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SEGUNDA

PARTE

O COMPORTAMENTO E AS
FORCAS QUE ATUAM
SOBRE ELE

Ê exatamente a busca de objetivos que faz do


comportamento um ato integrado. O organismo
como um todo só se dirige para um objetivo
quando sente que o valor deste é superior ao
gasto para alcançá-lo. (David Birch)
ela obedeça, a circunstância de que todos os alunos da classe estão
olhando em sua direção, a atmosfera da sala de aula etc. Mas a con-
duta de Marilene também depende de forças internas: o respeito que
ela sente pela autoridade, seu desejo de agradar à professora, de ser
uma criança bem comportada, e também sua aversão a ser o foco
de atenção de toda a classe.
Embora a tentativa de distinguir forças internas e externas pareça
Comportamento humano, introduzir uma nota artificial na nossa análise do comportamento hu-
objeto da Psicologia mano, ela nos auxilia no sentido de obtermos uma melhor compreensão
do mesmo.

Uma das maneiras de encarar o comporta-


mento é considerá-lo produzido por forças que
atuam dentro do indivíduo e forças exteriores
ao indivíduo. (L. Lindgren) QUE VEM A SER COMPORTAMENTO?

Comportamento é uma ação empreendida por um organismo em


resposta a um objetivo do meio interno ou externo. Se alguém está
sentado e de repente lhe vem à cabeça: "Preciso falar urgentemente
com o Dr. Silva" e levanta-se e sai, realiza, assim, um comportamento.
Podemos, também, definir comportamento como uma reação global
ou um conjunto de reações do organismo que podem ser observadas
O que acontece quando o indivíduo "age" — quando se move objetivamente.
ou executa uma seqüência de ações? Diz-se "observadas objetivamente" por se tratar de um objeto de
Às vezes, o indivíduo é literalmente empurrado para agir de deter- pesquisa ao alcance do método científico, empregado pela Psicologia.
minada maneira. Outras, existe nele um sentimento que o leva à Por "reação global", queremos significar aquela em que entra o orga-
execução do ato, mas, o mais provável é que seu modo de agir seja nismo como um todo. Se for aplicada uma ligeira alfinetada numa
o resultado da interação de várias forças, tanto internas como externas. pessoa que está dormindo ou distraída, ela poderá recolher o pé, sem
Por forças "internas" designamos nossas necessidades, desejos, ansie- perceber que o está fazendo. Essa reação reflexa não atinge o orga-
dades, interesses, sentimentos de culpa etc. Por forças "externas" com- nismo como um todo, é mais um fragmento de comportamento ou uma
preendemos as exigências da sociedade, recompensas, perigos, ameaças resposta reflexa. »
e as expectativas de outras pessoas. Muitas vezes é difícil dizer onde
termina a pressão interna e onde começa a externa, e a distinção entre Um comportamento, normalmente, implica uma seqüência de ativi-
forças internas e externas não é muito clara ou precisa. Todas as dades orientadas para um objetivo. Todo comportamento ou atividade
forças são, até certo ponto, tanto externas como internas. tem uma causa atual que o produz. Uma pessoa está caminhando de
forma vagarosa. A causa pode ser um estado de depressão, uma per-
Por exemplo, dona Alice pede à pequena Marilene que preste turbação de natureza física ou psíquica, como pode ser simplesmente
atenção à aula, advertindo-a de que as crianças não devem conversar seu modo habitual de andar. Quando se observa alguém mudar seu
quando a professora está falando. Marilene pára de falar e presta padrão de ação, pode-se levantar a hipótese de que houve alguma
atenção à professora. Em parte, ela o faz devido à atuação de forças causa responsável por tal mudança, pois todo comportamento possui
externas: o pedido da professora, o fato de a professora esperar que causa.
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PARA COMPREENDER O COMPORTAMENTO O COMPORTAMENTO INSTRUMENTAL
Há dois tipos básicos de comportamento: o consumatório e o ins-
O comportamento instrumental apresenta vários elementos.
trumental.
Cronbach, psicólogo contemporâneo, apresenta sete elementos fun-
Comportamento consumatório é aquele em que a ação se realiza
damentais:
na execução e na consumação do próprio objetivo. O ato de jantar
Objetivo.
e de tomar banho, por exemplo, se constitui numa série de atividades
que se sucedem para a consecução desses objetivos. Nível de amadurecimento.
Situação.
Comportamento instrumental é uma série de atividades em prol
do objetivo que deverá ser conseguido. Interpretação.
Resposta.
Jogar na loteria esportiva, isto é, preparar o jogo, ir à loja, marcar
o cartão, pagar, receber o troco é um comportamento instrumental ou Conseqüência.
consumatório? Reação ao obstáculo.
Ganhar o "bolão", acertar os treze pontos ou, mais precisamente, Expliquemos cada um destes elementos:
receber o dinheiro e começar a gastá-lo, é um comportamento consu-
matório ou instrumental? Objetivo. Qual seria o objetivo do comportamento daquela jovem
que, de repente, levanta-se e diz: "Preciso falar urgentemente com o
Para a primeira interrogação a resposta é instrumental e para a Dr. Silva"? Todo comportamento dirige-se para um objetivo, um alvo,
segunda, consumatório. uma finalidade qualquer. A função do objetivo, no comportamento,
Os comportamentos instrumental e consumatório são interdepen- é dirigir a ação.
dentes. Depois da atividade instrumental, segue normalmente a consu- Qual o objetivo deste comportamento que se chama "estudar"? Ou
matória. desta série de comportamentos que se chama "fazer o curso secun-
A atividade instrumental é dirigida para o objetivo e a consuma- dário, fazer o curso superior"? Haveria neles um só objetivo, ou vários?
tória é a execução e a consumação do objetivo visado pela primeira. Nível de amadurecimento. Qualquer comportamento tem uma
A intensidade da atividade instrumental aumenta à medida que condição sine qua non: o amadurecimento para fazê-lo. Sônia, a moça
esta se aproxima do objetivo. Imagine a intensidade da busca de água que procura o Dr. Silva, é capaz de se dirigir ao consultório de um
(o objetivo) por alguém com muita sede. Avistando o bar ou o bebe- médico porque já tem 23 anos. Aos quatro, seis, oito anos não ia,
douro, não se contenta em caminhar, corre. Na atividade consumatória sozinha, ao centro da cidade consultar um médico.
dá-se o contrário, a intensidade decai à medida que ocorre o consumo. Montar a cavalo, dirigir automóvel, escrever à máquina, cada uma
Na consumação de um chocolate desejado, por exemplo, a intensidade dessas atividades exige amadurecimento. O nível de amadurecimento
sobe até um ponto máximo e depois começa a cair à medida que consiste, pois, na soma total de padrões de respostas e habilidades que
ocorre a saciedade ou a redução da necessidade. Há um efeito enfra- possui o indivíduo em determinada fase do seu desenvolvimento.
quecedor na atividade consumatória. Sua curva aproxima-se da forma
Situação. Consiste no conjunto de elementos, tais como coisas,
de um U virado ( D ) representando a ascensão rápida das energias,
pessoas, símbolos, qualidades, tudo, enfim, que possibilite a consecução
o ponto culminante e o declínio. Talvez esta característica do'compor-
do objetivo. Para Sônia alcançar o Dr. Silva, tinha necessidade de
tamento consumatório explique a fugacidade da moda. A princípio,
um conjunto de elementos, sem os quais seria difícil chegar até lá:
o consumo da novidade é intenso, atinge um máximo. Se é música,
passa a ser tocada com grande freqüência, e com a saciedade ou anu- um sistema de transportes, dinheiro, certos preparativos indispensáveis
lação do estímulo vem a fase descendente do comportamento consuma- etc. Outro exemplo: os romanos e os gregos desenvolveram pouco a
tório, chegando a ponto morto. Aritmética, por não possuírem símbolos apropriados. Tente fazer uma
pequena conta de divisão com algarismos romanos.
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O comportamento é uma estrutura, isto é, uma totalidade resul- normalidade psíquica de cada um. O essencial, no caso, é procurar
tante da união dos elementos que chamamos de situação. A polícia descobrir qual a dificuldade que impediu a realização da meta. A
encontra um decorador morto com sete tiros, num. ponto turístico da seguir, tentar uma nova interpretação. Há quem, achando o objetivo
cidade. O assassinato foi um comportamento. Houve, portanto, um alto demais, tente um mais modesto, como há quem desista, simples-
conjunto de elementos, relacionados entre si, formando um todo, uma mente. Algumas pessoas apelam para seus mecanismos internos de
estrutura, da qual resultou a ação. Por exemplo, o decorador era pes- ajustamento, procurando saídas mentalmente normais como a sublima-
soa de vida irregular, queria agora desquitar-se de uma senhora velha ção, a compensação, a racionalização etc. Sublimação é o ato de subs-
e rica com quem se casara, por interesse. Os parentes não aceitavam tituir a frustração por atividades mais elevadas de ordem artística ou
esta situação. Ora, tais elementos se estruturaram de tal modo que religiosa. Uma boa música, um ato religioso, uma atividade artística
o assassinato resultou, de modo fácil, da situação. vivida intensamente, aliviam a consciência traumatizada.
Há, finalmente, quem recalque as frustrações, extremando-se em
Interpretação. É a análise dos elementos da situação feita pela
comportamentos desajustados, como choro convulsivo, agressividade etc.
pessoa. Nem sempre os elementos a escolher (os meios) para alcançar
o objetivo são tão simples. Quantas vezes não ficamos perplexos entre
este e aquele caminho a seguir! O ato interpretativo é fundamental- COMPORTAMENTO E HÁBITO
mente um ato de inteligência. Os que têm inteligência intuitiva, rápida,
num insight (vide glossário) percebem os elementos adequados para o Todo comportamento pode se transformar, com a repetição, em
objetivo. Nos de inteligência mais analítica, a interpretação se faz de um hábito. Assim, caminhamos, jogamos, escrevemos, comemos, leva-
maneira mais lenta, examinando cada elemento da situação de modo dos por uma série de comportamentos habituais ou simplesmente há-
mais detalhado. Os que têm pouca inteligência topam logo com um bitos.
obstáculo pela frente.
Alguns hábitos se organizam em padrões de comportamento, isto
Resposta. Quando Sônia, no nosso caso, se levantou e partiu para é, em formas prévias de comportamento ou de respostas utilizadas para
o consultório do Dr. Silva, tinha um objetivo, evidentemente. Inter- várias situações diferentes. Os padrões de comportamento são, por-
pretou os elementos da situação. Tinha amadurecimento mental e tanto, certas formas estabelecidas de agir e reagir, em casos parecidos.
físico e no ato de partir estava apenas desencadeando a ação — dando Uma adolescente aprende uma maneira geral de se comportar diante
a resposta. Esta significa tanto a própria ação como a transformação de rapazes. Um rapaz aprende uma forma geral (padrão) de galantear
interior que determina a ação. Resposta é a execução de acordo com as moças etc.
a interpretação da situação. Quando alguém duvida da sua interpre- Por padrão de comportamento deve-se entender aquele modo geral,
tação, dá à sua resposta um caráter de primeira tentativa. Esta passa mais ou menos uniforme e estereotipado, de comportar-se, que se aplica
a ser uma resposta provisória. Qualquer que seja a resposta, há sempre sempre em certas ocasiões ou como resposta a certos estímulos. Se
uma descarga da tensão acumulada anteriormente. um indivíduo estiver numa festa, onde não conheça ninguém e onde
Conseqüência. Tanto no campo da Física como no da Psicologia, os participantes forem pessoas de nível social muito diferente do seu,
a toda ação corresponde uma reação. Toda resposta ou ação do com- poderá ficar intimidado e sem saber como agir. É sinal de que não
portamento tem uma conseqüência que pode ser boa ou má, isto é, tem um padrão de comportamento aprendido para estas circunstâncias.
favorável ou não. Se a interpretação for bem feita, a pessoa alcançará Em semelhantes ocasiões há três saídas: descobrir, pela observação
o objetivo, advindo daí satisfação. Se houver alguma falha, não se e por experiências passadas, um tipo especial de comportamento; per-
obterá o alvo desejado, ocorrendo, então, em maior ou menor grau, guntar a alguém como se deve agir, ou, então, por timidez, deixar o
a decepção. Quando não se alcança o objetivo é porque houve um local. No primeiro caso, elabora um padrão de comportamento; no
obstáculo. segundo, prepara-se para assimilar um padrão já aceito e, no último, tem
Reação ao obstáculo. As reações subjetivas, ante o fato consu- medo de enfrentar novos meios. É tímido.
mado de não se haver alcançado o objetivo, podem ser várias, de A timidez pode ser medo (reflexo condicionado) de não se ajustar
acordo com as diferenças individuais ou grau de maturidade ou de bem a circunstâncias novas e inesperadas. Esse reflexo forma-se nos

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primeiros anos de vida. Se, ao sair do círculo de suas interações pri-
márias e ao ter seus primeiros contatos com o meio externo, a criança
não for bem sucedida (recebendo em troca frustrações e medo), po-
derá criar um padrão de cautela temerosa com respeito a situações
novas.
Esses insucessos nos primeiros contatos sociais criam nos indi-
víduos um padrão de comportamento de timidez e insegurança. Um Motivo, força que impulsiona
indivíduo extremamente bem vestido, sem um fio de cabelo fora do
lugar, cauteloso, moderado nas palavras, de gestos comedidos, do tipo os comportamentos
que poderia ser considerado pedante ou afetado, pode ser, no íntimo,
um tímido. Todo este aparato é para evitar, a todo custo, algo de
novo ou de inesperado ao qual se veja forçado a se ajustar.
Há, também, outras causas e outras determinantes da timidez, mas
como fogem ao nosso assunto, não podem ser tratadas aqui. Cada causa é um agente produtor. Todo efeito
é um ser produzido. Uma vez surgido, o efeito
também pode se converter em causa que dará
seqüência a novos efeitos. Estabelecem-se as-
i EXERCÍCIOS r sim longas séries de causas e efeitos que se
transformam em causa. Mas. . . é preciso olhos
muito lúcidos para ver os elos desta cadeia.
1. "Se todo comportamento tem uma causa atual que o produz", será (Arthur Koestler)
verdadeira a afirmação de que o crime faz parte da história presente
do criminoso?
2. Uma maneira especial de praticar um crime, como uma série de atos
ou respostas estruturadas por certos criminosos, pode-se chamar de
padrão de comportamento? Por quê?
Em 1982, um jornal do Rio noticiou que um menino de dez anos
3. Há uma lei do comportamento que afirma: "Depois do comporta- foi assassinado por um amigo com dois tiros de espingarda. O menino
mento instrumental, que garante a posse do objetivo, segue-se o con- estava jantando quando seu amigo o chamou e atirou nele. Não havia,
sumatório". O que você entende por isto? comentou a família, nenhum motivo para o crime.
Você acredita mesmo que não havia nenhum motivo?
Todo comportamento tem uma causa. Por isso, podemos afirmar:
deve ter havido um ou vários motivos que determinaram tal compor-
tamento.
Toda ação possui determinantes, que são seus antecedentes causa-
dores. Estes podem ser históricos ou atuais. No caso do menino, os
determinantes podem pertencer a seu passado, isto é, às forças ambien-
tais terrivelmente destruidoras que atuaram em sua formação. Mas
além dos determinantes históricos ou do passado, deveria haver causas
ou motivos atuais bem significativos para a execução do ato criminoso,
do ponto de vista da pessoa criminosa, é claro.
A cada momento, cada um de nós poderá estar na iminência de
fazer ou realizar a atividade A, B ou C. Qual a que será empreendida?

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A atividade realizada será aquela que corresponde ao motivo mais MOTIVO E NECESSIDADES
forte, isto é, ao impulso mais forte, no sentido do vetor de ação mais
atuante. Se, no momento, para determinado estudante, o motivo mais As tentativas para entender o comportamento humano determina-
forte for a fome ou terminar o dever antes do jantar, ou ainda, esca- ram o aparecimento de várias teorias da motivação. Vamos apresentar
par de casa para se encontrar com a namorada, antes de o pai chegar, aqui a teoria de Abraham Maslow, que faz derivar os motivos das
só ele saberá. Contudo, podemos afirmar que o estudante executará necessidades.
a ação que corresponder ao seu impulso mais forte. O organismo
é determinado por esse motivo mais forte, que está competindo com Necessidade. Significa carência, falta de algo. Se falta água em
outros num dado momento. seu organismo, você afirma que necessita bebê-la.
Uma mesma ação pode ser determinada por motivos diferentes, Claude Bernard, fisiologista francês, descobriu em 1895 que cada
como também ações diferentes podem ser determinadas por um mesmo ser vivo tem um meio interno que deve ser mantido em equilíbrio.
motivo. Temos o caso de três estudantes universitários. Possuem o Nos mamíferos, certas propriedades físico-químicas só podem variar
mesmo grau de inteligência e aptidão. Contudo, um deles é o primeiro dentro de determinados limites, além dos quais quebra-se o equilíbrio
aluno, o segundo tem notas médias e o terceiro fracassa nos estudos. ideal. Walter Cannon (1929) restabeleceu este conceito fisiológico e
É um caso típico de motivação. Vejamos: o transpôs para o campo da Psicologia. Todo organismo precisa
manter-se num optimum de equilíbrio interno e, em se tratando do
O primeiro rapaz é filho de imigrantes pobres e seus pais esperam
homem, num optimum de equilíbrio fisiológico, social e humano. É
muito dele. Está altamente motivado.
o que ele designou pelo nome de homoestasia (do grego homo, "igual",
O segundo é filho de família rica. Tem lugar assegurado no ne- estasia, "estado"). Nesse fato alicerça-se o fenômeno e o mecanismo
gócio do pai. Só está interessado em não tirar notas muito baixas. das necessidades. Quando se rompe o equilíbrio orgânico, cria-se uma
Acha-se pouco motivado para o estudo. O terceiro é mais difícil de necessidade. O organismo em desequilíbrio cria tensões. Estas o im-
explicar, porque sua motivação está perturbada por um conflito. "O pelem na direção do objetivo que, quando atingido, traz satisfação, res-
pai era de família pobre e subira na vida com grande esforço. Era, taurando-se o equilíbrio.
então, advogado próspero e auto-suficiente. Esperava que o filho
fizesse o mesmo. O rapaz, temperamento tímido, assustava-se, pois se
convencera de que nunca chegaria a fazer carreira igual à do pai.
Assim, ia para os exames sob tensão. O coração pulava descompassa-
damente e as mãos transpiravam. Seu conflito interferia em sua moti-
1
vação e isto levava-o ao mau resultado e ao fracasso."
Nem sempre conhecemos os motivos que nos impelem.
Se você fuma, poderemos fazer esta pergunta: qual o motivo que
o leva a fumar? Provavelmente não saberá responder. Nem sempre
conhecemos tão claramente os motivos de nossas ações. Sabemos que
numericamente os maiores fumantes de 21 a 39 anos se encontram nas
classes sociais ditas inferiores. São pessoas ansiosas, tensas, preocupa- Ciclo das necessidades e dos motivos
das com a maneira de vencer na vida. De outro lado, para os homens
de 35 a 49 anos, o cigarro, charuto ou cachimbo pode representar 1. A necessidade é uma falta de algo.
uma espécie de cortina de fumaça que se eleva por cima de seu sucesso 2. Esta determina um desequilíbrio.
pessoal. Assim temos: quando jovem, fuma porque está ansioso e, 3. Este provoca tensões que impelem à ação.
quando envelhece, porque já deixou de estar ansioso. Temos, pois, Estas tensões chamam-se motivos.
dois motivos diferentes para um mesmo comportamento. 4. Estes motivos determinam a ação ou o comportamento na direção
do objetivo.
1
MURRAY, E. I. Motivação e emoção. São Paulo, Zahar, 1967. 5. Ao terminar a necessidade, surge a satisfação.

80 XI
Há um provérbio árabe que diz: "Pode-se levar o cavalo à fonte, Barreiras externas. Situações ou elementos externos à pessoa e
mas não se pode fazê-lo beber". Podemos mostrar-lhe a água, estimulá- que não lhe permitem atingir o objetivo desejado. Falta de dinheiro,
-lo a bebê-la, mas só o fará se algo interno o levar a isso. Esse algo proibições sociais, propriedade alheia e t c , constituem alguns exemplos
interno é a necessidade que vai gerar o impulso, o motivo gerador de barreiras externas.
da ação de beber.
Vejamos isso graficamente:

comportamento incentivo
objetivo tensão
necessidade tensão (aumenta
orientado atingido reduzida
o motivo)

Exemplificando: Sempre que o indivíduo se defronta com uma barreira, adota um


comportamento de reação contra ela. Essas reações se revestem dos
aspectos mais variados, conforme a personalidade do indivíduo. Assim,
podemos ter como exemplos de reações:
Comportamento agressivo. Diante de uma situação adversa, alguns
tensão impulso sensação tentam vencê-la pela força.
falta de água energias e de água satisfação
acumuladas motivo sede Regressão. Outros reagem de maneira diversa, seja porque temem
adotar o comportamento agressivo, seja porque a ele não se dispõem.
Tratam então de adotar atitudes menos maduras, agindo como
"crianças".
Sublimação. Dedicam-se em troca a outras atividades de natureza
artística ou religiosa.
Incentivo. Corresponde à situação, à apresentação com que se Resignação. Outros ainda desistem do objetivo, reprimindo a
mostra o objetivo. É tudo aquilo que serve para aumentar ou diminuir necessidade ou procurando esquecê-la.
o impulso interno (motivo), sendo assim positivo ou negativo.

