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O país em emergência nacional

No ano 2000, Portugal tinha uma dívida pública de 50,4% do PIB. Em 2010, esse valor deve
fixar-se em 85,4%. Ou seja, em onze anos, a dívida do Estado cresceu 35 pontos! Em
contrapartida, a capacidade da economia portuguesa gerar riqueza seguiu um caminho inverso.
Entre 1985-1991, Portugal cresceu a uma taxa média anual de 5,5%; entre 1991 e 2001, esse
valor caiu para 2,7% em termos anuais; e finalmente desde 2001 até agora, o crescimento médio
anual tem sido inferior a 1%.

Portugal parece assim aquele fidalgo arruinado, com rendimentos cada vez menores mas que,
para manter o nível de vida, recorre cada vez mais ao crédito. Acontece, contudo, que um dia
este caminho acaba - ou porque os investidores deixam de nos financiar ou porque o preço que
nos pedem para emprestar deixa de ser suportável. E o país está muito perto desse limite, como
comprova amplamente a taxa de juro paga esta semana pela emissão de de mil milhões de euros
de Obrigações do Tesouro. O valor pago pela emissão a 10 anos (5,937%) aproximou-se
perigosamente da barreira psicológica dos 6%, taxa que em junho os analistas do Barclays
consideraram ser "insustentável" para um país emitir dívida.

Esta realidade, contudo, não está manifestamente interiorizada nem pelos líderes políticos do
país nem pela generalidade da população. A ideia de que podemos estar à beira de um colapso
no financiamento à economia portuguesa, ou pelo menos a um severo aperto, ainda não passou.
Não passou no Estado, onde a despesa pública continuou a crescer nos primeiros oito meses do
ano, ao contrário do que aconteceu em todos os outros países em dificuldades (Grécia, Irlanda e
Espanha). E não passou nas famílias, que só aumentaram muito ligeiramente a sua poupança, ao
contrário do que se passou, por exemplo, em Espanha.

Depois da Grécia, esta semana o nervosismo regressou aos mercados devido a dúvidas quanto à
capacidade da Irlanda salvar um dos grandes bancos que nacionalizou, o Allied Irish Bank. Ora
o elo mais fraco a seguir à Irlanda é Portugal. O fraco crescimento desde 2000 e o previsto para
os próximos anos levanta dúvidas aos analistas sobre a capacidade de Portugal cumprir os seus
compromissos, ou seja, pagar as sucessivas emissões de dívida pública a que tem vindo a
proceder.

Ora para dissipar estas dúvidas e retirar Portugal do radar dos mercados são necessárias três
condições. A primeira é uma proposta muito credível de Orçamento do Estado para 2011, onde
se verifique uma clara redução do défice, baseada sobretudo em cortes da despesa que sejam
exequíveis. A segunda condição é que essa proposta seja baseada num acordo político entre PS
e PSD, por forma a garantir que será concretizada. E a terceira condição é que se alcance um
acordo entre o Governo e os parceiros sociais de modo a ser aceite um conjunto de sacrifícios
necessários para inverter a situação.

Como é óbvio, não parece fácil cumprir estas três condições. Mas a alternativa inevitável é o
regresso em força do Fundo Monetário Internacional a Portugal, impondo-nos, de uma forma
dura e mais cega, um severo programa de ajustamento orçamental, além de passar um atestado
de irresponsabilidade e incompetência aos dois maiores partidos portugueses. É isso que
Sócrates e Passos Coelho querem? É isso que melhor defende os interesses do país?

Agora manda a Merkel

A partir de 7 de setembro, Angela Merkel passou a mandar em toda a União Europeia. A


