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BaHUTU E BaTUTSI: CONFLITOS EM RUANDA E BURUNDI

João Batista dos Santos*


Luís*
Walter Lippold*

A mídia brasileira mostra-nos com freqüência imagens dos conflitos africanos

que ainda persistem no continente. São imagens fortes: crianças mortas ou

famélicas, massacres de civis desarmados, migrações e campos de refugiados.

Ultimamente os conflitos no Sudão e na região do Lago Kivu, na fronteira de

Ruanda, Burundi e Congo, têm sido manchete nos jornais e telejornais 1. Mas o que

fica implícito na visão midiática é que estes conflitos se devem a um “tribalismo

inerente” dos africanos; são conflitos étnicos “típicos” do devir africano. Ao

aprofundarmos esta questão com uma visão crítica, veremos que a raiz do problema

não é tão simplista, existem vários aspectos que confluem para dar origem as estes

conflitos que vão além do problema étnico, quebrando com a explicação mecanicista

e geralmente fragmentada da mídia. Vamos neste artigo analisar o caso do conflito

entre BaHutu e BaTutsi2 em Burundi e Ruanda, que se alastrou pelas regiões

fronteiriças e países vizinhos e gerou milhões de mortos e refugiados. Apesar da

bibliografia parca, buscaremos cinco aspectos que demonstrem a origem e a lógica

deste conflito, aproximando-se de uma visão processual. Além disso, estaremos

saindo do campo da visão que dita ser a África um continente mergulhado na

irracionalidade. Vamos analisar as diferenças entre BaHutu e BaTutsi antes da

chegada do colonialismo, diferenças estas que foram cristalizadas pelo colonizador

* Pós-graduandos do Curso de Especialização em História do Mundo Afro-Asiático da FAPA.


1 Na Zero Hora de 17.08.2004 há a seguinte notícia: “Vítimas de massacre são sepultadas - Em meio
a um forte esquema de segurança, centenas de pessoas sepultaram ontem em uma vala comum, no
meio de uma plantação de algodão, os corpos das 163 vítimas de um massacre de refugiados
congoleses da etnia tutsi, no Burundi, região central da África. Extremistas invadiram o campo de
refugiados de Gatumba, mantido pelas Nações Unidas, na noite de sexta-feira passada. Um
sobrevivente narrou o ataque, dizendo que foi acordado pelo som dos invasores, da etnia hutu,
tocando tambores e gritando que matariam todos os tutsis do Congo.”
2 Na língua local (Kiryarwanda) BA significa plural e MU singular. Assim o plural de Tutsi é BaTutsi.
2

alemão e belga. Vamos observar também o papel da geopolítica colonialista, que

juntou e espalhou etnias dentro de estados, que geralmente antecediam a nação. É

necessário também problematizar o aspecto econômico, isto é a desestruturação

causada pelo colonizador na economia autóctone, além das atuais disputas

neocoloniais entre transnacionais, principalmente EUA, França e Alemanha, pelo

potencial mineral de Burundi e Ruanda.

Os conflitos entre BaTutsi e BaHutu vieram intensificando-se desde o processo

de descolonização de Ruanda e Burundi3 e tiveram sua culminância em 1994, mais

precisamente após o assassinato dos dois presidentes BaHutu4 destes países.

Refugiados tutsi, exilados há anos em Uganda, organizaram um


pequeno exército (a Frente Patriótica Ruandesa – FPR), que
penetrou no norte de Ruanda em outubro de 1990, sendo expulsos
um mês depois pelo exército. Sentindo-se desgastado e ameaçado
internamente, o governo massacrou tutsis em 1991 e 1992, como
meio de fomentar uma divisão étnica, com vistas a permanecer no
poder. (VIZENTINI, 2003, p.111)

Com a conquista de Kigali pela FPR iniciou-se os massacres de BaHutu e a

migração de 4 milhões de refugiados para os países vizinhos, principalmente para

Tanzânia e para o Congo (ex-Zaire). As milícias BaHutu e BaTutsi eram as principais

promotoras do massacre mútuo, o rádio foi usado por ambas as partes para

fomentar o genocídio, justificando-o como cumprimento do “dever patriótico”.

