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Autor

TEMPOS
BELICOSOS
A REVOLUÇÃO FEDERALISTA NO
PARANÁ E A REARTICULAÇÃO DA VIDA
POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO
(1889–1907)
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 3

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prévia autorização da editora.

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Editor: Anthony Leahy

Capa: Duílio David Scrok

ISBN: 978-85-61801-06-9

S454 Sêga, R.A.

Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná


Rafael Augustus Sêga - autor

2ª edição - Curitiba: Instituto Memória, 2008


234 p.

1. História do Paraná 2 . Sul 3. História do Brasil


I. Título.

CDD 981.62
CDU 94(7/8)(81)
4 Rafael Augustus Sêga

Rafael Augustus Sêga

TEMPOS
BELICOSOS
A REVOLUÇÃO FEDERALISTA NO
PARANÁ E A REARTICULAÇÃO DA VIDA
POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO
(1889–1907)

2ª edição

Curitiba – 2008
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 5

www.institutomemoria.com
.br

Conselho Editorial
Formado por profissionais com titulação mínima de Doutor, e sólida experiência acadêmica, os
membros do Conselho Editorial chancelam a qualidade das obras aprovadas para publicação.
Prof. Dr. Luiz Felipe Viel Moreira – COORDENADOR de Santa Maria, Brasil (1985). É professora adjunta da
– Pós-Doutorado pela Universidade Nacional de Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Integra o
Córdoba, Argentina – UNC. Doutor em História Social Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito
pela Universidade de São Paulo, Brasil – USP. Mestre Ambiental.
em História pela Universidade Federal do Rio Grande Profa. Dra. Elaine Rodrigues – Doutorado em História
do Sul, Brasil – UFRGS. Professor Associado do e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista –
Departamento de História e do Programa de Pós- Júlio de Mesquita Filho, Brasil – UNESP (2002). Mestre
graduação em História da Universidade Estadual de em Educação pela Universidade Estadual de Maringá,
Maringá, Brasil – UEM, com pesquisas em História da Brasil – UEM (1994). Graduada em Pedagogia pela
América Latina. Universidade Estadual de Maringá, Brasil – UEM
Prof. Dr. Carlos Roberto Antunes dos Santos – Pós- (1987). Atualmente é professora Adjunta do
Doutorado em História da América Latina pela departamento de Fundamentos da Educação e do
Universidade de Paris III, França. Doutor em História Programa de Pós-Graduação em Educação da
pela Universidade de Paris X – Nanterre, França. Universidade Estadual de Maringá, Brasil – UEM.
Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal Prof. Dr. Rafael Augustus Sêga – Doutorado em
do Paraná, Brasil – UFPR. Professor da Universidade História do Brasil pela Universidade Federal do Rio
Federal do Paraná, Brasil – UFPR. Reitor da Grande do Sul, Brasil – UFRGS. Mestre em História do
Universidade Federal do Paraná, Brasil – UFPR Brasil pela Universidade Federal do Paraná, Brasil –
(1998/2002). Membro do Conselho Nacional de UFPR. Professor da Universidade Tecnológica Federal
Educação (2003/ 2004) e do Conselho Superior da do Paraná, Campus Curitiba – UTFPR. Pós-doutorando
CAPES (2003/2004). em Ciência Política na Universidade Federal do
Prof. Dr. Paulo Roberto Cimó Queiroz – Doutorado Paraná, Brasil – UFPR.
em História Econômica pela Universidade de São Prof. Dr. Luc Capdevila – Pós-Doutorado, Professor
Paulo, Brasil – USP. Mestre em História pela Titular da Universidade de Rennes 2, França, em
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, História Contemporânea e História da América Latina e
Brasil – UNESP. Professor da Universidade Federal de Diretor do Mestrado de História das Relações
Mato Grosso do Sul, Brasil – UFMS. Internacionais. Membro do Conselho Científico da
Prof. Dr. Guido Rodríguez Alcalá – Doutorado em Universidade de Rennes 2 e do Conselho Editorial de
Filosofia, na Diusburg Universität (1983), com bolsa da várias revistas científicas (CLIO Histoire, Femmes,
Konrad Adenauer Stiftung. Mestre em Literatura, na Sociétés; Nuevo Mundo Mundos Nuevos; Diálogos;
Ohio University e The University of New México, com Takwa). Especialista em História Cultural sobre
bolsa de estudos da Fulbright-Hays Scholarship. conflitos sociais contemporâneos, dirige atualmente um
Graduado em Direito pela Universidade Católica de programa de investigação multidisciplinar sobre a
Assunção (Paraguai). Autor de numerosos livros de Guerra do Chaco.
poesia, narrativa e ensaio, tendo já sido publicado no Prof. Dr. Domingo César Manuel Ighina – Doutorado
Brasil a novela Caballero (tchê!, 1994) e o ensaio em Letras Modernas pela Universidade Nacional de
Ideologia Autoritária (Funag, 2005). Córdoba, Argentina – UNC. Diretor da Escola de Letras
Profa. Dra. Jalusa Prestes Abaide – Pós-Doutorado da Faculdade de Filosofia e Humanidades da
na Université de Saint Esprit de Kaslik, Líbano (2006). Universidade Nacional de Córdoba, Argentina.
Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona, Professor da cátedra de Pensamento latino-americano
Espanha (2000). Mestrado em Direito pela da Escola de Letras da Universidade Nacional de
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil – UFSC Córdoba. Membro do Conselho Editorial da Revista
(1990). Graduada em Direito pela Universidade Federal Silabário.
6 Rafael Augustus Sêga

O tempo curto é a mais caprichosa,


a mais enganadora das durações. Daí
procede, entre alguns de nós,
historiadores, uma viva desconfiança
com relação à história tradicional, dita
factual, confundindo-se a etiqueta com
a etiqueta da história política, não sem
alguma injustiça: a história política
não é forçosamente uma história
factual, nem é condenada a sê-lo.
Fernand Braudel
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 7
8 Rafael Augustus Sêga

DEDICATÓRIA
E
AGRADECIMENTOS

Dedico a publicação desse livro ao meu filho Jonas e à minha


mulher Katia, amores da minha vida e razão da minha dedicação.
Quero expressar minha profunda gratidão e sincera estima ao
senhor Cláudio Petrycoski pela publicação da 1ª edição deste traba-
lho e ao editor Anthony Leahy pelo lançamento desta 2ª edição.
Gostaria de externar meu reconhecimento a todos que, de al-
guma maneira, ajudaram-me nessa tarefa, especialmente (em ordem
alfabética) a Antônio Francisco Sêga, Arthur Virmond de Lacerda,
Carlos Alberto de Freitas Balhana, Cláudio Luiz DeNipoti, Cel.
Cláudio Moreira Bento, Daniel Sampaio Figueira, Eloisa Helena
Capovilla da Luz Ramos, Helga Iracema Landgraf Piccolo, Jaques
Mário Brand, John Charles Chasteen, Judite Maria Barboza Trin-
dade, Ivo de Lourenço Júnior, Luís Fernando Lopes Pereira, Márcia
Elisa de Campos Graf, Maria José Secundino, Marli Pinheiro Sêga,
Sandra Jatahy Pesavento, Solange de Oliveira Rocha, Stella Maria
Moreira Barvinski, Tangriani Simioni Assmann, Thelma Belmonte
e Y. Shimizu.
Esse livro foi originalmente apresentado como tese de douto-
rado no Programa de Pós-Graduação em História, linha de pesquisa
“Relações de Poder Político-Institucionais”, do Instituto de Filoso-
fia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, sob orientação da professora doutora Helga Iracema Landgraf
Piccolo, defendida em 30 de maio de 2003.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 9
10 Rafael Augustus Sêga

PREFÁCIO

Tempos belicosos é um trabalho renovador, pois aborda um


tema bastante explorado – o da Revolução Federalista – a partir
de um ponto de vista diferenciado. Em primeiro lugar, por analisar
comparativamente o Rio Grande do Sul e o Paraná, o autor evita
se perder nos encantos do ufanismo regional que tanto tem caracte-
rizado as histórias da Revolução de 1894. Situar elites políticas e
econômicas, enfatizando distinções e semelhanças em um contexto
específico e explosivo contribui para essa característica do trabalho.
Por sua vez, ao relativizar as análises, o autor não incorre
nos juízos de valor sobre os personagens envolvidos neste fenôme-
no revolucionário, juízos esses que acompanham visões mais tradi-
cionais da história do Brasil – em particular um certo memorialis-
mo, ainda cultivado no âmbito da política regional.
Nesse sentido, a abordagem historiográfica rende ao autor a
possibilidade de investigar processos de construção de memória
regional, à medida que o evento revolucionário é abordado de
acordo com diferentes olhares políticos, ao longo dos últimos cem
anos. No caso específico da historiografia paranaense – alvo prin-
cipal do estudo – a investigação amplia enormemente a compreen-
são sobre processos de reescrita da memória.
Some-se a essas características o fato de o trabalho com as
fontes permitir ao autor – e seus leitores – a compreensão dos pro-
cessos discursivos relativos a essa memória; e temos um livro que
traz uma valiosa colaboração à historiografia brasileira quanto a
processos de legitimação e apropriação do poder.

Cláudio DeNipoti
Historiador, Doutor em História
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 11
12 Rafael Augustus Sêga

S U M Á RI O

INTRODUÇÃO........................................................................... 13
CAPÍTULO 1
O solapamento do império e os prenúncios da República ....... 31
1.1. A política imperial ........................................................... 32
1.2. As dificuldades da implantação da República no Brasil ...57
CAPÍTULO 2
Os percalços do novo regime e a Revolução Federalista ......... 75
2.1 A trama episódica ............................................................. 86
2.2 A urdidura historiográfica ............................................... 108
CAPÍTULO 3
A Revolução Federalista no Paraná e a rearticulação da vida
político-administrativa do Estado...................................... 123
3.1 A formação histórica do Paraná ...................................... 124
3.2 O contexto socioeconômico da Província do Paraná ....... 131
3.3 A dinâmica político-partidária do Paraná
no século XIX ................................................................. 146
3.4 As representações no discurso político da imprensa
paranaense...................................................................... 156
3.5 Ensaio biográfico ............................................................ 195
3.6 O “consulado” de Vicente Machado ............................... 209
CONCLUSÃO ........................................................................... 217
REFERÊNCIAS ........................................................................ 221
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 13
14 Rafael Augustus Sêga

INTRODUÇÃO

O objetivo central do presente trabalho é estudar a sociedade


política paranaense nos primeiros anos da República, mais especifi-
camente o governo do Estado entre 1889 e 1907. O tema a ser tra-
tado diz respeito à rearticulação da vida político-administrativa do
Paraná motivada pela implantação do regime republicano e pelos
influxos da Revolução Federalista em seu território em 1894, revolta
armada que eclodiu no Rio Grande do Sul no ano anterior como
fruto dos antagonismos de segmentos da classe dominante local,
que se aglutinaram, de um lado, pela centralização política estadual
proposta por Júlio de Castilho, e de outro, pelas propostas parla-
mentaristas de Gaspar Silveira Martins.
O desenrolar da guerra civil fez com que o exército revolucio-
nário dos federalistas (o “Exército Libertador”) avançasse para o
norte, passando por Santa Catarina e, sob inspiração da Revolta da
Armada, atingisse o Estado do Paraná. Esse ciclo de vilanias só ter-
minaria oficialmente em 1895 no município de Pelotas, com a assina-
tura do Armistício de Piratini1, firmado entre republicanos e federa-
listas no dia 23 de agosto. Contudo, as feridas da insurreição perma-
neceriam abertas nos três Estados do sul do Brasil por mais tempo.
Em solo paranaense, a instauração do regime republicano fez
com que os liberais fossem afastados do governo provincial, sendo
instaurada uma aliança entre conservadores e republicanos sob a
liderança de Vicente Machado. Todavia, os liberais (majoritários no
Congresso Legislativo Estadual) se reorganizaram e conseguiram
eleger Generoso Marques para a sucessão da Presidência do Estado,
mas o apoio dado por este ao golpe de Deodoro acelerou sua depo-
sição, e o grupo ligado a Francisco Xavier da Silva e Vicente
Machado foi reconduzido ao executivo estadual paranaense por
influência de Floriano. Diante desse quadro político conturbado, a

1
Apesar de a ata final de pacificação ter sido lavrada em Pelotas, o armistício leva o nome
de Piratini porque “nos primeiros dias de julho, deram-se ordens de suspensão das
hostilidades, e a 10, na Estação (de trem) Piratini (hoje na cidade de Pedro Osório), foi
lavrada a primeira ata da conferência de pacificação.” In: FRANCO, Sérgio C. Júlio de
Castilhos e sua época. Porto Alegre: Editora da UFRCS, 1996. p. 143.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 15

chegada dos revoltosos federalistas ao Paraná encontrou adeptos


entre setores do antigo Partido Liberal, envolvidos com a atividade
pastoril e pequenos negócios do “Paraná Tradicional”, uma vez que
o comércio das tropas gerava um intenso contato comercial e cultural
dos paranaenses dos Campos Gerais com os gaúchos.
Já no Estado no Rio Grande do Sul, a derrocada dos antigos
liberais, seguidores de Gaspar Silveira Martins, assinalou a efetivação
do plano político-administrativo positivista de Júlio de Castilhos,
iniciado por ele e levado a cabo pelo seu discípulo Antônio Augusto
Borges de Medeiros, que ficou vinte e cinco anos frente ao Execu-
tivo rio-grandense. No Paraná, ao contrário, não existia um grupo
orgânico como o dos positivistas gaúchos, e a vitória sobre os
insurretos da Revolução Federalista não assinalou a implantação de
uma plataforma política planejada, pois a condução de Vicente
Machado visou essencialmente ao afastamento dos antigos liberais
da cena política e o assassinato do Barão do Serro Azul (antigo
conservador) criou um “vácuo” entre as lideranças econômicas do
Estado do Paraná. Na verdade, o Paraná entrou em um período de
crise política, que perdurou até 1907, quando da morte de Vicente
Machado.
Se no Estado gaúcho, os antigos federalistas voltaram a se
reorganizar em 1924 por meio da Aliança Libertadora; no Paraná,
mediante a uma rearticulação da vida político-administrativa, eles
retornaram em 1908, com a organização da “Coligação Republica-
na”, em torno da eleição de Francisco Xavier da Silva, que reuniu
antigos republicanos e federalistas. O ápice desse retorno de anti-
gos federalistas ao poder no Paraná deu-se em 1916, com a eleição
para governador de Affonso Alves de Camargo, antigo simpatizante
da causa revolucionária.
Por que dois Estados, tão ligados culturalmente até então,
tomaram rumos políticos tão díspares? Este trabalho tentará sugerir
respostas para essa questão com argumentos novos, a partir da in-
vestigação dos impulsos conjunturais determinantes à vida política
paranaense com os influxos da Revolução Federalista. Utilizaremos
como substrato, a análise das estruturas sociais e econômicas for-
madas pela atividade criatória desenvolvida nos Campos Gerais e
pela atividade industrial do mate desenvolvida no litoral e na região
de Curitiba; aliado a esse quadro, utilizaremos o discurso político
impresso no jornal governista do período.
16 Rafael Augustus Sêga

Partimos da hipótese de que a Revolução Federalista consti-


tuiu-se, em solo paranaense, no momento crucial da cisão interna
das camadas dominantes do Estado, e que essa cisão rompeu com a
antiga ordem política herdeira do Império, acarretando uma rearti-
culação da vida político-administrativa estadual. Nosso episódio em
tela não se caracterizou, em termos de Paraná, como sendo um epi-
sódio “exótico” (“gaúcho”), descolado da realidade social parana-
ense, como apregoa a corrente historiográfica tradicional seguidora
dos passos de David Antônio da Silva Carneiro2, e nem tampouco
um movimento com raízes na guerra do Paraguai, como acredita a
corrente liderada por Octávio Secundino Júnior 3 Para nós, a Revo-
lução Federalista é, no Paraná, o que Antônio Gramsci chamou de
crise orgânica das classes fundamentais:

Num determinado momento de sua vida histórica, os grupos sociais


se afastam dos seus partidos tradicionais, isto é, os partidos tradi-
cionais com uma determinada forma de organização, com deter-
minados homens que os constituem, representam e dirigem, não
são mais reconhecidos como expressão própria da sua classe ou
fração de classe. Quando se verificam estas crises, a situação i-
mediata torna-se delicada e perigosa, pois abre-se o campo às so-
luções de força, à atividade de poderes ocultos representados pe-
los homens providenciais ou carismáticos. (...) A crise cria situa-
ções imediatas e perigosas, pois as diversas camadas da popula-
ção não possuem a mesma capacidade de orientar-se rapidamente
e de se reorganizar com o mesmo ritmo. A classe dirigente tradi-
cional, que tem um numeroso pessoal preparado, muda homens e
programas e retoma o controle que lhe fugia, com uma rapidez
maior do que a que se verifica entre as classes subalternas 4.

Grande parte dos revoltosos paranaenses era composta, ideo-


logicamente, por setores liberais (e seus dependentes políticos)
engajados no modelo econômico-político-social do “Paraná Tradi-
cional” e essas camadas eram caracterizadas pelo conservadorismo
e pelo afastamento do debate travado nacionalmente sobre a crise
da monarquia e o republicanismo. Os vínculos entre eles originavam-

2
CARNEIRO, David A. S. O Paraná e a revolução federalista. São Paulo: Atena, 1944.
p. 89-99.
3
SECUNDINO JR., Octávio. O solar do barão. Paranaguá: edição de autor, [s/ d.]. p. 265.
4
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 1991. p. 54.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 17

se por razões econômicas com raízes na própria atividade rural


tradicional (no caso dos revoltosos do campo) e no pequeno comér-
cio (no caso dos revoltosos urbanos). Seus capitais eram essencial-
mente comerciais, e eles não conseguiam amealhar condições para
promover aumentos na produção, na expansão ou na tecnificação (o
que já havia ocorrido com a atividade ervateira), e, conseqüente-
mente, na capacidade de aumentar seus capitais e reinvestir na sua
capacidade produtiva. Sob essas condições, os federalistas parana-
enses não conseguiam enxergar, devido à sua “consciência real”5,
que sua decadência decorria muito mais da crise do modelo agrário-
exportador do Império que do advento da República propriamente
dita, mas, ao contrário, acreditavam que a mesma era um regime
que punha em risco seu modo de vida, e por isso queriam retornar a
um status quo ante6.
Acreditamos que, mesmo sendo os setores sociais do Paraná
que aderiram aos revoltosos federalistas um grupo politicamente
coeso, eles não teriam se insurgido sem a inspiração causada pelos
maragatos gaúchos. Partimos da premissa de que esses setores ade-
sistas à revolta eram identificados, em termos de atuação política,
com os princípios parlamentaristas dos federalistas rio-grandenses e
que acabaram vislumbrando na Revolução Federalista uma oportuni-
dade de combater a liderança política regional de Vicente Machado e
o projeto político nacional centralizador de Floriano. Parece-nos
pobre em argumentação, por exemplo, dizer apenas que a parcela
da sociedade paranaense que aderiu aos revolucionários federalistas
(adeptos e simpatizantes) possuía meros vínculos monarquistas,
pois a “comunidade simbólica” dos federalistas paranaenses açam-
barcava um espectro social e ideológico extremamente amplo:
grandes criadores rurais, seus capangas e seus agregados sociais;
pequenos produtores rurais; indivíduos urbanos desvinculados da
produção social e que se dedicavam a atividades marginais (lum-
penproletariat); camadas médias urbanas; pequena burguesia cita-
dina comercial e uma parcela tradicional dos políticos ligados ao

5
Partimos dos conceitos de “consciência real” e “consciência possível” propostos por
Lucien Goldmann, na qual a consciência real de uma classe social é fruto das distorções
impostas pela vivência empírica e a consciência possível corresponderia a uma visão de
mundo mais elaborada e coerente com sua condição de classe. (GOLDMANN, Lucien.
Ciências humanas e filosofia. São Paulo: Difel, 1967. p. 87).
6
HOBSBAWM, Eric J. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 26.
18 Rafael Augustus Sêga

antigo Partido Liberal (nesse caso, o medo era que a rotatividade


imperial entre liberais e conservadores fosse abolida definitivamen-
te), dentre outros. Consideramos “adeptos” aqueles que lutaram ao
lado dos maragatos efetivamente e “simpatizantes”, aqueles que se
limitaram ao apoio político, sem, no entanto, pegar em armas.
Destarte, essas categorias sociais passaram a ver na Revolução
Federalista uma chance fugaz da restauração da “idade de ouro”7 de
uma velha ordem social dos tempos de um apogeu apregoado, como
o poema da “passante” de Charles Baudelaire, “aquela que surge da
multidão e nela logo desaparece, oferecendo, por um instante, uma
promessa de felicidade em um olhar profundo.”8.
O tema tratado neste livro é de uma relevância muito grande
para a historiografia brasileira como um todo. Esse episódio foi
extremamente conturbado e muitas vezes enaltecido de uma manei-
ra linear, seqüencial e sem maiores problematizações.
Sem dúvida, o caso mais controvertido do episódio em tela
foi o assassinato do empresário Ildefonso Pereira Correia, mais
conhecido pelo seu título nobiliárquico, Barão do Serro Azul. Após
o fracasso da Revolução Federalista no Paraná, o barão foi tido
como monarquista, acusado de colaboracionismo com os gaúchos,
e foi sumariamente julgado e executado. Ao contrário dos acusado-
res, o barão argüiu que ele não havia favorecido os maragatos e
sim, negociado a proteção de uma cidade sitiada e sem amparo
militar, mas o argumento não demoveu seus algozes e, por volta de
meia-noite de 20 de maio de 1894, no quilômetro sessenta e cinco
da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, nos contraforte da Serra do
Mar, o barão morria fuzilado junto a cinco outros companheiros de
infortúnio, em meio à densa cerração de uma fria noite de outono.
Como veremos no decorrer do trabalho, Vicente Machado sempre
negou ser o mandante da execução, mas esse fato marcou profun-
damente a vida política paranaense pós–1894, uma vez que a morte
do barão fez sumir a única liderança local capaz de fazer frente a
Vicente Machado. A referida execução tem uma carga simbólica
muito forte, como se a República tivesse vindo para se impor até
mesmo sobre antigos poderosos do Império.

7
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras,
1987. p. 97.
8
KOTHE, Flávio R. Para ler Benjamin. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 99.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 19

Em uma breve apuração da produção historiográfica sobre a


Revolução Federalista no Paraná, atestamos uma forma bem tradi-
cional de explicação histórica e quase sempre nos deparamos com a
descrição factual da insurreição em solos paranaenses: os preceden-
tes políticos, a invasão do Estado, a tomada de Paranaguá e Tijucas,
a investida sobre Curitiba, o assédio e rendição da Lapa e, final-
mente, a debandada dos revoltosos. Encontramos essa narrativa
seqüencial em A Revolução de 93, de José Cândido da Silva Mu-
ricy; em A Revolução Federalista e o Paraná, de David Antônio da
Silva Carneiro; em Um episódio maragato, de Octávio Secundino
Júnior; em Dias fratricidas: memórias da Revolução Federalista
no Paraná, de José Bernardino Bormann; Maragatos x Pica-paus,
de Milton Miro Vernalha; A revolução brasileira e lutas sociais
no Parará, de Noel Nascimento. A mesma disposição episódica
pode ser encontrada como verbetes em coletâneas, atlas ou dicioná-
rios históricos como em História do Paraná, de Romário Martins;
Geografia e História do Paraná, de Luíza P. Dorfmund; Dicioná-
rio histórico-biográfico do Paraná, editado por Luís Roberto N.
Soares; em Contribuições históricas e geográficas para o dicio-
nário do Paraná, de Ermelino Agostinho Leão; em História do
Brasil, de José Francisco da Rocha Pombo; em História do Paraná,
de Ruy Christovam Wachowicz, e em Pequena história do Paraná,
de Cecília Maria Westphalen.
Dentro dessa mesma tendência, podemos subdividir ainda
dois acontecimentos marcantes nas publicações atinentes ao assun-
to em tela: o cerco da cidade da Lapa (e o falecimento de Antonio
Ernesto Gomes Carneiro) e o assassinato do Barão de Serro Azul.
O historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos, sobre isso, tece
considerações bem pertinentes:

Nesse sentido, a História como heroísmo e a História como tra-


gédia acabam dando cores a esta historiografia. A narrativa é
centrada preferencialmente no cotidiano da violência e nas estra-
tégias militares, acabando por criar um imaginário explicado por
resistências, fidelidades, traições, estupros, resgates, decapita-
ções, fuzilamentos, enfim, um imaginário de violência e sangue 9.

9
SANTOS, Carlos R. A. Por uma nova leitura da revolução: pensar a revolução fora da
revolução. In: WESTPHALEN, Cecília M. (Org.). Revolução Federalista. Curitiba:
Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, 1977. p. 79-80.
20 Rafael Augustus Sêga

Entrementes, podemos inferir ainda as obras historiográficas


tradicionais que se subdividem nas categorias “heróicas” e “trági-
cas”, na primeira podemos citar O cerco da Lapa e seus heróis:
antecedentes da Revolução Federalista no Paraná e O Paraná
na história militar do Brasil, de David Antonio da Silva Carneiro;
Gomes Carneiro e o cerco da Lapa, de João Cândido Ferreira;
Vento leste nos Campos Gerais, de Rubens Mário Jobim; O cerco
da Lapa do começo ao fim, de Francisco Brito de Lacerda, e Cer-
co da Lapa, de Filippe Maria Wolff. Na segunda categoria, a histó-
ria como tragédia, encontramos uma corrente que procura resgatar a
dignidade do Barão de Serro Azul frente ao seu fim funesto: Para a
história: notas sobre a invasão federalista no Estado do Paraná,
de José Francisco da Rocha Pombo; O solar do barão, de Octávio
Secundino Júnior; Barão de Serro Azul, de Leôncio Correia e,
dentro de uma linha teoricamente mais consistente, destacamos a
célebre obra da professora Odah Regina Guimarães Costa: Ação
empresarial do Barão de Serro Azul. Temos, por fim, os anais do
Primeiro Congresso de História da Revolução de 1894, realizado em
1944 e que traz os trabalhos de Herculano Teixeira d' Assumpção,
Pedro Carolino de Azevedo, José Loureiro Fernandes, Vicente
Nascimento Júnior, José Niepce da Silva, entre outros. Retomemos,
então, a análise de Carlos Roberto:

Mas esta historiografia é importante? É óbvio que sim, pois pre-


encheu um espaço importante na produção historiográfica para-
naense, principalmente com documentos inéditos que foram pes-
quisados e a elaboração da descrição etapista da revolução. (...) A
aplicabilidade das novas concepções metodológicas da História
para o estudo da Revolução Federalista no Paraná implica, aci-
ma de tudo, em estudar as conjunturas e estruturas das quais de-
corre o processo revolucionário 10.

É com essa preocupação que procuramos enquadrar a Revo-


lução Federalista em uma explicação histórica mais ampla que
aquela do tempo curto e buscamos conhecer a passagem dos mara-
gatos gaúchos no Paraná como uma experiência própria de seu
tempo, sem, no entanto, tomá-la como um fato encerrado em si
mesmo, exaltando-a; isso, a historiografia tradicional já o fez.

10
SANTOS, Carlos R. A. Op. cit., p. 80.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 21

Tomamos tal fato como um momento ímpar e que só se revela


quando enquadrado em um movimento histórico maior.
Diante disso, tratamos, estruturalmente, da inserção do Brasil
no liberalismo e no capitalismo monopolista e, conjunturalmente,
da problemática nacional da crise da monarquia e proclamação da
República, da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre,
da imigração, da manutenção das oligarquias durante o regime re-
publicano, da consolidação de um Estado burguês (sob a hegemo-
nia dos cafeicultores paulistas), da crise da atividade criatória no
sul do Brasil, da manutenção da estrutura agrário-exportadora, do
surgimento das indústrias, da marginalização política dos Estados
periféricos (fora do eixo São Paulo – Minas Gerais – Rio de Janeiro),
entre outros; para, a partir daí, voltarmos nosso enfoque para o sul
do Brasil e, conseqüentemente, para o Paraná à época da Revolução
Federalista.
As economias formadas nos três Estados do sul do Brasil ao
final do século XIX apresentavam um grau de industrialização in-
cipiente, constituindo-se em sociedades eminentemente agrárias,
cujo montante de capitais privados investidos era muito baixo. Nesse
contexto, o controle do aparato estatal era precioso para a manuten-
ção do clientelismo eleitoral. Nessa época, processava-se a transfe-
rência das terras públicas devolutas para as mãos de particulares 11,
o que fazia aumentar ainda mais a importância do executivo esta-
dual na distribuição desses territórios. No caso do Rio Grande do
Sul, o comércio ilegal de gado pela fronteira uruguaia fazia com
que os produtores precisassem se aproximar das autoridades policiais
e tributárias para garantir uma “margem de tolerância” razoável
para suas atividades ilícitas.
Com a República, a súbita mudança do poder das mãos dos
liberais, tanto no Rio Grande do Sul como no Paraná, acarretou em
uma desarticulação da máquina burocrática estadual que atendia
aos interesses das elites agrárias. No Paraná, essa súbita mudança
de poder será alvo das nossas análises no decorrer do trabalho.
Ainda mais, a nova regulamentação da legislação eleitoral prevista
pela Constituição de 1891 preconizou uma ampliação do universo
de votantes em relação ao montante do período imperial, fazendo

11
FRANCO, Sérgio C. A guerra civil de 1893. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993,
p. 56.
22 Rafael Augustus Sêga

com que o controle fugisse das mãos dos “donos do poder” do


período provincial. No caso gaúcho, o aparato burocrático castilhista
foi montado no intuito de afastar qualquer outro grupo dos espaços
do poder político-institucional, e a única alternativa encontrada
pelos liberais gasparistas foi o confronto armado o que, guardadas
as devidas peculiaridades regionais, foi imitado pelos seus congê-
neres paranaenses. Já alguns dissidentes do próprio grupo castilhista
preferiram se abster da luta, mas apoiar os revoltosos, como foi o
caso de Demétrio Ribeiro.
Preocupados em levar a cabo uma pesquisa historiográfica
renovada sobre os efeitos da Revolução Federalista na vida político-
administrativa do Paraná, tentamos fugir das armadilhas da história
regional tradicional, que procura efetuar uma homogeneização no
imaginário paranaense, em que todos são herdeiros dos “heróis” do
cerco da Lapa, ou da “justa” execução do Barão de Serro Azul. Na
verdade, a idéia de que certos paranaenses possuem do referido
cerco só serve para universalizar os grupos dominantes, aquilo que
Walter Benjamin chamou de “cortejo triunfal”12, a idéia que a classe
dominante faz de si mesma e que, por hegemonia cultural, passa a
ser aceita por todos os setores da sociedade civil. O que Marilena
Chauí classificou por “senso comum”:

(...) ela (a ideologia) se populariza, torna-se um conjunto de idéi-


as e valores concatenados e coerentes, aceitos por todos os que
são contrários à dominação existente e que imaginam uma nova
sociedade que realize estas idéias e estes valores (...) ou seja, o
momento essencial da consolidação social da ideologia ocorre
quando as idéias e valores da classe emergente são interiorizadas
pela consciência de todos os membros não dominantes da socie-
dade 13.

Metodologicamente, buscamos sair da explicação factual da


história política tradicional, que até hoje é tão forte, e não foi à toa
que a narrativa linear e seqüencial dos feitos político-militares pre-
dominou na historiografia por mais de dois mil anos, pois a historio-
grafia é “filha de seu tempo”, e como tal atendeu continuamente às
suas intenções ideológicas: à noção de pertencimento à polis ou à
grandeza de Roma, à índole guerreira da nobreza feudal ou ao sen-

12
KOTHE, Flávio R. Op. cit., p. 100.
13
CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 108.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 23

timento religioso dos fiéis da Santa Igreja, ao temperamento em-


preendedor da modernidade ou aos enlevos nacionalistas contempo-
râneos etc. Sobre isso Pierre Lêvéque infere:

Os historiadores, com toda a naturalidade, tiveram a tendência de


privilegiar os fatos que traziam uma espécie de justificação a es-
sas ideologias, e melhor respondiam às preocupações das “elites”
para as quais eles escreviam, quer dizer, a seu interesse primor-
dial pelas atividades ligadas à vida dos Estados e ao governo dos
homens. O advento progressivo, na época moderna e contempo-
rânea, de novos grupos dirigentes, só pôde modificar muito len-
tamente essa situação: o burguês comprador e leitor de história
foi, primeiro, antes de tudo, o burguês de “antigo regime”, o no-
tável fundiário, jurista, letrado, funcionário do Estado nacional,
muito mais do que o homem de negócios ou o engenheiro. Como
muitas vezes o observou Lucien Febvre, impuseram-se as grandes
subversões técnicas e econômicas do século XX para que flores-
cessem curiosidades novas e exigências que a história política
tradicional não podia satisfazer14.

Deveras, a história “historizante” (factual) sucumbiu aos ata-


ques feitos pela sociologia de Émile Durkheim e François Simiand
e pela renovação metodológica proposta por Henri Berr e mais tar-
de pelos Annales, na busca de uma história que levasse em conta as
determinantes geográficas, sociais e econômicas, em que (usando
uma metáfora do próprio Fernand Braudel), o événementielle (fac-
tual) não passaria de uma onda diante das profundezas do oceano
da longue durée (longa duração). As novas formas de entender a
história passaram a adotar o princípio de que todos aspectos sociais
estavam sujeitos a transformações e mudanças, e não só o político.
Historiadores do porte de Lucien Febvre e Marc Bloch a-
gruparam-se, em 1929, em torno da revista Annales de Histoire
Économique et Sociale, mais tarde: Annales: économies, societés,
civilisations (origem do termo École dês Annales), e buscaram
construir uma historiografia que se constituísse em uma ciência social,
levando em conta fontes indiretas e muitas vezes imateriais, sem a
pretensão positivista da descrição objetiva do “real”. Para tais histo-
riadores, formas de viver e culturas eram mais permanentes que me-

14
LEVÊQUE, Pierre. História política. In: BURGUIÈRE, André. Dicionário das ciências
históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 382.
24 Rafael Augustus Sêga

ros acontecimentos particulares, ou seja, cada sociedade carrega as-


pectos inerentes à sua própria estrutura, cabendo ao historiador in-
vestigar além da mera aparência do fenômeno social. Nesse sentido,
o estudo histórico passou a se voltar às vidas materiais, à geografia,
ao cotidiano, às oscilações econômicas etc. O homem passou a ser
encarado em sua totalidade, onde muitos de seus aspectos essenciais
só poderiam ser sentidos em temporalidades muito longas.
Outros dois importantes paradigmas intelectuais, o marxismo
e o estruturalismo, também viriam reforçar esse desprezo pelo estu-
do da instância do político; o primeiro, por considerá-lo uma mera
“superestrutura”, ou um reflexo das forças econômicas, o segundo,
por achar que o mesmo era um simples “epifenômeno” de um “todo
articulado”.
Após um período de ostracismo, a história política tirou pro-
veito das novas diretrizes metodológicas, e, de meados da década
de sessenta (notadamente após o “Maio de 68”) para cá, ela foi
sendo retomada em uma vertente inovadora, em que as atitudes dos
sujeitos políticos passaram a ser inseridas em um contexto econô-
mico, social e mental maior. Outras análises mais renovadoras ain-
da passaram a buscar as “capilaridades” do poder. Essa corrente, da
genealogia do poder, proposta por Michel Foucault, inclinou-se a
dissecar a atuação dos pequenos poderes cotidianos vividos nos
hospitais, nas fábricas, escolas ou seio familiar 15.
No decorrer da década de sessenta, as revoluções (principal-
mente a francesa) foram reestudadas, isto se deveu tanto por influ-
ência da própria historiografia francesa renovada, herdeira dos An-
nales, a Nouvelle Histoire (Nova História), com suas investigações
sobre as mentalités16 (mentalidades), como pela inglesa, de cunho
marxista, ligada à New Left Review (Revista Nova Esquerda), que
buscou nas sublevações, no fazer-se de classe17, nos motins, nas
revoltas e nos movimentos revolucionários, captar um momento
importante de manifestação das percepções culturais da população.

15
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1989. p. 1 -14.
16
ARIES, Philippe. A história das mentalidades. In: LÊ GOFF, Jacques. A história nova.
São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 153-176.
17
THOMPSON, Edward. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, v. 1 (A árvore da liberdade), 1987. p. 9.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 25

Entretanto, para Philippe Tétart, o “acontecimento fundador”


da renovação da história política remonta a 1954, com a publicação
de La droite française (A direita francesa), por René Rémond,

Seu afresco classificatório das direitas francesas, sobre a longa


duração (sécs. XIX-XX), baseado no estudo dos comportamentos
sociológicos e espaciais, dos discursos, dos modos de expressão,
rompe radicalmente com a perspectiva factual positivista. Ele
contém outro “sentido” da história. Abre uma nova era. Em
1957–1958, Raoul Girardet – outro pioneiro – e Rémond publi-
cam vários artigos na Revue Française de science politique. Ape-
lam para a redescoberta da história política “abandonada”18.

Atualmente, muitos historiadores passaram a rejeitar as aná-


lises macroscópicas e até mesmo estruturais que predominaram nas
décadas de sessenta e setenta, os “paradigmas dominantes”19, e
voltaram seus focos de análises para a narrativa das vidas privadas,
do cotidiano das pessoas comuns e dos acontecimentos diários. Por
isso, pomos também em relevo a corrente conhecida como Nova
História Cultural20, donde subsumimos uma renovação teórico-
metodológica para a história política. Esse ramo da historiografia
contemporânea é um movimento relativamente recente, sendo fruto
direto das mudanças na maneira de escrever a história, decorrentes
da École des Annales e da Nouvelle Histoire. Essa corrente possui
uma natureza etnográfica fortemente influenciada pelo estudo do
universo simbólico21, procurando, ao estudar o poder, resgatar a
ação política humana no tempo e os sentimentos, emoções, formas
de pensar ou idiossincrasias dos agentes e não mais cair nas arma-
dilhas ingênuas da história política tradicional, onde os líderes eram
transformados em meras “emanações” da vontade popular (daí o
desprezo pelo povo em si), decalcados do tecido social.
É importante ressaltar ainda os “empréstimos” que a oficina
da história tem feito de outras ciências humanas para discernir so-
bre os estabelecimentos políticos do passado, principalmente da
ciência política, da sociologia e da antropologia. Nesse sentido,

18
TÉTART, Philippe. Pequena história dos historiadores. Bauru: EDUSC, 2000. p. 126.
19
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados. São Paulo:
CEBRAP, n. 11, 1991. p. 173. Nesse caso, o autor refere-se ao estruturalismo e ao marxismo.
20
HUNT. Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. l6.
21
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
26 Rafael Augustus Sêga

Bronislaw Bazcko reitera os estudos dos exercícios do poder nas


ciências humanas:

Se nos virarmos para as ciências humanas, é fácil verificar que a


imaginação, acompanhada pelos adjectivos “social” ou “colecti-
va”, ganhou também terreno no respectivo campo discursivo e
que o estudo dos imaginários sociais se tornou um tema na moda.
As ciências humanas mostravam, porém que, contrariamente aos
slogans que pediam “a imaginação no poder”, esta sempre tinha
estado no poder. (...) Os antropólogos e os sociólogos, os historia-
dores e os psicólogos começaram a reconhecer, senão a desco-
brir, as funções múltiplas e complexas que competem ao imagi-
nário na vida colectiva e, em especial, no exercício do poder. As
ciências humanas punham em destaque o facto de qualquer po-
der, designadamente o poder político, se rodear de representações
colectivas. Para tal poder, o domínio do imaginário e do simbóli-
co é um importante lugar estratégico22.

Essa renovação metodológica da história política passou a


incorporar também uma reflexão sobre os mecanismos culturais de
poder, isto é, como são estabelecidas as relações evocativas entre
governantes e governados.
Nesse sentido, novos matizes teóricos podem ser incorpora-
dos a uma história política com novo brilho.
Francisco Falcon, em seu texto A identidade do historiador,
ressalta que a historiografia contemporânea apresenta duas tendên-
cias fundamentais: o “giro lingüístico” (linguistic turn ou semiotic
challenge) preconizado pelos trabalhos de Hayden White e o “re-
torno do político”:

Baseadas como são em geral tais teorias na autonomia da lin-


guagem e da produção de sentido, elas significam, para a histó-
ria, a eliminação do referente, se entendermos como tal a reali-
dade extra-discursiva, assim como a supressão do papel do sujeito
individual e, ainda, no limite, a negação da existência de qual-
quer laço entre a história e as ciências sociais. Já em relação ao
chamado retorno ao político, considero bastante simplista e limi-
tada a visão exposta por Chartier, sobretudo ao identificar em tal
retorno, ou em todos que os defendem, a intenção de afirmar um

22
BAZCKO, Bronislaw, Imaginação social. Enciclopédia Einaudi – Anthropos-Homem
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985, v. 5. p. 297.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 27

certo primado do político, com o que se eliminam tantas e tão im-


portantes iniciativas tendentes à construção de uma Nova Histó-
ria Política, ou seja, a resgatar o papel e importância do político
sem recair, no entanto, na tradicional história política de viés po-
sitivista23.

René Rémond ressalta que, se a esfera política existe sobres-


saindo-se das demais instâncias da realidade social, ela é exclusiva
e autônoma, “imprimindo sua marca e influindo no curso da histó-
ria” 24. Para ele, apesar de a história política ter sido associada neste
século como um favorecimento do superficial em detrimento das
estruturas mais permanentes, de uns tempos para cá ela tem sido
resgatada em função de um debate jornalístico calcado na ciência
política e pelo contato com outras epistemes sociais. Nesse ponto,
apelamos mais uma vez a Philippe Tétart:

Na confluência da análise sócio-política sobre o tempo médio,


longo, e do reconhecimento da contingência factual, os partidá-
rios da história política explicam a possibilidade de fundar um
enfoque misto, com contribuições das diferentes ciências sociais e
das diversas correntes historiográficas do séc. XX. Esse volunta-
rismo permite deixar o campo fechado das idéias políticas, rein-
tegrar as aquisições epistemológicas e metodológicas de Clio para
mostrar a centralidade do político na história das sociedades. Da
linguística à prática militante, da flutuação da história das idéias
à da opinião e da mídia, do estudo dos comportamentos cotidia-
nos ao da filmografia etc., todos os assuntos-objetos falando do
político tecem uma problemática vastíssima e susceptível de de-
sembocar numa explicação globalizante da mecânica social e his-
tórica25.

O presente trabalho procura, a partir dos referenciais teóricos


de uma história política renovada, expostos acima, remontar uma
narrativa dos efeitos da Revolução Federalista sobre a sociedade
política paranaense nos primeiros anos da República. Este livro
apresenta-se dividido em três capítulos.

23
FALCON, Francisco. A identidade do historiador. Estudos Históricos. Rio de Janeiro:
CPDOC/FGV, v. 9, n. 17, 1999. p. 23.
24
RÉMOND, René. Por que a história política? Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CP-
DOC/ FGV, v. 7, n. 13, 1994. p. 7.
25
TÉTART, Philippe. Op. cit., p. 128-129.
28 Rafael Augustus Sêga

O primeiro capítulo dedica-se à análise dos aspectos da vida


política do Império e os percalços da implantação do regime repu-
blicano no Brasil, no qual faremos interpolações da política nacio-
nal com a política regional da região sul, e procuraremos mostrar
que a República foi efetivada em nosso país sob a égide de vários
grupos que, após a implantação do regime, passaram a exercer
pressão para que seus projetos de sociedade fossem concretizados.
O segundo capítulo versa sobre a Revolução Federalista em
si e traz uma breve narrativa episódica do movimento sedicioso em
tela no intuito de articulá-lo historicamente. Acreditamos na perti-
nência dessa postura, pois apenas nos ateremos à trama factual da
política no Brasil e nos Estados do Sul como um “pano de fundo”
para buscar, em seguida, uma análise historiográfica e entender a
interposição da Revolução Federalista na conjuntura política brasi-
leira da Primeira República.
O terceiro capítulo é o principal, no qual tentaremos discorrer
sobre o livro em si, ou seja, a Revolução Federalista no Paraná e a
rearticulação da vida político-administrativa do Estado. As três
primeiras partes do último capítulo tratam da formação histórica, do
contexto socioeconômico e da dinâmica político-partidária do Pa-
raná no século XIX, nos quais pomos em destaque as atuações dos
partidos políticos Liberal e Conservador e da formação do “Paraná
‘Tradicional’” e do “Paraná Ervateiro”; já nas três últimas partes,
trataremos das representações no discurso político da imprensa
paranaense; faremos a seguir um ensaio biográfico, no qual tenta-
remos identificar as lideranças federalistas paranaenses como inte-
grantes do “Paraná ‘Tradicional’”, e, por fim, discorreremos sobre
o “consulado” que Vicente Machado estabeleceu no Paraná com a
derrocada da Revolução Federalista no Estado e como ela não acar-
retou, ao contrário do Rio Grande do Sul, a instalação de uma plata-
forma político-administrativa planejada 26, e, sim, um governo per-
sonalista em torno de Vicente Machado.
A partir de uma narrativa muitas vezes factual, tentaremos
identificar as durações mais permanentes e buscaremos comprovar
nossa hipótese de trabalho. Para tanto, utilizamos, muitas vezes,
instrumentais do marxismo, do positivismo, do histerismo, do libe-

26
Entrementes, a historiografia mais recente tem questionado a existência de um projeto
castilhista, como é o caso da tese de doutorado de Gunter Axt, Génese do Estado Buro-
crático-burguês no Rio Grande do Sul, defendida na USP em 27 jun. 2001.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 29

ralismo político e da Nova História Cultural. Acreditamos que tais


correntes não são necessariamente antagônicas se utilizadas de
forma complementar. Do marxismo, buscamos analisar a infra-
estrutura econômica e entender a Revolução Federalista como uma
crise no bloco do poder; do positivismo e do liberalismo político,
buscamos entendê-los como as doutrinas basilares do pensamento
político brasileiro no século XIX; do histerismo, buscamos situar a
parte factual da política paranaense no referido século; e, por fim,
da Nova História Cultural, buscamos analisar o sentido simbólico
da Revolução Federalista quando da implantação do regime repu-
blicano no Brasil.
Queremos ressaltar que a bibliografia arrolada ao final do
trabalho inclui leituras que subjazem à redação do texto e não ape-
nas às referências bibliográficas.
Com relação às fontes, é preciso, sobretudo, resgatar a obra
de Marc Bloch sobre o seu tratamento:

Desde que nós não resignemos a registrar pura e simplesmente o


que dizem nossas testemunhas, desde que entendemos forçá-las a
falar, mesmo contra sua vontade – impõem-se mais do que nunca
um questionário. E é esta, efetivamente, a primeira necessidade
de qualquer investigação histórica bem conduzida27.

E Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margareth Jacob vão mais


longe:

Historiadores devem lidar com um passado consumido que dei-


xou a maioria de seus eventos registrados em documentos escri-
tos. A tradução das palavras destes documentos escritos para uma
história que busca ser fidedigna com o passado constitui o desa-
fio pessoal do historiador com a verdade. Isso requer uma aten-
ção rigorosa aos detalhes dos registros dos arquivos assim como às
atribuições imaginativas da narrativa e interpretação 28.

27
BLOCH, Marc. Introdução à história. Lisboa: Publicações Europa-América, 1987. p. 60.
28
Do original: Historians must deal with a vanishedpast that hás left most ofits traces in
written documents. The translation ofthese words from the documents into a story
thatseeks to be faithful to the past constitutes the historian's particular struggle with the
truth. It requires a rigorous attention to the details ofthe arquivai records as well as
imaginative casting ofnarrative and interpretation. In: APPLEBY, Joyce; HUNT, Lynn;
JACOB, Margareth. Telling the truth about history. New York: W. W. Norton and
Company, 1994. p. 249. Tradução de Thelma Belmonte.
30 Rafael Augustus Sêga

Deveras, os procedimentos de levantamento e fichamento das


fontes foram realizados durante toda a pesquisa, dessa forma, utili-
zamos como fontes primárias:
1) Mensagens dirigidas pelos governadores ao Congresso
Legislativo do Estado do Paraná, entre 1889 e 1908,
local: Seção Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná,
Curitiba.
2) Fontes de imprensa, principalmente o jornal A República,
entre 1889 e 1908, local: Seção Paranaense da Biblioteca
Pública do Paraná, Curitiba.
3) Boletins do IHGEP, publicados nas décadas de 1980 e 1990,
local: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Para-
naense, Curitiba.
4) Documentos do Arquivo Histórico do Exército, referentes
a telegramas e cartas emitidos entre 1891 e 1894, local:
Casa da Memória de Curitiba 29.
5) Códices do APP, entre 1889 e 1908, local: Arquivo Público
do Paraná, Curitiba.
6) Fontes primárias publicadas (livros de época e almana-
ques) entre 1889 e 1908, local: Biblioteca Júlio Moreira,
Curitiba.
7) Relatórios do IPARDES, local: Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social, Curitiba.
8) Séries estatísticas históricas do IBGE referentes ao quadro
demográfico do Brasil entre 1872 e 1920 e sobre a quanti-
dade e valor da exportação de erva-mate entre 1831 e
1987, local: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
Curitiba.
9) Anais da Assembléia Constituinte, do Senado Federal e da
Câmara dos Deputados, entre 1890 e 1896, local: Assem-
bléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Serviço
de Pesquisa, Documentação Histórica e Museu do “Solar
dos Câmara”, Porto Alegre.

29
Esses documentos foram coligidos pelos pesquisadores da Casa da Memória de Curitiba
no mistério do Exército no Rio de Janeiro, quando das comemorações do centenário da
Revolução Federalista no Paraná em 1994.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 31

É importante destacar que todos esses locais facilitaram aces-


so ao historiador.
Utilizamos as fontes da forma subseqüente: nos capítulo 1 e
2, por se tratar de capítulos de revisão bibliográfica, não foram
utilizadas fontes primárias. Os relatórios do IPARDES e as séries
estatísticas históricas do IBGE foram utilizados na primeira parte
do capítulo 3, na reconstituição do “Paraná Tradicional” e o Paraná
Ervateiro; as mensagens enviadas ao Congresso Legislativo pelo
presidente do Estado do Paraná, os anais do Congresso Legislativo
do Estado do Paraná, os códices do APP, os documentos do Arqui-
vo Histórico do Exército, as fontes primárias publicadas (fontes de
imprensa – o jornal A República), Anais da Assembléia Constituin-
te, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, foram usados
nas três últimas partes do terceiro capítulo, auxiliando na narrativa
da tomada do poder pelos maragatos no Paraná, ilustrando a postu-
ra política e a ação efetiva dos poderes constituídos paranaenses e
federais frente à Revolução Federalista e, principalmente, com rela-
ção às fontes de imprensa, elas nos auxiliaram na elaboração das
representações sociais que os grupos contendores fizeram um do
outro no campo simbólico.
O presente trabalho intenta preencher uma lacuna na histori-
ografia acadêmica sobre as implicações da Revolução Federalista
nas relações de poder no Paraná na Primeira República. É, portanto,
inédito.
32 Rafael Augustus Sêga

CAPÍTULO 1

A maneira de conhecer a história (processo) como reconstrução


de uma experiência vivida no eixo do tempo nos leva a atribuir
aos acontecimentos que a distinguem não mais um valor em si
mesmos à maneira de uma outra concepção dita antiga. Na con-
cepção prevalecente entre nós, cada acontecimento é sempre um
momento, ponto ímpar e incomparável no tempo, que só revela o
seu valor se referido a um movimento mais geral – o processo te-
cido pela narrativa – que lhe reserva um lugar, assinala uma
qualidade e imprime um sentido30.

O SOLAPAMENTO DO IMPÉRIO E
OS PRENÚNCIOS DA REPÚBLICA

A implantação do regime republicano presidencialista no


Brasil é comumente associada a um golpe militar, no qual, na fa-
mosíssima expressão do jornalista Aristides Lobo, a população civil
testemunhara “bestializada, atônita, surpresa, sem saber o que
significava” 31.
Entretanto, atrás da aparência do fato, a proclamação da Re-
pública em nosso país foi um coup de grâce num sistema econômi-
co e político que já estava em seus estertores, o do Império Brasi-
leiro, levado a efeito por grupos políticos articulados:

A partir da década de 1870, começara a surgir uma série de sin-


tomas de crise do Segundo Reinado. Dentre eles, o início do mo-
vimento republicano e os atritos do governo imperial com o Exér-
cito e a Igreja. Além disso, o encaminhamento do problema da
escravidão provocou desgastes nas relações entre o Estado e suas
bases sociais de apoio. Esses fatores não tiveram um peso igual
na queda do regime monárquico, explicável também por um con-

30
MATTOS, Ilmar R. Do império à república. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CP-
DOC/GV. v. 2, n. 4, 1989. p. 163.
31
CASTRO, Celso. A proclamação da república. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 7.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 33

junto de razões de fundo onde estão presentes as transformações


socioeconômicas que deram origem a novos grupos sociais e à
receptividade às idéias de reforma32.

Com o intuito de tentar “colocar em destaque as categorias


de duração e sucessão” 33 é que remetemos nossa narrativa dos
prenúncios da implantação do regime republicano no Brasil à der-
rocada da estrutura do Império, seguindo as diretrizes propostas por
Ilmar Rohloff de Mattos expostas em epígrafe, para, em nosso tra-
balho, buscar identificar nesse período os elementos que subsidiem
a explicação da desestabilização da vida político-administrativa do
Paraná em razão da Revolução Federalista.

1.1 A POLÍTICA IMPERIAL

O Império Brasileiro foi a única monarquia duradoura do


continente americano no século XIX e, se, por um lado, a formação
do mesmo se deveu às particularidades de seu processo emancipa-
tório, por outro, isso permitiu a manutenção da América portuguesa
sob a égide de um só país. Em 1822, as correntes políticas republi-
canas foram abafadas pelas peculiaridades da independência brasi-
leira, em que em um caso sem paralelos no mundo, o príncipe her-
deiro de uma metrópole promoveu a emancipação política de uma
colônia; todavia, por trás da histrionice do gesto “às margens pláci-
das do Ipiranga” estava conjugada uma série de interesses, como o
do comércio inglês, da burocracia residual portuguesa e das parce-
las ultraconservadoras da aristocracia escravocrata, que forjaram
boa parte do caráter do Império.
Deveras, o processo emancipatório do Brasil foi, em grande
parte, um ato eminentemente político-administrativo e sem muita
participação popular, no qual o príncipe português D. Pedro (1798–
1834) coligou-se com a aristocracia agrária nacional para promover
o rompimento colonial da maneira mais conservadora possível 34.

32
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP-FDE, 1996. p. 217.
33
MATTOS, Ilmar R. Op. cit., idem.
34
Sobre a independência do Brasil ver: DIAS, Maria Odila. A interiorização da metrópole,
In: MOTTA, Carlos G. M. (Org.). 1822 – Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972 e
OLIVEIRA, Cecília H. S. A independência e a construção do império. São Paulo: Atual,
1995.
34 Rafael Augustus Sêga

Era a forma encontrada para fugir, de um lado, da tentativa de reco-


lonização promovida pelas Cortes de Lisboa; e, de outro, pela ame-
aça de uma revolução popular, assinalada pelos movimentos de
1798 e de 1817 e pelas manifestações de 1821.
Dos acontecimentos do conturbado período do Primeiro Rei-
nado, pomos em destaque para nosso trabalho alguns aspectos insti-
tucionais, como a outorga da primeira Constituição brasileira em
1824 e que perduraria até 1889, norteando toda a vida política do
País durante o período e propiciando também a formação dos gru-
pos políticos.
A carta constitucional do Império trazia muitos pontos do
projeto original da Assembléia Constituinte dissolvida por D. Pe-
dro, mas seu objetivo maior era o reforço do poder imperial, com a
inclusão de um quarto poder, o “Moderador”.
Contudo, a carta professava o liberalismo clássico em relação
aos direitos individuais, às atividades econômicas e à propriedade,
e eram garantidas as liberdades de imprensa e opinião.
Desde o início do processo de emancipação, antes mesmo de
1822, começaram a se configurar as duas facções políticas que, no
transcorrer do tempo, viriam a formar os principais partidos do
período imperial:

De um lado, liderados por José Bonifácio de Andrada e Silva


(1763–1838), estavam os coimbrãos, em geral mais maduros e
cosmopolitas, com passagem pela Universidade de Coimbra (daí o
nome que os caracterizava) e larga experiência da vida pública
no Império luso-brasileiro. De outro, os brasilienses, tendo em
Joaquim Gonçalves Ledo (1781–1847) o seu principal porta-voz,
mais jovens, chegados à idade adulta sob a influência da Corte
na América e dispondo de um horizonte mais circunscrito à rea-
lidade do Brasil. Não eram tanto os valores fundamentais ou a
cultura política, herdada da Ilustração ibérica por ambos, que os
distinguia, mas sim, interesses privados e uma sensibilidade dife-
rente, elaborada em círculos de solidariedade social diversos, tal-
vez mais perto da esfera cortesã, para os experimentados coim-
brãos, e mais próximos do ambiente de uma camada média urba-
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 35

na, que se formara na cidade após 1808, para os irrequietos bra-


silienses35.

