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William P. Alston
A Filosofia da Linguagem está ainda menos bem definida e possui um princípio de unidade ainda menos
claro do que a maioria dos outros ramos da Filosofia. Os problemas da linguagem que são tipicamente
tratados pelos filósofos constituem uma coleção pouco conexa, para a qual é difícil encontrar qualquer
critério nítido que a distinga dos problemas de linguagem de que se ocupam gramáticos, psicólogos e
antropólogos. Podemos chegar a uma noção inicial da amplitude dessa coleção fazendo um levantamento
dos vários pontos onde, no âmbito da Filosofia, surge o interesse pelos problemas da linguagem.
"E assim, poder-se-ia até levantar a questão de saber se as palavras caminhar , ter saúde , sentar ,
implicam que cada uma dessas coisas seja existente, e do mesmo modo em outros casos deste
gênero; pois nenhuma delas subsiste por si própria nem é capaz de manter-se separada da
substância mas, antes, se realmente é alguma coisa, é aquilo que anda, ou se senta ou é saudável
que é uma coisa existente. Ora, tais palavras são tidas na conta de mais reais porque existe algo
definido que lhes é subjacente (isto é, a substância, ou indivíduo), que está implícito nesse
predicado; pois nunca usamos a palavra "bom" ou "sentado" sem subentender isso". ( Livro Zeta,
capítulo 1. )
Neste caso, Aristóteles parte do fato de que nunca usamos verbos a não ser em conexão com sujeitos, de
que não dizemos "Senta", "Caminha" etc., mas, antes, "Ele está sentado" ou "Ela caminha". Deste fato
conclui que as substâncias, as "coisas", têm uma espécie independente de existência que as ações não têm,
que as substâncias são ontologicamente mais fundamentais do que as ações.
Um exemplo mais exagerado vamos encontrar no filósofo alemão do fim do século XIX, Meinong, que
parte da suposição de que toda a expressão significativa numa frase ou proposição (pelo menos, qualquer
expressão significativa que tenha a função de referir-se a algo) deve ter- 11m referente; caso contrário,
nada haveria que pudesse significar. Logo, quando temos uma expressão obviamente significativa que
não se refere a coisa alguma no mundo real, por exemplo, "a Fonte da Juventude", na frase "De Soto está
à procura da Fonte da Juventude" , devemos supor que se referia a uma entidade "subsistente", que não
existe mas tem algum outro modo de ser. Esta doutrina, assim como a posição platônica acima
apresentada, baseia-se numa assimilação confusa de significado e referência, que tentaremos destrinçar no
primeiro capítulo.
Note-se que essa identidade de estrutura é postulada como válida não entre qualquer linguagem existente
e a estrutura metafísica básica do mundo, mas somente entre uma "linguagem logicamente perfeita" e a
estrutura metafísica.. A hipótese formulada é de que, quando criamos tal linguagem ou adquirimos, pelo
menos, uma idéia sumária do que essa linguagem poderia ser, estaremos então aptos a tirar várias
conclusões sobre os tipos de fatos de que a realidade é feita e a estrutura de cada um desses fatos.
Verificaremos quais diferentes tipos de proposições possuímos nessa linguagem para afirmar fatos, por
exemplo, simples frases de sujeito-predicado como "Este livro é pesado" e frases existenciais como "Há
um gato na varanda"; e veremos como esses vários tipos de proposições estão logicamente
correlacionados. Isso nos dirá quais são os tipos básicos de fatos de que a realidade é feita e como os fatos
desses vários tipos estão correlacionados.
Lógica
Outro ramo da Filosofia em que o interesse pela linguagem tem lugar preponderante é a lógica. A lógica é
o estudo da inferência; mais precisamente, é a tentativa de criação de critérios para distinguir as
inferências válidas das inválidas. Como o raciocínio se efetua pela linguagem, a análise das inferências
depende da análise dos enunciados que figuram como premissas e conclusões. 0 estudo da lógica revela o
fato de que a validade ou invalidade de uma inferência depende das formas dos enunciados, que
compõem as premissas e a conclusão, entendendo-se por "forma" as espécies de termos que os
enunciados contêm e o modo como esses termos estão combinados no enunciado. Assim, de duas
inferências que superficialmente parecem muito semelhantes, uma poderá ser válida e a outra inválida por
causa de uma diferença na forma de um ou mais dos enunciados envolvidos. Consideremos os seguintes
pares de inferências.