TIPOS DE NECESSIDADES
Reação às barreiras
As necessidades humanas estão organizadas em vários níveis.
Muitas vezes, motivados fortemente para algo, somos impedidos Necessidades fisiológicas. Estão no nível mais baixo, mas não
de alcançá-lo por um ou vários obstáculos. Essas barreiras podem sem importância. Perguntava um professor aos alunos:
ser internas ou externas. — Qual a primeira condição para ser um herói, um santo, um
Barreiras internas. São as falhas internas que nos impedem de grande pioneiro?
alcançar o objetivo. Falta de conhecimento e de habilidades específicas — Comer pão — responderam — porque, sem isso, em breve esta-
é, por exemplo, uma barreira interna. ríamos diante do cadáver de um ex-grande herói ou pioneiro.

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As necessidades fisiológicas, além de alimento, água, ar, incluem tantes. Entretanto, não aparecem de maneira significante até que as
descanso, exercícios físicos, abrigo, proteção contra as intempéries e necessidades sociais, fisiológicas e de segurança estejam razoavelmente
também satisfação sexual. Uma necessidade satisfeita não é mais ele- satisfeitas.
mento de motivação. Esse é um fato que se deve levar em conta nas Necessidades de auto-realização. Finalmente, no topo da hierar-
relações humanas. quia, existem as necessidades de auto-realização. Estas são as necessi-
Quando as necessidades fisiológicas estão razoavelmente satisfeitas, dades de compreender as próprias potencialidades, de um contínuo auto-
são as necessidades de nível imediatamente superior que passam a mo- desenvolvimento, de ser criativo no mais amplo sentido. Como é bem
tivar: necessidade de segurança, de proteção contra o perigo, de segu- difícil a satisfação plena das necessidades anteriores, e como não se
rança futura, de preparar-se para a vida etc. empreende a realização de uma categoria superior sem que as inferiores
estejam satisfeitas, conclui-se que são poucas as pessoas que se dedicam
Necessidades sociais. Tornam-se importantes no comportamento
à auto-realização. Agora, voltemos aos motivos.
quando as necessidades do primeiro nível já estão satisfeitas. As neces-
sidades sociais são aquelas de participação, de associação, de aceitação
pelas pessoas, de dar e receber amizade e amor.
Quando estas necessidades são frustradas, as pessoas se mostram
resistentes, tímidas e não-cooperativas. Este comportamento é uma QUE VEM A SER MOTIVO?
conseqüência, não uma causa.
Quando um indivíduo de classe média compra um carro de luxo, O motivo é, originalmente, um impulso, "drive", em inglês, isto
na realidade não é impelido, apenas, pelas necessidades de um meio é, "um impulso orientado p a r a . . . " A fonte básica das energias moti-
de transporte próprio. Se fosse apenas isso, compraria um carro médio, vacionais são: as necessidades ou o excesso de energias acumuladas sob
mais barato e mais econômico. É a necessidade de prestígio, de auto- várias formas de tensões.
-afirmação social, que o leva a investir mais alguns milhares de cru- A necessidade de vencer na vida leva os estudantes para as salas
zados numa marca de luxo. de aula. A sede leva o motorista a parar o carro e procurar água ou
Há bastante diferença entre um motivo de ordem orgânica e outro refrigerante num bar. O interesse por conhecer os motores leva o ado-
de origem social, mas, na realidade, quase todo comportamento é in- lescente a comprar revistas de Mecânica. Para resguardar suas rique-
fluenciado por aspectos motivacionais de um e de outro tipo. O compor- zas, o rico proprietário vota nos candidatos conservadores. Motivo é
tamento de se alimentar não é só fisiológico. A maneira de o fazer, tudo aquilo que leva alguém a fazer alguma coisa. Poderíamos defini-lo
aquilo com que cada grupo humano se alimenta, a oração antes das como tudo que inicia, sustenta e dirige uma atividade.
refeições etc. atendem a necessidades orgânicas e sociais. Algumas Podemos identificá-lo com aquela quantidade de energia psíquica
tribos consideravam um dever penoso, mas sagrado, comer o coração, capaz de determinar um comportamento individual ou social. Numa
ainda palpitante, de seus contendores mortos em batalha. Eles o faziam definição, um pouco mais aceita, motivo vem a ser tudo aquilo capaz
por necessidade "social" ou cultural. de determinar um comportamento individual ou social. Há, pois, mo-
Necessidades do ego. Surgem depois ou ao mesmo tempo que as tivos individuais e motivos sociais. Os primeiros movem os indivíduos
e os segundos, os grupos.
necessidades sociais.
São de dois tipos: 1. Necessidades que se relacionam com a auto-
-estima: necessidade de auto-respeito e autoconfiança, de autonomia,
de competência, de conhecimento. 2. Necessidades que se relacionam Tipos de motivo
com a reputação: necessidades de status, de reconhecimento, de apre-
ciação. Se motivo é tudo aquilo que leva alguém a fazer alguma coisa,
Ao contrário das anteriores, as necessidades do ego são rara- podemos supor que há bilhões deles, pois as pessoas são impelidas para
mente satisfeitas. O homem procura indefinidamente mais satisfação as mais diferentes ações possíveis: desde procurar um alfinete no chão
de tais necessidades, uma vez que elas lhe são excessivamente impor- até preparar astronautas para vôos espaciais. A melhor maneira de

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estudar tão numerosos motivos é agrupá-los. No fundo, toda atividade ninhada pela m ã e ) , a sede, a fome, o sexo e os motivos exploratório!,
humana, ou melhor, os motivos que orientam toda atividade humana isto é, que levam os seres a conhecer os meios onde se encontram.
se. concentram em quatro pólos: A atividade de um animal está intimamente ligada à motivação.
1. Sobrevivência ) Há um pequeno aparelho (uma caixa ligada a um tambor rotativo)
} conservar a vida que serve para registrar qualquer atividade do animal, pois esta faz
2. Segurança j girar um tambor rotativo, cujas voltas são registradas por um regis-
3. Realização ) trador.
) expandir a vida A experiência original foi feita com ratas. Sua atividade era nota-
4. Crescimento ) velmente acrescida de quatro em quatro dias. Este acréscimo corres-
Continuar vivo, conservar-se protegido (autoprotegido), procurar pondia ao aparecimento regular do estro (cio), que nas ratas ocorre a
satisfações e experimentar novos estímulos constituem os pólos para cada quatro ou cinco dias. O motivo determinava um acréscimo de
os quais confluem todos os motivos. atividade do organismo. Com a extirpação dos ovários, a atividade
O estudo mais profundo dos motivos e de sua atuação na cons- específica destes dias se reduziu, de imediato, de 60 para 95 por cento,
ciência (motivação) levou os psicólogos atuais a identificarem duas até o desaparecimento total.
fontes produtoras de motivos: as necessidades e as forças de cresci- Nesse modelo estão os elementos da motivação: necessidade, com-
mento. portanto instrumental e extinção da necessidade.
Por exemplo, a sede pode ser encarada como a falta de água no
organismo. Essa falta provoca tensões. Um aluno sedento pode inter-
romper a aula a fim de pedir ao professor para beber água. Se, por NECESSIDADES NO HOMEM
acaso, o professor não atender seu pedido, a tensão poderá aumentar
a um estado tal, que levará o aluno, a todo custo, a procurar o líquido O homem não vive num simples plano homoestático fisiológico.
desejado. Quanto maior a necessidade, maior a tensão determinadora Suas necessidades se realizam também num plano psicológico superior.
de ação. Igualmente, um aluno saudável, cheio de energias, não é Uma pessoa pode ter relacionado comer, fumar, beber etc. como
capaz de ficar quieto por longo tempo. O acúmulo de energia também meio de reduzir suas tensões emocionais, suas ansiedades. A fome
pode levar a atividades de crescimento físico ou psíquico. dessa pessoa, porém, nada tem a ver com a fome como carência ou
falta homoestática. Igualmente, sua obesidade não será homoestática.
Conhece-se o caso de uma pessoa que adormecia sempre que começava
PESQUISAS EXPERIMENTAIS a ficar com raiva. Na psicoterapia, descobriu-se que, quando criança,
toda vez que começava a se irritar, seus pais interpretavam a causa
A Psicologia, como ciência, procura como ideal a quantificação como fadiga e a mandavam para a cama. Seu sono, em tal ocasião,
dos seus fenômenos. Assim, inúmeras experiências foram feitas para não era homoestático. Era um condicionamento.
medir o impulso, que é a parte principal dos motivos. O homem não vive somente num meio orgânico, mas igualmente
Um dos aparelhos mais simples para esta mensuração é a "caixa num meio social. O meio social, isto é, o convívio com os outros,
de obstáculos". Esta consta essencialmente de três compartimentos. No determina novos planos de carências, de déficits, de necessidades.
primeiro, fica o animal; no segundo há um obstáculo e um registro Um objeto, uma situação qualquer que se introduz no contexto,
para medir o esforço despendido pelo animal: uma grade elétrica, por para valorizar e determinar a ação, denomina-se incentivo.
exemplo. O terceiro contém o incentivo. Uma galinha, depois de saciada, se é colocada no meio de outras
F. A. Moss foi aumentando e registrando a quantidade elétrica do famintas, passa novamente a comer e pode comer até 607o a mais,
choque a que se submetiam os ratos para alcançar vários objetivos. além do padrão de saciedade. Neste caso, a presença de animais fa-
Concluiu seu trabalho formando uma lista dos motivos mais fortes mintos devorando avidamente grãos apresenta-se como um incentivo.
para esses animais. Os motivos mais fortes, medidos pela resistência Por exemplo, um prêmio em dinheiro, a presença de uma iguaria,
a choques elétricos, foram: "motivo maternal" (isto é, a busca da as notas escolares, os elogios, os distintivos, os títulos honoríficos, tudo

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isso constitui incentivos positivos, pois apresentam-se como algo agra-
dável que resulta de determinada ação.
Os incentivos podem ser positivos ou negativos. Incentivos nega-
tivos são aqueles que determinam um comportamento de afastamento.
Uma grade elétrica colocada entre o rato e o alimento é um incentivo
negativo, assim como os castigos, as notas baixas, as reprovações etc.
Incentivos positivos são aqueles que determinam um comportamento Propaganda, uma aplicação
de aproximação. Uma torta de sementes de girassol é um incentivo
positivo para ratos, assim como os elogios, prêmios, tudo o que implica da motivação
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aprovação e aceitação social, o são para as pessoas.
O incentivo pode aumentar a força do motivo. Por exemplo, um
prato de comida esteticamente arrumado mobiliza mais a vontade de
comer. Assim, o impulso para a refeição passa a ser feito de duas
partes, uma da necessidade (a fome) e outra do incentivo, isto é, da
A pressão contínua é a de criar anúncios cada
bela disposição do alimento no prato.
vez mais à imagem dos motivos e desejos do
público. (Marshall McLuhan)

i EXERCÍCIOS r

1. Quais seriam os motivos de vida? Em outras palavras, para que os


A propaganda, em última análise, é uma técnica psicológica a ser-
indivíduos vivem? Se observarmos as atividades das pessoas ou as
viço da produção e do consumo.
metas a que dirigem suas ações, veremos o seguinte:
A intenção do anunciante é mobilizar uma ação, um comporta-
a. A atividade de alguns está voltada totalmente para o trabalho e,
mento. Portanto, vai atuar, despertar, criar necessidades, gerar im-
assim, poderíamos dizer que vivem para o trabalho.
pulsos para a ação.
b. Outros se voltam para a beleza, para gozar a vida, para as ativi-
dades de divertimentos. Diríamos que estes têm nas "artes" seu Na elaboração do anúncio, há uma busca de motivos claros "ou
ocultos, conscientes ou inconscientes que despertem o indivíduo para
motivo de vida.
a ação (a compra). Um anúncio de seguro de vida, por exemplo, pre-
c. Em terceiro lugar, aparecem aqueles poucos que elegeram fins tende levar o adulto a fazer um seguro para a família. A agência pode
ideológicos, religiosos, humanitários como fim de suas vidas. apelar para vários motivos. Nunca poderá mostrar direta ou indireta-
d. Finalmente, os que perdem ou não conseguem formular um mo- mente a alegria dos beneficiários com a morte do segurado. Um motivo
tivo de vida, e se neurotizam. oculto, de grande efeito, no caso, é "vender" e dar certa ilusão de imor-
Na realidade, o trabalho, as "artes", os fins ideológicos e religiosos talidade e de superioridade para a pessoa que faz o seguro, pois con-
são simples maneiras de se viver ou a própria finalidade última de tinua protegendo e amparando a família, mesmo depois de desapare-
vida? cido.
2. Será que a sociedade moderna fracassa em satisfazer às necessidades O anúncio, tal como o entendemos, texto e fotografia, ou texto
mais profundas do homem? e cena quando televisionado, é uma mensagem comprimida e totalizada,
com alta carga de impacto, para impressionar a consciência, levando-a
3. Quais serão estas necessidades mais insatisfeitas?
à ação. O anúncio está mais próximo dos desejos e das necessidades
4. Em que categoria você colocaria os que vivem e pensam apenas em da pessoa do que do próprio produto anunciado. Há, muitas vezes,
ganhar dinheiro? um choque entre a imagem que você faz do produto através da pro-
5. Qual a diferença entre motivo e incentivo? paganda e o produto em si.

88 8Q
As firmas nunca aconselham a emissão de um só anúncio, porque Um dia o filho, já formado, falou para o pai: "Pai, você não ouve
não surtiria efeito. Trata-se de fazer uma campanha, isto é, uma série rádio? Você não lê jornais? Há uma grande crise no mundo. A situa-
de anúncios. A propaganda segue o princípio da bolinha de neve. ção é terrível. E aqui no país está ainda pior".
Começa tímida e, com a repetição, se transforma em uma avalancha O pai pensou: "Meu filho estudou, lê jornais, ouve rádio e só
psíquica. pode estar com a razão."
A partir daí, foi diminuindo as compras, reduzindo os molhos e
PRODUÇÃO E PROPAGANDA: SER E PARECER temperos, economizando cartazes de propaganda. Já não mais forçava
as vendas em voz alta, nem conversava animado com os clientes, aba-
Não basta produzir bens e serviços, se não se tiver condições de tido pelas notícias de crises.
levá-los ao conhecimento de seus possíveis consumidores. No plano E as vendas foram caindo.
pessoal é como se disséssemos: "não basta apenas 'ser', é preciso tam-
Algum tempo depois, derrotado pelo seu próprio desânimo, nada
bém 'parecer' aos outros". É por isso que a grande produção industrial
mais restou ao pai do que constatar a incômoda realidade:
moderna precisa tanto da propaganda.
A propaganda se preocupa e trabalha no sentido de criar uma "Você estava certo, meu filho. Nós realmente estamos no meio de
imagem do produto para seus consumidores. O produto nem sempre uma grande crise".
é igual à imagem que dele chega às consciências. Há um esforço de
idealizar o produto e de fazê-lo como que milagroso e fantástico. Esta
tendência pode chegar até a níveis de.mistificação e falsidade. Há um Não podemos mais fazer como o homem dos sanduíches.
código de ética e regras que regulam a publicidade. Analise este anún- É preciso confiar e manter acesa a chama do otimismo e da
cio que uma construtora publicou num jornal do Rio de Janeiro: esperança.

VENDENDO SENSAÇÃO DE PODER

A fascinação exercida sobre as pessoas por qualquer produto que


pareça oferecer-lhes um aumento pessoal de poder proporcionou aos
anunciantes um bom campo para ser explorado. As fábricas de auto-
móveis esforçaram-se por produzir carros com potência cada vez maior.
Depois de uma pesquisa psicológica, uma agência de publicidade ameri-
cana toncluiu que a principal atração para a compra, de dois em dois
anos, de um novo e mais potente automóvel estava em que o carro
dava ao comprador uma renovada sensação de poder, reafirmando-o
em sua própria masculinidade. Necessidade emocional que seu velho
carro não conseguia satisfazer naquele contexto social de vida ou, em
outros termos, naquela cultura.
Era uma vez um homem que vivia à beira de uma estrada e que Havia, porém, um sentimento inconsciente de culpa nesta atração
vendia sanduíches. Lentamente ele foi aumentando as vendas e tam- exercida por uma nova e potente máquina, conforme verificou o Insti-
bém cada vez mais aumentava a compra de carne e pão. Logo com- tuto de Pesquisa de Motivação. O comprador sentia-se culpado por
prou um fogão maior para melhor atender os fregueses e o negócio dar a si próprio a satisfação de um poder que poderia ser considerado
prosperava. Conseguiu dar boa escola ao filho. supérfluo. Precisava, assim, de uma garantia racional para entregar-se

90 91
I satisfação de seus desejos. Uma boa solução, segundo decidiu a mação a ser comunicada deve ter uma fonte e um destinatário, isto é,
pesquisa, foi oferecer a atração do poder, mas acentuar que toda aquela um emissor e um receptor. Esta comunicação se faz através de um
maravilhosa potência proporcionaria "a margem extra de segurança código. Assim, o emissor tem que fazer uma codificação de sua infor-
em uma emergência". "Isso", explica o diretor da pesquisa, "oferece mação. O receptor ou destinatário tem que realizar a operação inversa:
a ilusão de racionalidade de que o comprador necessita". decodificar. Podemos exemplificar isso no caso do telégrafo.
Para obter os objetivos, o anúncio serve-se do princípio da repe- Alguém pensa no conteúdo do telegrama e redige, entregando-o
tição, das associações inconscientes, bem de acordo, aliás, com os pro- ao telegrafista. Este o codifica em sinais "morse" (sistema antigo) e
cessos de lavagem cerebral. o envia através de um veículo elétrico (o fio) a outro telegrafista que
A propaganda tende a homogeneizar os desejos, as necessidades o decodifica e o faz chegar ao receptor, à pessoa a quem o telegrama
e as satisfações dos desejos e a criar as mesmas aspirações. Assim, as é dirigido. Assim teríamos:
pessoas condicionadas pela propaganda passam a ter os mesmos dese-
jos, a ter as mesmas aspirações de posse. A propaganda procura minar
o consumidor de todos os modos. Uma das formas é recorrer a mo- fonte codificação veículo decodificação receptor
tivos inconscientes. O inconsciente é o grande destinatário da propa-
ganda. É por isso que qualquer anúncio lido e comentado, racional-
mente, torna-se ridículo. Mas, deslocado para um novo cenário, se No campo da publicidade, teríamos:
torna, no mínimo, engraçado, comenta McLuhan.
Vejamos este anúncio de televisão: mensagem
produtor codificação decodificação consumidor
Imagem: O marido chega perguntando: "Onde está ele?" A mu- anúncio
lher, perplexa, confusa, interroga: "Ele, quem?" O marido insiste:
"Eu sei que ele está aí". Vai direto a um armário, abre violentamente
a porta, encontrando apenas várias latas de presuntada Wilson, um A primeira lei básica da comunicação é a da entropia: perda ou
nome de homem que "viria a perturbar as relações do casal". degradação do conteúdo primitivo da informação. Entre a fonte e o
Apresentado, assim, parece ridículo, mas, no contexto publicitário, destinatário há uma considerável perda. Para compensar essa lei temos
foi um bom anúncio. A melhor prova disso é que está sendo citado uma regra ou lei básica corretiva: a informação ou a mensagem tem
agora. de ser redundante.
Qualquer anúncio é cômico quando apreciado conscientemente. Em anúncio, não podemos ser prolixos; por isso, ele deve ser o
Grande parte deles não é endereçada ao consumo consciente. São men- mais elaborado possível:
sagens subliminares para o subconsciente, devendo exercer um efeito 1. Pode e deve ser repetitivo.
meio hipnótico e legalmente subliminar. 2. Deve ser rico de associações.
Nos Estados Unidos gastam-se, em propaganda, tantos dólares 3. Deve dirigir-se ao consciente e ao inconsciente, porque tanto um
quantos com a verba oficial destinada à educação (mais de doze bi- corrro outro governam as pessoas.
lhões de dólares). Os homens, assim como os animais, só absorvem a informação
O anúncio é geralmente dispendioso, pois representa a arte de muita de que sentem necessidade ou que lhes seja inteligível.
gente e os meios de comunicação por onde é veiculado são muito caros. Não é o tamanho de um anúncio e sim sua qualidade e freqüência
que engatilham a ação. O anúncio "mural", impresso ou televisionado,
por suas associações e segundas intenções, é, em boa parte, uma inves-
COMUNICAÇÃO E PROPAGANDA
tida contra o inconsciente.
Muitos comportamentos passaram a se modificar em função dos
O homem não pode viver limitado dentro da própria pele. Daí meios de comunicação e da publicidade. Os anúncios de absorventes,
a necessidade de criar ampliações das próprias faculdades interiores e
por exemplo, amplamente difundidos pelos meios de comunicação, con-
pessoais para se estender, para se comunicar com outros. Para tanto,
tribuíram para que a menstruação fosse encarada com mais naturalidade
precisa de códigos e de canais competentes de comunicação. A infor-
pelas pessoas.
92 93
i EXERCÍCIOS r

1. Selecionar de três a cinco anúncios.


2. Submetê-los a um teste de associação. As associações podem come-
çar completando estas frases: "Quando vejo este anúncio, esta figura,
esta palavra, penso em (apresentar a palavra), vêm-me à
Evolução do comportamento
mente . . . . (tais idéias)".
3. Anotar as associações favoráveis e as desfavoráveis: ver a pro-
porção.
4. Pesquisar os motivos a que o anúncio apela. Para tanto é bom
repassar o capítulo sobre motivação.
5. Analisar o anúncio de um ponto de vista crítico. Ver sua racionali- Os mais diversos tipos de comportamento ser-
dade, sua persuasão de venda, seu maior ou menor impacto emo- vem para ajudar os homens e os animais a
cional. competirem uns com os outros e a sobrevive-
rem no seu meio. (Desmond Morris)

O tipo mais simples de comportamento denomina-se reflexo. Sua


simbolização é: E (estímulo) — R (resposta). O reflexo simples está
presente em todos os seres vivos.
Se num recipiente contendo água e algas verdes acendermos uma
vela, haverá uma migração das algas para o foco de luz. Na encosta
de uma montanha verificava-se, em altitudes diferentes, a existência de
determinada variedade de insetos. A divisão entre os grupos de in-
setos era tão rígida que não havia misturas entre eles. Por quê? Qual
o motivo de sua ação se limitar a determinada altitude, nem mais para
baixo nem mais para cima?
A solução era simples. Sua ação ou comportamento ( R ) estava
determinada pelo teor de oxigênio (E) existente em quantidade dife-
rente em cada altitude. O comportamento reflexo é estruturalmente
simples em seu esquema básico. Nos capítulos seguintes voltaremos
a falar sobre este tipo de comportamento.