Atualmente, principalmente em Ruanda, o domínio Tutsi vem reprimindo e

discriminando a população BaHutu. Somente são julgados e condenados os BaHutu,

“esquecendo-se” do massacres perpetuados por BaTutsi. O ruandês Makunael

(2004) escreve no sítio do Rebelión que:

Después de las elecciones de 2003, las asociaciones y actores de


la vida pública que no han sostenido al FPR en su campaña, son
3 Em 1971-72 os BaTutsi no poder de Burundi massacraram mais de 600.000 BaHutu.
4 Após o fuzilamento do presidente do Burundi, o Hutu Mechior Ndadaye, por oficiais BaTutsi, seu
sucessor, Cyprien Ntaryamira, acabou morrendo junto com Juvenal Habyarimana, o presidente de
Ruanda num atentado ao avião, com dois mísseis terra-ar SAM 16, no dia 6 de abril de 1994, que os
transportava de uma reunião regional ocorrida em Dar-es-Salaam
3

víctimas de discriminaciones que entorpecen sus actividades. Para


afianzar mejor el control sobre estas asociaciones, el gobierno les
obliga (incluso a aquellas que ya están acreditadas y realizan
trabajos ya conocidos) a registrar y pedir cada año una
autorización para ejercer sus actividades.

Apesar do discurso da FPR que diz que não existem BaHutu, BaTutsi e BaTwa,

mas sim ruandeses, se um Hutu entra para a FPR, mesmo assim, ele não

ascenderá a nenhum cargo público.

La discriminación alcanza también a los muertos. El gobierno


organiza cada año, desde hace 10, el duelo en memoria de las
víctimas del genocidio. Esta acción debe subsistir pues es útil y
positiva. Por el contrario, el gobierno no organiza nada en
memoria de las víctimas de masacres y crímenes de la guerra
desde 1990 a 1994. Incluso las jurisdicciones Gachacha tienen
prohibido tratar esos casos. El silencio sobre el atentado que costó
la vida a los Jefes de Estado en 1994 (de Rwanda y de Burundi),
se inscribe dentro del marco de la discriminación, que limita la
aplicación de la justicia a las personas de una sola etnia. La
discriminación étnica se manifiesta también en que no se ha
perseguido a los autores de los asesinatos de los líderes hutu. La
muerte de un tutsi pone en pie a todas las instituciones para
juzgar a los culpables[...] (MAKUNAEL, 2004)

Adentremos agora nos cinco aspectos que, para nós, foram importantes para a

deflagração dos conflitos entre BaTutsi e BaHutu.

A região dos Grandes Lagos foi primeiramente povoada pelos pigmeus BaTwa,

vindos da florestas congolesas; em meados do século VI, os ferreiros e agricultores

Bantus chegavam a região impondo seu domínio. Já no século XV chegam a região

os guerreiros e pastores BaTutsi, vindos da Etiópia. Os Bantus, denominados nesta

região por BaHutu, sofreram a dominação Tutsi, que firmou-se como a classe

dominante, já que possuía em suas mãos as artes da guerra (MELO, 1999, p.79).

Organizou-se uma espécie de sociedade onde os BaTutsi, que eram 10% da

população, formavam uma elite detentora dos rebanhos e terras. Os BaHutu , 90%

da população, trabalhavam em troca de proteção militar numa espécie de relação


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desigual muito assemelhada com a proteção feudal. Os aristocratas BaTutsi

possuíam repugnância ao trabalho na terra, e o gado era um bem dos mais

importantes para essa elite. Além disso, os BaTutsi possuíam maior estatura que os

BaHutu, elemento que seria aproveitado pelos colonizadores na cooptação dessa

elite a partir da criação de uma ideologia racista. Segundo Vizentini (2003, p.111), o

conflito entre Hutus e Tutsis “foi mostrado pela mídia como uma decorrência do

‘tribalismo tradicional’, mas na realidade resultou da deformação e reapropriação

moderna de determinadas fraturas sociais da região”.