chancelerina alemã fartou-se da indisciplina financeira de alguns Estados-membros e não está
disposta a que o seu país os auxilie sem a garantia de que o Carnaval acabou. Por isso, os
últimos resquícios de soberania económica dos países da zona euro esfumaram-se sob
imposição alemã. Já não tínhamos moeda própria. Já não podíamos utilizar a política monetária,
subindo e descendo juros. Já não podíamos controlar as importações. A partir do próximo ano,
deixamos também de ter autonomia orçamental. É este o resultado da decisão dos ministros das
Finanças da União Europeia. Até abril de cada ano, os governos têm de apresentar em Bruxelas
um projeto de orçamento para avaliação dos seus pares. A medida visa "ajudar a corrigir
desequilíbrios e prevenir desvios em tempo útil", um eufemismo utilizado pelo comissário
europeu Olli Rehn para dizer que a partir de agora os ministros das Finanças da eurolândia
passam a ser empregados de Bruxelas. E os orçamentos passam a ser aprovados ou rejeitados
pelo Ecofin, restando depois aos parlamentos nacionais confirmar a luz verde de outros. Bom,
pelo menos podemos começar a pensar em poupar no ordenado do ministro das Finanças.

As lições do caso Carlos Queiroz

Imagine que a seleção nacional de futebol é uma empresa, Gilberto Madaíl o chairman, Carlos
Queiroz o CEO. No último exercício, a coisa não correu bem. O desempenho da empresa não
foi brilhante, não entusiasmando nenhum acionista. De repente, sabe-se que além do mais o
CEO tentou impedir que os auditores vissem as contas da empresa. A associação de auditores
abre um processo ao CEO e aplica-lhe uma suspensão de dois meses. Mas os auditores também
têm de dar contas à CMVM, que decide aumentar a pena para seis meses. Ou seja, durante 180
dias, o CEO não pode entrar na empresa, nem dar orientações, nem diretrizes. Os acionistas
olham para o chairman, mas o chairman não quer decidir e espera que auditores e CMVM o
façam por ele. O CEO culpa o Governo de perseguição política. O caso arrasta-se sem aparente
solução e a empresa perde dois concursos fáceis de ganhar. Moral da história: sem liderança
forte, a empresa perde sempre. E questões de liderança têm de ser resolvidas rapidamente.

Todos falidos em dez anos

Nunca a dívida pública dos países mais poderosos do mundo foi tão elevada como é hoje. E
nunca os riscos que ela implica para o nível de vida e os sistemas políticos destes mesmos
países foram tão ameaçadoras como são hoje. É assim que começa o livro do ex-conselheiro do
Presidente Mitterrand, Jacques Attali, onde é traçado um cenário aterrador, que passa por uma
crescente incapacidade dos países europeus para restabelecerem um nível de endividamento
razoável, próximo dos 60% do PIB em 2060, o que implicaria um aumento de impostos da
ordem dos 300 mil milhões. Esse esforço será recusado, com alguns países a optarem por não
pagar as dívidas e a saírem da zona euro, fragilizando perigosamente os bancos que os tenham
financiado. A existência do euro será posta em causa, ressurgirá o protecionismo e uma
depressão muito profunda estender-se-á a todo o continente. A crise europeia afetará também o
crescimento dos Estados Unidos, levando ao colapso do dólar. E enquanto isto se passa, os
países emergentes estão a desendividar-se. Ou seja, sublinha Attali, esta é "a descrição, em
traços gerais e decerto nada exagerada, de um rito de passagem necessário antes da Ásia tomar o
lugar que lhe era devido face ao Ocidente".

O dono da paróquia

O "Jornal de Negócios" lançou uma iniciativa visando escolher as 25 personalidades mais


poderosas da economia portuguesa em 2010. A classificação apresenta várias curiosidades.
Cavaco ocupa um modesto 23º lugar, logo atrás de Carvalho da Silva e Joe Berardo (!). Rafael
Mora, braço direito do presidente da Ongoing, está na 20ª posição - mas de Nuno Vasconcellos
não há rasto. Também Francisco Bandeira, vice-presidente da Caixa e presidente do BPN,
aparece em 19º lugar - mas o presidente da CGD, Faria de Oliveira não consta. O ministro das
Finanças fica em 9º, abaixo de Queiroz Pereira, Soares dos Santos, Vasco de Mello, Belmiro e
Amorim. Mas o melhor ficou guardado para o pódio. O presidente angolano José Eduardo dos
Santos ocupa a terceira posição, José Sócrates a segunda e Ricardo Salgado a primeira. É um
belo retrato do estado a que o país chegou.