O COMPORTAMENTO INSTINTIVO

O comportamento instintivo é um padrão de comportamento com-


plexo, inato e invariável no tempo. A vespa caçadora imobiliza uma
lagarta, injetando um líquido paralisante em seus gânglios nervosos.

94 95
A seguir, põe seus ovos no animal vivo e paralisado, garantindo calor O salmão sobe o rio para desovar e depois morrer. Alguns pás-
e alimento à larva. Este comportamento inalterável não foi aprendido. saros, algumas vezes, migram sozinhos, sem a companhia dos mais
A vespa nasce com ele. velhos. Realmente, o primeiro comportamento não é tão instintivo
Os psicólogos do fim do século passado e começo deste exagera- como se pensava. Provas experimentais indicam que o salmão aban-
vam a importância do instinto. dona as partes dos rios onde normalmente vive, porque na época da
desova perde pigmentação da pele e não agüenta os raios do sol, na
L. L. Bernard, em 1924, relacionou 1 046 atividades humanas até
água rasa, passando a procurar um abrigo nas águas mais fundas.
então classificadas como "instinto" ou "tendências instintivas", quer
Com isso, sua migração passa a ser mais um comportamento reflexo.
por algum cientista, quer pela tradição. Demonstrou que a maioria
A migração das aves se deve à diminuição das horas do dia que influi
era constituída de comportamentos aprendidos. Primeiro, não havia
duas autoridades que concordassem com uma lista de instintos e, se- no equilíbrio endócrino do pássaro.
gundo, o conceito de instinto era uma capa para encobrir a ignorância Há uma experiência de Z. K. Kno, a respeito de instinto e apren-
dos fenômenos. dizagem. Kno criou gatos juntamente com ratos. Quando cresceram,
O gráfido abaixo mostra os diferentes tipos de comportamento somente um pequeno número deles atacava seus tradicionais inimigos.
Todos os gatinhos criados com suas mães que, de quatro em quatro
entre as diferentes classes de seres vivos. Vemos a origem do comporta-
dias, matavam um rato, se tornaram bons caçadores de ratos. Deste
mento, seu ponto máximo e a curva de ascensão ou declínio. Como
modo, matar ratos, nos gatos, é um comportamento aprendido, até
exemplo, podemos ver o comportamento instintivo, que se inicia nos
certo ponto, pois o gato pode aprender a conviver pacificamente com
vermes, tem sua expansão máxima nos insetos, decaindo e extinguindo-
suas "possíveis" vítimas.
-se até certo ponto no homem, que tem apenas restos instintivos.
Com quem os gatinhos aprendem a matar ratos? Com as próprias
mães e com os restantes membros do grupo.
O instinto apresenta-se como um tipo standard de ação que se re-
pete ininterruptamente e sem alteração nas mesmas condições. O gran-
de poeta romano Virgílio fez, há quase dois mil anos, uma detalhada
descrição das colmeias no seu livro De Apibus ("As Abelhas") e atual-
mente elas se comportam do mesmo modo, sem nenhuma alteração
visível. Desde o descobrimento do Brasil até hoje, os pássaros conhe-
cidos como joão-de-barro fazem sua casa-ninho do mesmo modo. As
respostas instintivas são:
1. Instrumentais.
2. Invariáveis no tempo.
3. Profundas.
Por profundidade, entendemos o alcance excepcional de alguns
comportamentos instintivos. Andorinhas e patos de clima frio, chegado
o inverno, viajam através de milhares de quilômetros para regiões
quentes ou temperadas, voltando depois, no começo da primavera.
O comportamento instintivo apresenta certa curiosidade. O Brasil
é o centro de várias migrações de aves. O mais interessante é que
quando elas chegam, fazem um percurso sinuoso e longo, mas ac vol-
tarem vão em vôo direto e rápido. Ao chegarem em suas regiões frias
de origem, nidificam, põem ovos, criam os filhos e, na próxima che-
gada do inverno, voltam ao nosso clima tropical. Algumas viajam
de noite e dormem de dia. Na viagem de retorno, sobretudo, algumas

96 97
espécies chegam a voar mais de mil quilômetros por dia. Alguns anuns zando umas varas, um caixote e o cacho de bananas, não teve mais
fazem ninhos coletivos onde todas as fêmeas colocam seus ovos, mas dúvida; levantou-se, encaixou um bastão no outro, subiu no caixote
o curioso é que não aceitam, no ninho, mais do que certo número de e derrubou as primeiras bananas. Foi um ato inteligente.
ovos. Qualquer ovo excedente é jogado fora. Assim como os mamíferos superiores são capazes, às vezes, de
comportamentos inteligentes, também nós temos, em comum com eles,
não instintos, mas restos de comportamentos instintivos. Somos, junta-
INSTINTO E COMPORTAMENTO HUMANO mente com eles, seres territoriais e hierárquicos. Isto é, assim como
os animais, lutamos, seja para estabelecer domínio numa hierarquia
Provavelmente, nenhum comportamento humano normal pode ser social, seja para estabelecer os respectivos direitos territoriais em deter-
descrito totalmente como instintivo. Como o comportamento é uma minado campo.
reação do organismo como um todo, é claro que, sendo o homem Algumas espécies são apenas hierárquicas, isto é, cada um se
um organismo consciente e racional, seus padrões de resposta só podem preocupa em manter posições definidas de superior a inferior dentro
ser racionais e conscientes. Podem ocorrer e ocorrem, efetivamente, do grupo. Outras são territoriais, sem problemas hierárquicos. Final-
esboços, fragmentos de comportamento instintivo, mas não expressões mente, algumas têm os dois instintos. O homem filia-se, em suas ori-
do instinto pleno como nos animais. gens, a este grupo.
Na linguagem comum, empregamos a palavra "instinto" como A hierarquia, no reino animal, é muito conhecida na chamada
sinônimo de ação espontânea e irrefletida ou mesmo para designar "ordem das bicadas", em que os gaios e as galinhas estabelecem suas
certos impulsos irrefreáveis, como também certos reflexos condicio- posições (seus status) por meio de bicadas, criando uma hierarquia
nados. mais ou menos rígida. Os primatas são mais hierárquicos, estabele-
Empregamos, muitas vezes, a palavra "instinto" para significar: cendo graduações de posições (status) dentro de seus grupos "terri-
uma ação involuntária, certos atos emocionalmente intensos, conduta toriais".
irrefletida ou impulsos irrefreáveis. Realmente, os seres humanos têm Provavelmente os antepassados homínidas, ao se transformarem
comportamentos com bases em estruturas hereditárias ou orgânico- em carnívoros, acentuaram o instinto do "território". Quando um
-fisiológicas inatas, que se parecem com os instintos. bem-te-vi, no topo de uma árvore, canta o mais alto possível, está deli-
O comportamento sexual do homem, por exemplo, é um deles. mitando o seu território.
Contudo, não se manifesta em complexos padrões inaprendidos de A vantagem humana. A natureza cooperativa da caça levou o
conduta sexual e, por isso, não pode ser considerado instintivo em homem primitivo a intensificar sua vida social. E foi graças a esta
seu sentido exato. O comportamento humano é muito dominado pela cooperação que ele pôde sobreviver, pois não teria condições de viver
aprendizagem, o que não ocorre na área do instinto, como podemos isoladamente. Como animal social, possui impulsos para a defesa de
ver no seguinte exemplo: um território comum. Ele traz ainda impulsos básicos para a defesa
Há duas variedades de cegonhas européias; uma migra para a patrimonial da unidade familiar que existe dentro do território grupai.
África do Norte e a outra para a África Central. Se pegarmos um Mas a origem mais importante de sua agressividade é a luta pela manu-
ovo da primeira espécie e o colocarmos para ser chocado por uma tenção e conservação individual, vindo, em plano subseqüente, a luta
ave da segunda variedade, quando iniciar a migração o descendente pela hierarquia dentro do grupo: a busca de prestígio, de uma posição
da primeira espécie se desgarrará do grupo e seguirá o roteiro de elevada, de status.
sua espécie. A defesa territorial da unidade familiar faz com que se divida
Nem todos os comportamentos animais são instintivos. Há muitos um edifício em unidades repetitivas: uma mesma unidade culinária
aprendidos e já foi constatado comportamento inteligente nos mamí- para cada apartamento. As casas são infalivelmente separadas por
feros superiores. Contudo, só são capazes de estruturar os elementos muros.
do meio imediatamente presentes. Não possuem inteligência abstrata. Nos conjuntos residenciais de casas iguais, cada família põe a
Um macaco numa jaula, depois de muitas tentativas infrutíferas marca de sua individualidade em tudo que pode: pintura externa,
de apanhar bananas presas no teto, encostou-se a um canto e, visuali- decoração, jardim (quando há) etc. Na verdade, diz Morris, trata-se

98 99
dum equivalente rigoroso do que fazem outras espécies territoriais, reflexão. Por esta última, o homem pode se debruçar sobre si mesmo
quando põem seus cheiros pessoais nas proximidades ou nos principais e conhecer-se, do mesmo modo que pode conhecer o mundo, de um
pontos de seu território. Com isto, alertam aos outros membros da ângulo e uma perspectiva únicos no nosso planeta.
espécie que estão entrando em território alheio. É com esta finalidade
que os cães urinam nos postes da vizinhança, marcando-os. Para Pavlov, contudo, duas operações fisiológicas chamavam a
"Quando uma pessoa põe um nome na porta — diz Morris — ou atenção. Dentro do organismo, o sistema nervoso funciona ora exci-
pendura um quadro na parede, faz exatamente o mesmo que o cão tando certos músculos, glândulas ou órgãos, ora inibindo-os. É por
ou o lobo quando, por exemplo, alçam a perna e deixam sua marca no isto que a ação de pequenas doses de álcool provoca exaltação em
território em que moram." algumas pessoas, pelo enfraquecimento dos processos inibitórios. A
cafeína, porém, fortalece os processos inibitórios. No sono se dá uma
inibição ou desligamento de conexões nervosas. Por isso, o café serve
A competição hierárquica na espécie humana para afugentar, um pouco, o sono. Um cão, a que se ensinou que
um tapa nas patas significa alimento e outro no dorso não tem nenhum
Esta luta por posições mais elevadas é feita, geralmente, com muita
significado, depois de uma injeção de cafeína, apresentava uma con-
cautela, pois não se podem quebrar as forças de coesão social, levando
fusão nos seus processos inibidores, de tal modo que o animal passava
o grupo à extinção. Essas forças, de forma velada, estão presentes
a salivar em resposta a qualquer tapa, seja no dorso ou nas patas.
em toda parte.
Em geral, se qualquer parte do córtex cerebral estiver sendo excitada,
Um automóvel ou uma determinada marca de automóvel, um
sua atividade tende a inibir a atividade das outras partes.
apartamento em certa parte da cidade, até diferenças de acento vocal,
de postura, o nome nas colunas sociais, assumem um significado social O cérebro, ao contrário do que se poderia pensar, nunca repousa.
decisivo, pois indicam a posição social do indivíduo. É expressão da Nele ocorrem continuamente pulsações, verificáveis sob a forma de
luta pela subida hierárquica (a ordem de bicadas das galinhas). atividades elétricas. É curioso que as pulsações são maiores quando
Nosso comportamento foi estruturado para agirmos em pequenos se está em repouso, diminuindo quando se faz um esforço de pensa
grupos tribais, com menos de cem habitantes. Aí, a hierarquia se mento.
estabelecia facilmente. Todos se conheciam. Mas o que acontece no
meio de uma multidão de desconhecidos? O homem se sente menos Atividade do cérebro. Utilizamos apenas um percentual baixo da
solidário e menos responsável, passando a reagir de modo mais agres- nossa atividade mental, responsável pelas atividades convencionais, as-
sivo, sobretudo quando a tônica grupai é a competição. sim como pelas não-convencionais: telepatia, pré-cognição (conheci-
A agressão está à flor da pele. Se, de leve, tocamos em outro, mento do futuro), conhecimento de fatos ocorridos a grande dis-
apressamo-nos a pedir desculpas. Na intimidade, contudo, continuamos tância etc.
tribais.
A neotenia, isto é, o longo estado da infância do ser humano, Fisiologicamente, nossa atividade mental pode ser dividida em duas
determinou modificações no comportamento do homem primitivo. A partes:- a atividade do estado de vigília e a do estado de sono. Assim,
monogamia era a melhor garantia para a proteção dessa infância. Qual- o cérebro nunca repousa totalmente. O estado de vigília (acordado)
quer espécie animal depois de seis meses é capaz de manter sua vida inibe as atividades normais do estado de sono; estas atividades do
independentemente dos pais. Só na espécie humana o cuidado com estado de sono são importantíssimas. Constituem-se em:
os filhos se prolonga por anos. 1. Elaboração da fantasia.
2. Interiorização (uma espécie de digestão) de tudo o que se passou
NOSSO CÉREBRO durante o período de vigília. O sonho é exatamente a expressão
desta realidade interna. É, em suma, através da atividade cerebral
É por ele que subimos, na escala zoológica, ao status de Homo durante o sono que organizamos nossa realidade interior, que dige-
sapiens. A complexidade do seu funcionamento é responsável pela rimos toda a massa de informações recebidas do meio exterior no
existência do mundo maravilhoso da consciência e pela capacidade de estado de vigília.

100 101
Sem esta atividade não poderíamos criar, em nosso mundo interior,
o quadro imaginário e estético que embeleza as atividades prosaicas
da vigília, do dia-a-dia.
Esta dualidade de atividade do cérebro pode explicar certos com-
portamentos, como a hipnose, transe, catalepsia etc. Estes estados po-
dem ser explicados pelo fato de partes do cérebro ficarem totalmente
inibidas e partes totalmente ativadas. Comportamento reflexo e
Se tomarmos uma lagosta e a acariciarmos com firmeza nas costas
da carapaça, desde a extremidade posterior até a face, ela cairá em
comportamento condicionado
estado cataléptico. Ficará imóvel e dura como uma pedra, podendo
ser colocada nas mais variadas posições. Os encantadores de serpentes
sabem que, ao se agarrar de repente uma cobra por detrás da cabeça,
comprimindo«a no momento em que o animal se acha encolerizado,
este cai em estado cataléptico e fica imóvel como um bastão, devido Ê coerente supor que toda matéria viva pos-
à força da ação inibidora do sistema nervoso. sui a propriedade de agir por reflexo. (K.
Platonov)

i EXERCÍCIOS r
Se mantivermos um paramécio (micróbio formado de uma única
célula) durante certo tempo numa cuba triangular e outro numa qua-
1. Afirmamos que o casamento monogâmico foi biologicamente uma drada, eles aprenderão a percorrer seus espaços em percurso triangular
conseqüência da neotenia. Que é neotenia? e em forma de quadrado, conforme o recipiente onde estão. Mudados
2. O que é comportamento instintivo e como ele se apresenta no ser para um vaso redondo e um pouco maior, o primeiro continuará a
humano? fazer seu caminho de forma triangular e o segundo, seu percurso qua-
drangular. Ambos ficaram condicionados a caminhar naquelas direções.
3. Existe comportamento inteligente entre os animais? Dê exemplos.
4. Aponte alguns sinais dos nossos impulsos territoriais e hierárquicos
observados em nosso cotidiano. INTRODUÇÃO AO ASSUNTO
5. Por que a competição hierárquica é atenuada na espécie humana?
Davld Riesman dedicou uma parte do seu livro The Lonely Crowd
à análise de um antigo best-seller infantil: Toodle, a locomotiva. Esta
estória ilustra bem o que seja condicionamento, que é o resultado final
dos reflexos condicionados.
"Toodle é uma pequena locomotiva que vai a uma escola. Suas
principais lições consistiam em aprender que se deve parar sempre
diante de uma bandeira vermelha e nunca sair dos trilhos. Diziam-lhe
que, executando estes dois ensinamentos, poderia crescer e tornar-se
uma grande locomotiva de linhas aerodinâmicas. Toodle, inicialmente,
comportou-se de acordo com o aprendido, mas, depois, foi descobrindo
o prazer de sair um pouquinho dos trilhos, de colher, por exemplo,
umas flores pelo caminho. Estas fraudes foram logo descobertas pelo

102 103
ie ar estão vedadas, os músculos do peito se contraem. Simuliaiici
olho pcrscrutador do limpa-trilhos. A desobediência de Toodle cria mente abre-se a glote, e um pequeno furacão se desencadeia de dentro
uma crise na Cidade das Locomotivas: os professores e autoridades para fora, varrendo os elementos irritantes que estejam no m e i o .
se reúnem para discutir meios de forçar algo eficaz. Quando Toodle
abandonou os trilhos, deu então de frente com uma bandeira vermelha. O espirro, como a tosse, é reflexo simples, cuja finalidade 6 a
Habituada a deter-se diante de uma bandeira vermelha, parou e voltou- limpeza da respectiva área. No espirro, o elemento irritante está numa
-se para outra direção. Mas eis que encontrou outra bandeira ver- passagem nasal. O cérebro manda ordens para expulsá-lo. Começa,
melha. Havia bandeiras vermelhas espalhadas por todo o campo. então, uma série de acontecimentos, muito semelhantes aos da tosse:
Toodle foi e voltou de um lado para outro, mas não conseguiu en- inspiração de ar, compressão súbita dos músculos do peito e do ab-
contrar lugar onde brincar. Finalmente olhou em direção aos trilhos: dômen. Quando a explosão está prestes a ocorrer, o cérebro envia
lá estava a bandeira verde e branca que lhe acenava com o sinal de novas ordens: fecha os olhos, abre bem o véu palatino e, quando do ato
siga. Voltou para os trilhos e prometeu ficar neles para sempre e ser explosivo, o indivíduo se inclina para baixo para produzir melhor efeito
uma boa locomotiva. Este sacrifício custou menos por causa dos de expulsão do elemento estranho. Na tosse, o véu palatino se fecha
aplausos de todos os habitantes da Engineville (Cidade das Locomo- para obstruir as passagens nasais, ao passo que no espirro, este fica
tivas)." inteiramente aberto para que o ar se precipite para fora tanto pela
boca como pelo nariz. A criancinha espirra com muita freqüência.
Antes de vermos o que é um reflexo condicionado, leiamos o que É a maneira que ela tem de assoar o nariz. Há uma particularidade
seja um reflexo simples. no reflexo do espirro: só as irritações ligeiras o provocam. As lesões
profundas como as cirúrgicas não o desencadeiam.
O bocejo, por sua vez, é também um reflexo simples. Apresenta-
QUE É REFLEXO SIMPLES? -se, às vezes, como algo de mais agradável na vida, e em certas ocasiões
como algo excessivamente constrangedor. Uma explicação comum do
É uma resposta imediata e involuntária do organismo a um estí- bocejo é que ele está relacionado com a falta de oxigênio no cérebro.
mulo qualquer. Envolve um nervo que leva a irritação ou estímulo Quando ficamos sonolentos (por qualquer motivo), a circulação san-
para o centro (nervo motor) e outro responsável pela resposta fisioló- güínea do cérebro se torna mais lenta e por isto diminui o suprimento
gica do organismo (nervo sensitivo). Vejamos a seguir vários exemplos. de oxigênio. Se quisermos ou se tivermos de ficar despertos, o oxigênio
Muitos de nossos reflexos têm uma função protetora. Um dedo precisa ser aumentado. No bocejo (mesmo nos traindo), a golfada de
íoca a chapa quente de um fogão. Dezenas de receptadores de calor ar que o acompanha é a solução.
na pele fazem soar o alarma. Enviam estas mensagens de irritação
pelo nervo motor aos centros nervosos. Como não se pode perder
tempo, em muitos casos, estas mensagens se convertem em ordem antes
COMO SE REALIZA O CONDICIONAMENTO
mesmo de chegar ao cérebro. A massa nervosa da coluna vertebral
assume o controle e por seus nervos sensitivos envia a ordem quase Esta parte está escrita em redação especial — "instrução progra-
instantânea que determina o afastamento automático da mão. mada": você lê cada quadro e escreve a resposta num papel à parte.
A seguir, confirme sua resposta na p. 225.
O conhecido safanão do joelho que os médicos produzem com
t .
um martelo de borracha não passa de uma prova para verificar a
presteza e a saúde das vias nervosas. A tosse é um simples ato reflexo, 1. Num cachorro, podemos verificar o seguinte reflexo simples: co-
mas não é tão fácil assim explicá-lo. Quando existem alguns elementos mida 1
na boca elicia salivação.
irritando alguma parte das vias respiratórias, sobe o aviso para o Qual é o estímulo ( E ) ?
cérebro (pelo nervo sensitivo). Como resposta, na primeira operação,
Qual é a resposta ( R ) ?
o ar é aspirado para os pulmões e contido, sob pressão, pela glote.
A glote é uma válvula que impede à comida de descer pela traquéia
para o pulmão. Ao mesmo tempo que a glote se fecha, o véu palatino
1

se levanta para vedar as passagens nasais. Quando todas as passagens "Elicia" significa, em reflexologia, "determina", "produz".