Com a partilha colonial da África, Ruanda-Burundi passaram a pertencer à

Alemanha que iniciou um processo de cooptação da elite Tutsi, aproveitando-se das

estruturas tradicionais para dominar. Segundo Melo (1999, p.82): “O colonialismo

alemão manteve a estrutura de dominação dos tutsis, resguardando a eles o acesso

exclusivo das forças armadas, da educação e dos postos da administração colonial.”

O Mwami (rei) passava a ser um fantoche da metrópole e a classe dominante

Tutsi tornava-se submissa aos interesses coloniais, quebrando a relativa harmonia

que havia entre as etnias, já que a elite não mais cumpria a sua parte na relação de

proteção. Com a derrota alemã na I Guerra Mundial, as colônias de Ruanda e

Burundi foram separadas e passaram à esfera de dominação belga que

conseqüentemente formava um bloco colonial juntando-se o Congo. A colonização

belga na África caracterizou-se por um excessivo paternalismo que jogou as massas

ao atraso e miséria, já que estavam alijadas das necessidades básicas de um ser

humano. Os belgas criaram uma ideologia racista onde se afirmava que os BaTutsi,

eram negros “mais evoluídos”, ou seja, tinham uma ascendência branca, já que

eram altos e vinham da região da Etiópia. Assim a maioria Hutu foi extremamente

marginalizada na sociedade, não podendo, por exemplo, ingressar em escolas, que


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exigiam altura mínima5. Antes do colonialismo, um MuHutu poderia tornar-se Tutsi,

denotando-se aqui o caráter de classe travestido de etnia. Com a chegada do

colonizador belga houve uma cristalização das diferenças em prol do principio de

divide et impera; politizando estas diferenças, realçando-as e aproveitando-se delas,

os belgas acenderam o estopim que iria estourar na descolonização de Ruanda e

Burundi. Assim:

O aparecimento à luz do dia das contradições no seio do Terceiro Mundo,


tanto no plano econômico como no político (pensemos nos acontecimentos
do Corno Oriental da África, Sara Ocidental, África Central[...]), não é a
expressão de nacionalismos antigos, pré-capitalistas, libertados pela
independência recuperada. (AMIN, s.d., p. 133)

Poderíamos afirmar, à partir do trecho supracitado, que apesar de já existirem

diferenças entre BaHutu e BaTutsi, os conflitos que explodiram nos processos de

Independência em Ruanda e Burundi (ambos em1962), não eram algo que estava

dormindo desde o advento do colonialismo na região, e com a retirada desastrosa

dos belgas acordou; devemos visualizar estes conflitos como fruto da apropriação

colonial que fomentou a divisão étnica para melhor dominar.

[...]etnicidade e identificação étnica em si não podem ser responsabilizadas


pelos conflitos. A própria tradição multiétnica dos Estados africanos pré-
coloniais e os exemplos de coexistência pacífica de diversas etnias
demonstram que não existe automatismo entre multietnicidade e conflito.
(Döpcke, 1999, p.100)

A geopolítica colonialista dividiu a África entre as potências européias no final

do século XIX, isto fez com que se criassem unidades territoriais que separavam

etnias que viviam juntas e vice-versa. Os BaHutu e BaTutsi ficaram espalhados em

Ruanda, Burundi, Uganda e Congo Belga. Mas a questão da fronteira nesta região é

complexa, não houve, por exemplo, choques por causa de disputas fronteiriças, os

conflitos só ocorrem quando uma das etnias é expulsa do seu país e volta mais
5 Os BaHutu, no processo de Independência, costumavam cortar com facões pedaços das pernas de
BaTutsi, eram um modo cruel e simbólico de exigir a igualdade.
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tarde com um grupo de guerrilheiros prontos para lutar, como no caso da Frente