O autoritarismo de D. Pedro I chocou-se com os interesses das


aristocracias rurais brasileiras até sua insustentabilidade política e
abdicação em 1831. O período regencial que se seguiu foi igualmente
tumultuado, e a saída encontrada foi o chamado “Golpe da Maiori-
dade” em l840, quando D. Pedro II (1825–1891) assumiu o trono
brasileiro. Seguiu-se um processo de estabilização do regime com
as pacificações da Balaiada em 1841, das Revoltas Liberais de
1842, da Revolta dos Farrapos em 1845 e da última insurreição do
regime, a Revolta Praieira de 1848.
Deu-se prosseguimento a uma forte centralização política,
garantida pelo Poder Moderador do soberano, pela reforma do Códi-
go de Processo Criminal, pela interpretação do Ato Adicional de
1834 e pela recriação do Conselho de Estado, que havia sido extinto
durante o período regencial. O aparelho burocrático tornou-se coe-
so, e o regime escolhido foi a monarquia constitucional parlamen-
tar. Entretanto, o parlamentarismo adotado foi “às avessas”, pois ao
contrário do modelo inglês, aqui era o Imperador quem exercia a
intermediação entre os partidos de patronagem “Liberal” e “Con-
servador”, que se alternavam no poder. Os anseios de um Estado
forte por parte da elite imperial constituíam-se, no fundo, numa
falácia, pois, a despeito da centralização política durante o Império,
era impossível que se pudesse governar o Brasil sem a cooperação
dos grupos privados regionais com a burocracia patrimonial36.
O Partido Liberal constituiu-se a partir de 1836 por antigos
partidários de Diogo Feijó contrários à política conservadora de
Bernardo Pereira de Vasconcelos que fundou na mesma época o
Partido Conservador. Os dois partidos eram compostos majoritari-
amente por representantes da aristocracia rural e escravocrata, sur-
gidos, de início, como projeções de alianças particulares ou familia-
res, confirmadas por elites urbanas estamentais que estudavam em
Coimbra ou nas faculdades de Direito de Recife e São Paulo.
Em termos administrativos, o território que hoje forma as ter-
ras paranaenses não constituiu uma unidade própria durante o perí-
odo colonial. O Paraná passou a aparecer no cenário político nacio-
35
NEVES, Lúcia M.; MACHADO, Humberto F. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999. p. 85.
36
URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial. São Paulo: Difel, 1978. p. 37.
36 Rafael Augustus Sêga

nal como província quando deixou de ser a Quinta Comarca de São


Paulo, em 1853. A economia paranaense, nesse período, era princi-
palmente baseada na erva-mate, na extração da madeira e nas ativi-
dades agropastoris desenvolvidas nos Campos Gerais. Todavia, o
ideal emancipatório era perseguido pelas elites locais desde o início
do Império sendo que, na conjuntura das revoltas Farroupilha, no
Rio Grande do Sul, e Liberais, em São Paulo e Minas Gerais, as
autoridades imperiais acharam oportuna a emancipação da comar-
ca. Ricardo Costa de Oliveira sobre isso esclarece:
A classe dominante do Paraná apoiou substancialmente a lealda-
de imperial. A Comarca separava os revoltosos de São Paulo e do
Rio Grande do Sul. Esse apoio foi observado pelo núcleo de es-
trategistas do Partido Conservador. O retorno liberal de 1844 a-
trasou o projeto de emancipação. Com o retorno da situação con-
servadora em 1848 e vencida a praieira, o projeto se viabiliza. Em
pleno gabinete Itaboraí, a Lei 704, de 29 de agosto de 1853, cria-
va a Província do Paraná. Em 6 de setembro de 1853 tomava pos-
se o Marquês do Paraná com o gabinete da conciliação, sob o
signo do qual se instalava a nova província em 19 de dezembro de
185337.
Em termos nacionais, não obstante, a atuação política dos
conservadores do Império era fisiológica, calcada em uma pragmá-
tica defesa de seus privilégios sociais, sob a alegação da defesa da
ordem constitucional em vigor. Já o Partido Liberal apregoava, em
tese, a diminuição do poder pessoal do Imperador e uma maior
descentralização política.
Sobre as diferenças dos partidos do Império, Helga Piccolo
elucida:
Entre as teses defendidas pelos conservadores estavam: a defesa
do Estado – visto como entidade anterior à Nação, que deve por
ele ser organizada e que não tem poderes para mudar a forma de
governo; a ordem como pressuposto para o desenvolvimento; a
continuidade histórica, contra, pois rupturas na ordem social e po-
lítica. Seriam os conservadores também conhecidos, a partir de
1842, como “saquaremas”. Em contrapartida, à articulação de e-
lementos conservadores/regressistas, foi organizado o Partido Li-
beral integrado por monarquistas radicais ou exaltados e por re-

37
OLIVEIRA, Ricardo C. O silêncio dos vencedores; genealogia, classe dominante e
estado no Paraná. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001. p. XIX.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 37

publicanos. O partido criticou a concepção e práticas unitárias do


Império; defendeu a construção do Estado pela Nação; pregou a
livre-iniciativa e foi um intransigente propugnador dos direitos e
garantias individuais, especialmente do “sagrado direito de pro-
priedade” o que vai explicar, no processo político brasileiro, as
dificuldades que teve para conciliar seus princípios doutrinários
com a abolição da escravatura. Seriam os liberais também co-
nhecidos a partir de sua derrota nas revoluções de 1842, como
“luzias”38.
A estrutura econômica e social do tempo colonial foi manti-
da; em suas linhas gerais no centro do País (monocultura – trabalho
escravo – latifúndio), durante o período imperial, a maioria da aris-
tocracia social do Império não conseguiu, pela sua própria consciên-
cia possível, enxergar a crise do sistema na segunda metade do
século XIX. O regozijo dos membros da elite imperial era o rece-
bimento de títulos nobiliárquicos diretamente de Dom Pedro II.
O melhor título, nessa estrutura burocrática, para influir e deci-
dir será a permanência no poder. O núcleo político adquire maior
consistência na vitaliciedade, assentada principalmente no Sena-
do. O título nobiliárquico, também vitalício, despido do cargo,
não logrará formar um quadro efetivo de ação, perdido nos bor-
dados sem conteúdo, não raro vistos com desdém.39

A maneira mais corriqueira para obtenção desses títulos era o


conchavo com alguém influente do círculo íntimo do Imperador e, a
partir daí, o novo nobre sentia-se em obrigação para com o sobera-
no e passava a transmitir os valores monárquicos em sua base de
origem. Talvez as obras mais profundas sobre a elite política impe-
rial tenham sido escritas pelo historiador José Murilo de Carvalho
em seus trabalhos A construção da ordem e Teatro de sombras
(reunidas em um só volume), onde ele tece considerações bem
apropriadas sobre a burocracia:
Uma das principais características da elite política imperial, à
semelhança de outras elites de países de capitalismo retardatário
ou frustrado, era seu estreito relacionamento com a burocracia

38
PICCOLO, Helga I. L. Vida política do século 19; da descolonização ao movimento
republicano. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998. p. 46.
39
FAORO, Raymundo. Os donos do poder; formação do patronato político brasileiro. Rio de
Janeiro: Globo, 1989. p. 392.
38 Rafael Augustus Sêga

estatal. Embora houvesse distinção formal e institucional entre as


tarefas judiciárias, executivas e legislativas, elas muitas vezes se
confundiam na pessoa dos executantes, e a carreira judiciária se
tornava parte integrante do itinerário que levava ao Congresso e
aos conselhos de governo40.
A carreira política era confundida com a burocrática (haja
vista que pouquíssimos podiam votar e ser votados) e a maior parte
da classe dominante (senhores de escravos em sua maioria) almejava
a nobreza e a vida na Corte. Dessa forma, a elite cultuava o absen-
teísmo, os favores, o empreguismo, o ócio e o sustento por meio
dos rendimentos obtidos da exploração do latifúndio escravista. Um
quadro bem adverso do capitalismo industrial que estava em vigor
em outras partes do globo. Mais uma vez, recorremos a José Murilo:
O ponto crucial da questão era o relacionamento do Estado impe-
rial com a agricultura de exportação de base escravista. Esse re-
lacionamento caracterizado pelo que chamamos de dialética da
ambigüidade, usando uma expressão de Guerreiro Ramos. Inde-
pendentemente da elite política, o Estado não podia sustentar-se
sem a agricultura de exportação, pois era ela que gerava 70% das
rendas do governo-geral via impostos de exportação e importa-
ção. (...) O Brasil não era uma economia mercantil como a por-
tuguesa que pudesse ser governada pela aliança de um estamento
burocrático com comerciantes. Era uma economia de produtores
agrícolas com mão-de-obra escrava e de criadores de gado com
ou sem escravos. As bases do poder tinham que ser aqui redefini-
das. 41
A Lei de Terras de 1850 foi mais um sustentáculo jurídico da
“ordem saquarema”, pois, ao revogar a posse como forma de pro-
priedade, acabava-se impedindo o acesso a unidades agrícolas de
outros setores sociais. Essa lei ia contra toda a estrutura fundiária
colonial uma vez que o certificado de propriedade passava a ser
expedido por um juiz togado, não importando quem estivesse ocu-
pando o terreno. Essa medida gerou uma reviravolta no campo, pois,
Com a nova lei, melhorou bastante a situação dos grandes fazen-
deiros, que em geral tinham poder suficiente para nomear o ma-

40
CARVALHO, José M. A construção da ordem; a elite política imperial & Teatro de
sombras; a política imperial (Edição reunida). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ e Relume
Dumará, 1996. p. 129.
41
CARVALHO, José M. Op.cit., p. 212.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 39

gistrado local. Obtendo deste juiz um documento de posse, eles


garantiam a propriedade de milhares de alqueires já ocupados
por posseiros ou indígenas. Esta possibilidade deu origem a um
expediente: uma pessoa com influência junto a um juiz incenti-
vava a ocupação de terras por posseiros. Estes derrubavam a ma-
ta e começavam a plantar roças. Quando as terras estavam aber-
tas – o desmatamento era a fase mais trabalhosa para a obtenção
de solo cultivável – o interessado obtinha um registro de proprie-
tário com o juiz. Em seguida, empregava tropas ou jagunços para
expulsar os ocupantes de “suas” terras. (...) O resultado foi um
clima de espoliação permanente nas zonas de expansão agrícola e
um grande atraso no projeto de trazer imigrantes, tudo em bene-
fício dos grandes proprietários rurais42.
A alguns grandes proprietários rurais coube a tarefa de levar
a cabo a cultura do café, que viria a se tornar, por mais de um sécu-
lo, o principal produto agrícola de exportação do país 43.
A grande lavoura cafeeira nasceu no Rio de Janeiro e depois
se expandiu para o vale do rio Paraíba, organizando-se nos mesmos
moldes da plantagem (ou plantation) do açúcar. Aos grandes pro-
prietários coube o título de “barões do café”, a aristocracia econô-
mica que veio a dominar a política do Império Brasileiro. Na déca-
da de quarenta do século XIX, o café já era o primeiro produto a-
grícola da pauta de exportações brasileiras, tendo encontrado nos
Estados Unidos seu principal comprador.
A estrutura de produção montada pelos cafeicultores do vale
do Paraíba permaneceu antiquada enquanto, a partir da metade do

42
CALDEIRA, Jorge et alii. CD-ROM Viagem pela História do Brasil. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1997.
43
“A combinação da cultura do café e do uso de escravos proporcionou novo alento ao
sistema escravista. Como a planta demorava para dar os primeiros frutos – em torno de
oito anos –, era necessário um grande capital para se entrar no negócio. Mesmo na eco-
nomia capitalista, a concorrência com o modo de produção escravista era quase impossí-
vel: entre investir em algo que, mesmo dando um retorno menor, não exigia muito capital,
e uma custosa aventura de longo prazo, os capitalistas da época sempre preferiam a pri-
meira hipótese. Já os proprietários de escravos, obrigados a investir na compra de cativos
antes de começar a produzir, achavam atraente a perspectiva de esperar oito anos. Um
senhor que já pagou por seu escravo não tinha grandes gastos para alimentá-lo enquanto
amadureciam os cafezais, pois afinal os próprios escravos plantavam a comida. Por esse
motivo, o mercado de café tornou-se na prática um monopólio brasileiro: não havia no
mundo nação capaz de comprar escravos e investir no produto de longa maturação. E o
próprio crescimento do mercado de café incentivava as aplicações em escravos e novas
plantações, reforçando os vínculos entre o café e os escravos africanos.” In CALDEIRA,
Jorge et alii. Op. cit.
40 Rafael Augustus Sêga

século XIX, o café atingiu o oeste de São Paulo com um ímpeto


empresarial.
Já a economia desenvolvida no Paraná no referido período
difere em alguns aspectos da desenvolvida no centro do País. A
vida econômica dos que viriam a ser chamados “paranaenses”, após
a emancipação da província em 1853, calcou-se nas atividades atre-
ladas, em um primeiro momento, ao latifúndio pastoril, principal-
mente nos Campos Gerais, e, mais tarde, nos campos de Guarapua-
va e Palmas. A atividade criatória desenvolvida nessa região conci-
liava o gado bovino, voltado para o abastecimento do centro do
País, com a invernada de muares, destinados à manutenção do ca-
minho das tropas que traziam o charque do Rio Grande do Sul em
direção às feiras sorocabanas. Paralelo a isso, desenvolvia-se uma
pequena lavoura de subsistência para consumo local.
Em verdade, a região paranaense (e sulina como um todo)
constituía-se economicamente no cenário imperial como a “perife-
ria da periferia”; nesse ponto rogamos às considerações de João
Luís Fragoso:
As províncias do Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Para-
ná) constituíam parte daquilo que os cientistas sociais costumavam
classificar como “periferia da periferia”. Isto é, se a economia es-
cravista-exportadora brasileira girava em torno do mercado in-
ternacional – no qual prevalecia a hegemonia, no século XIX, do
modo de produção capitalista –, por sua vez as produções do Sul
apareciam como integrantes da periferia daquela economia ex-
portadora. Na verdade, a economia do Sul estava voltada para o
mercado interno (fugindo assim, de certo modo, ao modelo expor-
tador brasileiro) abastecendo em particular as áreas escravistas
do Sudeste. Constituídas por um mosaico de formas não-
capitalistas de produção (escravos, peões e camponeses), as pro-
duções do Sul faziam parte do pano de fundo da agro exportação
do século XIX. Pois, se é certo que a plantation escravista não era
auto-suficiente e, portanto, se reproduzia no mercado, igualmente
é verdade que parte deste mercado era abastecido e constituído
por formas não-capitalista de produção, o que dava àquela plan-
tation certa resistência e autonomia frente às flutuações de pre-
ços do mercado internacional 44.

44
FRAGOSO, João L. Economia brasileira no século XIX: mais do que uma plantation
escravista-exportadora. In: LINHARES, Maria Y. (org.). História geral do Brasil. Rio de
Janeiro: Campus,1990. p. 160-161.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 41

Por outro lado, outro produto adquiriria destaque na econo-


mia paranaense do século XIX, a erva-mate. A historiadora parana-
ense Cecília Maria Westphalen, em sua obra Comércio exterior do
Brasil meridional, mostra como o Sul do país inseriu-se no capita-
lismo ocidental por meio do comércio de produtos não-tropicais
(carnes, couros, erva-mate, madeiras, azeites etc.) com outras na-
ções e, no caso específico do Paraná, a congonha (erva-mate) se
transformaria na principal riqueza daquele Estado por mais de um
século45.
Entrementes, havia em território brasileiro, em meados do
século XVIII, por volta de um milhão e duzentos mil escravos, em
contraste com uma população de aproximadamente três milhões de
pessoas livres. O escravo negro era, desde os pródromos da ocupa-
ção portuguesa no Brasil, a principal força motriz do país e a agri-
cultura extensiva do café foi, em sua maior parte, subordinada ao
trabalho dos braços negros. Os barões do café resistiam ferreamente
a qualquer abalo no sistema servil, contudo, desde meados do sécu-
lo XIX o quadro econômico internacional acenava para o trabalho
assalariado em detrimento do escravo46.
Diante disso, alguns setores mais progressistas da elite impe-
rial brasileira eram contrários à escravidão. Contudo, eles comparti-

45
“A notícia da existência das ervas paranaenses já alcançara a Corte. Em novembro de
1729, carta régia ordenava ao Governador Rodrigo César de Menezes, a remessa de um
caixote de ervas à Corte, bem como a receita para seu correto uso. O Rei, atendendo às
recomendações de Pardinho, pela Provisão Régia, de 29 de abril de 1722, concedeu aos
moradores de Paranaguá, liberdade de comércio. (...) Os ervais eram nativos, cobrindo
dilatada extensão do seu território. Estavam por toda parte e sem custar o mínimo esforço
aos seus habitantes, podiam colher as folhas, secá-las ao fogo, quebrá-las miudamente e
vendê-las aos engenhos que as beneficiavam para a exportação. O mate e apenas o mate,
conforme observação dos viajantes que passavam, continuava a ocupar os paranaenses,
nas horas de trabalho, na sua produção, como nas horas de lazer, no uso do chimarrão.
(...) A erva-mate significava o produto de maior exportação em volume e valor, dirigida
para o Prata e para o Chile.” WESTPHALEN, Cecília. Comércio exterior do Brasil
meridional. Curitiba: CD, 1999. p. 93 e 110.
46
“No decorrer do século XIX, o sistema capitalista, que se constituía em nível mundial,
transformava-se no sentido de subverter as condições de produção vigentes no mundo que
a ele se integrava. Vencida uma fase de acumulação primitiva, a vitória da fábrica mo-
derna, da produção mecanizada e da aplicação da ciência à tecnologia, impunha redefini-
ções em escala internacional. Numa primeira fase, este processo em curso implicara a
ruptura do chamado “pacto colonial”, a extinção dos monopólios e a liberdade de comér-
cio, desembocando no processo de independência das colônias latino-americanas. Num
segundo momento, a exigência para a expansão capitalista traduziu-se na eliminação do
trabalho servil.” In: PESAVENTO, Sandra. O Brasil contemporâneo. Porto Alegre: Edi-
tora da UFRGS, 1991. p. 11.
42 Rafael Augustus Sêga

lhavam do receio que os setores mais conservadores tinham da abo-


lição imediata e de que a transição e reorganização do trabalho no
país deveria acontecer de maneira gradual.
Em 1831, era promulgada no Brasil a lei que libertava os es-
cravos que aqui chegassem. Todavia, as leis não condiziam com a
realidade, e a repressão ao tráfico dava-se “só para inglês ver”.
A Bill Aberdeen britânica de 1845 estabelecia a proibição do
tráfico negreiro, mas aqui essa medida só fez aumentá-lo, pois os
importadores resolveram fazer “reservas” frente a essa ofensiva. Com
o intuito de diminuírem-se os atritos com os ingleses, o ministro da
justiça Eusébio de Queirós, assinou em 1850, a lei que levaria seu
nome e que extinguiria o tráfico externo de africanos para o Brasil.
A supressão do tráfico de escravos fez com que o capital
proveniente dessa atividade pouco nobre fosse dirigido para outros
ramos mercantis. Começaram a surgir os bancos de financiamento,
as companhias de colonização e imigração e vias férreas.
Com a paralisação das atividades dos traficantes essa vultosa
quantia foi repentinamente liberada, passando a ser aplicada em
outros setores econômicos (transportes, comércio, indústria, ban-
cos). (...) Enquanto entre 1841 e 1845 foi expedida apenas uma
patente industrial, entre 1851 e 1855 esse número subiu para
quarenta. Também no meio circulante os efeitos da proibição do
tráfico se faziam notar: “O dinheiro abundava e uma subida ex-
traordinária teve lugar nos preços das ações de quase todas as
companhias. No decênio 1850–1860 foram fundados nada menos
de 62 empresas industriais, 14 bancos, 3 caixas econômicas, 20
companhias de navegação a vapor, 23 companhias de seguros, 8
estradas de ferro, além de empresas de mineração, transporte ur-
bano, gás etc. O Brasil entrava num período de modernização e-
conômica e começavam a aparecer os primeiros empresários bur-
gueses, ligados muito mais à riqueza mobiliária do que propria-
mente à fundiária. Para isso, contribui bastante o investimento
inglês, graças à política imperialista posta em prática”47.

O abolicionismo foi um movimento político que permeou


todo o Segundo Reinado. Entretanto, ele só se fez sentir de uma
maneira mais organizada alguns anos após a sanção da lei Eusébio
de Queirós, quando parlamentares abraçaram a causa. Diante dos

47
MENDES JR., Antonio et alli, CD-ROM Brasil História. São Paulo: Digitalmídia, 1995
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 43

fatos e da pressão internacional, o Imperador começou a estudar a


abolição junto ao Conselho de Estado e alguns projetos de lei
começaram a tramitar nas casas legislativas do Império.
Tais projetos punham em xeque toda uma complexa rede de
sociabilidades, como, por exemplo, a libertação dos recém-
nascidos, indenização aos escravos, fim dos castigos e a alforria.
Contudo, a guerra do Paraguai fez com que algumas dessas atitudes
fossem tomadas em razão da necessidade de recrutas para o front,
obrigando alguns escravos a trocar a enxada pela espada. A partici-
pação dos negros como soldados do Exército Brasileiro fez com
que a condição jurídica deles fosse questionada.
Os partidos Liberal e Conservador não tinham propostas
antiescravistas em seus programas, e o abolicionismo foi um mo-
vimento mantido pela sociedade civil. A causa contou com o apoio
de vários advogados e poetas, e foram organizadas várias associa-
ções e jornais. Em termos legislativos, podemos enumerar as leis
“Do Ventre Livre” de 1871, sobre a liberdade aos filhos de escra-
vos e a “Dos Sexagenários” de 1885, que libertava os cativos com
mais de sessenta anos (ou pelo menos aqueles que conseguiam che-
gar a essa idade). Em 1884, a província do Ceará proibiu a escravi-
dão, o que foi seguido pela província do Amazonas. Vale destacar o
papel desempenhado pelos militares, que em 1887 invocaram às
autoridades imperiais o direito de se recusarem a prestar o papel de
perseguidores de escravos foragidos.
Podemos, enfim, ver que a abolição foi um movimento polí-
tico que perpassou à margem dos poderes constituídos e da vontade
dos poderosos senhores de escravos. Levando em conta o ponto de
vista meramente legal, a abolição foi sancionada pela Lei 3.353 (a
“Lei Áurea”), de 13 de maio de 1888, pela princesa Isabel, que
estava na posição de regente do Império e outorgou liberdade ime-
diata a todos os escravos do País, sem que, no entanto, fosse criado
nenhum projeto de indenização nem aos libertos, nem aos antigos
proprietários e nenhum programa de integração dos ex-escravos à
sociedade capitalista foi levado a efeito.
Em relação ao regime escravocrata no Paraná, podemos dizer
que foi organizado nos mesmos moldes do restante do Império, mas
com algumas peculiaridades.
44 Rafael Augustus Sêga

No Paraná, o sistema do trabalho escravo foi também empregado,


mas não chegou a ser exclusivo, devido ao tipo de economia que
aqui se desenvolveu, uma vez que o regime escravocrata instalou-
se no Paraná com o início da mineração de ouro no litoral. Os
elementos lusos, para cá atraídos por tal atividade,não chegavam
a ganhar o avultado capital necessário para a compra de grande
número de escravos africanos, de modo que, no século XVII, o
trabalho escravo existente no Paraná baseava-se sobretudo no
índio. (...) De qualquer forma, porém, a escravatura não foi, no
Paraná, a única fonte de trabalho, porque, paralelamente aos es-
cravos, eram inúmeros os homens livres que trabalhavam, não
como empregados, mas como membros de famílias numerosas ou
pequenos posseiros. (...) No século XVIII, à proporção que decaía
a mineração, o elemento escravo era transferido de preferência
para a agricultura e a pecuária do planalto. Os grandes criadores
de gado possuíam inúmeros escravos, de forma que estes eram
também a base da mão-de-obra no desenvolvimento da pecuária,
nos chamados Campos Gerais48.

Com o intuito de suprir a carência de mão-de-obra decorrente


da decadência do sistema escravista, nosso país recebeu uma forte
leva de imigrantes na segunda metade do século XIX, que se con-
centraram principalmente em São Paulo, cuja administração subs-
crevia as passagens e albergava os imigrantes recém-chegados para
mais tarde encaminhá-los a um fazendeiro.
Contudo, o Governo Imperial adotou uma política diferente, a
criação de colônias, que obtiveram melhores resultados na parte
meridional do País, onde as condições climáticas eram mais parecidas
com as européias. A maior leva de imigrantes foi constituída de
italianos que, a partir de 1880, chegavam em um montante médio
de cinqüenta mil ao ano e passaram a se concentrar principalmente
em São Paulo e nos três Estados do Sul do Brasil. Os portugueses
vieram em menor contingente e acabaram se instalando na capital
imperial. Afora esses dois grupos, também desembarcaram em ter-
ras brasileiras espanhóis, alemães, sírios, libaneses, judeus e japo-
neses. Apesar do intento agrícola das autoridades brasileiras, muitos
dos imigrantes acabaram rumando para as cidades a fim de exercer
os ofícios que desempenhavam em suas pátrias de origem, causando
um crescimento populacional vertiginoso nas principais cidades
brasileiras na virada do século XIX.

48
WACHOWICZ, Ruy C. História do Paraná. Curitiba, Vicentina: 1988. p. 132-135.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 45

O crescimento da corrente imigratória se deve à ação conjunta de


particulares direta ou indiretamente ligados à lavoura cafeeira e
dos Governos Provincial e Imperial, que por meio de propaganda,
auxílios financeiros e outros meios procuraram imigrantes que
impedissem a crise na lavoura por falta de mão-de-obra. Quanto
mais progressos fazia a campanha abolicionista, tanto mais o
Governo Imperial e principalmente o Provincial agiam para su-
prir de mão-de-obra as lavouras cafeeiras, pois ficou patente que o
número de imigrantes chegados era inferior às necessidades 49.

Se, por um lado, São Paulo absorveu mais da metade dos


contingentes estrangeiros, por outro, a imigração européia para o
Paraná foi de um vulto imenso para a configuração social daquele
Estado. Para termos uma idéia da importância do fluxo imigratório
em terras paranaenses, lá chegaram, no período entre 1829 e 1934,
por volta de cem mil estrangeiros, na sua grande maioria eslavos.
Sobre isso é patente a posição da historiadora paranaense Altiva
Pilatti Balhana:

O Governo Provincial paranaense, orientado pelas novas formu-


lações da política imigratória brasileira, que passou a objetivar o
fornecimento de mão-de-obra para a agricultura, com vistas à
substituição do trabalho escravo, elaborou e colocou em prática
um plano de colonização destinado a criar, no Paraná, uma agri-
cultura de abastecimento, atendendo às condições peculiares da
Província que, à época, não se dedicava às grandes lavouras de
exportação. (...) Todavia, as comunidades de imigrantes, de modo
geral, mantiveram por largo tempo uma economia de subsistência
e não contribuíram prontamente, como se esperava, para alterar
os hábitos e costumes da sociedade tradicional, adaptando-se, pe-
lo contrário, aos mesmos50.

Em termos políticos nacionais, os últimos vinte anos de exis-


tência do Império Brasileiro assinalaram o ocaso político do siste-
ma instaurado por D. Pedro I em 1822 e que conhecera seu esplen-
dor nas décadas de cinqüenta e sessenta do século XIX51.

49
PETRONE,Teresa S. Imigração assalariada. In: HOLANDA, Sérgio B. (Org.). História
Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, t. II, v. 3, 1985. p. 278.
50
BALHANA Altiva P. Imigração no Paraná. In: SOARES, Luis R. N. Dicionário histórico
biográfico do estado do Paraná. Curitiba: Chain/Banestado, 1991. p. 207-208.
51
MATTOS, Ilmar R. Op. cit., p. 164.
46 Rafael Augustus Sêga

Do meio de vários acontecimentos que explicitam esse qua-


dro de decadência política, três deles merecem relevo, as chamadas
“questões” militar, religiosa e abolicionista, pois suas ações catali-
saram os descontentamentos contra o regime e canalizaram as ma-
nifestações para sua superação. É importante ressaltar que tais
“questões” só adquiriram essas dimensões em razão do momento
histórico dado52.
Até a Guerra do Paraguai, a maior agremiação de gendarma-
ria do país era a Guarda Nacional, todavia, o conflito paraguaio
assinalou uma mudança de atitude do Exército Brasileiro frente à
sociedade brasileira. A luta fez com que os militares dessa arma
organizassem a corporação, crescendo efetivos e aprimorando
equipagens, além de criar um esprit de corps em torno dos ideais
republicanos e abolicionistas.
A proximidade dos militares brasileiros com seus pares plati-
nos durante a guerra provocou o surgimento de questionamentos
sobre a legitimidade do regime monárquico brasileiro, uma vez que
os outros dois países da “Tríplice Aliança”, Argentina e Uruguai,
eram repúblicas presidencialistas. E mais, o grosso da tropa era
formado por escravos arregimentados, fazendo com que os oficiais
simpatizassem com as reivindicações de liberdade da soldadesca.
Vale lembrar que, na década de setenta do século XIX, Brasil e
Cuba eram os únicos países escravocratas do continente:

A abolição, idéia vigorosa mesmo antes da Guerra do Paraguai,


tomou-se claramente mais forte, na medida em que os oficiais en-
travam em repetidos contatos com ex-escravos. Dado que a maio-
ria dos homens alistados nas fileiras compunha-se de antigos ca-
tivos ou de homens livres de cor, a sociedade brasileira tendia a
considerar os oficiais como pouco mais do que feitores. Talvez a
sensação de o baixo status de seus soldados diminuía sua própria
posição social e contribuísse para o abolicionismo dos oficiais,
mas indubitavelmente eram eles inspirados, também, por simpati-

52
“Se o Império não estivesse já em fase de declínio, se as estruturas que o marcavam não
estivessem já carcomidas, enfim se a monarquia não estivesse politicamente condenada,
tais “questões” não teriam passado de assuntos meramente episódicos, retratados apenas
em monografias específicas. Nas circunstâncias, no entanto, representaram o rompimento
definitivo do Estado brasileiro com dois setores sociais muito importantes e, por isso
mesmo, tanto mais significativos enquanto bases de apoio do sistema monárquico: a Igre-
ja e o Exército”. MENDES JR., Antonio et alii, Op. cit.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 47

as humanas em relação aos seus soldados e pelo desejo de ver o


Brasil livre53.
Com o fim da cruenta guerra, os oficiais voltaram aos seus
postos com o ímpeto de se fazerem valer no cenário político nacio-
nal, nem que essa postura acarretasse um posicionamento avesso ao
Império ao criticar abertamente a escravidão. Em linhas bem gerais,
as chamada “questões” militar e religiosa trataram da repressão por
parte do Império a oficiais contestadores do regime e a bispos que
perseguiam a sujeição ao ultramontanismo de Roma. Tais “ques-
tões” são de conhecimento tão notório de todos que achamos que
não cabe aqui pormenorizá-las.
Ao contrário do Rio Grande do Sul, a presença de guarnições
do Exército no Paraná e a influência dos militares na política local
não foram grandes. Se compararmos a situação militar dos dois
Estados, veremos que, enquanto o Rio Grande do Sul possuía na
segunda metade do século XIX oito batalhões de infantaria (Rio
Grande (2), São Gabriel, Uruguaiana, Porto Alegre (2), Alegrete e
Pelotas), cinco regimentos de cavalaria (Jaguarão (2), São Borja,
Livramento, Bagé), dois regimentos de artilharia de campanha (São
Gabriel e Bagé), um batalhão de artilharia a pé (Rio Grande) e um
batalhão de engenharia (Cachoeira) e um corpo de transporte (Porto
Alegre), o Paraná, devido a outra posição geopolítica, possuía em
sua capital um batalhão de infantaria, um regimento de cavalaria e
um regimento de cavalaria de campanha 54.
Seguindo a mesma tendência, a situação da Igreja no Paraná
era igualmente de pouca relevância 55.
Entrementes, se a imagem do Império ficou arranhada por
tais “questões”, os acontecimentos envolvendo o Gabinete Imperial
e os partidos foram tão ou mais desgastantes.
53
SCHULZ, John. O Exército e o Império. In: HOLANDA, Sérgio B. (Org.). História Geral
da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, t. II, v. 4. 1985. p. 254.
54
VERNALHA, Milton M. Maragatos X Pica-Paus. Curitiba: Lítero-Técnica, 1984. p. 60-61.
55
“Pela Bula pontifícia Ad Uníversas Orbi Eclesias, entre outras dioceses brasileiras, foi
criada a 27 de abril de 1892 a Diocese de Curitiba, abrangendo os estados do Paraná e
de Santa Catarina. Nessa conjuntura, final do século XIX, a situação geral da Igreja no
Paraná era crítica, como ressonância do longo tempo de união entre a Igreja e o Estado,
sua ruptura com a implantação da república, a escassez de sacerdotes, a ausência total de
clérigos católicos, a ignorância religiosa da maioria, e, sobretudo, pelo avançar das no-
vas idéias do liberalismo ateu e do anticlericalismo”. WESTPHALEN, Cecília M. Cleri-
cais e anticlericais no Paraná. In: SOARES, Luis R. N. Dicionário histórico-biográfico
do estado do Paraná. Curitiba: Chain/Banestado. p. 75.
48 Rafael Augustus Sêga

Os partidos oficiais atuavam como “amortecedores” dos con-


flitos sociais nos fóruns legislativos, e esses conflitos eram oriun-
dos de todas as camadas, inclusive a dominante, e é justamente
quando alguns setores dessas camadas dominantes não viram mais
legitimidade nos partidos tradicionais que o republicanismo começa
se firmar como uma plataforma política. Isso aconteceu nos dois
últimos decênios do Império Brasileiro.
O ano de 1868 é considerado por muitos como o grande mar-
co da ruptura na estrutura político-partidária imperial.

Sempre que podiam, os liberais e Caxias se fustigavam surda-


mente. Ao assumir o comando (da Guerra do Paraguai), Caxias
não criou nenhum problema, até porque os adversários não que-
riam fazer nada que prejudicasse a guerra. Porém, assim que
sentiu ter superioridade militar sobre o inimigo, Caxias resolveu
atacar no flanco político antes de desencadear a ofensiva contra
Humaitá. No início de 1868 enviou um ultimato ao imperador: ou
se demitia do comando das tropas ou o imperador demitia o chefe
do gabinete, Zacarias de Góes. (...) Depois de idas e vindas, Caxi-
as saiu vitorioso. Em maio de 1868, um mês antes da tomada de
Humaitá, Zacarias de Góes foi obrigado a pedir demissão. Para
seu lugar foi nomeado, o visconde de Itaboraí, grande arquiteto
da política conservadora da década de 1850. Mas o verdadeiro
comandante do país, todos sabiam, passava a ser o chefe mili-
tar56.

O episódio político narrado acima consumaria o desconten-


tamento de alguns setores do Partido Liberal com a política imperi-
al. A queda do gabinete de Zacarias Góes de Vasconcelos (coinci-
dentemente, o primeiro presidente da Província do Paraná) fez com
que o grupo auto-intitulado “radical” se distanciasse dos “modera-
dos”, pois os primeiros passaram para a implacável denúncia das
mazelas políticas do Império e a absoluta rejeição ao gabinete con-
servador de Itaboraí. Os políticos liberais mais experientes procura-
ram conciliar-se com as novas tendências do partido; com esse es-
copo, o Conselheiro Nabuco de Araújo redigiu em março de 1869 o
“Manifesto do Centro Liberal” onde ele denunciava as desdouras
do novo gabinete conservador, entre elas o recrutamento de liberais

56
CALDEIRA, Jorge et alii, Op. cit.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 49

para combater no Paraguai e perseguição política e pedia que os


liberais não participassem das eleições.
O vigor das denúncias levadas a cabo por Nabuco de Araújo,
entretanto, não chegava a propor uma oposição sistemática ao go-
verno, rogando apenas por reformas institucionais, a fim de evitar
uma ruptura mais grave. Mais uma vez, o Partido Liberal assumia
sua feição conciliatória, fazendo com que os “radicais” procuras-
sem outras vias de ação, como os clubes e as academias literárias,
onde os debates em torno do abolicionismo, e, inevitavelmente, do
republicanismo foram açodados independentemente da posição
oficial do partido. Mais tarde, as propostas dos liberais “radicais”
acabaram se confundindo com as dos republicanos “históricos”:
autonomia administrativa, fim do Poder Moderador, da Guarda
Nacional e do Conselho de Estado, a revogação da escravidão (nes-
se ponto eles eram mais incisivos que os próprios republicanos) e a
ampliação do voto a todos os cidadãos. Por fim, as “Conferências
Radicais” levadas a efeito na Corte, em prol do republicanismo,
descerraram as barreiras para o Manifesto de 03 de dezembro de
1870, que veremos mais adiante.
Durante o Império, as classes médias urbanas quase inexisti-
am e as possibilidades de ascensão social praticamente se restringi-
am ao quartel, à burocracia e à igreja, para os que não pertenciam
às famílias abastadas. Já os filhos dos aristocratas rurais do café
geralmente faziam seus primeiros estudos nos colégios jesuítas e
adquiriam formação superior em Direito, na maior parte das vezes
em Coimbra, Recife ou São Paulo e, quando esses decidiam-se pela
vida militar, era para ingressar nas escolas de oficiais 57.
Esse “bacharelismo” propiciava à elite dirigente do País uma
bagagem “livresca” romântica com enleves nacionalista; entretanto,
a formação em ciências físicas e biológicas ficava relegada aos
engenheiros e médicos militares. Nesse contexto é que o cientifi-
cismo e o positivismo vieram para superar o ecletismo proposto por
Victor Cousin, até então a principal reflexão intelectual da elite
dirigente nacional.
O avanço tecnológico europeu do início do século XIX, de-
corrente da primeira revolução industrial, fez com que o homem

57
No Rio Grande do Sul à época, o oficialato não pertencia obrigatoriamente à classe média,
uma vez que existiam muitos oficiais oriundos das grandes famílias proprietárias de terra.
50 Rafael Augustus Sêga

acreditasse em seu completo domínio da natureza e que todos os


problemas da humanidade e as necessidades da inteligência humana
seriam resolvidos por meio da investigação científica. O cientifi-
cismo surgiu nessa época como uma corrente de pensamento que
apregoava o predomínio da ciência e do método empírico sobre os
devaneios metafísicos da religião.
No Brasil, no meio literário o romantismo já não satisfazia a
intelligentsia nacional que deslocava seu foco de análise das trivia-
lidades da aristocracia rural e da Corte para questões, mais voltadas
às classes subalternas. Com a fixação da Corte no Rio de Janeiro, o
eixo da vida intelectual nacional fixou-se nas cidades do centro-sul
do País. O jornalismo urbano fomentou um novo debate em torno
de idéias liberais, abolicionistas e republicanas influenciadas pelo
pensamento europeu da época, principalmente o positivismo e o
evolucionismo.
O movimento intelectual erigido por Isidore-Auguste-Marie-
François-Xavier Comte (1798–1857) defendia que todo saber do
mundo físico advinha de fenômenos “positivos” (reais) da experiência,
e eles seriam os únicos objetivos de investigação do conhecimento.
A doutrina positivista inicial propunha um postulado ético
leigo e mundano, muito parecido com outra corrente de pensamento
do século XIX, o utilitarismo de John Stuart Mill e Jeremy Ben-
tham, cujo mote buscar “a maior felicidade possível para o maior
número possível de pessoas”, exprime bem a ideologia da época.
Às raízes epistemológicas do positivismo atribuem-se o em-
pirismo absoluto de David Hume, que concebia apenas a experiên-
cia como insumo do conhecimento e também a ilustração, ou ilu-
minismo, que apregoava a razão como base do progresso da história
humana. Destarte, o positivismo é filho de sua época, fruto direto
da consolidação econômica da revolução industrial e da tomada do
poder político pela burguesia, expressa nas Revoluções Inglesas do
Século XVIII e na Revolução Francesa de 1789. Comte buscou a
síntese de uma “física” social (a “sociologia”) que reformulasse o
quadro social instável decorrente das novas relações de trabalho.
Na primeira fase de seus trabalhos, Comte teve como seu
mentor o teórico do socialismo utópico, o Conde de Saint-Simon,
que transmitiu a seu pupilo a crença em um projeto político que
reformulasse completamente as condições da existência humana na
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 51

Terra. Em sua obra Curso de filosofia positiva (1830–1842), Comte


expôs a base de sua doutrina cujos alicerces teóricos estão assentados
na norma de três Estados do desenvolvimento humano e do conhe-
cimento. Tais Estados são: o teológico, o metafísico e o positivo 58.
Na fase teológica o ser humano entende o mundo a partir dos
fenômenos da natureza atribuindo a eles um caráter divino. Essa
fase encerra-se no monoteísmo. Na fase metafísica a interpretação
do mundo não é calcada em elementos sobrenaturais, mas em con-
ceitos abstratos, idéias e princípios. Por fim, na fase Positiva o ser
humano atém-se a expor os fenômenos e fixar “as relações cons-
tantes de semelhança e sucessão entre eles”. Nessa fase, as causas
e as essências dos fenômenos são deixadas de lado para se eviden-
ciar as leis que regem a sociedade, pois o “conhecimento humano
está destinado a organizar e não a descobrir”.
Comte partiu das feições reais do termo positivo para atingir
uma significação moral e social maior, a fim de reorganizar a socie-
dade, com a supremacia do amor e da sensibilidade sobre o raciona-
lismo, cujo apogeu é a religião da humanidade. A filosofia positiva
passava, então, não só a preconizar uma epistemologia, mas também,
uma teoria de reforma da sociedade e uma religião.
A unidade do conhecimento positivo passa a ser coletiva em
busca da fraternidade universal e a convivência prática em comum.
A junção entre teoria e experiência é baseada no| conhecimento das
ações repetitivas dos fenômenos e sua previsibilidade científica.
Assim é possível o aprimoramento tecnológico. O estágio positivo
corresponde à atividade fabril à transformação da natureza em mer-
cadorias. Se entendermos a ciência como a investigação da realidade
física, o positivo é o objeto e o resultado dessa investigação. Dessa
forma, a sociedade também é passível dessa análise, e a fase positiva
será caracterizada pela passagem do poder político para os sábios.
Na segunda fase dos trabalhos de Comte, a doutrina positivista
adquiriu uma feição religiosa com credo na ciência.
O pensamento positivista chegou ao Brasil em torno de 1850
e foi trazido por brasileiros que tinham ido estudar na França; alguns
tinham até mesmo sido ex-alunos de Comte.

58
RIBEIRO JR., João. O que é positivismo. São Paulo: Brasiliense, 2001. p. 19.
52 Rafael Augustus Sêga

A presença da doutrina positivista (em sua fase científica) no


Brasil tornou-se visível, a partir de 1850, quando ela apareceu na
Escola Militar, depois no Colégio Pedro II, na Escola da Marinha,
na Escola de Medicina e na Escola Politécnica. Já o positivismo de
vertente religiosa pôde ser atestado no Apostolado Positivista a
partir de 1881, fruto da iniciativa de Miguel Lemos (1854–1917) e
Raimundo Teixeira Mendes (1855–1927).
A atuação do positivismo no Brasil foi uma reação filosófica
contra a doutrina confessional católica, a reflexão intelectual de
maior peso no País desde os tempos coloniais. Nessa pugna no
campo das idéias figuraram também o naturalismo e o evolucio-
nismo. Uma das balizas do pensamento positivista no Brasil é o
estabelecimento da Sociedade Positivista Brasileira (origem da
Igreja da Humanidade) que foi fundada no Rio de Janeiro em 1876.
O positivismo que chegava ao Brasil moldava-se a ele e adqui-
ria o perfil de doutrina com influência geral e aceita por um grupo
reduzido de estudiosos. Tal grupo configurava-se em duas facções
posivitistas, isto é, os ortodoxos e os dissidentes. Miguel Lemos e
Teixeira Mendes lideravam o primeiro e alguns políticos como Luís
Pereira, Tobias Barreto e Sílvio Romero lideravam o último, bus-
cando em Comte fundamentação para a República.
Entre os republicanos brasileiros havia duas alas: a “liberal-
democrática” de inspiração norte-americana e a “autoritária” de
inspiração positivista. Todavia, em um primeiro momento, o pro-
grama do Partido Republicano estava muito mais preocupado com
o combate objetivo ao Império do que a pendências intelectuais.
Merecedora de destaque é a atuação doutrinária efetivada por
Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1833–1891), professor de
matemática da Escola Militar e ferrenho defensor do princípio posi-
tivista da valorização do ensino para se alcançar o estado sociocrá-
tico, elaborando uma reforma de ensino de clara orientação positi-
vista em 1890 quando ministro da instrução pública, correios e
telégrafos. Contudo, se para Comte esse ensino deveria ser destinado
às camadas pobres do continente europeu, no Brasil isso foi impos-
sível devido ao baixíssimo nível de instrução do proletariado nacio-
nal, e, assim, a transmissão dos ensinamentos positivistas acabou se
restringindo aos poucos que estudavam nas escolas militares59.

59
HOLANDA, Sérgio B. Da maçonaria ao positivismo. In: HOLANDA, Sérgio B. (Org.).
História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, t. II, v. 5, 1985. p. 302.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 53

Essa atividade doutrinária bem no seio da massa pensante das


forças armadas brasileiras foi fundamental para inculcar na cabeça
da oficialidade o destino “histórico” de implantar um regime repu-
blicano que fosse fundamentado na razão e na ciência positivista.
Os republicanos positivistas (“jacobinos”) antagonizavam-se
com os monarquistas e com os republicanos liberais e apregoavam
a instalação de uma república ditatorial com o fim de se alcançar a
“sociocracia” preconizada por Comte. Notamos, assim, uma cisão
dentro do próprio movimento republicano e até mesmo entre os
positivistas, pois, no movimento de 15 de novembro de 1889, sen-
timos a presença dos positivistas “dissidentes” (militares seguidores
de Benjamin Constant) em detrimento dos “ortodoxos” (civis se-
guidores da Igreja Positivista). Sobre esse princípio político positi-
vista, José Murilo de Carvalho esclarece-nos:

Comte tirara sua idéia de ditadura republicana tanto da tradição


romana como da experiência revolucionária de 1789, estas duas,
aliás, também relacionadas. A expressão implica ao mesmo tem-
po na idéia de um governo discricionário de salvação nacional e
na idéia de representação, de legitimidade. Não se trata de despo-
tismo. Para Comte, Danton era um ditador republicano e Robes-
pierre era um déspota60.

O positivismo acabou tornando-se uma filosofia fundamental


para o debate político no Brasil do século XIX, e o movimento de
15 de novembro sofreu fortes influências dessa corrente (conjugada
ao liberalismo) na organização formal da República Brasileira entre
elas, o dístico “Ordem e Progresso” da bandeira, a separação da
Igreja e do Estado; o decreto dos feriados as instaurações do casa-
mento civil e das liberdades religiosa e profissional, o fim do ano-
nimato na imprensa, a revogação da medidas anticlericais e a re-
forma educacional proposta por Bejamin Constant. Na verdade, o
positivismo como ideologia burguesa, tinha muitos pontos em co-
mum com a doutrina liberal.
Entrementes, os ideais comteanos não conheceram unanimi-
dade no meio político brasileiro, pois os políticos liberais herdeiros
da prática imperial (desde o início do Império, o sistema político

60
CARVALHO, José M. Entre a liberdade dos antigos e a dos modernos: a república no
Brasil. Pontos e bordados; escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 1999. p. 88.
54 Rafael Augustus Sêga

brasileiro embasara-se na noção de representação eleitoral preconi-


zada por John Locke em sua obra Segundo tratado sobre o gover-
no) não apoiavam a idéia de uma “ditadura republicana” e logo
passaram para a oposição aos positivistas no Congresso Nacional
arrefecendo sua influência no governo federal.
O fanal do positivismo não-ortodoxo no Brasil seria transfe-
rido para o Rio Grande do Sul onde o regime republicano foi foco
dominado pelos positivistas, que encontraram no advogado Júlio
Prates de Castilhos (1860–1903) seu mentor e que faria escola na
política gaúcha, adaptando à doutrina positivista um caráter orgâni-
co, popular e ecumênico. Castilhos havia entrado em contato com a
doutrina comteana após ter estudado na Faculdade de Direito de
São Paulo.
Ao contrário do Rio Grande do Sul, o positivismo não encon-
trou eco como doutrina política no Paraná. Foi o emérito historiador
David Antonio da Silva Carneiro (1904–1990), após estudar no
Colégio Militar do Rio de Janeiro entre 1919 e 1922, quem se dedi-
cou à divulgação da obra de Augusto Comte no Paraná em sua fase
religiosa e ajudou a organizar o Centro de Propaganda do Positi-
vismo no Paraná (que daria origem à Capela da Humanidade de
Curitiba), mas apenas na primeira metade da década de vinte do
século XX. Ao nosso ver, é leviandade atribuir o epíteto de “positi-
vistas” aos republicanos paranaenses que defendiam um poder Exe-
cutivo forte ou a superação do Império, como é caso dos presidentes
da província entre 1883–1885, Oliveira Belo e Brasílio Machado.
As crises políticas nacionais, vistas anteriormente, somadas à
Guerra do Paraguai, agravavam a situação política do Império. Ao
fim do conflito paraguaio, o governo persistia em postergar a solu-
ção de problemas graves como a escravidão e a descentralização
política. Não obstante, no segundo semestre de 1870, o Imperador
indicou o conservador Marquês de São Vicente para a chefia do
gabinete com o intuito de que esse realizasse tais reformas, uma vez
que o Visconde de Itaboraí não o havia conseguido e não se podia
mais usar a Guerra do Paraguai como desculpa.
Enquanto o ano de 1870 assinalava internacionalmente a uni-
ficação da Itália e da Alemanha, o nascimento da Terceira República
na França e a deflagração do conflito franco-prussiano, aqui a cisão
do Partido Liberal levava seus setores “radicais” a fundar o Clube
Republicano. E em 03 de dezembro desse mesmo ano, eles publi-
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 55

cavam no jornal carioca A República, o “Manifesto Republicano”,


cujo conteúdo era extremamente crítico (apesar de não ser extre-
mista) e atacava todos os laivos do Império, como a escravidão, o
regalismo, a elitização do ensino etc.
Em abril de 1873, era realizada na cidade paulista Itu, a pri-
meira convenção do Partido Republicano 61.
Entrementes, em termos políticos regionais, durante o período
provincial (1853–1889), o Paraná seguiu os ditames nacionais da
“ordem saquarema”, com o revezamento dos Partidos Liberal e
Conservador no poder, mas os presidentes provinciais eram oriun-
dos dos círculos íntimos do Imperador, o que causava desgaste
desses com a aristocracia local.
A estratégia de atuação política dos republicanos “históricos”
oscilava entre os que apoiavam a participação em eleições (ala lide-
rada por Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva, ficando conhecida
por “evolucionista”, pois acreditava na evolução natural do republi-
canismo e da decadência presumível da monarquia) e os que rejei-
tavam os mecanismos eleitorais (ala liderada por Silva Jardim, co-
nhecida por “revolucionária”, pois defendia a derrubada da monar-
quia por vias de força).
O Partido Republicano Paulista era o maior defensor do fede-
ralismo em razão das peculiaridades da província de São Paulo.
Descontentes com a centralização política imperial, os cafeicultores
paulistas visavam a uma maior autonomia regional, principalmente
no intuito da retenção dos impostos que fluíam da província bandei-
rante para outras partes do Império.
A substituição do conservador João Alfredo pelo liberal Vis-
conde de Ouro Preto para a chefia do Gabinete Imperial em 1889
assinalou, no Paraná, a ascensão do liberal Jesuíno Marcondes de
Oliveira e Sá (1827–1903), chefe supremo dessa facção política no

61
“O setor decrépito segue o trono, o setor em ascensão busca a República. Na Convenção
de Itu (18 de abril de 1873), dentre 133 convencionais, 78 são lavradores, para 55 de ou-
tras profissões (12 negociantes, 10 advogados, 8 médicos etc.). Ainda mais: muitos desses
fazendeiros eram senhores de escravos, mas não apenas senhores de escravos, o que levou
os republicanos, divididos entre liberais e moderados, a um acordo, que eludia o proble-
ma abolicionista, transferindo-o aos partidos monárquicos, que o deveriam resolver antes
de instaurado o novo regime. Com isso conciliavam-se os fazendeiros aos abolicionistas,
entregue aos primeiros a direção do partido. O abolicionismo seria exigência imediata
dos círculos democráticos, igualitários, e não dos liberais e federalistas, realidades que
não se confundem.” FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 456-457.
56 Rafael Augustus Sêga

Estado em razão de sua atuação política como em várias legislaturas,


como secretário de Estado e ministro dos negócios da agricultura,
comércio e obras públicas no gabinete Francisco José Furtado entre
1864 e 1865. Jesuíno Marcondes, ao lado do Conselheiro Manuel
Alves Araújo (1836–1910), ex-ministro também da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas no gabinete Martinho Silva Campos em
1882, compunham as principais oligarquias envolvidas com a ativi-
dade pecuária no Paraná, a dos “barões do Tibagi” (Jesuíno era
filho do primeiro barão, José Caetano de Oliveira) e a dos “barões
dos Campos Gerais” (Manuel era genro do primeiro barão, David
dos Santos Pacheco). Nesse ponto, a articulação política dos libe-
rais paranaenses com seus correligionários gaúchos é inequívoca e,
guardadas as devidas particularidades regionais, irá recrudescer
durante a Revolução Federalista:

No final do Império, o domínio da política gaúcha encontrava-se


nas mãos dos liberais. Esta agremiação representava, sobretudo,
os pecuaristas da Campanha, economicamente dominantes na
Província. Enquanto na maior parte do Brasil as instituições e
grupos políticos monárquicos afundavam-se lentamente, os libe-
rais gaúchos mantinham-se coesos e organizados “como um re-
gimento de Frederico, o Grande”, sob a liderança autocrática de
Silveira Martins. Em 1889, justamente quando estes começam a
adquirir projeção nacional, na esteira do vácuo político que co-
meça a se criar, a República é proclamada. Silveira Martins en-
contrava-se a caminho do Rio de Janeiro para assumir sua vaga
no Senado Imperial no dia 15 de novembro...62

Já o Partido Conservador era capitaneado, em terras paranaen-


ses, pelo Visconde de Nácar (Manuel Antonio Guimarães, 1813–
1893), um dos maiores comerciantes exportadores de erva-mate no
Paraná no século XIX e proprietário da maior firma de importação de
Paranaguá no período e pelo Conselheiro Manuel Francisco Correia
(1831–1905), irmão do Barão Serro Azul, ex-presidente da província
de Pernambuco em 1862, ex-ministro dos negócios estrangeiros no
gabinete Rio Branco, em 1871. Eles compunham as principais oli-
garquias envolvidas com a produção e comercialização da erva-mate.

62
VIZENTINI, Paulo G. F. Divididos pelo Rio Grande, unidos contra ele. In: GONZAGA,
Sergius; FISHER, Luís A.; BISSÓN, Carlos A. (Orgs.). Nós, os gaúchos/2. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 1998. p. 155-156.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 57

Cecília Maria Westphalen atenta para o fato de que, no Paraná,


entre os liberais predominava a aristocracia fundiária e entre os
conservadores predominava a aristocracia comercial63. Mas a dife-
rença era apenas nominal, pois tais facções apenas representavam
discrepâncias de parcelas dominantes e alguns mais oportunistas,
como Vicente Machado da Silva Lima (1860–1907), ex-liberal,
acabaram se intitulando “republicanos” em 1881 diante das crises
políticas do Império.
O republicanismo paranaense não é filho nem da cisão do
Partido Liberal em 1870, nem tampouco da Convenção de Itu em
1873. O tíbio movimento republicano paranaense foi iniciativa de
alguns jovens membros, filhos das aristocracias locais que, ao re-
tornarem das faculdades de Direito (principalmente de São Paulo),
traziam idéias novas de republicanismo e abolicionismo. Nesse rol,
atestamos jovens liberais e conservadores que abraçavam a causa, e
os primeiros clubes republicanos surgiram em Curitiba e Paranaguá
apenas em meados da década de oitenta do século XIX.
Já os primeiros periódicos de tendências republicanas no
Paraná são um pouco mais antigos que os clubes: Imprensa Livre
fundado em Curitiba por Sérgio de Castro em 1865, O Povo funda-
do em Morretes por Rocha Pombo em 1879, Livre Paraná fundado
em Paranaguá por Fernando Simas em 1883, e o mais engajado de
todos, A República fundado em Curitiba por Eduardo Mendes
Gonçalves em 1886 e que se arvorava em “órgão do Partido Repu-
blicano Paranaense”.
Em suma, podemos inferir que o projeto republicano no Brasil
se alimentou de várias influências: o abolicionismo dos “radicais”
do Partido Liberal, o trâmite político dos republicanos “históricos”,
o federalismo e o liberalismo econômico dos cafeicultores paulistas
e, por fim, o autoritarismo positivista de alguns oficiais (os “bacha-
réis fardados”) do Exército, que, junto a outros setores militares
mais tradicionais (os “tarimbeiros”), acabaram tomando para si a
missão de desfraldar o novo regime.
No ano do centenário da queda do Ancien Régime, os france-
ses construíam no Campo de Marte de Paris, por ocasião Exposição
Internacional, a torre Eiffel, projeto ousado de arquitetura metálica

63
WESTPHALEN, Cecília M. et alii. História do Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969. p. 148-
149.
58 Rafael Augustus Sêga

que mostrava, para o mundo, o arrojo da civilização burguesa oci-


dental. Por mera coincidência, a República era instaurada em nosso
país cem anos após a Revolução Francesa. E esse fato não passou
despercebido aqui:

A crença de que é possível mudar o homem e a sociedade, mudar


as estruturas que garantiam por nascimento a desigualdade entre
os homens, configura a atualidade da Revolução Francesa como
ideal simbólico, e ela foi pródiga em construir símbolos nacionais
capazes de garantir coesão social em substituição à antiga tradição
monárquica e aristocrática. Bandeira, hino, datas comemorati-
vas, cerimônias, procissões, marchas, festas para a deusa da ra-
zão e heróis objetivavam garantir a obediência, a lealdade e a coo-
peração dos súditos, ainda mais quando estes tinham se tornado
cidadãos64.

Na manhã do dia 15 de novembro de 1889, muitos presiden-


tes das províncias imperiais recebiam pelo telégrafo a notícia do
golpe republicano e da destituição do gabinete imperial pelo “povo,
o Exército e a Armada Nacional” 65. A abulia do velho regime (e do
próprio monarca) era tanta que quase nenhum setor social aventou a
possibilidade de uma resistência armada, à exceção da “Guarda
Negra” e de alguns baianos que tentaram esboçar reação. A defesa
pelo Império foi logo refreada frente aos próprios fatos.

1.2 AS DIFICULDADES DA IMPLANTAÇÃO DA


REPÚBLICA NO BRASIL

O regime instalado no lugar do Império tentou se espelhar,


em alguns aspectos, em seu congênere norte-americano e passou a
chamar-se “República dos Estados Unidos do Brasil”. Assumindo a
república federativa como forma de governo 66, no qual o poder
decisório deveria, a princípio, ser dividido entre as unidades federa-
tivas, indo contra o sistema centralizador do Império. O Rio de

64
OLIVEIRA, Lúcia L. As festas que a república manda guardar. Estudos Históricos. Rio
de Janeiro: CPDOC/FGV. v. 2, n. 4, 1989. p. 173.
65
CASALECCHI, José E. A proclamação da república. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 90.
66
SOUZA, Maria do C. C. O processo político-partidário na primeira república. In:
MOTTA, Carlos G. (Org.). Brasil em perspectiva. São Paulo: Difel, 1985. p. 162.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 59

Janeiro, de antigo “Município Neutro da Corte”, passava a ser “Dis-


trito Federal”; as antigas províncias, “Estados”; e os chefes dos
Executivos federal e estaduais, “Presidentes”.
A rigor, não havia um “Partido Republicano” propriamente
dito no Paraná antes de 15 de novembro de 188967. Após a notícia
do golpe republicano no Rio de Janeiro chegar ao Paraná pelo telé-
grafo, o poder saiu das mãos do presidente provincial e foi entregue
ao chefe da guarnição do exército de Curitiba. Como no resto do
país, a transição política foi relativamente calma.

Instituída a República, a 16 de novembro, embora não oficial-


mente chegava a notícia a Curitiba. O Presidente Jesuíno Mar-
condes e o Comandante da Brigada Militar, coronel Francisco
José Cardoso Júnior, imediatamente realizam reunião, objeti-
vando a manutenção da ordem na Província. Os oficiais, porém,
da guarnição manifestam o seu apoio ao gesto de Deodoro e logo
chega também o telegrama deste encarregando o Comandante da
Brigada, da manutenção da ordem pública, até a nomeação de
um Governo provisório. Em conseqüência, nesse mesmo dia, Je-
suíno Marcondes entregou a Presidência da Província a Francisco
José Cardoso Júnior, o qual tomou posse, a 17 de novembro, pe-
rante a Câmara Municipal de Curitiba68.

Os primeiros dois anos do regime republicano no Paraná fo-


ram um caos, sete governadores provisórios se alternaram no cargo,
quatro militares e três civis, e pior, nenhum deles era paranaense. O
Partido Conservador, que estava fora do governo no Paraná quando
da proclamação da República, bandeou peremptoriamente à nova
ordem, e só após o ‘15 de novembro’ é que as duas alas políticas
adquiriram uma nova “roupagem” republicana.
Já no Rio Grande do Sul, a instalação do regime republicano
foi sui generis, pois desde cedo o novo governo foi dominado pelos
positivistas, que encontraram em Júlio Prates de Castilhos seu men-
tor. Na verdade, Castilhos adquirira sua projeção por meio de sua
militância política no Partido Republicano Rio-Grandense, fundado
em 1882 e como articulista polêmico do jornal A Federação. O

67
COSTA, Samuel G. Introdução. In: CARNEIRO, David; VARGAS, Túlio. História
biográfica da república no Paraná. Curitiba: Banestado, 1994. p. 3.
68
WESTPHALEN, Cecília; BALHANA, Altiva. A república no Paraná. Revelações e
conferências. Curitiba: SBPH, 1989. p. 49-50.
60 Rafael Augustus Sêga

projeto político de Castilhos e seus seguidores de um “autoritaris-


mo ilustrado” era baseado nos ensinamentos de Augusto Comte ao
buscar o progresso por meio da ordem e da ciência. Propunham a
expansão das relações capitalistas e um desenvolvimento geral da
sociedade gaúcha, com melhorias na educação, nos transportes, nas
comunicações, nas técnicas agrícolas e industriais. Porém, o casti-
lhismo propunha uma modernização conservadora, pois, para essa
doutrina, a estrutura social deveria ser mantida e os conflitos soci-
ais negados, uma vez que o proletariado deveria ser incorporado à
sociedade de uma maneira paternalista.
Entrementes, Gaspar Silveira Martins (ex-senador, ex-conse-
lheiro extraordinário do Império e ex-presidente provincial, 1835–
1901) constituía-se no maior representante da elite rural ligada ao
antigo Partido Liberal e era o único líder gaúcho com condições de
esboçar uma reação frente aos castilhistas, todavia, ele havia sido
expulso do País em 1889.
Quando da proclamação da República, Castilhos recusou o
cargo de presidente do Estado e preferiu assumir como secretário
do governo estadual, sob a chefia do Visconde de Pelotas (José
Antônio Corrêa da Câmara, 1824–1893). Castilhos estava convicto
no intento de inaugurar uma nova fase positiva na política rio-gran-
dense, ao transformar as velhas práticas político-administrativas
clientelistas do período imperial. Em 1890, Júlio de Castilhos ele-
geu-se deputado ao Congresso que iria elaborar a primeira Consti-
tuição da República e logo identificou-se com a ala ultrafederalista,
passando a defender o projeto político jacobino69.
Em 14 de julho 1891, Júlio de Castilhos promulgaria a nova
Constituição estadual, que reproduzia quase integralmente o ante-
projeto proposto por ele mesmo70. Eleito presidente do Estado do
Rio Grande do Sul pelos próprios deputados, Júlio de Castilhos
assumiria o governo logo em seguida.
A carta gaúcha possuía forte teor centralizador e concentrava
a maior parte dos poderes nas mãos do presidente de Estado, que
passava a ser eleito por cinco anos, com direito à reeleição (mais
tarde, Borges de Medeiros, usando deste estratagema, permaneceu

69
FRANCO, Sérgio C. Júlio de Castilhos e sua época. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
1996. p. 82.
70
FRANCO, Sérgio C. Op. cit., p. 94.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 61

no poder por vinte e cinco anos). E ainda, podia governar por de-
creto e tinha a prerrogativa de nomear o próprio vice. O legislativo
estadual gaúcho (“Assembléia dos Representantes”) restringiu sua
ação à elaboração e aprovação do orçamento. Castilhos procurou
criar um governo autoritário de inspiração positivista. Com a nova
Constituição, o grupo ligado a Júlio de Castilhos assegurou-se per-
petuamente no poder, pondo fim ao revezamento dos tempos impe-
riais. Estava plantada a semente da discórdia que traria como fruto
dois anos e meio de uma guerra cruel e fratricida.
Em termos nacionais, a instalação relativamente tranqüila do
regime republicano fez com que seu artífice, marechal Manuel
Deodoro Fonseca (1827–1892), assumisse a presidência do mesmo
e tomasse as primeiras medidas para a sua estabilização, formando
o primeiro gabinete republicano com ministros civis e militares
engajados na ruptura, como se vê a seguir: Pasta da Justiça – Cam-
pos Sales (cafeicultor paulista), Pasta da Guerra – Benjamin Cons-
tant (positivista, ocuparia a Pasta da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos no ano seguinte), Pasta das Relações Exteriores – Quin-
tino Bocaiúva (republicano “histórico”), Pasta da Marinha – Eduar-
do Wandenkolk (militar de carreira), Pasta do Interior – Aristides
Lobo (republicano “histórico”), Pasta da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas – Demétrio Ribeiro (positivista) e Pasta da Fazenda
– Rui Barbosa (ex-liberal). A consumação do regime se daria dois
dias depois com a partida de Dom Pedro II para Paris.
As primeiras medidas tomadas pelo Governo Provisório vi-
savam superar as deficiências mais prementes, acumuladas do perí-
odo imperial. Dentre elas podemos destacar a separação da Igreja e
do Estado, a secularização dos cemitérios, o estabelecimento do
registro civil de nascimentos e casamentos, a abertura de linhas de
crédito e a convocação da Assembléia Constituinte no ano seguinte.
Não obstante, em termos econômicos é de bom alvitre acom-
panhar o quadro do País na passagem do Império para a República,
descrito por Nelson Werneck Sodré:

Em 1889, o quadro brasileiro pode ser traçado em umas poucas


coordenadas: o país dispõe de 14 milhões de habitantes, distribuí-
dos em 916 municípios, com 348 cidades; conta com apenas dois
portos aparelhados e apenas uma usina elétrica; com 8.000 esco-
las, 533 jornais, 360 quilômetros de rodovias, 10.000 quilômetros
de ferrovias e 18.000 de linhas telegráficas; sua produção ascen-
62 Rafael Augustus Sêga

de, em moeda nacional, ao valor de 500.000 contos de réis, e a


sua produção industrial a excede um pouco, pois vai a 508.000
contos de réis; em dados per capita, a produção industrial corres-
ponde a 35.750 réis, enquanto a produção agrícola corresponde a
35.700; a exportação per capita é de 15.000 réis e a receita per
capita de 11.500 réis. (...) No comércio exterior, verifica-se que,
entre 1876 e 1885 a nossa importação ascendeu a 1.770.000 con-
tos, quando a exportação atingiu a 1.970.000 contos. No decênio
de 1886 a 1895, já em parte sob o novo regime, a importação a-
tingiria a 3.300.000 contos, e a exportação a 4.100.000. O saldo,
naquele decênio, subiria a mais de 800.000 contos, dado realmen-
te importante. Começava, no Brasil, a capitalização 71.