104 105
2. Luz nos olhos elicia contração pupilar. Quais são as letras-símbolo
do reflexo correspondentes a "luz nos olhos" e "contração pu- 9. John Watson, psicólogo americano, aplicou os princípios do con-
pilar"? dicionamento pavloviano a seres humanos. Em um de seus estudos,
condicionou uma criança de onze meses a ter medo de um rato
branco, apresentando-lhe o animal ao mesmo tempo que fazia
3. Choque elétrico na mão elicia batidas cardíacas. produzir um som extremamente forte. Neste exemplo, qual foi o EI
O que é E ? O que é R ? para a resposta "medo"?

4. Associe: 10. Antes da experiência, a criança nunca tinha visto um rato (consi-
Estímulos Respostas derado um estímulo neutro quanto ao medo). Ela não manifestou
a. alimento ( ) contração pupilar medo quando viu o rato. Nestas condições, o rato foi um estí-
mulo para a resposta "medo".
b. luz ( ) aumento das
c. choque batidas cardíacas
elétrico ( ) salivação
11. Somente após ser associado com o EI (ruído forte) fqi que o rato
se tornou um ( )
5. Alguns estímulos eliciam respostas sem aprendizagem alguma, de
forma inata. Este comportamento é chamado de reflexo simples
ou reflexo condicionado? 12. Quando um estímulo neutro é associado a outro estímulo já rela-
cionado com uma resposta particular, de modo que a apresentação
do estímulo neutro provoque a mesma resposta que o E I , aquele
6. Um estímulo que elicia uma resposta sem treino prévio é chamado pode ser chamado estímulo ( )
incondicionado ( E I ) . Qual é o estímulo incondicionado para a
resposta "salivação"?
a) alimento na boca; 13. Como são chamados os estímulos que adquirem a capacidade de
b) um menu. eliciar respostas somente por meio de treino ou aprendizagem?
a) reflexos simples;
b) estímulos incondicionados;
7. Outros estímulos adquirem capacidade de eliciar respostas somente
por meio de treino ou aprendizagem. São chamados estímulos condi- c) estímulos condicionados.
cionados ( E C ) . Na experiência de Pavlov, onde se tocava a cam-
painha e se colocava pó de carne na boca do cão, qual o estímulo
condicionado (EC) para a salivação? 14. O Sr. X vai ao enterro do amigo que faleceu do coração. No dia
a) a campainha; seguinte, ao suspender um peso, contorce um músculo lombar e
b) o pó de carne na boca. logo diz: "Estou doente do coração". A dor da contorção do mús-
culo com referência à resposta "medo de enfarte" é um:
a) reflexo simples;
8. A luz no olho é estímulo ( ) para a contração da pupila. b) estímulo incondicionado;
c) estímulo condicionado.

106
107
15. Se você gritar para uma rã, ela não reage. O som de uma suave 22. Se dirijo um jato de luz para os olhos de um cão, suas pupilas
castanheta (estalido produzido pela ponta do dedo médio ao roçar se contrairão; isto é um O fato de que o cão
o polegar) obriga-a a fugir. Este som lembra o ruído de rãs caindo se empenha em várias atividades para cuidar de seus filhotes já
na água precipitadamente. O ruído da castanheta é um não é considerado um
( ) para as rãs.

23. Uma lesma sobe, quando deve subir, sempre numa inclinação de
15 graus. Que tipo de ação é esta?
16. O marginal empalidecia toda vez que via um policial. Pode-se
caracterizar, em termos científicos, esta reação "empalidecer" como:
a) reflexo condicionado;
24. Que tipo de estímulo é o menu para a resposta "salivação"?
b) reflexo simples;
c) resposta condicionada.

17. Quais os três elementos básicos contidos no condicionamento EXERCÍCIOS


clássico?

1. Qual a diferença entre um reflexo simples e um condicionado?


18. Quando um estímulo previamente neutro provoca a mesma res- 2. Você vai dirigindo um carro; de repente surge uma pessoa na frente
posta que um estímulo incondicionado, dizemos que houve aquisi- e este fato determina uma freada violenta. Estamos diante de um
ção. O som da campainha para o cão de Pavlov demonstra . . . . . . reflexo simples ou condicionado?
de resposta originariamente eliciada pela vista do 3. Qual o mecanismo psicológico utilizado, de modo exaustivo, na fá-
alimento. bula da "Locomotiva"?
4. Isto tem alguma semelhança com o que a sociedade faz conosco?
(Comente um pouco sua resposta.)
19. O condicionamento respondente é principalmente relacionado com
a substituição dos estímulos. Assim, ambos os estímulos provocam
aproximadamente a mesma ( ).

20. O condicionamento respondente implica a associação de um estí-


mulo incondicionado ( E l ) a um ( ) para
obter com este a mesma resposta que com aquele.

21. O som do motor do dentista pode ser um estímulo


para o medo e a ansiedade.

108 109
Os dois reflexos simples, ou melhor, os dois estímulos dos dois
reflexos determinam, aproximadamente, a mesma resposta; por isso.
associam-se.

CONDICIONAMENTO OPERANTE
Tipos de condicionamento
Para entendermos este tipo de condicionamento precisamos do
conceito de reforço.
Reforço é qualquer coisa que serve para fortalecer ou extinguir a
conexão E—R. O reforço positivo fortalece a conexão E—R. No nega-
tivo dá-se o contrário: a conexão debilita-se até sua extinção. Assim,
a aplicação de reforço negativo é uma forma de descondicionamento.
Condicionar é uma forma de aprendizagem Descondicionar é separar um estímulo de uma resposta ou um re-
na qual a capacidade de eliciar uma resposta flexo de outro. Assim como se associa, também se pode separar (des-
é transferida de um estímulo para outro. (Fred condicionar). Vejamos um exemplo onde se emprega o reforço nega-
S. Keller) tivo para descondicionar uma resposta de ira.
Uma criancinha de um ano e nove meses aterrorizava sua família
com iras persistentes na hora de dormir. O condicionamento recebido:
Existem dois tipos de condicionamento: o clássico ou respondente, durante os primeiros dezoito meses de vida estivera doente e inspirara
sobre o qual já fizemos um estudo no capítulo anterior, e o operante cuidados constantes. Ao deitar-se ela era acompanhada por alguém
ou instrumental. da família até dormir. Depois que ficou boa, perdeu alguns dos cuida-
O condicionamento clássico foi descoberto, estudado e detalhada- dos durante o dia, mas se apegou à presença de um familiar até dormir.
mente pesquisado por Ivã Pavlov (1849-1936), fisiologista russo. O Os pais e uma tia se revezavam na tarefa de colocá-la na cama. Se
condicionamento operante foi apresentado por Burrhus Frederic Skinner o escalado deixava o quarto, a criança gritava e agitava-se até que o
(1904), psicólogo americano que desenvolveu intensa atividade no es- adulto retornasse. Se o pai começava a ler, enquanto estava no quarto,
tudo da psicologia da aprendizagem. chorava até que a atenção fosse voltada para ela. Os pais descobriram
que ela gostava do domínio que exercia sobre eles e por isso demorava
o mais que podia a dormir. Em resumo: um dos pais ou a tia estava
CONDICIONAMENTO CLÁSSICO gastando de meia até duas horas todas as noites, o que representava
um consumo elevado e desnecessário de tempo.
Já vimos os elementos que constituem o condicionamento clássico: Como resolver o problema? Era preciso descondicionar: separar
reflexo simples, cujo esquema é E—R, e que é uma resposta ( R ) a
hora de dormir (E) das respostas de excessivas atenções ( R ) . Separar
um estímulo ( E ) ; reflexo condicionado, que é, basicamente, a associação
este estímulo desta resposta. Como?
de dois reflexos simples funcionando dentro do esquema abaixo:
Foi montado o seguinte esquema:
1. Um dos pais ou a tia colocava o garoto na cama, de maneira
calma e amiga. 2. Depois de alguns carinhos, próprios da ocasião, des-
pedia-se e fechava calmamente a porta. 3. Teria que deixar o garoto
chorar o tempo que agüentasse.
Evidentemente, no primeiro dia ele chorou e gritou. Esse com-
portamento durou 45 minutos.

110 111
No sétimo dia, estava extinta a resposta de exigir mimos e aten-
As três primeiras respostas não foram reforçadas e tendem a se
ções na hora de dormir. Colocado na cama, ficou só e não chorou,
extinguir. Na próxima vez, a criança será levada a repetir a mesma
isso não trouxe nenhuma conseqüência. Aos três anos e nove meses,
resposta reforçada. Se conseguir, irá, cada vez mais, incorporando este
o garoto era uma criança amável, expressiva e sociável.
tipo de resposta, chegando ao ponto de. se transformar num traço de
O que ocorreu: sua personalidade e num tipo de caráter. Será o "estourado", o "vio-
1. O reforço positivo dos mimos e agrados na hora de dormir foi su- lento". Poderia ser exatamente o contrário, se tivesse sido condicio-
primido. nado em outra direção.
2. Em seu lugar instalou-se um reforço negativo de choro, gritos etc. A diferença entre este tipo de condicionamento (o operante) e o
condicionamento clássico está em que o primeiro ocorre espontanea-
mente. Há várias respostas e a que for gratificada é a que tenderá
Como ocorre o condicionamento operante a se refletir e depois se consolidar.
Vejamos um exemplo: Os pais, por exemplo, podem ou não exagerar a "oralidade", isto
é, o hábito de obter prazer pela boca, através da comida, bebida,
Uma criança e sua mãe estão num final de feira, já um tanto
fumo etc. Se em criança, a qualquer sinal de desconforto, a única
cansadas e irritadas pelo calor. De repente, a criança vê a banca de
resposta recebida for uma recompensa ou reforço oral agradável, como
algodão-doce e pede-o à mãe. Esta diz que não. A criança, já cansada,
o seio, mamadeira, chupeta e t c , poderá, mais tarde, continuar exigindo,
e agora frustrada, pede de novo, mas desta vez chorando. A mãe diz
para qualquer ansiedade, uma recompensa oral em forma de comida,
que não vai dar, de jeito nenhum. A criança chora alto. Ela pede à
bebida, cigarro ou qualquer outra coisa que lhe dê prazer oral.
criança que pare. A criança continua pedindo e chorando. Ela dá
um beliscão no garoto. Então a criança grita, joga-se no chão, dá Muitos comportamentos que parecem complexos são, na realidade,
pontapés — um quadro completo de ira. A mãe, embaraçada, compra reflexos de estrutura simples. O caminhar exige apenas dois reflexos
o algodão-doce. Ao fazê-lo, reforçou este tipo de comportamento "es- simples: a força da gravidade exige uma resposta de equilíbrio de vá-
candaloso" e enfraqueceu as outras respostas mais adequadas. Vejamos rios músculos, mantendo o corpo em pé (o esquema, como vemos
isto, graficamente: é E — R ) ; a locomoção se faz pela pressão na planta de um pé ( E ) ,
que determina a resposta de levantar e avançar o outro pé ( R ) .
Outros condicionamentos são mais complexos. Certa pessoa vai
deitar-se com dor nas costas e liga a dor nas costas a seu velho medo
Ri (pede simplesmente) do câncer. Sonha que está sofrendo de câncer. A dor nas costas foi
o estímulo (E) que determinou a resposta (R) sonho de estar com
câncer. Tirar a máscara do câncer e ver o simples medo, sem seu
correspondente real da moléstia, é um trabalho de descondicionamento.
Descondicionar não é só entender as fantasias e desmascará-las,
R 2 (pede, choramingando)
mas sentir-se livre delas. Não basta saber que bicho-papão não existe:
é preciso sentir que ele não existe, mesmo quando se está num quarto
escuro, sem nenhuma companhia. Por isso, interpretar as fantasias
desconhecidas não basta. É preciso sentir o que se interpretou.
R 3 (pede, chorando alto)

CONDICIONAMENTO DO MEDO
PM (grita, esperneia) —' consegue (reforço)
Numa criança de pouca idade, o medo nem sempre se concentra no
Houve reforço deste tipo de resposta ( R 4 ) . objeto amedrontador. Freqüentemente "transborda" de tal maneira
que os pais encontram dificuldade para acompanhar.
112
113
imagem do pai morto. Então, lembrando-se da família que devia
A criança pequena que foi derrubada por um cachorro grande sustentar, das férias que queria gozar e t c , passou a comer uma salada
aprende naturalmente a temer o cachorro. Mas seu medo transborda, com peixe cozido.
passando a incluir todos os cachorros e, às vezes, todos os animais
de quatro patas. É compreensível que os pais se espantem ao vê-la 1. Que tipo de condicionamento foi empregado no exemplo acima?
ficar com medo do retrato de uma vaca. Isso ainda é resposta do 2. A lembrança da família e das férias serviu como reforço, estímulo
primeiro título. condicionado ou estímulo incondicionado?
Coragem imposta. A sociedade moderna dá ênfase à falta de 3. O medo de enfarte que o filho passou a ter, após a morte do pai,
medo. "Seja um garoto corajoso." Isso leva freqüentemente as crian- funcionou como estímulo incondicionado ou condicionado?
ças a disfarçar e esconder seus temores. 4. A morte de um cachorro de estimação causa profundo abalo em
Vencer o medo. Os psicólogos concordam que três métodos muito seu dono, um professor com cerca de trinta anos. Seu sofrimento
utilizados para combater o medo causam mais mal do que bem. Eles poderia ter sido causado por algum condicionamento? Vejamos:
são: ignorá-lo sistematicamente, ridicularizar ou punir a criança por "Em criança eu projetei toda a minha necessidade de amor, porque
ter medo e forçar a criança na situação temida. não o recebi dos meus pais, num cachorro que ganhei de presente.
Mais tarde, já um adulto neurótico, voltei a ter um cachorro, e
Outras maneiras devem ser experimentadas. Por exemplo: expli- quando ele morreu, recentemente, senti todas as dores que haviam
que a situação, tentando convencer a criança de que não há nada se acumulado na minha infância. Isto é, não sofri com o que de
a temer; dê você mesmo um exemplo de falta de medo; experimente fato ocorreu, mas em virtude da sensação de abandono que eu sen-
um "recondicionamento positivo": apresente o objeto temido junto tira em criança, por ocasião da morte do meu primeiro cachorro."
com um objeto de prazer, ou incorpore a coisa assustadora a um con-
texto maior reassegurador. O temido cachorro grande será gradual-
mente aceito se fizer parte de um jogo divertido com a participação
de várias outras crianças.
Finalmente, ajude a criança a ganhar confiança em si, mostrando-
-lhe como lidar ativamente com a situação temida. Se ela tiver medo
do quarto escuro, examine com ela o quarto à luz do dia e mostre
como poderá achar o interruptor elétrico.
Ajudando a criança a lidar ativamente com um de seus temores,
você poderá dar-lhe uma concepção mudada de suas próprias habili-
dades. Se ela for confiantemente a um lugar que antes temia, tornou-
-se, nesta exata medida, uma pessoa mais madura.

i EXERCÍCIOS r

Pai e filho eram excessivamente gordos e tinham a mesma maneira


tensa de trabalhar. O pai acabou morrendo de enfarte. Isso causou
profunda impressão no filho que, imaginando ter o mesmo destino
do pai, resolveu emagrecer. Um dia, ao entrar num restaurante, viu
uma suculenta travessa com fritas e de repente veio-lhe à cabeça a
115
114
mente. Quanto mais ligarmos o ato de aprender à resolução de nni.i
situação qualquer: "passar no vestibular deste ano", "ser um.i lio;i
professora primária" e t c , tanto mais eficientemente aprenderemos. Isto
serve de orientação para a motivação dos alunos.
O que ocorre numa sala de aula? Numa sala de aula existe ensino,
que é algo diferente de aprendizagem. Ensino é a transmissão ou
Nossos comportamentos apresentação de certas orientações por parte de alguém, no caso, um
professor, que facilita a aprendizagem por parte do aluno. Muita gente
aprendidos aprende sem precisar de ensino. São os autodidatas. O ensino, con-
tudo, ajuda a aprender.
Numa experiência de tiro ao alvo na água, comprovou-se a van-
tagem do ensino. Dividiram-se os candidatos em dois grupos: a um,
em sala de aula, ensinou-se a lei de refração (aquela que faz com
que um pau dentro da água pareça quebrado) e outros cálculos. É
A Educação é a maior e mais ampla agência
criadora de comportamento e modeladora da
claro que este ensino, só, era insuficiente, pois um ensino normalmente
pessoa. Está interessada em fazer nossas ca- não se constitui em aprendizagem. Ao outro grupo, nada se ensinou,
beças e orientar nossa ação presente e futura. dando apenas as armas. Os que foram ensinados a atingir o alvo,
( D e u m a aluna d a terceira série d o segundo precisaram de menos tentativas do que os outros, aprendendo muito
grau) mais depressa.
Portanto, há uma relação entre aprender, ensinar e treinar.

Como seria um adulto que tivesse contado apenas com seu equipa- QUE VEM A SER APRENDIZAGEM?
mento inato em todo seu desenvolvimento? Em outras palavras, como
seria um adulto que não contasse com nenhum comportamento apren- Aprender um assunto envolve três processos quase simultâneos:
dido? Em primeiro lugar, em vez de falar (que é algo que se aprende) • aquisição de nova informação;
teria gritos e grunhidos desarticulados. Não saberia andar nas ruas,
• incorporação desta na experiência da pessoa;
alimentar-se à nossa maneira etc.
Temos que aprender inúmeras coisas. Quase todos os nossos com- • avaliação ou emprego desta informação na vida prática.
portamentos são aprendidos. Num ato de aprendizagem, a informação nova que pretendemos
Todas as vezes que nossas reações inatas ou adquiridas se revelam assimilar, ou substitui o que já se sabia ou é inteiramente nova. Numa
insuficientes ou inadequadas para enfrentarmos situações novas, temos aula de ciências, o professor afirma que os golfinhos são mamíferos,
que aprender algumas coisas até alcançar a resposta ou reação que quando todos os alunos pensavam que eram peixes. Às vezes, porém,
convenha à situação. Aprendemos então novas respostas ou novas a informação se reduz a um aprimoramento, como no caso de uma
maneiras de agir, que incorporamos à nossa conduta como formas aula sobre circulação do sangue, em que os alunos sabem, até certo
progressivamente adaptadoras de comportamento. Chegamos, pois, à ponto, que o sangue circula no corpo.
conclusão de que aprender é, em última análise, reagir de uma maneira O item incorporação ou transformação do conhecimento novo em
favorável a uma situação estimuladora, à qual não podemos fazer face nossa experiência implica sempre uma tendência para seu emprego ou
com nossos equipamentos hereditários. uso com vistas a irmos mais além, enfim, a utilizá-lo. Neste sentido,
Há sempre uma situação estimuladora que nos leva à sala de o segundo item está intimamente ligado ao terceiro: verificar se o
aula para aprender alguma coisa que nos habilite a reagir favoravel- modo pelo qual manipulamos a informação é adequado à tarefa.