Patriótica Ruandesa dos BaTutsi refugiados em Uganda. Segundo Döpcke (1999,

p.78) as “fronteiras[...] não representam um fator importante nos conflitos entre os

Estados, ou mesmo dentro deles.” Podemos afirmar que, no caso de Ruanda e

Burundi, a fronteira não é uma causa direta do conflito, mas indiretamente ajudou na

sua difusão. A migração causava uma pressão nas fronteiras, e os refugiados muitas

vezes se armavam para voltar a Ruanda e Burundi, ajudando sua respectiva etnia.

Muito antes da partilha da África, já existiam estados multiéticos, segundo Döpcke

(1999, p.99) “a multietnicidade e as culturas e etnias politicamente divididas

representam uma forte tradição africana desde a época pré-colonial, sobrevivendo

até os dias atuais”. Desse modo, os conflitos entre BaHutu e BaTutsi aconteceram

por causas de guerras e levantes contra o regime no poder. Em Ruanda e Burundi,

estes conflitos estão ligados a questão político-social, que justamente tem um valor

étnico. Em outras palavras, uma etnia era formada pela elite e a outra pela

população pobre, com a colonização as rivalidades se acirraram.

Segundo Vizentini (2003, p.91):

As fronteiras dos novos países [africanos] eram artificiais, tanto no que se


refere ao mínimo critério de racionalidade geoeconômica como histórico-
cultural. Grupos etno-linguísticos rivais eram reunidos dentro de um mesmo
Estado, enquanto outros afins, muitas vezes o mesmo, encontravam-se
separados por uma linha traçada a régua. O Estado antecedia à existência
de uma nação.[...]Muito das futuras guerras civis resultariam, sobretudo, da
distorção de determinadas estruturas africanas tradicionais pelos
colonizadores.

Döpcke (1999, p.97) critica a visão hegemônica na historiografia que afirma

serem as fronteiras artificiais, o principal motivo de instabilidade na África: “Virou

clichê explicar a instabilidade política da África em parte em função do impacto das

fronteiras herdadas do colonialismo. As fronteiras seriam ‘artificiais’, argumenta-se,

por isso causam conflitos entre os Estados ou dentro deles”. Se analisarmos melhor,
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veremos que toda fronteira é artificial, ou seja, uma construção histórica, seja na

África ou mesmo na Europa. Um dos aspectos mais importantes, como afirmaram os

dois autores, é a distorção e politização das fraturas étnicas.

Outro aspecto que devemos analisar é a questão da desestruturação das

economias autóctones pelo colonialismo, pois este processo teve um peso

importante na configuração do conflito em Ruanda e Burundi, já que o aumento da

fome e miséria é um dos maiores incentivos à violência.

Durante o período colonial, o perfil econômico da região foi modificado para


satisfazer às necessidades do mercado europeu. Os agricultores foram
obrigados a plantar café para a exportação e tiveram que importar seu
alimento. A elite tutsi, associada ao colonialismo, perde sua legitimidade ao
se tornar agente deste novo tipo de exploração, e quem nem o mínino
necessário para a sobrevivência eram garantido aos hutus. (MELO, 1999,
p.83)

Chaliand (1982, p.34) também coloca a distorção das economias – com “[...]

monoculturas agrícolas, extração pura e simples das matérias primas minerais,

sendo que o conjunto do sistema é regido pela desigualdade das trocas entre países

industriais e países fornecedores. [...]” – como um fator gerador de conflitos. Além

disso, os belgas não desenvolveram indústrias, exacerbando um paternalismo

parecido com o dos portugueses.

O modo capitalista é aqui introduzido do exterior, pela dominação política.


Não há desagregação das relações rurais pré-capitalistas, mas deformação
por submissão às leis de acumulação do modo capitalista central que as
domina. (AMIN, s.d., p.117)

Com esta infra-estrutura precária, realçando-se a relações de produção

baseadas na superexeploração da força de trabalho campesina, que era

essencialmente Hutu, a instabilidade superestrutural era inexorável principalmente

no campo político.

