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APORTES: REVISTA DE LA FACULTAD DE ECONOMÍA-BUAP. AÑO VI NÚM.

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RESEÑA

A Outra Face da Teoria da Dependência

Carlos Eduardo Martins1

socialismo na América Latina e no mundo.


Dialética da Dependência(Antologia), Ruy Ao responder a essas temas, Marini
Mauro Marini, Vozes, 2000, Emir Sader enriquece a economia política e o pensa-
(organizador) mento político, desenvolvendo uma análise
da luta de classes que, para além do conflito
central entre capital e trabalho, articula as
A publicação da antologia da obra de Ruy identidades e contradições das frações de
Mauro Marini, que leva o título de seu classe. Da análise da posição da burguesia
principal trabalho,Dialética da Dependên- e das classes dominantes latino-americanas
cia (1973), constitui uma excelente oportu- no conjunto economia mundial capitalista,
nidade para o público brasileiro conhecer a Marini extrai os conceitos de superexplo-
obra de um dos principais autores das ciên- ração e subimperialismo, que serão marcos
cias sociais latino-americanas e mundiais, no desenvolvimento da teoria da dependên-
falecido em 1997. Apesar da interrupção de cia. Esse mesmo rigor na captação das
seu trabalho, seu pensamento nos provoca, identidades e antagonismos entre as frações
atravessa com vitalidade o século XXI e nos de classe está presente no textoDialética do
estimula a refletir sobre o mundo contem- Desenvolvimento Capitalista no Brasil
porâneo. (1969), que abre a antologia, onde o autor
Sua obra está dedicada aos grandes te- identifica as razões que levaram os diferen-
mas da contemporaneidade, como por exem- tes setores economicamente dominantes no
plo: quais os rumos do capitalismo latino- Brasil a cerrar fileiras em torno do golpe de
americano e as tendências de evolução da 1964.
economia mundial, quais as perspectivas do Surgida no calor da crise do nacional-
modelo político e da democracia em nossa desenvolvimentismo nos anos 60, a teoria
região, qual o legado do pensamento social
latino-americano no século XX, quais os 1
Outorando em Sociologia (USP) e Professor de
descaminhos e os caminhos do desenvolvi- Relações Internacionais da Universidade Estácio de
mento no Brasil, quais as perspectivas do Sá. E-mail: carlosmartins@openlink.com.br