Dentre as 21 províncias que foram elevadas à categoria de


Estados da União pelos republicanos em 1889, o Paraná (com uma
população de aproximadamente 330.000 habitantes na virada do
século XIX) possuía ainda uma projeção muito tímida em termos
nacionais72.
Por causa da influência dos positivistas, os militares compar-
tilhavam do ideal do “progresso” (dentro da “ordem”), não possuindo
em termos de política econômica um projeto específico. Combati-
am o liberalismo dos cafeicultores paulistas, por acreditar que esses
só visavam a seus interesses próprios. Com um quadro nacional eco-
nômico tímido, se comparado às nações já inseridas no capitalismo
monopolista, mas estável por outro lado (o café estava com os pre-
ços em alta), é que assumiu a Pasta da Fazenda o advogado Rui

71
SODRÉ, Nelson W. A república; uma revisão histórica. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 1989. p. 76.
72
“Embora criada pelo Império para ser seu ponto de apoio na região, a Província do
Paraná não recebia deste qualquer privilégio, ao contrário, sofria com graves problemas
econômicos e políticos. Sua economia era basicamente extrativista, seja a partir da extra-
ção da madeira, seja da erva-mate, cujo surto econômico propiciará o desenvolvimento
cultural de sua capital. Apesar deste desenvolvimento, o estado era o 18º em popula-
ção, ficando à frente somente do Espírito Santo, Mato Grosso e Amazonas, e 2/3 de seu
território ainda se encontrava desocupado e mesmo suas fronteiras não eram bem defi-
nidas. Talvez por estes fatores a tese de que o Paraná era um mero local de ligação e
passagem, uma estância para tropeiros tenha se consolidado, esquecendo que neste pe-
ríodo praticamente todo o país vivia em condições precárias e encontrava-se com a
maior parte de seu território desabitado.” PEREIRA, Luís F. L. Paranismo: o Paraná
inventado; cultura e imaginário no Paraná da Primeira República. Curitiba: Aos
Quatro Ventos, 1998. p. 23-24.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 63

Barbosa de Oliveira, com o intuito de modernizar a economia brasi-


leira. Sobre isso, apelamos mais uma vez a Nelson Werneck Sodré:
A república, nas alterações que introduz, marca nitidamente o
extraordinário esforço de adaptação das condições internas às
condições externas, de uma capitalização em início a um processo
capitalista que atinge a sua etapa imperialista. Com a República,
assistimos, realmente, ao apogeu da estrutura colonial de produ-
ção: o Brasil é um dos principais supridores de matérias-primas do
mercado mundial, e o seu produto fundamental é o alimentício que
figura em maior volume, nas correntes de troca, com a particulari-
dade de fazê-lo ainda sem concorrência. Isto acontece quando o
mundo assiste a um extraordinário surto de comércio internacio-
nal, decorrente do crescimento vertical da produção capitalista
que, com o surto demográfico, invade mercados e destrói velhas re-
lações73.
A proposta econômica de Rui Barbosa era investir o superávit
na produção industrial, e isso ia contra as aspirações de financiamen-
tos dos cafeicultores paulistas, mas acabou agradando aos militares.
A primeira medida de Rui Barbosa como ministro foi uma re-
forma bancária, a fim de facilitar a expedição de títulos de crédito.
No início, tudo correu sem problemas, e várias empresas foram
criadas no Distrito Federal. Otimistas, previam um bom panorama
de crescimento devido ao crédito facilitado pela reforma.
Em termos econômicos, reparamos um quadro parecido com
o visto anteriormente quando do fim do tráfico de escravos, cujos
capitais foram conduzidos a novos empreendimentos. Agora, porém,
o deslocamento dos fluxos de capitais era feito com o aumento
artificial do meio circulante; com essa medida as autoridades espe-
ravam baixar as taxas de juros e transformar os investimentos nas
empresas mais atrativos do que a especulação no mercado financeiro.
Na prática, a teoria mudava substancialmente, pois o retorno
financeiro de um investimento industrial leva tempo para se concre-
tizar e era mais fácil lucrar sem trabalhar que desenvolver projetos
com viabilidade econômica. O que parecia uma boa intenção aca-
bou virando um pesadelo. A historiadora Sandra Jatahy Pesavento
sobre isso esclarece:

73
SODRÉ, Nelson W. Op. cit., p. 76-77.
64 Rafael Augustus Sêga

A ampliação do meio circulante, conjugada a um sistema de cré-


dito amplo e fácil para as iniciativas que surgissem, proporcionou
uma febre especulativa no mercado de ações e uma proliferação
de novas empresas. Por outro lado, o aumento do papel-moeda
em circulação incidiu sobre o valor externo da moeda brasileira,
ocasionando uma baixa de câmbio. Paralelamente, para fazer
frente às necessidades fiscais do governo, determinou-se a co-
brança de uma taxa-ouro sobre as mercadorias importadas, ao
mesmo tempo em que se elevavam as taxas de importação74.
Num curto espaço de tempo, a especulação financeira era
bem maior que os empreendimentos de fato. O entusiasmo pelo
lucro fácil com papéis contaminou a vida econômica da capital da
República e passou para a história com o malfadado nome de “En-
cilhamento”, e a crise por ele gerada marcou a vida econômica dos
primeiros anos da República com inflação e carestia, o que ajuda a
entender, em parte, a insatisfação dos estratos mais humildes da
população com as autoridades constituídas.
Em 03 de dezembro de 1889, era nomeada uma comissão de
estudos para a instalação da Assembléia Constituinte e a redação de
um anteprojeto, tarefa que foi concretizada por Rui Barbosa.
No entanto, as correntes republicanas expostas anteriormente
entraram no confronto de qual projeto de sociedade a Constituição
deveria privilegiar. Os positivistas defendiam um Executivo forte,
posição compartilhada por alguns setores do oficialato e por mem-
bros do Governo Provisório, entre eles o próprio presidente Deodoro,
que protelou ao máximo a convocação da Assembléia Constituinte.
Os antagonismos entre os primeiros e os cafeicultores paulistas
já não podiam mais ser disfarçados; estes clamavam por democracia
e alegavam a ilegalidade da situação jurídica do Governo Provisório.
O apaziguamento das vontades e opiniões predominou e, ao final de
junho de 1890, as eleições para os constituintes foram convocadas
para setembro seguinte e, num pleito conturbado, finalmente, foram
indicados os elaboradores da nova Carta Magna da Nação, que aca-
baram acatando, quase que na íntegra, o anteprojeto de Rui Barbosa.
Promulgada a 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição
republicana estabeleceu os princípios norteadores do País para o

74
PESAVENTO, Sandra J. O Brasil contemporâneo. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
1991. p. 22.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 65

período que se estenderia até a Revolução de 1930, a chamada “Pri-


meira República Brasileira”. A historiadora Maria do Carmo Campello
de Souza tece considerações importantes sobre tais princípios:
Federalismo, presidencialismo e ampliação do regime representa-
tivo são as três coordenadas legais da Primeira República, (...)
associadas às características de uma estrutura econômica defini-
da pela grande propriedade. (...) A Federação surge em atendi-
mento às necessidades de expansão e dinamização da agricultura
cafeeira, desfeitas, já na Abolição, as motivações econômicas que
ligavam as várias regiões produtoras75.
Extraordinariamente, o primeiro presidente eleito foi escolhido
por via indireta, o marechal Deodoro da Fonseca. A Constituição de
1891 estabelecia o presidencialismo como forma de governo e ao
chefe do Executivo federal cabia a escolha dos ministros e o mes-
mo tinha autonomia para execução de projetos nacionais, sem a
interferência do Congresso, encerrando a negociação parlamentarista
imperial. O presidente tinha ainda a prerrogativa de intervir na
administração das unidades da federação (Estados) com o escopo
de manter a “ordem” republicana. A fundação de bancos emissores
de moeda ficava sob a tutela do presidente. Em reação a essa con-
centração de poderes, os liberais restringiram o mandato presidencial
em quatro anos, sem reeleição.
Apesar do ideal federalista, o ponto de equilíbrio, que no Im-
pério era exercido pela aristocracia agrária, passou para as oligar-
quias rurais paulistas e mineiras, que controlavam os maiores con-
tingentes eleitorais e que se revezaram no poder de 1894 a 1930. As
eleições para o Congresso (os senadores não eram mais vitalícios) e
para presidente passaram a ser diretas. O sufrágio passou a ser
livre, não obrigatório e universal (sem contar a renda), mas apenas
para homens alfabetizados maiores de 21 anos, o que ainda restrin-
gia muito o universo de eleitores.
Apesar de algumas tendências centralizadoras, várias con-
quistas liberais foram alcançadas, como autonomia administrativa
dos Estados, que puderam elaborar suas próprias constituições,
estabelecer tributos locais, contrair empréstimos no exterior e criar
sistemas judiciários, policiais e militares estaduais. Tais medidas
beneficiaram os Estados mais desenvolvidos como São Paulo,

75
SOUZA, Maria do C. C. Op. cit., p. 163-164.
66 Rafael Augustus Sêga

Minas Gerais e Rio Grande do Sul, pois a tributação estadual con-


sentia na adoção de políticas regionais independentes da União.
Por fim, no tocante “aos direitos e garantias do cidadão”
manteve-se o liberalismo, vigente desde a carta do Império:

Como os homens de 1824, os de 1891 acreditavam religiosamente


nas fórmulas do liberalismo político. Embutia-se o Brasil no
molde norte-americano, como, outrora, o tinham enquadrado no
constitucionalismo francês. Da extrema centralização para o
mais largo federalismo, eis o salto que ele ia dar. Era idêntica,
todavia, a inspiração das duas Constituições: o individualismo
político e econômico, ascendente no mundo em 1824, e em pleno
apogeu em 1891. No começo, como no fim do século, pelo modelo
europeu ou pelo modelo norte-americano, o domínio ideológico
era ainda o dos filósofos da Enciclopédia, de Rousseau e dos e-
conomistas liberais. A diferença essencial entre a constituinte
monárquica e a republicana consistia no desaparecimento das
fortes rivalidades entre unitários e federalistas76.

Como vimos, a primeira eleição presidencial foi feita no âm-


bito do Congresso em 1891, quando o marechal Deodoro venceu
Prudente de Morais por uma pequena margem de votos, contudo,
na eleição para o cargo de vice-presidente a delicada estabilidade
entre os candidatos não seguiu a mesma tendência, e o vice da cha-
pa de Prudente, o marechal Floriano Vieira Peixoto (1839–1895),
venceu com ampla margem o candidato da chapa de Deodoro, o
ministro da marinha Eduardo Wandenkolk. Esse escrutínio causou
apreensão no Congresso, pois,

Cedendo à pressão das tropas e para evitar uma possível inter-


venção militar, seguida de confronto com sérias conseqüências,
os parlamentares sufragaram o nome de Deodoro. (...) No dia da
posse, enquanto Deodoro era recebido por “palmas protocolares”,
a entrada de Floriano no recinto do Congresso foi saudada com
uma “ovação delirante”77.

A antipatia entre Deodoro e os “casacas” (civis) era recíproca


em razão de seu afastamento dos interesses dos cafeicultores pau-
listas, e o seu mandato constitucional foi marcado por atitudes auto-

76
BELLO, José M. História da República. São Paulo: Nacional, 1983. p. 72.
77
MONTEIRO, Hamilton M. Op. cit., p. 39.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 67

ritárias de sua parte, homem acostumado com a disciplina dos quar-


téis. Em verdade, o pacto circunstancial realizado pelos parlamenta-
res para a primeira eleição presidencial desagradou os setores que
se intitulavam “defensores do 15 de novembro”, como as oligarqui-
as regionais, os ex-liberais, os republicanos históricos e militares
não-positivistas. Tais setores passaram a fazer oposição sistemática a
Deodoro. Oportunista, Floriano aderiu a esse bloco de descontentes.
Já no Rio Grande do Sul, as divergências internas intensifica-
riam-se com a volta de Gaspar Silveira Martins, beneficiado por
medida de Deodoro, anulando a expulsão dos exilados políticos.
Quando do seu desembarque no Rio de Janeiro, no início de 1892,
Silveira Martins passou a fazer severas críticas tanto ao marechal
Floriano, como a Júlio de Castilhos, que, mesmo afastado da presi-
dência do Rio Grande do Sul, continuava sendo o homem forte do
Estado. Martins propunha a instalação de uma república parlamen-
tarista aos moldes do Império, idéias que não agradaram nem um
pouco a Floriano.
Do Rio de Janeiro, Silveira Martins seguiu para o Rio Grande
do Sul, dando início à oposição ao Partido Republicano Rio-
Grandense, de Castilhos, que defendia ferreamente a autonomia
estadual, leal ao preceito positivista das “pequenas pátrias”.
Sobre o retorno de Silveira Martins, Edgard Carone refere:
Em 19 de novembro de 1890, Deodoro da Fonseca decreta a anu-
lação do banimento dos monarquistas e, em junho do ano seguin-
te, Ouro Preto volta ao Brasil; em 05 de janeiro de 1892, Silveira
Martins aporta no Rio de Janeiro, onde se encontra com Floria-
no e diz “estar tudo errado; que precisava desfazer-se o que esta-
va feito para adotar a república parlamentar”. Sua vinda vai in-
centivar o movimento oposicionista no Rio Grande do Sul e, no
futuro, o desencadeamento da revolução federalista, apesar de
ser, o próprio Gaspar Silveira Martins, contrário à ação armada.
À sua chegada ao Rio é recebido com aclamações e declara que
seu programa é a defesa do parlamentarismo78.
Desde a demissão coletiva do primeiro ministério do Governo
Provisório, em janeiro de 1891, Deodoro chamou o barão de Luce-
na para o papel equivalente ao de chefe de Estado e lhe ofereceu os
ministérios da Justiça e da Agricultura. Após a promulgação da

78
CARONE, Edgard. A república velha: evolução política. São Paulo: Difel, 1971. p. 80.
68 Rafael Augustus Sêga

Constituição, Lucena permaneceu como ministro interino das pas-


tas, mas depois, em caráter efetivo, passou a ministro da Fazenda.
Sem maioria no Congresso, Deodoro teve sua atuação presi-
dencial estorvada. Diante disso, o presidente sentiu-se acossado e
passou a adotar uma série de medidas polêmica, que envolviam
concessões de obras sem concorrência, substituição de presidentes
de Estados, taxações alfandegárias, entre outras. O presidente ale-
gava boa-fé e tinha crença de estar contribuindo para o desenvol-
vimento do País.
Mas o Congresso não compartilhava essa opinião e intensifi-
cou o boicote e a investigação dos atos do presidente. A situação
tornou-se insuportável até a consumação do ato desesperado de 03
de novembro de 1891:
Em reunião no palácio, Deodoro reclama do Congresso: chama-o
de “ajuntamento anárquico” e proclama a necessidade de seu fe-
chamento “para a felicidade do Brasil”. (...) Acostumado aos ex-
pedientes monárquicos de dissolver a Câmara, quando convinha
ao Executivo, Deodoro usa-o inconstitucionalmente. Não se esta-
va mais no Império, e o regime republicano não admitia atos des-
se tipo, a não ser por meio de um golpe militar ou rebelião popu-
lar, fugindo completamente à ordem legal. O que o Presidente
não entendia era que a defesa da Constituinte e a legalização do
novo regime foram levantadas pelas forças conservadoras, enca-
beçadas por São Paulo79.
A atitude de Deodoro demonstra o quanto ele ainda estava
imbuído do jogo político imperial, quando, em situações intrincadas,
o Imperador dissolvia o parlamento por meio do Poder Moderador
e convocava novas eleições. Mas os tempos eram outros e, ainda
que muitos acatassem o fechamento do Congresso e a decretação
do “Estado de Sítio”, alguns deputados intensificaram um movi-
mento de resistência que atraiu setores da Marinha ligados ao almi-
rante José Custódio de Melo (1840–1902), que prometeu “apontar
seus canhões” contra o golpe. Deodoro aventou o confronto, mas
desistiu, receando que o choque das armas levasse o País a uma
guerra civil.
Enfermo e aborrecido, Deodoro chamou Floriano para a
transmissão do cargo e assinou sua renúncia a 23 de novembro de

79
MONTEIRO, Hamilton M. Op. cit., p. 42-43.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 69

1891. A resistência da Armada mostrava o quanto a República de-


pendia dos militares, e como o poder civil ainda era frágil frente às
vicissitudes do novo regime. Assim como seu antecessor, o mare-
chal Floriano era um veterano “tarimbeiro” da Guerra do Paraguai,
e, apesar de ter sido ministro da Guerra do Governo Provisório em
1890, Floriano representava, no meio militar, uma ala mais envol-
vida com a causa dos republicanos “históricos”. Sobre a cisão no
ambiente castrense Boris Fausto esclarece:
As forças armadas não atuavam como um grupo homogêneo di-
ante de uma classe social cujos representantes políticos se acha-
vam unidos. As rivalidades se recortavam entre Exército e Mari-
nha – razão principal da Revolta da Armada – entre quadros jo-
vens e velhos, entre partidários de Deodoro e Floriano. A disputa
entre os seguidores dos dois chefes, cujos objetivos não eram es-
sencialmente diversos, demonstra como a unidade do grupo se
quebrava diante de lealdades pessoais. A influência militar foi
sem dúvida muito grande nos primeiros anos da República, a
ponto de apenas metade dos Estados ser governada por civis. En-
tretanto, mesmo nesta época de apogeu, os militares partilharam
o poder com o núcleo agrário-exportador, fizeram-lhe concessões
essenciais e, para bem ou mal, acabaram por ceder-lhe as rédeas
do governo80.
Tão logo assumiu, Floriano revogou o estado de sítio, convo-
cou o Congresso Nacional para o mês seguinte e garantiu respeito à
Constituição. Não obstante, depôs todos os governadores que apoia-
ram o golpe de Deodoro (só o Pará escapou), dissolvendo as Assem-
bléias locais, e nomeando militares de confiança nas presidências dos
Estados. Os presidentes dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Maranhão e Amazonas protestaram e foram refrea-
dos pelo Exército. Floriano começava a pôr as mangas de fora...
Na implantação da República, o Rio Grande do Sul possuía
duas correntes políticas bem definidas: os republicanos castilhistas
e os parlamentaristas gasparistas, e a oposição não aceitou passi-
vamente quando Castilhos manteve-se reservado face ao malogrado
golpe de Deodoro em fechar o Congresso e organizou a “União
Nacional”.

80
FAUSTO, Boris. Pequenos ensaios de história da república (1889–1945). São Paulo:
Cadernos CEBRAP, n. 10, 1973. p. 2.
70 Rafael Augustus Sêga

Quando Castilhos resolveu se declarar contrário à ação de


Deodoro, o tempo hábil já tinha passado, e o Rio Grande do Sul in-
teiro mobilizara-se com rebeliões militares em São Borja, Uruguaiana,
Alegrete, Bagé, Jaguarão, Rio Grande, São Gabriel e Quaraí, mani-
festações civis em Porto Alegre e Bagé e, na serra gaúcha, o líder
Antônio Prestes Guimarães alardeou ter 2.500 homens para a pugna.
Castilhos se viu acuado frente a um comitê que exigia sua renúncia e
acabou deixando o cargo para uma junta governativa que ele próprio
escarneceu com a conhecida pecha de “governicho” (período com-
preendido entre 12 de novembro de 1891 a 17 de junho de 1892)81.
A tensão política no Rio Grande do Sul estava apenas come-
çando, já que nesse ínterim era fundado, em Bagé, o Partido Fede-
ralista Brasileiro, presidido por Silveira Martins e composto por
antigos correligionários do Partido Liberal. Unidos no combate a
Júlio de Castilho, os federalistas propunham a revisão da Constitui-
ção estadual e o fortalecimento do poder federal por meio do par-
lamentarismo. Para eles, o positivismo castilhista feria as “sacros-
santas” liberdades individuais resguardadas pela doutrina liberal.
Ironicamente, Castilhos havia sido articulista e diretor do
jornal republicano A Federação, fundado em 1884. Na verdade,
dentro da teoria clássica, o federalismo, de acordo com o cientista
político Lúcio Levi, pode ser entendido como:
O princípio constitucional no qual se baseia o Estado federal é a
pluralidade de centros de poder soberanos coordenados entre e-
les, de modo tal que ao Governo federal, que tem competência so-
bre o inteiro território da federação, seja conferida uma quanti-
dade mínima de poderes, indispensável para garantir a unidade
política e econômica, e aos Estados federais, que têm competên-
cia cada um sobre o próprio território, sejam assinalados os de-
mais poderes82.
Destarte, os republicanos de Castilhos encaixar-se-iam me-
lhor na defesa do conceito de federalismo exposto acima que os
próprios federalistas de Silveira Martins.

81
FLORES, Moacyr. Dicionário de história do Brasil. Porto Alegre: Editora da PUCRS,
1996. p. 244.
82
LEVI, Lucio. Federalismo. Dicionário de Política. Brasília. Editora da UnB, 1991. p.
481.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 71

Após o fracasso do golpe, Deodoro retirou-se da política,


vindo a falecer em agosto de 1892, e Castilhos retornaria à polêmi-
ca jornalística e à política de oposição, organizando o “Movimento
Reivindicador”. Todavia, as dificuldades da política fizeram com
que o “Marechal de Ferro” apoiasse Castilhos diante do mal maior
que era Gaspar Silveira Martins. Política tem dessas coisas...
O impasse estava criado, e as duas facções passaram a se
confrontar nem sempre apenas no campo das idéias. O “governicho”
não conseguia se manter no poder, e, após várias vicissitudes, os
republicanos castilhistas assenhorearam-se novamente do poder em
meados de 1892, e a tensão política resultou na perseguição dos
federalistas que acabaram, ao final desse ano, refugiando-se no
Uruguai a fim de organizaram militarmente o “Exército Libertador”,
e a partir de fevereiro de 1893 iniciaram as invasões ao Rio Grande
do Sul.
Entrementes, ao assumir a presidência, Floriano nomeou o
fazendeiro paulista Francisco de Paula Rodrigues Alves para a Pasta
da Fazenda, que estabeleceu uma política econômica conservadora,
com diminuição da emissão de moeda, obtenção de financiamentos
externos, alta dos juros, aumento dos gastos do governo, desestimu-
lando uma política pública de financiamentos para empreendimentos
industriais.
O artigo 42 da Constituição da República previa que “no caso
de vaga, por qualquer causa, da presidência ou vice-presidência
não houvessem ainda decorridos dois anos do período presidencial,
proceder-se-á a nova eleição”. Floriano a princípio nem se preocu-
pou com esse dispositivo constitucional, alegando que seu caso era
excepcional, pois, as “Disposições Transitórias” que fixaram a elei-
ção indireta dele e de Deodoro previam que “o presidente e o vice-
presidente eleitos na forma deste artigo (via indireta) ocuparão
seus cargos por quatro anos”; dessa feita, para ele seu mandato era
legal até o final do período previsto para Deodoro em 1894.
Essa artimanha gerou debates exaustivos nos jornais e no
Congresso, órgão competente para a solução da pendência, e este
manifestou-se pela permanência de Floriano na presidência até
1894. Evidentemente, essa era uma decisão mais política do que
jurídica, e outra vez os paisanos arrefeciam frente aos acenos de
intervenção militar.
72 Rafael Augustus Sêga

Como foi visto anteriormente, não existia unidade entre as ar-


mas brasileiras, e, no início de 1892, Floriano começaria a se deparar
com as primeiras sublevações militares contra seu mandato com o
motim das tropas das fortalezas de Santa Cruz e Lage na capital fede-
ral. Acossado, Floriano ordenou a prisão dos soldados insubordina-
dos. Em abril do mesmo ano, oficiais não deixariam passar incólu-
mes tais atitudes. Fernando Henrique Cardoso sobre isso infere:
Em torno a esta questão (do artigo 42) articulou-se o eixo político
da oposição e o processo culminou quando, mais uma vez, os mi-
litares envolveram-se na conspiração. O Manifesto dos treze ge-
nerais pedindo eleições e apontando a desordem reinante, bem
como a recusa de Floriano a acatar o pedido, seguida da reforma
dos militares, começou a apontar o caminho escolhido pelo Ma-
rechal para romper o impasse: o reforçamento do poder presi-
dencial 83.
A solução draconiana para o caso dos generais provocou pro-
testos, que Floriano reprimiu com igual diligência: deportou milita-
res, jornalistas e parlamentares oposicionistas para lugarejos remotos
da Amazônia. Era o início das jornadas do “Marechal de Ferro”...
A Revolta da Armada foi uma das rebeliões militares mais
sérias que Floriano enfrentou em seu período presidencial. As iro-
nias do destino fizeram com que o mesmo almirante que havia ga-
rantido sua posse, Custódio de Melo, agora ministro da Marinha,
pedisse exoneração do cargo e comandasse um segundo levante da
marinhagem. Custódio alegava a mesma justificativa anterior: des-
respeito à Constituição, pois, para ele, Floriano havia se tornado um
“ditador”, e clamava pela deposição do presidente e por eleição
para o primeiro mandatário da República, na qual o próprio Custó-
dio tinha pretensões eleitorais.
A 06 de setembro de 1893, Custódio apossou-se da belonave
Aquidabã, o que foi seguido pela oficialidade (entre eles Luís Filipe
de Saldanha da Gama, 1846–1895, e Eduardo Wandenkolk, 1838–
1902) e pela marinhagem de dezesseis outros vasos de guerra e
dezoito navios mercantes fundeados na baía da Guanabara. Assim
como no contragolpe naval a Deodoro, Custódio acreditava que
seus canhões junto ao apoio dos setores civis seriam suficientes
para forçar a renúncia de Floriano.

83
CARDOSO, Fernando H. Dos governos militares a Prudente – Campos Sales. História
Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1985.t. III, v. 1. p. 43.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 73

Ledo engano, pois os paisanos não vieram em apoio aos ma-


rujos, e Floriano contou com a lealdade do Exército, que respondeu
aos bombardeios da Armada da mesma forma. Diante do impasse,
os insurretos resolveram, em dezembro do mesmo ano, dividir a
esquadra e rumar para o sul atrás do suporte dos federalistas, o que
facilitou a tarefa de Floriano na capital, obtendo rapidamente o
controle das fortalezas e das tropas terrestres da Marinha e passou a
arquitetar a compra de navios para o combate marítimo, o que passa-
ria para a história com a denominação jocosa de “Esquadra de Pa-
pelão”. A aquisição dessa esquadra tem um forte caráter simbólico,
uma vez que Floriano preferiu adquiri-la junto aos Estados Unidos,
que era uma república, do que junto à Inglaterra, uma monarquia84.
Os vasos de guerra estrangeiros ancorados na baía da Guana-
bara, notadamente da Itália, Portugal, França e Inglaterra, alegando
neutralidade, ameaçaram intervir em prol dos seus interesses co-
merciais nacionais e dos seus concidadãos residentes na capital da
República e declararam o Rio de Janeiro uma “cidade aberta”. Im-
pediram tanto o desembarque de munição para os governistas como
pressionaram os revoltosos da Armada contra bombardeios.
Em um episódio lendário, che si non è vero, è bene trovato,
um representante inglês teria indagado Floriano sobre como ele
receberia eventuais forças destinadas a defesa dos interesses britâ-
nicos no Rio de Janeiro, e o marechal teria simplesmente respondi-
do: “à bala!” 85. Essa passagem, verdadeira ou não, deixa transpa-
recer o caráter inflexível e implacável de Floriano.
No início de 1894, os revoltosos da Armada tentaram ocupar
Niterói, mas foram contidos. Em março, desembarcava no Rio de
Janeiro a “Esquadra de Papelão” comandada pelo almirante Jerônimo
Gonçalves, e os rebelados da capital se rendiam depois de seis meses
de combates.

84
“A República não alterou, imediatamente, a política externa do Império. De fato, logo
após o golpe militar de 15 de novembro, os Estados Unidos desfrutaram de invejável po-
pularidade entre os brasileiros, como acentuou Oliveira Lima. Os governos de Deodoro e
Floriano empurraram o Brasil para o eixo de Washington, com a ajuda de Salvador de
Mendonça, nomeado Ministro naquela capital. Era uma forma de contestar o passado e
de resistir ao predomínio da Inglaterra, implantado desde os tempos coloniais”.
BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1973. p. 166.
85
QUEIROZ, Suely R. R. Os radicais da república. São Paulo: Brasiliense, 1986, p 149.
74 Rafael Augustus Sêga

Triunfante na capital, o governo transferiu suas forças para o


Sul do País e, em meados de abril de 1894, o Aquidabã iria a pique
no Desterro, mas a Revolta da Armada só findaria simultaneamente
à Revolução Federalista, em junho de 1895, com a morte do Almi-
rante Saldanha da Gama no Campo Osório, Rio Grande do Sul.
Embora oriunda de conflitos nacionais e regionais da implan-
tação do regime republicano no Brasil e nas províncias, e, mesmo se
tratando de uma rebelião contra Floriano no plano nacional, não cabe
aqui tergiversar sobre a Revolução Federalista, pois, como tema
principal desse trabalho, trataremos dela, com profundidade, no capí-
tulo seguinte, em que realizaremos, inclusive, uma abordagem mais
demorada da interseção da mesma com a Revolta da Armada.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 75
76 Rafael Augustus Sêga

CAPÍTULO 2

Em termos mais gerais, no quadro preciso de uma sociedade de-


terminada e por um período igualmente determinado, a noção de
legitimidade não corresponde a nada além do reconhecimento
espontâneo da ordem, da aceitação natural, não obrigatoriamente
das decisões daqueles que governam, mas dos princípios em vir-
tude dos quais eles governam. Todo poder pode, em última análi-
se, aparecer como legítimo quando, para a grande massa da opi-
nião e no segredo dos espíritos e dos corações, a manutenção das
instituições estabelecidas é reconhecida como uma evidência fac-
tual, escapando a toda contestação, ao abrigo de todo questiona-
mento86.

OS PERCALÇOS DO NOVO REGIME


E A REVOLUÇÃO FEDERALISTA

A crise da implantação do regime republicano no Brasil foi,


antes de mais nada, uma crise de legitimidade. Os percalços da
nova ordem política obrigaram os novos atores a sobreporem insti-
tuições e os governantes do período anterior, e a saída encontrada
para essa tarefa foi, em grande parte, a força e a violência política 87.
Como vimos no capítulo anterior, a instalação do regime re-
publicano no Brasil exigia um novo pacto político em torno de um
bloco no poder que conciliasse os interesses da economia cafeeira
com a manutenção da unidade nacional, e os governos militares de
Deodoro e Floriano foram fundamentais para consolidar de forma

86
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras,
1987. p. 88.
87
“Esse tempo forte, composto de momentos de efervescência da vida política, caracteriza
os primeiros dez anos da República (1889-98), também chamados de ‘anos entrópicos’,
nos quais a quantidade de desafios parece ser maior que a capacidade dos atores de erra-
dicar a ignorância sobre o que se passava. Nessa ‘década de caos’ se buscou, sem êxito,
construir as bases da obediência legítima.” OLIVEIRA, Lúcia L. As festas que a repúbli-
ca manda guardar. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV. v. 2, n. 4, 1989.
p. 175-176.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 77

coercitiva esse novo estado de coisas, realçando a força em detri-


mento do consenso.

Defrontavam-se pelo menos três projetos diferentes na política


nacional. O projeto castilhista, cuja defesa do federalismo era ra-
dical apenas com o fito de defender uma solução particularmente
centralizada no Estado do Rio Grande do Sul, imbricava-se com o
projeto militarista florianista, que defendia o presidencialismo
autoritário, resvalando em uma possibilidade de ditadura. Ti-
nham a seu favor forças heterogêneas na esfera econômica e soci-
al. Ao lado de frações de oligarquias locais, presentes no PRF,
que se hostilizavam no próprio corpo partidário, havia camadas
das incipientes classes médias que compunham a população dos
maiores centros urbanos, cuja luta pela estabilidade social passava
pelos problemas de carestia dos gêneros alimentícios, habitação,
conquista de empregos etc. O nacionalismo, a ordem, o progres-
so, o xenofobismo, eram as representações ideológicas que sus-
tentavam esse movimento difuso, embora, aparentemente, de
perspectivas democráticas mais amplas. O terceiro projeto, o da
burguesia paulista, apresentava-se cada vez mais consistente,
com base na agricultura cafeeira, e nas novas relações de produ-
ção sintonizadas com os interesses do capitalismo internacional 88.

Contudo, as relações estabelecidas no interior da classe do-


minante, vistas acima, não estavam livre de confrontos e oposições
internas, pelo contrário, dentro do conceito “classe dominante”
coexistem, em seu bojo, várias “frações autônomas de classe” 89.
Nesse sentido, as frações autônomas de classe surgem a partir de
sua posição dentro do processo social de produção capitalista, ou
melhor, elas podem se subdividir em frações envolvidas ou com a
produção, ou com o financiamento, ou com a comercialização. Tais
frações correspondem a todas as fases de reprodução do capital e,
apesar de às vezes seus interesses parecerem antagônicos ou ser
difícil sua precisão, elas precisam umas das outras para sobreviver.
No caso do Paraná ao final do século XIX, essas frações autônomas

88
JANOTTI, Maria de L. M. Os subversivos da república. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p. 138.
89
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
p. 74-82.
78 Rafael Augustus Sêga

de classe corresponderiam à burguesia do mate e às parcelas envol-


vidas com a atividade criatória desenvolvida nos Campos Gerais 90.
Para Nicos Poulantzas91, apenas podemos notar o caráter des-
sas frações autônomas de classe quando a vivência das mesmas se
faz sentir nos níveis políticos (por meio de partidos ou organiza-
ções de classe) ou ideológico (pela luta de classes), ao que ele cha-
ma de “efeitos pertinentes” 92.
Diante disso, só podemos entender os interesses dos pecua-
ristas identificados com os federalistas, por exemplo, por meio de
uma ideologia própria – o liberalismo – em rivalidade de outra – o
positivismo – no desdobramento histórico da luta concreta entre
duas frações autônomas de classe, no caso do Rio Grande do Sul.
Já os militares formaram, durante a Primeira República, um
grupo de difícil inserção conceitual dentro da análise da sociedade
de classes, cuja percepção de seus efeitos pertinentes também é
uma tarefa penosa.

O longo processo de formação da caserna privilegia a obediência


sem discussão, a autoridade sem vacilações, a imposição da or-
dem mesmo à custa da liberdade. (...) Ao militar, portanto, é difí-
cil assimilar um pensamento como o liberal, assumido pelas clas-
ses dominantes que o excluíram da participação política e de van-
tagens sociais. Por outro lado, sua relação é com o Estado. Não

90
“Assim, as simples formas produtivas, dinheiro e mercadoria do capital não nos reve-
lam frações desse mesmo capital. Essas formas, assumidas sucessivamente por um ca-
pital individual no seu movimento cíclico, só se transformam em frações do capital
quando encaramos este último a partir de um novo prisma, isto é, como um todo, como
capital social total. Deste ponto de vista, essas formas não são mais fases sucessivas de
um capital individual, mas funções específicas de um grupo de capitalistas permanen-
temente dedicados a elas. Temos, então, por efeito da divisão social do trabalho, essas
funções substantivadas, confiadas, permanentemente, a uma categoria particular de
capitalistas. A forma produtiva se transforma em capital produtivo, a forma mercadoria
em capital comercial e a forma dinheiro em capital bancário, funções específicas do
processo social de produção.” PERISSINOTTO, Renato M. Classes dominantes e he-
gemonia na República Velha. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. p. 21.
91
POULANTZAS, Nicos. Op.cit. (Nota 4), idem.
92
Para Poulantzas, os efeitos pertinentes da ação de uma fração autônoma de classe aconte-
cem em condições históricas concretas e não apenas nas relações econômicas, mas no cer-
ne da batalha política: “De fato, as classes sociais só existem na luta de classes, em di-
mensão histórica e dinâmica. A constituição e mesmo a delimitação das classes, das fra-
ções, das camadas, das categorias só pode ser feita considerando-se essa perspectiva his-
tórica da luta de classes.” POULANTZAS, Nicos. As classes sociais no capitalismo ho-
je. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 29.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 79

tem parte direta na estrutura de produção, não compreende o jo-


go das forças econômicas e os mecanismos políticos de que se
servem, sendo-lhe menos fácil chegar à consciência de classe que
um burguês ou operário. Por isso, preocupa-se com homens, a-
queles que dirigem e utilizam os recursos da nação 93.

Nas relações das forças econômicas, o “bloco no poder”


constitui-se na unidade dentro da diversidade, com a qual as classes
ou frações autônomas de classe politicamente dominantes agem por
meio do Estado frente às demais classes da sociedade. Retomemos
as considerações de Nicos Poulantzas:

Não nego absolutamente que a contradição fundamental é entre


classes dominadas e classes dominantes. Também não nego que
as contradições no seio do bloco no poder são em última instân-
cia devidas também ao tipo de resistência que as classes domina-
das desenvolvem em relação às classes dominantes. Por exemplo,
um dos aspectos decisivos da incoerência da política do aparelho
de Estado deve-se às classes dominadas. Dito isto, será que a re-
sistência-luta das classes dominadas se manifesta no seio do Es-
tado sempre e apenas de maneira directa e aberta, ou também a-
través das contradições internas do bloco no poder, contradições
de que ela é o factor fundamental?94

Um outro conceito que emprestamos de Poulantzas é o de


“hegemonia”95, entendido como a relação de subordinação das fra-
ções autônomas de classe frente a uma fração que prepondera sobre
as demais e cujos interesses econômicos acabam se tornando priori-
tários. Nesse sentido, hegemonia é a habilidade com a qual a classe
dominante e suas frações têm em sobrepor seus próprios interesses
no corpo social. No confronto dos interesses entre as classes ou
entre as frações dominantes, destacando as relações de submissão
entre elas, a hegemonia efetua o convencimento que a fração da
classe dominante que prepondera leva a cabo no cumprimento de
seus interesses próprios, por meio da ação dos órgãos públicos.

93
QUEIROZ, Suely R. R. Os radicais da república; jacobinismo: ideologia e ação 1893–
1897. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 269-270.
94
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder e nós. In: BALIBAR, Etienne. (Org.). O Esta-
do em discussão. Lisboa: Edições 70, 1981. p. 98.
95
POULANTZAS, Nicos. Op. cit. (Nota 4), p. 137.
80 Rafael Augustus Sêga

Ora, entendemos que os percalços do regime que serão expli-


citados no presente capítulo foram uma crise no bloco no poder de
um sistema hegemônico que tentava se firmar e onde as classes su-
balternas atuaram como grupos de apoio para parcelas dominantes
em conflito. Em termos nacionais, o embate acontecia entre os cafei-
cultores paulistas e os militares ligados a Floriano, momentaneamen-
te imbuídos de um vago projeto político, fruto do “movimento difu-
so” visto anteriormente no texto de Maria de Lourdes Mônaco Janot-
ti, e em termos regionais, entre os pecuaristas da Campanha e os
positivistas castilhistas, no Rio Grande do Sul e entre a aristocracia
agrária dos Campos Gerais contra os republicanos, no Paraná.
As propostas federativas levadas a efeito pela implantação da
República no Brasil tentavam atender a uma nova realidade regio-
nal do país, dando uma maior autonomia aos Estados.
Todavia, a abolição da escravidão em 1888 assinalou o primei-
ro grande marco da passagem de um Estado escravista moderno para
um Estado de tipo “burguês”96. Para Jacob Gorender, “a Abolição foi
a única revolução social jamais ocorrida na História de nosso país”.

Com o desaparecimento da escravidão, desapareceram também o


modo de produção escravista colonial – dominante durante quase
quatro séculos – e a formação social escravista correspondente. A
profunda transformação na estrutura econômica não deixou de
se manifestar na superestrutura político-jurídica. A Monarquia
centralizadora estava esclerosada e se tornara um trambolho. Daí
ter sido substituída pela República federativa descentralizada, na
qual os Estados ganharam ampla autonomia, sob a batuta hege-
mônica dos dois Estados mais poderosos: São Paulo e Minas Ge-
rais97.

A proclamação da República assinalou, em termos político-


institucionais, a superação da estrutura estatal imperial, e a Consti-
tuição de 1891 foi o coroamento dessa metamorfose político-
jurídica 98.

96
SAES, Décio. A formação do Estado burguês no Brasil (1888–1891). Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985. p. 181-192.
97
GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 21.
98
OLIVEIRA, Ricardo C. O silêncio dos vencedores; genealogia, classe dominante e estado
no Paraná. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001. p. 228.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 81

Constatamos no capítulo anterior que a República foi efeti-


vada em nosso país sob a égide de vários grupos que, após a im-
plantação do regime, passaram a exercer pressão para que seus
projetos de sociedade fossem concretizados. Fundamentalmente, o
Exército foi o grupo que mais se destacou nos primeiros anos do
novo regime, todavia, ele não conseguiu alterar o cerne da econo-
mia brasileira de então, a estrutura fundiária de produção, que se
manteve, em linhas gerais, nas mãos das oligarquias agrícolas.
Na estrutura de classes sociais da Primeira República, o pa-
pel desempenhado pelas camadas médias urbanas (nas quais pode-
mos inserir os militares) em propor um projeto político alternativo
ao da burguesia cafeeira paulista é pífio, quer seja pela heteroge-
neidade social, quer seja pela inconsistência ideológica. Francisco
Corrêa Weffort elucida bem esse aspecto:

As camadas médias nunca conseguiram, por um lado, formular


uma ideologia adequada à situação brasileira, isto é, uma visão
ou programa para o conjunto da sociedade brasileira: adotaram
os princípios da democracia liberal que, nas linhas gerais, consti-
tuem o horizonte ideológico dos setores agrários. Ademais, suas
ações nunca puderam superar radicalmente e com eficácia os li-
mites institucionais definidos pelos grupos dominantes99.

Entrementes, o grupo com maior força econômica, os cafeicul-


tores paulistas, teve que barganhar tanto com o exército como com as
outras oligarquias agrárias regionais para erigir seu sistema hege-
mônico em termos nacionais, o que só se concretizaria com a “Polí-
tica dos Governadores”, na gestão de Campos Sales. Tais negocia-
ções geraram tensões no bloco hegemônico, e, no meio econômico
interoligárquico, tanto as produções agrárias regionais como as inci-
pientes atividades industriais urbanas ficavam muitas vezes incompa-
tíveis com as propostas econômicas dos cafeicultores paulistas.
É inquestionável que o grupo capitalista e mercantil formado
em São Paulo com as exportações de café tornou-se a fração hege-
mônica da vida econômica e política da Primeira República brasi-
leira. Contudo, essa fração de classe não existiu em termos nacio-
nais, como fruto do curso próprio da concentração de capitais no

99
WEFFORT, Francisco C. Estados e massas no Brasil. Revista Civilização Brasileira. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, n. 7, maio de 1966. p. 140-141.
82 Rafael Augustus Sêga

Sudeste do País, principalmente no Estado de São Paulo. Isso acon-


teceu porque a divisão do trabalho da lavoura cafeeira ficava restri-
ta ao local de produção e porque outros produtos nativos de expor-
tação, tais como açúcar, algodão (a borracha só conheceria seu
boom no início do século XX100) tinham pouca demanda no merca-
do externo nessa época. 101
A orientação do sistema econômico capitalista em seu está-
gio monopolista reservava externamente ao Brasil o papel de pro-
dutor primário, o que beneficiava as frações autônomas de classe
produtoras de café, notadamente os produtores paulistas.
E, dentro desse contexto tímido em termos internacionais, a
regionalização da economia brasileira gerou desequilíbrios, e o três
Estados do Sul do Brasil, principalmente o Rio Grande do Sul, pos-
suíam características próprias e interesses muitas vezes divergentes
da elite cafeeira. Para o emérito historiador norte-americano Joseph
Love, o Estado gaúcho mostrou-se um “fator de instabilidade na
República Velha”:

Tanto na política quanto na economia da República Velha, o Rio


Grande do Sul constituiu uma anomalia: economicamente nem pa-
ra a exportação nem para a subsistência; politicamente, não foi um
Estado dominante (no sentido em que o foram Minas Gerais e São
Paulo), nem um Estado satélite. (...) Em parte alguma foi a instabi-
lidade política nos anos iniciais da República maior do que no Rio
Grande do Sul. (...) Em contraste com sistema amorfo do partido

100
PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1945. p. 249.
101
O economista Paul Singer assim insere o Brasil na economia mundial do período:
“Como participante da divisão internacional do trabalho, o Brasil era produtor especiali-
zado num artigo de sobremesa – o café – numa matéria-prima extrativa – a borracha –
que estava em vias de ser produzida de uma forma superior, em plantações, não no
Brasil mas muito significativamente em outros países. Mesmo como produtor primário,
o Brasil conheceu uma série de fracassos: foi superado pelos Estados Unidos duas ve-
zes, uma após a Guerra (Americana) pela Independência e outra após a Guerra da Se-
cessão, no mercado mundial do algodão; no mercado internacional de açúcar, o Brasil
foi superado pelas ex-colônias espanholas, particularmente Cuba, sobretudo após a
Guerra Hispano-Americana (1898); finalmente, no mercado mundial da borracha, a
hegemonia brasileira foi derrubada, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, pela
competição das plantações de seringueiras no Extremo Oriente. O Brasil apenas man-
tém seu predomínio no mercado do café e uma posição de certa importância no do
cacau. Dado o tamanho do país e de sua população, seu desempenho na divisão inter-
nacional do trabalho parece medíocre . SINGER, Paul. O Brasil no contexto do capita-
lismo internacional. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasi-
leira. São Paulo: Difel, 1985. t. III, v. 1. p. 349-350.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 83

único, dominado pelo governador e pelos notáveis, de quase todos


os Estados na Primeira República, a política no Rio Grande conti-
nuou a girar em torno de dois partidos bem organizados. Parado-
xalmente, talvez, os dois partidos tinham, ao mesmo tempo, mais
nítida orientação ideológica (presidencialismo ditatorial versus
parlamentarismo) do que os partidos em outros pontos do Brasil. A
família e a posição social, de que tanto caso se fazia em outras par-
tes do país, significavam relativamente menos no Rio Grande102.

Deveras, mais do que conflitos entre “oligarquias regionais”,


o regionalismo político decorrente da regionalização da economia
visto acima deve ser entendido como expressão de conflitos no
interior do bloco no poder 103.
Como vimos anteriormente, a Constituição de 1891 foi a
sagração do projeto civil sobre o militar e jacobino, ou seja: da
República liberal e federativa sobre a República autoritária e centra-
lizadora. Todavia, os militares conseguiram impor a eleição indireta
do primeiro presidente, o que lhes daria uma sobrevida de mais
quatro anos no poder (completada com Floriano).
A análise do período da gestão presidencial de Floriano é uma
das mais difíceis em termos de história política, pois a aceleração dos
episódios políticos e administrativos refletiam as divergências entre
as oligarquias estaduais com a ordem militar e as transformações
levadas a efeito entre 1889 e 1894 foram rápidas demais para que
os grupos tradicionais as digerissem. Na verdade, o referido período
reflete a explosão das tensões acumuladas desde a década de setenta
do século XIX, decorrentes principalmente da superação paulatina

102
LOVE, Joseph L.O Rio Grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha.
In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel,
1985. t. III, v. 1. p. 99 e 110-111.
103
“Os chamados ‘conflitos regionais’ são, na verdade, conflitos entre São Paulo e Minas,
por um lado, e os outros estados, chefiados pelo Rio Grande do Sul, por outro lado.
Não havia, portanto, um conflito generalizado e aleatório de todos os estados entre si,
mas sim, um padrão. Os conflitos regionais foram, portanto, entendidos como conflitos
entre os setores da classe dominante voltados para o mercado externo, que justamente
devido à regionalização da economia agroexportadora, tomaram a forma de uma luta
entre regiões, de uma luta entre unidades da Federação. Assim, essencialmente, procu-
ramos entender tais conflitos de classe e não como conflitos entre ‘oligarquias regio-
nais’. (...) Conseqüentemente, quando falamos em ‘hegemonia’ na Primeira República
devemos falar em hegemonia de uma classe e não de uma região. Falar em hegemonia
de uma região é estar preso às aparências com que a regionalização da economia
agroexportadora recobriu a luta de classes no interior do bloco no poder na Primeira
República.” PERISSINOTTO, Renato M. Op. cit., p. 245-246.
84 Rafael Augustus Sêga

do trabalho escravo. Nos rendemos, nesse ponto, às considerações


de Maria de Lourdes Mônaco Janotti:

Jamais o país presenciara tal acúmulo de inovações na esfera po-


lítico-administrativa e nas relações sociais. Desorganizara-se o
antigo estamento burocrático e o Exército tornara-se, com Flori-
ano, senhor do Estado. Desarticulara-se o antigo sistema parla-
mentar do Império introduzindo-se novas relações de poderes.
Contudo, ainda não se firmara o federalismo bem como nenhuma
conquista democrática. Partiram contestações ao regime do seu
próprio interior. (...) Todos esses impactos caracterizam a instabi-
lidade das relações do poder com o resto da sociedade civil104.

A Constituição de 1891 levou a efeito o federalismo de inspi-


ração norte-americana ao conceder autonomia política e administra-
tiva aos Estados. Na discriminação dos impostos entre a União e os
Estados, aquela ficava com a taxação do selo e das importações,
enquanto esses ficavam com a taxação das exportações, dos bens
móveis, das atividades fabris e das profissões; isto fazia com que
São Paulo detivesse grandes recursos em função da exportação do
café. Por outro lado, a hegemonia paulista se completava com o
preenchimento da Câmara dos Deputados proporcionalmente ao
número de habitantes, o que ocasionou a posterior aliança com o
populoso e vizinho Estado de Minas Gerais.
O que reparamos, então, é a consolidação de um federalismo
desigual e a construção de um Estado nacional liberal na forma,
mas, oligárquico no conteúdo, e é nesse contexto que Revolução
Federalista surgiu como uma insubordinação inicialmente regional,
mas que conseguiu aglutinar insatisfações nacionais.
Desde o início da insurreição federalista, os revoltosos insisti-
ram em nominá-la “Revolução”, fruto de óbvio entusiasmo por parte
dos federalistas. Porém, se adotássemos o conceito proposto pelo
sociólogo britânico J. S. Eros que concebe revolução como sendo:
“Mudanças súbitas e radicais nas condições sociais e políticas, isto
é, a substituição brusca e violenta de um governo legalmente consti-
tuído assim como de uma ordem social e jurídica por outro gover-
no”105; chamaríamos a Federalista de revolta, assim como a da

104
JANOTTI, Maria de L. M. Op. cit., p. 83.
105
ERÖS, J. S. Revolução. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: FGV, 1987. p.
1075.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 85

Armada (apesar de não ser descabido chamá-la de “guerra civil”),


pois para o cientista político italiano Gianfranco Pasquino:
A Revolução se distingue da rebelião ou revolta, porque esta se
limita geralmente a uma área geográfica circunscrita, é, o mais
das vezes, isenta de motivações ideológicas, não propugna a sub-
versão total da ordem constituída, mas o retorno aos princípios
originários que regulavam as relações entre as autoridades políti-
cas e os cidadãos, e visa à satisfação imediata das reivindicações
políticas e econômicas106.
Entendido tais conceitos, vemos que os dois grupos dominan-
tes antagônicos lutavam pelo controle do Estado dentro da política
oligárquica tanto nos Estados do Rio Grande do Sul como no Para-
ná. No Rio Grande do Sul havia, de um lado, os republicanos, de-
fensores do desenvolvimento econômico geral, com o apoio dos
empresários, pequenos comerciantes, agricultores e do Exército; e
de outro, os federalistas, defensores da República parlamentar libe-
ral, apoiados por pecuaristas da Campanha, a grosso modo. No
Paraná, a cizânia surgiu a partir do antagonismo de dois blocos
políticos distintos, o primeiro, formado pelos antigos liberais (re-
presentantes da aristocracia agrária dos Campos Gerais), e o segun-
do, composto da união entre os conservadores e republicanos. A-
queles, envolvidos com as atividades criatórias, e estes, imbuídos
de um projeto econômico industrial mais amplo, baseado nos capi-
tais oriundos da atividade ervateira107.
Para José Murilo de Carvalho, apesar dos esforços civilizató-
rios da elite brasileira em promover uma “modernização conserva-
dora” entre 1870 e 1914, a força da tradição foi assaz vigorosa para
conservar os valores de uma “sociedade rural, patriarcal e hierár-
quica”, na qual podemos inserir a Revolução Federalista:

106
PASQUINO, Gianfranco. Revolução. Dicionário de Política. Brasília. Editora da UnB,
1991. p. 1121. Observação: o termo “revolução” é largamente usado no Rio Grande do
Sul e no Uruguai para designar qualquer espécie de movimento insurreto.
107
Bronislaw Baczko tece considerações bem apropriadas sobre o antagonismo gerado do
choque de forças modernizadoras frente às tradicionais e que ajudam a subsidiar o
entendimento da Revolução Federalista: “Quando uma colectividade se sente agredida
pelo exterior – por exemplo, uma comunidade de tipo tradicional agredida por um poder
centralizado moderno de tipo burocrático –, ela põe em marcha, como meio de autode-
fesa, todo o seu dispositivo imaginário, a fim de mobilizar as energias dos seus membros,
unindo e guiando as suas ações.” BAZCKO, Bronislaw, Imaginação social. Enciclopé-
dia Einaudi – Anthropos-Homem. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985,
v. 5. p. 310.
86 Rafael Augustus Sêga

Não só do mundo rural vinha a reafirmação de valores tradicio-


nais. A própria capital foi palco de reações. A começar pela revol-
ta da Armada, de 1893, que por seis meses manteve o Rio de Ja-
neiro sob bloqueio, e que assumiu ao final características monar-
quistas. Além do total apoio da Marinha, muitos elementos da eli-
te política manifestaram simpatia pelo movimento, que se ramifi-
cou na revolta federalista do Rio Grande do Sul. A sobrevivência
do novo regime esteve por algum tempo em sério perigo 108.

Entre os variados prismas que a análise da Revolução Fede-


ralista implica, talvez um dos que mais precise de esclarecimentos
seja o do caráter restaurador do movimento, contudo, não cabe nes-
se trabalho um estudo singular sobre esse aspecto. Em termos ideo-
lógicos, a peleja foi mais antiflorianista e anti-castilhista do que
monarquismo versus republicanismo propriamente ditos. Deveras,
na luta simbólica entre as duas partes, os republicanos não atribuíram
aos federalistas apenas o grave labéu de sebastianistas, mas tam-
bém, o de estrangeiros (uruguaios) e de secessionistas. Por outro
lado, os federalistas contra-atacavam com a acusação de usurpadores
do poder e tiranos para os castilho-florianistas. E foi somente com a
Revolta da Armada que o movimento deu uma guinada mais restau-
radora, graças a alguns oficiais navais, principalmente o almirante
Luís Filipe de Saldanha da Gama 109.
O monarquismo não foi uma bandeira dos federalistas, uma
vez que a aceitação de Silveira Martins em ratificar a moção de um

108
CARVALHO, José M. Brasil 1870–1914: a força da tradição. Pontos e bordados; escri-
tos de história e política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. p. 117.
109
Alinhando-se a esse entendimento, o notável trabalho de Maria de Lourdes Mônaco Janotti
sobre o assunto, Os subversivos da república, já visto anteriormente, esclarece: “A reso-
lução de Saldanha da Gama de aderir, decididamente, à Revolta da Armada mais uma vez
veio entusiasmar os monarquistas que, assim como os demais leitores do manifesto do al-
mirante, julgaram chegada a hora da luta pela restauração. Datado de 7 de dezembro de
1893, o manifesto (...) referia-se, a princípio, à anterior não participação do signatário de
qualquer idéia de revolta ou conluio. Contudo, o próprio governo levava-o a empreender
uma luta pela libertação da Pátria, agora nas mãos do militarismo e do ‘mais infrene ja-
cobinismo’. E seu patriotismo impelia-o a combater a anarquia, o descrédito e a ‘asfixia
de todas as liberdades’. (...) Os mais próximos trataram de mostrar a inconveniência de
um texto que, tão claramente, revelava a preferência do autor pelo sistema monárquico
bem como suas intenções de promover um plebiscito sobre o regime a ser adotado no país.
Mas Saldanha não se dobrou às advertências de que haveria muita exploração em torno
de suas afirmações. Manteve a versão original, provocando a ira dos seus adversários e
até mesmo de revolucionários. Mais se esforçavam, tanto federalistas quanto membros da
Armada, em combater os boatos que os acoimavam de restauradores”. JANOTTI,
Maria de L. M. Op.cit., p. 70-71.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 87

plebiscito em toda nação para deliberar sobre a forma de governo a


ser adotada, exposta acima, visou apenas trazer Saldanha da Gama
para as hostes dos opositores a Floriano, já que Silveira propunha
um parlamentarismo republicano e não, a restauração da coroa,
como apregoavam os seus antagonistas.

2.1 A TRAMA EPISÓDICA

Revolução Federalista é a denominação mais conhecida da


série de conflitos armados que ocorreram nos três Estados do Sul
do Brasil entre 1893 e 1895. Podemos encontrar divergências tanto
na designação da mesma como no corte sincrônico. Autores como
Sérgio da Costa Franco110, Davis Ribeiro de Sena 111 e o coronel
Cláudio Moreira Bento112 insistem em nomeá-la “Guerra Civil”, e
outros, como o general José Cândido da Silva Muricy113, Moacyr
Flores, Hilda Agnes Hübner Flores114, Angelo Dourado115, Wenceslau
Escobar 116 e Euclydes B. de Moura 117, em “Revolução de 1893”.
Alguns autores paranaenses chamam-na de “Revolução de 1894”,
porque esse foi o ano no qual os federalistas ocuparam o Estado.
Em relação ao corte temporal, Davis Ribeiro de Sena, visto acima,
traz a baliza inicial do conflito para 1892, pois para ele, as diver-
gências começaram “no manifesto público assinado por treze almi-
rantes e generais em 31 de março de 1892, quando a legalidade do
governo de Floriano era questionada” (página 23); já para Luciana
Rossato, o marco indicativo do encerramento ideológico do ciclo

110
FRANCO, Sérgio C. A guerra civil de 1893. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993.
111
SENA, Davis R. de. O grande desafio brasileiro: Guerra Civil 1892/5. Rio de Janeiro:
Edição de autor, 1995.
112
BENTO, Cláudio M., Cel. Contribuição paulista ao combate à Revolução na Armada e à
Guerra Civil (1893–1895). Revista A Defesa Nacional. Rio de Janeiro, n. 769, jul./set.
1995. p. 119-140.
113
MURICY, José C. S. A revolução de 93 nos estados de Santa Catarina e Paraná;
memórias. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1946.
114
FLORES, Moacyr; FLORES, Hilda A. H. Rio Grande do Sul: aspectos da revolução de
1893. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999.
115
DOURADO, Ângelo. Voluntários do martírio; narrativa da Revolução de 1893. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 1992.
116
ESCOBAR, Wenceslau. Apontamentos para a história da revolução rio-grandense de
1893. Brasília: Editora da UnB, 1983.
117
MOURA, Euclydes B. de. O vandalismo no Rio Grande do Sul, antecedentes da revo-
lução de 1893. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2000.
88 Rafael Augustus Sêga

belicoso deve ser procrastinado para 1896, pois nesse ano se encer-
ra a “trajetória liberal, após a proclamação da República até o
Congresso Federalista de 23 de agosto de 1896” 118.
Formalmente, a Revolução Federalista tem como baliza inicial
a invasão de uma coluna de maragatos de Gumercindo Saraiva (1851–
1894) ao Rio Grande do Sul em 05 de fevereiro de 1893, quando,
vindos de Aceguá, no Uruguai, eles transpuseram a fronteira e acam-
param em um capão em Ana Correia, próximo ao rio Jaguarão, no
município de Bagé. E o marco de encerramento mais difundido é a
assinatura do Armistício de Piratini, firmado entre republicanos e
federalistas em 23 de agosto de 1895, lavrado no município de Pelotas.
Todavia, acreditamos que a Revolução Federalista deva ser
enquadrada em um contexto bem mais amplo que aquele das duas
datas limítrofes, pois:

A Revolução, como um movimento, foi dinâmica e ela estava


“aberta” antes de fevereiro de 1893 e deixou seqüelas na forma-
ção social sul-riograndense depois de agosto de 1895. Sua eclo-
são (bem como a eclosão de outros movimentos, com destaque
para a Revolta da Armada) demonstrou que a consolidação da
República não se faria apenas através de normas jurídico-
institucionais. A consolidação teria que passar por confrontos
(armados ou não), que revelaram a existência de projetos políti-
cos alternativos àqueles consubstanciados nos textos constitucio-
nais119.