Ora, 1 é, claramente, um argumento válido e 2 é, claramente, inválido. Dados os fatos de que alguém
vende seguros nesta cidade e alguém pertence á Primeira Igreja Metodista, não se segue, em absoluto, que
exista alguém de quem ambas essas coisas sejam verdadeiras. Como um desses argumentos é válido e o
outro inválido, decorre que, apesar das superficiais semelhanças gramaticais, uma frase como a. "Joe
Carpenter vende apólices de seguro em nossa cidade" é de uma forma lógica muito diferente de uma frase
como b. "Alguém vende apólices de seguro em nossa cidade". Existem outros indícios disso. A frase b é
equivalente a "Existe alguém que vende apólices de seguro em nossa cidade" e " A classe de pessoas que
vendem apólices de seguro em nossa cidade não está vazia'', mas não podemos encontrar tais equivalentes
para a frase a. Quando as premissas e conclusão da inferência 2 são colocadas numa dessas formas, o
argumento perde sua semelhança superficial com a inferência 1 e não parece de modo algum válido.
Fica evidenciado em tais exemplos que uma importante parte da lógica consiste da classificação de
enunciados em função cie sua forma "lógica" (isto é, aspectos da forma que são relevantes para a
avaliação da inferência). E essa classificação requer, por seu turno, uma classificação dos tipos de termos
que entram nos enunciados, pois uma diferença formal assenta, muito freqüentemente, numa diferença
entre os tipos de termos envolvidos. No exemplo precedente, a diferença de forma lógica entre as frases a
e b assenta numa diferença fundamental entre um nome próprio como "Joe Carpenter", que tem a função
de selecionar um determinado indivíduo, e uma locução como "alguém", que tem uma função muito
diferente.
A Epistemologia
0 ramo da Filosofia conhecido como Epistemologia ou Teoria do Conhecimento envolve a linguagem em
certos pontos, sendo o mais importante o problema do conhecimento a priori. Temos um conhecimento
apriorístico quando sabemos algo sem que esse "algo" esteja fundamentado na experiência. Parece que
temos um conhecimento desse gênero na matemática e talvez em outras áreas também; e o fato de termos
tal conhecimento parece ter deixado os filósofos freqüentemente perplexos. Como é que podemos saber
com toda a certeza, independentemente de observações, medidas etc., que os ângulos de um triângulo
euclidiano, todos somados, são iguais a 180 graus? Ou que 8 mais 7 é sempre e invariavelmente igual a
15? Como podemos estar certos de que nenhuma experiência jamais desmentirá essas convicções? Uma
resposta que tem sido freqüentemente dada é que, em tais casos, o que estamos afirmando é verdadeiro
por definição ou verdadeiro em conseqüência das significações dos termos envolvidos. Quer dizer, faz
parte do que significamos com o uso de "8", "7", "15", "mais" e "igual'' que 8 mais ~ iguala 15; e negar
esta afirmação seriamente implicaria a mudança de significação de um ou mais desses termos. A
propriedade desta explicação do conhecimento a priori é e tem sido objeto de considerável controvérsia;
mas, quer a posição se justifique ou não, é evidente que, mesmo considerando-a seriamente, somos
levados inevitavelmente a indagações por que um termo tem um certo significado P como é que um
enunciado pode ser verdadeiro em virtude de certos termos possuírem o significado que possuem.