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da dependência vai ter sua primeira etapa de mulação, situados fora da região. O resulta-
formulação entre 1964-73, no encontro de do a médio e longo prazo era a sangria de
exilados das diversas ditaduras que co- divisas dos países da região que se saldava
meçam a proliferar na América Latina. com a superexploração do trabalho, crian-
Nesse movimento fundacional cristalizam- do um poderoso obstáculo à consolidação e
se duas grandes versões da teoria da depen- aprofundamento do processo democrático.
dência, que estarão em confrontação mais O conceito de superexploração do tra-
ou menos aberta a partir dos anos 70. balho foi, sem dúvida, a mais importante
De um lado, surge a versão desenvolvida contribuição de Ruy Mauro Marini para a
por Fernando Henrique Cardoso e Enzo economia política contemporânea. Ele foi
Falleto, com uma participação mais pon- estabelecido por Marini em Dialética da
tual de José Serra. Para esses autores a crise Dependência (1973) e significa um regime
da industrialização latino-americana era a de regulação da força de trabalho em que a
crise do projeto de constituição do capitalis- acumulação de capital repousa sobre a maior
mo nacional, pautado na substituição de exploração do trabalhador e não sobre o
importações sob a coordenação do Estado aumento da sua capacidade produtiva atra-
nacional. A sua solução estaria em aceitar a vés do desenvolvimento tecnológico. Essa
penetração do capital estrangeiro que traria maior exploração do trabalhador encontra
a poupança externa sob a forma de tecnolo- três formas possíveis de manifestação: a
gia industrial ou moeda mundial, superando mais aguda, que é a redução salarial, e
a escassez nacional de divisas. O cresci- outras duas que são o aumento da jornada
mento econômico permitiria uma melhoria ou da intensidade de trabalho, sem a ele-
na renda e nos padrões de vida da população vação salarial correspondente ao maior des-
em seu conjunto e as desigualdades se re- gaste da força de trabalho.
duziriam com políticas sociais impulsiona- As teses de Dialética da Dependência
das por regimes democráticos. foram fortemente atacadas por Fernando
De outro lado, surge a versão liderada Henrique Cardoso e José Serra em artigo
por Ruy Mauro Marini e Theotônio dos publicado no CEBRAP, sem a resposta de
Santos, que ficou conhecida como a teoria Marini, então exilado no México. O debate
marxista da dependência. Segundo esses apenas se travou livremente nas páginas da
autores, a crise no capitalismo latino-ame- Revista Mexicana de Sociologia, quando
ricano não era apenas uma crise de direção Marini publica As Razões do Neodesenvol-
nacional. Era sobretudo a crise de um capi- vimentismo (1978), que integra a presente
talismo que já havia vinculado, desde mea- antologia, denunciando os rumos conserva-
dos dos anos 50, seu dinamismo industrial à dores dados por Cardoso e Serra à teoria da
empresa multinacional e à ampla penetração dependência.
do capital estrangeiro. Esse capital não Acusado por Cardoso e Serra de lutar
representava uma poupança externa que se contra moinhos de vento ao apoiar seu
integrava às economias latino-americanas, conceito de superexploração num capitalis-
mas antes buscava lucros e excedentes que mo imaginário, sem desenvolvimento tec-
eram direcionados aos seus centros de acu- nológico, Marini demonstra claramente não
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ser este o caso. Ele assinala que esse concei- teórico avançou-se no sentido de formalizar
to não só é compatível com o avanço tecno- matematicamente o conceito de superexplo-
lógico, mas expressa certos resultados que ração no âmbito da teoria marxista do valor
se dão através da competição e a concorrên- (ver nosso artigo, Reflexões Teórico-Meto-
cia entre os capitais, movidas à inovação. dológicas para uma Economia Política da
Mediante a concorrência o grande capital Dependência, publicado no Brasil, na Re-
dos países centrais, de maior densidade vista da Sociedade Brasileira de Economia
tecnológica, se apropria dos segmentos mais Política nº5 e, no México, em Problemas
lucrativos dos mercados mundiais e impõe del Desarrollo nº123) No plano dos indica-
relações de troca e poder desiguais à bur- dores, constata-se que a pobreza na Améri-
guesia dos países dependentes. Essa, inca- ca Latina permanece em níveis bastante
paz de suprimir a disparidade tecnológica altos apesar de todo avanço na intensidade
que reduz seus mercados e deteriora os e produtividade do trabalho das últimas
preços de seus produtos obsoletos, recorre à décadas. No Brasil, nos anos 90, a redução
superexploração do trabalho para compen- salarial combinou-se com o aumento do
sar a queda da taxa de lucro que daí resulta. desemprego, da intensidade e da produtivi-
O tema da superexploração é retomado dade do trabalho, o mesmo ocorrendo no
em 1995 por Marini emProcesso e Tendên- México e Argentina. Nos países centrais as
cias da Globalização Capitalista, sexto e tendências não são muito diferentes. Nos
ultimo texto da antologia. Ele assinala que Estados Unidos, os salários encontram-se
está em marcha uma nova divisão interna- abaixo dos níveis dos anos 70, mesmo com
cional do trabalho, desde os anos 70/80, que todo o período de crescimento dos anos 90.
estende a superexploração, antes um fenô- Na Europa, as altas taxas de desemprego e
meno característico dos países dependen- a precarização do trabalho sinalizam no
tes, aos países centrais. Na base disso está mesmo sentido.
o surgimento das chamadas empresas glo- Diante dessas evidencias, nos parece
bais. Elas criam uma especialização no pertinente propor algumas interrogações
interior das firmas que eleva o nível tecno- para futuras investigações:
lógico das unidades produtivas dos países 1) Que formas históricas assumiu a su-
dependentes, mantendo sua subordinação perexploração na América Latina? Se ela se
às inovações geradas na matriz. O resultado expressa pela queda dos preços da força de
é a uma estratégia global que combina alta trabalho abaixo de seu valor, mediante o
tecnologia e o trabalho superexplorado da aumento da jornada ou intensidade de tra-
periferia e semiperiferia para quebrar as balho e a redução salarial, como essas três
burguesias estritamente nacionais dos paí- formas se conjugaram historicamente para
ses centrais e impulsionar para abaixo o criar distintos regimes de regulação da força
preço da força de trabalho dessas regiões. de trabalho?
Não é o lugar para desenvolvermos este 2) Que formas concretas assumirá a
ponto, mas o balanço teórico e empírico do superexploração na América Latina e na
conceito de superexploração parece reforçar economia mundial nas próximas décadas?
enormemente as teses de Marini. No plano Poderá a elevação da intensidade e da qua-
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lificação do trabalho preservar o salário do estatal é incapaz de atender integralmente à