Podemos, então, reparar que a Revolução Federalista é um


tema onde o consenso e a unanimidade de posições estão longe de
serem alcançados. Acreditamos que isso aconteceu porque sua marca
registrada foi a brutalidade120. Todos os escritores contemporâneos

118
ROSSATO, Luciana. Imagens construídas; imaginário político e discurso federalista
no Rio Grande do Sul (1889–1896). Florianópolis: Dissertação de mestrado, PPG em
História/UFSC, 1999. p. 8.
119
PICCOLO, Helga I. L. O Congresso Nacional e a Revolução Federalista. In: III Simpósio
Fontes para a história da Revolução de 1893. Bagé: mimeografado, 28 a 30 de abril de
1993. p. 2.
120
Para Sandra Jatahy Pesavento, a prática da degola tem raízes culturais e econômicas: “O
certo é que de ambos os lados generalizou-se a prática da ‘degola’, forma de execução
rápida e barata, uma vez que não requeria o emprego de arma de fogo. Consistia, na sua
maneira mais usual, em matar a vítima tal como se procedia com os carneiros: o indiví-
duo era coagido a, de mãos atadas nas costas, ajoelhar-se. Seu executor, puxando sua ca-
beça para trás, pelos cabelos, rasgava sua garganta, de orelha a orelha, seccionando as
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 89

às batalhas narraram o pavor e o assombro frente às sessões de de-


gola dos vencidos. O historiador militar Cláudio Moreira Bento
assinala que, apesar de os dois lados contendores buscarem estro
nos amores-perfeitos do brasão da República Rio-Grandense (“fir-
meza” e “doçura”), as tradições dos farrapos foram ignoradas.

Na Revolução de 1893, o comando das ações táticas esteve con-


centrado, na maioria das vezes, nas mãos de chefes civis improvi-
sados; muitos abarbarizados tendo, para comandar, tropas incon-
troláveis, as quais muitas vezes os ultrapassavam. Eram tropas
recrutadas entre aventureiros, ex-escravos e desempregados ru-
rais, mercenários uruguaios e argentinos. Se, numa força regular
em campanha, se registram abusos de tropas, o que dizer de aven-
tureiros e mercenários, sobre os quais os rigores de um regula-
mento disciplinar ou Código Penal Militar não podem incidir? 121

As violências praticadas durante a Revolução Federalista fo-


ram tantas que elas não passaram desapercebidas nem mesmo pelo
maior escritor gaúcho de todos os tempos, Érico Veríssimo122:

O ataque se fez. Foi uma tempestade. Não ficou nenhum prisionei-


ro vivo para contar dos outros. Quando a madrugada raiou, a luz
do dia novo caiu sobre duzentos homens degolados. Corvos voa-
vam sobre o acampamento de cadáveres. O general passou por
entre os destroços. Encontrou conhecidos entre os mortos, anti-
gos camaradas. Deu com a cabeça dum primo-irmão fincada no
espeto que na tarde anterior servira aos maragatos para assar
churrasco. Teve um leve estremecimento. Mas uma frase soou-
lhe na mente: “Inimigo não se poupa”.

carótidas, com um rápido golpe de faca. (...) Os executores de todos estes atos eram mem-
bros da massa rural empobrecida. Peões de estâncias, ‘crias’ de fazenda, agregados dos
senhores de terra, marginais do campo, despossuídos: foi toda uma massa coagida a lutar
por interesses completamente alheios. Acostumados a obedecer, a viver na dependência
de coronéis, sem opção de vida, sem terra, sem recursos, brutalizados, a população anô-
nima dos campos executou atos cruéis e habituou-se ao crime.” PESAVENTO, Sandra J.
A Revolução Federalista. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 89-91.
121
BENTO, Cláudio M., Cel. Uma possível explicação para a violência na revolução de
1893-95. Revista A Defesa Nacional. Rio de Janeiro, n. 768, abr./jun. 1995. p. 142.
122
VERÍSSIMO, Érico. Os devaneios do general. In: MOREIRA, Maria E.; BAUMGARTEN,
Carlos A. (Orgs.). Literatura e guerra civil de 1893. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
1993. p. 47.
90 Rafael Augustus Sêga

Em um estudo interessante, Elio Chaves Flores acredita que


as razões que levaram os revoltosos a praticar tanta violência, espe-
cialmente a degola (a “gravata colorada”) foram frutos da radicaliza-
ção política endógena do Rio Grande do Sul na Primeira República.

A ‘Revolução Federalista’ e a ‘Revolta Assisista’, ambas ações de


violência política, estiveram relacionadas com o modelo positivis-
ta castilhista-borgista, sustentado tanto pela cooptação política,
quanto pela coerção social. A facção oligárquica no poder, pre-
tensamente progressista, e a facção oligárquica na oposição, li-
gada ao ciclo pastoril-militar, esboçam projetos políticos diferen-
ciados para o direcionamento do Estado. Entretanto, a luta ideo-
lógica entre positivistas e liberais reflete o vinco “moderno” do
discurso conservador. (...) É a luta interna da classe dominante
que explica o desenrolar da República Velha. Outros setores po-
tencialmente ativos são desorganizados ou sofrem a cooptação e
quando esta é impotente, sentem o fio da espada sangrando seus
ideais123.

Após a queda do “governicho” em 17 de junho de 1892, Júlio


de Castilhos foi reempossado no cargo de presidente do Rio Grande
do Sul pela Guarda Cívica, e o Estado passou a ter dois presidentes
nesse dia, Castilhos em Porto Alegre e João Nunes Tavares (o
“Joca”) em Bagé124. E, nesse mesmo fatídico dia, Castilhos abdicou
do cargo máximo do Rio Grande do Sul em prol de seu vice por ele
nomeado, Vitorino Monteiro, que ficaria na função até fins de se-
tembro, quando assumiu Fernando Abbott, Secretário do Interior.
Ao final de janeiro de 1893, Júlio de Castilhos voltaria à pre-
sidência do Estado (eleito pelo voto direto em fins de 1892) em um
franco clima de guerra, e, assim como os federalistas, os republica-
nos também haviam se preparado para a luta: um pouco antes da
eleição, a Brigada Militar havia sido criada a partir da Guarda Cívi-
ca, com dois batalhões de infantaria e um de cavalaria. Foram or-
ganizadas para a guerra três divisões governistas, a da capital, a do
centro e a do norte. Ao general Hipólito Ribeiro coube a incumbên-
cia de comandante-em-chefe.

123
FLORES, Elio C. No tempo da degolas; revoluções imperfeitas. Porto Alegre: Martins
Livreiro, 1996. p. 10-11.
124
FRANCO, Sérgio C. Júlio de Castilhos e sua época. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
1996. p. 124.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 91

Diante dessa força militar, somada ao Exército Brasileiro e


aos “corpos provisórios republicanos”, os federalistas passaram ao
Uruguai para se preparar para o confronto, com a confiança de um
‘David frente a um Golias’. O historiador norte-americano John
Charles Chasteen faz questionamentos bem incitantes sobre a de-
terminação da “montonera” (grupo de guerrilheiros montados) dos
maragatos:

Não obstante que alguns desses trezentos ou quatrocentos ho-


mens portassem armas de fogo (geralmente algumas variedades
de antigüidades), a maioria carregava apenas uma lança ou um
longo punhal, o facão. De certa forma surpreendente, dado o ta-
manho e a capacidade do Exército Brasileiro há apenas sete anos
antes da virada do século vinte, o plano dessa montonera era in-
vadir o subcontinente brasileiro e fazer o governo capitular. A
montonera de Gumercindo Saraiva apresenta-nos um problema
interpretativo. Inevitavelmente, pergunta-se: Esses homens eram
loucos? Por que eles começaram uma guerra civil sangrenta con-
tra um força imensamente maior? Como eles poderiam marchar
mil e cem quilômetros através dos estados brasileiros do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná para ameaçar, mesmo
que por um instante, o governo nacional? Mais difícil que expli-
car seu sucesso fugaz (se bem que, para soldados não profissio-
nais, esses homens eram atletas militares imponentes) é explicar
a sua motivação e, sobretudo, sua resolução para lutar por trinta
longos meses, animados apenas pelas maiores esperanças pouco
plausíveis125.

125
Do original: Although some of these three to four hundred men had firearms (generally of
some antique variety), most carried only a lance and a long kife. Rather surprisingly,
given the size and capability of the Brazilian army just seven years before the tum of the
twentieth century, the plan of this montonera was to invade the Brazilian subcontinent and
force its government to its knees. Gumercindo Saraiva's montonera present us with an
interpretative problem. Inevitably, one wonders: Were these men crazy? Why did they start
a bloody civil war against a vastly superior force? How were they able to march six
hundred miles north through the Brazilian states of Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
and Paraná, to threaten – if only for a moment – the country's political and economic
heartland? More difficult than explaining their fleeting success (for though not
professional soldiers, these men were impressive milítary athletes) is explaining their
motivation and, above all, their resolve to fight on for thirty long months, animated only by
the most far-fetched hopes. CHASTEEN, John C. Heroes on horseback; a life and times
of the last gaucho caudillos. Albuquerque: University of New México Press, 1995. p. 9-
10. Tradução de Thelma Belmonte.
92 Rafael Augustus Sêga

Como vimos antes, a luta irrompeu no início de fevereiro de


1893, quando Gumercindo Saraiva cruzou a fronteira com seus
maragatos debilmente armados. O termo “maragato” adquiriu uma
feição muitas vezes pejorativa e podia designar “pessoa desqualifi-
cada” ou “castelhano”, que usava bombacha e tinha fama de desor-
deiro. Sua origem é controversa, mas a hipótese mais aceita faz
retroceder a uma região na Espanha, La Maragataria, região povo-
ada durante a dominação moura por berberes da região do Maraga-
th, no Egito. Para os uruguaios, o termo designava as pessoas ori-
undas do departamento de San José, descendentes dos maragatos
espanhóis.
Foram os republicanos legalistas que deram aos revolucioná-
rios o nome pejorativo de maragatos, atribuindo-lhes intentos mer-
cenários e estrangeiros. Mais tarde, a denominação passou, porém a
ser um epíteto honroso para os defensores da causa parlamentarista.
Já a origem do termo “chimango” vem de “pássaro ruim para
caça e não merece chumbo” e que, durante a Revolução Farroupi-
lha, designava liberais moderados, ou de centro. As tropas federais
passaram a ser conhecidas por “pica-paus”, em razão do uniforme
azul e do barrete vermelho.
Sobre tais epítetos existem ainda histórias peculiares. No
“romance-reportagem”, A cabeça de Gumercindo Saraiva, de
Tabajara Ruas e Elmar Bones, os autores, citando Manoelito de
Ornellas, exibem algumas particularidades dos maragatos espanhóis:

Prisioneiros da velha índole nômade, dedicaram-se os maragatos


à faina de mensageiros e ligaram, comercial e socialmente, dis-
tintas cidades da península, a levar, de uma a outra, correspon-
dências, mercadorias e valores, quer de Castela a Galiza, como de
Madri a La Coruna. Primeiro com tropas de mulas e, mais tarde,
em carros chamados carromatos (sic). Foram tão populares na
Espanha que a sua honestidade se tornou proverbial, pois jamais
os registros policiais do país acusaram uma queixa contra esses
arrieiros morenos e altos, de lenços e coletes bordados de verme-
lho126.

126
RUAS, Tabajara; BONES, Elmar. A cabeça de Gumercindo Saraiva. Rio de Janeiro:
Record, 1997. p. 139.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 93

Vale a pena recorrermos mais uma vez a Joseph Love, agora


em seu clássico historiográfico O regionalismo gaúcho e as origens
da Revolução de 1930, quando ele discorre sobre as implicações
posteriores do motejo “chimango” na história do Rio Grande do Sul:

No final de 1915, (Ramiro) Barcelos escreveu um poema épico-


satírico Antônio Chimango, dirigido a Borges e sua máquina. O
trabalho baseava-se vagamente no Martin Fierro de José Hernandez
e, tal como o épico argentino, pretendia ser uma estória da vida no
campo contada em dialeto gauchesco. Seu protagonista é um capa-
taz de estância cujo único interesse é dominar seus peões. O chi-
mango, um pássaro esquelético comedor de carniça do Sul do
Brasil, representa o fraco e pescoçudo Borges de Medeiros –
“magro como lobisomem/mesquinho como o demônio” – a estân-
cia e seus peões, o Rio Grande do Sul e seus cidadãos. A Brigada
Militar tentou apreender a obra, mas apesar disso esta ganhou
grande circulação clandestinamente. “Chimango” e “Chimanga-
da” (seus asseclas) rapidamente entraram no vocabulário político
e os epítetos tornaram-se gritos de guerra quando a oposição se
revoltou em 1923127.

Deixando os apodos de lado, acreditamos na pertinência de


uma análise sobre a situação econômica do Rio Grande do Sul às
vésperas da Revolução Federalista, nas palavras de Sandra Jatahy
Pesavento:

Por volta de 1870, a economia pecuária gaúcha encontrava-se es-


tagnada, sem maior avanço das forças produtivas. Não se quer
dizer que baixasse o volume da exportação dos produtos oriundos
da pecuária, que continuavam figurar como os primeiros no Rio
Grande, mas a campanha perdera definitivamente a sua dinami-
cidade, conjugando um baixo nível tecnológico com uma criação
extensiva de baixa produtividade. Considerando-se o ponto de
vista da charqueada – unidade fundamental da transformação da
carne no sul – haviam-se configurado, a partir de 70, de forma
dramática, as contradições internas do escravismo enquanto sis-
tema, como economia de desperdício obrigatório da força de tra-

127
LOVE, Joseph L. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São
Paulo: Perspectiva, 1975. p. 183.
94 Rafael Augustus Sêga

balho, baixa produtividade por mão-de-obra, impossibilidade de


adequação da oferta à demanda, baixa capitalização etc 128.

Na Campanha oriental, terra de predomínio político de Gaspar


Silveira Martins (região de Bagé), a crise econômica era mais senti-
da, e os federalistas apelavam ao passado de lutas, ressaltando leal-
dades e lideranças; entretanto, na campanha ocidental (região de
Alegrete), onde a situação econômica era mais estável em função
do comércio de charque através de Montevidéu, o Partido Republi-
cano Rio-Grandense tinha predominado entre os proprietários de
terra, que acabaram mobilizando as redes de patronagem rurais tradi-
cionais para apoiar o governo. Os republicanos dominavam o distrito
das Missões, onde o coronel de São Borja, Manoel do Nascimento
Vargas (pai de Getúlio), organizou uma coluna de republicanos129.
À soma de suas heterogêneas forças, os federalistas deram o
nome de Exército Libertador, que possuía em suas hostes militares
de carreira no Exército Brasileiro, como, por exemplo, Luís Alves
Leite de Oliveira Salgado e Isidoro Dias Lopes. Contudo, o grosso
da tropa era formado por agregados arregimentados por algum ho-
mem forte local. Adeptos da tática de guerrilhas, os federalistas
procuravam evitar o enfrentamento direto com as tropas legalistas,
e, convictos da insatisfação popular para com as autoridades consti-
tuídas, tinham fé na adesão da população civil.
Muitos autores têm atribuído aos membros da elite campeira
do Rio Grande do Sul e do Paraná, à época da Revolução Federalista,
o conceito de “coronel” (sinonimizado, de forma indevida, com
“caudilho”). Entretanto, se utilizarmos o conceito mais difundido,
proposto por Victor Nunes Leal, de “coronelismo” como “um
compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, pro-
gressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes
locais, notadamente senhores de terras” 130, achamos mais apropria-
do, por se tratar de um movimento na primeira metade da década de
noventa do século XIX, quando as primeiras eleições republicanas

128
PESAVENTO, Sandra J. República velha gaúcha: 'Estado autoritário e economia'. In:
DACANAL, José; GONZAGA, Sergius. (Orgs.). RS: economia & política. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1979. p. 199-200.
129
CHASTEEN, John C. Op. cit.. p. 83-84.
130
LEAL, Victor N. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. p. 20.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 95

ainda estavam começando, adotar o conceito de “mandonismo”


proposto por José Murilo de Carvalho:

Essa visão do coronelismo (de Victor N. Leal) distingue-o da noção


de mandonismo. Este talvez seja o conceito que mais se aproxime
do de caciquismo na literatura hispano-americana. Refere-se à
existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de
poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel co-
mo indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum re-
curso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a popu-
lação um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre
acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é
um sistema, é uma característica da política tradicional. Existe
desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje em regiões
isoladas. A tendência é que desapareça completamente à medida
que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos 131.

Entrementes, exercendo o mandonismo ou não, os dois lados


contendores acreditavam serem legatários dos heróis farroupilhas.
Nesse sentido, a pugna não aconteceu só no campo de batalha:

Os bens simbólicos, que qualquer sociedade fabrica, nada têm de


irrisório e não existem, efectivamente, em quantidade ilimitada.
Alguns deles são particularmente raros e preciosos. A prova disso
é que constituem o objecto de lutas e conflitos encarniçados e que
qualquer poder impõe uma hierarquia entre eles, procurando
monopolizar certas categorias de símbolos e controlar as ou-
tras132.

Já em um trecho do clássico Os sertões, Euclides da Cunha


mostra a maneira pela qual procurou-se fazer da Revolução Federa-
lista um símbolo da luta pelo republicanismo através da construção
de heróis, principalmente entre as vítimas oriundas das camadas
mais elevadas ou dos militares de mais altas patentes:

Entre dous extremos, do arrojo de Gumercindo Saraiva à abne-


gação de Gomes Carneiro, a opinião nacional oscilava espelhan-
do os mais díspares conceitos no aquilatar vitoriosos e vencidos; e

131
CARVALHO, José M. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.
Pontos e bordados; escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora da UFMC,
1999. p. 1 33.
132
BAZCKO, Bronislaw, Op. cit., p. 299.
96 Rafael Augustus Sêga

nessa instabilidade, nesse baralhamento, nesse afogueado expan-


dir da nossa sentimentalidade suspeita, o que de fato se fazia em
todos os tons, com todas as cores e sob aspectos vários – era a ca-
ricatura do heroísmo. Os heróis, imortais de quarto de hora, des-
tinados à suprema consagração de uma placa à esquina das ruas,
entravam, surpreendidos e de repente pela história dentro, aos
encontrões, com intrusos desapontados, sem que se pudesse saber
se eram bandidos ou santos, envoltos de panegíricos e convícios,
surgindo entre ditirambos ferventes, ironias diabólicas e invecti-
vas despiedadas, da sangueira de Inhanduí, da chacina de Campo
Osório, dos barrocais do Pico do Diabo, ou do platonismo marci-
al de Itararé 133.

Após algumas escaramuças em Salsinho, Quaraí, Livramento,


Dom Pedrito e Alegrete, com algumas pequenas vitórias federalistas,
o primeiro confronto de vulto dos lados contendores aconteceu
justamente na campanha ocidental, no início de maio de 1893, em
Alegrete nas proximidades do arroio Inhanduí134, tido por muitos
como uma das maiores batalhas da história do Rio Grande do Sul.
Os bem armados republicanos, apesar da inferioridade numérica,
conseguiram repelir os federalistas do campo de batalha com canhões
e metralhadoras, e, ao cair da noite, o coronel Joca Tavares resolveu
retirar a tropa federalista do local. A retirada foi um desastre, pois
os campos estavam encharcados e as carroças com os feridos atolavam
no terreno. Os governistas reorganizaram o encalço e impuseram
aos insurretos perdas de monta e obrigaram-nos a voltar para o
Uruguai para reorganizar suas forças. A certeza da vitória final era
tanta que os chefes legalistas passaram um telegrama a Júlio de
Castilhos no qual afirmavam peremptoriamente: “Revolução Estran-
gulada”135. Mas, os fatos mostrariam que tal afirmação havia sido
precipitada.
É nesse momento que começa a despontar a liderança incon-
teste de Gumercindo Saraiva. E, quando os insurretos achavam que
a revolução estava perdida, ele se destacou tanto como líder quanto
como estrategista, chegando a ser chamado, com um certo exagero,
de “Napoleão dos Pampas”. Gumercindo tinha por volta de qua-

133
CUNHA, Euclides da. Os sertões: a campanha de Canudos. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1984. p. 203.
134
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit., p. 118.
135
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit., p. 121.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 97

renta anos à época da Revolução Federalista, nascido no Uruguai


no início da década de cinqüenta do século XIX, ele era o filho
primogênito de Francisco Saraiva, um brasileiro que havia imigra-
do para o Uruguai durante a Guerra dos Farrapos. Os Saraivas aca-
baram se tornando uma importante liderança do Partido Blanco, em
Melo, no departamento uruguaio de Cerro Largo. Mas, em 1883,
Gumercindo, contudo, perseguido politicamente após lutar em al-
gumas montoneras blancas, resolveu se estabelecer em uma estân-
cia de seu pai em Santa Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul.
Essa região, localizada nos antigos “Campos Neutrais” 136,
tinha se transformado em um couto perfeito para os contrabandistas
de gado da fronteira e celerados de todas as espécies. Homem rude,
mas com sólidos princípios morais, Gumercindo concentrou-se em
combater os malfeitores, atuando como autoridade policial ad hoc e
chegou a tenente-coronel da Guarda Nacional. Em termos políticos,
acabou se identificando com o Partido Liberal e, quando Gaspar
Silveira Martins ocupou a presidência da província em julho de
1889, ele foi oficialmente nomeado delegado de polícia. Entretanto,
quando os liberais perderam o governo em 15 de novembro,
Gumercindo recusou-se a bandear para o lado castilhista e foi per-
seguido, chegando a ser acusado de assassinato e sevícias de oposi-
tores políticos em sua estância de Curral dos Arroios, obrigando-o a
fugir e retornar para o Uruguai, quando ele passou a se empenhar
para os preparativos para a Revolução Federalista.
Em dezembro, Gumercindo já contava com quase quatrocen-
tos homens engajados, entre eles seu irmão mais moço, Aparício, e
quase meia centena de combatentes oriundos do departamento de
San José, que acabaram designando todo o grupo de “maragatos”.
Após a batalha de Inhanduí, Gumercindo e seus maragatos
eram a única força insurreta que permaneceu atuando na campanha
gaúcha em um inverno particularmente chuvoso, já que Joca Tava-
res e Salgado haviam se rendido a oficiais uruguaios na fronteira,
junto com seus homens.
Por outro lado, Tavares e Salgado, apesar de supostamente
detidos, gozavam de total liberdade de movimentos em solo uru-
guaio para poder reorganizar militarmente suas forças.

136
PESAVENTO, Sandra J. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1992. p. 17.
98 Rafael Augustus Sêga

No lado brasileiro, Gumercindo contava com aproximada-


mente seiscentos homens e quase mil e quinhentos cavalos e pou-
quíssimas armas de fogo (as principais armas dos maragatos eram a
lança e o facão) e, consciente da sua inferioridade frente às forças
governamentais, ele evitava se defrontar com elas, preferindo as
escaramuças e o saque às cidades, chegando ao abuso de roubar
cavalos em Bagé.
Aqui, mais uma vez nos rendemos à narrativa de John Charles
Chasteer:

Os republicanos receberam uma notificação perturbadora sobre o


que deixar nos depósitos quando os homens de (Gumercindo)
Saraiva entrassem furtivamente nos arredores de Bagé nas pri-
meiras horas da manhã para levar a maior parte dos dois mil ca-
valos da guarnição. Algumas semanas depois, a coluna de Sarai-
va exibiu-se em uma cidade quase no meio do caminho para Porto
Alegre, conduzindo uma guarnição diminuta, sendo tratados co-
mo heróis pela população da cidade, e desaparecendo de novo an-
tes que (Carlos) Telles pudesse reagir. Saraiva confundiu seus
perseguidores republicanos com sua guerrilha de montoneras
que volteava pela área ao leste de Bagé pelas cabeceiras do rio
Negro, esmagando a cavalaria republicana sempre que ele con-
seguia separá-la da infantaria, cujo poder de fogo assassino ele
não podia encarar. Perseguido de perto pelas forças governamen-
tais num local chamado Serrilhada, Aparício conduziu os mara-
gatos numa retirada falsa seguida por uma inversão súbita e um
contra-ataque compacto contra a cavalaria perseguidora (que ti-
nha deixado a infantaria de suporte atrás), um ardil clássico da
guerra gaúcha137.

137
Do original: “The republicans received a disquieting intimation of what lay in store when
Saravia's men crept into the outskirts of Bagé in the small hours of the morning and made
off with most of the garrison's two thousand mounts. A few weeks later, Saravia's column
paraded into a town almost halfway to Porto Alegre, routing a tiny garrison and receiving
a hero's welcome from the townspeople. He was gone before Telles could react. Saravia
tied his Republicans pursuers in knots as he tuned and twisted through the área east of
Bagé, then back through the headwaters of the Rio Negro, trouncing the Republican
cavalry just as often as he could separata it from the infantry whose murderous firepower
he could not match. Hotly pursued by government forces at a place called Serrilhada,
Aparicio led the Maragatos in a feigned refreai followed by a sudden reversal and a
compact counterattack against the pursuing cavalry (who had left their supporting
infantry behind) – a classic gambit of the guerra gaucha.” CHASTEEN, John C. Op. cit.,
p. 87. Tradução de Thelma Belmonte.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 99

Ao final de julho de 1893, Gumercindo (agora general do


Exército Libertador) juntou suas tropas com as do também general
Salgado e, juntos (mesmo sem ir um com a cara do outro), conse-
guiram somar quase dois mil homens e prosseguiram suas opera-
ções, tomando pequenas cidades da Campanha até a primeira vitó-
ria auspiciosa, Cerro do Ouro, em fins de agosto.
A maioria dos combatentes federalistas eram peões de estân-
cias e usavam seus ponchos nas batalhas, já que não tinham uni-
forme. A incompatibilidade de gênios entre Gumercindo e Salgado
talvez tenha nascido desse fato. Como foi visto, Salgado era militar
de carreira e, no intuito de organizar a tropa, obrigou-os a usarem
fitas vermelhas (as “divisas”) nos chapéus para mostrar sua ascen-
dência militar, e o vermelho tornou-se a cor de identificação dos
insurretos federalistas. Mas, Gumercindo, Aparício e todos os blan-
cos (que formavam a maior parte do contingente uruguaio entre os
federalistas) opunham-se, pois, para eles, a cor rubra simbolizava
seus inimigos figadais, os colorados, e essa recusa quase fez com
que brasileiros e uruguaios desfizessem sua aliança militar.
No início do mês seguinte à batalha de Cerro do Ouro
(27/08), os federalistas receberam as notícias que lhes dariam um
novo júbilo: na Capital da República, a Armada, sob a liderança do
almirante Custódio de Melo havia se rebelado contra a “ditadura”
de Floriano. No entanto, a Divisão do Norte, cujo comandante de
brigada (eram cinco) mais célebre foi o senador gaúcho José Gomes
Pinheiro Machado (1851–1915), amainou o entusiasmo dos federa-
listas, impedindo-lhes as manobras rápidas, forçando os mesmos a
avançarem ao norte, ao encontro dos revoltosos navais estacionados na
ilha de Santa Catarina, logo após a insurreição de Custódio de Melo.
Proclamado pelo capitão-de-mar-e-guerra Frederico Guilherme de
Lorena, o “Governo Nacional Provisório” foi instalado em Desterro,
em meados de outubro. Sem esperar, a insurreição gaúcha parecia
mais próxima de um triunfo que os insurretos federalistas jamais
podiam imaginar.
Apesar da afinidade na repulsa a Floriano, os dois movimen-
tos tinham propósitos próprios e muitas vezes incompatíveis. A
Revolta da Armada foi um movimento surgido no centro do poder e
proposto por militares de altas patentes. O precursor do movimento
de setembro foi o almirante Eduardo Wandenkolk, que, em uma
ação isolada, tentou ocupar a cidade de Rio Grande, em sua quixo-
tesca expedição do vapor “Júpiter”, no início de julho de 1893,
100 Rafael Augustus Sêga

quando, após tentativas vãs de junção com os federalistas, acabou


aprisionado alguns dias mais tarde em Canasvieiras, no litoral de
Santa Catarina, onde se entregou e foi conduzido para a prisão na
fortaleza de Santa Cruz, sendo posteriormente indultado.
A rivalidade de farda entre a Armada (Marinha) e o Exército
vinha desde os tempos do Império, pois a primeira era a arma pre-
dileta do Imperador e de sua corte. O Exército, por outro lado, era
uma das poucas chances de ascensão para os que não pertenciam às
famílias do entourage imperial, como vimos no primeiro capítulo.
Todavia, com a República os papéis se inverteram, e o Exército
passou a ter mais destaque, o que causou um sentimento de inferio-
ridade entre os oficiais da Armada. Esse sentimento foi captado
pelo almirante Custódio de José Melo, que o canalizou para o seu
ingresso na vida pública, quer seja como deputado constituinte,
quer seja como líder do contragolpe a Deodoro. A auto-estima da
oficialidade naval voltou com a subida de Floriano, quando Custódio
tornou-se a eminência parda do governo, no papel de ministro da
Marinha. Mas, logo os egos dos dois entrariam em choque, pois a
insistência do ministro para que Floriano interviesse no Rio Grande
do Sul, os ressentimentos causados pelo apoio de Floriano ao golpe
que pôs fim ao “Governicho” e os próprios interesses políticos de
Custódio obrigaram-no renunciar ao ministério.
Novamente, os ânimos das duas armas acirraram-se, e a figura
do vice-presidente (título o qual Floriano manteve mesmo na titula-
ridade do cargo de primeiro mandatário da nação) passou a simbo-
lizar o desequilíbrio entre as duas forças militares. Após o fiasco do
“Júpiter”, Wandenkolk foi eleito presidente do Clube Naval, em um
claro ato de provocação. A partir daí, o descontentamento da oficia-
lidade naval culminou na rebelião de 06 de setembro. Os argumen-
tos para a eclosão do movimento oscilaram entre a premência da
pacificação no Rio Grande do Sul e a necessidade de novas eleições
presidenciais (senão Custódio de Melo, de preferência um civil...).
A análise do historiador militar Hélio Leôncio Martins sobre esse
impasse é de uma acuidade invulgar:

A recusa de Floriano de intervir na Revolução Federalista, mal-


grado as informações e sugestões que recebia de seus enviados
(...) não tem explicação, dando aso somente a conclusões especu-
lativas. As declarações do Vice-presidente limitavam-se a citar o
cumprimento do Art. 6º da Constituição que determinava o auxí-
lio federal aos Governos estaduais quando solicitado. Fora disto,
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 101

não aceitava de forma alguma agir no Estado sulista. (...) Ou


Floriano não acreditava que personalidades fortes, prestigiadas
no Estado, seguidas por grande número de correligionários, co-
mo eram as de Silveira Martins e Júlio de Castilhos, empunhan-
do bandeiras ideológicas e políticas opostas, jamais conseguissem
chegar a um acordo ou serem pacificadas sem a vitória definitiva
de uma delas (qualquer intervenção da União não poderia ser
permanente, e a eleição que se realizasse parecia favorecer os fe-
deralistas, o que não seria aceito sem nova luta), ou suas simpa-
tias pendiam para Castilhos, quer pela repulsão que sentia por
Silveira Martins, com passado imperial e presente parlamentaris-
ta ameaçando sua autoridade, quer porque seu temperamento
amoldava-se mais à disciplina do republicanismo comtista138.

Contando com o cruzador “República”, Custódio de Melo teve


que enfrentar o fogo das fortalezas da baía da Guanabara, e a infe-
rioridade bélica obrigou-o a abandonar a ilha das Cobras, com toda
sua infra-estrutura (oficinas, tanques de combustível, mantimentos
etc.), além da ponta da Armação, com farta munição e armas de
artilharia. Custódio achava que poderia intimidar Floriano com
bombardeios, como havia feito com Deodoro, mas o vice-presidente
não se abalou. Passando por uma epidemia de beribéri, a esquadra
revoltada começou a perder o ânimo frente aos canhões das fortale-
zas, fiéis ao governo, e Custódio resolveu romper o cerco do canal
da barra com o encouraçado “Aquidabã” e o cruzador-auxiliar
“Esperança” para se ligar ao cruzador “República” (agora coman-
dado por Lorena), na ilha de Santa Catarina, no início de dezembro.
O aristocrático diretor da Escola Naval, o almirante Saldanha
da Gama, um homem com nítidas convicções monarquistas, acabou
tomando partido pela revolta nesse ponto como uma atitude de
noblesse oblige, com nove navios armados e mil e quinhentos
homens, que acabaram vencidos em março de 1894, pelo almirante
da esquadra legalista, Jerônimo Gonçalves, fato que obrigou Saldanha
e seus subordinados a pedir em asilo nas corvetas portuguesas
“Afonso Albuquerque” e “Mindelo”, rumando para Buenos Aires o
que causou o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e
Portugal.

138
MARTINS, Hélio L. A revolta da Armada História Naval Brasileira. Rio de Janeiro:
Serviço de Documentação da Marinha do Brasil, t. l A, v. 5, 1995. p. 249.
102 Rafael Augustus Sêga

A eclosão da Revolta da Armada pode ser considerada como


a explosão da indignação da oficialidade naval contra Floriano e
Custódio de Melo, seu artífice. Contudo, faltou à mesma um plane-
jamento estratégico em sua união à Revolução Federalista139.

O deslocamento da Revolta para o Sul, instalando o Governo Na-


cional Provisório, ligando-se à Revolução Federalista e seguindo
o Almirante Custódio para o Desterro, apresentou êxito nos pri-
meiros momentos, com a ocupação dos Estados de Santa Catari-
na e do Paraná. Mas, a união dos dois movimentos não se mante-
ve coesa nem com visão de conjunto que lhe desse continuidade,
mesmo porque os pretensos aliados nada tinham em comum.
Silveira Martins desejava inicialmente apenas depor Júlio de
Castilhos e instituir no Rio Grande do Sul constituição parlamen-
tarista, substituindo a positivista que havia sido aprovada pela
Assembléia estadual. (...) A ligação entre os dois movimentos foi
prejudicado especialmente pelos numerosos incidentes, atritos,
discordâncias, surgidos entre os dirigentes da Armada e os federalis-
tas, o que, surpreendentemente, não impediu que se realizasse a
única operação bem planejada, bem articulada, da qual resultou
o domínio dos dois Estados – Santa Catarina e Paraná140.

Em fins de novembro de 1893, em outra frente de combate,


uma força governista foi dominada por Joca Tavares às margens do
rio Negro, nas proximidades de Bagé, onde ocorreu uma das maio-
res atrocidades de todo o período insurrecional, quando, na noite do
dia 24, por volta de trezentos dos mil prisioneiros foram executados

139
Para o historiador catarinense Carlos Humberto Pederneiras Corrêa, o Governo Provisório
acabou se transformando em uma “nau sem rumo”: “A divergência entre as diversas
facções representadas no Governo revolucionário era constante, separando-os e impedindo
o almejado fortalecimento dos ideais contra Floriano Peixoto. As intrigas e acusações
mútuas afastaram os gaúchos e suas pretensões iniciais de participarem do Governo.
Por outro lado, a falta de organização interna, com pouca sustentação política aliada
aos parcos recursos financeiros esgotaram a razão de ser de uma tentativa séria, en-
volvendo líderes do quilate de Silveira Martins, Custódio de Melo e outros políticos
civis e militares de igual importância, no fim, tornou-se uma aventura sem conseqüên-
cias para a nação. Desta maneira, o Governo, criado com propósitos tão diversos, sem
nenhuma identidade ideológica, onde se misturavam pensamentos republicanos federa-
listas e centralistas, monárquicos, positivistas, militares e civilistas, enfim, tão pouco
prováveis de se misturarem, mesmo que visando unicamente a queda do Governo de
Floriano Peixoto, pouca ou nenhuma possibilidade de sucesso poderia ter do ponto de
vista político estratégico.” CORRÊA, Carlos H. P. O Governo Provisório do Desterro,
SC, l893/1894. In: Anais da XIII reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa His-
tórica. Curitiba: SBPH, 1994. p. 43.
140
MARTINS, Hélio L. Op. cit., p. 251.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 103

por degola, sob supervisão de Adão de Latorre. Mas, essa chacina


não passaria incólume.
Como era de se esperar, este episódio levou a novas cruelda-
des; as 300 vítimas não seriam esquecidas. Um general castilhista,
Firmino de Paula, vingou-se exterminando quase um número igual
de maragatos em Boi Preto, em abril de 1894. Por toda a Serra e
Campanha, estupros, castrações e degolas, que marcaram os meses
turbulentos precedentes à invasão, continuaram incontrolados141.
Logo em seguida, o general Joca Tavares apostaria todas suas
forças para tomar a cidade de Bagé. Para Joca, tomar Bagé de assalto
possuía um valor simbólico muito forte, pois, além de ser o local de
sua residência (e de Martins também), essa cidade era o berço do
movimento federalista. Além do que, Bagé era sede de uma bem
armada guarnição militar, possuía ligação ferroviária com a cidade
de Rio Grande e era a cidade de maior relevo da Campanha oriental.
Após sua estadia no Uruguai para recuperar-se de Inhanduí, Joca
Tavares retornou com aproximadamente três mil homens e começou
o cerco. Contudo, o velho Joca não contava com a obstinação do
coronel Carlos Maria da Silva Telles, que resistiu bravamente às
investidas federalistas, obrigando os revolucionários a desistirem
das mesmas, na primeira semana de janeiro de 1894, após quarenta
e sete dias de cerco.
Mais ao norte, a Divisão do Norte não deixava o rasto dos
maragatos, obrigando-os a dividir o Exército Libertador em duas
colunas. A primeira, ficou com o general Salgado, e a segunda,
com Gumercindo. Habituados à paisagem da Campanha, muitos
jamais tinham saído de lá, os maragatos atravessaram vários reveses
para transpor as matas, os declives e os rios da Serra Geral. Ângelo
Dourado assim descreve a odisséia gaúcha:

O caminho que tivemos que percorrer para chegar ao rio é um


verdadeiro desfiladeiro. Poucos foram os que o fizeram a cavalo.
Depois entramos na mata cuja entrada com as chuvas se trans-
formara em atoleiro. Um que caía paralisava toda a coluna que
lhe vinha após, e as quedas eram constantes. Depois chegamos ao
rio largo, pouco correntoso, porém tendo apenas um estreito laje-
ado por onde podia passar um a um, porque fora dali eram as pe-
dras cobertas de limo tão escorregadio que nem infantes, nem ca-

141
LOVE, Joseph L. Op. cit. (Nota 42), p. 72.
104 Rafael Augustus Sêga

valos se poderiam conservar de pé. (...) Apesar de ser novembro,


fazia um frio de arrepiar. No outro dia via-se gelo por todos os
lugares onde havia uma poça de água. Tínhamos de marchar
quase todos a pé, porque os nossos cavalos estavam completa-
mente estropiados, e os caminhos eram horríveis 142.

Após atravessar o rio Pelotas, a coluna de Gumercindo (o


“Primeiro Corpo do Exército Libertador”) rumou para Lajes e con-
seguiu chegar em Blumenau onde, margeando o rio Itajaí-Açu,
galgou a cidade litorânea de Itajaí, pela qual pretendia se juntar aos
revoltosos da Armada. Contrariado com os rumos da revolução, o
general Salgado guiou sua coluna (o “Segundo Corpo do Exército
Libertador”) pelo litoral e, após passar por Araranguá, Criciúma,
Tubarão e Laguna resolveu seguir para Desterro antes de retornar
ao Rio Grande do Sul. Mas, Gumercindo prosseguiu sua marcha
setentrional em um plano audacioso: tomar as principais praças de
guerra em terra montadas por Floriano no Estado do Paraná, Tijucas
e Lapa, enquanto que Custódio de Melo se encarregaria do porto de
Paranaguá.
A tomada das cidadelas florianistas no Estado do Paraná por
Gumercindo e Custódio assinalou o auge da Revolução Federalista,
apesar do alto custo em vidas. Enquanto Salgado e os aristocráticos
oficiais navais esbanjaram o raro momento de vitórias da revolução
em sua estadia em Desterro, deleitando-se em bailes elegantes ofe-
recidos pela “nata” da sociedade mais preeminente da cidade e plei-
teando cargos no Governo Provisório, os maragatos de Gumercindo
ofereciam cargas de lanceiros frente a canhões Krupp na cidadezinha
paranaense de Tijucas. Mas, em uma semana de cerco, a munição
dos sitiados acabou e a guarnição rendeu-se. Após a queda relati-
vamente rápida de Tijucas, Gumercindo dirigiu-se para a Lapa.
Contudo, lá, o comandante Antônio Ernesto Gomes Carneiro preferiu
a morte à rendição. Os maragatos sitiaram o perímetro da cidade e
foi só com a morte de Carneiro que os defensores renderam-se após
vinte e seis dias de cerco, a 11 de fevereiro de 1894.
Da Lapa, para cuidar dos feridos, os maragatos tomaram um
trem e chegaram na capital do Estado do Paraná, que já havia capitu-
lado frente a Custódio de Melo no dia 20 de janeiro e onde tiveram
uma acolhida plena de saudações, apesar da aversão de Gumercindo

142
DOURADO, Ângelo. Op. cit., p. 69-71.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 105

às exibições aparatosas dos citadinos. Quando soube que Salgado


pretendia tomar o porto de Rio Grande pelo mar, Gumercindo zombou
da notícia e deixou clara sua vontade de voltar para a Campanha143.
Diante dessa ofensiva, o vice-governador do Estado do Paraná
em exercício, Vicente Machado, transferiu a capital para Castro,
deixando Curitiba à mercê das forças federalistas, que exigiram
“empréstimos de guerra” para não saquear a cidade. A missão de
amealhar o dinheiro foi levada a cabo por Ildefonso Pereira Corrêa,
o Barão de Serro Azul.
Quando se achava que a vitória dos federalistas era inevitável,
Floriano conseguiu organizar a contra-ofensiva, obtendo importantes
vitórias sobre os revoltosos da Armada, que sofreram seu primeiro
grande revés em meados de abril quando uma torpedeira da esquadra
legalista pôs a pique o principal vaso de guerra dos revoltosos
navais, o Aquidabã, acelerando o fim do Governo Provisório de
Desterro. Isso abalou a confiança dos maragatos em terra em sua
marcha setentrional e arrefeceu; seus ânimos em invadir o Estado
mais poderoso da União, São Paulo, onde o Governo Federal, com a
colaboração do governador Bernardino de Campos, havia organizado
um exército de quase seis mil homens em Itararé, território paulista.
Apesar de o general federalista Antônio Carlos da Silva
Piragibe ter chegado a enviar batedores para Jaguariaíva, próximo à
divisa do Paraná com São Paulo, desta vez o otimismo um tanto
negligente da revolução foi abrandado, só restando aos insurretos
recuo em suas posições no Paraná, marchando para Oeste pelo interior,
em outra penosa jornada. Gumercindo dividiu seu exército em três
colunas; uma, dele; outra, de Aparício e a última, de Jucá Tigre.
Os republicanos enviaram a Divisão do Norte para encontrá-los
em Passo Fundo, onde a coluna de Gumercindo lutou sua última e
mais renhida batalha. Os maragatos impuseram grande baixas sobre
a Divisão do Norte, mas as cargas de lanceiros eram inócuas frente
a uma infantaria armada com fuzis Comblains e canhões Krupp,
obrigando os revolucionários a fugirem.
A retomada legalista em território paranaense foi marcada
pela execução do Barão de Serro Azul no quilômetro sessenta e
cinco da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, sob ordem do

143
DOURADO, Ângelo. Op. cit., p. 186.
106 Rafael Augustus Sêga

comandante militar Ewerton Quadros. A vingança legalista seria


cruenta nos três Estados sulistas da União.
No dia 10 de agosto de 1894, Gumercindo estava passando em
revista seu combalido exército quando foi alvejado por um franco-
atirador oculto numa mata e viria a morrer dois dias mais tarde:

Os ajudantes do general ferido carregaram-no ao acampamento,


onde ele implorou por água gelada, continuou a emitir ordens
(“diga a Aparício para observar seu flanco”), e suplicou para os
que o cercavam manter seu equipamento pessoal de montaria
fora das mãos republicanas. Aparício deu uma olhada nele,
virou-se angustiado e saiu sem dizer palavra. Gumercindo cobriu
seu rosto com as mãos. “Eles me mataram”, disse várias vezes,
mas ainda estava vivo quando carregaram-no a uma carroça de-
pois de escurecer, e enquanto os maragatos acometidos pela notí-
cia marchavam pela noite, Dourado, receoso de pânico nas filei-
ras, cavalgou ao lado da carroça emitindo prognósticos otimistas.
Quando os esperançosos insurretos acamparam pela manhã, en-
tretanto, ele vazou a informação sobre a morte de Gumercindo ao
exército144.

Após a morte de Gumercindo, a Revolução Federalista tor-


nou-se um protesto errante, e os maragatos optaram pelo refígio na
Argentina. De lá, eles marcharam para o sul em direção à Campanha,
e muitos acabaram desistindo da luta. Mas Aparício, revoltado com a
profanação que os republicanos fizeram com o corpo de Gumercindo,
permaneceu fiel à revolução e esperou para preparar uma nova
invasão ao Brasil ao lado do almirante Saldanha da Gama.
A subida de Prudente de Morais à presidência da República
em 15 de novembro de 1894 assinalou o início da derrocada do
projeto político militarista de Floriano, sobre o qual a historiadora
norte-americana June E. Hahner esclarece:

144
Do original: The wounded general's aides carried him to camp, where he pleaded for cold
water, continued to issue orders (“tell to Aparicio to watch his flank”), and begged those
around him to keep his personal riding gear from falling into Republicans hands. Aparicio
took one look at him, turned away in anguish, and left without speaking. Gumercindo
covered his face with his hands. “They’ve killed me”, he said several times, but he was
still alive when they loaded into a cart after dark, and as the strickem Maragatos marched
through the night, Dourado, fearful of panic in the ranks, rode beside the cart issuing
optimistic prognoses. When the hopeful insurgents camped in the morning, however, he let
the army know that Gumercindo was dead. CHASTEEN, John C. Op. cit., p. 108.
Tradução de Thelma Belmonte.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 107

Nos seus primeiros tempos de governo, Prudente removeu muitas


pessoas nomeadas por Floriano e preencheu os postos com
homens de acordo com sua política. Estes atos irritaram Floriano
e muitos de seus partidários, os quais viram que Prudente estava
enfraquecendo suas posições e fortalecendo as das facções rivais.
(...) Fazendo isso, suscitou uma hostilidade tremenda da parte do
pessoal de Floriano, mas estes já não mais controlavam a
máquina governamental e, devido à fragmentação das Forças
Armadas, não podiam reunir poder suficiente para fazê-lo
parar145.

Nesse contexto, a pacificação da Revolução Federalista era


fundamental para o exercício do controle civil sobre a República,
em detrimento dos grupos radicais jacobinos, que evocavam um
governo militar e ditatorial. Sobre a trajetória do jacobinismo na
vida política da Primeira República, a historiadora Suely Robles
Reis de Queiroz insere, com desenvoltura, essa doutrina nos anta-
gonismos peculiares dos primeiros anos da República:

O momentâneo vazio de poder é preenchido, de imediato, pelas


Forças Armadas, única organização com estrutura e coesão sufici-
entes para garantir o êxito da mudança e assegurar-lhe continui-
dade. Ora, a permanência destas como grupo dirigente não con-
vém à fração hegemônica, para quem o espaço político aberto de-
ve servir ao fortalecimento do espaço econômico já conquistado.
(...) Tais circunstâncias são a geratriz dos conflitos que rompem a
coesão das heterogêneas forças momentaneamente unidas para
acabar com a Monarquia, provocando o clima de instabilidade
característicos dos primeiros tempos republicanos. O jacobinismo
reflete a dispersão dessas forças e a sua reaglutinação sob forma
diversa; sempre heterogêneas, abrigando interesses e finalidades
diferentes, o radicalismo de algumas emerge com clareza no pe-
ríodo de Floriano e mantém o governo de Prudente, o primeiro
presidente civil, em permanente tensão 146.

A morte de Floriano em 29 de junho de 1895 não só não arre-


feceu os ânimos dos jacobinos, como criou uma idolatria política
sem precedentes na história do País. O jacobinismo em si conhece-
ria seu ocaso dois anos mais tarde, com a frustrada tentativa de

145
HAHNER, June E. Relações entre civis e militares no Brasil (1889–1898). São Paulo:
Pioneira, 1975. p. 151.
146
QUEIROZ, Suely R. R. Op. cit., p. 11-12.
108 Rafael Augustus Sêga

assassinato de Prudente, quando o ministro da Guerra, marechal


Carlos Machado Bittencourt, foi morto por Marcelino Bispo de
Carvalho. Ambos haviam lutado em Canudos.
Lincoln de Abreu Penna aduz que a veneração que recaiu so-
bre a figura de Floriano, durante e após seu mandato, foi fundamen-
tal para a “republicanização” (sic) do Brasil:

A rigor, a república era um ideário fundado em concepções di-


versas que influíram de modo diferenciado, como não poderia
deixar de ser, o movimento que logrou convertê-la em realidade
através do pronunciamento de novembro de 1889. (...) Por vias a-
típicas, os elementos da construção desta ordem produziram uma
sociedade política que mitigou preceitos organizacionais confli-
tantes, como o federalismo de impulsos autonomistas e o presi-
dencialismo de vocação excessivamente centralizador. Floriano
Peixoto foi involuntariamente o artífice deste modelo político-
institucional. As circunstâncias levaram-no a apoiar-se justa-
mente nas forças díspares, de um lado o grupo oligárquico repre-
sentado pelos interesses de São Paulo, e de outro, no republica-
nismo radical da pequena política que o consagrou popularmen-
te. (...) O florianismo representou a ordem num ambiente no qual
sua demanda se impunha como mediadora do conflito, a curto
prazo, porém abriu caminho para que a médio prazo se instalasse
o sistema fechado que se perpetuou ao longo da República oli-
gárquica147.

Entrementes, a Revolução Federalista sofreu sua derrota final


em junho de 1895 no combate de Campo Osório, onde o almirante
Saldanha da Gama e seus quatrocentos homens resistiram até a
morte frente aos republicanos chefiados pelo coronel João Francisco
Pereira de Souza.
O acordo de paz foi assinado em 23 de agosto de 1895, pelo
armistício de Piratini, assinado próximo a Pelotas, entre o general
Inocêncio Galvão de Queiroz, emissário do governo federal, e Joca
Tavares, representante dos federalistas, cuja reivindicação principal
reduziu-se à revisão da constituição estadual. A guerra civil terminou
com uma debandada de dez mil maragatos para o Uruguai e um

147
PENNA, Lincoln de A. O progresso da ordem; o florianismo e a construção da
república. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997, p 187.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 109

saldo de dez mil mortos, segundo as estimativas mais confiáveis (e


otimistas).
O acordo assinado entre Galvão de Queiroz e Joca Tavares,
que anistiou os insurretos e assegurou a possibilidade da revisão da
constituição do Rio Grande do Sul, desagradou sobremaneira a
Júlio de Castilhos que firmou o pé pela manutenção da carta magna
gaúcha e obrigou as autoridades federais a rever o pacto:
Finalmente, em outubro de 1895, um projeto modificado de anis-
tia foi votado. Para garantir a aprovação segura deste projeto,
Prudente tentou apressar a coleta de armas rebeldes no Rio Gran-
de do Sul. Ameaçou também renunciar à presidência. Embora
fosse derrotado um projeto de anistia incondicional, Prudente
manobrou para reduzir de três para dois anos o lapso de tempo
para que os oficiais rebeldes pudessem retornar à ativa 148.
A constituição gaúcha permaneceu inalterada, e o fim da
Revolução Federalista assinalou, no Rio Grande do Sul, o predomí-
nio do Partido Republicano Rio-Grandense sobre a vida político-
institucional do Estado, da consolidação da máquina administrativa
castilhista e do seu monopólio político. Castilhos governaria até
1898; e a carta magna estadual foi o sustentáculo jurídico do perpe-
tuamento de Borges de Medeiros frente ao executivo máximo gaú-
cho por quase três décadas, com o interregno de 1908 a 1913. Pro-
positadamente, a Revolução Federalista no Paraná não foi aprofun-
dada aqui porque, por se tratar da problemática do trabalho, será
tratada com a minúcia necessária no próximo capítulo.

2.2 A URDIDURA HISTORIOGRÁFICA

Ocorrida na última década do século XIX, a Revolução Fede-


ralista foi uma das mais bem registradas da história da Primeira
República. Isso se deveu em função da existência de grande número
de cronistas, jornalistas e participantes letrados do conflito, os
quais produziram registros escritos do mesmo. A importância da
guerra civil e as produções literária e historiográfica foram prolíficas
nos três Estados do Sul do país, envolvidos na insurreição.

148
HAHNER, June E. Op. cit., p. 155.
110 Rafael Augustus Sêga

Nesse caso, nos três Estados sulinos as primeiras obras histo-


riográficas sobre a Revolução Federalista estavam imbuídas do
espírito historista do século XIX, quando se buscou uma narração
“objetiva” dos fatos e do enaltecimento dos heróis. Todavia, a par-
tir dos trabalhos de Eric John Hobsbawm149 da década de sessenta,
historiadores têm relacionado tais espécies de conflito com a estrei-
ta relação entre o domínio da estrutura fundiária e a dominação
política nas sociedades tradicionais (ou “pré-políticas”).
Como toda escolha é sempre influenciada por preferências
pessoais, então achamos que qualquer tentativa de arrolamento da
vasta produção historiográfica sobre o assunto seria uma atitude
arbitrária. Cremos ser pertinente, então, explanar sobre os principais
trabalhos historiográficos aqui utilizados. Alguns constituem-se em
“clássicos” sobre a Revolução Federalista em si, escritos no Rio
Grande do Sul, outros tentam inserir o episódio em um contexto
mais amplo e, por fim, outros versam sobre assuntos correlacionados.
Nossa intenção aqui não é fazer um levantamento exaustivo da
produção historiográfica sobre o tema, mas articular uma linha de
análise sobre as obras que mais nos influenciaram na redação na
primeira parte do presente capítulo.
Como foi visto na introdução desse trabalho, a produção histo-
riográfica paranaense do conflito ateve-se, na maioria dos casos (salvo
raras exceções), a uma abordagem factual do conflito, mas o mesmo
não aconteceu com os trabalhos produzidos no Rio Grande do Sul,
onde o tema tem uma forte aceitação nos meios acadêmicos150.
Todavia, elegemos os dois trabalhos mais importantes produ-
zidos por autores paranaenses (pelo menos os mais citados) sobre o
assunto para ilustrar a abordagem historiográfica produzida naquele
Estado. Esses trabalhos são: Para a história, notas sobre a inva-
são federalista no Estado do Paraná, de José Francisco da Rocha
Pombo (1857–1933) e O Paraná e a Revolução Federalista, de
David Antônio da Silva Carneiro (1904–1990).

149
HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.
150
A respeito dos trabalhos acadêmicos produzidos no Rio Grande do Sul sobre a Revolução
Federalista ver: PICCOLO, Helga I. L. A Revolução Federalista no Rio Grande do Sul:
considerações historiográficas. In: ALVES, Francisco das N.; TORRES, Luiz H.
(Orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Editora da FURG, 1993. p. 65-
82, complementada na Revista do IHGB, n. 381.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 111

Professor, jornalista, escritor em prosa, poeta, deputado pro-


vincial, Rocha Pombo pode ser considerado um dos nomes mais
conhecidos da historiografia brasileira herdeira da “Escola Metódi-
ca” na primeira metade do século XX com sua coleção História do
Brasil, publicada entre 1905 e 1917, com o intuito de fornecer
“uma visão de história do país que influenciasse várias gerações”.
Entretanto, nosso interesse aqui é sua controversa obra referente à
Revolução Federalista (alguns autores negam sua autenticidade 151).
Para a História foi um livro publicado em 1980 por iniciativa da
Fundação Cultural de Curitiba e com o aval do professor doutor
Carlos Roberto Antunes dos Santos como prefaciador.
O livro se constitui, antes de mais nada, em um libelo de in-
dignação contra a chacina do Barão de Serro Azul e “seus infortu-
nados companheiros de ideal”, contudo, podemos sentir a intenção
de Rocha Pombo de conciliar sua condição de contemporâneo aos
fatos com a preocupação de inseri-los em uma conjuntura histórica
(levada a efeito na 2ª parte, Histórico dos acontecimentos que se
deram no Paraná), mas, como homem de seu tempo, tais preocu-
pações têm limites, e o que reparamos ao final é, nas palavras do
professor Carlos, um posicionamento de “recolhimento de fatos
particulares reverenciados dentro da história”.
Já em O Paraná e a Revolução Federalista, David Carneiro
tenta traçar uma abordagem mais “imparcial” ao tema. Ex-aluno do
Colégio Militar do Rio de Janeiro, engenheiro, professor universitá-
rio de economia, o grande mérito de Carneiro foi o de ser o maior
propagador das idéias de Auguste Comte em solo paranaense. Apesar
de ter tido uma trajetória pessoal totalmente adversa da de Rocha
Pombo, Carneiro compartilhava com ele os mesmos ideais de
“mestra da vida” para os estudos históricos. O que constatamos
nessa obra é um encadeamento causal da Revolução Federalista no
Paraná, cuja tese central é a de que a resistência prolongada dos
defensores do cerco da Lapa possibilitou a organização armada dos
republicanos ao reter os maragatos por 26 dias (de 17 de janeiro a
11 de fevereiro de 1894), impedindo que os mesmos avançassem
para São Paulo.