Atualmente cresce a importância da disputa por minérios na região dos

conflitos entre BaHutu e BaTutsi, o exército ruandês da FPR é acusado de manter


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uma rede militar no Congo para explorar minerais estratégicos como o coltan

(columbita e tantanita) necessário na produção de tecnologia de ponta. A grandes

corporações transnacionais começaram a financiar os conflitos para facilitar o saque

do território congolês. Cabe lembrar que existe uma população Tutsi no Congo,

chamada de Banyamulenges. A complexidade das redes de exploração de minério é

enorme, existem interesses estadunidenses, franceses, alemães até mesmo

cazaques, sem falar nos interesses dos países da região. A paquistanesa-

burundinesa Azazi Kulsum, uma contrabandista famosa na região dos Grandes

Lagos, era muito próxima ao dirigente Hutu burundinês Leonard Nyangoma e até

pouco tempo ela era a principal abastecedora de armas aos rebeldes ruandeses

BaHutu. Hoje em dia, por causa do dinheiro, Azazi trabalha para a FPR Tutsi, que se

encontra na região de Kivu para perseguir BaHutu e explorar minérios.

[...]a região, nos últimos anos, tem sido palco de disputa entre EUA e
França pelas reservas minerais dos dois países [Ruanda e Burundi]. A
França passou a denunciar a presença norte-americana em Ruanda e
Uganda desde 1995. Além de financiar o exército ruandense, as empresas
mineradoras norte-americanas contratam mercenários para treinar os
soldados tutsi. De olho nas reservas de zinco, cobre e diamantes, os EUA
despejam material bélico na região[...] Enquanto a França apóia os hutus,
os tutsis assinam contratos cedendo o direito de exploração mineral às
emrpesas mineradoras dos EUA. O Exército tutsi garante às mesmas uma
força permanente de intervenção na defesa dos seus interesses. Prova
disso foi a participação dos tutsis no golpe de Estado no Congo. Os tutsis,
apoiados pelos norte-americanos derrubaram um governo apoiado pela
França. (MELO, 1999, p.87)

Chaliand (1982, p.28) faz uma síntese que engloba o caso de Ruanda e

Burundi:

O poder econômico[...]escapa inteiramente da África. A África é dependente


do exterior no que se refere à ajuda pública, aos trabalhos essenciais de
infra-estrutura, ao conjunto de exploração de suas riquezas minerais.
(Grifo nosso)

Além da guerra civil há o problema das doenças, principalmente a AIDS que


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desempenha um papel verdadeiramente malthusiano na África, pois 75% dos

doentes do mundo são africanos. A cada ano nascem 600.000 crianças soropositivo,

90% são africanas. A falta de higiene, informação, juntamente com a avareza das

corporações farmacêuticas, que se negam a permitir que os países pobres possam

produzir os remédios necessários para o tratamento, condenando milhares de seres

humanos a morte em prol do lucro. A cólera e o ebola são outras doenças que

corroboram na mortandade africana; os campos de refugiados BaHutu no Congo e

Tanzânia são freqüentemente assolados por epidemias de cólera. A vida humana

vale pouco na África, justo neste continente onde ocorreu o processo de

humanização, de onde saímos das trevas do instinto para a práxis humana.

Alguns teóricos ligados diretamente ao status quo ideológico mundial, como

Samuel Huntington, preferem creditar aos conflitos atuais no mundo - entre eles os

de Ruanda e Burundi - uma origem cultural e não sócio-econômica e/ou política.

