de forma
passiva. É necessário incentivar um maior envolvimento das partes, para proporcionar aos alunos,
um acesso maior a esse tipo de cultura.
De alguma forma a visita é o momento em que muitas percepções podem ser despertadas, os
alunos além de conhecer uma linguagem diferente, através dos objetos expostos podem se
identificar como sujeitos de sua própria história.
Bourdieu afirma que “a cultura não é um privilégio da natureza; pelo contrário, conviria e
bastaria proporcionar meios para tornar possível sua apropriação, assim, ela viria a pertencer a
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todos”.
O professor de história ao retirar seu aluno da sala de aula e levá- lo para um espaço cultural
como o museu, contribuirá para sua formação cultural, pois é o momento em que se tem um contato
direto com evidências e manifestações da cultura, através dos vestígios apresentados nas
exposições, o sentimento de valorização do patrimônio cultural é um processo de descobertas de sua
herança cultural.
A escola e o museu deveriam se unir mais, para trabalharem com maior envolvimento
através desta ferramenta pedagógica. Afinal o museu como espaço de memória, permite ao
visitante, atribuir seus significados, a partir de suas experiências.

i
Licenciada em História (UNISINOS)
http://lattes.cnpq.br/3306855761393197
ii
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução
Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa; tradução da introdução Gênese Andrade. – 4.ed.São Paulo: Ed. USP, 2008.
p.169.
iii
Ibid., 2008, p.169.
iv
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Educação e museus: sedução, riscos e ilusões. Ciências & Letras. Educação e
Patrimônio. Histórico-Cultural. N.27. p.91-101, Edição Jan/Jun. 2000. p. 94-95.
v
Idem, Para que serve um Museu Histórico? Como explorar um museu histórico. São Paulo: Museu
Paulista: USP, 1992. p.4.
vi
Material ministrado por Magaly Cabral no Mini-Curso: Ação Educativa em Museus, 2º Fórum Nacional de
Museu em OuroPreto/MG.
vii
CANCLINI, op.cit., p.162.
viii
CANCLINI, op.cit., p.162.
ix
CANCLINI, op.cit., p.169.
x
Idem, 2008, p.170.
xi
BOURDIEU, apud CANCLINI, 2008, p.192.
xii
CHAGAS, Mário. Museália. Rio de Janeiro: JC Editora, 1996. p.78.
xiii
RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Chapecó: Argos,
2004. p.15.
xiv
RAMOS,op.cit., 2004, p.25.
xv
CAZELLI, 2005 apud MARANDINO, 2008, p. 24-25.
xvi
BOURDIEU, 2003, p.9.

Referências Bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Tradução
Guilherme João de Freitas Teixeira. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Zouk,
2003.

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
Tradução Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa; tradução da introdução Gênese Andrade. –
4.ed.São Paulo: Ed. USP, 2008.

CHAGAS, Mário. Museália. Rio de Janeiro: JC Editora, 1996.

MENESES, Ulpiano Bezerra de. Para que serve um Museu Histórico? Como explorar um museu
histórico. São Paulo: Museu Paulista: USP, 1992.

RAMOS, Francisco Régis Lopes. A d a n a ç ã o d o o b j e t o : o m u s e u n o e n s i n o d e h i s t ó r i a .


Chapecó:Argos, 2004.

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