151
Podemos atestar essa postura em: VERNALHA, Milton M. Maragatos X Pica-Paus.
Curitiba: Lítero-Técnica, 1984. p. 371-379.
112 Rafael Augustus Sêga

Entrementes, uma das principais obras sobre da Revolução


Federalista foi escrita à época por um médico de campo federalista,
Ângelo Cardoso Dourado (1856–1905), Voluntários do Martírio.
Dourado era um médico baiano, radicado em Bagé, exerceu seu
ofício como oficial-cirurgião (coronel) do Exército Libertador,
sendo homem de confiança de Gumercindo Saraiva. Em tese, o
livro foi fruto da intensa correspondência que Dourado estabeleceu
com sua esposa Francisca, publicado em 1896 em Pelotas.
Na verdade, Voluntários do Martírio constitui-se num livro
de “memórias”, pois a intenção do autor era que suas impressões
diante de tantas agruras não caíssem no esquecimento. O próprio
Dourado assume que não pretendeu escrever a história da Revolução
de 1893, pois ele achava isso prematuro demais, uma vez que “a
tinta em que deve-se mergulhar a pena de fogo para escrevê-la
deve ser de justiça, e para isso é preciso tempo” 152.
A obra nos fornece uma descrição detalhada do conflito. Es-
pectador perspicaz do desenrolar das batalhas, Dourado narra com
fluência e objetividade a marcha da Revolução Federalista pelos
Estados do Sul do Brasil. Descreve as diferenças culturais e sociais
das várias localidades por onde passa durante a longa marcha ma-
ragata. O ofício da medicina fez com que Dourado se preocupasse
com as pessoas comuns e registrasse os efeitos devastadores da
guerra civil sobre suas vidas pessoais e sobre suas lides cotidianas.
Outra obra gaúcha “clássica” e fundamental para o entendi-
mento da Revolução Federalista é Apontamentos para a história
da revolução rio-grandense de 1893, de Wenceslau Escobar
(1857–1938), publicada originalmente em 1919 e reeditada em
1983 pela editora da UnB. O autor era gaúcho de São Borja, forma-
do em direito, exerceu cargos de promotor e juiz em sua cidade
natal e de deputado provincial pelo Partido Liberal (mas era repu-
blicano). Com a volta de Gaspar Silveira Martins após o banimento,
Escobar ingressou nas fileiras do Partido Federalista, chegando a
ser um dos redatores de A Reforma, jornal da militância gasparista,
e com a eclosão da Revolução Federalista aderiu aos insurretos.
Ao contrário de Ângelo Dourado, Escobar tem pretensões
historiográficas. Partindo do princípio da época de que a história é
a “mestra da vida”, na qual “o homem vai haurir lições sobre a sua

152
DOURADO, Ângelo. Op. cit., p. 1.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 113

trajetória no planeta” 153, Escobar intenta fazer um relato imparcial


da insurreição, mas ele mesmo reconhece que, levada em conta sua
posição durante a mesma, é impossível. Todavia, Helga Piccolo 154
adverte que no capítulo IX (Operações revolucionárias na região
serrana) Escobar utilizou amplamente o livro de Antônio Ferreira
Prestes Guimarães (A Revolução Federalista em cima da serra)
sem mencioná-lo, fato que acaba desmerecendo um pouco a obra.
O livro traz uma narrativa minuciosa e seqüencial do desen-
rolar das batalhas, mas em razão de sua formação jurídica o autor
também privilegia alguns aspectos político-institucionais. Durante
todo o livro, Escobar tenta deixar claro que os federalistas só se
insurgiram motivados pelas perseguições que lhes foram impostas
pelos castilhistas após a tomada do poder e que o objetivo maior
dos insurretos era a revisão da constituição estadual, o que não foi
conseguido.
O último grande narrador contemporâneo aos conflitos que
mencionaremos aqui é Luiz de Senna Guasina em seu Diário da
Revolução Federalista, publicado recentemente (1999) pelo
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Os dados biográficos de
Luiz Guasina são controversos, mas o prefaciador do livro, Corálio
Bragança Pardo Cabeda, acredita que ele era oriundo de São Sepé,
provavelmente cartorário do Registro Civil daquela localidade.
Combatente e correligionário convicto da causa de Gumercindo
Saraiva, mas sem a pretensão literária de Ângelo Dourado e Wenceslau
Escobar, Luiz Guasina elaborou um minucioso diário pessoal dos
fatos do dia-a-dia da Revolução Federalista (talvez nem ele mesmo
acreditasse que tais anotações viriam um dia a se constituir em livro)
no qual ele descreve a sucessão cronológica das batalhas e traz recor-
tes de jornais de época. O grande mérito do livro de Luiz Guasina é,
além da quantidade enorme de informações, proporcionar ao leitor
um contato direto com as fontes primárias, sem os filtros culturais
que as interpretações historiográficas tecem a posteriori.
Os três autores vistos acima eram militantes federalistas, e,
como tais, forneceram relatos parciais dos acontecimentos. Para
contrapor essas posições, outros antigos participantes legalistas da
revolução procuraram passar outra visão do episódio, como é o
caso de Germano Hasslocher, A verdade sobre a revolução e

153
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit., p. 3.
154
PICCOLO, Helga l. L. Op. cit. (Nota 65), p. 69.
114 Rafael Augustus Sêga

Fabrício Batista de Oliveira Pilar, Memórias da revolução de


1893, todos autores gaúchos.
A partir da década de vinte, a historiografia sobre a Revolução
Federalista ficou restrita a alguns poucos trabalhos produzidos no
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul155. O historia-
dor Décio Freitas acredita que a razão desse descaso aconteceu
porque os gaúchos sentem vergonha do tema, em função do “estigma
da infâmia” 156 que esse conflito carrega.
A virada na abordagem sobre a Revolução Federalista se deu
no início da década de sessenta, quando pesquisadores oriundos do
meio universitário se propuseram uma discussão mais arejada da
mesma. O grande pioneiro foi Sérgio da Costa Franco que, em uma
célebre passagem, afirmou que não tinha mais cabimento os histo-
riadores evitarem o tema como “pudicas noviças diante de uma
página fescenina” 157.
O referido artigo acabou dando origem ao livro A guerra civil
de 1893. As linhas gerais da análise de Sérgio da Costa Franco
foram inovadoras na época, uma vez que ele foi um dos primeiros
historiadores a tentar inserir a Revolução Federalista nas mudanças
socioeconômicas que se operavam no Rio Grande do Sul na segun-
da metade do século XIX, como fruto de seus refluxos políticos.
Seguindo esse fio de análise, pomos em destaque a tese de
doutorado de Sílvio Rogério Duncan Baretta: “Political violence
and regime change: a study of the 1893 civil war in southern
Brazil”158 (tradução livre: “Violência política e mudança de regime:
um estudo da guerra civil de 1893 no Brasil meridional” e não foi
lançado no Brasil), defendida na Universidade de Pittsburg em
1985. Tal trabalho é tido por sérios especialistas no tema como “a
pesquisa mais abrangente e mais profunda até agora feita tendo a

155
PICCOLO, Helga I. L. Op. cit. (Nota 65), p. 76.
156
FREITAS, Décio. A revolução da degola. In: POSSAMAI, Zita (Org.). Revolução
Federalista de 1893. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura – Caderno Ponto &
Vírgula, 1993. p. 22.
157
FRANCO, Sérgio C. O sentido histórico da Revolução de 1893. In: Fundamentos da
cultura Rio-Grandense, 5ª série. Porto Alegre: Faculdade de Filosofia da UFRGS,
1962. p. 100.
158
Utilizamos aqui um paper produzido pelo autor para o curso de pós-graduação em
história na UNICAMP (sem data) e que traz as linhas gerais de seu trabalho final de
doutorado.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 115

Revolução Federalista como objeto de análise”159. Baretta absteve-se


da narrativa das batalhas para salientar a importância dos partidos
políticos provinciais (precursores dos correlatos republicanos) como
origem dos conflitos, levando em conta as bases eleitorais (como
classes sociais) e o choque entre os respectivos projetos. A partir
disso, o autor passa a analisar o processo político-partidário nos
primeiros anos da República no Rio Grande do Sul, mostrando as
influências da política nacional no Estado. Para ele, a Revolução
Federalista ganha uma dimensão econômica ao se constituir no
momento do enfrentamento entre dois setores das classes dominan-
tes; de um lado, os federalistas, representantes dos criadores de
gado e de outro, os republicanos, representantes de uma incipiente
classe média.
Já o livro do historiador norte-americano Joseph L. Love O
regionalismo gaúcho e as origens da revolução de 1930, lançado
no Brasil em 1975, pode ser considerado uma baliza na produção
historiográfica sobre a política gaúcha durante a Primeira República.
Publicado originalmente em 1971 com o título Rio Grande do Sul
and Brazilian Regionalism, 1882–1930 pela editora da Universidade
de Stanford, o merecimento do livro de Joseph Love está na inovação
heurística, pois ele foi o primeiro historiador a ter permissão para
pesquisar no Arquivo Borges de Medeiros. Nessa obra, o autor
trabalha com a Revolução Federalista no capítulo 3 (O terror e a
guerra) da parte I (Ascensão do castilhismo) de modo amplo, e o
grande mérito de Love foi ir além das datas-limites e inserira insur-
reição federalista no processo histórico que estava se operando na
política do Rio Grande do Sul com a subida de Júlio de Castilhos
ao poder, e como “o resquício de ódio desempenharia o seu papel
na política rio-grandense quase até o fim da República Velha” 160.
Dentro da tendência inovadora, outra obra importante é o livro
de Sandra Jatahy Pesavento, A Revolução Federalista, com circu-
lação nacional por ter sido publicado pela Editora Brasiliense em
1983, na coleção Tudo é História, e, apesar de ser um livro de
divulgação, o tema é tratado com muita propriedade pela autora.
Sandra Pesavento procurou, com competência, encaixar o movi-
mento federalista dentro do jogo de poder da Primeira República e

159
PICCOLO, Helga I. L. Op. cit. (Nota 65), p. 71.
160
LOVE, Joseph. Op. cit. (Nota 42), p. 77.
116 Rafael Augustus Sêga

aos interesses econômicos da oligarquia estancieira do Rio Grande


do Sul, a partir dos pressupostos do materialismo histórico.
Sandra Pesavento deixou de lado a descrição das batalhas
(talvez influenciada pelo paper de Sílvio Baretta) para privilegiar a
análise das mudanças econômicas e sociais que se estavam operando
no Brasil e no Rio Grande do Sul ao final do século XIX, e como
tais mudanças infra-estruturais refletiram na superestrutura em
forma de guerra civil, no caso a Revolução Federalista.
Para a autora, o quadro econômico gaúcho apresentava-se
atrelado ao cenário nacional de uma forma peculiar, pois se, por um
lado, ele estava desvinculado do processo agroexportador, por outro,
ele se vinculava à economia central pela produção do charque. Na
segunda metade do século XIX, os antagonismos entre os produtores
gaúchos e os setores cafeeiros dominantes acirraram-se porque
esses não tinham interesse em aumentar as taxas de importação do
charque platino para criar uma economia regional no Rio Grande
do Sul. Isso causou uma descapitalização das charqueadas e uma
crise no setor criatório do Estado, que não conseguiu nem aumentar
seus capitais para reinvestir na capacidade produtiva (promovendo
a vinda de maiores contingentes de mão-de-obra) e nem tampouco
promover a renovação tecnológica (o que já havia ocorrido com a
atividade platina). Pelo contrário, para compensar as flutuações do
preço nacional do charque, o produtor gaúcho baixou o preço do
gado, “com isto, a crise da charqueada repercutiria sobre toda a
pecuária, abrindo-se internamente uma área de atrito entre as duas
frações da camada dominante local” 161.
Já o livro do historiador norte-americano John Charles
Chasteen, Heroes on horseback; a life and times of the last gau-
cho caudillos é extremamente inovador em sua temática (tradução
livre: “Heróis a cavalo; vida e época dos últimos caudilhos gaúchos”,
publicado pela editora da Universidade do Novo México em 1995 e
lançado em 2003 no Brasil pela Editora Movimento, de Porto Alegre,
com o título Fronteira Rebelde). Chasteen é professor de história
na Universidade da Carolina do Norte, e a obra é fruto de sua tese
de doutorado. Todavia a obra não é a mera transposição do trabalho
acadêmico para livro.
Indo contra a tendência imensamente empirista da historiogra-
fia norte-americana, Chasteen parte em Heroes... de uma narrativa

161
PESAVENTO, Sandra J. Op. cit. (Nota 35), p. 40.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 117

literariamente bem construída, com licenciosidades poéticas, cujo


foco principal é o exame cuidadoso da liderança carismática exercida
pelos irmãos luso-uruguaios Gumercindo e Aparício Saraiva (a
quem ele classifica como “heróis culturais”, daí a origem do título)
no espaço geográfico, histórico e social da fronteira entre o Rio
Grande do Sul e a República Oriental do Uruguai no decurso do
século XIX, em que ele aborda, com maestria, desde a ocupação da
terra até a cultura social e política, passando pelas trajetórias beli-
cosas dos dois insubordinados irmãos. Ambos comandaram movi-
mentos insurretos (entre eles a Revolução Federalista), mobilizando
centenas, às vezes milhares de camponeses de uma região pouco
povoada à época. Só que a trajetória de cada um teve desdobramen-
tos completamente díspares: Gumercindo, apesar de melhor estra-
tegista, acabou sendo identificado como um opositor ao poder cen-
tral do Brasil e adquiriu pouca relevância na memória das lutas rio-
grandenses; já Aparício, apesar de não possuir o talento militar do
irmão, acabou recheando o imaginário uruguaio com sua figura
montada de líder de montoneras. As duas trajetórias acabam meta-
forizando um pouco os contrastes culturais e políticos entre as
Américas espanhola e portuguesa.
Já o vice-almirante Hélio Martins escreveu sobre a Revolta
da Armada em 1995 para a coleção História Naval Brasileira, do
Serviço de Documentação da Marinha (volume 5º, tomo I-A), mas,
ele frisa que não se trata de uma versão oficial do órgão. Ao contrá-
rio do que possa parecer, o autor não mergulha em um empirismo
absoluto ou em meras descrições factuais das sucessivas batalhas,
apesar de descrevê-las com acurado rigor. O principal foco de inte-
resse do autor está voltado para os aspectos militares e estratégicos
da revolta, articulando-os com a conjuntura política do período
florianista, nutrindo-se de uma excelente e atualizada bibliografia
acadêmica 162.

162
É interessante ver a análise de José Murilo de Carvalho para essa obra: “Dos quatro
trabalhos sobre revoltas, saliento o de Hélio Leôncio Martins, intitulado ‘A Revolta da
Armada’. Trata-se de uma excelente narrativa da revolta de 1893, que atende ao requi-
sito que mencionei no início destes comentários: uma simpatia com o objeto acompa-
nhada do necessário distanciamento para permitir uma visão equilibrada e crítica. O
autor consegue este equilíbrio, embora tratando de tema que até hoje desperta reações
apaixonadas. O que lhe pediria é acrescentar notas e indicação das fontes utilizadas.
As notas e referências foram sem dúvida deixadas de lado por razões práticas, pois es-
tamos diante de um historiador experimentado, mas elas fazem falta para a orientação
do leitor.”. CARVALHO, José M. Relatório. In: Anais do congresso de história da
república. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1989. p. 16.
118 Rafael Augustus Sêga

O livro vem permeado com biografias, farta iconografia, ma-


pas de época e quadros sinópticos, além de uma interessante (e
inédita) comparação entre a Revolta da Armada brasileira com a
Revolta Naval Chilena de 1891 contra o presidente Balmaceda,
entre outros. A obra de Hélio Leôncio Martins é um das mais amplas
sobre o assunto, pois em outra obra bastante citada Trade and
gunboats: the United States and Brazil in the age of empire 163
(tradução livre: “Comércio e navios de guerra: os Estados Unidos e
o Brasil na era do Império”, publicado pela editora da Universidade
de Stanford em 1996 e não lançado no Brasil) a ênfase que o autor,
o historiador norte-americano Steven Topik, deu ao tema (inserido,
no caso, como resquício da política imperial) esteve mais voltada à
importância da presença internacional no conflito, principalmente a
norte-americana.
Em Os subversivos da república (1986), Maria de Lourdes
Mônaco Janotti tem com objeto de análise o papel desempenhado
pelos monarquistas após a implantação do regime republicano,
quando, alijados do poder, eles passaram a se organizar para promo-
ver a restauração da coroa. Tarefa hercúlea, uma vez que o próprio
D. Pedro II não havia organizado a resistência no exílio e a sucessão
ficava comprometida com o Conde D'Eu, que era uma figura
extremamente impopular no País.
Os monarquistas formavam um grupo intelectualmente prepa-
rado e com interpretações consistentes da realidade nacional, com
nomes como Eduardo Prado, Afonso Celso (filho do visconde de
Ouro Preto), Joaquim Nabuco, entre outros. Eles tinham esperanças
de que os percalços do novo regime levassem a opinião pública a
rejeitá-lo. A primeira forma de atingir esse objetivo foi tentar eleger
deputados constituintes para defender, no plenário, a bandeira de
um plebiscito que referendasse a opção monárquica, sob a alegação
de manutenção da unidade nacional, o que não obteve sucesso.
Contudo, os republicanos, principalmente os jacobinos não
deixaram por menos e souberam se aproveitar da existência dos
monarquistas para criar no País um clima de pânico, passando a
perseguir esses focos de “subversão” com implacável rigor, atribuin-
do a eles todas as mazelas do novo regime e todos os atos de insu-
163
ALMEIDA, Paulo R. Os estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos: a produção brasilia-
nista no pós-Segunda Guerra Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV,
n. 27, 2001. p. 42.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 119

bordinação: a Revolta da Armada, a Revolução Federalista e, mais


tarde, a Guerra de Canudos. Mas, para a autora, “se o grande medo
dos monarquistas era – na aparência – o fracionamento e – na
essência – a revolução democrática, eles puderam considerar-se
vitoriosos: foram esmagadas todas as veleidades dessa natureza.
Predominou na República o conservadorismo dos conselheiros do
Império” 164.
Em Relações entre civis e militares no Brasil (1889–1898)
de June Edith Hahner – publicado no Brasil em 1975, e original-
mente em 1969 pela editora da Universidade da Carolina do Sul
com o título Civilian-military relations in Brazil (1889–1898) –,
são analisados os tumultuados episódios das relações dos dois gru-
pos do título nos dois primeiros quadriênios presidenciais, uma vez
que o período de Campos Sales é considerado o da consolidação do
domínio civil, com a Política dos Governadores.
Ao pôr em destaque os dois grupos sociais, civis e militares,
June Hahner subdivide os civis em monarquistas e republicanos, e,
estes, em civilistas e jacobinos. Já os militares são subdivididos
pelas armas, Exército e Armada, e, estas, em oficialidade e tropa.
Tais rivalidades no meio militar foram engenhosamente utilizadas
pelos cafeicultores paulistas (republicanos e civilistas) para a supe-
ração do período presidencial militar. Em linhas bem gerais, a aná-
lise de June Hahner tenta mostrar como a força econômica dos pau-
listas foi se transformando em força política, na medida em que eles
consolidaram o regime federativo e superaram os militares por
meio do compromisso, em troca de recursos para combater as re-
voltas federalista e da armada, pois para a autora “sabiamente, (os
paulistas) esquivaram-se das tentativas de derrotar a facção mili-
tar no poder mediante a adesão aos grupos militares rivais, e em
retribuição a seu apoio decisivo, foi permitido a Prudente eleger-se
o primeiro presidente civil da República do Brasil em 1894” 165.
Em Os radicais da república; jacobinismo: ideologia e a-
ção, 1893–1897 (1986), Suely Robles Reis de Queiroz procurou
recuperar o papel histórico, na implantação da República, de alguns
setores com uma inclinação nacionalista radical, os jacobinos. Os

164
JANOTTI, Maria de L. M. Op. cit., p. 265.
165
HAHNER, June E. Op. cit., p. 182.
120 Rafael Augustus Sêga

republicanos jacobinos constituíam uma espécie de “batalhão de


frente” na defesa da “pureza” dos princípios republicanos.
As balizas temporais propostas pela autora têm como marco
inicial o enfrentamento de Floriano com os revoltosos da Armada,
em setembro de 1893 e, como encerramento, o atentado promovido
por Marcelino Bispo contra Prudente, em novembro de 1897, visto
anteriormente.
Oriundos dos batalhões patrióticos, os jacobinos eram compos-
tos, de maneira geral, por cadetes, militares de baixa patente, profis-
sionais liberais, amanuenses e pequenos comerciantes. Essa pequena
burguesia organizava-se em torno de clubes e de jornais no intuito de
combater (nem sempre com palavras) aqueles considerados “noci-
vos” ao regime, principalmente os monarquistas e os portugueses.
Para eles, a república presidencialista deveria ser fortalecida
em prol do desenvolvimento autônomo do País e viam nos militares
um moralismo regenerador e salvacionista. O jacobinismo conheceu
seu auge com o governo de Floriano, mas sua força aumentou como
oposição a Prudente de Morais, em razão de suas propostas civilistas
e do fiasco em Canudos. Contudo, os jacobinos não tinham uma
plataforma política bem definida e nem tampouco uma determinação
ideológica. O atentado de Marcelino Bispo fez com que os órgãos
públicos, agora nas mãos dos cafeicultores paulistas, passassem a
combater de frente os republicanos radicais, até o desmantelamento
do movimento.
Outro texto importante é O progresso da ordem; o floria-
nismo e a construção da república (1997), de Lincoln de Abreu
Penna. A grande inovação de Lincoln Penna foi integrar o jacobi-
nismo ao fenômeno do “florianismo de rua” e interpretá-los à luz
do “pulso firme” de Floriano, frente aos insurretos navais e federa-
listas, quando ele despertou setores até então excluídos para a parti-
cipação política. Já o “florianismo governamental”, todavia, nas-
ceu da aliança entre Floriano com os cafeicultores paulistas no
combate aos opositores do regime. Ao final, o “florianismo gover-
namental” acabou superando o “de rua”, pois Floriano teve que
acatar a eleição de Prudente de Morais em contrapartida ao apoio.
O autor também compara o florianismo ao bonapartismo,
que, ao subjugar o parlamento e o judiciário, tenta governar (ainda
que de forma aparente) diretamente com as massas, para promover
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 121

“o progresso da ordem, aquela que, ao reconhecer os litigantes,


enquadrava-os na lógica da supremacia do Estado” 166.
O último texto que será analisado nessa parte do trabalho é A
ortodoxia positivista no Brasil: um bolchevismo de classe mé-
dia, no qual José Murilo de Carvalho busca fazer uma análise reno-
vada sobre o papel dos positivistas ortodoxos dentro do movimento
comtista brasileiro. José Murilo tenta mostrar que os ortodoxos não
eram fanáticos empedernidos em rituais religiosos e sim, um grupo
político com objetivos nítidos e estratégias próprias por meio de
uma rígida disciplina, como uma vanguarda leninista avant la lettre.
Para subsidiar essa explicação, o autor analisa a trajetória de
Miguel de Lemos, primeiro presidente da Sociedade Positivista do
Rio de Janeiro, que, em busca de uma “pureza” doutrinária, chegou
a romper com o líder mundial do movimento, Pierre Laffite. Para
isso, Lemos propõe uma ação política calcada em uma análise pró-
pria da realidade nacional.
José Murilo mostra que os positivistas ortodoxos eram oriun-
dos de camadas médias da sociedade imperial (engenheiros, médicos,
empregados públicos etc.) e que essa condição de classe fazia com
que os mesmos forjassem um projeto político (mesmo que conser-
vador) alternativo ao da elite da época. Com a derrocada da ordem
imperial em 1889, os ortodoxos foram um dos grupos politicamente
mais coesos na nova cena, cabendo a eles o encabeçamento de várias
posições, todavia, o seu maior legado foi a “separação entre os
ideais de reforma social e de democracia representativa que domi-
nou o pensamento político brasileiro desde o início da República
até recentemente” 167.
Por fim, temos a nítida consciência de que redigir uma narra-
tiva sobre a Revolução Federalista é uma tarefa arriscada diante da
vasta bibliografia sobre ela escrita.
Todavia, Carlo Ginzburg em seu texto Sinais: raízes de um
paradigma indiciário168 compara a atividade do historiador com a
de um detetive particular que reconstrói uma cena a partir de vestí-

166
PENNA, Lincoln de A. Op. cit., p. 194.
167
CARVALHO, José M. A ortodoxia positivista no Brasil: um bolchevismo de classe
média, Pontos e bordados; escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora da
UFMC, 1999. p. 199.
168
GINZBURG, Cario. Mitos, emblemas e sinais; morfologia e história. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p. 143-179.
122 Rafael Augustus Sêga

gios. Acreditamos que, além das fontes primárias, o historiador


também possa recriar uma situação a partir de alguns indícios histo-
riográficos, desde que ele tenha claro quais objetivos queira atingir.
Não tivemos a pretensão de recriar a totalidade do passado
com a “pena de fogo” de Ângelo Dourado, nem prover as gerações
futuras com exemplos de vida, como pretendia Wenceslau Escobar,
mas, a de proporcionar um cenário que tentasse explicar os motivos
que levaram um grupo de fronteiriços gaúchos a cavalo a galgar os
Campos Gerais paranaenses, um lugar tão distante dos pampas e das
querelas partidárias rio-grandenses. Como num tear, tentamos articular
descrições com interpretações, no intuito de tecer uma rede que
pudesse fornecer subsídios à explicação da chegada dos maragatos
de Gumercindo ao Estado do Paraná, cuja formação socioeconômi-
ca e história política serão abordadas no próximo capítulo169.

169
Essa metáfora foi inspirada em Carl. E. Schorske: “O historiador é o tecelão, mas a
qualidade do tecido depende da firmeza e cor dos fios. Ele tem que aprender um pouco
de fiação com as disciplinas especializadas, cujos estudiosos, na verdade, perderam o
interesse de utilizar a história como uma de suas modalidades básicas de entendimento
– mas ainda sabem melhor do que o historiador o que constitui, em seu ofício, um fio
resistente de cor firme. O rústico tecido caseiro do historiador será menos fino que o
deles, mas, se imitar o método de confecção, ele fiará fios bastante prestáveis para a
talagarça que é chamado a fazer”. SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-siècle; política e
cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 17.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 123
124 Rafael Augustus Sêga

CAPÍTULO 3

Campistas, acampai no Paraná. Ou melhor, não; abstende-vos.


Reservai aos últimos pontos da Europa os vossos papéis engordu-
rados, os vossos frascos indestrutíveis, as vossas latas de conser-
vas esventadas. Espalhai aí a ferrugem das vossas tendas. Mas
respeitai, para além da faixa pioneira e até que termine o prazo
tão curto que nos separa do saque definitivo, as torrentes fustiga-
das por uma espuma jovem que os socalcos cavados nos flancos
violetas dos basaltos ladeiam aos saltos. (...) Paisagem virgem e
solene que parece ter conseguido preservar, pelos séculos fora, a
face intacta do carbonífero e que a altitude, conjugada com o a-
fastamento do trópico, liberta da confusão amazônica, conferin-
do-lhe uma majestade e uma ordenação inexplicáveis, a menos
que isso seja obra duma utilização, cuja memória se perdeu, feita
por uma raça mais sábia e poderosa do que a nossa, graças ao
desaparecimento da qual devemos o facto de podermos penetrar
neste parque sublime, hoje mergulhado no silêncio e no abando-
no170.

A REVOLUÇÃO FEDERALISTA NO PARANÁ


E A REARTICULAÇÃO DA VIDA
POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO

Um dos objetivos do presente capítulo é mostrar a relevância


da formação histórica do Paraná na compreensão de sua vida política
ao longo do século XIX, principalmente na configuração dos partidos
locais, colocados em marcha a partir de um processo de diferencia-
ção econômica e dicotomizados entre os senhores dos Campos
Gerais e os empresários da erva-mate. Após essa explanação, leva-
da a cabo nas três primeiras partes deste capítulo, trataremos da
nossa problemática em si nas partes subseqüentes.

170
LEVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. Lisboa: Edições 70, 1986. p. 147.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 125

Para os indígenas, paraná significa “rio caudaloso” (do tupi-


guarani para + ná, “semelhante ao mar”), e a unidade da federação
brasileira herdeira desse nome está situada na região sul do país,
ocupando uma área de aproximadamente duzentos mil quilômetros
quadrados, cujos limites são a leste, o oceano Atlântico; ao norte,
São Paulo; ao sul, Santa Catarina; ao noroeste, o Mato Grosso do
Sul; a sudoeste, a Argentina, a oeste, o Paraguai.
Na composição morfológica do Estado, preponderam as su-
perfícies planas arranjadas em altitude, traçando planaltos íngremes
pertencentes às serras do Mar e Geral, destacando-se cinco unida-
des de relevo de leste para oeste: baixada litorânea, serra do Mar,
planalto cristalino (o primeiro planalto do Paraná ou planalto de
Curitiba), planalto paleozóico (o segundo planalto ou planalto dos
Campos Gerais ou de Ponta Grossa) e planalto basáltico (terceiro
planalto ou planalto de Guarapuava).
É no Paraná que se dá a transição do clima tropical para o
subtropical, que se sobressai na região sul. A vegetação predomi-
nante varia entre as florestas e os campos; as florestas separam-se
em tropicais e subtropicais, e os campos, em limpos e cerrados.
Além da transição climática, é no Paraná que se dá também a pas-
sagem do espaço cultural gaúcho para a área de influência paulista.

3.1 A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO PARANÁ

Historicamente, o Paraná foi constituído por três formações


regionais: o “Paraná Tradicional”, que surgiu ainda no século XVII
com a extração do ouro de aluvião e seguiu pelo século XVIII com a
organização da sociedade dos Campos Gerais, calcada na grande
propriedade rural de criação e comercialização de gado muar e vacum,
destaque para as cidades de Curitiba e Paranaguá; o “Paraná Paulis-
ta”, estruturado no norte do Estado como uma frente de expansão da
lavoura cafeeira de São Paulo, destaque para as cidades de Londrina
e Maringá; e, por fim, o “Paraná Gaúcho”, organizado no sudoeste
e oeste do Estado, impulsionado pela criação de suínos e pela lavoura
cerealífera, com fortes vínculos culturais com o Rio Grande do Sul,
destaque para as cidades de Cascavel e Pato Branco; as duas últimas
formações regionais foram devidas às políticas de colonização ence-
tadas a partir da primeira metade do século XX.
126 Rafael Augustus Sêga

O Paraná, enquanto unidade da administração portuguesa, não


existiu durante o período colonial. Deveras, apenas uma estreita faixa
de litoral “paranaense” pertencia às terras lusas pelo Tratado de
Tordesilhas, cujo último entreposto era Laguna, no atual Estado de
Santa Catarina. Esta delgada banda de terras constituiria, em teoria, a
Capitania Hereditária de Santana, destinada a Pêro Lopes de Souza.
Dentro da estrutura da economia colonial, em sua etapa de
acumulação primitiva de capital, o território que hoje se convenciona
chamar de Paraná não atraía muito os olhares dos colonizadores
ibéricos.
Contudo, as tentativas de viabilização econômica e ocupação
efetiva do território correspondente ao Paraná iniciaram-se em duas
frentes: a primeira, no século XVI, espanhola, a partir do que hoje
corresponderia ao extremo oeste do Estado que, em 1541, Álvar
Nuñes Cabeza de Vaca havia alcançado, após sobrepujar os rios
Tibagi e Iguaçu, vindo da ilha de Santa Catarina; a segunda, no
século XVII, portuguesa, os desbravadores saíram a partir do litoral
de São Vicente em busca de ouro de aluvião nos rios da baía de
Paranaguá, cujo lugarejo foi alçado à condição de vila em 1648.
A colonização espanhola aconteceu de forma mais efetiva às
margens do rio Paraná, onde foi fundado o conjunto das reduções
da missão jesuítica do Guayrá e outros, situados entre os rios
Paranapanema, Iguaçu, e Tibagi. Entretanto, o interesse da coroa
espanhola por essa região era secundário, uma vez que o centro das
atenções dos castelhanos na América do Sul, nessa época, estava
voltado ao ouro dos incas, no atual Peru, e às minas de prata de
Potosí, na atual Bolívia.
Por outro lado, as atenções dos portugueses eram outras. Na
primeira metade do século XVII, a grande lavoura de açúcar no
Nordeste brasileiro absorvia a maior parte da mão-de-obra africana.
A falta de recursos das regiões periféricas aos engenhos de cana,
notadamente no litoral de São Vicente, obrigou os colonos a encon-
trarem alternativas para o suprimento de braços. A saída encontrada
foi o aprisionamento dos índios e, nesse ponto, os interesses entre
os vicentinos e os jesuítas do Guayrá entraram em choque, cujo
ápice foi a investida dos bandeirantes Antônio Raposo Tavares e
Manuel Preto contra as reduções, destruindo-as em 1631 e capturan-
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 127

do os nativos. De forma singular, o economista Francisco Magalhães


Filho considera essa a primeira manifestação econômica do Paraná.

Essa foi a primeira atividade econômica exercida no Paraná.


Poucas estatísticas sobre ela são conhecidas. Sabe-se, porém,
que, no século XVII, São Paulo exportou cerca de 90.000 escra-
vos índios, com um valor aproximado de £ 560.000. Era o princi-
pal artigo de exportação da Capitania, e esse valor correspondia
a um terço das exportações anuais de açúcar do Nordeste 171.

O primeiro registro da presença de ouro de aluvião em Para-


naguá foi feita à Província de São Paulo pelos povoadores pioneiros
vicentinos na primeira metade do século XVII, que, além do metal
precioso, buscavam também madeiras nobres. Durante o período da
dominação espanhola sobre a coroa portuguesa (a “União Ibérica”
entre 1580 e 1640), as autoridades coloniais estimularam as relações
comerciais entre os vicentinos com colonos platines, ativando a
navegação do litoral atlântico meridional, motivados em parte pela
possibilidade da preação dos índios.
Nas últimas décadas do século XVII, iniciou-se a transposição
da Serra do Mar para se atingir as campinas de Curitiba atrás de
ouro, encontrado no leito do rio Iguaçu em pouco volume, o que
obrigou os garimpeiros a diversificarem suas atividades e praticarem
uma pequena economia de subsistência, que era ligada ao litoral
por meio dos caminhos da Graciosa e do Itupava. Curitiba viria a se
organizar politicamente como vila no ano de 1693.
Nessa mesma época, ao final do século XVII, a metrópole
portuguesa iria encontrar um novo alento em sua colônia sul-
americana com a descoberta de ricos veios auríferos na região do
rio das Velhas, no atual Estado de Minas Gerais. No decurso de
algumas décadas, essa região tornar-se-ia a mais importante produ-
tora de ouro em todo mundo da época, com o afluxo de mais de um
milhão de pessoas para lá. Esse surto econômico alterou toda a
disposição econômica da colônia, associada à decadência da ativi-
dade açucareira no Nordeste brasileiro, decorrente da concorrência
da produção holandesa de cana nas Antilhas, desde a expulsão dos
holandeses de Pernambuco em 1654.

171
MAGALHÃES FILHO, Francisco. Evolução histórica da economia paranaense. Revista
Paranaense de Desenvolvimento. Curitiba: BADEP, abril de 1996. p. 132.
128 Rafael Augustus Sêga

A principal dificuldade enfrentada pelos moradores da região


das Minas Gerais, nessa época, foi, sem sombra de dúvida, os
transportes, uma vez que o porto mais próximo era o do Rio de
Janeiro e, para alcançá-lo, era preciso transpor várias centenas de
quilômetros através de sendas estreitas que ziguezagueavam entre
serras de grande porte, e o único meio de locomoção disponível era
por tração animal, principalmente muar.
No decorrer do século XVIII, a demanda por esse tipo de
animal, por artigos de couro e charque aumentara de súbito, e coube
à região sul do Brasil dar respostas a esses incitamentos econômicos.
Não obstante, a inclusão serôdia portuguesa do atual Rio Grande do
Sul (antiga Capitania do Rio Grande de São Pedro) no conjunto
colonial português fez da região paranaense uma espécie de “corre-
dor” entre o extremo sul e as regiões povoadas no centro do País.
Sobre a tardia ocupação do extremo meridional do País,
Sandra Jatahy Pesavento esclarece-nos que a combinação de interes-
ses na exploração do rebanho de gado vacum xucro (decorrente de
seu abandono pelos jesuítas) com a expectativa de efetuar o contra-
bando das riquezas espanholas que afluíam para o rio da Prata (vin-
das de Potosí) impeliu o elemento português a expandir seus domí-
nios para a extremidade austral do continente em fins do século
XVII, com a fundação da Colônia do Sacramento (1680) que “pro-
porcionou aos portugueses o conhecimento das reservas de gado
da Vacaria Del Mar” 172.
Sobre isso, Cecília Maria Westphalen vai ainda mais longe:
Esse gado multiplicou-se e tornou-se chucro (sic) face à disper-
são provocada pelos ataques dos bandeirantes paulistas às Redu-
ções Jesuíticas. Assim, originaram-se as Vacarias: do Mar, no li-
toral norte de Montevidéu, abertas e exploradas nos fins do sécu-
lo XVII e início do XVIII; do Pinhal, na região norte do Rio
Grande do Sul, exploradas nos meados dos séculos XVIII ao
XIX; e do Uruguai, às margens do rio Uruguai, exploradas no
século XIX173.
Os choques entre portugueses e espanhóis pela ocupação do
sul do Brasil obrigaram os lusos a ocuparem as terras que pertenciam
172
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A revolução farroupilha. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p. 18-19.
173
WESTPHALEN, Cecília M. O Barão dos Campos Gerais e o comércio das tropas.
Curitiba: CD, 1995. p. 9.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 129

a Portugal pelo Tratado de Madri de 1750, principalmente aquelas


ligadas aos interesses dos pecuaristas para o fornecimento de carne
para as regiões centrais do Brasil, incrementando o interesse pelo
caminho das tropas de muares que provinham de Viamão, passavam
por Vacaria, Lages, Lapa (antiga Vila Nova do Príncipe), Castro
(antiga Iapó), Jaguariaíva, Itararé, Itapetininga, para desembocarem
nas feiras de Sorocaba; tal trilha ficou conhecida por “Caminho do
Viamão” ou “Estrada da Mata”.
Em meados de 1810, uma força armada luso-brasileira alcan-
çou os campos de Guarapuava com os intentos de tomar posse da
terra e submeter o elemento silvícola. Para isso, foram doadas ses-
marias, e os nativos apresados foram dirigidos aos homens “de
cabedais”, dando início a uma ocupação que se consumaria trinta
anos mais tarde, quando uma segunda frente de conquista dessa
região foi levada a cabo nos campos de Palmas por duas sociedades
privadas. Estava finda, na primeira metade do século XIX, a ocupa-
ção das campinas do interior sul do atual Estado do Paraná.
Para retratar a paisagem física dos Campos Gerais, nesse pe-
ríodo, é forçoso ressaltar as passagens do pintor francês Jean-
Baptiste Debret (1768–1848) e de seu conterrâneo, o naturalista
Auguste de Saint-Hilaire (1774–1853) pelo Brasil e, particularmen-
te, pelas plagas que mais tarde seriam “paranaenses”.
Debret observou em detalhes, por meio de aquarelas e dese-
nhos, a paisagem do cenário do dia-a-dia brasileiro na primeira
metade do século XIX. O célebre pintor nasceu em Paris no ano de
1768. Já na virada dos séculos XVIII para XIX, levou a cabo bem-
sucedidas exposições versando sobre motivos históricos, bem no
espírito dos cânones neoclássicos que sucederam às artes plásticas
da sociedade francesa napoleônica pós-Revolução.
Mas, a saída do imperador corso conduziu-o à proscrição
profissional, obrigando-o a aceitar ofertas de trabalho fora da França,
como o convite do príncipe regente D. João para integrar a missão
artística francesa no Brasil em 1816, quando passou a ajudar na
construção da Academia de Belas Artes.
Após um período na corte, Debret resolveu retratar a vida do in-
terior do país, magnificamente registrado em sua Voyage pittoresque
et historique au Brésil, ou Séjour d'un artiste français au Brésil,
depuis 1816 jusqu'en 1831. Esse álbum com 350 estampas foi
reimpresso no Brasil por Sérgio Milliet em 1940 e teve o título
130 Rafael Augustus Sêga

abreviado para Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Nesse traba-


lho, Debret registrou também a vida dos Campos Gerais nessa época.
Para nosso trabalho, ressaltamos as gravuras relativas a essa
região, “contribuição para o documentário pictórico da antiga
‘Quinta Comarca’ de São Paulo” 174.
Já as descrições de viagem do naturalista Augustin-François-
César Prouvençal de Saint-Hilaire, ou simplesmente Auguste de
Saint-Hilaire, constituem relatos literários importantes sobre o coti-
diano do Brasil na primeira metade do século XIX, e, no nosso
caso, das terras paranaenses.
Saint-Hilaire nasceu na França, onde veio a se tornar um re-
conhecido botânico, tendo lecionado em Paris. Em 1816, veio para
o Brasil para integrar uma missão oficial francesa, comandada pelo
Duque de Luxemburgo. Permaneceu aqui até 1822, tendo percorrido
várias províncias brasileiras da época, quando classificou centenas
de plantas da nossa flora e coletou, aproximadamente, 6.500 espécies
vegetais para o Museu de História Natural de Paris. Suas descrições
da flora das regiões brasileiras eram complementadas com narrativas
do meio físico e cultural, daí sua obra ter adquirido enorme impor-
tância como fonte historiográfica. Entre suas obras destacamos:
Plantes usuelles des brésiliens (1824), Histoire des plantes les plus
remarquables du Brésil et du Paraguay (1824), Flora Brasiliae
meridionalis (1825–1832) e resumos de suas viagens às províncias
do Rio de Janeiro, Minas Gerais, ao Distrito Diamantino, às nas-
centes do rio São Francisco, à província de Goiás e às Províncias de
São Paulo (e Paraná, onde esteve em 1820 e que era sua Quinta
Comarca), Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Sobre os Campos Gerais, Saint-Hilaire entusiasmou-se tanto
a ponto de chamá-los de “paraíso terrestre do Brasil!” 175. Beleza
esta atestada quer seja pelo casmurro antropólogo belga Claude
Lévi-Strauss vista na epígrafe deste capítulo, quer seja pelo
Visconde de Taunay (1843–1899):

Quem viaja pelos Campos Gerais, não pode por vezes reprimir
um movimento de admiração, ao contemplar aquelas verdejantes

174
CARNEIRO, Newton. Debret no Paraná. In: PRADO, João F. A. Jean-Baptiste
Debret. São Paulo: Editora Nacional/USP, Série Brasiliana, 1973. p. 82.
175
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pela comarca de Curitiba. Curitiba: Farol do
Saber, 1995. p. 32.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 131

vastidões que se desenrolam, não chatas e uniformes como planí-


cies intermináveis, porém, sim, dobradas, cheias de pitorescos a-
cidentes, com fundas e elegantes ondulações, verdadeiras bacias
de colossal parque inglês, vastidões em que os pinheiros, já em
grupos, já isolados, já no encontro das quebradas, já no ponto
culminante dos outeiros, já solitários, já casando a sua folhagem
áspera e glauca com a coloração multicor de outros vegetais, dão
cunho particular e imprimem feição toda sua àqueles campos i-
luminados pelo sol... 176

E foi Saint-Hilaire o primeiro estudioso a identificar e fornecer


um nome científico para a erva-mate, baseado em espécimes colhidos
nos Campos Gerais. Contudo, deve-se tomar cuidado com as alega-
ções que Saint-Hilaire fez de que, no Paraná, predominavam ele-
mentos brancos e que lá não existiu escravidão; pesquisas históricas
mais precisas desmentiram tais afirmações, como mostra a historia-
dora paranaense Márcia Elisa de Campos Graf177.
Nesse ínterim, ainda que o Estado do Paraná possuísse uma
população de aproximadamente 60.000 pessoas na primeira metade
século XIX, no âmbito da ocupação do território, ele era um “de-
serto demográfico”, permeado por quase duas dezenas de localida-
des quase que totalmente isoladas entre si. Dois terços do território
paranaense eram despovoados, e as vias de comunicação eram ex-
tremamente precárias; com relação às ferrovias, durante a segunda
metade do século XIX, registra-se apenas a que liga Curitiba a
Paranaguá, com 111 quilômetros de extensão.
Os agrupamentos humanos de então, primeira metade do
século XIX, eram: duas cidades (Curitiba e Paranaguá), sete vilas
(Guaratuba, Antonina, Morretes, São José dos Pinhais, Lapa, Castro
e Guarapuava), seis freguesias (Campo Largo, Palmeira, Ponta
Grossa, Jaguariaíva, Tibagi e Rio Negro) e quatro “capelas curadas”
(Guaraqueçaba, Iguaçu, Votuverava e Palmas)178. Em termos admi-
nistrativos, o Paraná só começou a figurar como Província no cenário
político do Império quando deixou de ser a Quinta Comarca de São
Paulo, em 1853.

176
ABREU, Aluízio F. et alii. Campos e pinheirais; Taunay e outros. Curitiba: Farol do
Saber, 1995. p. 7.
177
GRAF, Márcia E. de C. Imprensa periódica e escravidão no Paraná. Curitiba: Secre-
taria do Estado da Cultura e do Esporte, 1981.
178
MARTINS, Romário. História do Paraná. 4. ed., Curitiba: Farol do Saber, 1995. p. 409.
132 Rafael Augustus Sêga

3.2 O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO DA


PROVÍNCIA DO PARANÁ

No caso da economia paranaense, é interessante situar sua


inserção em função de mercados internos e externos. Paralelo à
atividade mineradora desenvolvida no centro do país foi que a eco-
nomia do Paraná despertou. Os proprietários de terra da região,
herdeiros dos primeiros bandeirantes e sesmeiros, acabaram por
envolver-se no comércio das tropas e forjaram as primeiras frações
de classes dominantes locais, já que em seu poder concentravam-se
as primeiras acumulações primitivas de capital. Esse fato acarretou
uma série de mudanças nos hábitos de consumo local, aumentando
a importação de artigos mais refinados, pagos com o excedente de
capital da atividade criatória.
Entretanto, nem todos condutores de tropas possuíam terras,
grande parte deles vivia da mera intermediação de compra e venda
dos animais entre o Rio Grande do Sul e as feiras de Sorocaba e,
quando precisavam de pastos, alugavam-nos. Sobre os influxos
políticos desse comércio,

A maior rentabilidade do comércio e engorda de gado atraiu fato-


res (sic) dos outros setores da economia paranaense. A concen-
tração de renda na nova atividade dinâmica alterou as bases do
poder político local. Eram freqüentes as queixas dos antigos cria-
dores, cujas terras estavam afastadas das principais rotas, de que
o tropeiro era contrário aos interesses da região, levando ao a-
bandono da criação e ao esvaziamento dos campos. Nada disso
adianta, os grandes proprietários de terra e comerciantes de gado
passaram a comandar politicamente a região. Eram os tropeiros
de tiro longo, cujo capital lhes permitia sustentar o giro demora-
do exigido pelo processo completo, desde os campos do sul até
Sorocaba, permitindo-lhes, às vezes, ter mais de uma tropa no
caminho179.

A decadência da atividade mineradora ao final do século


XVIII trouxe reflexos para a economia desenvolvida em torno do
Caminho do Viamão e nos Campos Gerais, ocorreu uma contração
do mercado decorrente da diminuição da procura por muares.
Entretanto, uma parcela bem significativa da sociedade agrária

179
MAGALHÃES FILHO, Francisco. Op.cit., p. 135-136.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 133

local havia enriquecido com a compra de muares, courama e char-


que no sul para sua revenda nas feiras sorocabanas, ocupando o
segundo planalto paranaense com fazendas criatórias ou de engorda
com base no trabalho escravo ou na peonagem de mestiços.
Indubitavelmente, o maior estudioso da formação histórica
da sociedade camponesa dos Campos Gerais, ou do “Paraná Tra-
dicional”, foi o historiador paranaense Brasil Pinheiro Machado.
Para ele, a ocupação das terras dessa região foi feita “pelos ricos e
poderosos de São Paulo, Santos e Paranaguá, não como um meio
para transladar-se uma sociedade inteira, mas simplesmente como
um negócio a ser explorado comercialmente, tendo em vista o
abastecimento de São Paulo e, principalmente, das regiões mine-
radoras do século XVIII” 180.
As primeiras fazendas de engorda, de muares ou bovinos, ao
longo do Caminho do Viamão foram assentadas na primeira metade
do século XVIII. Nessa época, quem pretendia levar adiante a cria-
ção de animais deveria tomar posse de um torrão de terra para, a
posteriori, pedir a doação da sesmaria junto às autoridades coloniais,
“fiéis representantes del Rey”. Nessa época, foram demandadas
quase cem sesmarias na região dos Campos Gerais, cujas extensões
eram, em média, de 6.000 alqueires “paulistas” (cada alqueire pau-
lista corresponde a 5.000 braças quadradas – cada braça corresponde
a 2,2 metro, ou 2,42 hectares – cada hectare corresponde a 10.000
metros quadrados). Em um arrolamento dos sobrenomes dos prin-
cipais beneficiários dessas doações, atesta-se que a grande maioria
deles estava relacionada com famílias de bandeirantes paulistas do
século XVII.
Ao contrário dos pioneiros portugueses do extremo sul do
Brasil, esses colonos eram absenteístas e não se estabeleciam com
suas famílias nas fazendas dos Campos Gerais, e estas ficavam
quase que invariavelmente sob a supervisão de um preposto. Nessa
época, a ligação destas com centros de comércio fazia-se preferen-
cialmente com São Paulo, o que causou protestos por parte da
Câmara de Vereadores de Curitiba, registrados em uma carta diri-
gida à rainha D. Maria em 1777. Repara-se, então, que a oposição
entre os citadinos e a aristocracia agrária tem raízes históricas mais

180
MACHADO, Brasil P. Formação histórica dos Campos Gerais. In: MACHADO, Brasil
P.; BALHANA, Altiva P. (Orgs.). Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba:
Faculdade de Filosofia da UFPR, 1968. p. 30.
134 Rafael Augustus Sêga

profundas. Sobre esses contrastes, recorre-se novamente ao mestre


Brasil Pinheiro Machado:
A oposição entre a pobre população curitibana e as ricas fazendas
dos Campos Gerais fica mais patente nos episódios da abertura da
“estrada do Viamão”. Os proprietários das sesmarias dos Campos
Gerais opuseram-se à abertura desse caminho. Ao pedir a coopera-
ção dos curitibanos para os trabalhos da estrada, o Capitão Gene-
ral de São Paulo procurava convencê-los de que para eles só ha-
veria vantagens em trazer gado das Vacarias da Serra para os
campos paranaenses, onde os paulistas, donos das sesmarias, de-
tinham o monopólio da criação do gado que abastecia as Minas
Gerais, onde um boi alcançava altíssimos preços, a troco de ouro
em pó181.
Contudo, a grande propriedade não era a única estrutura fun-
diária dos Campos Gerais, pois ao final do século XVIII, das 175
propriedades ao longo da parte paranaense do Caminho do Viamão,
125 eram de pequeno porte. A escravidão negra e a indígena foram
formas de trabalho largamente utilizadas nos Campos Gerais e,
culturalmente, a sociedade camponesa do “Paraná Tradicional”
oscilou entre duas matrizes bem distintas: a gaúcha e a paulista. Se,
por um lado, a elite local tinha por ancestrais os bandeirantes, por
outro, a “arraia miúda” descendia dos tropeiros rio-grandenses,
além do contato comercial constante com estes. Evidentemente,
preponderou a cultura gaúcha. Para ilustrar isso, Brasil Pinheiro
Machado nos traz o interessante relato do primeiro presidente da
Província, Zacarias Góes de Vasconcelos (que era baiano) e seu
estranhamento em relação aos costumes “exóticos” dos habitantes
dos Campos Gerais em 1854:
O vasto poncho de que se serve a maioria dos habitantes, e as
largas e estrepitosas chilenas (esporas) não eram artigos mais es-
senciais ao trajar dum homem do povo, do que a inseparável car-
tucheira, a faca e as pistolas, já não digo em viagem pelas estra-
das ou em seus trabalhos de campo, mas em passeio à cidade e
(parece incrível) até nos templos do Senhor!182
Sem dúvida, a consolidação dos padrões de comportamentos
gaúchos sobre os paulistas na sociedade camponesa ajuda-nos a

181
MACHADO, Brasil P. Op. cit., p. 32-33.
182
MACHADO, Brasil P. Op. cit., p. 39.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 135

subsidiar nossa tese de que, quando da eclosão da Revolução Fede-


ralista, esses setores serão os mais identificados culturalmente com
os maragatos de Gumercindo.
No decurso da primeira metade do século XIX, a rede de con-
vivência criada nos Campos Gerais tinha se estabelecido nos moldes
de uma “sociedade camponesa” (peasant society) propostos pelo
cientista social norte-americano Edward Norbeck, cujas característi-
cas mais marcantes são: “a família como unidade social essencial-
mente importante; status social baixo; interdependência econômica
em grau variável, com centros urbanos; cultura simples; apego à
terra, à comunidade local e à tradição” 183. Queremos ressaltar que,
no presente trabalho, sinonimizamos “sociedade camponesa dos
Campos Gerais” com “Paraná Tradicional”.
As parcas cidades que existiam nessa região viviam economi-
camente em torno da atividade pecuária, com um comércio rudi-
mentar e sediando precários órgãos públicos e igrejas. E, ao contrário
dos primeiros proprietários absenteístas do século XVIII, no século
seguinte os fazendeiros passaram a morar em suas fazendas com
suas famílias e dirigiam-se, de tempos em tempos, para essas cidades
com intuito de resolver seus negócios. E interessante a descrição de
Saint-Hilaire sobre uma dessas cidades dos Campos Gerais, por
volta da década de vinte do século XIX, comparando-a, inclusive,
com outras de regiões diferentes do Brasil:

Três ou quatro comerciantes, prostitutas e alguns artesãos consti-


tuíam praticamente toda a população de Castro. Dentre os últi-
mos, os mais numerosos eram os seleiros, o que não é de admirar
numa região onde os homens passam a maior parte do tempo em
cima de um cavalo. Geralmente podemos avaliar os gostos e os
hábitos de uma região pelo tipo de ofício exercido pela maioria
dos artesãos. Nas regiões auríferas, mesmo muito pobres, há mui-
tos ourives, porque todas as mulheres querem usar jóias de ouro;
em São Paulo e nos distritos mais prósperos, onde se cultiva a ca-
na-de-açúcar, a profissão que predomina é a de alfaiate, porque
os habitantes do lugar podem andar bem vestidos. Em Santos, por-
to marítimo, encontram-se muitos calafates, e os carpinteiros proli-

183
NORBECK, Edward. Sociedade Camponesa (Peasant Society). Dicionário de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: FGV, 1987. p. 1.140.
136 Rafael Augustus Sêga

feram nas regiões onde as constantes imigrações fazem aumentar


continuamente a população etc 184.

Nota-se, assim, a formação de grupos sociais fixos, residen-


tes nas cidades, e eventuais, envolvidos com a lide das tropas. Con-
tudo, no decorrer do século XIX, aos grandes fazendeiros (mesmo
que viessem ocasionalmente às cidades) coube o papel de mando
político185.
Guardando as devidas peculiaridades, a sociedade camponesa
do Campos Gerais também padeceu as crises internacionais do
sistema capitalista. Segundo Cecília Westphalen, “o paralelismo
das flutuações não exclui, entretanto, importantes diferenças de
intensidade das crises e depressões e mesmo certas defasagens
cronológicas, motivadas pelas desigualdades do desenvolvimento e
pela ocorrência de fenômenos regionais e locais”186. Com efeito,
dentre as cinco crises arroladas pela eminente historiadora lapeana
no decurso do século XIX (1847, 1857, 1866, 1873 e 1883), pomos
em destaque a penúltima como o momento crucial para o rearranjo
das sociedades tradicionais do mundo ocidental.
Em termos mundiais, o sistema capitalista atravessou sua pri-
meira grande crise em meados da década de setenta do século XIX,
quando a etapa do liberalismo clássico foi superada. As mudanças
puderam ser sentidas no ocaso da Inglaterra como pólo irradiador de
técnicas e capital e no aparecimento de novos países na competição
mundial, como a Alemanha, a França, os Estados Unidos e o Japão,
entre outros. Essa mundialização do sistema fez com que esses países
passassem a competir entre si pelo fornecimento de matérias-primas
e conquista de mercados consumidores. Essa nova organização dos
mercados mundiais obrigou que as novas potências garantissem

184
SAINT-HILAIRE, Auguste. Op. cit., p. 76.
185
“Durante o século XVIII, ela (a classe senhorial) sofrera violentas restrições ao seu
poder por parte do Estado Colonial português, representado pelo Capitão General.
Quando veio a revolução da Independência, adotaria os seus princípios liberais que a
viriam libertar do poder da Capitania. (...) Obtida a emancipação da província do
Paraná, em 1853, o poder local é inteiramente restituído às classes superiores locais e,
especialmente, à classe dos fazendeiros dos Campos Gerais, que passam a exercer o
poder político da Província, principalmente através da liderança das famílias fazendeiras
dos Marcondes e dos Araújos. De fato, a lideranças exercida pelos fazendeiros se pro-
cessa sob a forma de oligarquias”. MACHADO, Brasil P. Op. cit., p. 41-42.
186
WESTPHALEN, Cecília M. Comércio exterior do Brasil meridional. Curitiba: CD,
1999. p. 189.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 137

para si os territórios destinados à sua ampliação de capital, adquirin-


do colônias e zonas de influência e tomando medidas protecionistas.
Essa crise assinala a derrocada do liberalismo econômico
tradicional apregoado por Adam Smith, acelerando o processo de
concentração da produção e do capital. Era o início do capitalismo
monopolista, que se acentuaria na virada do século XIX para o XX.
Os monopólios surgiram da associação do capital industrial com o
bancário, gerando o capital financeiro, e, assim, esse tipo de riqueza
fica sob o controle de alguns poucos grupos. O poder desses grupos
passou a ser tão forte que eles passaram até mesmo a conduzir a
vida política de algumas nações.
O ano de 1873 assinalou o agravamento da crise capitalista.
A súbita ampliação da produção industrial assinalada na Europa
desde o início do século XIX, calcada em bens duráveis, foi seguida
por uma queda nos preços em razão da superprodução. Com isso,
os lucros diminuíram e quem mais sofreu com esse revés foram a
indústria ferroviária e o comércio marítimo, as atividades mais
rentáveis até então. O sistema capitalista internacional já tinha atra-
vessado períodos críticos anteriormente, mas a crise de 1873 é con-
siderada a primeira grave.
As causas dessa crise não são completamente entendidas; no
caso inglês ela se explica ora pela retração do consumo, ora pelo
descompasso da produção. Após o alargamento incessante de mer-
cados consumidores de seus produtos desde a Primeira Revolucão
Industrial, a Inglaterra vivia um momento delicado.
A crise atingiu também, com vigor, a Rússia, a Alemanha e
os Estados Unidos e afligiu a crença no liberalismo clássico, calca-
do na livre concorrência. Os empresários ficaram descapitalizados e
começaram defender o protecionismo e acordos de preços entre
produtores, pois, com a concentração tanto do capital como da pro-
dução, a tendência era a convergência da propriedade com o controle
das políticas econômicas. Paradoxalmente, foram as nações de indus-
trialização tardia, notadamente a Alemanha e os Estados Unidos, que
primeiro lançaram mão do controle e centralização das atividades
comerciais. A Inglaterra, por sua tradição liberal, se recusava a
adotar tais medidas.
Por entre os eventos marcantes para a compreensão da vida
econômica brasileira do século XIX pode-se pôr em relevo a estreita
138 Rafael Augustus Sêga

ligação econômica com a Inglaterra no plano externo, e a organiza-


ção escravista da produção, no interno.
Em teoria, os processos racionais do modo capitalista de pro-
dução tenderam a tornar-se incompatíveis com a condição escrava do
trabalhador. Ou, melhor, na empresa nacional de então, como em
qualquer empresa capitalista ou tendente a esse padrão, a participação
da mão-de-obra precisava conformar-se às exigências da produção de
lucro. Isso exigia larga flexibilidade na ordenação dos “fatores” e,
em conseqüência, na organização do empreendimento. Isto é, o capital,
a terra, a técnica e a mão-de-obra precisavam ser combinados em
função das flutuações ou exigências da oferta e da procura187.
Nesse quadro, enquanto as nações industrializadas atravessa-
vam a crise da concentração de capitais, no Brasil a questão eco-
nômica nacional mais séria, a partir da segunda metade do século
XIX, constituía-se justamente na substituição do trabalhador escra-
vo pelo assalariado.
Entretanto, no sul do país, a ampliação da lavoura de café para
o oeste paulista, principalmente na segunda metade do século XIX,
deu um novo fôlego à economia pecuária do Brasil meridional que,
conjugada às crises políticas das ex-colônias espanholas na América
do Sul, principalmente as dos países platinos, conheceu uma con-
juntura favorável para outros produtos.

De modo geral, os portos do Sul do Império e, particularmente, o


de Paranaguá, partilharam no século XIX, destinos comuns com
aqueles do rio da Prata. Foi a falta de víveres em Montevidéu,
ocasionada pelo sítio que lhe fora dado pelas forças argentinas de
Rondeau e pelos patriotas de Artigas, que motivaria que dessa
praça se viesse procurar e comprar gêneros nos portos do Brasil
meridional, sobretudo no de Paranaguá, conhecido pela sua pro-
dução de farinhas, bem como, desde o final do século XVIII, por
aquela de arroz pilado. De outro lado, carente ainda o Uruguai
de madeiras e de lenha, do porto de Montevidéu procediam em-
barcações em busca de fornecimento de madeiras nos portos bra-
sileiros mais próximos188.