movimento de queda dos preços da força de demanda interna de acumulação e a partir
trabalho abaixo do valor sob o comando da de certo momento o capitalismo dependente
globalização neoliberal,? vincula a realização crescentemente ao ex-
3) Que forças sociais, políticas, econô- terior.
micas e ideológicas no mundo contemporâ- Esse conceito que Marini esgrimiu con-
neo podem ser mobilizadas para deter as tra as teses cepalinas, centradas nos efeitos
tendências que apontam no sentido da supe- integradores da substituição de importações,
rexploração? encontra na América Latina, a partir dos
Em relação à última questão, Marini anos 70, expressão crescente. Cada vez
adianta importantes elementos. A abran- mais, altas taxas de importação e expor-
gência que adquire a superexploração na tação associadas a um mercado interno
economia mundial tem sua contrapartida na reduzido pela brutal desigualdade de renda
construção de um verdadeiro proletariado são um cenário característico da região.
internacional. Este terá sua ação voltada Ficaram ausentes, na antologia, textos
para combater um mesmo regime de repro- bastante importantes da economia política
dução da força de trabalho, cada vez mais mariniana, como o sãoMais-valia Extraor-
comum às classes trabalhadoras dos cen- dinária e Acumulação de Capital (1979) e
tros e das periferias. Essa ação deverá ter Ciclo do Capital na Economia Dependente
seu eixo de articulação em uma revolução (1979). As limitações de espaço e o caráter
democrática radical que submeta os Esta- abrangente da obra de Marini tornam com-
dos nacionais e os espaços supranacionais preensíveis essas ausências. Mas um autor
aos instrumentos da democracia direta, da rigoroso e cuidadoso como ele o era certa-
participação popular e da vigilância cidadã. mente se incomodaria com a tradução des-
O conceito de subimperialismo, que atenciosa que a Vozes fez de seu texto. Não
Marini desenvolve emDialética do Desen- queremos com isso desencorajar o leitor,
volvimento Capitalista no Brasil, refere-se nem retirar o mérito da publicação, pois o
à necessidade da burguesia dos países de- texto sobrevive. Entretanto, esperamos que
pendentes desdobrar sua acumulação para numa nova edição alguns problemas sejam
o exterior, ao alcançar um determinado corrigidos.
grau de composição orgânica do capital
com a industrialização. Marini assinala que
o específico do subimperialismo é que ele
produz o movimento ao exterior sem inte-
grar a economia nacional em um mercado
de massas, em razão da superexploração,
que limita o espaço interno de realização da
mais-valia. Esse movimento baseia-se na
dependência tecnológica, pois a burguesia
periférica não tem força própria para com-
petir mundialmente. O consumo suntuário e

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