É aqui que os sonhos vêm morrer. Ao balcão,


ele e o copo, apenas os dois contra o mundo.
Temos de admitir que por vezes
conhecer uma pessoa é desumano.
(...)
No final da conversa, pagou-me a cerveja,
talvez por achar que andamos os dois à deriva.
Um presente sincero, sem qualquer contrapartida,
numa rua amargurada que conhecemos bem.

Vítor Nogueira, 'Cervejaria' in "Comércio Tradicional"

Nicolau Santos

Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 11 de setembro de 2010


Os factos, o fenómeno e o processo

Do processo Casa Pia ainda há muito para dizer. Porém, ainda que não questionando a
justeza da sentença nem a polémica que envolve o julgamento, algo fica desde já provado: a
nossa investigação é má, não presta!

A convicção, e sobre ela escreveu o português Fernando Gil uma obra magistral, é das coisas mais
complexas de analisar. O filósofo, falecido em 2006 e alvo das maiores distinções internacionais no
ramo, distinguia a convicção da crença. As crenças basear-se-iam numa aceitação "alucinada" de
um fundamento que não se discute. Já as convicções devem ser construídas sobre fundações sólidas
e racionalmente partilháveis. Claro que a crença também pode ser partilhada mas, como
sublinhava Gil, é essencialmente ideológica, enquanto a convicção diz respeito à categoria da
verdade.

A Justiça deve, pois, assentar em convicções e não em crenças. E a pergunta é: de tudo o que ficou
provado na Casa Pia diríamos basear-se em crenças ou convicções?

Creio haver em Portugal um Estado de Direito suficientemente sólido para, mais cedo ou mais
tarde, se chegar o mais próximo possível da verdade factual e fazer esquecer a incompetência
ridícula da entrega da sentença às partes. Esperemos o desfecho, mantendo a frieza da dúvida,
como disse - e bem - Daniel Oliveira.

O que já não volta atrás é a investigação. Está concluída e o que dela retiramos é a sua enorme
vacuidade. Recorde-se que em Setembro de 2001 a mãe de um jovem (Joel) se queixou ao MP pelo
facto de o seu filho ser vítima de abusos sexuais por parte de Carlos Silvino ("Bibi"). Passado mais
de um ano, "Bibi" foi preso. A investigação dizia haver uma enorme rede pedófila a atuar na Casa
Pia. Mais três meses e foi preso Carlos Cruz e ainda uma série de gente famosa, incluindo um
deputado do PS.

Agora que tudo acabou, salvo os inevitáveis recursos, a pergunta é:

Onde está a rede pedófila? Quem a organizava? Quem mandava em "Bibi"?

Se quisermos comparar, embora para o crime de pedofilia não haja comparações aceitáveis, se
fosse uma rede de droga tinha-se conseguido prender uns tantos consumidores e um correio. Da
rede em si, nem sinal.

Também na Casa Pia não há sinal de rede. Há os famosos que podem, ou não, ser culpados - até ao
trânsito em julgado teremos de os considerar inocentes -, há "Bibi", que ainda também é inocente,
embora tenha confessado e... mais ninguém.

Ou seja, temos alguns factos, mas nada se fez para combater o fenómeno. Sabe-se que agora os
pedófilos atuam via Internet e atuam nos motéis. Que se passa em instituições como a Casa Pia?
Algo mudou? As crianças estão mais protegidas? O que fez o Estado, através da sua investigação e
polícia criminal, para as proteger?

A resposta é a que bem sabem.

Henrique Monteiro

Texto publicado na edição do Expresso de 11 de setembro de 2010


Bento XVI aborda pedofilia na homilia na catedral de Westminster

Amanhã

O Papa Bento XVI abordou hoje de novo em Londres o tema dos escândalos de
pedofilia, evocando «o imenso sofrimento provocado pelos abusos cometidos nas
crianças».

«De novo, penso no imenso sofrimento provocado pelos abusos cometidos nas crianças,
especialmente no seio da Igreja e pelos seus ministros», declarou o Papa na homilia na
catedral de Westminster, retomando assim um dos temas dominantes da visita de quatro
dias.

«Exprimo antes de tudo a minha profunda aflição às vitimas inocentes destes crimes
inomináveis, esperando que o poder da graça de Cristo e o seu sacrifício de
reconciliação lhe dêem uma profunda paz».