116 117
Um episódio de aprendizagem pode ser breve ou longo, conter
muitas ou poucas idéias. A duração de um ato de aprendizagem Ensaio e erro. Consiste na eliminação sucessiva das respostas
depende da motivação e das condições em que se encontra o aluno para infrutíferas. Quando se vai aprender a andar de bicicleta ou nadar,
sustentá-lo. A principal destas condições é a maturidade. através de tentativas e erros se consegue eliminar os gestos errados e
Em termos práticos, aprendizagem é a modificação da conduta inúteis até a obtenção da pureza ou retidão dos movimentos certos.
interna ou externa mediante a experiência ou prática. Discernimento. Em geral, toda situação de aprendizagem cons-
As modificações no nosso comportamento, mediante a aprendi- titui uma situação ou configuração (Gestalt, forma, campo). Toda
zagem, não devem ser confundidas com aquelas que são determinadas configuração se compõe de várias partes constituindo um todo. Num
pela maturação. Há aprendizagem quando as transformações não são ato de inteligência é possível perceber, num relance, todas as partes,
e não podem ser explicadas pelo desenvolvimento natural do orga- formando a solução do problema. Com isto aprendeu-se a resolvê-lo.
nismo. A aprendizagem é a organização feita pelo indivíduo de um O relacionamento inteligente entre as partes de um todo, com
comportamento novo mediante a experiência. Quando você soube o vista a uma solução, chama-se insight.
que é aprendizagem, fez uma descoberta e uma incorporação para o
futuro de uma nova maneira de comportar-se em relação a esta palavra, Transferência de aprendizagem. É um fato indiscutível a transfe-
que representa uma situação a que se submete a pessoa. A aquisição rência de aprendizagem. Esta se dá quando a pessoa reconhece a nova
de significado ê uma mudança na conduta interna. situação como semelhante à outra para a qual tem comportamento
aprendido. Alguns assuntos não podem ser estudados, diretamente,
nas condições reais, tais como: cirurgia, pára-quedismo, pilotagem,
MODOS DE APRENDER astronáutica etc. Nestes casos, aproveitam-se os benefícios da transfe-
rência de aprendizagem. Esta, contudo, pode ser positiva ou negativa.
Segundo a Psicologia atual, há três modos de aprendizagem: con-
dicionamento clássico, ensaio e erro, e discernimento (insight). Na transferência positiva, há o deslocamento de habilidades e ten-
dências positivas de uma aprendizagem para a outra. A facilitação
Codicionamento. Faz- nervosa, adquirida na primeira, serve para encurtar e melhorar a apren-
-se através do mecanismo dizagem seguinte.
dos reflexos condicionados A transferência negativa, por sua vez, desloca para uma atividade
(ver capítulo a respeito). de aprendizagem similar atitudes negativas e bloqueios adquiridos ante-
Por exemplo, é pelo meca- riormente.
nismo dos reflexos condicio-
nados que a criança aprende Um segundo modo, pelo qual a aprendizagem anterior torna mais
a falar. A criança vê a bola eficiente uma posterior, mesmo de natureza um tanto diferente, é por
— primeiro circuito; en- meio do que se chama transferência de princípios e atitudes. Consiste
quanto vê a bola, ouve: em se aprender uma idéia geral, uma lei, a estrutura toda do fenô-
isto se chama bola. Mais meno, de tal modo que passamos a reconhecer, com mais facilidade,
tarde, basta o ruído sonoro os problemas subseqüentes que forem casos especiais do conhecimento
(palavra) para evocar a rea- adquirido. Por exemplo, a boa compreensão da lei de Newton, a da
lidade vista (bola). gravitação universal, facilita a compreensão de inúmeros fenômenos
posteriores, como casos especiais dessa lei geral.
O fenômeno que ocorre na memorização se resume na aquisição
de certas associações numa seqüência fixa e predeterminada. A moti-
vação, o reforço e o exercício são fundamentais na atividade da me-
mória. Nesta atividade, encontramos os seguintes fenômenos: fixação,
retenção, evocação e reconhecimento.
118
119
Fixação é o esforço para imprimir na mente a matéria desejada. 4. Os dois novos vermes ainda guardavam, de memória, o aprendizado.
Retenção é a manutenção do fixado na mente. Evocação é o retorno A memória exige elementos materiais de natureza química e íisio
do fixado à mente consciente. O reconhecimento consiste não em evo- lógica para fixar seus conhecimentos. Esses elementos são identi-
car mas em identificar dados presentes na situação anterior à memo- ficados com substâncias especiais do núcleo das células.
rização. Quando vemos alguém caminhando numa rua temos certeza A diferença principal entre a memorização e a aprendizagem é a
de que o conhecemos (evocação), mas não sabemos quem é (reconhe- mesma que se encontra entre a memória mecânica e a solução de pro-
cimento). blemas pelas tentativas. Na memória mecânica existe pouco ou ne-
nhum uso de tentativas entre as várias alternativas. O problema da
memorização consiste principalmente em adquirir certas associações
numa seqüência fixa e predeterminada. A motivação, o reforço e o
exercício são necessários, quer se esteja aprendendo Matemática, quer
se tente decorar um poema ou uma série de fórmulas.

MEMÓRIA E ESQUECIMENTO

A causa principal do esquecimento é a aprendizagem inadequada


ou ineficiente. Há contudo outras causas. Podemos citar em primeiro
lugar o enfraquecimento progressivo dos elementos guardados no cé-
rebro. Assim se explica o esquecimento devido a certas doenças e
por excessiva velhice. Muitos esquecimentos nascem da interferência
de matérias novas em dados antigos, da confusão de umas com outras INTERESSE E APRENDIZAGEM
ou ainda da inibição de dados antigos provocada por matérias novas.
É opinião geral que tudo que foi aprendido nunca é esquecido total- Onde há interesse, são possíveis façanhas extraordinárias. Arturo
mente, embora sua evocação seja muito difícil. Toscanini, o maestro, sabia de cor partituras de centenas de sinfonias
Todos os seres vivos são capazes de aprender, desde que se utili- e óperas. Em contraste, podia subir num ônibus e esquecer seu número
zem recursos de ensino adequados. Para ilustrar isto, vanjos apresentar quase imediatamente. Estava interessado numa coisa e não na outra.
uma experiência feita com a planaria, verme primitivo e achatado que Um interesse genuíno pelas pessoas fará com que seus nomes
vive em rochas escuras de águas estagnadas e poluídas. É tão primi- sejam conservados na memória. Quando Henry Clay, o estadista ame-
tivo que tem a propriedade surpreendente de, partido ao meio, rege- ricano que foi um dos fundadores do Partido Republicano, estava
nerar cada metade num novo verme. Um pesquisador ensinou uma progredindo na política, pensava tanto nos que o estavam ajudando,
planaria a reagir à luz, através do condicionamento. que chegou a saber de cor os nomes de 20 000 de seus partidários.
1. O pesquisador acendia uma luz por cima da cabeça da planaria Também Napoleão Bonaparte e George Washington estavam tão inte-
e, ao mesmo tempo, transmitia-lhe um choque elétrico por meio ressados em seus soldados, que podiam chamar qualquer um sob seu
da água. comando pelo nome. Saio Finkelstein, matemático, certa vez espantou
uma platéia memorizando o número 02470684596183261841 em qua-
2. Depois de 250 tentativas de condicionamento, o vermezinho apren- tro segundos e três quartos; um dos presentes observou: "Eu não
deu que a luz significava choque, e assim, quando se acendia a luz, poderia nem ter lido isso no mesmo tempo", ao que Finkelstein re-
passou a se contrair. plicou: "Talvez não, mas então o senhor não se interessa, realmente,
pelos números, não é?"
3. Depois de ensinado, foi partido em dois. Quando as duas partes
se regeneraram, transformando-se em dois vermes adultos, foram No interesse, podemos descobrir dois aspectos básicos: aptidão
submetidas à mesmo experiência. Qual teria sido o resultado? e gosto ou habilidade e afetividade.

120 121
1
4. Cognitivo. O processo de aprendizagem leva um fato ou aconie-
Este gráfico de Albert Eiss ilustra bem o papel do interesse pes- cimento desconhecido para a área do conhecimento. Cria conhe-
soal e da motivação na aprendizagem. cimento. Se não se chega a um esclarecimento na área cognitiva,
não ocorre aprendizagem.
5. Psicomotor. O resultado final da aprendizagem abrange muito mais
do que a parte cognitiva, atinge o indivíduo como um todo. Daí.
referir-se o autor a esta área como psicomotora. Depois que se
aprende, há uma modificação na pessoa, por mínima que seja, pois
a pessoa é uma estrutura psicomotora.
6. Consciente. O processo da aprendizagem transforma algo desco-
nhecido em conhecido. Dessa maneira há uma passagem do sub-
consciente (desconhecido) para o consciente (conhecido).
7. Comportamento aberto ou aprendido. Depois que se completa o
processo e a partir desse momento, a reação psíquica e motora da
pessoa ocorre de modos diferentes. Vamos dar um exemplo simples.
Antes, alguém achava que o golfinho era um peixe, agora aprendeu
que é um mamífero. Com isto, incorporou uma resposta, dentro
de si, que é ao mesmo tempo psíquica (consciente, clara) e mo-
tora. Por isso pode traduzir essa resposta em comportamento aberto
ou manifesto. Este comportamento vai possibilitar a aquisição de
novos comportamentos ou de novas entradas.
2. sensório

Esclareçamos seus termos:


EXERCÍCIOS
1. Subconsciente. Antes da aprendizagem, nossa consciência esta, em
relação àquilo que se vai aprender, num estado de baixa consciência
ou de não conhecimento. 1. Que é transferência da aprendizagem?
2. Sensório. O que vamos aprender é alguma coisa ligada a nosso 2. Comente:
interesse, direta ou indiretamente. Por isto, de alguma maneira, vai "Motivação para aprender. Poderíamos até chamar esta motivação
afetar nossa dimensão afetiva, ou melhor, vai entrar pelo lado afetivo de decisão de aprender. Se o aluno ou o aprendiz não está moti-
e do interesse. vado ou, em outros termos, não está decidido a aprender, o esforço
do professor será muito grande e o resultado, certamente, mínimo."
3. Afetivo. Tudo o que nos parece bom e nos agrada, assim como
o que percebemos como ruim e nos desagrada, atinge nossa área 3. Dê uma definição para "decisão de aprender".
afetiva (veja Primeira Parte, Capítulo 6). Se alguma coisa estiver 4. Agora, voltemos à questão fundamental: o que é mesmo "apren-
absolutamente fora do nosso interesse e da nossa motivação, não der"? Se tiver alguma dificuldade em responder ou definir o que
terá entrada no nosso processo de aprendizagem. é aprendizagem, passe para o capítulo seguinte.

1
Eiss, Albert. Instrucüonal Systems. Michigan, Experimental Edition, 1968, p. 25.
123
122
de aprendizagem científicas e apropriadas. Não seria com nossos me
todos anacrônicos que iríamos obter tais resultados. Um meio a l i . i
mente estimulador é fundamental na aprendizagem.

CAUSAS PERTURBADORAS DO PROCESSO


O processo da aprendizagem
Há muitas causas que perturbam a realização desse processo. Ve-
jamos as principais:
1. Tensão, conflito, angústia e ansiedade são os fatores emocionais
apontados como causadores de queda no rendimento escolar da
criança, provocando distúrbios intelectuais e até mesmo físicos.
A criança, como qualquer um de nós, é uma 2. A carência afetiva, como conseqüência do abandono dos pais e da
espécie de máquina de digerir novidades, assi- falta de amor, é uma das principais causas de baixo rendimento
milando mudanças do seu meio e partindo
escolar. Pode fazer com que a criança apresente na escola uma ati-
para novas experiências se o ambiente for pro-
tude ambivalente. A necessidade de afeto faz com que solicite muito
pício. (Jerome Kagan)
seus colegas e professores, na tentativa de obter uma compensação,
mas também provoca atitudes hostis e agressivas em relação às mes-
mas pessoas. A criança, com medo de ser rejeitada, passa a ter
comportamentos sociais pouco ajustados.
A aprendizagem é um processo, isto é, uma atividade interior que 3. Podemos citar ainda causas religiosas, emocionais e culturais. Por
tem um início, um desenvolvimento e um fim. Nesse sentido, a apren- exemplo: as crianças muçulmanas, cuja religião proíbe que se repro-
dizagem é algo muito pessoal, mas que pode ser influenciado, com duzam figuras, têm sua aprendizagem dificultada, pois a criança pre-
êxito, por pessoas habilitadas e através de estímulos e técnicas. cisa de imagens e ilustrações concretas para aprender mais facil-
A aprendizagem é a modificação que ocorre na conduta mediante mente.
a experiência ou a prática. Ê um processo dinâmico, vivo, global, con- 4. O meio familiar é outra causa a ser apontada. A diferença entre
tínuo e individual. Exige como condição básica o amadurecimento do bebês da classe média e dos lares pobres já é nítida na idade de um
indivíduo para a referida modificação. ano e meio. Até então, os testes-padrão revelam que todas as crianças
A criança é uma máquina pronta a desencadear este processo, a normais se comportam de maneira muito semelhante. Inicialmente, no
qualquer momento. desenvolvimento motor, os bebês da classe pobre levam ligeira vanta-
gem. Lá pelos dezoito meses, porém, os engatinhadores da classe mé-
No Centro de Estudos Infantis da Universidade de Yale cons-
dia tomam a dianteira, investigando o excitante mundo dos brinque-
tatou-se que uma criança normal de três meses aprendeu que deter-
dos, da fala, dos jogos sob a orientação dos adultos interessados. Os
minadas luzes se acendiam em certa ordem. Depois de ensinada, seus
filhos dos pobres, em seus lares superpovoados e desorganizados,
olhos se antecipavam às luzes que deviam acender.
aprendem que o melhor meio de não terem aborrecimentos é ficarem
Nossos métodos tradicionais de ensino só exploram uma parte quietos. Atendidos que sejam por alguma irmã mais velha, uma
mínima das aptidões e da capacidade de aprender do ser humano. As vizinha indiferente ou pelos próprios pais exaustos e oprimidos, a lei
últimas pesquisas em Psicologia da Aprendizagem Infantil demonstra- é a mesma: o prêmio da curiosidade é geralmente pancada. Coinci-
ram que uma criança de quatro anos já podia escrever, ler e ser dentemente começa a baixar o Q.I. Meios culturais pobres desenvol-
introduzida na Álgebra. É claro que esse ensino dependeria de formas vem pouco a personalidade e a inteligência.

124 125
Na sala de aula, o mais dramático é o seguinte: o aluno desas-
sistido, rejeitado, sofrendo uma das várias formas de abandono, "Um automóvel anda à razão de 60 km por hora. Que dis-
chega à escola e esta quase sempre não o ajuda. Omite-se, expulsa tância percorre em uma hora e 20 minutos?"
da sala de aula o aluno mal-comportado. Põe-no de castigo. Tudo Facílimo, não? No entanto, vinte alunos de uma turma de 33
isto é muito cômodo. não atinaram com a resposta. Por quê? O professor de Física, per-
Em 1972, num colégio do Rio, um inspetor de alunos, por plexo, argumenta: "E olhe que estes alunos acertaram problemas
ordem do diretor, não deixou um aluno entrar no prédio porque es- mais difíceis!"
tava com sapatos diferentes do uniforme. O aluno, que sabia estar Interrogando os alunos, descobriu-se que muitos deles eram
ameaçado por marginais, insiste. Não foi atendido. Ficou vagando perfeitamente capazes de resolver problema análogo que lhes foi
em torno do colégio e acabou sendo assassinado pelos marginais que dado depois da prova. Que acontecera? Simples choque emotivo?
temia. Nervosismo devido à situação de exame? Mas, por que motivo
erraram justamente o problema mais fácil? A explicação pode nova-
5. Problemas de motivação e de comunicação também podem perturbar mente ser dada em termos de má percepção. Tendo-se defrontado
o processo de aprendizagem. Em primeiro lugar, a percepção de com um certo número de problemas difíceis, os alunos "esperavam"
uma situação está ligada ao modo como se apresentam os dados outros problemas de igual, ou maior dificuldade. Nada os fazia
do problema. Muitas vezes, estes dados são apresentados de modo supor que iriam encontrar justamente um problema fácil. Quando
a não favorecerem a aprendizagem. este apareceu, "perceberam-no" como difícil ou insolúvel.
Vejamos um exemplo: trace três fileiras de três pontos cada uma,
A questão fácil ficou envolvida por uma espécie- de atmosfera
una estes nove pontos com quatro linhas retas, sem levantar o lápis que fez com que fosse vista como difícil. A solução certa foi, inclu-
do papel. Uma linha retraçada considera-se como nova. Tente,a sive, rejeitada por desconfiança. Na realidade, os alunos não acre-
experiência antes de fazer esta leitura. Apenas com estas informa- ditaram que depois de uma série de perguntas difíceis ocorresse uma
ções, seremos levados forçosamente a fazer um quadrado, unindo efetivamente fácil.
os oito pontos das extremidades. Mas devemos unir os nove com
Entre os fatores pessoais que interferem, prejudicando a ade-
apenas quatro linhas. A seguir poderemos descobrir que seria fácil
quada compreensão do problema e conduzindo a soluções falsas,
uni-los com cinco linhas.
incluem-se os próprios sets ou estruturas mentais. Embora derivadas
É necessário fazer novas associações e ver o problema de outro
de situações objetivas precedentes, acabam por se converter em
ângulo. Por exemplo, as linhas podem estender-se além dos limites condicionamentos subjetivos ou interiores.
dos pontos e aí está uma informação importante que não foi dada.
Comece, agora, a resolver, passando com as linhas além dos pontos.
A solução certa depende de uma reestruturação dos dados, de APRENDIZAGEM E INTELIGÊNCIA
modo que os componentes efetivamente necessários ao resultado pos-
sam ser clara e adequadamente captados. Há uma correlação direta entre aprendizagem e inteligência: quan-
to mais inteligente a pessoa, melhor ela aprende.
6. Há casos em que o perceber mal corre por conta de fatores pessoais
ligados a experiências passadas do indivíduo, ou seja, por falta de Além da má percepção dos elementos do problema, a falta de inte-
conhecimentos anteriores. ligência dificulta a aprendizagem. É imprescindível a inteligência para
associar os vários elementos numa interpretação pessoal e única, pela
As pessoas trazem em si atitudes e expectativas que as ajudam
qual penetramos na realidade do problema.
a guiar e ordenar o modo pelo qual os estímulos serão percebidos.
Muitas vezes, nossas "viseiras" (atitudes) e uma certa rigidez men- Conta-se que Gauss, o famoso matemático, foi uma criança pre-
tal nos impedem de resolver os problemas, vendo-os de outro modo. coce. Freqüentava ainda a escola primária, quando seu professor,
dando um exercício de aritmética, propôs à turma o seguinte problema:
Um professor de Física, do colegial, contava aos colegas, indig-
nado, que seus alunos foram incapazes de resolver o seguinte pro- "Qual de vocês é capaz de achar, o mais depressa possível, a
blema que constava de uma prova parcial: soma d e 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10?" Subitamente, enquanto seus colegas
ainda faziam contas a todo vapor, Gauss levanta a mão, anunciando
126
127
O resultado: 55. Estupefato, o professor o interroga: "Como pôde che-
APRENDIZAGEM DE CONCEITOS E
gar tão depressa à solução?". O menino responde que tinha achado APRENDIZAGEM APRECIATIVA
cômodo agrupar os pares 1 + 1 0 = 11; 2 + 9 = 1 1 , . . . etc. A soma
era igual a 5 pares de 11, ou seja 55. Como é que aprendemos o que é aprender? Para aprender muitos
conceitos abstratos como este, é fundamental a clara percepção da
Gauss descobrira, assim, um importante teorema: o valor da soma situação que o conceito envolve. Depois de bem percebida, é neces-
dos termos de uma progressão aritmética. sário, para a aprendizagem, sentir a situação como um todo. A seguir
Que acontecera? Na linguagem dos gestaltistas, diríamos que houve temos que interpretá-la. Por interpretação entende-se uma elaboração
uma reestruturação do campo perceptivo. Em outras palavras, o me- interna da nossa experiência com respeito àqueles conceitos. Se não
nino passou a ver o problema de uma outra perspectiva. houver esta elaboração interna de nossa experiência pessoal, no má-
Neste discernimento, mais ou menos súbito, nesta nova maneira ximo decoramos a definição do termo.
de apreensão dos elementos, é que reside a principal característica do Tudo se aprende e em todas as partes. Enquanto o professor
comportamento criador. Inventar é resolver um problema pela apreen- leciona, desenvolve-se, lateralmente à parte técnica ou didática, toda
são dos aspectos ou relações que se apresentam, inicialmente, dispersos. uma aprendizagem apreciativa. Os alunos aprendem os gostos do
mestre, sua maneira de ver as coisas, sua ideologia, seus valores, muita
coisa, enfim. Isto recebe o nome de aprendizagem apreciativa, que
CRIATIVIDADE E PERCEPÇÃO ORIGINAL consiste na aquisição de atitudes e ideais, tendo por base a afetivi-
dade, a imitação.
O aspecto criador da inteligência tem preocupado seriamente os
psicólogos. Em seus estudos sobre crianças excepcionalmente bem do-
tadas, verificaram que o talento criador nem sempre é sinônimo de ele-
vado quociente intelectual (ou vice-versa). A capacidade inventiva mani- n EXERCÍCIOS r
festa-se, geralmente, pela percepção original. Um menino, por exemplo,
a quem se pedira uma autobiografia, escreveu: "Nasci em 1953 e desde
então tenho vivido sem interrupção. . .". Outro descreve assim sua vinda 1. "O ruído da carrocinha de sorvete que se aproxima representa para
ao mundo: "Fui transferido de outro mundo — chocado por assim a criança um sinal. Há um número muito grande de respostas que
dizer. Meu irmão gêmeo Miguel acompanhou-me nesta j o r n a d a . . . O ela poderá exibir. Observando um grupo de crianças, veremos que
meu primeiro endereço: Casa de Saúde São. . . " . Os meninos a que algumas pedem ao homem da carrocinha que pare, outras correm
aludimos tinham oito anos de idade. Uma moça, inteligentíssima, ao para dentro de casa em busca de dinheiro, outras ainda continuam
ser submetida a um teste projetivo, interpretou um borrão de tinta com sua brincadeira sem se perturbar. Se observarmos a mesma
como "dois germes atacando um tubo de dentifrício Eucalol". criança em vários dias sucessivos, veremos que ela nem sempre
O denominador comum de todas estas respostas é a abordagem apresenta as mesmas respostas; provavelmente porque em certos dias
pouco convencional. Estes alunos possuem, todos, o dom de ver as ela já tomou um sorvete anteriormente, ou porque sabe que a mãe
coisas comuns de ângulo diferente. É este "ver as coisas sob outro não está de bom humor e não lhe dará dinheiro para comprar
ponto de vista" que está na raiz de todos os nossos esforços para sorvete." Que tipo de aprendizagem é este?
resolver uma situação-problema. 2. "A aprendizagem ocorre quando certas respostas se apresentam com
A presença de um problema determina em cada um de nós um freqüência cada vez maior em situações repetidas." Comente.
modo de percepção de sua realidade. Se o percebermos bem, isto é, 3. O que é "aprender"?
de acordo com o que deve ser percebido, e se formos suficientemente
inteligentes, estará resolvido. Se percebermos mal, conseqüentemente
não acertaremos. Nestes casos, há outros modos de aprender, como
através do ensaio e erro.
129
128
A resposta certa é a de número dois. A vantagem desta sobre
a primeira está em que especifica o critério de como avaliar a mu-
dança de comportamento. Observar o comportamento do aluno "diante
de um mapa-mudo". O critério está claro, concreto. Ele possibilita ao
professor fazer a avaliação certa. Para uma avaliação correta tem que
haver um critério objetivo.