Reforma da Linguagem
Há também motivos filosóficos de interesse pela linguagem que nada têm a ver com os problemas de um
ou outro ramo da Filosofia mas, sim, com os tipos de atividade a que os filósofos são levados em muitos
ramos da matéria. Um destes é a reforma da linguagem. Os pensadores de muitos campos são propensos a
se queixarem de deficiências da linguagem, mas os filósofos têm estado mais preocupados, e com razão,
com esse gênero de problema do que a maioria. A filosofia é muito mais uma atividade puramente verbal
do que uma ciência que reúne e colige fatos sobre reações químicas, estruturas sociais ou formações
rochosas. A discussão verbal é o laboratório do filósofa, onde ele submete suas idéias a teste. Não
surpreende, portanto, que o filósofo seja especialmente sensível às imperfeições em seu principal
instrumento. As queixas filosóficas sobre a linguagem têm tomado variadas formas. Temos os filósofos
da intuição mística, como Plotino e Bergson, que consideram a linguagem intrinsecamente inadequada à
formulação da verdade fundamental. Segundo esse ponto de vista, só podemos realmente apreender a
verdade mediante uma união, sem palavras, com a realidade; as formulações lingüísticas só nos
proporcionariam, na melhor das hipóteses, perspectivas mais ou menos desvirtuadas. Mas, com maior
freqüência, os filósofos não se mostram propensos a renunciar à conversação, nem mesmo em teoria. As
queixas, em geral, têm sido dirigidas contra algum estado ou condição corrente da linguagem, e a
implicação é de que deveriam ser tomadas providências para remediar essa situação, Esses filósofos
podem ser, metodicamente, divididos em dois grupos, Há os que mantêm que a "linguagem vulgar'', a
linguagem da conversação cotidiana, é perfeitamente adequada aos fins filosóficos, e que o mal reside no
fato de se desviar da linguagem vulgar sem que se providencie, realmente, um meio qualquer de dar
sentido ao desvio. Encontramos exemplos desse tipo de queixas ao longo da história da Filosofia, como
foi o caso dos protestos de Locke contra o jargão escolástico; entretanto, foi em nossa própria época que
tais reclamações se converteram na base de um movimento filosófico - o da "filosofia da linguagem
comum". Em sua mais vigorosa forma, tal como observamos nas últimas obras de Ludwig Wittgenstein,
ela sustenta que todos ou, pelo menos, a maioria dos problemas da Filosofia promanam do fato de os
filósofos terem usado mal alguns termos decisivos, como "saber", "ver", "livre", "verdadeiro" e "razão".
Foi porque os filósofos se afastaram do uso ou usos comuns desses termos, sem os substituir por algo
inteligível, que acabaram por cair em enigmas insolúveis sobre se podemos saber o que outras pessoas
estão pensando ou sentindo; se realmente vemos, de modo direto, qualquer objeto físico; se agimos
sempre livremente; se temos sempre alguma razão para supor que as coisas acontecerão de uma maneira
ou de outra no futuro. Segundo Wittgenstein, o papel do filósofo que chegou a essa conclusão é o papel
de um terapeuta; sua tarefa consiste em remover as "limitações conceptuais'' em que caímos.
Em segundo lugar, há os que, ao contrário, sustentam que o problema decorre do fato de ser a própria
linguagem vulgar inadequada para fins filosóficos, em vista de sua indefinição, ambigüidade, caráter vago
e inexplícito, dependência do contexto e de sua natureza propícia a interpretações ilusórias ou equívocas.
Esses filósofos, como Leibniz, Russell e Carnap, consideram ser sua tarefa a construção de uma
linguagem artificial ou, pelo menos, a delineação de uma linguagem tal em que esses efeitos sejam
remediados. Como acentuamos antes, esse empreendimento é, por vezes, estimulado pela convicção de
que é possível, pela estrutura dessa linguagem, entender todos os fatos sobre a estrutura metafísica da
realidade.
Para os nossos propósitos, o interesse principal por essas queixas e esquemas de reforma reside no modo
como as concepções gerais da linguagem e da significação estão neles envolvidas. Até a posição mística
pressupõe uma certa noção da natureza da linguagem; de outro modo, não disporíamos de base alguma
para sustentar que a linguagem é intrinsecamente incapaz de servir como formulação adequada da
verdade. As outras posições envolvem, necessariamente, concepções mais positivas das condições em que
a linguagem é significativa e desempenha adequadamente suas funções. Assim, o critério de
verificabilidade da significação, ao qual dedicaremos a maior parte de um capítulo, promana de uma
posição do gênero descrito em último lugar.