Mas esta visão é típica daqueles que preferem ver a realidade fragmentada,

negando as totalidades e suas interconexões dialéticas. Afirmar que os conflitos

entre pobres e ricos, na Nova Ordem Mundial, são inexpressivos perto dos “choques

civilizacionais” é algo tão errôneo como dizer que a França ajudava o regime do

ditador Mobutu por afinidades culturais. As incursões BaTutsi no Congo

aparentemente são efetuadas somente para reprimir os campos de refugiados

BaHutu, mas como vimos o que mais pesa é a exploração “cultural” dos minérios

congoleses. Outra prova da falácia desta teoria é a situação dos BaTutsi , refugiados

em Uganda, que após a vitória da FPR, retornaram aos milhares para Ruanda: com

a falta de terra e a desestruturação econômica do País, surgem gradativas

diferenças entre os BaTutsi, demonstrando que a questão sócio-econômica continua

a ser essencial para a compreensão da situação calamitosa em Ruanda e também


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no Burundi.

A situação atual de Ruanda e Burundi continua instável e não há projeções de

uma síntese que supere as fissuras criadas entre BaHutu e BaTutsi. O colonialismo

deixou sua marca indelével na região e o neocolonialismo continua a ditar as regras

utilizando-se da divisão étnica para melhor pilhar as riquezas da região. Mas não

podemos esquecer o elemento endógeno deste processo, ou seja, a sociedade pré-

colonial da região. Os colonialistas iam adaptando-se às realidades locais para

deformá-las e colocá-las a serviço da exploração colonial. Afirmamos isto para

afastar-se das visões que ditam ser a história da África, somente a História do que

os invasores fizeram no continente, mesmo não sendo a sociedade pré-colonial o

aspecto mais relevante quanto à origem dos conflitos. Importância cabal tem o

processo de cristalização e politização das diferenças entre BaTutsi e BaHutu pelos

colonialistas alemães e belgas! Seguindo este argumento podemos compreender

que o discurso étnico, é o modo como BaHutu e BaTutsi se utilizam para disputar o

poder, lembrando-se que, principalmente para os BaTutsi, a saída democrática é

inviável já que são minoria (15% da população em Ruanda).

Com a Revolução Científica Tecnológica cresce a demanda por minerais raros

como o coltan, surgindo uma nova configuração na região6: uma rede intrincada de

contrabandistas, transnacionais e militares locais que ganha muito com o conflito, já

que lucra não só com a exploração de minério, mas também com o comércio de

armas. Este aspecto, atualmente é um dos maiores fomentadores dos conflitos

étnicos.

Enquanto isso o mundo branco-ocidental assiste nos telejornais as cenas

chocantes de massacres numa espécie de vouyerismo do horror; é um mundo

contraditório onde o bit, o DVD, a rede mundial digital de comunicação, a nano e a

6 Principalmente na margem congolesa do Lago Kivu.


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biotecnologia, os supercondutores e aceleradores de partícula, convivem com a

morte por subnutrição.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMIN, Samir. Classe e Nação na História e na Crise Contemporânea.


Moraes, s.d.

CHALIAND, Gerard. A Luta pela África: estratégias das potências. São


Paulo: Brasiliense, 1982.

DÖPCKE, Wolfgang. A vida longa das linhas retas: cinco mitos sobre as
fronteiras na África Negra. Revista Brasileira de Política Internacional, Ano
42, nº1, p. 78-108, 1999.

FLORÊNCIO, Fernando. O Ruanda no epicentro do sismo Zairense (Novas


variações sobre o tema de David contra Golias.

MAKUNAEL, M. Ruanda: Difícil camino de reconciliación después del


genocidio y las masacres de 1994. 14 de junho de 2004. Disponível em:
<http://www.rebelion.org> Acesso em: 15.08.2004

MELO, José Ernesto. Conflitos na África Central: Hutus e Tutsis, os


condenados da raça. In: RIBEIRO, L.D. et al (org.) Contrapontos: Ensaios de
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Editora, p. 79-87, 1999.

RIBEIRO, Luiz Dario. Descolonização Africana. Ciências&Letras, Porto


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VIZENTINI, Paulo. África: relações internacionais e construção do Estado-


Nação. Ciências&Letras, Porto Alegre, nº 33, p.89-117, 2003.

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