187
IANNI, Otávio. O progresso econômico e o trabalhador livre. In.: HOLANDA, Sérgio
B. (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, t. II, v. 3,
1985. p. 298.
188
WESTPHALEN, Cecília M. Op. cit. (Nota 17), p. 165.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 139

O tropeirismo conheceu uma nova frente de expansão na


primeira metade do século XIX, quando surgiu uma nova frente de
abastecimento de muares além do Rio Grande do Sul. Atravessando
o rio Uruguai, os tropeiros paranaenses começaram a trazer bestas
oriundas da província argentina de Comentes; esse trajeto foi cha-
mado de “Caminho das Missões” por provir da região missioneira
do Tape, passando por Cruz Alta, Passo Fundo, Goio-en, Palmas,
Guarapuava e acabava desembocando em Ponta Grossa.
Contudo, mesmo essa nova frente começou a entrar em deca-
dência na segunda metade do século XIX, quando os trens começa-
ram a substituir as mulas. A sociedade camponesa dos Campos
Gerais não passou incólume às transformações econômicas mundiais,
e, da segunda metade do século XIX em diante, a estrutura socioe-
conômica do “Paraná Tradicional” entrou em franco processo de
desagregação.
Entre os fatores determinantes, podem-se enumerar: diminuição
da produção, desaceleração da demanda dos mercados paulistas e
cariocas, surgimento das ferrovias, ocupação completa das terras do
campo (o que impedia a transmissão por herança), falta de capitais
líquidos, surgimento de uma classe média urbana, introdução de
novas técnicas agrícolas por parte dos imigrantes, surgimento de
indústrias (principalmente a do mate), entre outros.
O declínio da atividade de compra e venda de muares e bovinos
carreou complicações econômicas para a sociedade camponesa dos
Campos Gerais. As fazendas das famílias-troncos tradicionais (que
eram compostas por várias células familiares menores) já não ga-
rantiam mais o sustento de todos. Tal quadro resultou no êxodo
rural tanto de pobres como de ricos para os núcleos urbanos. E ainda,
ao final do século XIX, praticamente toda a criação de muares e bo-
vinos havia sido deslocada para os campos de Palmas e Guarapuava.
Paralelo a isso, era incentivada uma política no Paraná de es-
tabelecimento de núcleos de colonização com estrangeiros (italia-
nos, alemães, polacos, açorianos, russos, suíços e franceses), mas
com poucas condições de um desenvolvimento econômico maior
que o de subsistência. Nesse ponto, a análise de Francisco Magalhães
Filho é muito apropriada:

As estradas de ferro liquidaram o tropeirismo. Não a construção


de ferrovias no Paraná, ou a conclusão da ligação entre o Rio
140 Rafael Augustus Sêga

Grande do Sul e São Paulo, mas seu desenvolvimento no Centro-


Sul, o que reduziu sensivelmente a demanda por mulas. O núme-
ro de muares negociados anualmente em Sorocaba caiu de cerca
de 100.000, em 1860, para menos de 5.000 ao final do século
XIX. 189

Todavia, outras duas atividades econômicas viriam a se con-


solidar no Paraná na segunda metade do século XIX: a madeira e o
mate, mas deve-se tomar cuidado para não incorrer numa explica-
ção causal da história econômica paranaense, como se um ciclo
sucedesse ao outro de maneira estanque. Pelo contrário, a dinâmica
econômica da Província do Paraná, no decurso do referido século, é
bem complexa, uma vez que a região econômica da atividade erva-
teira desenvolveu-se na baixada litorânea e no primeiro planalto,
portanto à margem do “Paraná Tradicional”. A exploração da ma-
deira, por outro lado, uniu os dois pólos econômicos, pois as barri-
cas (substitutas dos “surrões” de couro) destinadas à exportação da
erva-mate eram feitas desse material, o que fez com que os senhores
dos Campos Gerais, diante da crise econômica, acabassem arren-
dando as matas que ladeavam suas propriedades para os empresários
ervateiros.
Os paranaenses costumam denominar seu Estado de “Terra
dos Pinheirais”, em razão das inúmeras matas dessas grandes árvores
da família das araucariáceas que lá existiam, tanto que a Araucária
angustifolia é nacionalmente chamada de “pinheiro-do-paraná”.
Desde os pródromos da ocupação das terras paranaenses, a araucária
foi utilizada no fabrico de artigos destinados ao uso local e à arqui-
tetura vernacular. Entretanto, a exploração ficou no nível manual
até a inauguração da estrada de ferro da Serra do Mar em 1885.
Conjugado a isso, em 1872 foi fundada a Companhia Florestal
Paranaense, com o intuito de explorar o pinheiro para exportação,
fazendo surgir as primeiras serrarias a vapor do Estado. Esse
incremento da atividade madeireira decorreu tanto em função do
desenvolvimento geral da economia brasileira, motivada pela cafei-
cultura, como pela ampliação das exportações para a Argentina.
Já a erva-mate era largamente consumida pelos indígenas dos
vales dos rios Paraná, Uruguai e Paraguai, e os colonizadores euro-
peus aprenderam, com eles, tal gosto. Todavia, no Brasil, a produção

189
MAGALHÃES FILHO, Francisco. Op. cit., p. 136.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 141

e comercialização desse produto ficaram, até meados do século


XIX, restritas ao consumo interno e foi só com a ampliação das
exportações para os mercados platinos e chileno que a erva-mate
adquiriu uma importância econômica de vulto para os produtores
paranaenses. Contudo, a Provisão Régia de 1722 já previa a expor-
tação da erva-mate paranaense para Buenos Aires, mas a falta de
capitais retardou essa determinação em quase um século.
Até o final do século XVIII, os mercados do Prata eram abas-
tecidos pelos produtores paraguaios, baseados nas reduções jesuíti-
cas, protegidas por monopólio facultado pelas Cortes Espanholas.
Todavia, com a expulsão dos membros da Companhia de Jesus da
América Ibérica nessa época, a produção ervateira missioneira entrou
em franco processo de desarticulação, diminuindo a oferta.
Na primeira metade do século XIX, a produção ervateira
paranaense ficava restrita à junção dos vales dos rios Paraná e
Iguaçu. A erva produzida nessa região era escoada para o Prata, ora
através do rio Uruguai, ora pelo litoral paranaense, nos portos de
Morretes e de Porto de Cima no rio Nhundiaquara e nos portos
marítimos de Antonina e Paranaguá, e, por ocasião do cerco de
Montevidéu pelas tropas do general Rondeau em 1812, os platinos
passaram a ver em Paranaguá uma possibilidade de abastecimento
de gêneros de primeira necessidade, entre eles a erva-mate.
Todas as etapas envolvidas no processo produtivo da erva-
mate acarretaram um surto de desenvolvimento econômico no
Paraná. Boa parte da produção foi transferida para o litoral do
Estado, e o setor comercial também foi incrementado com ativida-
des complementares, como a da venda de artefatos de madeira,
surrões de couro, utensílios etc., e assim, a atividade pecuária de-
senvolvida nos Campos Gerais ganhou um pouco de fôlego.
Surgiram, então, no litoral vários engenhos de soque, o que
possibilitou um desenvolvimento industrial sui generis, muito pare-
cido com o que havia ocorrido na Inglaterra durante a Primeira
Revolução Industrial190.

190
“A gênese e o desenvolvimento da indústria do mate (no Paraná) podem ser compara-
dos a processos semelhantes ocorridos na Europa a partir de sistemas de putting-out.
(...) Em seus primórdios, a burguesia mercantil que se instalou nesse ramo dedicava-se
ao comércio da erva beneficiada por produtores autônomos. Posteriormente, ela come-
çou a envolver-se na produção, comprando erva pré-beneficiada para moê-la e embalá-
la em suas casas de soque. Somente a partir de 1820 ou 1830, começaram a ser intro-
142 Rafael Augustus Sêga

Ao final da década de vinte do século XIX, a erva-mate já


representava o principal produto na pauta de exportações da ainda
Quinta Comarca de São Paulo.
Em verdade, a erva-mate incitou a consolidação de uma nova
fração autônoma de classe no Estado do Paraná: a burguesia indus-
trial ao longo do século XIX. Mesmo se considerar que os capitais
acumulados nas mãos da elite envolvida com a atividade das tropas
eram de origem comercial, as mesmas ainda dependiam, em muito,
do trabalho escravo.
A economia da erva-mate, por outro lado, desde cedo desvin-
culou-se dos braços escravos em razão de seu processo de indus-
trialização peculiar. O desenvolvimento das forças produtivas da
indústria ervateira, estimuladas pelas exportações, fizeram das
mesmas uma atividade capitalista plena, uma vez que a mão-de-
obra assalariada que este modo de produção passou a exigir foi en-
contrada tanto junto a antigos trabalhadores do “Paraná Tradicional”,
como entre os recém-chegados imigrantes europeus.
Entrementes, o grau de desenvolvimento das forças produtivas
que se configurava no Estado do Paraná ao final do século XIX
indicava uma evidente aceleração da divisão social do trabalho. Isso
se deveu tanto pela extinção do trabalho escravo como pela intensifi-
cação da imigração, o que ocasionou a formação de uma notável
quantidade de mão-de-obra de reserva despossuída. Paralelo a isso, o
modo de produção da sociedade camponesa do “Paraná Tradicional”
já estava totalmente desagregado ao alvorecer do século XX:
Parte da massa de negros libertos e brancos imigrantes compôs o
conjunto dos trabalhadores livres nas indústrias e no comércio do
Paraná. A grande maioria dos imigrantes formaram colônias de
subsistência vinculadas ao mercado local, pois o desempenho pou-
co agressivo da economia desestimulava o desenvolvimento do tra-
balho como valor de troca, como mercadoria, fazendo permane-
cer relações de dependência e favor191.

duzidos novos processos produtivos voltados à mecanização e concentração do traba-


lho. Num prazo de 50 anos, os burgueses do mate teriam em suas mãos um parque fa-
bril bastante tecnificado”. PEREIRA, Magnus R. M. Semeando iras rumo ao pro-
gresso. Curitiba: Editora da UFPR, 1996. p. 19-20.
191
RIBEIRO, Luiz C. O mandonismo local e o movimento republicano. Revista História:
Questões & Debates. Curitiba: Associação Paranaense de História, jun. de 1982. p. 69.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 143

Com efeito, os principais produtos da economia desenvolvida


no Paraná nessa época passaram a ser a madeira e o mate e acaba-
vam atrelando-se, dessa feita, quase que inteiramente ao mercado
externo. Por outro lado, foi criada uma outra estrutura social calcada
na pequena propriedade rural e na lavoura de subsistência. No caso
paranaense, a criação de colônias agrícolas ao redor de Curitiba
possibilitava o abastecimento de alimentos frescos a preço acessível,
abaixando o nível do custo de vida; criava-se um proletariado, am-
pliavam-se as frentes de investimento, valorizando-se assim, as
terras compreendidas entre as colônias e a cidade, estendendo-se a
especulação imobiliária a outras áreas.
Compreender o estabelecimento das colônias agrícolas ao redor
de Curitiba no decorrer do século XIX foi entender as origens do
proletariado urbano dessa cidade no início do século XX. Foram os
descendentes desses imigrantes que acabaram vindo para o núcleo
urbano, na virada do século, culminando no “inchaço” populacional
na primeira década. O historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos
mostra-nos a amplitude da estrutura econômica encetada no Paraná.

A comunidade paranaense foi recolocada num conjunto mais


amplo, isto é, se integrando ao contexto da economia brasileira e
no processo capitalista de Economia-Mundo: inicialmente atra-
vés da economia pecuária e, após, na segunda metade do século
XIX, através de exportação do mate. 192

Os hábitos e costumes da burguesia paranaense da época dei-


xavam transparecer sua visão de mundo e seu projeto político. A
busca de hábitos “cosmopolitas” por parte da camada dominante
também foi atestada pelo referido historiador:

A burguesia do mate, beneficiada com o aumento das exporta-


ções e a alta do preço do produto, viu expandir seus negócios e
acelerar o processo de acumulação de capital. Em Curitiba, o se-
tor importador de artigos de luxo aumenta as suas ofertas, como
aparece quotidianamente nos anúncios da imprensa: champanhe,
vinho tinto e conhaque da França, vinho branco e do Porto de
Portugal, cerveja inglesa, manteiga inglesa e francesa, presunto

192
SANTOS, Carlos R. A. História da alimentação no Paraná. Curitiba: Farol do Saber,
1995. p. 92.
144 Rafael Augustus Sêga

da Westphália, queijo flamengo, sardinha de Nantes-França,


conservas portuguesas, azeitonas de Eiva, passas inglesas etc.193.

Assim, a economia paranaense do período em tela foi mantida


basicamente, de um lado, pela exportação de produtos primários
voltados para o mercado externo, principalmente para o Prata (mas,
com baixa procura internacional se comparados ao café, principal
produto do país à época) e por outro, por uma pequena lavoura de
subsistência.
Em verdade, apesar de o Estado do Paraná desenvolver uma
economia auto-sustentada, em termos nacionais, era, na virada do
século XIX, uma economia secundária em relação à hegemonia dos
cafeicultores paulistas. Nesse quadro, suas frações autônomas de
classe locais não possuíam poder de decisão na política nacional, o
que causava ressentimentos entre os paranaenses.
O historiador paranaense Pedro Calil Padis em seu trabalho
Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná, indica
o entendimento da história econômica do Paraná como fruto de
uma vinculação de centro e periferia com São Paulo194. Para ele, ao
passo que São Paulo desenvolveu e variou sua economia, o Paraná
teimou em manter-se à margem da industrialização brasileira, com
uma estrutura de produção que insistia em ficar restrita às explora-
ções de erva-mate e madeira, e foi somente a partir da década de
trinta que a economia paranaense procurou sair do atraso vinculan-
do-se, de maneira marginal, à economia de São Paulo.
A aristocracia rural dos Campos Gerais já assinalava sua de-
cadência econômica e via no controle do Estado (e no ingresso na
burocracia) uma “tábua de salvação”, por isso a necessidade de
forçar a rotatividade administrativa dos tempos do Império, mesmo
com a República.
A desagregação da sociedade campeira, com a perda do braço es-
cravo e do comércio de gado, é absorvida pela aristocracia que usa
da prática do coronelismo, do mandonismo, para se respaldar e se
manter no poder. Nesse sentido, apoiou o golpe militar de Deodoro,

193
SANTOS, Carlos R. A. Op. cit., p. 59.
194
PADIS, Pedro C. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. Curitiba:
Secretaria do Estado da Cultura e do Esporte, 1974, p 52.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 145

buscando na forma federativa maior poder de barganha nas rela-


ções comerciais internas e externas195.

Além do mais, a acumulação primitiva de capitais oriunda da


atividade do tropeirismo não conseguiu formar uma burguesia capi-
talista campeira paranaense, diferente do que ocorreu no Rio Gran-
de do Sul, onde a atividade pecuária promoveu a industrialização
do charque196.
Já a burguesia do mate (em plena fase de acumulação primi-
tiva), buscava firmar seu predomínio político constituindo um bloco
no poder que fosse além dos seus interesses imediatos. Dessa forma,
ela enriquecia, consolidava a oposição ao proletariado e tentava
conviver com a aristocracia agrária, mas restringindo a atuação
desta no Estado. Reproduzia-se, nas terras paranaenses, o fenômeno
da separação entre capital e o trabalho, ocorrido na Europa durante
a Primeira Revolução Industrial.
Em termos econômicos nacionais, se o cenário capitalista
mundial colocava, por um lado, a posição brasileira de exportadora
de café em uma situação desfavorável em relação aos países indus-
trializados, por outro, ficava favorável em relação aos outros países
agrário-exportadores, uma vez que o Brasil detinha em torno de
dois terços das exportações mundiais desse produto. Tal situação
fez com que a aristocracia rural brasileira tivesse um lugar (mesmo
que periférico) no jogo do comércio mundial e defendesse os prin-
cípios do liberalismo e a implantação da República no Brasil, o que
assinalou uma série de traumas para a instauração de uma ordem
política em sintonia com os interesses econômicos dos cafeicultores.
Por esse aspecto, a implantação do regime republicano no
Paraná encontrou um quadro social peculiar, pois, “dentre as 21
províncias que após a proclamação da República foram elevadas à
categoria de Estado, o Paraná como a última criada durante o
Império, tinha uma posição ainda extremamente apagada” 197.
Nesse período apenas um terço do território paranaense era
ocupado, e as principais atividades econômicas ali desenvolvidas

195
RIBEIRO, Luiz C. Op. cit. (Nota 22), p. 70.
196
PESAVENTO, Sandra J. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1992. p. 75-76.
197
COSTA, Samuel G. Introdução. In: CARNEIRO, David: VARGAS, Túlio. História
biográfica da república no Paraná. Curitiba: Banestado, 1994. p. 3.
146 Rafael Augustus Sêga

eram extrativistas e exportadoras, a erva-mate e a madeira, e a


força de trabalho utilizada em ambas era, em sua maioria, assala-
riada, e isso fez com que parte da sociedade paranaense do período
fosse calcada no trabalho das famílias de imigrantes em pequenas
propriedades.
Todavia, havia uma elite campeira oriunda da atividade pe-
cuária desenvolvida nos Campos Gerais, e esse grupo era marcado,
em fins do século XIX, por uma situação econômica e política difícil;
primeiro, em razão da decadência da atividade criatória extensiva;
segundo, por ser uma oligarquia periférica e sem poder de negociação
nas decisões tomadas pelo poder central. Vejamos as apropriadas
considerações de Luiz Carlos Ribeiro a esse respeito:
Este caráter conservador da aristocracia agrário-exportadora pa-
ranaense justificava-se pela sua vinculação a um capital funda-
mentalmente comercial, cujo desempenho, o de circular mercado-
rias, não acumulava os componentes necessários para determinar
mudanças significativas nas relações de produção. Em outras pa-
lavras, apesar de o desenvolvimento capitalista proporcionar um
certo volume de acumulação, ele se desenvolveu limitado pelo capi-
tal comercial que se internacionalizou em direção a essas áreas não
industrializadas, não alterando nelas as suas forças produtivas. (...)
Diante da necessidade de manter a propriedade, a sociedade cam-
peira institucionalizou-se através de uma aristocracia que, com o
desenvolvimento de uma economia de mercado externo – com o
mate – e a persistência de áreas de subsistência, consolidou-se po-
liticamente baseada na manutenção de seus interesses econômicos
e sociais198.
A busca de uma nova condição econômica que não fosse
apenas primário-exportadora, fez com que a burguesia paranaense
lograsse elaborar não só um discurso, mas também uma série de
medidas que modernizassem a economia do Estado (unidade fede-
rativa). Mais uma vez, recorremos a Luís Carlos Ribeiro:
A idéia de modernização da sociedade paranaense esteve presente
no discurso de sua classe dirigente, pelo menos nos últimos cem
anos de sua história. (...) O fato é que tal progresso não é sim-
plesmente irreal, mas sim, uma visão parcial – de classe – sobre
uma realidade que guarda uma multidiversidade de fatores. O

198
RIBEIRO, Luiz C. Op. cit. (Nota 22), p 68.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 147

que os autores desses projetos procuraram elaborar foi um dis-


curso lógico que, por uma hegemonia de classe, se impusesse ao
conjunto da sociedade como um discurso único, eliminando as
contradições tanto em nível da relação com elites de outros Esta-
dos, quanto em nível interno, as contradições de classe 199.
Entretanto, se, no Rio Grande do Sul, o contraponto das bases
programáticas do Partido Federalista Brasileiro, em sua orientação
liberal parlamentar, foi o centralismo excessivo do poder nas mãos
do Partido Republicano Rio-Grandense em seu intento positivista,
no Paraná, o quadro político era diferente.
As facções políticas paranaenses oriundas dos partidos impe-
riais passaram a se arvorar, após 15 de novembro de 1889, em re-
publicanos, sendo que os antigos liberais lutavam pela mera manu-
tenção da rotatividade política, e os antigos conservadores, sem um
programa de governo consistente como o dos castilhistas, procura-
vam simplesmente estabelecer seu predomínio político.
Foi o quadro de decadência econômica da aristocracia cam-
peira paranaense que assinalou uma série de atitudes políticas suas ao
final do século XIX, cujo ápice foi seu envolvimento na Revolução
Federalista ao lado dos maragatos de Gumercindo Saraiva.
No entanto, no Paraná, consolidado o domínio econômico,
caberia à burguesia ervateira firmar-se no campo político frente aos
senhores rurais dos Campos Gerais. Essa batalha, entretanto, foi
mais encruada, como veremos a seguir.

3.3 A DINÂMICA POLÍTICO-PARTIDÁRIA DO


PARANÁ NO SÉCULO XIX

Em 1811, as comarcas de Curitiba e Paranaguá foram instala-


das, subordinadas ao sistema administrativo da capitania de São Paulo
e, ainda nesse mesmo ano, um grupo de vereadores de Paranaguá
demandou a emancipação política a Dom João, alegando morosidade
administrativa, fisco desigual e falta de sensibilidade política por
parte dos administradores paulistas, mas a iniciativa foi infrutífera.

199
RIBEIRO, Luiz C. O sonho do progresso. Tradição/Contradição. Curitiba: Museu de
Arte Contemporânea do Paraná, 1986. p. 113.
148 Rafael Augustus Sêga

Em 1821, uma outra iniciativa emancipacionista, com as mesmas


alegações, também fracassaria.
Os “parnanguaras” (naturais de Paranaguá) eram os mais
interessados em sair da tutela dos paulistas. Após a independência,
durante o período regencial e parte do segundo reinado, várias revol-
tas espocaram pelo País, fazendo da Quinta Comarca de São Paulo
um território perigosamente estratégico no cenário nacional. Duas
delas, a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, entre 1835 e
1845, e a Liberal, em São Paulo, em 1842, fizeram com que o governo
imperial temesse a união dos gaúchos com os paulistas em um in-
tento separacionista, facilitado pela disposição geopolítica dessas
Províncias em relação ao resto do País. É importante lembrar aqui
que o líder liberal paulista Tobias de Aguiar foge para o Rio Grande
do Sul após a derrocada da revolta paulista. Em função disso, o
presidente da Província de São Paulo, barão de Monte Alegre, encar-
regou o tropeiro João da Silva Machado da missão de dissuadir os
moradores da Quinta Comarca da junção dos dois movimentos,
ainda mais que muitos senhores rurais dos Campos Gerais simpati-
zavam com as propostas dos liberais paulistas, e os tropeiros identi-
ficavam-se com a cultura gaúcha.
A Província do Paraná surgiria, então, como uma espécie de
“bastião” do poder central brasileiro, um anteparo que resguardaria
a integridade territorial do País, cindindo uma eventual união entre
farroupilhas e liberais. Concomitante a isso tudo, os Campos Gerais
desenvolviam-se a olhos vistos. Além da atividade criatória a pro-
dução da erva-mate ganhava vulto com exportações, criando uma
burguesia com interesses locais peculiares.
As esperanças de emancipação finalmente se concretizaram
no Parlamento em 20 de agosto de 1853, quando o projeto de Lei
704, que estabelecia a criação da Província do Paraná, obteve apro-
vação e determinou Curitiba como nova capital provisória, que
mais tarde seria definitivada, e, em 19 de dezembro daquele mesmo
ano, chegaria o primeiro presidente da nova Província, o político do
Império Zacarias Góes de Vasconcelos.
O Paraná não obteve uma seqüência administrativa e orgânica
em sua fase como Província, e em trinta e seis anos de governo
provincial, foram designados cinqüenta e três mandatários, escolhi-
dos de acordo com o grupo político que estivesse no domínio do
gabinete imperial.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 149

Dentro do período de existência da Província do Paraná, de-


ve-se, segundo o historiador paranaense David Antônio Carneiro,
levar em conta o advento da guerra do Paraguai como um “divisor
de águas”:

Politicamente e para o sentido da evolução, pode dizer-se que os


36 anos de período provincial dividem-se em duas partes: uma
que vai de 1853 até o começo da guerra do Paraguai, caracteriza-
se por nomeações quase exclusivas de elementos estranhos à pro-
víncia. Os presidentes eram nomeados pelo Imperador e assim
também os vice-presidentes, que eram vários e que eventualmente
deviam governá-la. Outra fase é a que vai de 1870 a 1889, caracte-
rizada pelo prevalecimento à testa dos negócios públicos provin-
ciais de elementos nascidos na terra 200.

Entretanto, o primeiro paranaense a presidir a Província foi


João José Pedrosa, apenas em 1882.
Com relação à composição dos partidos Liberal e Conservador
na Província do Paraná, faz-se necessária uma análise teórica mais
ampla dos mesmos em termos nacionais. Para tanto, recorremos ao
historiador mineiro José Murilo de Carvalho em seu trabalho A
construção da ordem, na qual ele acaba analisando as várias
correntes de explicação sobre as diferenças (e semelhanças) entre
os partidos imperiais e, após uma análise acurada tanto dos teóricos
como das origens dos membros partidários, ele infere:

Uma vez que tanto magistrados como profissionais liberais se


vinculavam em proporções mais ou menos iguais à posse da ter-
ra, podemos deduzir, que o grosso do Partido Conservador se com-
punha de uma coalizão de burocratas e donos de terra, ao passo
que o grosso do Partido Liberal se compunha de uma coalizão de
profissionais liberais e de donos de terra. Este resultado é muito
consistente com nossa tese sobre a duplicidade do liberalismo e
esclarece também as dificuldades do processo de formação do Es-
tado durante o Império201.

200
CARNEIRO, David A. História do período provincial do Paraná. Curitiba: Banestado,
1994. p. 11.
201
CARVALHO, José M. A construção da ordem; a elite política imperial & Teatro de
sombras; a política imperial (Edição reunida). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ / Re-
lume Dumará, 1996. p. 192.
150 Rafael Augustus Sêga

O Ato Adicional de 1834 fixou a criação das Assembléias le-


gislativas provinciais e a extinção do Conselho de Estado. Entre o
golpe da maioridade em 1841 e 1853 os conservadores e os liberais
se alternaram no poder.
Já entre setembro de 1853 e maio de 1857, foi formado um
gabinete imperial de “conciliação”, no qual conservadores e liberais
aliaram-se momentaneamente e foi durante esse gabinete conciliador,
mas sob presidência saquarema, que a Quinta Comarca de São Paulo
obteve anuência para sua emancipação provincial, em um esforço de
suas elites locais. Nesse período, a Província do Paraná foi governada
por três conservadores (Zacarias Góes de Vasconcelos – que mais
tarde tornar-se-ia liberal progressista, Teófilo Ribeiro de Rezende e o
padre Pires da Mota) e um liberal moderado (Beaurepaire Rohan) e,
se administração de Zacarias caracterizou-se por esforços para o
incremento econômico da incipiente Província, incentivando o cultivo
da erva-mate, as demais administrações do período da conciliação
foram marcadas pela preocupação com a instalação dos aparelhos
burocráticos e policial na Província, o início da construção de uma
estrada que ligasse o primeiro planalto ao litoral e pela confirmação
de Curitiba como capital provincial.
Após a fase da conciliação, os conservadores ficam no poder
até maio de 1862 (com um breve período liberal, de Francisco
Liberato de Matos), e esse período foi marcado pelo início das políti-
cas públicas provinciais para o estímulo da imigração européia, com
a formação das colônias de povoamento de Assungui e Superagui e
da colônia militar do Jataí; além da criação de uma rede de navega-
ção entre Paranaguá e Antonina, cujo porto começou a ser constru-
ído. Entre 1862 e 1868, verifica-se um período de domínio dos
liberais progressistas.
Em 1868, os conservadores subiram ao poder, destituindo o
gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos.
Em termos regionais, pomos em destaque a administração do
liberal André Pádua Fleury que procurou avançar a ocupação da
Província para além dos Campos Gerais, enviando expedições ex-
ploradoras aos rios Paranapanema, Ivaí e Tibagi, além de propor a
ocupação do sudoeste do Estado, por meio das colônias militares do
Chapecó e do Chopim (próximo à atual cidade de Pato Branco).
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 151

Os conservadores permaneceram no poder até janeiro de


1878, período marcado em termos nacionais por instabilidades eco-
nômicas. No Paraná, esse foi o período do auge do empenho do
governo provincial em fundar novas colônias para abrigar imigran-
tes, complementado na gestão do liberal Adolfo Lamenha Lins.
A vinda de colonos atendia assim ao problema, agravado pela
evasão da mão-de-obra escrava, da escassez e carestia dos produtos
agrícolas. Nas últimas décadas do século XIX, a construção de es-
tradas de ferro e linhas telegráficas empregou colonos trazidos por
sociedades de imigração. Nesse período e no início do século XX,
estabeleceram-se no Paraná mais de quarenta núcleos coloniais,
com mais de cem mil colonos assentados.
Depois dessa década saquarema, os luzias permanecem sete
anos à frente do poder: de julho de 1878 a julho de 1885, quando os
conservadores voltaram ao poder pela sua última vez no Império,
até junho de 1889. Nesse ínterim, pomos em destaque o período
pelo qual Ildefonso Pereira Correia esteve à frente da presidência
da Província. Todavia, o último gabinete do Império foi liberal, até
a proclamação da República no dia 15 de novembro.
Alguns historiadores paranaenses consideram que os partidos
organizados na Província do Paraná eram meras divisões das clas-
ses dominantes202. Consideramos tais afirmações inapropriadas, por
tentar identificar as frações autônomas de classe que cada agremia-
ção representava, fundamento de nosso trabalho.
No Paraná, o Partido Liberal organizou-se sob a batuta de
Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá e Manuel Alves de Araújo, seu
cunhado, membros das influentes oligarquias familiares do Barão
dos Campos Gerais e do Barão de Tibagi. O Partido Liberal era,
dessa forma, a organização por excelência do “poder privado” dos
representantes do “Paraná Tradicional”. A identificação política dos
liberais paranaenses com os seus congêneres rio-grandenses era tão

202
É o caso de Luís Fernando Lopes Pereira: “No Paraná deste período do final agonizante
do Império, os liberais dominam a Assembléia Provincial e o presidente da província
era conservador. Mas, à época, poucas diferenças existiam entre os ditos partidos da
ordem. Aliás, em termos de Paraná falar em partidos políticos já era um grande exagero,
pois os mesmos não passavam de agrupamentos de pessoas com interesses particulares,
em geral orbitando a influência das grandes, tradicionais e poderosas famílias curiti-
banas que dominavam a cena política local.” PEREIRA, Luís F. L. Paranismo: o Pa-
raná inventado; cultura e imaginário no Paraná da Primeira República. Curitiba: Aos
Quatro Ventos, 1998. p. 22.
152 Rafael Augustus Sêga

clara que os conservadores chamavam-nos (de uma maneira um


tanto hostil) de “farrapos”, e aqueles, por sua vez, respondiam a
seus adversários com a alcunha de “cascudos”203.
Sobre a adaptação da doutrina liberal à realidade brasileira,
apelamos ao historiador gaúcho Newton Luis Garcia Carneiro:

O liberalismo político, a principal força econômica e ideológica


do período, acomodou-se perfeitamente ao autoritarismo e exclu-
são promovidos pelo Estado oligárquico. As transformações eco-
nômicas modernizantes verificadas ao longo do período monár-
quico-não são acompanhadas de quaisquer mudanças de fundo
na ordem social e no sistema político 204.

Já o Partido Conservador era liderado por Manuel Antônio


Guimarães (Visconde de Nácar) e Manuel Francisco Correia Júnior
(Senador do Império), pertencentes a famílias de comerciantes
parnanguaras, envolvidos com a produção e comercialização da
erva-mate. A preocupação desse agrupamento político era estabelecer
sua supremacia econômica e livrar-se dos entraves jurídicos impostos
pelos bacharéis dos Campos Gerais, que monopolizaram a atuação
administrativa da Província do Paraná desde sua fundação:

Enquanto burguesia bacharelesca, os senhores dos Campos Ge-


rais articularam os discursos jurídico-institucionais que deram os
moldes às legislações locais. Portanto, eles podem ser considera-
dos como os grandes responsáveis pela constituição formal dos
aparelhos de estado brasileiros em nível regional. Da mesma
forma, foi de sua responsabilidade a construção da poderosa má-
quina fiscal que atuava sobre a economia da erva-mate, e que du-
rou até a década de 20 deste século (vinte). De posse da máquina
legislativa e fiscal do estado, eles nunca concederam grandes es-

203
MARTINS, Wilson. A invenção do Paraná, estudo sobre a presidência Zacarias de Góes
de Vasconcelos. Curitiba: Imprensa Oficial, 1999. p. 61.
204
A doutrina liberal que viria mais tarde influenciar os revoltosos federalistas era tributária
dos ditames filosóficos apregoados pelos iluministas em oposição ao Antigo Regime, na
defesa dos princípios da liberdade política, da igualdade jurídica, do estado de direito
fundado em um “contrato social” firmado entre governantes e governados, que, quando
desrespeitado, dava, aos últimos, o direito de sublevação. Os liberais consideram a
liberdade humana a base do direito natural, o qual tem como dever a defesa da vida
humana, expressa na propriedade privada e consolidada no livre desenvolvimento do
espírito e das faculdades do ser individual. In: CARNEIRO, Newton L. G. A identida-
de inacabada, o regionalismo político no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora
da PUCRS, 2000. p. 38.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 153

paços à burguesia do mate, mesmo quando, a partir do final do


século XIX, esta detinha em suas mãos o domínio econômico da
Província. Ainda no início da república, a burguesia industrial
do mate viu-se obrigada a dividir o poder com os bacharéis dos
Campos Gerais, herdeiros políticos dos antigos fazendeiros205.

A sociedade política que foi forjada no Estado desde a eman-


cipação em 1853 permaneceu, com a República, configurada em
dois grupos bem distintos a partir de suas atividades econômicas: a
aristocracia campeira entre os antigos liberais e a burguesia industrial
e comercial entre os antigos conservadores como foi atestado ao
longo do trabalho, porém, para Luiz Carlos Ribeiro, as “aristocracias
exclusivamente agrárias ou exclusivamente comerciais inexistiam
no Paraná, estando umbilicalmente ligadas, donde as divergências
eram mais de cunho pessoal, superficiais”206, contudo a história mos-
trou que esses antagonismos eram mais fortes do que aparentavam...
Entretanto, a elite campeira e a burguesia urbana ervateira
num ponto “fechavam” politicamente, no que se referia à completa
rejeição do universo sociocultural das classes subalternas, cujos
hábitos e costumes eram considerados “inferiores” ou “inciviliza-
dos”, haja vista a cruzada encetada pelas classes dominantes contra
as danças populares (os “fandangos”), que praticamente deixaram
de existir no Paraná.
Desde o manifesto de 1870 ocorreram no Paraná manifestações
esporádicas, e sem organicidade, de simpatia pela república. Mesmo
depois da fundação dos jornais Livre Paraná, em Paranaguá, e A
República, em Curitiba, e da criação de clubes republicanos nas
duas cidades, o movimento não chegou a se aprofundar. Alguns
paranaenses se destacaram na campanha republicana, mas fora da
Província, como foi o caso de Ubaldino do Amaral207.

205
PEREIRA, Magnus R. M. Op. cit., p. 21.
206
RIBEIRO, Luiz C. Op. cit. (Nota 22), p. 71.
207
“Nasceu na Lapa em 1842. Bacharel em Direito por São Paulo em 1867. Advogou em
Sorocaba e no Rio de Janeiro. Republicano histórico e abolicionista. Presente na Con-
venção de Itu em 1873. Senador Constituinte republicano pelo Paraná. Ministro do Su-
premo Tribunal Federal. Diretor do Banco da República. Presidente da Intendência
Municipal (prefeito) do Rio de Janeiro. Presidente do Banco do Brasil. Jurisconsulto
internacional, membro do Tribunal de Haia. Escritor. Livre pensador. Faleceu em
1920.” OLIVEIRA, Ricardo C. O silêncio dos vencedores; genealogia, classe domi-
nante e estado no Paraná. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001. p. 262-263.
154 Rafael Augustus Sêga

O Partido Republicano não existiu, na prática, na Província


do Paraná, pois seus correligionários não conseguiram eleger nenhum
deputado na Assembléia Provincial nas eleições de 1887 e acabaram
contando apenas com Vicente Machado da Silva Lima, e que foi
figura de projeção nos primeiros anos do novo regime.
Quando do movimento de 15 de novembro, o quadro político-
administrativo do Paraná seguia os mesmos ditames do período
imperial, isto é, as parcelas locais dos partidos que estivessem à frente
do gabinete imperial revezavam-se no poder de maneira encadeada.
A queda do último gabinete conservador (de João Alfredo) e a for-
mação do gabinete liberal de Ouro Preto assinalaram a subida de
Jesuíno Marcondes à presidência da Província do Paraná; ele já
havia exercido a mesma anteriormente por quatro vezes, mas na
condição de vice-presidente. Esta gestão de Jesuíno Marcondes foi
marcada por instabilidades econômicas, mas sem maiores implica-
ções políticas, tanto que o novo regime foi recebido em Curitiba
sem alvoroços, como se fosse fruto de mais uma troca de gabinete.
Os liberais paranaenses, apeados do poder, demoraram um
pouco para se sintonizarem com novo estado de coisas. Mas os con-
servadores, mais oportunistas, aderiram em bloco à nova ordem re-
publicana. Dessa forma, a República foi implantada no Paraná mais
pela ausência de ação e conformismo, tanto dos liberais como dos
conservadores, do que pela efetiva atuação dos republicanos locais.
Uma vez instaurado o governo da “coisa pública” no Rio de
Janeiro, Jesuíno Marcondes achou melhor transmitir o cargo ao
comandante da Brigada Militar, coronel Francisco José Cardoso
Júnior. Os primeiros anos da República no Paraná foram conturbados
e com uma alternância exagerada de governantes.
Por outro lado, as duas vertentes políticas herdeiras do jogo
imperial permaneceram bem demarcadas; os republicanos e os con-
servadores aglutinaram-se em torno de Vicente Machado e fundaram
o “Partido Republicano Federal”, e os liberais, em torno de Generoso
Marques dos Santos (herdeiro político de Jesuíno Marcondes) e
organizaram a “União Republicana do Paraná”. Após o conturbado
período dos governos provisórios, os liberais acabaram vencendo,
com a candidatura de Generoso Marques, a primeira eleição indireta
para o cargo de presidente do Estado em abril de 1891, pleito esse
marcado pelas habilidosas articulações de Emygdio Westphalen
para que o candidato dos antigos liberais chegasse ao poder. Os
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 155

velhos hábitos de intimidação política ainda funcionavam... Todavia,


Generoso Marques só governaria o Estado do Paraná até novembro,
por causa do apoio ao malfadado golpe do marechal Deodoro, que
foi substituído por elementos ligados a Vicente Machado, segundo
Romário Martins:

Constitui-se, então, uma Junta Governativa, da qual participaram


o coronel Roberto Ferreira, comandante da Guarnição Federal, dr.
Bento José Lamenha Lins e coronel Joaquim Monteiro de Carva-
lho e Silva. Esse governo realizou novas eleições e instalou, a 25
de fevereiro de 1892, a Assembléia Legislativa, com amplos pode-
res para rever ou substituir a Constituição promulgada a 14 de
julho (1891). Para esses fins baixara a Junta Governativa o Regu-
lamento Eleitoral de 16 de dezembro de 1891 e determinara o dia
25 de janeiro para as eleições208.

Achamos importante tecer alguns esclarecimentos sobre a in-


termitência dos tratamentos para os primeiros mandatários do Estado
do Paraná. Durante o período imperial, os governantes da Província
do Paraná, assim como das demais do país, eram chamados de
“presidentes”. Já na República, o governo provisório estabeleceu a
designação “governador”, todavia, a Constituição do Estado de
1891 restaurou o título de presidente. A Constituição estadual do
ano seguinte optou por governador, que durou até 1904, quando o
tratamento presidente voltou a vigorar até o movimento revolucio-
nário de 1930. O impasse cessou com a Constituição Federal de
1934 que definiu o tratamento de governador para todos os gover-
nantes dos Estados da Federação, o que vigora até hoje.
A deposição de Generoso Marques marca o início do ostra-
cismo político dos antigos membros do Partido Liberal, cujas con-
seqüências serão sentidas durante a Revolução Federalista.
A nova Constituição do Estado do Paraná entrou em vigor
em 07 abril de 1892, quando Francisco Xavier da Silva foi eleito
governador com Vicente Machado como vice; esse último governava
interinamente o Estado do Paraná (Xavier da Silva estava oportu-
namente afastado por motivos de saúde) quando da invasão dos
maragatos de Gumercindo Saraiva.

208
MARTINS, Romário. Op. cit., p. 433.
156 Rafael Augustus Sêga

A subida de Xavier da Silva e Vicente Machado é, sem em-


bargo, o momento histórico do início do predomínio político dos
setores representantes da burguesia ervateira sobre a aristocracia
campeira na condução da máquina administrativa do Estado do
Paraná.
Outrossim, a Revolução Federalista acabou abrindo a “caixa
de Pandora” da política do três Estados do Sul do Brasil; nos ren-
demos, nesse ponto, às considerações de Ricardo Costa de Oliveira:

O mais grave e violento conflito entre as diferentes frações da


classe dominante do sul do Brasil foi seguramente a Revolução
Federalista de 1893–1894. Suas causas estão vinculadas à im-
plantação do sistema político-partidário republicano no sul do
Brasil. A sobrevida relativa dos quadros do antigo Partido Liberal
nos Estados sulinos provocou um choque com o regime uni-
partidário da República. O confronto deveu-se às dificuldades
dos antigos liberais em se integrarem no novo sistema político re-
publicano. Em termos gerais, os liberais que se tornaram a força
política mais importante e hegemônica no sul com o desmantela-
mento do antigo Partido Conservador, passam com a República a
nova denominação de federalistas209.

Entre 1893 e 1895, o espectro social dos combatentes dos


dois lados da revolta era enorme, tanto no Rio Grande do Sul como
no Paraná, e o liame simbólico que atava os federalistas, por exem-
plo, era a luta contra a “usurpação” do poder pelos grupos republi-
canos nacionais ou regionais.
O engajamento de setores da sociedade paranaense nos dois
lados contendores fizera do Paraná (um Estado que aparentemente
não possuía vínculos mais profundos com as refregas políticas que
estavam acontecendo no Rio Grande do Sul) o fulcro da luta arma-
da, transformando-o no lugar onde se deram alguns dos combates
mais importantes e em cenário das batalhas mais decisivas da sub-
levação federalista, pois, dele, os maragatos no pasarán210.

209
OLIVEIRA, Ricardo C. Op. cit., p. 171-172.
210
Inspiramo-nos aqui na conhecida palavra de ordem usada durante a Guerra Civil Espa-
nhola (1936–1939), lançada por Isidora Dolores Ibárruri Gómez (1895–1989), cogno-
minada “La Pasionaria”, símbolo da resistência republicana contra os falangistas, a-
deptos de Francisco Franco e apropriadamente referida pela professora Odah R. G. Cos-
ta em seu texto 1893–1894 Paraná: dele, não passaram!.In: ALVES, Francisco das N.;
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 157

3.4 AS REPRESENTAÇÕES NO DISCURSO POLÍTICO


DA IMPRENSA PARANAENSE

O contato cultural entre paranaenses dos Campos Gerais e


gaúchos sempre foi intenso em razão do comércio das tropas, e,
durante os primeiros anos da República, a identificação daqueles
para com esses acabou refletindo politicamente na aceitação e defesa
dos ideais parlamentaristas gasparistas por parte de membros da
aristocracia agrária do “Paraná Tradicional”, antigos membros do
Partido Liberal.
Nossa apresentação das fontes primárias dar-se-á de maneira
cronológica, com o intento de demonstrar que, à medida que a luta
armada eclodia no Rio Grande do Sul, a imprensa governista
paranaense utilizava a mesma com o escopo de detratar os oposi-
cionistas locais.
Ao passarmos, a seguir, à análise dos periódicos de época,
concordamos com a historiadora Helenice Rodrigues da Silva, de
que uma “realidade” reconstruída em um trabalho historiográfico
por meio de fontes escritas não passa de uma representação211 e,
nesse ponto, nos entregamos às suas considerações de ordem teórica:

Quanto à prática histórica, convém lembrar que, há tempos, o


historiador aprendeu a não confiar no realismo documentário,
que tendia a apresentar o “texto” e/ou documento (rastro de um
acontecimento) como a “reprodução fiel da realidade”. Na ver-
dade, o “texto” não é outra coisa senão a representação do real.
Com efeito, a reconstituição da realidade não passa de uma infe-
rência, de uma dedução: ela é fruto de uma construção subjetiva;
em outras palavras, ela reflete o ponto de vista daquele que a re-
lata212.

Vistas essas considerações, adotaremos, de forma comple-


mentar, o conceito de “representação” proposto pelo historiador
paulista Orivaldo Leme Biagi, ou seja:

TORRES, Luiz H. (Orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Editora da


FURG, 1993. p. 163-171.
211
SILVA, Helenice R. da. A história como ‘a representação do passado’: a nova abordagem
da historiografia francesa. In: CARDOSO, Ciro F.; MALERBA, Jurandir (Orgs.). Repre-
sentações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000. p. 83.
212
SILVA, Helenice R. da. Op. cit., p. 83-84.
158 Rafael Augustus Sêga

Entendemos por representação como alguma coisa que se encon-


tra no lugar de outra coisa, ser o “outro do outro”, simultanea-
mente evocado e cancelado pela representação. O que representa,
o que está no lugar de outra coisa, é o signo, ou seja, o elemento
que possui um referencial ao qual ele se reporta. Em outras pala-
vras, podemos dizer que a representação é a maneira subjetiva da
manifestação do imaginário – é o tecido pelo qual o imaginário
se manifesta através de uma linguagem, seja ela qual for. E, na
constituição da linguagem, não podemos desprezar a sua for-
ma213.
Buscaremos doravante recuperar, nos discursos que os dois
grupos políticos em questão usaram, por meio da imprensa, as re-
presentações construídas, ora a favor de um lado, ora de outro; e,
como tais imagens foram utilizadas para atacar supostos inimigos
ou elogiar supostos aliados, como louvaram atos de bravura de um
lado ou covardias de outro; etc. Em suma, nosso trabalho vai tentar
resgatar a maneira como a imprensa paranaense construiu seu dis-
curso sobre a situação política no Estado e sobre a Revolução Fede-
ralista de acordo com seus interesses imediatos e como o campo
simbólico foi trabalhado pela mesma.
Nesse sentido, não pretendemos explorar as fontes como um
objeto empírico encerrado em si mesmo, mas, como uma espécie de
“via de acesso”, isto é, utilizamos as mesmas como uma forma de
abordar o entendimento da sociedade na qual ela estava inserida.
Dessa forma, os jornais são uma maneira de percepção das práticas
e estratégias da vivência social dos vários grupos, no espaço político,
como foi atestado por Orivaldo Biagi:

Partimos do suposto mais geral que a imprensa (e as assim cha-


madas mídias) procura, de uma maneira quase inconsciente, cri-
ar uma imagem que aponte para uma ordem, uma organização
nos elementos que constituem o real da sociedade. Tais elementos
estão impregnados, na maioria das vezes, de paixão, de compo-
nentes irracionais que coabitam com a razão. Neste sentido, a
mídia manipula o real, mas também é manipulada por ele, na re-

213
Apud: BIAGI, Orivaldo L. O imaginário e as guerras da imprensa – estudo das cober-
turas realizadas pela imprensa brasileira da Guerra da Coréia (1950–1953) e da Guerra
do Vietnã na sua chamada “fase americana” (1964–1973). Campinas: Departamento de
História da UNICAMP, tese de doutorado, 2001. p. 7.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 159

lação entre o real e as representações, entre o real e o imaginário


social – relação esta que, em síntese, é instituinte da História 214.

Assim, é preciso que os grupos em disputa se apoderem não


só do poder político institucionalizado, mas também do poder sim-
bólico da política, por meio das representações. A política tem,
como afirma José Murilo de Carvalho, que atingir o coração das
pessoas215, ou ainda, é por meio do controle do imaginário que a
sociedade responde as perguntas que ela mesma criou 216. O controle
do imaginário é, nas sociedades contemporâneas, um dos requisitos
fundamentais para a tomada e, principalmente, manutenção do po-
der, nas quais o discurso jornalístico passa a ser fundamental na
construção das representações em jogo na disputa política, como
mostra Roger Chartier:
As percepções do social não são de forma alguma discursos neu-
tros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas)
que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas
menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar,
para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso
esta investigação sobre as representações supõe-nas como estan-
do sempre colocadas num campo de concorrências e de competi-
ções cujos desafios se enunciam em termos de poder e domina-
ção217.
E, para procedermos à análise dos discursos dos jornais em fo-
co, devemos, segundo as lingüistas Leonor Lopes Fávero e Ingedore
Villaça Koch, fazer a distinção entre os conceitos “texto” e “discurso”:
O termo texto pode ser tomado em duas acepções: texto, em sentido
lato, designa toda e qualquer manifestação da capacidade textual
do ser humano, (quer se trate de um poema, quer de uma música,
uma pintura, um filme, uma escultura etc.), isto é, qualquer tipo

214
BIAGI, Orivaldo L. Op. cit., p. 1.
215
“É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça, mas, de modo especial,
o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as
sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu
passado, presente e futuro.” CARVALHO, José M. A formação das almas; o imagi-
nário da República no Brasil. São Paulo: Companhia da Letras, 1990. p. 10.
216
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. São Paulo: Paz e
Terra, 1982. p. 177.
217
CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas e representações. Rio de
Janeiro: Difel, 1990. p. 17.
160 Rafael Augustus Sêga

de comunicação realizado através de um sistema de signos. Em se


tratando da linguagem verbal, temos o discurso, atividade comu-
nicativa de um falante, numa situação de comunicação dada, en-
globando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou
por este e seu interlocutor, no caso do diálogo) e o evento de sua
enunciação. O discurso é manifestado, lingüisticamente, por
meio de textos (em sentido estrito). Neste sentido, o texto consiste
em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo
significativo, independente de sua extensão. Trata-se, pois, de
uma unidade de sentido, de um contínuo comunicativo contextual
que se caracteriza por um conjunto de relações responsáveis pela
tessitura do texto – os critérios ou padrões de textual idade, entre
os quais merecem destaque especial a coesão e a coerência218.
Dessa feita, para entendermos um texto como uma totalidade
dotada de coerência, precisamos detectar não apenas as relações de
coesão, pois, para Leonor Lopes Fávero, “a coesão é decorrência,
e a concatenação linear não é garantia de um texto coerente, e é
preciso que o leitor desenvolva habilidades que lhe permitam de-
tectar as marcas que levarão às intenções do texto” 219.
Após essas breves considerações de ordem teórica, as quais
nos servirão para o embasamento de nossa análise, acreditamos
importante ressaltar os porquês da escolha de nossa pesquisa empí-
rica. Infelizmente não obtivemos exemplares do periódico oposi-
cionista A Federação para levantamento (sem nenhum vínculo com
seu homônimo gaúcho, pelo contrário), “Órgão da União Republi-
cana”, talvez isso tenha ocorrido em razão da severa repressão que
se sucedeu com os paranaenses simpatizantes dos revolucionários
gaúchos após a derrota da Revolução Federalista no Paraná e do
apagamento de sua memória política. Encontramos apenas referên-
cias desse jornal no Almanaque Paranaense, o qual utilizaremos
de forma complementar.
Com relação ao periódico governista A República, contamos
com exemplares conservados em forma de microfilmes na Seção
Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná. Tal jornal era, à época
pesquisada, de propriedade de Torquato José Gonçalves e se deno-
minava “Órgão do Partido Republicano”, tendo sido fundado em

218
FÁVERO, Leonor L.; KOCH, Ingedore G. V. Lingüística textual: introdução. São
Paulo: Cortez, 2000. p. 25.
219
FÁVERO, Leonor L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1993. p. 69.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 161

1886, por iniciativa de Eduardo Mendes Gonçalves 220. Passaremos


assim, a analisar editoriais desse periódico como nossa fonte primária
principal.
No editorial intitulado Liberais e Conservadores, de 05 de
janeiro de 1893, assinado pelo deputado estadual Leôncio Correia
(1865–1950), depois deputado federal e posteriormente diretor-
geral da Instrução Pública da Imprensa Oficial no Rio de Janeiro,
percebe-se que a situação política já indicava acirramento de âni-
mos no Paraná antes mesmo do início “oficial” da Revolução Fede-
ralista no Rio Grande do Sul, a qual se deu um mês mais tarde.
Se é possível a existência de um vivo amarrado a um morto, se é
possível que os destinos políticos de uma nação sejam regidos pe-
lo silêncio dos túmulos, os liberais existem, os conservadores vi-
vem. (...) Infelizmente, porém, há os que têm por ela a mais pro-
funda indiferença, fazendo-a somente de ponte sobre a qual devem
transitar as suas ambições irrequietas, os seus caprichos pessoais.
(...) o que se deu neste Estado após a proclamação da República,
mas depois de quebrada a promessa conciliatória, foi uma cisão
natural entre homens que queriam a República pelo poder e ho-
mens que queriam a República pela República. (...) O partido que
hoje se acha à frente dos destinos paranaenses apoia-se na imensa
maioria formada de quase totalidade dos republicanos históricos,
de uma brilhante e numerosa legião do antigo Partido Liberal e
do concurso quase unânime do ex-partido conservador. Esses e-
lementos são indispensáveis a um partido que quer governar, em
período da opinião esclarecida, e que sabe confundir a todos,
corporificando num só, que tem como lema sagrado: – Tudo pela
Pátria! Tudo pela República!221

O discurso aqui apresentado pretende que o público leitor


perceba e compartilhe da opinião negativa que os governistas tinham
dos liberais. Para tanto, os opositores são chamados “mortos”, os
governistas “vivos”; os opositores são comparados a túmulos que
(meramente) existem, enquanto os governistas atuam. Aos liberais
é atribuída uma ação política irresponsável e imatura (... “ambições
irrequietas”, “caprichos pessoais” e “quebra de promessa concilia-

220
WESTPHALEN, Cecília M. República no Paraná. In: SOARES, Luis R. N. (Org.).
Dicionário histórico-biográfico do Estado do Paraná. Curitiba: Chain – Banestado,
1991. p. 402.
221
A República. Curitiba, 05.01.1893.
162 Rafael Augustus Sêga

tória”), ao passo que os governistas são referendados como a


“imensa maioria”, “quase totalidade”, “brilhante e numerosa legião”
e “opinião esclarecida”. Tais argumentos são bastante apelativos na
tentativa de conquistar o leitor para o lado governista e contra os
liberais. Esse tipo de prática é usada pelos homens desde as primeiras
manifestações de retórica na história, notadamente nas civilizações
clássicas.
Cinco dias mais tarde, pela primeira vez apareceria o Rio
Grande do Sul como chamada de editorial:
RIO GRANDE DO SUL – Tudo pela liberdade! Morte ao exérci-
to! Volta da Monarquia! Tal é a legenda com que os inimigos da
Pátria, entrincheirados em paz no estrangeiro, querem dar ao
grito de guerra! E nesta obra de destruição contam, dizem os e-
migrados, com elementos em Santa Catarina, Paraná e São Pau-
lo. Quais são esses elementos? É o que em breve os desdobramen-
tos dos fatos, dos quais talvez dependa a sorte da República, nos
há de dizer. Não se iludam, porém, os que julgam que, com a
simples notícia da invasão dos monarquistas no solo sagrado da
Pátria brasileira, está alcançando triunfo. Não julguem que a
simples passagem de suas tropas cintilará o astro da vitória e será
aniquilada essa República magnânima, tolerante, benévola, que
se faz entre aplausos, e que está amparada pela flor das classes
conservadoras, pelos impulsos de todas as consciências honesta-
mente patrióticas e pelos braços generosos da mocidade de ho-
je!222
O texto acima citado refere-se aos gaúchos através de refe-
rentes223 exofóricos224 de caráter negativo (“inimigos da Pátria”,
“obra de destruição”, “esses elementos”, “invasão dos monarquistas”).
A condição exofórica presente nesse discurso parece-nos ter a fun-
ção de reforçar o desprezo nutrido pelos revolucionários rio-
grandenses. Os mesmos nem sequer são citados explicitamente,
como se nem isso merecessem.

222
A República. Curitiba, 10.01.1893.
223
“Na semiologia, ‘referente’ é aquilo que o signo designa; contexto. Tradicionalmente,
aplica-se o conceito de referente com relação aos objetos do mundo real a que as pala-
vras das línguas naturais se referem.” CD-ROM Dicionário Aurélio Eletrônico. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
224
“A referência é exofórica quando a remissão é feita a algum elemento da situação
comunicativa, isto é, quando o referente está fora do texto.” KOCH, Ingedore G. V.
A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1991. p. 20.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 163

Por outro lado, assim como o editorial impele o público leitor


a construir uma imagem repudiável aos rio-grandenses, também
convoca o mesmo público leitor (“não se iludam”, “não julguem”) a
compartilhar e, por que não, defender o “solo sagrado da Pátria
brasileira”, o “astro da vitória”, “República magnânima”, “tolerá-
vel”, “benévola“ etc.
As alternâncias das publicações sobre a situação política na-
cional com a regional são freqüentes; no dia 20 de janeiro de 1893,
figurava na primeira página de A República um editorial enaltece-
dor da situação política no Estado (em detrimento da oposição):
Se há alguma coisa que indique claramente a situação atual da
política paranaense, é, com certeza, a calma serenidade do governo
e o grito desesperado da oposição. Até hoje não apontou ainda a
oposição um só ato que possa desdourar o governo do honrado e
ilustre paranaense Dr. Francisco Xavier da Silva. Sem uma elabo-
ração de crítica e de análise, sem um critério seguro, sem revela-
ção de superioridade moral, a oposição se tem limitado a descom-
por e faz da descompostura a sua única arma. Isto nada mais é
do que a nostalgia do poder, que lhe sorri através de planos deli-
ciosos...225
O texto acima apresentado, em contraste com outros anterior-
mente citados, é explícito quanto à caracterização da imagem da
oposição. O interlocutor, já inicialmente e de maneira assertiva,
conduz o leitor a perceber como a política paranaense está em uma
situação “claramente e com certeza” de “calma serenidade”, devi-
do a um “governo honrado”. Por outro lado, a oposição é sobeja-
mente desqualificada. Para tanto, o interlocutor coloca em contraste
a propalada “serenidade” já citada com o “grito desesperado”;
também quando afirma que “se há alguma coisa que indique cla-
ramente a situação atual da política paranaense” em contraste
com “até hoje não apontou ainda a oposição um só ato...”. E para
tornar mais forte e evidente esta situação, o interlocutor faz uso da
representação negativa de “sem” repetidas vezes, o que ajuda a
caracterizar a ausência de estrutura política da oposição.
Uma semana mais tarde, às vésperas da invasão das tropas
federalistas ao Rio Grande do Sul, Leôncio Correia redigia uma

225
A República. Curitiba, 20.01.1893.
164 Rafael Augustus Sêga

verdadeira elegia aos republicanos castilhistas (membros do Partido


Republicano Rio-Grandense – PRR):
A pouco e pouco, esforçadamente, patrioticamente, o glorioso
partido republicano rio-grandense vai dissipando dos horizontes
pátrios as nuvens sinistras, prenhes das ameaças restauradoras.
A confiança renasce, a tranqüilidade volta, a vida normal se a-
centua, ao mesmo tempo que o desânimo aniquila os emigrados,
que há poucos formados em linha contra a República. (....) Como
uma muralha de bronzeou como uma estátua de ouro hão de se
levantar os heróis da propaganda honesta da doutrinação leal na
terra legendária de Bento Gonçalves, hão de se levantar os que
fizeram da bandeira estrelada da República a inspiradora suave
de todos os atos de sua consciência, há de se ouvir, como um can-
to imortal de alegria, o grito imenso e sublime da mocidade para
celebrar o triunfo eterno do Brasil Republicano. 226
Já no texto acima, percebe-se como o interlocutor tenta con-
quistar a simpatia do leitor para com os republicanos. O mesmo
descreve a situação atual num crescendo, tanto para calmaria
(“pouco a pouco”, “vai dissipando” etc.), como para a grande
parte dos membros do PRR, que são comparados a “muralha de
bronze”, “estátua de ouro”, “heróis”. Observa-se também a confian-
ça nas ações vindouras, “hão de se levantar”, “há de se ouvir”.
Toda essa seqüência vai ter como ápice o “triunfo eterno do Brasil
Republicano”.
Essa linha de exaltação ao PRR segue principalmente quando
da iminência da invasão dos federalistas ao Estado gaúcho, o que
reflete identificação e articulação política entre os republicanos do
Paraná e do Rio Grande do Sul e, deles, com o Governo Federal:
A República brasileira não pode se subtrair, de modo algum, à lei
natural que rege os destinos dos povos obrigando-os a acompanhar
a marcha ascensional da humanidade no seu incessante cami-
nhar pela estrada luminosa e ampla da civilização. (...) Não é a-
inda decorrido muito tempo que alguns indivíduos, perversos e
maus, tentaram assaltar o poder no Estado do Rio de Janeiro. A
atitude assumida pelo Governo Federal, correta e louvável, obri-
gou-os a fugir indigna e covardemente do teatro dos aconteci-
mentos. O rico e futuroso (sic) Estado do Rio Grande do Sul, há
muito já é presa das arruaças e das perturbações da ordem, por

226
A República. Curitiba, 27.01.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 165

parte dos especuladores, que por ambição uns, outros por ódios,
por falta de patriotismo todos, têm levado ao seio da população a
ameaça e o terror, e algumas vezes o luto, a desolação, e a morte.
Em breve pois, estará assegurada a paz pública, e firme o gover-
no dos republicanos. E nem é de esperar outra atitude dos des-
cendentes dos “gaúchos” heróis de 35, cujos feitos imortais são
outros tantos padrões de glória para os filhos daquela terra227.
Novamente nesse trecho, percebe-se a exaltação do governo
versus a execração dos separatistas. A República brasileira aqui é
duplamente enaltecida, quando fez fugir os indivíduos “perversos e
maus” (os marujos da Armada) e no estabelecimento da paz públi-
ca contra os “especuladores que causam terror, luto, desolação e
morte”. Observa-se também uma certa admiração pelos farroupi-
lhas “heróis de 35”, os quais são comparados a deuses pelos seus
“atos imortais” como “padrões de glória”.
Lancemos o olhar para a terra legendária da geração de 35. Se al-
go nos pode turvar a vista, é com certeza a lágrima, oriunda da
mágoa, a mais sincera, derivada da dor, a mais profunda, filha da
angústia, a mais aflitiva. É horrível, em verdade, ver, com os olhos
da alma, aquele belo e límpido céu sinistramente listrado de lín-
guas de fogo, ver aquele sol esplêndido e fulgurante empanado pe-
los novelos de fumo, ver aqueles pampas formosos, onde o gaúcho
rio-grandense desafia todas as cóleras da natureza, juncados de
cadáveres de irmãos! E por quê? Pela ambição desmedida de um
Júpiter tonante que não tem tido a nobreza de se resignar à posi-
ção de vencido228.
É bom lembrar que os dois lados contendores se arvoravam
em herdeiros políticos dos farroupilhas de 1835 e que o lexema
“gaúcho” ainda não tinha sido generalizado como adjetivo gentílico
dos naturais do Estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Tal admi-
ração é agora associada à solidariedade dos governistas paranaenses
para com os republicanos, em que aqueles choram o infortúnio
destes por terem seus pampas “juncados de cadáveres”, provenien-
tes de uma guerra regida, de um lado, por um deus (Júpiter – refe-
rência a Gaspar Silveira Martins) impiedoso, sinistro e inconforma-
do e, para contrapor, Júlio de Castilhos, no editorial de três de março,

227
A República. Curitiba, 05.02.1893.
228
A República. Curitiba, 01.03.1893.
166 Rafael Augustus Sêga

era chamado de “intemerato republicano e eminente cidadão pre-


sidente do Rio Grande do Sul”.
A importância geopolítica do Paraná, em relação ao resto do
Brasil, (único Estado da federação que separa totalmente a região
sul do resto do País), já se fazia notar no cenário da invasão dos
federalistas ao Rio Grande do Sul. Em uma carta do vice-presidente
em exercício, Marechal Floriano, em fins de fevereiro de 1893,
dirigida ao general Pego Jr. em Curitiba, o mesmo afirma ter “total
consciência do estado atual da situação e que se torna necessário o
patriotismo dos bons brasileiros contra os ‘bandidos invasores’ e
que, para tanto, é necessário, decisivo e preciso um companheiro
inteligente, prático, bravo e conhecedor desse Estado”.
Portanto, Floriano informava que o General Telles (vindo da
sede da República, no Rio de Janeiro) seguia em auxílio, no intuito
de tomar medidas prontas e enérgicas, solicitando todo o apoio para
fornecer “elementos para castigo aos rebeldes que transporão a
guerra ao solo da pátria com a bandeira da restauração monárquica”
e, por fim, conclama os soldados a resistirem até “os últimos
cartuchos”229.
O fomento à defesa da Pátria, no Paraná, não estava vinculado
apenas às armas, mas também, à imprensa, onde figuravam as mais
ácidas acusações do governo paranaense para com aqueles que de-
fendessem os revolucionários gaúchos, como vemos nessa passagem:

Os que aplaudem a conduta sinuosa dos invasores que se decla-


rem francamente pela monarquia. Isto é nobre. Ou esperam a vi-
tória dos celerados para aderirem com a facilidade com que ade-
riram à ditadura? É sina da oposição do Paraná aderir a tudo
quanto traduza a humilhação e o aviltamento da Pátria? Ah! Pa-
rece que o poder produz vertigens fatais! (...) É chegada a hora de
se definirem as posições. Vamos! A linha divisória está traçada.
Cada qual em seu posto: pela República ou pela Monarquia! To-
dos os bons brasileiros devem fazer sua a seguinte brilhante pro-
fissão de fé de “O País”, essa legenda de civismo, essa barricada
perpetuamente alerta na praça pública para defender os interes-
ses da Pátria e da lei contra os perturbadores da ordem e os inimi-

229
Documentos do Arquivo Histórico do Exército (Casa da Memória de Curitiba),
28.02.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 167

gos das instituições. O senhor Silveira Martins é uma ameaça e o


marechal Floriano é uma garantia230.