Objetivos e avaliação
da aprendizagem

Não se pode falar em aprendizagem sem en-


fatizar objetivos e avaliação. (Wilson Choeri)

Objetivo não é uma descrição, não é o que você vai dizer, não
é a "noção sobre". É a modificação que você quer produzir no
aprendiz. É o produto final, não o processo nem o método, a ma-
neira de explicar. O objetivo é a modificação no comportamento, na
mente, nas atitudes da pessoa: antes da sua aula, ela era, pensava e
agia de determinada maneira; agora, depois da aula, ela pensa e age
de outro modo. Modificou-se.
Ao formular um objetivo, você faz o relato (descrição) da modi^
ficação que espera produzir no aluno. Antes de começar uma aula
com o assunto deste capítulo, por exemplo, você deve ter em mente:
vou modificar a noção que eles têm ou vou criar a "noção de objetivo
na aprendizagem". O critério para saber se eles se modificaram a esse NOÇÃO DE CRITÉRIO
respeito é o de responder às perguntas do questionário do final do
capítulo, de forma correta. Se errarem é sinal de que não entenderam Critério é o padrão que se estabelece para ver se o objetivo foi
e então deve-se tentar alcançar o objetivo de outra maneira, com novo ou não alcançado.
método, novas explicações etc. Como você pode ver, a pergunta inicial
Algumas vezes, o critério implica a escolha de métodos adequados
era o assunto da aula.
de ensino. Através do critério, você seleciona o melhor método para
Exemplos. Numa classe de Estudos Sociais, qual destas duas for- ensinar determinado assunto. Formulando o objetivo, é preciso esta-
mulações especifica melhor um objetivo de aula? belecer o modo concreto de como ele vai ser alcançado. Tradicional-
1. Vamos ensinar os Estados e as capitais brasileiras. mente, os exames parciais e finais funcionam como avaliação. Contudo,
toda avaliação deve ser precedida de um critério que determine como
2. O aluno deve ser capaz de identificar, num mapa, sem legenda, os você vai avaliar. O uso de dissertação, prova objetiva e observação
Estados e as capitais brasileiras. do desempenho são considerados critérios de avaliação.
130 131
Nem sempre se pode usar o melhor critério possível. Por exem- Há valores fundamentais que se devem incutir na escola. Dentre
plo: numa aula de Zoologia, o professor quer ensinar aos alunos que esses valores, destacamos: formação do caráter, preparação para a vida
0 golfinho é um mamífero; o melhor método para se ensinar, bem como no lar e na comunidade, preparação para o trabalho etc. Apresentamos
o melhor critério para se verificar a aprendizagem, seria mostrar vários a seguir um perfil de valores educacionais, organizado pela Prof. Riva a

animais aquáticos (entre peixes e mamíferos), todos do mesmo porte, Bauser, do magistério estadual e da Fundação Getúlio Vargas.
para que os alunos identificassem entre eles o golfinho. Critério foi O aluno poderá registrar em cada coluna (enchendo-a com lápis
a maneira, o método, que o professor escolheu para atingir o objetivo, de cor) quantos pontos confere a cada valor educacional. Cada um
ou melhor, foi o método escolhido para avaliar se o objetivo foi al- deles está representado por uma letra, na base do quadriculado.
cançado.
Não se pode ultrapassar a soma total de 40 (quarenta) pontes.
Depois de distribuídos os 40 pontos pelos 10 valores, fica bem de-
R E L A Ç Ã O E N T R E CRITÉRIO E A V A L I A Ç Ã O monstrado quais os objetivos ou valores educacionais que cada um
considera mais importante.
Quanto mais bem formulado o critério, tanto melhor e mais facil- Isto poderá servir de tema de debate em sala de aula.
mente se consegue avaliar. Um exemplo: um supervisor (encarregado
de uma turma de empregados) era excessivamente rigoroso para com
seu pessoal, tratando-os como se fossem números de uma folha de
18 18
pagamento, em vez de seres humanos. A chefia estabeleceu como obje-
tivo alterar as atitudes desse supervisor, fazendo-o conhecer as condições 16 16
de vida de seus subordinados. Assim, encarregou-o do levantamento 14
14
daquelas condições, obrigando-o a visitar as famílias dos empregados. A
decisão adotada pela chefia deve ser considerada como um método 12 12
"criativo" de ensino ou como um "critério"? Trata-se mais de um método 10 10
do que de um critério. Critério são as normas práticas de como avaliar
o objetivo proposto. 8 8
O critério para ajudar a avaliação deve: 6 6
1. Determinar as condições sob as quais o comportamento do aluno 4 4
será observado.
2 2
2. Estabelecer um padrão determinado de respostas.
Avaliação é o modo empregado para verificar se o objetivo foi al- 0 0
cançado. Medir é comparar uma coisa, um resultado qualquer, com um A B C D E F G H I
padrão externo objetivo, por exemplo, um metro. Quando se trata
de provas objetivas, chamamos este padrão de "gabarito".
A. Cultura científica. G. Educação artística.
OBJETIVOS E V A L O R E S
B. Educação física e da H. Preparação para o tra-
Assim como em cada aula deve haver algo valioso (objetivo) saúde. balho.
para ser incorporado no universo das ações da pessoa, também os cursos C. Educação cívica. I. Cultura humanística.
e os currículos perseguem objetivos gerais que classificamos como va- D. Educação religiosa. J. Preparação para a vida
lores educacionais. Cada reforma brasileira de ensino se apoiou em no lar e na comunidade.
valores ou objetivos gerais a atingir. A atual está alicerçada na prepa- E. Formação do caráter.
ração e habilitação dos jovens para o mundo do trabalho, dentro da F. Educação formal e pre-
realidade de um país que está em ritmo crescente de desenvolvimento. paração para os exames.

132 133
O pato, finalmente, era um aluno medíocre em tudo; voava um
UMA PARÁBOLA pouco, corria mais ou menos, nadava até bem, muito menos que o
cisne, é claro; subia, até com certo desembaraço. Sua média geral era
a melhor. Não tinha reprovação como o coelho e o gato. Por isso, sua
A histórinha que segue explica a origem da escola e faz-nos
mediocridade em todas as matérias o fazia sumamente brilhante na
meditar sobre o valor dos currículos escolares. Vejamos:
estatística final. Foi, assim, escolhido como orador da turma, apesar
Conta-se que os bichos determinaram criar uma escola, porque o da reclamação geral. O coelho se queixava de correr e galgar morros
meio em que estavam vivendo começava a se tornar cada vez mais muito melhor do que ele. O cisne, de ser melhor nadador. Cada um
complexo, e já não podiam viver socialmente bem com seus equipa- tinha sua queixa justificada a fazer. Um único fato deixou a todos
mentos inatos. Aqui temos a necessidade que deu origem à escola. calados: ninguém tinha média superior à dele e, por isso, estatistica-
Já não podiam, com seus instintos, enfrentar o meio que se havia mente era superior a todos.
complicado demais. Precisavam de uma escola para habilitá-los e
prepará-los convenientemente para as novas estruturas do ambiente.
Foi escolhido um corpo docente ótimo: todo ele com grandes
títulos universitários e boa experiência. De modo que isto envaideceu
a todos. i EXERCÍCIOS r
Para esta escola, sem muita pesquisa do meio ambiente, escolheram
o seguinte currículo: nadar, correr, voar, galgar morros e superar obstá-
culos. 1. Esta fábula lembra, de alguma maneira, nosso ensino?
Os primeiros alunos foram: o cisne, o pato, o coelho, o gato e o 2. Uma escola assim preenche o valor real que deveria ter ou parece
cachorro. Começado o curso, cada mestre, preocupado apenas com antes feita para conferir diplomas?
sua disciplina, dava matéria a torto e a direito. Era assim que julga-
3. Se o professor dissesse: "O objetivo da aula de hoje é dar uma
vam que estava certo e que faziam jus a seus títulos acadêmicos. Os
noção do que seja objetivo de ensino", seria isso objetivo ou o as-
alunos, contudo, ao contrário, iam se desencantando com a tão alme-
sunto da aula? Qual é a sua opinião?
jada escola. Vejamos o caso particular de cada aluno.
4. Comente:
O cisne, nas aulas de correr, de voar, de subir morro, apesar de "O que melhor e mais eficientemente distingue uma aula de qual-
todo esforço, era mau aluno. Tirava notas péssimas. E mostrava os quer tipo de comunicação é o objetivo bem definido e elaborado."
pés ensangüentados nas corridas e as asas com calos adquiridos na
ânsia de voar alto e veloz. O pior era que com o esforço nessas disci-
plinas começara até a nadar pior do que antes, coisa em que era
exímio.
O coelho, por sua vez, padecia nas matérias de nadar e voar.
Como poderia voar se não tinha asas? Em se tratando de nadar, a
cbisa era igualmente difícil, se bem que um pouco menos que a anterior.
O que o salvava eram as duas matérias restantes: correr e galgar
obstáculos, pois suas notas em nadar e voar eram de reprovação. Mas
ninguém era dispensado de nenhuma matéria.
O gato tinha o mesmo problema do-coelho em se tratando de
nadar e voar. Com respeito a voar, ele insistia que se fosse o caso de
voar de cima para baixo, ele poderia ter relativo êxito. O professor,
contudo, não podia aceitar esta condição, porque não estava de acordo
com o programa oficial que devia ser cumprido, rigorosamente.
135
134
O objeto da Psicologia Social é o comportamento humano no
grupo. Temos que considerar dois tipos de grupos: os formais e os
informais.
Por grupos informais, entendemos aqueles que se formam espon-
taneamente, pelo relacionamento natural entre as pessoas. Grupo formal
é aquele organizado por determinada exigência social, administrativa,
Comportamento social funcional etc.
Uma classe é um grupo formal, organizado por exigência adminis-
trativa e funcional. Nela formam-se vários grupos informais: são
aqueles grupinhos de amigos.

Viver é conviver. ( C a r l o s D r u m m o n d de A n - OS PEQUENOS GRUPOS OU GRUPOS INFORMAIS


drade)

1. Do alto de um edifício você vê cinco homens que se dirigem para


um ponto de ônibus. Não há ninguém além deles. Você dirá que
é um grupo. Na realidade, são totalmente desconhecidos. O que é
preciso para que eles formem um grupo?
R.: Que eles se integrem, se congreguem psiquicamente, que haja inte-
ração e integração. Para que isso aconteça, é necessário haver mais força
Em nenhum texto de Psicologia podem faltar noções básicas de de atração do que repulsão entre eles. Além disso, é preciso que exis-
Psicologia Social. Vejamos um exemplo: num colégio, um professor tam funções diferentes para cada pessoa no grupo e que ele tenha uma
encontrou numa turma de adolescentes um aluno que perturbava seria- certa duração.
mente as aulas com suas gracinhas. O professor o chamou, amistosa-
mente, fez-se seu amigo e o garoto prometeu melhorar. Mas, na aula 2. Você pretende estudar um grupo de cinco pessoas. Indicaria cinco
seguinte, a um sinal do líder, esqueceu sua promessa. No final da aula, pesquisadores para estudar, individualmente, cada um dos membros?
o professor chamou-o novamente e ele lhe confessou: "Era meu maior
desejo colaborar com o senhor, mas não posso. Se fico sério, eles vêm R.: Não. O grupo é uma entidade diferente de suas partes constituintes.
me perguntar se estou doente, se me transformei, o que houve". Deve ser estudado como um todo. Conhecendo as partes não se chega
a conhecer o todo. Mesmo conhecendo individualmente cada um dos
As expectativas do grupo sobre ele eram fortes. Aliás, em todo alunos de uma turma (podem ser todos uns anjinhos), não posso dizer
grupo, os indivíduos executam papéis que o grupo lhes confere. O qual a natureza do grupo que eles formam na sala de aula. Aliás, cada
professor, neste caso, estava diante de um grupo bem estruturado. Vol- totalidade tem propriedades diferentes das partes que a compõem. Nos
tar-se para um membro de um grupo e querer que atue individualmente brinquedos de armar, as peças são todas assimétricas e o todo (o boneco)
não surte efeito. Muitas vezes, o comportamento é uma função grupai. é simétrico. O grupo é uma entidade diferente da soma de suas partes.
A solução consiste em: ou pôr o problema para o grupo resolver e
debater, ou procurar tratar com o líder ou cabeça natural deste grupo 3. João é um empregado recém-admitido. Depois do período de adap-
informal. O professor estava, pois, diante de um grupo, e não de uma tação, continua tendo algumas dificuldades. Não querendo perguntar
reação individual. ao supervisor, para não parecer pouco inteligente, procura Pedro,
colega mais experiente. Pedro explica-lhe as dúvidas e João agradece.
Aparentemente, só temos diante de nós indivíduos, mas algumas
Qual a norma que, até certo ponto, obriga Pedro a dar explicações
vezes estamos lidando é com grupos.
a João?
136
137
R.: A sociedade se apoia num sistema de trocas. Quando João foi per- INDIVÍDUO E SOCIEDADE
guntar a Pedro, com esta deferência já prestou uma homenagem a ele.
As normas sociais exercem controle para que as trocas sociais perma-
neçam válidas. A pressão neste sentido obrigou Pedro a responder.
O grupo o olharia de maneira crítica se não desse as explicações pedi-
das. Não vá João explorá-lo. Isto já é outra realidade. S
O SEU
4. Um indivíduo executa melhor uma tarefa sozinho ou tendo audiência C COMPORTAMENTO
(na presença de outros)? I
E
R.: A presença de outras pessoas melhora as respostas dominantes.
D
Exemplo: uma dona-de-casa vai fazer compras, seu comportamento
A
dominante é gastar só determinada quantia — o balconista reforça esta
D
resposta dominante e ela compra só o planejado. Este fato não se repete
num auto-serviço, onde a compradora se acha sozinha, sem ter seu com- E
portamento perturbado pela presença do balconista. Acrescente-se, no
caso, o sugestionamento que as embalagens e os produtos, nas prate-
leiras, exercem sobre a pessoa. INDIVÍDUO

5. Por que em todos os grupos existe um membro que recebe maior Para melhor entendermos este assunto vamos nos valer das coor-
quantidade de escolha, de atenções, sendo o preferido? denadas cartesianas, já que temos duas forças atuando inversamente
uma sobre a outra: a sociedade e o indivíduo.
R.: Em razão da lei das trocas: "Quem dá mais recebe mais". Geral-
mente, em todos os grupos, há sempre um que está disposto a ajudar, Comecemos com duas questões. Primeira: podemos considerar
comunica-se mais, é mais simpático, enfim, dá mais e- conseqüentemente a sociedade e o indivíduo, cada um como um tipo de força diferente?
recebe mais. Segunda: que tipo de força é a sociedade e que tipo de força é o
indivíduo?
6. Aqueles cinco homens sentam-se num ônibus. O veículo demora a Caracterizemos, pois, estas duas forças. A sociedade se apresenta
sair. Cada um se acha em atitude de defesa em relação aos outros: como uma força que pressiona o indivíduo. A sociedade tende a en-
jornais abertos, olhar distante janela afora. De repente, José fecha quadrar os indivíduos por força dessa pressão. Suas normas, suas leis,
o jornal e diz: "Parece que vai chover forte". Silva, que está ao sua estrutura e seus objetivos exercem pressão. Por isto, não possibilita
lado, sente-se na obrigação de corresponder, falando qualquer coisa. a que o indivíduo viva em estado de espontaneidade ou de liberdade
Aquela observação, 'dentro do clima reinante, funcionou como um absoluta. Por exemplo, o proprietário de um grande banco nacional,
pequeno choque. Todos começaram a sair de suas defesas e come- se for seu presidente, não poderá exercer sua liberdade ou espontanei-
çaram a interagir. Formou-se então um grupo? dade de modo total. Terá obrigações do cargo e, portanto, sofre algu-
ma pressão de sua própria sociedade. Não é uma pressão igual à de um
R.: Só pela comunicação não. Para haver um grupo, veja a resposta simples escriturário de uma de suas agências, mas não deixa de ser
a
à l. questão. Seria necessário que os cinco se empenhassem numa uma pressão. Haverá ocasiões em que, gostando ou não, terá que
tarefa comum. Se se unissem para acabar com os atrasos constantes do presidir reuniões e tomar decisões.
ônibus por exemplo. O proponente desta operação, provavelmente seria
o líder; alguns se encarregariam de telefonar, de agir em determinado E o indivíduo? Vamos considerá-lo como uma força que busca
setor em função do objetivo comum (seria o desempenho de papéis espontaneidade e liberdade, isto é, como uma força que se orienta para
diferentes). O grupo duraria enquanto houvesse mais forças de coesão fazer aquilo que quer e gosta de fazer. Como vimos, indivíduos e
do que de repulsão. sociedade são forças aparentemente antagônicas.

138 139
Na sociedade, podemos antecipar, como possíveis, alguns choques O tipo de comunicação mais comum nos grupos é a filtrada, ou
entre as forças da espontaneidade do indivíduo e a pressão de sua orga- seja, aquela em que as pessoas não comunicam tudo entre si: transmitem
nização. Estes choques, de natureza sobretudo psicológica, exprimem-se uma parte e escondem outras; ou então apresentam a mensagem dis-
em graus diferentes de intensidade. torcida. Diz-se que há bloqueio na comunicação quando as pessoas
Ninguém pode negar que o indivíduo, no seu íntimo, gostaria de deixam de se comunicar, não se falando, por exemplo. Estes tipos dc
ser uma pura e total espontaneidade, fazendo aquilo que seus impulsos comunicação se opõem à comunicação autêntica, que é aquela na qual
lhe sugerem. Ora, isto é impossível em qualquer vida organizada. Por o comunicador exprime tudo, sem omissão nem apresentações distor-
isso, dentro das organizações vai ter que se adaptar, criando um tipo cidas. Exprime a coisa, os fatos, a mensagem tal qual, visando apenas
de comportamento que é uma resultante das forças: pressão da socie- à transmissão verdadeira do que realmente sente.
dade e espontaneidade pessoal.
É este comportamento social ou adaptado que a pessoa põe em
ação por força e pressão da sociedade dentro da qual está ou vive.
É evidente que os comportamentos das pessoas se modificam e se i EXERCÍCIOS r
conformam de acordo com o meio. Num salão de recepção, numa
quadra de tênis, num estádio de futebol em final de campeonato, na
empresa ou na igreja, nossa conduta se altera em função destes meios 1. Quando, num grupo, os indivíduos se sentem reciprocamente aceitos,
sociais diferentes. Cada tipo de organização pressiona e exige determi- seguros, valorizados, a comunicação mais natural pode tender a ser:
nados padrões de comportamento. Quais as pressões que recairiam a. Bloqueada.
sobre uma pessoa que apresentasse, na igreja, um comportamento de
b. Filtrada.
torcedor num estádio de futebol?
c. Autêntica.
Para entendermos os mecanismos de pressão da sociedade agindo
sobre as forças da espontaneidade do indivíduo, partimos das pre- 2. Qual a diferença entre a comunicação bloqueada e a comunicação
missas: filtrada?
1. Toda organização, toda hierarquia é, até certo ponto, uma forma 3. Uma pessoa se comporta do mesmo modo quando está sozinha e
de dominação sobre o indivíduo. Assim, a vida social, quer dentro, quando está em companhia de outras pessoas?
quer fora do lar, apresenta-se como certa forma de dominação. 4. A família é uma organização que exerce alguma pressão sobre seus
membros? O pai e a mãe também são pressionados pela estrutura
2. Ninguém pode negar que o indivíduo, no seu íntimo, gostaria de
da organização familiar, ou apenas os filhos?
ser uma pura e total espontaneidade, fazendo aquilo que seus im-
pulsos lhe sugerissem. Ora, isto é impossível na vida social. Logo,
ele deve adaptar-se, adotando uma forma de comportamento que
se situe como uma resultante entre estas duas forças: dominação
e livre espontaneidade. Enfim, a adaptação é um requisito funda-
mental à sobrevivência.
Uma boa e autêntica comunicação entre os membros do grupo é
indispensável para a duração e o dinamismo grupai que facilita a
adaptação.
Os indivíduos só se comunicam autenticamente a partir do mo-
mento em que as necessidades grupais são satisfeitas. Tais necessi-
dades são: sentir-se aceito pelos membros do grupo, sentir no grupo
seu lugar seguro e estável. Sentir-se valorizado e valorizar os membros
do grupo.