Assim, à medida que a Filosofia consiste em análise conceptual, está sempre interessada na linguagem. E,
se toda nu grande parte da tarefa do filósofo é fazer ressaltar as características do uso ou da significação
de várias palavras ou formas de enunciado, então ser-lhe-á essencial proceder de acordo com alguma
concepção, geral da natureza do liso e da significação lingüísticos. Isso se torna ainda mais importante
quando os filósofos analíticos se envolvem em persistentes debates sobre o que uma certa palavra
significa ou sobre se duas expressões ou formas de expressão têm o mesmo ou diferente significado. Há
sérias divergências na filosofia analítica sobre se ``Eu sei que p" significa o mesmo que "Eu acredito que
p, tenho bases adequadas para acreditar e p é o caso"; sobre se "A é a causa de B'' significa.
simplesmente, que A e B estão, de fato, regularmente associados; sobre se "estar triste'' significa o mesmo
que "Eu estou triste" e "Ele está triste"; e se qualquer enunciado teórico na ciência pode ter o mesmo
significado de alguma combinação de relatos de observação. Quando tais discussões não são resolvidas
pelo nosso senso intuitivo do que significam as expressões lingüísticas, o filósofo é forçado a desenvolver
alguma teoria explícita do que significa para uma expressão lingüística ter um determinado sentido, e das
condições em que duas expressões terão a mesma significação. Assim, à medida que a Filosofia é
concebida, primordialmente, como análise conceptual, a filosofia da linguagem ocupa uma posição
central na teoria do método filosófico.
Seria ilusório sugerir que a filosofia da linguagem. mesmo como é praticada pelos filósofos analíticos,
esteja limitada à análise conceptual, ao esclarecimento dos conceitos básicos referentes à linguagem. Há
várias outras tarefas que os filósofos tipicamente se impõem. Ë a classificação de atos lingüísticos, "usos"
ou "funções" da linguagem, tipos de indefinição, tipos de termos, várias espécies de metáforas. Existem
estudos sobre o papel da metáfora na ampliação da linguagem; sobre as inter-relações entre linguagem,
pensamento e cultura; e sobre as peculiaridades do discurso poético, religioso e moral. A criação de
linguagens artificiais tem sido sugerida para vários propósitos. Há meticulosas investigações sobre as
peculiaridades de determinados tipos de expressões, como os nomes próprios e as expressões referentes
de plural; e de determinadas formas gramaticais, como a forma sujeito-predicado. Alguns desses
problemas se situam na fronteira entre a Filosofia e disciplinas mais especiais e todos eles poderiam ser
tratados em uma ou outra dessas disciplinas. Assim, a Psicologia poderia assumir a tarefa de distinguir
entre diferentes tipos de comportamento lingüístico e poder-se-ia esperar que a lingüística descritiva
fornecesse classificações de tipos de expressões. Mas, se esses problemas pertencem, em princípio, às
disciplinas mais especiais, eles pertencem aos seus fundamentos; e a Filosofia tem tido, tradicionalmente,
muitas relações com os problemas de elevado nível nas ciências, especialmente quando essas ciências
estão nas fases iniciais de construção. Terei alguma coisa a dizer sobre alguns desses problemas. Este
livro foi escrito partindo de uma certa orientação filosófica - aquela que é designada, em suas linhas mais
gerais, pela expressão "filosofia analítica". Há muita especulação em torno da linguagem, partindo-se de
pontos de vista muito diferentes e, nesse caso, os problemas assumem configurações bem diversas. Não é
possível nem conveniente que num volume desta dimensão se examinem todos os tópicos filosóficos da
linguagem. A título de compensação, incluí na bibliografia algumas sugestões de leituras sobre esses
outros tópicos.
Notas
1 Logic and Knowledge, ediçâo organizada por R. C. Marsh (Londres; George Allen & Unwin, Ltd.,
195b).