Esse trecho qualifica a oposição paranaense em forma de


igualdade com os revolucionários, isto é, como “perturbadores da
ordem e os inimigos das instituições”. Devido à importância da
situação, em meados de março de 1893, o jornal A República passa
a publicar uma seção intitulada “Rio Grande”, para dar conta dos
eventos e para atacar não só os revolucionários, mas também os
defensores locais destes.

No intuito de pôr os leitores de A República ao fato das ocorrências


que vão dando no glorioso Estado rio-grandense, abrimos espaço
à seção cujo título encima essas linhas. (...) É vergonhoso o pro-
cedimento dessa horda de hunos que renegaram a Pátria e foram
rebuscar estrangeiros para estenderem sobre aquela parte do solo
brasileiro o leito e a miséria. Mais vergonhoso é ainda a existên-
cia de patrícios nossos que aplaudem semelhantes bandidos! Fe-
lizmente os Judas hão de se convencer muito breve desta verdade
inconclusa: pelo caminho que seguem, os inimigos das institui-
ções vigentes, não hão de ir muito longe, a verdade mostrará que
quando quiserem retroceder, será tarde; o Paraná conhece-os de
longa data e uma regeneração qualquer, embora tardia, mesmo as-
sim os deixará de tal maneira incompatibilizados com o povo, que
dele receberão quando muito um tiro de misericórdia! 231

Percebe-se aqui, também que tanto os revolucionários quanto


a oposição são expostos através de seus atos bárbaros, os quais os
remetem aos “hunos”, a “bandidos” e a “Judas”.

De um lance de olhos se vê o que é e o que vale esta oposição. Em


todos os seus movimentos se apercebe uma coisa: a sede do po-
der. Há mais de ano que governa o Estado do Paraná o Partido
Republicano, e que tem acompanhado a vida da imprensa oposi-
cionista e as diatribes com que se exibe, terá sem grande esforço
feito seguro juízo. Fez-se uma reforma constitucional e a oposição
sobre ela não articulou um conceito; foram feitas todas as leis de
organização política do Estado e ainda a mesma oposição se limi-
ta a apelidar o Congresso de “munhecas”, foi elaborado e pôs-se

230
A República. Curitiba, 08.03.1893.
231
A República. Curitiba, 21.03.1893.
168 Rafael Augustus Sêga

em execução um orçamento e os mesmos homens que durante um


ano e tanto de governo não tiveram capacidade para organizar
um plano financeiro e muito menos coragem para arcar com a
responsabilidade do fato, não puderam sequer explorá-lo perante a
opinião que desejam convulsionar. Longe iríamos se quiséssemos
pôr em evidência a vida inglória dessa oposição232.

A partir de então, os governistas aproveitam para atacar a


oposição de todas as formas. Até agora o ataque era principalmente
pelo apoio dessa, aos revolucionários; nesse trecho, averigüa-se o
niilismo que o interlocutor atribui às atitudes da oposição, a qual
“não articulou um conceito”, limitou-se a “apelidar”, “não foram
capazes de organizar”, “não tiveram coragem para arcar” etc.
Outrossim, a cena política gaúcha servia de fundamento pela
prensa de A República para depreciar os oposicionistas locais.
Agora, que uma alegria nebulosa parece invadir a alma dos opo-
sicionistas (paranaenses) à situação atual, examinemos com cal-
ma e com patriotismo os intuitos que movem a invasão rio-
grandense, que tão fundamente tem perturbado a marcha do go-
verno republicano. O que querem os federalistas do Rio Grande?
Restauração? Unitarismo? Separação? Vindita? Destas quatro
aspirações dos revolucionários, que ainda não definiram clara-
mente o seu ideal político, qual a nobre, qual a patriótica, qual a
digna? (...) Nos tempos do Império do Brasil ninguém se bateu
mais em nome da opinião, para a vitória da qual apelava a todos
os momentos, do que o senhor Gaspar Silveira Martins. (...) É por
efeito desse fenômeno singular que o tribuno rio-grandense, que,
aliás, podia estar prestando ao País os inestimáveis serviços do
seu esclarecido talento, está, pelo contrário, sendo o chefe de
uma nova e monstruosa inquisição que tudo sacrifica e imola: a
honra das donzelas, a fortuna honrada dos particulares, a gene-
rosidade de seu Estado e a dignidade de sua Pátria! 233

Observa-se aqui um questionamento aos oposicionistas para-


naenses sobre qual a razão da alegria e apoio aos revolucionários,
uma vez que estes não têm um ideal político definido, nem aspira-
ções nobres, patrióticas, dignas e nem tampouco um chefe honrado.

232
A República. Curitiba, 25.03.1893.
233
A República. Curitiba, 05.04.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 169

No início do mês de maio de 1893, enquanto os combatentes


se enfrentavam na localidade gaúcha de Inhanduí e quando tudo le-
vava a crer que a luta ficaria restrita ao Estado do Rio Grande do Sul,
os editoriais de A República continuariam na sua luta (no terreno das
letras) contra a oposição paranaense, usando um presumido apoio
dessa à Revolução Federalista como argumentação para tal ataque.

Não deixa de ter certo interesse e certa graça o modo por que a
oposição do país “presta seu apoio” à causa da revolução rio-
grandense. Pela do Paraná, podemos estender o nosso juízo às
outras e por isso assinalemos um fato muito do conhecimento de
nossa imprensa e de todo o Estado. Transmitido daqui para o Rio,
logo em começo da Revolução, um telegrama em que se declarava
que “a oposição do Paraná obedecia à sanha do sr. dr. Gaspar
Martins”. (...) E isso pela razão muito simples que as simpatias que
demonstram pela causa revolucionária não significam outra coisa
que o prazer que lhe causam as dificuldades que surgem para a re-
pública, pela ameaça ao governo e pelas esperanças e pelos so-
nhos que engendram a ilusória expectativas do auxílio às suas trê-
fegas ambições234.

Na citação anterior, de 05 de abril de 1893, verificamos um


questionamento sobre o motivo do apoio da oposição aos revolu-
cionários. Já na citação agora apresentada, o interlocutor já nos
oferece um motivo, nada digno, pois aponta para o prazer de ver o
sofrimento de outros.
Dessa feita, a transcrição e análise contínua que estamos
fazendo até aqui dos editoriais de A República sobre a Revolução
Federalista servem para demonstrar o quanto os ânimos políticos
estavam exaltados no Paraná vários meses antes da chegada dos ma-
ragatos ao Estado. Às vezes, tais ânimos beiravam às ofensas gros-
seiras, como foi o caso do editorial de 25 de maio, no qual a oposi-
cionista “União Republicana” era referida como “orgãosinho” (sic).
Enfim, continua a oposição a debater-se no lado de sua campa-
nha de infâmias, continua a mostrar ao povo paranaense o qua-
dro de um bando de abutres esfaimados, prontos ao sinal (que o
velho cacique do sul já deu e ao qual não corresponderam) conti-
nue no seu papel, porque sobre este fundo negro, o Partido Re-
publicano Paranaense continuará a se mostrar partido puro, ho-

234
A República. Curitiba, 18.05.1893.
170 Rafael Augustus Sêga

mogêneo, com ideal político definido, trabalhando por um fim


único, a liberdade e o progresso da Pátria Paranaense 235.
Observa-se que o tom agressivo, mais dissimulado no início,
vem se tornando mais e mais ofensivo à medida que a situação se
torna mais acirrada no Rio Grande do Sul, como vemos em “cam-
panha de infâmias” ou “bando de abutres esfaimados”.
No início do mês de junho de 1893, começam a aparecer em
A República referências às articulações entre o executivo e o legis-
lativo federais, em torno de Floriano:
Têm os fatos sobejamente provado que o patriótico e benemérito
governo do Marechal Floriano Peixoto, conta com decidido apoio
nas duas casas do Congresso Nacional. (...) Na Câmara dos De-
putados é o sr. Demétrio Ribeiro, um ortodoxo comtista, cuja car-
reira política na República tem sido uma sucessão de desastres e
um dos responsáveis pela triste situação do seu belo estado natal,
que vem “lastimar a continuação da guerra civil no sul”, o que
todo o país a lastima e o deplora, sem intervenção da retórica po-
sitivista do ilustre representante do Rio Grande. (...) Para a opo-
sição na Câmara não podia demonstrar melhor o seu plano do que
escolhendo para seu “líder” o deputado por este Estado o sr.
Bellarmino de Mendonça, um sequioso de reeleição por um Es-
tado que não o conhece, que não o quer, que tem filhos ilustres
para eleger e que só logrará a seu intuito por menos surpresas em
ocasiões em que a anormalidade prejudique o juízo calmo do po-
vo236.
No trecho acima fica muito claro que o alinhamento político
de A República é com o grupo castilhista, haja vista a depreciação
pela qual o sr. Demétrio Ribeiro é tratado e, apesar de positivista,
ele acaba adquirindo a pecha de traidor da causa republicana.
Demétrio era realmente um “ortodoxo comtista”, talvez por influên-
cia de Miguel de Lemos, com quem cursou a Escola Politécnica.
Foi Ministro da Agricultura no governo provisório de Deodoro e foi
um dos artífices da separação do Estado da Igreja. Como adepto da
Religião da Humanidade, rompeu com Júlio de Castilhos em 1893,
por crer nos desvios desse com a doutrina de Comte. Com a eclosão
da Revolução Federalista, acabou apoiando os insurretos.

235
A República. Curitiba, 25.05.1893.
236
A República. Curitiba, 01.06.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 171

A primeira ação política efetiva, motivada pela Revolução


Federalista em solo paranaense, aconteceu em 26 de junho de 1893,
quando os antigos liberais tramaram (sem sucesso) a deposição de
Vicente Machado da presidência do Estado. Os líderes do conluio,
Menezes Dória, Emygdio Westphalen e Cunha Brito foram indicia-
dos em inquérito policial. Inexplicavelmente, a conspiração de 26
de junho não foi explorada por A República em seus editoriais.
Acreditamos que isso aconteceu como uma tentativa de não dar
repercussão aos feitos dos conspiradores, no intuito de enfraquecê-los.
Entrementes, o assunto da sedição federalista só retornaria às
suas páginas quase um mês mais tarde, em uma exaltação peculiar
da situação política do Paraná e São Paulo, em relação ao infortúnio
dos demais Estados, deixando transparecer a admiração que os go-
vernistas locais tinham pelo Estado vizinho e de seu “modelo de
desenvolvimento”.
A agitação em que sempre tem trazido o espírito público, a oposi-
ção formada em 23 de novembro de 1891 para cá, com os aderen-
tes do golpe de Estado, além do abalo considerável do nosso cré-
dito no exterior, tem influído desastrosamente na administração dos
Estados. (...) No Paraná, felizmente, e isto devido à penúria dos
elementos de oposição, tal fato tem tido influência mínima e po-
demos nos felicitar de vermos todos os dias prosperar o nosso Es-
tado, ao influxo de uma corretíssima administração. Além do Es-
tado de São Paulo, onde a exuberância de recurso e de vida,
zomba da política sediciosa da oposição, e cujo espantoso pro-
gresso todos os dias e a despeito de tudo se manifesta, observamos
o fato de levarem a vida regularíssima e próspera os Estados, em
que a oposição, ou vive dentro da lei, ou por sua insuficiência em
nada influi 237.
O final do mês de julho de 1893 ficou marcado por excitação
de ânimos, em termos de política paranaense, motivada por um
discurso difamatório contra o governador Vicente Machado, pro-
nunciado pelo deputado oposicionista Bellarmino de Mendonça, na
Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro.

Não nos propomos a rebater as ínfimas calúnias vomitadas na


tribuna da Câmara pelo parvenu (sic) que no meio das agitações
do Governo Provisório arrebatou o mandato de representante do
Paraná, porque julgamos o honrado e ilustre paranaense que ocu-

237
A República. Curitiba, 23.07.1893.
172 Rafael Augustus Sêga

pa o elevado cargo de governador do Estado, muito acima das inves-


tidas desse explorador político e das diatribes e injúrias que assa-
cou num dia esse deputado para o dia seguinte fugir corajosa-
mente a responsabilidade das mesmas. Mais uma vez temos dito
que por honra do Estado do Paraná, este há muito não considera
o sr. Bellarmino de Mendonça como seu representante, senão es-
taria a essas horas coberto de vergonha ao presenciar a esquisita
coragem de um deputado que só é acobertado pela imunidade e
que injuria e calunia seus adversários. Deixamos ao desprezível de
sua posição e à vergonha de retratação do que fez, o deputado ca-
luniador, e ao qual o Paraná há de em tempo fazer a devida justi-
ça238.

O tom exaltado e bairrista do texto acima deu-se em função da


origem de nascimento do deputado Bellarmino Augusto Mendonça
Lobo, carioca de Barra Mansa, mas que traçou sua trajetória no
Paraná como engenheiro militar.
A República publica, já no início do mês de agosto, o conteúdo
de um telegrama do deputado governista Marciano Augusto Botelho
de Magalhães ao vice-governador em exercício Vicente Machado
sobre a fundação do Partido Republicano Federal, com o intuito de
“desenvolver um programa francamente presidencialista e que se
ponha ao lado da Constituição”239. Isso nos demonstra o nível de
articulação política entre os governos estadual e federal em torno
de um pacto que atendesse ao interesse das frações autônomas de
classe frente à desestabilização provocada com a eclosão da Revo-
lução Federalista.
O Estado de Santa Catarina só veio a figurar em A República
nessa época, como que anunciando a amplitude que a Revolução
Federalista adquiriria com a eclosão da Revolta da Armada, um
mês mais tarde.

No Estado de Santa Catarina é que os acontecimentos políticos


tiveram, segundo consta, um desfecho bastante sério. Como é sabido,
o governador do vizinho Estado, depois de declarar-se formalmente
em oposição ao governo do marechal Floriano Peixoto, aderia à
causa dos revolucionários do Rio Grande do Sul, isto exaltou os
ânimos da oposição, que em luta armada acaba de depor o gover-

238
A República. Curitiba, 26.07.1893.
239
A República. Curitiba, 01.08.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 173

no. De que lado está a razão e o direito? De que lado está o erro?
Só poderão dizê-lo aqueles que de mais de perto conhecem a polí-
tica do vizinho Estado. O que eu entendo porém, é que, é preciso
depor a oposição. Deixem os governos de tomar posições falsas e de
ofender com atos levianos a integridade nacional que serão ga-
rantidos embora a contragosto dos adversários apaixonados 240.

Nesse período, enquanto o periódico governista paranaense


anunciava, com uma boa dose de indignação, que o líder federalista
Gumercindo Saraiva organizava mais uma ofensiva na campanha
rio-grandense próximo a Jaguarão e depois Dom Pedrito, Vicente
Machado dirigia mensagem no dia 15 de agosto ao Congresso
Legislativo do Estado como se nada de grave estivesse acontecendo,
essa mensagem foi, basicamente, uma fala burocrática em torno da
reforma constitucional do Estado241. Em verdade, nem passava por
sua cabeça que o referido líder gaúcho obrigaria Vicente Machado
a abandonar a capital do Estado do Paraná seis meses mais tarde em
desabalada carreira...
Nessa época, reparamos um distanciamento das relações
entre os órgãos da política institucional e o fluxo dos acontecimentos
relativos à Revolução Federalista. Em termos teóricos, para explicar
esse distanciamento entre os acontecimentos e os debates em nível
dos parlamentos, tanto estaduais como federais, seguimos a linha
de explicação do cientista político italiano Maurizio Cotta presente
no Dicionário de Política. Ele afirma que a natureza da ligação
entre a sociedade e o Parlamento é determinada pelo processo elei-
toral e que é dele que depende tanto o grau de autonomia das casas
parlamentares em relação às outras estruturas políticas, como em
relação ao restante da sociedade civil. Diante desse exposto, seria
ingênuo pensar que o Parlamento é uma mera extensão da base
eleitoral, uma vez que sua composição é condicionada por um
complexo jogo de forças políticas242, como é atestado a seguir:

O Congresso Legislativo do Paraná, considerando a gravida-


de dos acontecimentos que atualmente se desenvolvem na

240
A República. Curitiba, 03.08.1893.
241
Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Paraná pelo 1º vice-
governador Dr. Vicente Machado da Silva Lima, Curitiba, 15.08.1893.
242
COTTA, Maurizio. Parlamento. In: BOBBIO, Norberto et alii (Orgs.). Dicionário de
Política. Brasília: Editora da UnB, 1991. p. 880.
174 Rafael Augustus Sêga

Capital Federal e que constituem extraordinário atentado à


paz pública e à consolidação das leis vigentes, resolve conce-
der ao Governador do Estado ampla autorização para usar de
todos os meios que julgar necessários a fim de cooperar na
defesa dos poderes constituídos para a conservação da ordem
neste Estado243.

Vemos, a partir do trecho acima, que a eclosão da Revolta da


Armada a 06 de setembro viria a causar um estremecimento nas
certezas de vitória dos republicanos paranaenses, obrigando-os a se
“precaver”. Para tanto, o legislativo paranaense, que até então vinha
tendo uma atuação secundária na política do Estado, decide dar
plenos poderes ao governador, para que o mesmo possa agir em
prol da defesa do Paraná e da Pátria.
Em 25 de setembro de 1893, era decretado pelo Marechal
Floriano o estado de sítio em quatro Estados da Federação (Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo) e no Distrito
Federal. Os revoltosos da Armada não estavam mais tão distantes
do Paraná e a proximidade de Curitiba com o litoral fazia com que
novas conjecturas em relação a conspirações possíveis brotassem
da pena dos republicanos locais, com a ferocidade de sempre,
quando o assunto era a oposição liberal.

Causa verdadeiro nojo o comportamento de meia dúzia de deso-


cupados a serviço da nula e inepta oposição deste Estado, pondo
em circulação boatos em relação à força estacionária em Para-
naguá, com o evidente fim de alarmar o espírito das famílias que
ali têm pessoas caras, empenhadas na defesa da república. É uma
covardia digna dessa gente, incapaz do ato mais insignificante de
abnegação patriótica e cuja coragem só se revela nessas coisas.
Depois que chegou o chefe que há muito passou a ser apenas capi-
tão de bandeira da carcomida carcassa, o boato avolumou-se e
circula sob a égide protetora de sua incompatível coragem e nun-
ca desmentida capacidade! Era melhor que fornecesse sapatos
velhos para aumentar a esquadrilha do sr. Custódio!244

Observa-se nesse trecho o tom de desprezo, sempre constante,


tanto em relação aos liberais, chamados de “meia dúzia de desocu-
pados”, quanto a suas ações, “nula e inepta oposição”, “pondo em
243
A República. Curitiba, 16.09.1893.
244
A República. Curitiba, 24.09.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 175

circulação boatos”, “a fim de alarmar”, “covardia digna”, “inca-


paz de abnegação patriótica”.
O mês de outubro de 1893 foi marcado pela adesão dos oficiais
do forte Villegaignon à Revolta da Armada e também pelos primeiros
esboços da junção do movimento insurrecional federalista com a
mesma. Isso pode ser atestado quando o Primeiro Corpo do Exército
Libertador partiu da localidade de Cruz Alta para o norte do Estado
do Rio Grande do Sul no dia 09 desse mesmo mês para unir-se com
os marujos insurretos. No Paraná, essa movimentação dos maragatos
gerava preocupações, fazendo com que os republicanos locais con-
clamassem seus pares ao seu “dever cívico” em defesa da Pátria.
Os graves acontecimentos que se desdobram aos olhos atônitos da
nação, repelem a estagnação dos pântanos e a imobilidade das es-
finges. Antes reclamam de todo o cidadão brasileiro, que ame sua
Pátria, uma posição definida e clara. Em nosso Estado, onde a
oposição acompanha com ansiedade escandalosa a marcha sinuo-
sa e triste da grave empreitada pelo sr. Custódio, o dever cívico
aconselha os amigos da situação e todos aqueles que sentem a al-
ma confrangida de dor ante aos descalabros desses dias de luto na-
cional, a se colocar ao lado do governo constitucional, que repre-
senta a opinião pública, a serenidade da lei, os brios da Pátria e a
salvação da República245.
Pode-se, aqui, sentir um certo rumor de invasão ao Estado do
Paraná já nessa época. Na verdade, a pesquisa nos mostra que o mês
de outubro de 1893 foi, no Paraná, o momento da tomada de algumas
posições contra os revolucionários. Tal fato pode ser percebido em
um editorial do dia 14 do corrente denominado A Situação:

Diametralmente opostos ao procedimento do benemérito Governo


do Estado, na triste contingência a que nos arrastou a malsinada
ambição de um marinheiro perverso, tem sido o de oposição desta
terra. (...) O chefe da oposição era cúmplice de um crime de lesa
patriotismo; o dr. Vicente Machado é réu sublime que há de ser
coroado pela justiça e a história. Aquele se arrastou pela lama, este
se eleva a altura a qual só é dado atingir aos que se batem por uma
causa santa. O Governo do Estado não desconhece a melindrosa
gravidade da situação; dispõe, porém de elementos para manter a
ordem e garantir a liberdade individual. Disso dá seguro, penho-

245
A República. Curitiba, 08.10.1893.
176 Rafael Augustus Sêga

ra (sic) a calma com que tem agido neste período anormalíssimo


e angustioso. E, quando passado o formidável fracasso desta catás-
trofe inaudita, o povo paranaense sentir-se-á aliviado do medo-
nho pesadelo que o acabrunha, que volte as suas bênçãos para o
lutador valente, para o republicano leal, para o governador be-
nemérito que mede sua abnegação pela causa pública, o seu de-
votamento e amor a essa terra pela grandeza dos sacrifícios a que
se voltou voluntariamente, e que há de ser a sua coroa de glórias,
como podem ter tido a sua coroa de espinhos246.

Esse trecho não só relata a posição do governo para garantir a


paz e ordem pública, mas também enaltece as atitudes do governa-
dor Vicente Machado nessa luta.
A 17 de outubro de 1893 chegava a Curitiba o general de
brigada Francisco de Paula Argollo, incumbido pessoalmente por
Floriano para assumir o comando do Quinto Distrito Militar, sediado
em Curitiba, e a defesa do Estado do Paraná. O clima de guerra era
tão iminente que começaram, nessa época, a ser organizados no
Paraná os “batalhões patrióticos” legalistas (unidades militares
compostas por militares de carreira e voluntários), expediente usado
pelos dois lados da contenda.
Em um telegrama de Alberto Abreu (sem identificação de
cargo e/ou função), no último dia de outubro de 1893, dirigido ao
marechal Floriano no Rio de Janeiro, ele informava que “Argollo
partiu nesta data, às 10 horas para Lapa levando farda, munição e
cavalhada. Enaltece a República e o Governo” 247.
Duas semanas mais tarde Alberto Abreu passava um outro
telegrama, só que dessa vez para o coronel Jardim na cidade de
Santos (SP), ao qual ele informava (com dois meses de antecedência)
a expectativa da invasão federalista ao Estado do Paraná.

Gumercindo e Paulino estão preparados para invadir o Paraná


com 2 colunas e as estradas estão péssimas, abandonadas, mas
convém estarmos prevenidos. Solicito que o Ministro envie um
batalhão de infantaria, pois contamos com uma Guarda Nacional

246
A República. Curitiba, 14.10.1893.
247
Documentos do Arquivo Histórico do Exército (Casa da Memória de Curitiba), 31.10.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 177

mal organizada e pergunto quando chega o armamento e muni-


ção para metralhadora248.

A essa altura compreende-se que a condição do governo


“pronto para a defesa pública” (conforme editoriais de A República)
e sua real condição (conforme citação acima) não coincidiam. Essa
atitude discursiva tem como objetivo expor à população aquilo que
incentive, encoraje, fortaleça e por outro lado, desencorajar, intimidar
e atemorizar os grupos de oposição.
Na mesma época em que Antônio Conselheiro iniciava sua
saga milenarista, mandando queimar os editais do fisco em Bom
Conselho, Bahia, A República publicava um editorial com uma
chamada bem peculiar, “Não é só no velho mundo que pululam
boatos...”.

Correm boatos por toda a parte, dizíamos, e já agora, quando no


Paraná, nós julgávamos enveredar por um caminho tranqüilo,
embora ouvindo atentos o troar longínquo dos canhões de mar
no Rio de Janeiro e só vendo lá, para aquelas bandas, velhos, cri-
anças e mulheres fugindo, aos magotes, das balas mortíferas do
ex-contra-almirante Mello, sempre empenhado em mortes e
bombardeios. (...) O que nos é dado a saber (também) de Gu-
mercindo, este caudilho, embora esteja no Estado vizinho, fun-
dando ora em Lages, ora em Tubarão, algum governo provisório
dos beduínos que é feitor ainda não se comunica com o Governo
Provisório de Lorena, no Desterro249.

E nem o lendário Gumercindo Saraiva escapa da aspereza


dos republicanos paranaenses:

Não deixamos de notar que o nome de Gumercindo, não no Rio


Grande do Sul ou em outro qualquer Estado, mas no nosso ama-
do Paraná, produz um pânico inexplicável. Isso, confessamos, en-
tristece-nos de sobremodo. Será uma simples questão de fonética?
Ou porque no físico e no moral estejamos os paranaenses assim
inferiores e degenerados? Morra Gumercindo! Morra Custódio
de Mello! Viva a Pátria e a República!250

248
Documentos do Arquivo Histórico do Exército (Casa da Memória de Curitiba), 13.11.1893.
249
A República. Curitiba, 18.11.1893.
250
A República. Curitiba, 21.11.1893.
178 Rafael Augustus Sêga

No trecho acima, podemos verificar o mesmo tratamento de-


dicado a outros líderes federalistas, visto em citações anteriores,
como, por exemplo, “velho cacique do sul” ou “capitão de bandeira”;
mas nesse trecho a citação explícita assume o sentimento verdadeiro
dos republicanos paranaenses, conclamando suas mortes.
O final do mês de novembro de 1893 foi um período decisivo
para os revoltosos, cuja marca registrada foi o início do cerco de
Bagé (que duraria até 8 de janeiro de 1894). Gumercindo, por sua
vez, chegou a Blumenau e rumou para Itajaí. No Rio de Janeiro,
Custódio de Melo venceu a resistência das fortalezas legalistas e
ultrapassou a barra da baía da Guanabara com o encouraçado
“Aquidabã” rumo ao Desterro, na companhia do cruzador “Esperan-
ça”. Em 09 de dezembro, o almirante Saldanha da Gama bandearia
para o lado dos revoltosos da Armada.
Paralelo a isso, no Paraná, o general Argollo entrava em cho-
que com as forças do chefe federalista Piragibe nas proximidades
de União da Vitória, divisa com Santa Catarina. O coronel Gomes
Carneiro era nomeado para o comando da guarnição da Lapa, e o
general de brigada José Maria Pego Jr., para o do Quinto Distrito
Militar, em Curitiba.
Bastou cessar anteontem o estado de sítio que o benemérito pre-
sidente da República colocou o Paraná, como os demais Estados
do sul, usando assim uma atribuição que lhe confere a Constitui-
ção em momentos de perigo, em que a ordem pública esteja ame-
açada, para surgirem das furnas em que se ocultavam, as cabeças
dos inimigos da República. (...) O caudilho Gumercindo está em
Santa Catarina se havendo com as forças legais, comandadas por
Oscar e Lima, que para ali foram com direção ao Desterro. Houve
notícias de que ele se achava em Curitibanos, naquele Estado,
mas que dali já foi obrigado a sair, e anda então para o outro la-
do, perseguido, levando aqui o terror, além da pilhagem e morte.
Como, pois, anunciam os inimigos da República sua estada no
Paraná? É preciso estar alerta com essa turma de espalhadores
de mentiras, que se divertem a soprar como bolhas douradas de
sabão toda a sorte de boatos e alarmas251.
Essas movimentações e um tanto de boatos não passaram
desapercebidas aos republicanos paranaenses, os quais tentavam
tornar público e esclarecer a real situação dos episódios acima de

251
A República. Curitiba, 02.12.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 179

modo a elevar a República, rebaixar os revoltosos e tranqüilizar a


população civil.
Entretanto, nem só de boatos vivia a guerra civil; em carta do
simpatizante federalista Sebastião Bandeira para o comandante
Piragibe, em Joinville, e interceptada pelo Exército, ele relata não
só a situação dos revoltosos no interior de Santa Catarina, mas tam-
bém, as manobras a que estão prestes a realizar.

Informo a chegada de Gumercindo e da força, já remeti o gado pa-


ra os mesmos e os cavalos para Jucá Tigre. Recebi 24 mulas do A-
lípio e espero cento e tantos cavalos (sic) de uma tropa vinda de
Rio Negro, mando uma escolta de 10 rio-grandenses para juntar-
se a Jucá Tigre. Felício acha-se em São Lourenço com 300 ho-
mens, 30 armados. Abílio partiu com 100 homens, sendo 50 lan-
ceiros e 50 clarineiros (sic) para a retaguarda da Lapa para “es-
cangalhar” (sic) a estrada de ferro e o telégrafo, deitando os
dormentes no rio. Não darei armamento à gente do Felício por ser
preferível reservá-lo para a gauchada do Rio Grande. Não esque-
ça as bandeirolas ao Jacques (Ouriques) e metralhadoras pelo dr.
Macedo. Estou arrecadando gêneros alimentícios para o aumento
das forças. A força de Argollo está em Tijucas com 150 homens e
2 bocas de fogo (canhões) para impedir a passagem de nossa for-
ça. Gumercindo chegou com 500 homens e não realizará ataque
por Paranaguá, pois lá chegaram forças de São Paulo em auxílio
de Argollo252.

Em 11 de dezembro, a Divisão do Norte forçava as tropas


federalistas a deixar Itajaí que, a bordo dos navios “Urano” e
“Meteoro”, rumaram ao Desterro. Entretanto, após essa ofensiva a
Divisão do Norte teria um retorno difícil para o Rio Grande do
Sul, com muitas baixas. No jornal A República o último editorial
sobre a Revolução Federalista em 1893 tinha o singular título de
“Agora é tarde”.

Os que aderiram à República por medo, utilitariamente, ou, por


especulação, mas, que são espíritos reacionários e monarquistas
por educação, não conseguem acertar suas posições na República
e atiram para todos os lados. Acreditam que a República foi um
cogumelo brotado de um momento para o outro nas portas dos
quartéis. Esquecem os fatos históricos que antecederam e que fo-

252
Documentos do Arquivo Histórico do Exército (Casa da Memória de Curitiba), 03.12.1893.
180 Rafael Augustus Sêga

ram os desdobramentos naturais e com sangue de heróis que se es-


creveu esta página da história da Pátria. (...) E em nome desse
reacionarismo pulha levanta a bandeira da restauração o traidor
da ilha das Cobras (Saldanha da Gama), que no acontecimento
de 15 de novembro, não vê a continuação, o elo de um passado de
sacrifícios sangrentos pela República, mas unicamente uma sedi-
ção militar triunfante num momento de surpresa e estupefação
nacional!253

Percebe-se nesse texto, novamente, a exaltação da República e


a dificuldade que é e foi manter sua integridade. Também percebe-se
a reprovação por aqueles que reconhecem a República como uma
conquista árdua, gloriosa e benéfica para todo o país.
Esse foi o último editorial sobre a Revolução Federalista e a
Revolta da Armada em A República antes da invasão do Paraná
pelas tropas federalistas em 11 de janeiro de 1894. Só voltaremos a
encontrar material atinente ao tema nesse periódico na primeira
metade do mês de maio posterior.
A lacuna de fontes primárias a respeito desse período em
A República será preenchida doravante por documentos do arquivo
histórico do Exército e por outras fontes primárias publicadas,
principalmente pela seção “Crônica” do Almanaque (Almanach)
Paranaense.
No último dia do ano de 1893, um telegrama de Gomes
Carneiro, na Lapa, para Pego Jr., em Curitiba, relatava e pedia me-
didas contra a adesão de imigrantes à Revolução Federalista: “No
Portão, Colônia Santa Bárbara, margem do rio Iguaçu, município
de Palmeira, existem polacos (poloneses) nossos inimigos, armados
e com bombas de dinamite; peço-vos providências para que a
Guarda Nacional de Palmeira os mande atacar” 254.
Diante disso, podemos atestar que, no Paraná, nem só membros
da sociedade camponesa do “Paraná Tradicional” aderiram aos
revoltosos gaúchos, mas também os imigrantes polacos (nessa épo-
ca ainda não tinha sido inventado o galicismo eufêmico “polonês”).
Tal adesão à insurreição serve para mostrar a insatisfação desses
com as políticas de assentamento iniciadas pelos governos republi-

253
A República. Curitiba, 22.12.1893.
254
Documentos do Arquivo Histórico do Exército (Casa da Memória de Curitiba), 31.12.1893.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 181

canos federal e estadual e com os maus-tratos perpetrados pelas


autoridades na nova terra.
Durante a invasão ao Paraná pelos maragatos, a colônia de
polacos de São Mateus, sob a chefia Antônio Bodziack, chegou a
atacar a localidade paranaense de São João do Triunfo e a organizar
três batalhões patrióticos federalistas. Atestamos também participa-
ções de imigrantes italianos (alguns ativistas anarquistas) e alemães
ao lado dos insurretos federalistas no Paraná, porém elas se deram
de forma muito mais acanhada do que a dos polacos255.
Segundo Sérgio da Costa Franco256, em 04 de janeiro de
1894, “em São Francisco do Sul, Santa Catarina, os chefes rebeldes
Gumercindo Saraiva, Piragibe e Jacques Ouriques combinam o
plano de invasão do Paraná”. Provavelmente, foi nessa ocasião
que esses líderes federalistas decidiram encetar a conquista do terri-
tório paranaense nas frentes de Tijucas, Paranaguá e Lapa, e talvez
essas localidades tenham sido escolhidas por abrigarem guarnições
militares, nas quais eles pudessem se apoderar dos armamentos lá
existentes.
Nos primeiros dias do mês janeiro de 1894, deu-se o final do
cerco de Bagé, quando o Exército Federalista de Joca Tavares se
retirou sem êxito dos arredores da cidade e rumou para Livramento.
No dia 11, os insurretos federalistas, chefiados por Gumercindo
Saraiva, assediavam a praça de Tijucas, defendida por tropas lega-
listas, que, após um sítio de oito dias de resistência, capitularam.
Entretanto, Gumercindo sofreu perdas consideráveis de homens.
Em Paranaguá, o almirante insurreto Custódio de Melo ini-
ciou sua ofensiva da Armada na manhã do dia 15 de janeiro abrindo
fogo contra as fortificações em terra com os navios “República”,
“Urano” e “Esperança”. Após alguns bombardeios, o almirante
narrava um fato vergonhoso por parte de um general do Exército
Brasileiro.

Em meio do combate o General de divisão Antônio José Maria Pê-


go Júnior, que se achava ocasional ou propositalmente em Para-
naguá, esquecido dos deveres inerentes ao alto cargo de coman-

255
VERNALHA, Milton M. Maragatos X Pica-Paus. Curitiba: Lítero-Técnica, 1984.
p. 199-201.
256
FRANCO, Sérgio C. A guerra civil de 1893. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993.
p. 74.
182 Rafael Augustus Sêga

dante em chefe do distrito militar, desapareceu inesperadamente,


seguindo caminho de Curitiba em um trem expresso, com todo o
seu estado maior e quase totalidade dos oficiais da guarnição da-
quela cidade257.

Com a fuga dos oficiais, a praça de Paranaguá caiu nas mãos


de Custódio logo a seguir, e dois dias mais tarde chegava a coluna
federalista do coronel federalista Timóteo Pahim em apoio ao
almirante rebelde.
Sem sombra de dúvida, a campanha mais polêmica dos
federalistas em terras paranaenses foi a tomada da cidade da Lapa,
nos Campos Gerais, a qual, no dia 17 de janeiro, foi assediada pelas
forças federalistas de Piragibe, divididas em três colunas. Essa
cidade só cairia dia 11 de fevereiro, após a morte do chefe militar
republicano Gomes Carneiro.
Em Curitiba, Pêgo Jr. completaria sua fanfarronada fugindo
para São Paulo, o que fez com que o vice-governador em exercício,
Vicente Machado, abandonasse a capital e transferisse a adminis-
tração para Castro, cidade próxima à divisa de São Paulo. Segundo
o historiador David Carneiro, “Pêgo, que poderia ter cooperado
com a resistência de Tijucas e Lapa, desgastando as forças federa-
listas de invasão, traz consigo a cauda de pânico indizível e deixa
atrás de si a porta aberta aos invasores” 258.
A fuga de Vicente Machado de Curitiba para Castro deixou a
capital à mercê da sanha dos revolucionários e, no dia 20, Curitiba
era ocupada militarmente por uma força de 450 homens, sob o coman-
do do chefe federalista Menezes Dória, aclamado governador provisó-
rio do Estado do Paraná para suceder Teófilo Soares Gomes (que
havia sido empossado provisoriamente em Paranaguá dias antes).
Logo em seguida à ocupação de Curitiba, foram criados os
batalhões patrióticos federalistas “Menezes Dória”, “Voluntários de
São Mateus”, “Teuto-Brasileiro” e “Ítalo-Brasileiro”. A tipografia
de A República foi empastelada, e os novos donos do poder volta-
ram a publicar o jornal Federação, que havia sido fechado em 26

257
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 52.
258
CARNEIRO, David A. S. O Paraná e a revolução federalista. São Paulo: Atena,
1944. p. 146.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 183

de junho de 1893, quando do conluio de Emygdio Westphalen e


Cunha Brito.
Com a conquista de boa parte do território do Estado do
Paraná, Custódio de Melo, Gumercindo Saraiva e João José César,
chefe dos telégrafos, passaram um telegrama ao marechal Floriano,
concitando-o a abandonar a presidência da República 259 e passar o
cargo ao seu substituto legal. Floriano deve ter dado boas risadas
com a audácia dos revolucionários.
Dias depois, o Marechal de Ferro recebia uma carta de
Vicente Machado, que estava na condição de vice-governador em
exercício de um governo de resistência, com explicações dos motivos
que levaram o Paraná a cair em poder dos revoltosos.

Todos os movimentos dos inimigos faziam crer e geralmente se


anunciava um ataque geral por mar e por terra, às forças legais
do Paraná, no dia 15 de janeiro, o que de fato realizou-se. (...)
Posso garantir a V. Ex.ª que esgotei todos os meios para conse-
guir a resistência. Propus ao general Pêgo Jr. concentrar todas
as forças da guarnição de Curitiba em um ponto da cidade, no
Portão, para levantar o espírito da tropa e evitar deserções. Entre-
tanto, esta idéia não foi posta em execução, pois tínhamos 700 e
poucos homens, fora a guarda cívica urbana dos Caçadores Curi-
tibanos, além, do que, as munições ficaram nos vagões da estrada
de ferro. Quando desaparecerem os inconvenientes criados pela
ação revolucionária, e em ocasião oportuna, hei de discutir e ex-
por ao país, os fatos do Paraná para que os mesmos não sejam
comentados, com desabono para minha autoridade 260.

Tal carta reflete a real situação do governo paranaense legalista


frente aos revoltosos, ou seja: o mesmo não se encontrava preparado
mesmo sabendo de antemão dos movimentos dos inimigos. Aqui,
Vicente Machado tenta se proteger atribuindo a responsabilidade do
infortúnio ao general Pêgo Jr. e à falta de munição. Esse tipo de
atitude, a esquiva, marcará a postura de Vicente Machado frente a
suas desventuras administrativas, como veremos mais tarde.
O início do mês de fevereiro de 1894 ficaria marcado por
uma prática dos federalistas no Paraná que ficou famosa e que, para

259
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 56.
260
Documentos do Arquivo Histórico do Exército (Casa da Memória de Curitiba), 25.02.1894.
184 Rafael Augustus Sêga

muitos, denegriu a imagem dos revolucionários: a cobrança dos


célebres “empréstimos de guerra”, cabendo ao Barão de Serro
Azul a missão de amealhar o dinheiro. No dia 02, a Federação
publicava o Decreto 17, do chefe do governo provisório da Repú-
blica, em Santa Catarina, autorizando o governo provisório do
Estado do Paraná a fazer operações de crédito de até 300 contos 261.
Entrementes, concomitantemente ao frisson causado pela Re-
volução Federalista no Estado, o Paraná passava ao final do século
XIX por uma agitação cultural sem precedentes. O comércio da
erva-mate possibilitou o surgimento de uma burguesia que buscava
ilustração para o espírito e incentivava manifestações culturais.
Na Curitiba fin-de-siècle formou-se uma geração local de
artistas pioneiros, com destaque para o grupo literário simbolista
“Cenáculo”, que se envolveu entusiasticamente com a Revolução
Federalista no Paraná.

Para Silveira Neto, assim como o simbolismo francês teve como


pano de fundo a revolta de 1870, a corrente simbolista no Paraná
teve suas origens no clima gerado pela invasão federalista, na
qual estiveram diretamente envolvidos como combatentes vários
poetas, como Luís Murat, preso no Teatro São Pedro, como re-
belde partidário de Gumercindo Saraiva262.

A capital do Estado do Paraná foi um dos principais pólos do


movimento simbolista no Brasil, com destaque para o poeta curiti-
bano Emiliano David Perneta (1866–1921).
No dia 09 de fevereiro, o coronel Antônio Gomes Carneiro
morria na Lapa rogando a seus homens para que não capitulassem,
mas, seus apelos foram em vão; dois dias depois a cidade caía em
mãos federalistas, após 26 dias de um persistente sítio.
Depois do intenso cerco da Lapa, Gumercindo Saraiva e
Ângelo Dourado rumaram para Curitiba em um trem carregado de
homens feridos, onde foram recebidos por um trombeteiro animado,
quando “um orador de improviso galgou uma mesa e teceu líricas

261
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 57.
262
CAROLLO, Cassiana L. Simbolismo: características, grupos, evolução. In: SOARES,
Luis R. N. (Org.). Dicionário histórico-biográfico do Estado do Paraná. Curitiba:
Chain – Banestado, 1991. p. 456.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 185

sobre o tema da coragem e heroísmo até Gumercindo interrompê-


lo de modo que os feridos pudessem ser levados ao hospital” 263.
De volta a Paranaguá, Gumercindo foi recebido com festas, e
o batalhão com seu nome era convertido em regimento, com oito
esquadrões. Era o auge da Revolução Federalista em terras paranaen-
ses, tanto que Emygdio Westphalen foi nomeado para o cargo de
ministro do governo provisório da República no Desterro como
representante do Paraná e chegava, a Curitiba, Henrique Hasslocher,
repórter do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, a fim de recolher
notícias sobre a invasão264.
No dia 22 de fevereiro, era publicando no jornal Federação,
o Decreto 4 chamando ao serviço militar os oficiais e praças do
“governo decaído” (sic), sob pena de serem considerados desertores
e, diante dessa pressão, alguns oficiais do batalhão “Franco-
Atiradores” enviaram à Federação uma declaração de adesão à
revolta 265.
Na frente gaúcha, no último dia de fevereiro de 1894, as forças
do general legalista Hipólito Ribeiro, da Divisão do Norte, perse-
guiam a coluna federalista de David Martins e Rafael Cabeda em
Sarandi, município de Livramento; já no Paraná, concomitantemente,
a luta dos federalistas era outra, no campo das finanças; a Federação
publicava mais um decreto que estabelecia o pagamento da quantia
de duzentos contos de reis, a título de “empréstimo de guerra”266.
O início de março foi marcado por uma relativa calma para
os revolucionários no Paraná, mas o mesmo não aconteceu com
seus correligionários no Rio Grande do Sul que ocuparam militar-
mente Santa Maria, Santo Ângelo e São Gabriel. No Rio de Janeiro,
a esquadra insurreta de Saldanha da Gama rendia-se no dia 13, re-
fugiando-se em navios portugueses, o que ocasionou o rompimento
das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal naquele período267.

263
“(...) an impromptu orator climbed onto a table and waxed lyrical on the subject of
courage and heroism until Gumercindo had him interrupted so that the wounded could
be taken to the hospital.” CHASTEEN, John C. Heroes on horseback; a life and times
of the last gaucho caudillos. Albuquerque: University of New México Press, 1995. p.
106. Tradução de Thelma Belmonte.
264
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 59.
265
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 59.
266
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 60.
267
FRANCO, Sérgio C. Op. cit., p. 78.
186 Rafael Augustus Sêga

A rendição dos revoltosos da Armada no Rio de Janeiro arre-


feceu em muito os ânimos dos revolucionários em terra. No Paraná,
ocorreu uma “agitação surda” (sic), na qual vários boatos falavam
de derrocada do governo revolucionário268. Coincidência ou não, o
governador provisório, Menezes Dória, passou o cargo ao general
Francisco José Cardoso Júnior ao final de março de 1894 (ironica-
mente, Cardoso Júnior tinha sido o primeiro governador do Estado
do Paraná, nomeado quando do movimento de 15 de novembro de
1889) com a alegação de seguir para o Prata em missão oficial. Tal
versão é desmentida por muito autores, que falam em fuga do mesmo
para Buenos Aires.
E, para piorar a situação militar do Estado, Custódio de Melo
abandonava o porto de Paranaguá logo em seguida à saída de Menezes
Dória, com destino ao Desterro. Custódio intentava seguir para o
litoral gaúcho em detrimento da proteção do litoral paranaense269.
O governo provisório do Estado do Paraná começava a conhe-
cer seus primeiros revezes sérios, com indícios para sua derrocada
algumas semanas mais tarde. Os governadores se alteravam de uma
maneira exagerada. No dia 03 de abril, o general Cardoso Júnior
passava o governo para o chefe de polícia, Tertuliano Teixeira de
Freitas, que ficou só dois dias no cargo, passando a incumbência
para Antônio José Ferreira Braga, último governador do período
revolucionário.
No dia 07 de abril de 1894, a Federação publicava uma extensa
ordem do dia de Gumercindo Saraiva, na qual ele dizia concentrar o
Exército Libertador, que se achava espalhado nas fronteiras do
Estado do Paraná e em outros pontos, e iria dirigir-se sobre a grossa
coluna das forças legalistas em São Paulo, expulsando-as deste
Estado. Dizia ainda, o intrépido gaúcho, que ao chegar nesta fron-
teira, não daria um passo além se levantasse contra Floriano e se
isso não acontecesse ele proclamaria a independência dos três Esta-
dos do Sul do Brasil270.
No dia seguinte, o general Salgado e Custódio de Melo inicia-
vam suas ofensivas por mar e terra contra a cidade portuária de Rio
Grande, sem sucesso e, logo depois, acontecia o funesto “Massacre

268
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 62.
269
FRANCO, Sérgio C. Op. cit., p. 78.
270
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 64.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 187

do Boi Preto”, no qual mais de trezentos federalistas foram chaci-


nados no município de Palmeira das Missões 271.
No Paraná, Gumercindo, com o intuito de concentrar a ope-
ração pública ao lado das operações bélicas, transferia a capital do
governo provisório para Ponta Grossa no início de abril de 1894 272.
A segunda metade do mês de abril de 1894 foi marcada pela
contra-ofensiva governista, com a retomada do Desterro (que pas-
saria a se chamar Florianópolis), na qual foi instalado um regime de
vinganças cruéis, sob a batuta do descomedido coronel Antônio
Moreira César. Custódio de Melo e Saldanha da Gama acabaram
fugindo para o Uruguai; aquele se dirigiu mais tarde para a Argentina,
onde entregou seus vasos de guerra ao governo portenho 273.
Diante do completo ocaso do ímpeto revolucionário, só res-
tava a Gumercindo deixar o Paraná e, no dia 25 de abril, dividido
em três colunas, ele operava a retirada do Exército Libertador dos
Campos Gerais em direção sul. Findava assim a aventura revolu-
cionária no Paraná. Com a debandada das tropas federalistas, o
general Ewerton de Quadros assumiu o comando Exército Brasileiro
nos Estados do Paraná e Santa Catarina e do Quinto Distrito Militar.
Para completar, o almirante Jerônimo Gonçalves e sua “esquadra
de papelão” desembarcavam em Paranaguá 274.
No dia 05 de maio, chegavam a Curitiba, proveniente de Castro,
o vice-governador deposto Vicente Machado, junto ao general
Ewerton de Quadros e, quatro dias depois, era reativado o jornal
governista A República, que retomava suas diatribes em bom estilo.

Já prevíamos: quando do sul do país a revolta armada foi repeli-


da com tenacidade pelo vulto heróico de Júlio de Castilhos, julga-
mo-la desde logo essa causa perdida. Daí o banditismo federalis-
ta, já operando-se de uma forma medonha; as tristes correrias
selvagens desses demolidores que levaram a descrença a todos os
espíritos; o luto, o saque, o incêndio, o sangue; as depredações
maiores por toda a parte. Nem se pode medir a crueldade que os
simbolizava. O mundo não os presenciará maior. Jamais conside-
ramos que seria essa chamada revolução, desde que não a vimos

271
FRANCO, Sérgio C. Op. cit., p. 79.
272
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 65.
273
FRANCO, Sérgio C. Op. cit., p. 81.
274
Almanaque Paranaense. Curitiba, janeiro de 1896. p. 66.
188 Rafael Augustus Sêga

como a parte sã da sociedade brasileira, a moral a seu lado. Fe-


lizmente, o ínclito marechal Floriano Peixoto, glória imorredoura
da grande república brasileira – os patriotas – os dedicados repu-
blicanos fizeram cair por terra essa degradante força que de lon-
ge estendeu o seu cenário de crimes, até o nosso amado Estado,
hoje felizmente todo livre. (Manoel Negrão)275.

O texto acima apresenta, de certa forma, um ácido resumo


das barbaridades (pelo ponto de vista dos republicanos) perpetradas
pelos federalistas, tal característica foi sempre bem marcada em
edições anteriores e que agora vem para confirmar tudo o que tinha
sido dito anteriormente. Também serve para enaltecer aqueles que
resgataram ao País a sua integridade política e moral.
Face a todos os acontecimentos no Paraná que envolvem,
desde o apoio aos revolucionários, a tomada do governo do Estado,
até o restabelecimento da ordem, o marechal Floriano dirigiu uma
mensagem áspera ao Congresso Nacional:

Vários são os elementos que entram nesse plano de ruína: aos fal-
sos republicanos e conspiradores de 1892 reuniram-se os outros
contingentes de despeito e de indisciplina: os especuladores da
bolsa, que procuravam a reabilitação necessária dos desastres eco-
nômicos à custa do desastre, para eles indiferente, da Pátria, al-
guns oficiais da marinha aliciados por um chefe saído há pouco
do governo que tinha reprimido os primeiros atos de conspiração;
outro alto representante da classe, até então inimigo pessoal e polí-
tico do primeiro, e propugnador da idéia restauradora, e todos es-
ses elementos, de natureza heterogêneas, fundiram-se na mesma
ação e pensamento dos chamados “federalistas” do Rio Grande
do Sul, mensageiros da depredação e do morticínio, ao mando de
um antigo ambicioso político que, com o advento da República,
ficou privado dos privilégios de que astutamente gozava no regi-
me decaído276.

275
A República. Curitiba, 05.05.1894.
276
Mensagem dirigida ao Congresso Nacional pelo Marechal Floriano Peixoto, vice-
presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, por ocasião da abertura da pri-
meira sessão ordinária da segunda legislatura, sessão de 07.05.1894. In: Anais do Se-
nado Federal e da Câmara dos Deputados (Assembléia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul, Serviço de Pesquisa, Documentação Histórica e Museu do “Solar dos
Câmara”, Porto Alegre).
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 189

No texto acima identificam-se os “elementos” referidos: o


“chefe saído há pouco do governo” é Custódio de Melo, o “outro
alto representante da classe” é Saldanha da Gama, e o “antigo
ambicioso político” é Gaspar Silveira Martins. Repara-se, com
essas referências, a intenção, por parte do autor de demonstrar
tamanho desprezo por esses líderes que eles não são nem dignos de
serem chamados pelo nome.
Não imaginaste o forte prazer e entusiasmo sufocante que senti
na memorável data de 05 do corrente, dia em que vós em número
incalculável fostes recebido debaixo de vivas e de flores e conduzi-
do em andor braçal até o palácio, o vulto resplandecente do dr.
Vicente Machado. Devemos caros patrícios, orgulharmo-nos pelo
regresso à nossa pátria estremecida de seu digníssimo e serviçal
representante, o qual acompanhado de outros nossos conterrâ-
neos, bem como de muitos destemidos brasileiros militares, viera
de alto salvar-nos de tantos e inconscientes atrocidades como sois
testemunhas, e das quais por cinco minutos deixei de ser vítima
protegida pela justiça de Deus, notado, ser chamado pela impren-
sa e procurado por libertadores! (Joaquim Turíbio da Costa)277.
A acolhida de Vicente Machado pelos bajuladores de plantão
como herói da resistência legalista é bastante evidente no texto
acima. O autor não poupa adjetivos para qualificar e vangloriar
ações que, pelo que já apresentamos até aqui, não são merecedoras
de tantos elogios. Essa questão sempre foi polêmica na historiografia
paranaense.
Entrementes, o próprio Vicente Machado sempre lutou contra
o episódio do abandono de Curitiba, reiterando seguidas vezes sua
versão do ocorrido:

Depois dos gravíssimos sucessos que tiveram por cenário o nosso


querido Estado, com a invasão revolucionária, que batida das
campanhas do sul veio fazer a sua carreira de luto, de pranto e de
desolação no seio da família paranaense, é me profundamente gra-
to, restabelecido o regime da lei, encontrar-me com os beneméri-
tos representantes do povo. (...) Ao julgamento dos meus patrí-
cios, e quase que esse julgamento já está feito, eu deixei os prota-
gonistas dessa encenação com que se preparava a entrada da re-
volta cuja lembrança aí está quente na nossa memória e na de todos

277
A República. Curitiba, 12.05.1894.
190 Rafael Augustus Sêga

que assistiram esses quatro meses de aviltamento para o Estado do


Paraná278.

Percebe-se, no discurso acima, uma tentativa de Vicente


Machado de se esquivar do assunto em tela por meio de uma retórica
empolada que acaba deixando sua real participação no ocorrido sem
comentários.
A contra-ofensiva legalista no Paraná foi tão eivada de rancores
como em Santa Catarina. Com os legalistas de volta ao poder, foi
instituído o “Conselho Marcial” para julgar os crimes políticos, que
investigou quase duas mil pessoas sob acusações de colaboração
com os invasores federalistas ou traição. Existem muitas contesta-
ções sobre as execuções dos réus; alguns historiadores falam em
duas dezenas de pessoas; outros, em duas centenas, infelizmente
essas informações, pela sua delicadeza, não apareceram nas fontes
primárias por nós consultadas. Todavia, a execução mais controversa
foi a do Barão de Serro Azul, no quilômetro sessenta e cinco da
estrada de ferro Curitiba – Paranaguá.
A morte do barão foi um ato de barbárie contra uma das maio-
res lideranças do Paraná e que ajudou em muito a desestabilizar as
vidas econômica e política do Estado após a Revolução Federalista279.
A palavra de ordem passou a ser atacar os federalistas de
qualquer forma e não importava com qual tipo de ofensa.

278
Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Paraná pelo 1º vice-
governador Dr. Vicente Machado da Silva Lima, Curitiba, 18.05.1894.
279
Resumidamente, Odah Regina Guimarães Costa relata a obra empresarial do Barão de
Serro Azul da seguinte forma: “Ildefonso Pereira Correia, por tradição de família, que
exercia papel destacado na comunidade paranaense e nas esferas político-
administrativas do Império e do partido conservador, ele próprio eleito deputado pro-
vincial, em 1877, e camarista da cidade de Curitiba, ocupando a presidência da Câma-
ra Municipal, sendo agraciado pelo governo imperial com a comenda da Ordem Rosa
e, em 1888, com o título de Barão de Serro Azul, exercendo a Presidência da Província
do Paraná, além da projeção no cenário industrial da erva-mate e da madeira e em to-
das as iniciativas de progresso da época e nos acontecimentos políticos que envolveram
a Revolução Federalista e que culminaram no seu brutal desaparecimento, teve sempre
projeção e ascendência social, tendo oportunidade de aumentar sua fortuna particular,
gerindo seus negócios, ampliando-os e aplicando os lucros na dinamização de suas
empresas e na sua renovação e constante aperfeiçoamento, além da sua diversificação,
aluando nos setores mais rendosos da economia paranaense, o ervateiro e o madeirei-
ro.” COSTA, Odah R. G. Ação empresarial do Barão de Serro Azul. Curitiba: Secre-
taria do Estado da Cultura e do Esporte, 1981. p. 23-24.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 191

A matilha de lobos sanguinários, o bando de ursos destruidores,


emigrados das campinas vizinhas dos pampas e fugidos das mar-
gens do Prata, fartaram-se finalmente, destruíram, devastaram,
estragaram o próspero Estado do Paraná, deixando após a sua
passagem a morte, seguida de roubo, o roubo acompanhado de
degolamento e o degolamento precedido do insulto, feito frio e
calculadamente com intenção de intimidar os fortes e apavorar os
fracos. Vinham sequiosos de sangue, açulados por desejos per-
versos, espicaçados por instintos depravados, na sanha animales-
camente egoísta das feras que se aproximam das presas! (Alberto
Sarmento)280

É bom lembrarmos agora um dos intuitos de nossa análise


discursiva. Todo indivíduo é um agente social com determinada
função, e o discurso serve de interlocutor entre um agente social e
outro com a finalidade de transmitir um discurso. Então, é óbvio no
trecho acima assim como em outros trechos anteriores, que o agente
pronunciador desse discurso tem como objetivo rechaçar os federa-
listas demonstrando suas pérfidas ações e colocar o Estado do Paraná
como vítima com o intuito de conquistar a solidariedade dos para-
naenses, que se inteiravam dos acontecimentos em tela, muito em
parte, por meio do jornal A República.
Metodologicamente, o registro das falas publicadas, tais co-
mo são apresentadas por A República, representam bem a forma
pela qual os combates aconteciam em termos simbólicos,
Porque os jornais definem papéis sociais, entendemos que o des-
tinatário está presente o tempo todo, ora fornecendo os parâme-
tros do discurso através da idealização que o emissor faz dele, ora
como tipo padrão de leitor que o emissor quer formar. A partir
desses pressupostos tentamos perceber a representação do real que
faziam e, em conseqüência, os projetos que estavam em jogo281.
No Rio Grande do Sul, as lutas ainda estavam acontecendo.
No último dia de maio, a Divisão do Norte, chefiada por Manoel do
Nascimento Vargas, derrotava a retaguarda das forças de Gumercindo
Saraiva, na passagem do rio Pelotas 282.