140 141
O PODER DA TELEVISÃO

A participação ativa e crítica do aluno é a própria razão de ser


de um sistema que pretende ser educacional e, neste ponto, a televisão
falha. Mas, mesmo assim, educa e ensina. De qualquer maneira, é
uma realidade cada vez mais presente dentro de nossas casas, desem-
penhando um papel de grande importância no desenvolvimento e na
Televisão e sociedade socialização da criança — papel equiparável ao da família, da escola
ou da igreja. Há quem acredite que, muitas vezes, se ataca injusta-
mente a televisão, tornando-a o bode expiatório de todos os males
de um mundo cada vez mais complexo.
A televisão é uma força e, às vezes, uma força muito poderosa,
que tem de ser levada em conta. É uma força entre muitas outras que
A face do mundo foi transformada, nestes úl- interagem de modo complexo no desenvolvimento infantil. As crianças
timos 25 anos, pelos modernos meios de co- podem identificar-se com modelos propostos pela televisão, podem
municação de massa. (Marshall McLuhan) imitar o que vêem na tela e podem, obviamente, aprender pela tele-
visão, de modo direto ou indireto, assim, como aprendem de outras
fontes.
Por exemplo, o quadro de violência mostrado pela televisão não é,
A televisão pode desempenhar importante papel na vida da criança,
muitas vezes, visto como fonte de imitação ou como estímulo à agres-
transmitindo-lhe informações, sugerindo-lhe idéias e proporcionando-lhe
são, mas como um elemento fomentador de medo, apreensão e insegu-
entretenimento. Pode até se transformar no centro da vida doméstica,
rança, sentimentos que podem traduzir-se num apoio decidido e talvez
eliminando conversas sobre problemas familiares e suprimindo costu-
até excessivo às forças da lei e da ordem, e que podem também levar
mes e passatempos tradicionais. Mas, não consegue substituir a escola.
as pessoas à submissão e à subserviência ao Estado. No final, o bandido
Os meios de comunicação, especialmente o rádio e a televisão, não sai vitorioso. Quem vence sempre é a justiça, a lei, a ordem, o
com o poder multiplicador de suas mensagens, se apresentaram como bem. E com isto, está reafirmando e consolidando as regras do poder
a solução para as carências educacionais dos países pobres, no início estabelecido, está sendo conservadora. A televisão pode ser encarada
dos anos 60. A educação eletrônica, à distância, por ser abrangente, como o braço cultural da sociedade, que difunde símbolos culturais na
seria o substituto da escola. Hoje, infelizmente, sabemos que isto não é consciência do público e produz uma homogeneidade cultural muito
a expressão da verdade. Para o fracasso desta expectativa inicial con- mais ampla do que são capazes de detectar os pesquisadores.
correram muitas causas: políticas, administrativas, econômicas, e ideo-
lógicas.
Contudo, o emprego do rádio e da televisão, na solução dos pro- O QUE A TELEVISÃO ENSINA?
blemas educacionais, não se mostrou tão fácil devido sobretudo às defi-
ciências do próprio meio, quando utilizado no processo educativo. Sua Na maioria dos países ocidentais, a televisão tem uma mensagem
dificuldade básica é que o cinema, o rádio e a televisão são meios de clara e poderosa, principalmente quando se associa à publicidade para
grande impacto, de ilimitado poder de multiplicação da mensagem mas promover a "obsolescência acelerada de produtos", a "insatisfação com o
sem nenhuma interação com o ouvinte. A comunicação, enquanto modo de vida" e a "exibição ostentatória". A mensagem da televisão é a
processo, fica truncada porque se transforma numa via unilateral, im- .seguinte: o que importa é a prosperidade. Sem dúvida, a prosperidade
possibilitando a ação do receptor da mensagem. Em se tratando de é o valor predominante na sociedade ocidental, promovido, dia após dia,
educação, este receptor (que no caso se chama aluno, aprendiz) é a pelos meios de comunicaçtão. Mas esta promoção, se dedica imenso
peça principal. cuidado a esse objetivo, pouco ou nada diz acerca dos meios legítimos
de alcançá-lo.
142
143
capaz de modificar atitudes, decisões e comportamentos, e isto signi
Os comerciais de TV exercem excepcional atração sobre as crian-
ças. Os anúncios trazem sempre "boas notícias", além de serem insis- fica educar.
tentes e repetitivos. Enfatizam as virtudes do produto sem qualquer
menção a seus pontos fracos. A publicidade leva às crianças a ilusão
de que existe uma infinidade de produtos e serviços de que podem
dispor: mas não encoraja absolutamente as crianças a controlarem EXERCÍCIOS
seus desejos de comprar. Desta forma, ensina-as a se tornarem consu-
midores indiscriminados, excitando seus desejos de posse e aquisição.
Os anúncios veiculam meias verdades e inutilizam muitas lições de quí- 1. "Na maioria dos países ocidentais, as crianças passam muito tempo
mica e biologia que as crianças aprendem na escola. diante do aparelho de televisão." Extraia duas conclusões deste fato.
2. Há dois tipos de educação: o formal, que se realiza nas salas de
O PAPEL PASSIVO E O MUNDO DA FANTASIA aula, e o informal, que existe em toda parte. Dentro desta duali-
dade, como podemos encarar a televisão?
Para assistir a um programa basta sentar-nos diante do televisor 3. Qual a maior mensagem da televisão?
e não fazer mais nada a não ser olhar. A televisão exclui qualquer 4. Faça um estudo e uma análise das mensagens transmitidas pelos
forma de atividade. No caso de pessoas adultas, ainda se pode alegar
principais programas da nossa televisão.
que a televisão é uma forma de repouso após o trabalho, mas no caso
de crianças, pode significar a perda de um tempo precioso que poderia
estar sendo usado para a aquisição direta de várias experiências. Na
prática, poucas vezes o meio pode oferecer tais experiências. Como con-
seqüência, as crianças vivem hoje num mundo artificial criado pelos
meios de comunicação de massa, mundo que se vem somar ao da
natureza e ao dos seres humanos.
Outro fato importante a considerar: as crianças vêem muito mais
programas para adultos do que programas infantis. Uma das conse-
qüências disto é a eliminação dos limites entre o mundo cultural dos
adultos e o das crianças. Demasiado cedo, no momento em que são
mais vulneráveis, as crianças entram em contato com o mundo e a
cultura das pessoas adultas. Se os adultos da família não agirem ade-
quadamente como mediadores, as crianças absorverão a imagem da
sociedade e dos comportamentos adultos tal como apresentadas pela
televisão. E isto se dará em detrimento da imagem espontânea e
natural que poderiam formar a partir de suas próprias experiências
vividas.
O cinema e a televisão criam um mundo de ficção e fantasia que
diverte as crianças. Mas a transmissão muito freqüente de filmes
de ficção não poderá levá-las a confundir o real com o ilusório e
até fazer com que o mundo simulado da imaginação lhes pareça mais
verdadeiro que a própria vida?
Não temos resposta conclusiva para esta pergunta. Uma coisa é
certa: a televisão nos traz um volume sem precedentes de informações,

144 145
TERCEIRA
PARTE

AS PORTAS
DO CONHECIMENTO

Se pudéssemos limpar as portas da percepção,


tudo se revelaria ao homem tal qual é: infi-
nito. (William Blake)
Os alunos, de imediato, responderam que era o acento gráfico que
não figurava na segunda palavra.
É preciso desmanchar este primeiro set (estrutura) perceptivo
para se poder chegar ao conteúdo ideativo ou significação de cada
palavra: "amássemos", do verbo amar, e "amassemos", do verbo
amassar.
Cada homem vive mais em função de seu mundo interior, do que
Percepção, a ótica individual em função da realidade objetiva. Muitas vezes o que uma pessoa sente,
pensa e imagina, depende mais de sua experiência interior do que dos
fatos e acontecimentos objetivos. Daí a expressão: "Cada cabeça, uma
sentença".

Sentir é, de imediato, uma comunicação vital


A PERCEPÇÃO E SEUS SENTIDOS *
com o mundo. Pensamento é tudo quanto
fazemos para sair da dúvida em que caímos
e retornar à certeza. ( O r t e g a y G a s s e t ) 1. Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos e situações. O
ato implica, como condição necessária, a proximidade do objeto
no espaço e no tempo, bem como a possibilidade de se lhe ter acesso
direto ou imediato através de algum dos
Se não fosse a percepção, seríamos como uma pedra, que está ligada
ao meio apenas fisicamente. A cada momento, estamos agindo sobre
o meio exterior, em interação com tudo que nos rodeia, através da 2. Perceber não é reproduzir fielmente o objeto presente. Se assim
percepção. fosse, não haveria tantos enganos. Não existiria, por exemplo, o
Os sentidos, que são nossas antenas para a captação do mundo mundo das ilusões e das mágicas, onde um lenço em movimento
exterior, colhem os estímulos não só do meio, mas também do nosso determina a percepção de um coelho. Perceber é organizar interior-
íntimo. mente os que os sentidos nos trazem.
Perceber não é reproduzir os objetos tais quais são, mas
mentalmente os dados ou os elementos levados pelos
COMO OCORRE A P E R C E P Ç Ã O

Perceber é organizar interiormente os elementos levados pelos sen-


tidos. Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos e situações. 3. Os sentidos são antenas que captam estímulos do
Há brincadeiras e jogos baseados nas falhas e na estrutura de nossa e os transmitem ao cérebro, onde se organiza a percepção.
percepção. Por exemplo:
Um professor pergunta aos alunos qual seria a diferença entre 4. Esta sala de aula é uma fonte, ou melhor, um turbilhão de estímulos
as duas palavras que acabara de escrever no quadro-negro: perceptivos. Para uns, esses estímulos são interessantes e por isso eles
acham a aula boa. Outros consideram tais estímulos
Para estes, a aula não é

* Esta parte está escrita de uma forma especial denominada "instrução programada".
Você lê cada item e escreve a resposta em um papel à parte. A seguir, confirme sua
resposta na p. 226.

148 149
Perceber é organizar os dados que os sentidos fazem chegar até o 8. Apenas alguns elementos são suficientes porque a mente, ao or-
cérebro. Aí estes dados são e ganizar a percepção, supre os elementos que
se transformam em percepção. 1
Aí está a explicação da lei da totalidade ou da Gestalt.

9. A mente humana, ou melhor, a razão humana, procura significa-


LIMITAÇÃO PERCEPTIVA dos Assim, ao elaborar os dados transmitidos pelos sentidos,
ela completa-os para ter um significado do
objeto ou da situação. Mais uma vez, entrou em ação a lei da
totalidade ou da Gestalt.
6. Como a percepção é uma organização, não é necessário que os ele-
mentos vindos através dos sentidos sejam completos. Em outros
termos, não são necessários todos os elementos para se 1 0 . Talvez por esse mesmo motivo, nunca há percepção de um objeto
ou ter uma percepção, bastam ou de um elemento isolado: percebemos um campo, num todo,
isto é, o objeto e o que está ao seu redor. O objeto e o que está
ao seu redor.chamam-se um
7. Por limitação perceptiva queremos dizer que bastam perceptivo.
. . . para se organizar a percepção do todo. É um efeito
da lei da totalidade ou Gestalt.
11. Um campo perceptivo se constitui de duas partes essenciais: figura
e fundo. Figura é a parte central da percepção. Fundo é a pers-
pectiva, a moldura ou contorno do campo. O elemento mais im-
Conte quantos traços fo- portante do campo é ; o de menor importân-
ram necessários para você cia é
organizar a percepção de
um cachorro.
Em qualquer percepção, a 12. Nunca percebemos estímulos isolados; percebemos sempre totalida-
primeira imagem salta à des, estruturas organizadas e com significação. Perceber é conceber
vista como um todo e os um campo total constituído de e ,
pormenores vão-se destacan- em outros termos, de tema e campo temático.
do depois, devido à lei da
totalidade ou Gestalt. As li-
nhas e pontos separados
unem-se e organizam-se na 13. Alguém que passa por uma sala de aula vê professor e alunos.
mente formando a percep- Tomando a classe como campo perceptivo, o que é figura? O que
ção do objeto. é perspectiva ou fundo?

1
Vide, do mesmo autor e editora, Introdução ao Estudo da Filosofia. Primeira parle,
cap. 13: "O Problema do Conhecimento Humano".

150 151
Os objetos não são perce- INTERFERÊNCIA NO CAMPO PERCEPTIVO
bidos isoladamente, mas sim
om relação a outros. A pró-
pria percepção de um objeto
16. Se se examinam simultaneamente um círculo branco sobre um fundo
depende, em parte, do fato
negro e um círculo negro (de mesmo diâmetro) sobre um fundo
de vermos algumas relações
branco, este nos parecerá menor. Assim, as pessoas parecem mais
entre as partes que formam
magras vestidas de negro ou de claro?
o todo. Assim, a estrutura
percebida é a maneira pela
qual as partes se combinam
17. Enquanto você olha para a Lua, passa uma nuvem sobre ela. Você
para formar o todo.
a vê fugindo. É um movimento aparente. Nesta percepção, a Lua
Veja a figura ao lado. O era a do campo perceptivo. A nuvem era
que você vê? Estrutura am- fundo ou perspectiva. Como a figura é o elemento principal do
bígua (reversível) que pode campo perceptivo, percebe-se o movimento do fundo como sendo
ser apreendida sob duas pers- da É esta a explicação desta ilusão perceptiva.
pectivas diferentes. Qual o te-
ma? Qual o fundo ou pers-
pectiva?
18. Há outras sutilezas e analogias subjetivas presentes na elaboração
perceptiva.

14. Uma situação caótica e confusa nem sempre pode ser percebida.
Para que isto ocorra é necessário perceber seu significado de con-
fusão ou ameaça. Contudo, numa confusão ou tumulto cada um
percebe e descreve o ocorrido a Essas percep-
ções ligeiramente diferentes se originam, como vimos, do fato de a
organização perceptiva ser marcada pelo subjetivismo de cada um.

15. Vejamos um exemplo:


Qual destas duas figuras se chama taketel E malumal
Um avião de passageiros decolou de um país A rumo a um país
C. Para chegar até este deveria sobrevoar o país B. Durante a
viagem, espatifou-se justamente na fronteira dos países B e C. O FUNÇÕES DA PERCEPÇÃO
problema jurídico que se originou foi o de onde sepultar os sobre-
viventes. Deveriam ser sepultados no país A, de onde provinham,
19. Função informativa. Perceber é uma forma de manter contato com
ou em C, para onde iam? Ou deveriam, talvez, ser sepultados no
o meio para sobreviver. A partir desse contato o ser vivo organiza
país B, por onde acabavam justamente de passar? Todos os pas-
seu comportamento, de acordo com o que é percebido. A minhoca
sageiros eram naturais de um quarto país, D.
não tem olhos porque não precisa da visão para no
Resolveram? Difícil ou fácil? Houve alguma lacuna na organização
meio subterrâneo onde vive. As percepções tácteis são muito mais
perceptiva?
.-.. do que as

152 153
NECESSIDADES E PERCEPÇÃO
20. Função defensiva. Pela percepção, o indivíduo se defende dos
perigos. Assim, se um indivíduo se percebe agredido, agride (mes-
mo que a outra pessoa não tenha nenhuma intenção de ofendê-lo).
Se A chega para você e lhe diz que foi ofendido ou agredido por B, 24. Muitas percepções são determinadas por nossas necessidades. Quan-
desta ou daquela forma, você deve levantar duas hipóteses básicas: do precisamos de agulhas, percebemos a existência de bazares muito
a) B agrediu porque foi primeiro agredido por A. Nesse caso, o mais do que se não tivéssemos essa necessidade.
problema central está em A ou em BI
b) Na realidade, pode acontecer que A realmente nada fez que
ofendesse a f i e mesmo assim B continua em sua campanha agres-
25. Rapazes falam muito mais em moças e moças falam muito mais
siva. Então teremos a segunda hipótese:- B agride a A porque se
em rapazes por força de suas necessidades internas. Deformamos
percebe agredido. Nesse caso, o problema em quem está?
a realidade em função das tensões interiores que as
geram em cada um de nós.

26. Meninos de família pobre, quando pintam um bolo, desenham-no


21. Se B percebe A como um agressor é porque na personalidade de B enorme. Quando pedimos para um empregado falar das pessoas
há elementos que deformam tudo o que emana, de A. No caso com quem trabalha, fala muito mais dos chefes do que dos colegas
de A não ser, em nenhuma hipótese, agressor, o enunciado é certo ou subordinados. Os chefes são mais importantes sob o ângulo
ou errado? de suas

VOCÊ E OS OUTROS NA PERCEPÇÃO


A percepção reflete sempre a natureza do perceptor, isto é, daquele
22. As pessoas percebem de acordo com sua ótica individual, isto é,
que percebe. Reflete seus anseios, suas experiências, seus desejos.
percebem de acordo com sua personalidade. Se você sabe como
alguém é, poderá prever como irá as coisas, pessoas e
as situações da vida, assim como irá com respeito a estas
coisas, pessoas e situações. 27. Você se percebe de uma maneira. Não vá pensar que seu pai,
sua mãe, seus irmãos, vizinhos, colegas o percebem da
que

23. Deformamos nossas percepções segundo nossos estados internos. 28. A relação de dependência, como a de superiorIsubordinado, paiIfi-
Se A acha que B está querendo prejudicá-lo, distorcerá todas as lho, professorIaluno, pode gerar hostilidade. Muitas vezes, o chefe
quer se mostrar amigo, mas o empregado estruturado diferente-
suas ações, mesmo aquelas bem intencionadas: se A fâz um gesto
mente pela hostilidade latente não o percebe como
de delicadeza, B pode perceber como hipocrisia; se A preocupado
Pode haver em cada um enfoques Muitas vezes não
não lhe dá toda atenção, B pode perceber aquilo como
nos apercebemos disto, com conseqüências desagradáveis para . . . .
para com ele.

154
iss
29. Definir percepção como impressão mecânica na conciência de coisas 34. Dinamismo perceptivo é a capacidade de reestruturar um campo
do mundo exterior é boa definição? Sim/Não perceptivo, percebendo-o sob novas

30. Perceber é antes organizar, reproduzir tal qual, imprimir na cons- 35. A rigidez perceptiva é o fenômeno oposto ao dinamismo. As perso-
ciência, reter o objeto, concluir sobre o objeto. Escolha o termo nalidades autoritárias, fanáticas, sofrem de certa rigidez perceptiva.
adequado. São incapazes de perceber novos nas situações.

31. Um revisor, lendo num texto sobre eletricidade a palavra "cheque", 36. A percepção é determinada muito mais pela relação que se esta-
poderá ler "choque", e num texto de moda poderá ler "chique". belece entre seus elementos contíguos, próximos ou constitutivos, do
a) É possível? que pela existência e presença de seus elementos. Não basta a
presença, mas sim a relação que se estabelece entre os elementos.
b) Não é possível?
Um limão é mais azedo se for provado depois de um pedaço de
doce. Uma rosa num campo é percebida de maneira diferente do
32. A expectativa de algo aguça a percepção naquele sentido. Assim, que num jarro, dependendo dos que vão formar, com
as necessidades, uma motivação em determinado sentido, o inte- ela, um campo perceptivo.
resse, tudo isso altera ou distorce a

CONCEPÇÃO ESQUEMÁTICA DA PERCEPÇÃO


33. Pessoas com fome viram mais imagens de comida em borrões de
tinta do que outras depois de saciadas. Qual a interferência sofrida MEIO EXTERIOR PERCEPÇÃO
nessa percepção?

A percepção é um fenômeno mental dinâmico. Ao percebermos uma


coisa, não a percebemos estaticamente, mas dentro de um processo dinâ-
mico de mudanças ou de novas reestruturações.

Vide figura.
HS: história do estímulo. S: estímulo. ANP: atividade
neural periférica. DNC: depósito neural central. ANC:
atividade neural central. F.: experiência fenomenológica
(percepção interna). R.: resposta — percepção: resposta
perceptiva

Exemplifiquemos. Um rapaz, que nunca havia saído do próprio


bairro, foi, um dia, visitar uma fazenda de um colega. Lá, ele se depa-
rou com um "monstruoso" touro zebu que nunca havia visto. Diante
daquele estímulo (S) desconhecido, procurou na sua história passada
dos animais (HS) algo igual àquilo e não encontrou. Recorreu ao depó-
sito neural central ( D N C ) , à sua memória, e encontrou animais seme-
lhantes: camelos, cavalos e t c , mas igual, não. Diante disso, teve de

156 157
tomar uma decisão na atividade neural primária ( A N P ) , decidindo per-
ceber aquilo como um touro; aprofundou mais seu ato perceptivo na
atividade neural central (ANC) e confirmou a percepção como de um
touro. Assim, firmaram-se dentro da consciência dois fenômenos ( F ) :
um de um touro provisório, isto é, podendo ser outro bicho, e outro de
um touro definitivo. Finalmente, a resposta (R) é a projeção de (F)
como se estivesse fora, ocupando um espaço idêntico ao do animal real.
Esta descrição é puramente didática: essas fases se completam com Que é inteligência?
tremenda rapidez.
Muitas vezes, quando esperamos alguém numa esquina movimen-
tada, por exemplo, temos a ilusão de ver a pessoa aparecer ao longe
( A N P ) , mas levando esta imagem a um exame ( A N C ) , vemos que
houve engano. Em muitos atos perceptivos há um processo decisório:
temos que decidir se tal coisa percebida é realmente tal coisa ou pessoa
Todos concordam que, de todas as qualidades
real. humanas, a inteligência é uma das mais dese-
jáveis. Mas nem todos se referem à mesma
coisa quando falam dela. Platão afirmava que,
ao sabermos em que consiste a inteligência, de
EXERCÍCIOS certa maneira ficaríamos mais inteligentes.
(William Stern)

1. Eis uma prova de como as pessoas organizam diferentemente os


dados dos sentidos. Você tem diante de si um único desenho. Você
pode perceber nele mais de uma figura?
Até o final do capítulo veremos se Platão tinha ou não motivo
para sua afirmação. Vamos começar discutindo o seguinte caso "L era,
1
realmente, inteligente?"
" L " tinha onze anos. Era sadio e aparentemente sem perturbações
neurológicas. Tinha uma estranha variedade de capacidades mentais.
Era capaz de dizer o dia da semana de qualquer data entre 1880 a 1950.
Dava o total correto de dez a doze parcelas de duas casas assim que
acabava de ouvi-las. Soletrava muitas palavras de trás para diante e
de diante para trás. Tocava de ouvido composições musicais tais como
o "Largo" de Dvorak. Cantava do começo ao fim a ária "Credo" e o
dueto "Si pel ciei" da ópera Otelo. Em suma, era formidável.
Mas ia mal na escola. Em conhecimentos gerais, estava muito
abaixo de seus colegas. Conhecia o sentido de pouquíssimas palavras,
apesar de soletrá-las até de trás para frente. Era quase incapaz de
2. Quais ou qual a figura que você percebe e que seus colegas, ao lado, raciocínio lógico e se perdia em qualquer problema abstrato.
percebem?
Era inteligente?
3. Este exemplo demonstra que a realidade vista por um pode não
ser a mesma realidade experimentada por outro. Explique melhor
1

este fato. Caso examinado e debatido em 1937.