«Reconheço também, convosco, a vergonha e a humilhação das quais todos sofremos


por causa destes pecados», disse.

Desde o primeiro dia da visita, na quinta-feira, Bento XVI tinha reconhecido que «a
autoridade da Igreja (o Papa e os bispos) não tinha sido suficientemente veloz e firme
para tomar as medidas necessárias», adiantou.

A publicação em Novembro de 2009 de um relatório que revelava centenas de sevícias


sexuais em crianças cometidas por padres na Irlanda e cobertos pela hierarquia,
conduziu a mais grave crise da Igreja nos últimos anos. Escândalos semelhantes
surgiram, nomeadamente na Alemanha e na Bélgica.

Na sexta-feira, durante um discurso perante responsáveis dos estabelecimentos católicos


britânicos, o Papa pediu-lhes para «assegurarem nas nossas escolas um ambiente seguro
para as crianças e para os jovens», numa nova alusão transparente aos escândalos de
pedofilia envolvendo padres.

Segundo membros do Vaticano, que acompanham o Papa nesta visita de Estado, Bento
XVI deverá encontrar-se em Londres ainda hoje com uma dezena de vítimas britânicas,
provavelmente na nunciatura.

Bento XVI também se encontrou com vítimas de abusos sexuais nas precedentes visitas
a Malta, aos Estados Unidos e à Austrália.
A grande mentira

O país inteiro só vai perceber que é preciso mudar quando chegar o dia em que o
Estado não tenha dinheiro para pagar salários.
João Vieira Pereira (www.expresso.pt)

0:00 Quinta feira, 16 de Setembro de 2010

A palavra crise entrou de tal forma no nosso léxico que nos damos ao luxo de a menosprezar.
Sentida verdadeiramente por aqueles que encontraram o flagelo do desemprego, esta crise
seletiva fez-nos, na prática, mudar pouco ou nada.

Depois de tantos avisos, de tantos conselhos, continuamos como se nada fosse. O Estado não
mudou nada, pelo contrário, continua a atuar como se não estivéssemos perante a mais grave
crise financeira de que há memória.

Institutos públicos, empresas públicas e a administração pública continuam a gastar e gastar sem
o mínimo respeito pelo dinheiro dos contribuintes. A explicação só pode ser uma. Portugal
inteiro encolheu os ombros e olhou para o lado!

A começar pelo Governo que, mal tomou posse crucificou a antiga ministra da Educação e
comprou a paz com os professores. O custo foi cerca de 225 milhões de euros, tanto quanto
subiram as remunerações com o pessoal na educação entre janeiro e julho deste ano quando
comparado com o mesmo período de 2009. Este valor equipara-se aos gastos totais do
Ministério da Agricultura nos primeiros seis meses do ano.

E esta é a contribuição de pessoas como o líder sindical Mário Nogueira para o empobrecimento
do nosso país. Um crime bem mais grave do que muitos que se tornaram mediáticos mas que
nunca serão julgados. Dizem-me que são os custos da democracia. Discordo. É o custo de ter
uma classe política podre que se verga perante pessoas irresponsáveis, que, sem saber como
detêm um poder com o qual não sabem, nem nunca saberão lidar.

Maria de Lurdes Rodrigues ficará conhecida como uma má ministra que levou centenas de
milhares de professores para a rua. Isabel Alçada como a boa ministra que resolveu o problema.
Quando na realidade foi tudo ao contrário...

As pessoas só mudam quando confrontadas com um choque abrupto nas suas vidas, e como esta
crise ainda não trouxe esse choque continuamos a brincar aos países. Já o disse antes e reafirmo.
O país inteiro só vai perceber que é preciso mudar quando chegar o dia em que o Estado não
tenha dinheiro para pagar salários. E esse dia está muito mais perto do que parece.

Mas como ninguém quer acreditar no que acabei de escrever continuamos a viver a grande
mentira de que tudo vai bem. Teixeira dos Santos diz que não há problemas de financiamento,
Vieira da Silva que a economia está de boa saúde. Vou ali encolher os ombros e já volto!

João Vieira Pereira

Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 11 de setembro de 2010

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