280
A República. Curitiba, 15.05.1894.
281
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et alii. A pesquisa em história. São Paulo: Ática,
1989. p. 54.
282
FRANCO, Sérgio C. Op.cit., p. 82.
192 Rafael Augustus Sêga

Os federalistas não eram somente atacados com a força das


armas, mas também, com as injúrias, cada vez mais acerbas, princi-
palmente após uma derrota.
A princípio os brasileiros punham em dúvida a série imensa dos
crimes hediondos que a imprensa republicana ia narrando, tocan-
do-as (sic) de apaixonado, ou de pouco escrúpulo. (...) Os rebel-
des tinham por chefes homens de nacionalidades duvidosas, ti-
nham por armas os punhais dos bandidos, tinham por pessoal a
castelhanada (sic) vagabunda e de salário fácil e por fim não ti-
nham, entre si, dois representantes de uma mesma idéia social ou
política...283
Nota-se, nesse trecho, um ataque aos federalistas quanto à
sua formação, falta de organização e barbárie. Não se esquivaram
também, de atacar aqueles que não davam crédito à imprensa
republicana.
Apesar de estarem em desvantagem, alguns maragatos ainda
permaneciam, no Estado do Paraná, renitentes. Em meados de junho
de 1894, a retaguarda da coluna de Jucá Tigre entrava em combate
às margens do rio Paraná com as forças legalistas do coronel Braz
Abrantes, os federalistas sofreram uma fragorosa derrota, sendo
obrigados a se refugiar no Paraguai284.
A represália aos imigrantes aderentes à Revolução Federalista
também foi severa. Conseguimos achar, em nosso levantamento de
fontes, algumas correspondências do Ministério das Relações Exte-
riores do Brasil para o Governo do Estado do Paraná, que servem
para demonstrar tal constatação. Aqui segue como exemplo, um
trecho que ilustra essa represália:
Diz a legação da Itália que o súdito do seu país Dr. Giuseppe
Franco Grillo, residente na vila de Palmeira, nesse Estado, queixa-
se de que um grupo de 17 soldados às ordens de um alferes apre-
sentou-se a 15 de junho último em sua casa para prendê-lo por
determinação do general Ewerton de Quadros. Avisado a tempo,
conseguiu ocultar-se sabendo depois que o procuravam por ser
acusado de ter favorecido as tropas revolucionárias e com elas
cooperado em algumas execuções praticadas dentro de suas ter-
ras. Tendo o queixoso alegado não ter tomado parte de forma al-

283
A República. Curitiba, 09.06.1894.
284
FRANCO, Sérgio C. Op.cit., p. 82.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 193

guma na guerra civil, a referida legação pede-me que, no caso de


não existirem provas contra ele, se tomem providências a fim de
que possa viver em paz e entregue ao seu trabalho. Em uma rela-
ção que me apresentou dos prejuízos alegados pelo dr. Grillo fi-
gura o seguinte: destruição de 2 quilômetros de cercas e impedi-
mento do exercício da profissão de médico285.
Indubitavelmente, a morte de Gumercindo Saraiva em agosto
de 1894 em Carovi, município de Santiago, Rio Grande do Sul,
tornou a Revolução Federalista uma insurreição sem rumo e se
Júlio de Castilhos, a seu turno, rogava que “pesada, como os Andes,
te seja a terra que generosamente cobre seu cadáver maldito” 286,
no Paraná as injúrias pelos republicanos locais não ficavam atrás ao
afirmar que tinham “motivos para satisfação da morte do torvo
revolucionário” 287.
Com esse fato, a Revolução Federalista ficou, grosso modo,
restrita a escaramuças entre tropas legalistas e coronéis gasparistas
no Estado do Rio Grande do Sul. Uma carta escrita em 14 de agosto
de 1894 e enviada pelo capitão Arthur Madureira, que se encontrava
a serviço no Paraná, foi lida pelo senador Costa Azevedo em plenário,
na sessão de 10 de maio de 1895. Através dela tem-se informa-
ções sobre a situação de derrota dos federalistas e os estragos que
produziram.
Creio que o 1º regimento ainda se demorará muito tempo em Pal-
mas. Dos federalistas por aqui, não há mais notícias. Não calcu-
las em que estado ficou a cidade da Lapa, causou lástima e ao
mesmo tempo indignação por ver que ali estão sepultadas muitas
de nossas vítimas dos bandidos revolucionários. Tudo agora por
aqui é governista (boa dúvida, risos)288.
Os revoltosos da Armada, por sua vez, refigiaram-se quase
que, em sua totalidade, no Uruguai e na Argentina, e, segundo

285
Códice do Arquivo Público do Estado do Paraná, referente à correspondência de 23.08. 1894.
Obs.: registramos em nossa pesquisa outro ofício com conteúdo da mesma espécie por
parte da legação da Áustria-Hungria em 28.08.1894, mas não achamos necessário re-
produzi-lo por causa da semelhança de conteúdo.
286
ESCOBAR, Wenceslau. Apontamentos para a história da revolução rio-grandense
de 1893. Brasília: Editora da UnB, 1983. p. 286.
287
A República. Curitiba, 18.08.1894.
288
Anais do Senado Federal (Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,
Serviço de Pesquisa, Documentação Histórica e Museu do “Solar dos Câmara”, Porto
Alegre), sessão de 10.05.1895.
194 Rafael Augustus Sêga

A República, enquanto Menezes Dória “vivia como um lorde”, os


marujos “andavam como mendigos” 289.
A partir do confinamento das batalhas no Rio Grande do Sul,
o tema da Revolução Federalista voltou a algumas notas esparsas
em A República dali para frente, e em verdade, notamos em nosso
levantamento desse periódico que os editoriais passaram a se ocupar
apenas com a consolidação do mando no Estado do Paraná do grupo
ligado a Vicente Machado, dentro da presidência de Prudente de
Morais, que assumiu o cargo em 15 de novembro de 1894, e que
deu novos rumos aos desdobramentos da Revolução Federalista.
Deveras, a vida política do Paraná após a Revolução Federa-
lista foi marcada pela absoluta preponderância dos republicanos
locais sobre os liberais, calados diante da sua derrota militar e per-
seguidos por meio de inquéritos criminais. Tal domínio político
pode ser atestado nos pleitos seguintes, como mostraremos mais
adiante no “Ensaio Biográfico”.
Passemos, agora, a um editorial sobre as primeiras eleições
pós-Revolução Federalista no Estado do Paraná:
No dia 27 deve reunir-se em sessões preparatórias, e no dia 1º do
mês próximo, em segunda e última sessão ordinária da legislatu-
ra, o congresso legislativo do Estado. A benemérita corporação
que com tanta abnegação e civismo, assistiu todo o desenvolvi-
mento da revolta e da invasão cercando então o chefe do executivo
do Estado, do largo e desprendido apoio de sua confiança e que
depois da reconquista da ordem legal, com igual sentimento pa-
triótico veio trazer concurso e cooperação para o completo resta-
belecimento do regime constitucional 290.
O que marca o texto acima é o mais deslavado cabotinismo,
através de vocábulos como “benemérito”, “abnegado”, “cívico”,
“patriótico”, dentre outros, e Vicente Machado é reconhecido
como possuidor de “largo e desprendido apoio”.
Com a derrota final da Revolução Federalista em 24 junho
daquele mesmo ano, no combate de Campo Osório, em que morreu
o almirante Saldanha da Gama, só restou aos insurretos um acordo
de paz, que foi assinado dois meses depois no município de Pelotas,

289
A República. Curitiba, 21.08.1894.
290
A República. Curitiba, 25.09.1894.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 195

após estabelecidas as condições aceitáveis pelo governo federal


dentre as exigidas por Joca Tavares, e, no mês seguinte, era conce-
dida a anistia aos insurretos federalistas e aos marujos da Armada.
Por fim, retomando nossas considerações teóricas de uma
história política renovada, expostas na introdução desse trabalho,
recorremos ao historiador francês Jean-Noël Jeanneney, que acredita
que o historiador deva tomar muito cuidado tanto ao analisar as
relações de poder entre os meios de comunicação e o Estado, como
ao ponderar sobre as instituições de comunicações em si, pois,
Se alguém alegar que isso foge ao político stricto sensu, eu retruca-
ria, a partir da minha experiência, que sempre se esbarra no polí-
tico, de uma maneira ou de outra, no interior desses estabeleci-
mentos, porque na vida cotidiana de um jornal, de uma rádio, de
uma televisão, se reflete constantemente a vida política do país.
Com todas as deformações que se queira, vê-se aí resumido, reu-
nido, com relevos acentuados, o jogo que é jogado no mundo po-
lítico291.
Já com relação a quem escreve nos jornais, devemos, segundo
Maria Helena Rolim Capelato, “desmistificar a categoria abstrata
‘jornal’, fazendo emergir a figura dos jornalistas como sujeitos
dotados de consciência que se determina na prática política” 292.
Nesse entendimento, é necessário lembrar que um indivíduo,
no nosso caso, um jornalista, é um agente social que pertence a uma
rede de relações efetivadas num tempo e numa situação sociopolítica
específicos, cujos valores e práticas são manifestados por meio de
discursos que, aqui, são impressos em A República.
Vimos, no decorrer do trabalho, que as refregas políticas entre
os antigos membros dos extintos partidos imperiais em torno dos
ideais federalistas propostos pelos gaúchos se deram, no Paraná,
antes mesmo da invasão do Estado pelos maragatos em janeiro de
1894. Nessa parte do trabalho, principalmente, vimos ainda como a
luta também aconteceu no âmbito da imprensa durante todo o período
da nossa pesquisa. Consideramos essa análise importante porque
ela deixou muito claro o clima tenso da política paranaense nos

291
JEANNENEY, Jean-Noël. A mídia. In: RÉMOND, René. (Org.). Por uma história
política. Rio Janeiro: FGV/UFRJ, 1996. p. 224-225.
292
CAPELATO, Maria H. R. Os arautos do liberalismo; imprensa paulista (1920–
1945). São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 12.
196 Rafael Augustus Sêga

primeiros anos da República e ajudou-nos também a demonstrar a


rearticulação da vida política do Estado do Paraná face aos influxos
da implantação do regime republicano e da Revolução Federalista.

3.5 ENSAIO BIOGRÁFICO

Apesar de sofrer o preconceito de “tradicional” ou “positivista”,


a história biográfica é um recurso de pesquisa largamente utilizado
pela historiografia contemporânea em razão das renovações meto-
dológicas que têm sido operadas na nova história política.
Refinando seus métodos e ampliando seu campo, a história, torna-
da mais complexa, não quer mais nada ignorar do que a consti-
tui. A paixão do público pela história biográfica não é estranha a
esse renascimento, assim como não o é o interesse que historia-
dores sérios atribuíram a um gênero tido como marginal ou frívo-
lo. Se os grandes homens não explicam tudo, faltando muito para
isso, eles nem por isso são estrangeiros no “território” do histori-
ador. (...) A biografia, cercada de todas as garantias de trabalho
sério e preocupada em reconstituir, em toda a sua complexidade,
os laços entre o indivíduo e a sociedade, apareceu, portanto, como
um lugar de observação particularmente eficaz293.
Dessa forma, o objetivo desta parte do trabalho é fornecer
subsídios finais para a comprovação de nossa hipótese de que a
Revolução Federalista constituiu-se, em solo paranaense, em mo-
mento crucial da cisão interna das camadas dominantes do Estado,
por isso a razão do presente ensaio biográfico. Nesse arrazoado,
para a emérita historiadora paulista Laura de Mello e Souza, “o
eventual destaque dado a biografias individuais não persegue o
factual, mas procura perscrutar nele o microcosmo revelador de
toda uma camada social” 294.
Entrementes, a cisão provocada pela implantação do regime
republicano no Paraná e pela Revolução Federalista rompeu com a
antiga ordem política herdeira do Império, acarretando a desestabili-
zação da vida político-administrativa com o afastamento dos antigos
políticos liberais.

293
CHAUSSINAND-NOGARET, Guy. Biográfica, história. In: BURGUIÈRE, André.
Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 95-97.
294
SOUZA, Laura de M. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das
Letras, 1986. p. 335.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 197

Para tanto, pretendemos fazer um levantamento biográfico


das principais lideranças políticas paranaenses ao final do século
XIX, com o intuito de identificar a formação das frações autônomas
de classe a partir da diferenciação econômica; os federalistas a par-
tir de suas militâncias no Partido Liberal, identificando-os, por essa
constatação, com a sociedade camponesa do “Paraná Tradicional”;
os governistas com o Partido Conservador e, conseqüentemente,
com a burguesia ervateira295.

1) Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá (1827–1903)


Nasceu em Palmeira, importante cidade dos Campos Gerais.
Formou-se em direito pela Faculdade de Olinda em 1849. Iniciou
sua carreira profissional em Curitiba e, quando da emancipação
política da Província do Paraná, assumiu cargos públicos, tais como
inspetor da Instrução Pública do presidente Zacarias Góes de
Vasconcelos e deputado à Assembléia Legislativa Provincial, onde
exerceu três mandatos. Eleito deputado geral para a Câmara no Rio
de Janeiro, chegou a ministro e secretário de Estado dos Negócios
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas no gabinete de Francisco
José Furtado, entre 1864 e 1865, quando obteve o título de conse-
lheiro do Imperador.
Líder máximo do Partido Liberal no Paraná, exerceu interina-
mente a presidência da Província do Paraná várias vezes na condição
de vice-presidente e, em 1889, assumiu a presidência, na qual se
achava quando do movimento de 15 de novembro. Com o advento da
República, atritou-se com o grupo de Vicente Machado e, decepcio-
nado com a política, retirou-se para a Europa, onde veio a falecer
em Genebra.
Para o célebre Brasil Pinheiro Machado, a trajetória de vida
de Jesuíno Marcondes é a própria metáfora do ocaso do “Paraná
Tradicional”:

295
WESTPHALEN, Cecília M. Verbetes biográficos. In: SOARES, Luis R. N. (Org.).
Dicionário histórico-biográfico do Estado do Paraná. Curitiba: Chain – Banestado,
1991. Sá, Jesuíno M. de Oliveira e, Conselheiro. p. 422-423; Westphalen, Emygdio.
p. 555-556; Santos, Generoso Marques, Presidente. p. 429-430; Batista, Bonifácio José
Batista, Barão de Monte Carmelo. p. 37; Batista, Firmino Teixeira, Coronel Vivida.
p. 37-38; Marcondes, Amazonas de Araújo, Coronel. p. 274-275; Borba, Telêmaco
Augusto Enéas Morocine, Coronel. p. 40; Silva, Francisco Xavier da, Presidente. p. 441.
198 Rafael Augustus Sêga

É interessante, neste ponto, como um documento significativo, o


inventário do Conselheiro Jesuíno Marcondes, processado em
1904. O Conselheiro era de uma família de fazendeiros e de tro-
peiros dos áureos tempos dessa atividade. Na descrição dos bens
inventariados, o que chama desde logo a atenção é a insignifi-
cância dos imóveis rurais. Rebento de uma notável família dos
Campos Gerais, líder político provincial, o Conselheiro, nos fins
do século XIX, não possuía mais terras, abandonara a tradição
da família, não era mais um fazendeiro. Sua renda provinha de
investimentos em títulos da dívida pública. No decorrer das pri-
meiras décadas do século XX, a produção das fazendas diminuía
constantemente, empobrecendo os fazendeiros296.

2) Emygdio Westphalen (1847–1927)


Nasceu na Lapa (antiga Vila do Príncipe), principal cidade
dos Campos Gerais na época. Formou-se em direito pela Faculdade
de São Paulo em 1867 e iniciou sua carreira profissional no Rio de
Janeiro, junto ao Conselheiro Zacarias Góes de Vasconcelos. Após
militância liberal e abolicionista na Corte, retornou ao Paraná no
início da década de setenta do século XIX, quando ingressou na
política. Foi vereador na Lapa e em Curitiba, e deputado provincial
pelo Partido Liberal.
Na República, foi um dos fundadores da “União Republicana”,
oposição ao Partido Republicano Federal, do grupo dos antigos
conservadores. Foi desembargador do primeiro Tribunal de Apelação
do Estado do Paraná. Participou da conspiração de 26 de junho de
1893 para depor Vicente Machado. Com a invasão do Paraná pelas
forças federalistas foi indicado por Custódio de Melo para integrar
o Governo Provisório do Desterro.
Com o esfacelamento da experiência revolucionária, exilou-se
em Buenos Aires, mas foi anistiado pelo Governo de Prudente de
Morais em 1895, quando foi reintegrado à magistratura paranaense
e, antes de falecer, ainda exerceu um mandato de deputado estadual
em 1907 e terminou sua vida como procurador geral da justiça do
Estado do Paraná.

296
MACHADO, Brasil P. Op.cit., p. 47.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 199

3) Generoso Marques dos Santos (1844–1928)


Nasceu em Curitiba, mas envolveu-se com o “Paraná Tra-
dicional” por influência de seu sogro, o Coronel Benedito Enéas de
Paula. Formou-se em direito pela Faculdade de São Paulo em 1865
e no ano seguinte foi nomeado inspetor geral da Instrução Pública
da Província do Paraná, quando entrou em contato com a sociedade
camponesa dos Campos Gerais. Exerceu também o magistério,
lecionando no Instituto Paranaense. Foi eleito deputado provincial
pelo Partido Liberal em seis mandatos; foi ainda vereador em Curitiba
e deputado geral duas vezes.
Com o afastamento de Jesuíno Marcondes, Generoso Marques
transformou-se no seu maior herdeiro político. Senador da primeira
constituinte republicana, Generoso Marques foi também o primeiro
presidente eleito do Estado do Paraná em abril de 1891, mas foi
deposto em novembro desse mesmo ano em razão do apoio dado ao
golpe de Deodoro.
Simpatizante da causa federalista teve que se refugiar na corveta
portuguesa “Mindelo”, para depois seguir para Buenos Aires. Afas-
tado da cena política paranaense após a vitória legalista, Generoso
Marques retornou anos mais tarde, exercendo vários mandatos de
deputado estadual (de 1897 a 1912) e foi senador pelo Estado do
Paraná várias vezes (de 1909 a 1926), até seu falecimento. Vale
lembrar que Generoso Marques foi o maior personagem político de
vulto a fazer oposição ao “consulado” de Vicente Machado.

4) João de Menezes Dória (1857–1934)297


Nasceu em Paranaguá, cidade litorânea paranaense, sendo filho
de pai italiano e mãe parnanguara; completou os seus primeiros
estudos na cidade de Curitiba e formou-se em medicina no Rio de
Janeiro, em 1879. Como profissional de sua área, porém, traçou sua
carreira na cidade de Ponta Grossa, onde tornou-se médico dos
fazendeiros dos Campos Gerais e acabou identificando-se politica-
mente com o Partido Liberal.
Durante a Revolução Federalista, Menezes Dória mostrou-se
um exaltado simpatizante dos maragatos, chegando a primeiro
297
CARNEIRO, David; VARGAS, Túlio. História biográfica da república no Paraná.
Curitiba: Banestado, 1994. p. 125-128.
200 Rafael Augustus Sêga

mandatário paranaense do Governo Revolucionário entre janeiro e


março de 1894. Exilado em Buenos Aires, só voltou ao Brasil após
a anistia, em 1895. A partir daí, sentiu-se perseguido e retirou-se da
vida política como pretendente a cargo eletivo, limitando-se à opo-
sição literária e jornalística contra o grupo de Vicente Machado.

5) Bonifácio José Batista (Barão de Monte Carmelo)


(1827–1897)
Nasceu na Lapa. Sem formação acadêmica, atuou como tro-
peiro e comerciante de gado. Tornou-se líder do Partido Liberal na
cidade de Castro, nos Campos Gerais, onde montou sua base eleitoral
para eleger-se deputado provincial em 1854; nessa localidade tam-
bém se tornou coronel da Guarda Nacional. Recebeu do Imperador
o título de barão em 1886. Com a invasão do Estado pelos federa-
listas, aderiu ao lado dos revoltosos, mas com a derrota foi obrigado
a deixar o Paraná, vindo a falecer poucos anos mais tarde.

6) Firmino Teixeira Batista (Coronel Vivida) (1834–1903)


Nasceu em Ponta Grossa, importante cidade dos Campos
Gerais. Assim como seu irmão, o barão de Monte Carmelo, Firmino
não cursou faculdade e tornou-se tropeiro, trazendo gado de Passo
Fundo, esse seu itinerário fez com que ele acabasse se fixando em
Palmas, na expansão da sociedade tradicional paranaense, onde se
tornou o primeiro presidente da Câmara local pelo Partido Liberal,
vindo a se tornar coronel da Guarda Nacional, à semelhança de seu
irmão. Simpatizante da causa federalista teve suas terras invadidas
pelos homens da Divisão do Norte. Ao contrário de seu irmão,
resistiu e manteve-se no Paraná até sua morte.

7) Affonso Alves de Camargo (1873–1959)298


Nasceu em Guarapuava, importante cidade do comércio das
tropas, na expansão da sociedade tradicional paranaense. Apadri-
nhado político de Jesuíno Marcondes, Affonso Camargo tornou-se
um entusiasta do Partido Liberal no Paraná e mais tarde da causa

298
BENGHI, Lina. Camargo, Affonso Alves de, Pres. do Paraná. In: SOARES, Luis R. N.
(Org.). Dicionário histórico-biográfico do Estado do Paraná. Curitiba: Chain – Ba-
nestado, 1991. p. 48.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 201

federalista, pois, quando do governo revolucionário de João Menezes


Dória, foi nomeado chefe de polícia e promotor de justiça em Curitiba.
Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo em 1894.
Mesmo perseguido pelo grupo governista após a Revolução Federa-
lista, exerceu cinco mandatos de deputado estadual entre 1897 e
1914 e é considerado o mentor intelectual da “Coligação Republi-
cana”, de 1908, movimento que tentou reconciliar os dois blocos
antagônicos do conflito federalista no Paraná. Tendo sido eleito
vice-presidente do Estado em 1911, exerceu a presidência duas
vezes, entre 1916 e 1920, e, 1928 e 1930.

8) Amazonas de Araújo Marcondes, Coronel (1847–1924)


Nasceu em Palmas, outra importante cidade do comércio das
tropas. Sem formação acadêmica, tropeiro e precursor da navegação
entre Porto Amazonas e União da Vitória. Combatente da guerra do
Paraguai, chegou ao posto de sargento e em 1882 foi nomeado coro-
nel da Guarda Nacional de Palmeira. Militante do Partido Liberal e
adepto da causa federalista, sofreu severas punições com a derrotas
dos maragatos em solo paranaense, com seus vapores postos a pique
pelos governistas. Terminou sua vida como prefeito de União da
Vitória.

9) Telêmaco Augusto Enéas Morocine Borba (1840–1918)


Nasceu em Curitiba, mas logo se mudou para os Campos
Gerais, pois sua família possuía fazenda na região de Tibagi. Sem
formação acadêmica, Telêmaco Borba administrou os aldeamentos
indígenas de São Pedro de Alcântara e atuou como chefe do Partido
Liberal em Tibagi. Por essa localidade, elegeu-se prefeito munici-
pal e formou base eleitoral para eleger-se deputado provincial e no,
período republicano, deputado estadual.
No oeste do Estado, foi um dos primeiros paranaenses a se
deparar com os saltos das Sete Quedas em Guaíra e com a foz do
rio Iguaçu. Sertanista, escreveu A atualidade indígena e vocabu-
lário. Quando da Revolução Federalista, Telêmaco Borba capitaneou
uma força militar federalista em Tibagi e acompanhou Gumercindo
Saraiva em sua retirada.
202 Rafael Augustus Sêga

10) Vicente Machado da Silva Lima (1860–1907)


Será visto com a profundidade adequada no subcapítulo 3.6,
“O Consulado de Vicente Machado”, mais adiante.

11) Ubaldino do Amaral Fontoura (1842–1920)


Foi visto no início desse capítulo.

12) Francisco Xavier da Silva (1838–1922)


Nasceu em Castro, cidade dos Campos Gerais. Graduou-se em
direito pela Faculdade de São Paulo em 1860. Foi eleito vereador em
Castro e depois deputado para diversas legislaturas para a Assem-
bléia Legislativa Provincial. Após o movimento de 15 de novembro
bandeou para o Partido Republicano Federal, agremiação política
que aglutinava antigos conservadores. Foi eleito senador em 1903 e
presidente do Estado do Paraná três vezes: 1892, 1900 e 1908.

13) José Pereira dos Santos Andrade (1842–1900)299


Nasceu na cidade portuária paranaense de Paranaguá. Após
trabalhar alguns anos no comércio da erva-mate, transferiu-se para
Recife, onde se formou em direito em 1875. Membro do Partido
Conservador, Santos Andrade foi promotor de justiça em Antonina
e deputado provincial. Com a República, elegeu-se senador consti-
tuinte. Durante a Revolução Federalista, comandou o 7º Batalhão
da Guarda Nacional, pelo lado florianista. Eleito presidente do
Paraná em 1896, tentou restabelecer as finanças do Estado, abaladas
pela passagem dos maragatos.

14) Cândido Ferreira de Abreu (1856–1918)300


Nasceu em Paranaguá, cidade portuária do Paraná, e em 1874
transferiu-se para a Corte (Rio de Janeiro) para dar prosseguimento
aos seus estudos. Em 1879, matriculou-se no curso de Engenharia

299
OLIVEIRA, Ricardo C. Op. cit., p. 241.
300
SÊGA, Rafael A. A capital Belle Époque, a reestruturação do quadro urbano de Curiti-
ba durante a gestão do prefeito Cândido de Abreu (1913–1916). Curitiba: Aos Quatro
Ventos, 2001. p. 31-38.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 203

da Escola Politécnica (antiga Escola Central), no qual chegou a


preparador do gabinete do professor titular de física. Concluiu seu
curso no ano de 1882, e já, no ano seguinte, iniciou sua carreira
profissional na epopéia amazônica da construção da estrada de ferro
Madeira–Mamoré como engenheiro de 1ª classe da Comissão de
Exploração, chegando a chefe de seção.
Após trabalhar na Amazônia, atuou como inspetor de coloni-
zação no Rio Grande do Sul. Em 1885, retornou ao Rio de Janeiro e
passou a atuar junto ao Ministério da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas; dois anos mais tarde, em 1887, o presidente da
Província do Paraná, Alfredo d'Escragnole Taunay, convidou-o
para assumir o cargo de diretor das Obras Públicas da Província,
chegando a inspetor especial de terras e colonização.
Permaneceu nesse cargo até ser nomeado, em 1890, chefe da
Comissão de Saneamento de Campos, renunciando ao cargo antigo.
Em 1892, Cândido de Abreu venceu a primeira eleição para prefeito
da cidade de Curitiba, porém seu mandato foi extremamente curto
(11 meses). No ano seguinte à renúncia, Cândido de Abreu foi con-
vidado por Aarão Reis para fazer da Comissão Construtura de Belo
Horizonte, nova capital mineira em substituição a Ouro Preto.
Ao final do mandato de Floriano Peixoto na presidência, em
1894, Cândido de Abreu foi nomeado tenente-coronel honorário do
Exército, por destacados serviços prestados à causa republicana,
inclusive adesão às tropas legalistas quando da Revolução Federa-
lista, num episódio com desdobramentos insólitos:

Coube ao Dr. Cândido de Abreu a árdua missão de conduzir por


terra um corpo expedicionário das forças que reconquistaram o
Paraná, de Santos a Paranaguá, o que desempenhou satisfatori-
amente. Regressando ao Rio de Janeiro, quando se deu a fuga
dos revoltosos dos navios de guerra de Portugal, Floriano Peixoto
consultou-o se aceitaria a missão secreta, chefiando um grupo de
republicanos portugueses, no sentido de promover a imediata
implantação do regime democrático na nação-mater. Cândido de
Abreu respondeu que seus serviços estavam ao dispor da legalida-
de, onde e quando fosse preciso. A missão, porém, não foi desem-
204 Rafael Augustus Sêga

penhada, tendo Floriano desistido da árdua empresa que deseja-


va confiar a Cândido de Abreu301.

Cândido de Abreu atuou, nessa época ainda, também como


arquiteto de renome em Curitiba e depois secretário dos Negócios e
Colonização, tendo destacado papel no assentamento de cento e
trinta mil imigrantes, aproximadamente. Em 1899, foi nomeado por
José Pereira Santos Andrade, presidente do Estado, secretário das
Obras Públicas e Indústria, atuando em comissões de construção de
estradas, medições de terras, elaboração de mapas do Paraná.
Em 1903, foi eleito deputado federal pelo PRF e, em 1906,
senador pela mesma agremiação política, mandato a que renunciou
para assumir a Prefeitura Municipal de Curitiba entre 1913 e 1916,
quando levou a efeito um vasto programa de reestruturação urbana
da cidade.
Cândido de Abreu encerrou sua gestão como prefeito de
Curitiba em fevereiro de 1916; atuou ainda como professor de Física
Experimental na então recente Universidade do Paraná. Antes de
morrer, em 22 de fevereiro de 1918, estava trabalhando nas comis-
sões demarcadoras dos limites entre Paraná–São Paulo e Paraná–
Santa Catarina.

15) Manoel Alencar Guimarães (1865–1940)302


Neto do maior líder do Partido Conservador no Paraná, o
Visconde de Nácar, Manoel Alencar Guimarães nasceu em Buenos
Aires em razão dos negócios da família com erva-mate no rio da
Prata. Formou-se em direito pela Faculdade de Recife em 1886.
Exerceu o cargo de promotor público em Ponta Grossa e foi nomeado
chefe de polícia pela junta do governo provisório em 1891. Eleito
deputado federal em 1894, 1897, 1900, 1903 e 1906, assumiu o
lugar de Francisco Xavier da Silva no senado federal em 1906,
cargo para o qual foi eleito novamente em 1912 com mandato de
nove anos.

301
LEÃO, Ermelino A. Contribuições históricas e geográficas para o dicionário do
Paraná. Curitiba: Empresa Gráfica Paranaense, 1926. p. 288.
302
OLIVEIRA, Ricardo C. Op. cit., p. 257.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 205

Um último inventário é pertinente nesse ensaio biográfico, o


da origem político-partidária dos deputados federais e senadores do
Paraná no período privilegiado por nosso trabalho 303. Infelizmente
não dispusemos de dados precisos referentes afiliação partidária
dos deputados estaduais do mesmo período e seremos obrigados a
deixá-los de fora desse exame. Partimos da premissa, aqui, de que
os políticos ligados à União Republicana do Paraná (URP) repre-
sentavam setores envolvidos com o “Paraná Tradicional” (antigos
membros do Partido Liberal) e os ligados ao Partido Republicano
Federal (PRF), com o Paraná Republicano e Ervateiro (antigos
membros do Partido Conservador).
Segundo a Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, no artigo 17, pará-
grafo 2º, as legislaturas dos deputados federais eram de três anos304.
1) Deputados Federais
1ª Legislatura (1891–1893)
a) Bellarmino Augusto Mendonça Lobo, engenheiro
militar, ligado à URP.
b) Eduardo Mendes Gonçalves, engenheiro civil e jor-
nalista, ligado ao PRF.
c) Fernando Machado Simas, farmacêutico, ligado ao
PRF.
d) Marciano Augusto Botelho de Magalhães, militar de
carreira, ligado ao PRF.
2ª Legislatura (1894–1896)
a) Bento José Lamenha Lins, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
b) Brasílio Ferreira da Luz, médico militar, ligado ao
PRF.
c) Francisco de Almeida Torres, engenheiro civil e
empresário, ligado ao PRF.
d) Manoel de Alencar Guimarães, bacharel em direito,
ligado ao PRF.

303
OLIVEIRA, Ricardo C. Op. cit., p. 254-265.
304
CONSTITUIÇÕES DO BRASIL. (1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967) Organizado
por ALENCAR, Ana V. A. N.; RANGEL, Leyla C. B. Brasília: Subsecretária de Edi-
ções Técnicas do Senado Federal, 1986. p. 116.
206 Rafael Augustus Sêga

3ª Legislatura (1897–1899)
a) Brasílio Ferreira da Luz, médico militar, ligado ao
PRF.
b) Bento José Lamenha Lins, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
c) Leôncio Correia, jornalista, escritor e professor,
ligado ao PRF.
d) Manoel de Alencar Guimarães, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
4ª Legislatura (1900–1902)
a) Bento José Lamenha Lins, bacharel em direito, ligado
ao PRF
b) Carlos Cavalcanti de Albuquerque, engenheiro
militar, ligado ao PRF.
c) João Cândido Ferreira, médico, ligado ao PRF.
d) Manoel de Alencar Guimarães, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
5ª Legislatura (1903–1905)305
a) Cândido Ferreira de Abreu, engenheiro civil, ligado
ao PRF.
b) Carlos Cavalcanti de Albuquerque, engenheiro
militar, ligado ao PRF.
c) Manoel de Alencar Guimarães, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
d) Antônio Augusto de Carvalho Chaves, bacharel em
direito, ligado ao PRF.
6ª Legislatura (1906–1908)
a) Antônio Augusto de Carvalho Chaves, bacharel em
direito, ligado ao PRF.
b) Manoel de Alencar Guimarães, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
c) Vítor Ferreira do Amaral e Silva, médico, ligado ao
PRF.

305
Bento José Lamenha Lins, do PRF, foi eleito nessa legislatura, mas renunciou.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 207

d) João Menezes Dória, médico, ligado à URP.


2) Senadores
1ª Legislatura
(1890–1891 Constituinte – 1891–1893 Ordinário)
a) Ubaldino do Amaral Fontoura, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
b) José Pereira dos Santos Andrade, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
c) Generoso Marques dos Santos, bacharel em direito,
ligado à URP.
2ª Legislatura (1894–1896)
a) Vicente Machado da Silva, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
b) Arthur Ferreira de Abreu, militar, ligado ao PRF 306.
c) Alberto José Gonçalves, padre, ligado ao PRF307.
3ª Legislatura (1897–1899)
a) Alberto José Gonçalves, padre, ligado ao PRF.
b) Vicente Machado da Silva, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
c) Joaquim Rezende de Lacerda, militar, ligado ao
PRF308.
4ª Legislatura (1900–1902)
a) Brasílio Ferreira da Luz, médico militar, ligado ao
PRF.
b) Alberto José Gonçalves, padre, ligado ao PRF.
c) Vicente Machado da Silva, bacharel em direito,
ligado ao PRF.
5ª Legislatura (1903–1905)
a) Francisco Xavier da Silva, bacharel em direito,
ligado ao PRF 309.

306
Assumiu no lugar de Ubaldino do Amaral Fontoura, do PRF, que renunciou.
307
Assumiu no lugar de José Pereira dos Santos Andrade, do PRF, que renunciou.
308
Assumiu no lugar de Arthur Ferreira de Abreu, do PRF, que renunciou.
208 Rafael Augustus Sêga

b) Brasílio Ferreira da Luz, médico militar, ligado ao


PRF.
c) Alberto José Gonçalves, padre, ligado ao PRF.
6ª Legislatura (1906–1908)
a) Cândido Ferreira de Abreu, engenheiro civil, ligado
ao PRF.
b) Manoel de Alencar Guimarães, bacharel em direito,
ligado ao PRF 310.
c) Brasílio Ferreira da Luz, médico militar, ligado ao
PRF.
Dessa feita, podemos inferir, a partir dos dados arrolados,
que o universo dos deputados federais nas duas primeiras legislaturas
(1891–1893 e 1894–1896), com pleitos realizados antes da Revolu-
ção Federalista, era de um deputado da URP frente a sete do PRF.
Após 1894 (portanto, após a Revolução Federalista), o quadro mu-
da substancialmente, dos 16 deputados das legislaturas 1897–1899,
1900–1902, 1903–1905 e 1906–1908, a URP permanece com apenas
um deputado frente a 15 do PRF. De uma percentagem de 12,5%
para a URP frente a 87,5 para o PRF antes da Revolução Federalista,
após a mesma, esse quadro muda para 6,25% para a URP frente a
93,5% para o PRF, ou seja, a URP praticamente deixa de existir
como força política durante o “consulado” de Vicente Machado.
Todavia, entender o revezamento político do Senado Federal
da Primeira República é uma tarefa mais penosa, pois pela Constitui-
ção de 1891, o artigo 31 estipulava que o mandato do senador era
de nove anos, “renovando-se o Senado pelo terço trienalmente” 311.
Dessa forma, nos seis mandatos arrolados, os cargos de senadores
são na verdade oito, que perpassam os mesmos até completar os
nove anos previstos pela Carta Magna. Desse montante, apenas um
senador foi eleito pela URP em 1890, Generoso Marques dos Santos.
Aqui nem precisamos elaborar uma percentagem para mostrar o
completo ocaso da URP na Câmara Alta Federal após a Revolução
Federalista.

309
Assumiu no lugar de Vicente Machado da Silva, do PRF, que renunciou.
310
Assumiu no lugar de Francisco Xavier da Silva, do PRF, que renunciou.
311
CONSTITUIÇÕES DO BRASIL. Op. cit., p. 117.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 209

Das 24 legislaturas de deputados federais arroladas, cinco indi-


víduos exerceram 14 desse montante (Manoel de Alencar Guimarães
com 5, Bento José Lamenha Lins com 3, Brasílio Ferreira da Luz
com 2, Carlos Cavalcanti de Albuquerque com 2 e Antônio Augusto
de Carvalho Chaves com 2). Isso demonstra que a representação
para a Câmara dos Deputados “era considerada como um espaço
relativamente menos fechado que o Senado por parte dos grupos
tradicionais”312.
A análise acima reflete substancialmente a guinada política
que a opinião pública paranaense deu em função da Revolução
Federalista. Metodologicamente, a opinião pública é um recurso
heurístico de difícil apreensão, como nos mostra Jean-Jacques Becker:

A divergência situa-se no nível dos objetivos: enquanto a história


das mentalidades gosta dos “espaços” amplos da longa duração,
onde se determinam as atitudes profundas, a conduta dos indiví-
duos durante séculos, ou, ao menos, prefere os horizontes mais li-
mitados da média duração, que registram as mudanças progressi-
vas de uma geração para outra, a história da opinião pública, para
retomar uma expressão de Fernand Braudel, é uma “micro-
história”, “atenta ao tempo breve, ao indivíduo, à história”. Por
tempo breve, deve-se entender a reação imediata a um aconteci-
mento preciso e num momento estritamente delimitado 313.

Dessa forma, as forças que compunham a URP praticamente


sumiram do cenário eleitoral para a representação do Paraná na
Câmara dos Deputados e no Senado após 1894, salvo a eleição de
João Menezes Dória para deputado federal em 1906. Após a morte
de Vicente Machado, ocorreu uma reestabilização do quadro político
com as duas correntes.
Esses dados ajudam a subsidiar nossa hipótese de que a Revo-
lução Federalista constituiu-se, em solo paranaense, no momento
crucial da cisão interna das camadas dominantes do Estado, acarre-
tando a rearticulação da vida político-administrativa do Estado.

312
OLIVEIRA, Ricardo C. Op. cit., p. 254.
313
BECKER, Jean-Jacques. A opinião pública. In: RÉMOND, René. (Org.). Por uma
história política. Rio de Janeiro: FGV/UFRJ, 1996. p. 189.
210 Rafael Augustus Sêga

3.6 O “CONSULADO” DE VICENTE MACHADO

Na república romana e na primeira república francesa, o


“cônsul” era uma espécie de magistrado supremo que atuava politi-
camente de forma efetiva sem, no entanto, ser o primeiro mandatário.
Foi, guardadas as devidas particularidades históricas e regionais,
numa condição de “eminência parda” que Vicente Machado traçou
sua trajetória política no Paraná após a Revolução Federalista.
Vicente Machado da Silva Lima nasceu na cidade de Castro,
nos Campos Gerais, em agosto de 1860, filho de militar de carreira,
formou-se em direito em 1881 pela Faculdade da São Paulo, onde
foi contemporâneo de Júlio de Castilhos, Silva Jardim, Júlio de
Mesquita e Assis Brasil 314.
Ainda acadêmico, Vicente Machado escreveu para o jornal
republicano paulista A República, tendo participado da luta política
pela abolição da escravidão. De volta ao Paraná, atuou como pro-
motor de justiça, secretário do governo provincial, professor e juiz
de direito antes de ingressar na vida política em 1886 como deputado
na Assembléia Legislativa Provincial pelo Partido Liberal, tornan-
do-se o primeiro político paranaense a se declarar “republicano”.
Apesar de Vicente Machado começar sua vida política pelo
Partido Liberal e, portanto, sob influência da sociedade agrária dos
Campos Gerais, ele sempre procurou deixar claro que era adepto de
uma modernização burguesa do Estado do Paraná o que acabou
conduzindo-o para o grupo dos conservadores até a proclamação da
república.
Com o movimento de 15 de novembro de 1889, bandeou-se
para o lado dos antigos conservadores, no Partido Republicano
Federal, tendo sido nomeado chefe de polícia do governo provisório
e eleito deputado ao Congresso Legislativo e Constituinte do Paraná.
Ao contrário de seu colega de faculdade Júlio de Castilhos,
Vicente Machado nunca professou fé na doutrina positivista.
Como vimos ao longo do trabalho, após exercer cargo de
presidente interino do Paraná em Castro em razão da invasão do

314
WESTPHALEN, Cecília M. Lima, Vicente Machado. In: SOARES, Luís R. N. (Org.).
Dicionário histórico-biográfico do Estado do Paraná. Curitiba: Chain – Banestado,
1991. p. 257-258.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 211

Estado pelos federalistas, Vicente Machado devolveu o cargo a


Xavier da Silva em 14 de junho de 1894, pouco tempo após a
debandada das tropas de Gumercindo Saraiva, e passou a se preparar
para a campanha ao Senado, pois ele só completaria a idade mínima
de 35 anos para o ingresso nessa casa legislativa no ano seguinte.
Foi eleito para a Câmara alta federal para mandatos 1894–1903 e
1903–1912, mas desistiu do último para eleger-se presidente do
Estado do Paraná em 1904.
Todavia, Vicente Machado traçaria no plenário do Senado
uma trajetória tíbia, e muitos de seus pares não o deixaram em paz
por causa da execução do Barão de Serro Azul, e essa pecha foi
adquirida, em parte, em razão da compaixão dos senadores frente
aos lamentos da viúva de Ildefonso, a Baronesa do Serro Azul. Em
carta dirigida ao senador barão do Ladário, lida em plenário em
junho de 1895, ela expôs seu libelo contra o ex-presidente do Estado
do Paraná:

O governador deste Estado, naquele tempo, V. Exª. sabe também,


hoje senador da República, e como o coronel Pires Ferreira, aí está
clamando porque, antes de tudo, se aprovem os atos do marechal
Floriano e necessariamente todas as monstruosidades cometidas
em nome do Vice-Presidente da República. Até agora, portanto,
os dois homens (homens, senhor!) que fizeram no Itararé o conhe-
cido pacto negro, mantêm-se fiéis ao seu juramento de covardia e
de sangue: estão ambos no Senado da pátria, naturalmente bendi-
zendo a miséria que, como Prometeu aos seus abutres, os alimen-
ta de posição e talvez de fortuna, com o próprio sangue e com a
desgraça de seus filhos. (...) É verdade também que poderia alu-
dir a minha suspeição de mulher e de viúva obumbrada (sic) pela
fatalidade que me feriu. Mas, senhor, o que aí fica – peço a V.
Exª., que não esqueça agora – nasce da alma de uma criatura
que tem os olhos voltados para a misericórdia de Deus e que não
clama senão pela justiça, para que o martírio das vítimas não fi-
que pesando sobre os destinos deste país, em que tenho de deixar
os meus tristes filhos315.

Essa carta deixou transparecer a linguagem própria das pes-


soas enlutadas, na qual a tristeza profunda contrastava com indife-

315
Anais do Senado Federal (Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,
Serviço de Pesquisa, Documentação Histórica e Museu do “Solar dos Câmara”. Porto
Alegre), sessão de 25.06.1895.
212 Rafael Augustus Sêga

rença das autoridades, e esse lamento impressionou inclusive o


egrégio jurista baiano Rui Barbosa, que não deixou o caso passar
incólume na tribuna do Senado:

Há, senhores, nos quadros da montanha do Paraná, onde a voz


dos homicídios confiada ao sigilo dos precipícios passa do vento à
cordilheira, onde os trens por muito tempo patinaram sobre a
carniça dos míseros trucidados, onde vítimas ilustres, patriotas
dos mais estimáveis como o Barão de Serro Azul e seus compa-
nheiros dormem o último sono em uma quebrada da serra, sem di-
reito talvez a uma dessas cruzes com que a piedade assinala o lu-
gar onde o viandante incauto cai sobre o punhal do salteador i-
nesperado!316

Esse assunto tornou-se seu “calcanhar-de-Aquiles” e não era


raro Vicente Machado perder a compostura, como nessa altercação
entre ele e o senador Joaquim Catunda no plenário do Senado,

V. M. – Nós brasileiros somos sempre um pouco hiperbólicos.


Esta hipérbole é igual àquela de que V. Exª. usou em relação à
trindade. (risos)
J. C. – Mas não igual àquela que se deu com relação aos assassi-
natos no Paraná.
V. M. – Se V. Exª. tiver coragem de reduzir a verdadeiros ter-
mos essa insinuação eu responderei.
Presidente – Atenção!
Costa Azevedo – Tiver a coragem, não é expressão parlamentar.
V. M. – Repito: se honra o mandato que recebeu reduza o hon-
rado Senador a termos essa insinuação para eu poder esmagá-
la.
Presidente – Atenção!317

Em várias outras sessões plenárias, levantadas em nossa pes-


quisa, ele “lavou suas mãos” e defendeu-se das acusações impingindo
a culpa aos militares que cuidaram do caso. Contudo, tais acusações
não foram tão marcantes que o impedissem de traçar seu “consulado”

316
Idem, sessão de 31.08.1895.
317
Ibidem; sessão de 07.10.1895.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 213

no Paraná após a expulsão dos maragatos de Gumercindo Saraiva


do Estado.
E não foi só no Senado que Vicente Machado adquiriu a pecha
de responsável pelos assassinatos no quilômetro sessenta e cinco;
muitos historiadores corroboram essa versão. Até hoje essa é a
lembrança mais forte no imaginário paranaense atrelada à figura de
Vicente Machado frente à Revolução Federalista, junto ao abandono
de Curitiba diante da invasão dos insurretos; todavia, achamos que
abordar esse tema aqui, fugiria à nossa proposta de análise.
Contudo, precisamos esboçar o quadro político nacional após a
pacificação da Revolução Federalista para entendermos a inserção de
Vicente Machado na política oligárquica do período. Se, por um lado,
a atuação de Floriano foi uma das principais razões para a eclosão da
Revolução Federalista, a apresentação de Prudente de Morais como
novo candidato à Presidência da República, por outro, não acenou por
si só para a pacificação. Ele era visto com muita desconfiança, inclusi-
ve pelos nacionalistas mais exaltados. O próprio Floriano nunca se
entusiasmou muito com a candidatura do paulista para sua sucessão,
visto pelo marechal como alguém que pudesse pôr em risco a “so-
berania” tão arduamente conquistada na sua conturbada gestão.
Mas sua indisposição não conseguiu impedir que Prudente se
alçasse à Presidência da República em novembro de 1894. A ele
coube a condução das negociações de paz com os federalistas, no
ano seguinte, na condição de primeiro mandatário da nação com
aqueles já desanimados após as mortes de Gumercindo Saraiva e
Saldanha da Gama. Contudo, um outro conflito colocaria em xeque
a novel República brasileira nos sertões da Bahia logo em seguida.
O falecimento do marechal Floriano em junho de 1895 esva-
ziou em muito os argumentos dos grupos políticos mais radicais, e
para refrear suas ardentes manifestações, Prudente lançou mão de
uma estratégia que visava desordenar o acordo firmado entre civis e
militares em torno das propostas jacobinas de nacionalismo exacer-
bado. O grande exemplo disso está no proveito político que Prudente
tirou do fiasco militar da campanha de Canudos ao desmerecer a
atuação do Exército. O grande desfecho dessa atitude foi o atentado
contra o próprio presidente Prudente em 1897 (no qual morreu seu
ministro da Guerra), perpetrado por um soldado que havia lutado
contra os adeptos do Conselheiro em Monte Santo e que dizia se
identificar com Deocleciano Mártir, editor do jornal O Jacobino.
214 Rafael Augustus Sêga

O novo pacto político firmado nos anos que se seguiram à


pacificação da Revolução Federalista ensejou um federalismo con-
servador em torno das facções políticas dos Estados-membros. Era
a “Política dos Governadores”, que possuía peculiaridades próprias
enquanto prática oligárquica. Tais peculiaridades estavam forte-
mente ligadas à figura do coronel e seu raio de ação, pois, se os
oligarcas atuavam em nível estadual, às vezes regional, o coronel
era um potentado local, associado à prática do “mandonismo”.
E foi a articulação desses níveis de poder o ponto crucial para
o entendimento da prática política brasileira e conservação do poder
nas mãos das elites regionais na Primeira República. A prática da
aparente “supremacia” dos Estados-membros sobre a União era
complementada com a fraude eleitoral, ou as eleições a “bico de
pena”, o que inviabilizava qualquer movimento oposicionista efeti-
vo. Essa prática marcou fundo a vida política brasileira318.
O ideal democrático, tão caro a alguns artífices da implantação
do regime republicano, foi aos poucos perdendo sua consistência à
medida que as oligarquias regionais passaram a ver na “coisa pública”
um expediente para a manutenção de seus interesses e privilégios.
Nesse sentido, os governos de Prudente de Morais e Campos Sales
assinalaram a consolidação de uma “legalidade conservadora”, já
que as principais vozes dissonantes desse projeto (monarquistas,
jacobinos, revolucionários federalistas, revoltosos da Armada e
sebastianistas de Canudos) haviam sido silenciadas de maneira bem
eficaz, e os dois Estados mais populosos, São Paulo e Minas Gerais,
passaram a comandar o país com o aval das oligarquias estaduais. E
se pleitos eram viciados, os representantes eram genuínos na medida
pela qual eles se constituíam em mandatários das elites dominantes
de todos os níveis de poder do país, desde o pequeno município até
a presidência da República.
Nas unidades mais avançadas da federação, em que as relações
de produção encontravam-se em um estágio mais avançado (Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais), o papel de intermediação exer-
cido pelos partidos republicanos locais foi mais efetivo. Todavia,
nas demais unidades federativas, menos desenvolvidas, predominou
a política clientelista e personalista, e, apesar dessas disparidades

318
PENNA, Lincoln de A. República brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 91.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 215

regionais escancaradas, os interesses intra-elites predominaram em


torno de um acordo político extremamente conservador.
Essa situação histórica resultou, nos três Estados meridionais
do Brasil diretamente envolvidos pela Revolução Federalista, em
quadros políticos particulares.
No Rio Grande do Sul, a derrocada da Revolução Federalista
acarretou a implementação de uma plataforma administrativa de
inspiração comteana, com a qual o Rio Grande do Sul foi submetido
a mais bem elaborada política estadual de “modernização conser-
vadora” do Brasil à época. Em 1898, Antônio Borges de Medeiros
assumiu a condução do Estado gaúcho319 com o compromisso de
levar adiante as diretrizes positivistas do seu mestre, nas quais o
Executivo não era legitimado pelo sufrágio universal, e o Legislativo
ficava restrito à aprovação do orçamento estadual.
A derrocada dos federalistas calou os clamores que destoavam
desse projeto, fazendo com que o Rio Grande do Sul encontrasse
um equilíbrio forçado, tanto econômico como político, transforman-
do-o em uma das unidades mais influentes da Federação, atuando
com independência frente aos ditames da Política dos Governadores
na defesa de seus interesses regionais particulares, em um pacto de
convivência de não ingerência recíproca entre gaúchos, paulistas e
mineiros. Em Santa Catarina, por sua vez, o poder foi dividido en-
tre os grupos atrelados às oligarquias de Felipe Schmidt, Hercílio
Luz e Lauro Müller.
Ao final da Revolução Federalista, o Paraná, contudo, não
possuía, nem uma vanguarda política tão bem organizada como a
dos gaúchos positivistas, nem tampouco um triunvirato tão bem
definido como o dos catarinenses. As feridas abertas pela referida
insurreição cicatrizaram, nesse Estado, de forma diferente do Rio
Grande do Sul ou de Santa Catarina.
A derrocada da Revolução Federalista no Paraná emudeceu
os setores de oposição envolvidos com a sociedade camponesa dos
Campos Gerais. A Vicente Machado, sem atuar diretamente no
executivo estadual paranaense nos dez anos posteriores à Revolução
Federalista, coube o papel do “oligarca estadual” da Política dos

319
Júlio de Castilhos faleceu em 1903, mas Borges de Medeiros já havia assumido o
governo do Estado gaúcho em 1898, quando exerceu dois mandatos. Em 1908, passou o
governo para Carlos Barbosa e elegeu-se sucessivamente em 1913, 1918 e 1923.
216 Rafael Augustus Sêga

Governadores, pois os dois governantes máximos do Paraná desse


mesmo período, Francisco Xavier da Silva (1894–1896 e 1900–
1904) e José Pereira dos Santos Andrade (1896–1900), tiveram
atuações tímidas, tentando administrar um Estado com uma socie-
dade política esfacelada pela guerra civil, e seu principal produto, a
erva-mate, começava a conhecer os revezes decorrentes da concor-
rência argentina.
Nenhuma política econômica governamental planejada foi
colocada em prática no Estado do Paraná, uma vez que as preocu-
pações dos governantes desse período ficaram mais voltadas ao
afastamento dos antigos políticos do Partido Liberal, e isto só ces-
saria em 1907, com a morte do oligarca-mor Vicente Machado.
O retorno dos antigos liberais só se daria em 1908, com a
organização da “Coligação Republicana”, em torno de mais uma
eleição de Francisco Xavier da Silva, que reuniu antigos inimigos
da Revolução Federalista no Paraná.
O ponto alto desse entendimento e do retorno de antigos
federalistas ao poder no Estado deu-se em 1916, com a eleição para
governador de Affonso Alves de Camargo, antigo simpatizante da
causa federalista, algo absolutamente impensável no Rio Grande do
Sul na época.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 217
218 Rafael Augustus Sêga

CONCLUSÃO

O Paraná tem uma identidade política tão clara quanto vários outros
estados. Se no Rio Grande do Sul a questão sempre passa pela
maneira como o Rio Grande se relaciona com o poder central,
apesar de sua peculiaridade e de seus sentimentos oposicionistas
crônicos, no Paraná a questão se apresenta a partir de como e de
que maneira o Paraná conduz o seu situacionismo em relação ao
centro de poder real ou virtual, ao centro de poder efetivo a ao
que se construirá. A política paranaense sempre esteve com a
tendência nacional vitoriosa, seja em 1842, 1853, 1894, 1930,
1932, 1945, 1961, 1964, 1982, 1994 e em 2000. Esse tem sido o
destino da formação geopolítica paranaense, ser uma ponte de
união, de consolidação e de situação na política brasileira em su-
as inflexões320.

Desde o início desse trabalho nossa preocupação central sem-


pre foi pôr em destaque as implicações políticas da Revolução Fede-
ralista no Paraná para a consolidação do regime republicano no Esta-
do que, desde os prolegômenos de sua formação econômica e social,
sempre teve um intenso contato cultural com o Rio Grande do Sul.
Entretanto, vimos ao longo do trabalho que o referido pro-
cesso insurrecional teve nesses dois Estados desfechos díspares e
isso não se deveu apenas em função de diferenças econômicas regio-
nais, mas principalmente, devido às diversidades das situações polí-
ticas forjadas nos dois Estados após a proclamação da República.
Muitos historiadores e escritores paranaenses concentraram
suas penas no esforço de mostrar como a Revolução Federalista foi
um evento “fora do lugar” na história do Estado. O exemplo mais
claro disso está na obra de David Carneiro que, à guisa de exemplo,
chega a chamar os maragatos de “corrientinos bombachudos de má

320
OLIVEIRA, Ricardo C. O silêncio dos vencedores; genealogia, classe dominante e
estado no Paraná. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001. p. xxiii. Em 2002, a tendência de
alinhamento do Paraná com o poder central foi mantida, com a eleição de Roberto
Requião para o cargo de governador. Apesar de ser do PMDB, Requião sempre se de-
clarou aliado do candidato petista Luís Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 219

catadura” 321, com o intuito de demonstrar a absoluta alteridade


cultural dos invasores gaúchos nas terras dos pinheirais.
Com todo respeito ao insigne historiador, nosso esforço foi no
sentido contrário; tentamos mostrar a profundidade dos laços culturais
entre paranaenses e gaúchos em função do comércio das tropas, e
nossa preocupação central sempre foi pôr em destaque a relevância
da diferenciação econômica entre a oligarquia agrária dos Campos
Gerais com a burguesia da erva-mate na formação dos Partidos
Liberal e Conservador, respectivamente, ao longo do século XIX.
Nesse ponto reside o ineditismo do nosso trabalho, ao mostrar
que a adesão de setores da sociedade paranaense ao irredentismo
gaúcho em 1894 foi reflexo direto do quadro de decadência econô-
mica que a aristocracia dos Campos Gerais estava atravessando.
Nunca tivemos a pretensão de fazer uma história comparada
entre os Estado do Paraná e o Rio Grande do Sul, mas tentamos, de
forma superficial, dissecar o aparente embaralhamento de similitudes
e divergências culturais, econômicas e políticas entre essas duas
unidades da federação brasileira em torno de um episódio tão contur-
bado. Essa postura também é inédita na historiografia paranaense.
Um quadro teórico foi montado, onde tentamos inserir a
Revolução Federalista em um momento histórico maior. Isso pôde
ser atestado ao longo deste livro, na qual buscamos entender a
formação dos grupos políticos paranaenses a partir da análise dos
aspectos da vida política do Império e inserir o Brasil nos quadros
do capitalismo mundial, analisando a crise do Império com a supe-
ração do trabalho escravo.
Os percalços da implantação do regime republicano no Brasil
acabaram se refletindo na construção de um Estado nacional oli-
gárquico, na decadência da atividade criatória, na manutenção da
estrutura agrário-exportadora e, para o nosso trabalho principal-
mente, na marginalização política dos Estados do Paraná e Santa
Catarina. Já o Rio Grande do Sul, optou pelo seu auto-isolamento
econômico, influenciado pela ideologia positivista das “pequenas
pátrias”.

321
CARNEIRO, David A. S. O Paraná e a revolução federalista. São Paulo: Atena,
1944. p. 266.
220 Rafael Augustus Sêga

Inevitavelmente, a tumultuada vida política nacional nos


primeiros anos da República acabara de se refletindo nos três Estados
do Sul do Brasil, cristalizada na forma de uma sangrenta guerra civil,
a Revolução Federalista, a qual foi vencida pelas forças legalistas.
No Rio Grande do Sul, a derrota dos federalistas assinalou a
efetivação do plano político-administrativo castilhista de orientação
positivista, que se perpetuou até meados da década de vinte do
século XX. Já no Paraná, entrementes, não existia uma plataforma
política como a gaúcha, e a vitória sobre os revolucionários visou,
basicamente, ao afastamento dos antigos liberais da cena política do
Estado.
O termo “revolução” é polissêmico e pode designar, em polí-
tica moderna, “transformação radical por meio de ação violenta”
ou, em astronomia, “rotação ou giro”. Com esse último sentido, na
Antigüidade, o termo podia denotar uma noção cíclica do tempo ou
o retorno a um status quo ante.
No caso do Paraná, a derrocada da Revolução Federalista e o
estabelecimento do “consulado” de Vicente Machado não acarreta-
ram nem uma coisa nem outra, uma vez que não ocorreu nenhuma
mudança radical dos rumos do poder no Estado, se adotarmos a
acepção política moderna, nem tampouco uma tentativa de volta a
um estado de coisas anterior, se adotarmos a concepção antiga. Em
verdade, foi mais um rearranjo lampedusiano322, com vistas à aco-
modação e à conservação, características bem típicas da política
paranaense.
Por fim, achamos pertinente tecer aqui considerações finais
sobre o foco do nosso trabalho e nosso levantamento de fontes, que
ficou assentado em boa parte no jornal A República. Apesar de o
leitmotiv de nosso livro ter sido a compreensão da estrutura econô-
mica do Estado do Paraná, isso não diminuiu, ao nosso modo ver, a
importância da análise do referido jornal à luz do se convenciona
chamar, no meio acadêmico, de Nova História Cultural, pois as
representações atestadas no periódico, apesar de não apontarem
para a situação econômica do Estado do Paraná, mostraram bem a

322
Como na célebre passagem do livro Il Gattopardo, na qual o jovem personagem
Tancredi argumenta a seu aristocrático tio don Fabrizio, príncipe de Salina (cuja dinas-
tia tinha como símbolo uma espécie rara de leopardo), que era hora de este apoiar a uni-
ficação da Itália: “– Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude.”.
In: LAMPEDUSA, Giuseppe T. O leopardo. São Paulo: Edibolso, 1976. p. 37.
Tempos Belicosos: a Revolução Federalista no Paraná 221

completa dissociação dos dois projetos de sociedade, o clima de


tensão política e a inevitável identificação dos oposicionistas com
os revoltosos gaúchos.
Temos a convicção de que em História nenhum trabalho é
definitivo e não somos levianos em afirmar que nossa abordagem ou
nossa pesquisa empírica esgotam o assunto em tela; pelo contrário,
esperamos que a mesma venha a ser um estímulo para que outros
historiadores desenvolvam trabalhos relacionados à história política
do Paraná na Primeira República, principalmente com respeito à
trajetória política de Vicente Machado, em um ensaio prosopográ-
fico, campo de pesquisa tão instigador, mas ainda pouco explorado
em termos historiográficos acadêmicos.
222 Rafael Augustus Sêga

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240 Rafael Augustus Sêga
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PARADIGMAS

I – Acreditamos que a integração entre povos se constrói de forma ética e


solidária a partir da democratização cultural como forma de fortalecer e
enriquecer a própria humanidade. Somente a cultura permite quebrar
preconceitos e superar barreiras ideológicas, posicionando o ser humano
como ponto de partida e chegada de todos os esforços da humanidade;
II – Enxergamos que a dialogicidade que o livro estabelece, entre as diferentes
culturas, permite a superação dos limites impostos pela geografia e pelas
normas, viabilizando que a integração entre os povos se faça de forma ética
e sustentável, formando indivíduos reflexivos e autônomos, comprometidos
com os valores que lhes permitam alcançar seus objetivos sem ferir os
valores do outro;
III – Defendemos que somente a cultura legitimiza a civilização, distanciando-
nos dos outros animais, libertando-nos do eterno agora dos instintos e dos
limites impostos pelo meio-ambiente. Portanto, ao democratizar o saber e a
cultura, promovemos a própria humanidade e civilização;
IV – Sustentamos que os países são tão mais fortes e ricos, quanto mais cultos
são os seus cidadãos, entendendo que investir em ações que promovem o
livro é contribuir para a construção de um mundo mais justo;
V – Em um mundo que corre a passos largos para a empobrecedora e reducionista
padronização cultural, lutamos pela cultura regional enquanto elemento
identificador da nossa própria identidade. Afinal, defendendo as identidades
regionais que promoveremos a rica diversidade cultural nacional que nos
caracteriza enquanto povo e país;
VI – Por isto, o Instituto Memória Editora e Projetos Culturais concentrará seus
esforços na publicação de livros regionais e numa distribuição nacional
mais efetiva, gerando e promovendo integração com respeito às diferenças;
VII – Para o Instituto Memória, cada autor é considerado como o capital
estratégico essencial, pois sem autor não existem livrarias e editoras, mas o
autor existirá sempre.

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