158 159
Depois do debate ou da reflexão sobre esse caso, poderemos nos Vemos, no gráfico a seguir, a estrutura da inteligência. O primeiro
aproximar da conceituação de inteligência. ponto a considerar na figura é que a inteligência se liga à capacidade
Um professor diz que um aluno é inteligente quando compreende de realizar operações mentais com eficácia. Ela é uma atividade, isto
prontamente sua explicação. Um chefe de oficina diz que o operário é, a mobilização de um conjunto de operações mentais. Conforme
é inteligente quando descobre rapidamente os defeitos mecânicos e os mostra a figura, essas operações mentais são as seguintes: cognição,
conserta com propriedade. O gerente de loja acha inteligente o ven- memória, produção convergente, produção divergente e avaliação.
dedor que faz o freguês comprar.
O que há de comum nestas três situações que justifique inteligên-
cia? Tente resolver antes de prosseguir. Seria:
a) O ato de agir em função de um objetivo?
b) A capacidade de pensar racionalmente?
c) A capacidade de lidar eficazmente com seu meio em forma de
hábitos adquiridos?
d) A capacidade de resolver adequadamente situações novas e
difíceis?
Qual a melhor das quatro opiniões? produto
Talvez a explicação do professor fosse difícil, o defeito mecânico final
saída
sério e o freguês da loja um comprador dificílimo. Diante disto, tería-
mos em cada situação um problema, e o comportamento inteligente
teria sido resolvê-lo adequada e rapidamente. Assim, a melhor resposta
é a "d".
Devemos encarar a inteligência como uma capacidade de resolver,
de maneira criativamente nova e original, os problemas da situação,
isto é, do meio em que vive.
Nem todos os nossos comportamentos exigem uma atividade inteli-
gente. Nossos hábitos são estruturas mecânicas de comportamento que
acionamos para a consecução de muitos objetivos, sem precisar mobili-
zar a inteligência. Esclareçamos os itens:
Quando surge um problema, uma situação difícil que não pode ser Cognição. Na solução de um problema ou situação difícil, é pre-
resolvida por meio de nosso equipamento aprendido, por reações e ciso, em primeiro lugar, reconhecer os elementos disponíveis e consti-
hábitos automáticos, então apelamos para as forças superiores da inte- tutivos da situação. Essa operação é a cognição (do latim cognoscere
ligência. = conhecer).
Memória. Além de levantar os dados do problema é preciso retê-
ESTRUTURA DA INTELIGÊNCIA -los na memória ou evocar outros elementos para o processamento da
solução. Reter e evocar são funções da memória.
O que mais caracteriza o ato inteligente é o fato de utilizar vários Produção convergente. É uma forma de atividade intelectual que
elementos da situação de maneira original ou criadoramente nova. No processa os elementos mentais de conformidade com os padrões con-
fundo, em todo ato inteligente há uma pequena descoberta. vencionais.

160 161
Produção divergente. É uma forma de atividade intelectual que Conteúdos comportamentais são reações, atitudes, formas de pró
processa os elementos mentais de modo não-convencional. ceder, ação, padrão de ações das pessoas. A mente que processa de
forma altamente criativa esses elementos comportamentais possui o que
As descobertas e invenções são produtos divergentes, não-conven-
se chama de inteligência social. Tem a capacidade de tratar com reações
cionais da mente. Por exemplo, o ar condicionado apareceu quando
humanas e com as pessoas como tais, tirando efeitos novos e surpreen-
o inventor, não satisfeito com o ventilador, lembrou-se da geladeira e
dentes.
associou os dois princípios: o do resfriamento e o da ventilação.
O produto final é a solução do problema. Muitas vezes, a solu-
Avaliação. É uma forma de atividade mental em que a mente
ção está em incluir o elemento numa classe, em encontrar suas relações,
elabora pesos e valores diferentes, julgando a respeito da correção, ade-
em descobrir o sistema ou qual a sua parte ou função no sistema.
quação, desejabilidade, melhor conveniência. Quando um administrador
pensa sobre os empregados para saber qual o que merece promoção, A solução também pode estar na transformação ou numa nova
está avaliando mentalmente. Está processando elementos mentais que arrumação da estrutura problemática. Algumas vezes, a solução não
são valores, pesos, reações comportamentais adequadas etc. Em todo sai por falha na capacidade de concluir corretamente a partir dos ele-
processo decisório, cada informação tem uma relevância e um peso mentos existentes na questão.
próprios. Nem todos os elementos se apresentam com o mesmo valor.
É um ato típico de avaliação. COMO USAR BEM A INTELIGÊNCIA
As atividades de mente só existem sobre determinados conteúdos.
Ninguém pensa a respeito de nada. O pensamento consiste em elaborar, Há uma velha história bastante ilustrativa a respeito de um cami-
processar mentalmente algum conteúdo. É claro que podemos racio- nhão que ficou entalado sob um viaduto. Os espectadores sugeriram
cinar sobre inúmeras coisas. Há um número infinito de assuntos sobre vários meios para soltá-lo, mas todos envolviam grandes alterações, seja
os quais podemos pensar; contudo, Guilford, psicólogo norte-americano, no caminhão, seja no viaduto. Então um garotinho deu uma solução
reduziu-os a quatro categorias: simples: "Por que não esvaziam um pouco os pneus?" Por que não
• conteúdos figurativos; chegaram todos a esta solução tão simples?
• conteúdos simbólicos; 1. É preciso, no ato inteligente, fazer uso de todas as informações
• conteúdos semânticos; existentes.
• conteúdos comportamentais. 2. Não faça um julgamento precipitado, pois se o primeiro for falso
ficará mais difícil achar posteriormente a solução.
Conteúdos figurativos são elementos concretos num espaço limita-
do. Um jogador de futebol, um arquiteto, um urbanista ou um grande 3. Encare o problema de um ângulo totalmente diferente.
pintor estão elaborando elementos concretos num espaço limitado, reali- 4. Não fique tentando uma solução em vão. Faça uma pausa e tente
zando maravilhas, muitas vezes. Alguns tipos de inteligência têm maior expor oralmente o problema. Ao fazê-lo, pode começar a ver as-
facilidade de processar elementos figurativos. É o tipo de inteligência pectos que antes não eram vistos.
concreta, espacial, mecânica. 5. Repasse os elementos do problema rapidamente, várias vezes, até se
Conteúdos simbólicos são sinais sem significação por si mesmos: formar um quadro que os abranja a todos.
números, letras, notas musicais ou qualquer outro elemento de código.
Há tipos de inteligência que são estruturados para processar melhor e
QUE É PENSAR?
mais facilmente esses elementos. É tipo de inteligência simbólica a dos
matemáticos, dos lógicos e talvez dos musicistas. (A nota e a notação
Pensar é processar elementos mentais ou do meio ambiente para a
musical já são elementos simbólicos.)
obtenção de determinados objetivos ou para nossa própria recreação.
Conteúdos semânticos são essencialmente as palavras e seus signi- Se alguém lhe pede para resolver algumas tarefas, tais como:
cados. A inteligência com maior aptidão para processar esses conteúdos
• Procurar todos os sinônimos de: "casa", "vida", "jogo", "mar",
chama-se inteligência verbal. Os grandes oradores, escritores, filósofos
devem possuir esse tipo de inteligência. "espaço", "ave".

163
162
• Procurar, num teste de lacuna, as palavras que completam o signifi- quenos e, nessa fase, são sustentados pelos pais. O grau de ludilttO
cado da frase. (jogos) do ser humano depende da abundância ou escassez de recursos
• Escrever o maior número possível de palavras com a letra r, num em que vive. Se o ambiente é pobre, a maior parte de seu tempo 6
período de dez minutos. gasta na busca de meios de manutenção. Foram a agricultura e a cria-
• Dizer esta sentença numa frase bem mais simples: "O rato foi co- ção de animais que, permitindo a acumulação de bens excedentes, abriu
mido pelo gato que foi morto pelo cão". espaço para as festas e os jogos. A apropriação, contudo, destes exce-
dentes da riqueza dividiu a humanidade em ociosos e trabalhadores.
Evidentemente, na solução destas questões, você terá de processar
Segundo alguns teóricos, a história tem sido a luta entre estes dois tipos
elementos mentais da sua experiência, isto é, terá de pensar. de homens, isto é, tem sido a luta pela "ociosidade". Esta "ociosidade"
Podemos distinguir, no homem, dois tipos de pensamento: o opera- permitiu a expressão do pensamento simbólico, das artes, das ciências
tivo e o simbólico. O primeiro é dirigido para objetivos a alcançar, e a criação de uma vida econômica e administrativa desenvolvida.
visa ao êxito e é controlado pela coerência. O segundo, não tem estas
Algumas pessoas estranham que famílias mais pobres se privem de
limitações. É mais solto e livre. É até "onipotente" porque trabalha com
bens essenciais para comprar um aparelho de televisão. É bom, contudo,
elementos da fantasia.
não esquecer que a televisão, até certo ponto, realiza uma aspiração do
O pensamento operativo usa raciocínio lógico-dedutivo e hipotético- ser humano: "viver de suas fantasias."
-dedutivo. Está preso aos fatos e à Lógica, exigindo mais coerência e Por que, afinal, se trabalha? Uma das finalidades de tal esforço é
rigor. ter oportunidade de divertir-se, fantasiar, festejar. A televisão antecipa,
Se uma pessoa ocupar seus processos mentais unicamente com o pois, este objetivo.
pensamento operativo pode chegar à neurose ou quem sabe à psicose
ou loucura. Para a saúde mental é importante alternar formas de pen-
samento simbólico com formas de pensamento operativo. O pensamento
simbólico proporciona uma pausa na pesada busca de objetivos e,
EXERCÍCIOS '
assim, libera um pouco a pessoa de suas frustrações e limitações.
Daí a importância das distrações. Jogos e divertimentos são ativi-
dades afins do pensamento simbólico. A criança dispõe apenas do pen- 1. Estivemos estudando a inteligência. Um professor diz que um aluno
samento simbólico. Só através da maturação e por exigência das neces- é inteligente quando compreende facilmente sua explicação. Um
sidades é que ela chega ao pensamento operativo. chefe de oficina diz que o operário é inteligente quando descobre
Através do pensamento simbólico, o homem chegou às artes, criou facilmente os defeitos e os conserta. O gerente de loja acha inte-
festas, rituais mágicos e religiosos. Com o pensamento operativo criou ligente o vendedor que faz o freguês comprar. O que há de comum
formas de caça, instrumentos de trabalho, máquinas e novas formas de nestas três situações que justifique inteligência?
produção.
2. A inteligência de algumas pessoas processa certos elementos mentais
Os problemas da sobrevivência mobilizam de tal maneira o pensa- com mais facilidade do que a de outros. Que tipo de elemento sim-
mento operativo, que pode chegar a inibir o simbólico, subvertendo a bólico um jogador de futebol, no limitado espaço de um campo, é
velha sabedoria que diz: "o trabalho faz bem a todos, mas um pouco mais mobilizado a processar?
de sonho e fantasia não faz mal a ninguém". Este fato tanto é verdade
individual como coletiva. "Daí existirem — comenta o professor Lauro 3. Como você define inteligência?
de Oliveira Lima — 'civilizações prometéicas' (dominadas pela com- 4. O que é pensar? Você certamente está pensando enquanto tenta re-
pulsão do trabalho) e 'civilizações dionisíacas' (levadas pelo sopro da solver estes exercícios. Em que consiste essa atividade mental?
festa e da alegria)."
O animal adulto absorve grande parte de seu tempo de vigília na
busca do alimento, e o homem, no trabalho. Por isso não se percebem
neles atividades lúdicas. De um modo geral, só brincam enquanto pe-

164 165
A inteligência cresce tanto durante os quatro primeiros anos de
vida como durante os quinze anos seguintes, quando termina pratica-
mente seu desenvolvimento. A seguir começa a declinar lentamente,
mas em compensação o adulto enriquece em experiências.
Ao entrar para a escola, com seis anos, a criança já alcançou dois
terços da inteligência que terá aos quinze. O desenvolvimento entre os
quatro e os treze anos é, em grande parte, determinado pelo desenvol-
O desenvolvimento vimento anterior à idade de quatro anos.
da inteligência Piaget é o grande responsável por esses novos estudos. Observando
sua filha aos três meses, notou quando ela descobriu que, ao espernear
no bercinho, as bonecas de pano nele penduradas começavam a dançar.
No momento em que compreendeu que ela as tinha feito mexer só com
o movimento das pernas, sorriu. Depois, tentou outras vezes. Foi esse
A maioria das pessoas acreditava que a in- o seu primeiro sinal de "intenção": fazer, propositadamente, com que
teligência da criança era fixada ao nascer, alguma coisa emocionante acontecesse de novo. Essa é uma operação
herdada geneticamente. Hoje a ciência nega mental importante: a intenção de prolongar ou de repetir certas cenas,
esta crença. Um meio altamente estimulante ou determinados sons. Piaget diz que quanto mais coisas novas uma
e rico de experiências pode aumentar a inteli- criança vir e ouvir, mais quererá ver e ouvir.
gência das crianças nos decisivos primeiros
anos, quando ela é mais maleável. O problema básico no enriquecimento do meio para desenvolver a
inteligência da criança é o "problema da adequação", isto é, de como
1
encontrar as circunstâncias mais estimulantes para cada criança, em
cada ponto do seu desenvolvimento. Se lhe derem qualquer coisa inade-
O que uma criança vê, ouve e aprende antes da idade de quatro quada, a criança a desprezará. Se lhe derem algo muito conhecido, ela
anos afeta, em grande parte, sua inteligência mais tarde. não ficará motivada e, portanto, não desenvolverá seu pensamento. A
Numa escola maternal de Nova York, um grupo de crianças de questão é encontrar situações um pouco além do que a criança já
três e quatro anos de idade recebia aulas individuais de linguagem, acumnlou em seu cérebro. Se lhe oferecerem isso, ensina a Psicologia
quinze minutos por dia. Um segundo grupo da mesma classe recebia atual, as crianças aprenderão só por aprender. Essa aprendizagem se
quinze minutos de atenção individual, mas sem ensino. Passados qua- tornará um esporte, tão absorvente como o tênis ou o futebol, e não
tro meses, as crianças que haviam sido ensinadas tinham obtido mais será necessário obrigá-las a estudar.
de catorze pontos de Q.I., enquanto o grupo não ensinado ganhava Eis uma lição de Piaget: ensinar a criança a aprender brincando.
apenas um ou dois pontos.
O chocalho é colocado sob um cobertor enquanto o bebê está olhando.
A nova pesquisa descobriu três linhas principais de atividades que Em seguida, os pais verificam se ele consegue encontrar o chocalho
podem ajudar a inteligência de uma criança a expandir-se: estímulo escondido. O psicólogo acredita que as brincadeiras de esconder têm
na infância, exercícios de linguagem desde cedo e preparação precoce
enorme valor para o desenvolvimento mental da criança, na primeira
para a leitura.
infância.
Benjamin S. Bloom, em seu livro Stability and Change in Human
É claro que o meio infantil altamente enriquecido não garante a
Characteristics (Estabilidade e Alterações das Características Humanas),
descobriu que cada traço humano possui uma curva de crescimento genialidade, mas que eleva, de muito, o Q.I. de uma criança, não resta
característico. Com respeito à inteligência, no final do quarto ano de dúvida.
vida, esta curva (a inteligência) já alcançou a metade do seu desen- Os gêmeos, que dividem o tempo de seus pais, atingem em média
volvimento. menos cinco pontos de Q.I. do que os filhos únicos, segundo revela

166 167
uma pesquisa escocesa. Irmãos nascidos com menos de um ano de APRENDIZAGEM PRECOCE
intervalo alcançam uma cifra igualmente baixa. Quanto maior é o tempo
decorrido entre o nascimento dos filhos, mais tempo a mãe terá para As crianças alfabetizadas antes dos seis anos geralmente conservam
o seu bebê e mais alto será seu Q.I. médio. Isso explica por que as o seu lugar de destaque na escola e às vezes apresentam resultados
crianças intelectualmente privilegiadas são quase sempre primogênitas. excelentes. Um estudo revelou que muitas crianças alfabetizadas cedo
tiveram interesse pela leitura já na idade de quatro ou cinco anos, sem
terem sido forçadas a isso por pais ou professores.
O AMBIENTE VERBAL

Alguns psicólogos acham que o ambiente verbal da criança é ainda A inteligência superior
mais importante do que o seu meio físico. A linguagem que um bebê
Acima de Q.I. 1 2 0 temos: muito inteligente, talento, gênio. Veja-
ouve pode fazer progredir ou deixar estacionaria sua capacidade básica
de pensar. Há vantagem em ler estórias para crianças, desde cedo, mos agora, os feitos de uma criança cujo quociente de inteligência
mesmo antes de elas completarem um ano ou aprenderem a falar. chegava a 1 8 7 .
Numa experiência recente, algumas mães residentes em bairros de Aos oito anos, Eduardo estava acima da média em altura e peso.
baixo nível econômico receberam dinheiro para ler, em voz alta, para Enquanto as crianças normais de sua idade cursavam a segunda série,
seus bebês, durante quinze a vinte minutos por dia. Com a idade de Eduardo já fazia a quinta série. Aos doze anos entrou para o segundo
um ano e meio, as crianças dessa experiência apresentavam progressos grau. Sua classificação no exame vestibular foi o segundo lugar entre
expressivos no desenvolvimento da linguagem em comparação com ou- 4 8 3 rapazes que, em média, eram seis anos mais velhos do que ele.
tras crianças do bairro. Formou-se em quatro anos, tendo sido eleito para membro da frater-
nidade honorária PHI B E T A K A P P A (Sociedade que congrega os ta-
Segundo pesquisas recentes de psicólogos soviéticos, as crianças
lentos universitários nos Estados Unidos). Possuía um conhecimento
aprendem muito mais depressa quando podem dar um nome às coisas,
razoável de doze línguas. Concluiu depois o curso da Faculdade de
ou conversar sobre os problemas no momento em que eles surgem.
Filosofia aos vinte e poucos anos, abraçando a carreira de ministro
A experiência soviética parece provar que quando as crianças não têm
nomes para dar às coisas, elas não as percebem adequadamente. protestante.
O professor americano Lewis M. Terman fez uma exaustiva pes-
Estes pesquisadores mostraram a algumas crianças coleções de quisa entre-escolares americanos e chegou a identificar mais de dois
borboletas, pedindo-lhes que encontrassem uma cujas asas fossem iguais mil de Q.I. igual ou superior a 1 4 0 . Eles constituíam 1 7 o do grupo
às de uma borboleta que haviam recebido antes. A princípio, as crian- estudado. Dezesseis anos depois, quando estes participantes deviam ter
ças só conseguiram combinar as borboletas pela cor. Não prestavam entre 25 e 30 anos, voltou a entrevistá-los. Quase 9 0 % dos rapazes e
atenção aos desenhos das asas. Mas, quando ensinaram a um grupo 8 0 7 o das moças tinham cursado a Universidade com notas elevadas e
nomes para as "manchas" ou "listras", até mesmo as menores passaram com dois anos de dianteira sobre os outros. Cerca de 5 0 7 o dos rapazes
a combinar as borboletas por esta semelhança. As crianças do outro optaram pelas carreiras liberais, principalmente de advogado, engenhei-
grupo não foram além da cor na sua classificação. ro, médico, professor universitário, pesquisador científico, sacerdote,
Mais significativas ainda do que os nomes e as classificações são nesta ordem de preferência. Alguns deles, já nesta ocasião, apresenta-
as regras de linguagem. Aqui também o papel dos pais é da maior vam sucessos comprovados. Trinta destes portentos não concluíram o
importância. Eles costumam falar com as crianças em frases comple- curso universitário e cerca de 1 / 5 estava trabalhando em escritórios,
tas, ou limitam-se a frases curtas e gestos? Os pesquisadores desco- em empregos comuns no comércio ou em outros serviços. Entre estes,
briram que a criança aprende com maior rapidez quando a linguagem havia um marítimo, um músico de "jazz", um policial e um motorneiro
ao redor dela é mais rica. de bonde. Nestes casos, os problemas domésticos, os defeitos da perso-
nalidade ou do caráter, os fatores desfavoráveis do meio ambiente fo-
Um ambiente cultural e verbalmente rico é muito importante para
a inteligência das crianças, pois as ajuda a compreender adequada- ram de grande importância, se não de importância crucial, na falta de
mente seu mundo. sucesso. Pelos dados colhidos, o pesquisador chegou à' conclusão de

168 169
que além do nível intelectual são necessários para o sucesso outros fato- o avião estará aterrissando no aeroporto — sua esposa e seus três filhos,
res, tais como ajustamento social, estabilidade emocional e impulso para todos lá estarão, saudando-o pela volta ao lar".
as realizações'. Um testado do grupo criativo expressou-se da seguinte maneira:
O estudo da inteligência, hoje. Como vimos, poder-se medir a inte- "Este homem está voltando da cidade de Reno, onde acaba de
ligência e há muitas vantagens nisto. Durante a Segunda Grande Guerra conseguir divórcio da mulher. Não podia mais viver com ela — disse
Mundial, a Força Aérea Americana testou 160 000 jovens em treina- ao juiz — porque ela, antes de dormir, passava tanto creme no rosto
mento de vôo. Dos que haviam obtido a maior nota, apenas quatro em que sua cabeça escorregava do travesseiro e batia na cabeça dele. Agora
cem fracassaram, ao passo que entre os classificados em último lugar pensa em inventar um novo creme facial que não seja escorregadio".
a proporção chegava a ser de 75 em cem que não conseguiram terminar Ser criativo é deixar que a intuição ajude a inteligência a resolver
o treinamento ou caíram com os aviões. Os testes eram de três tipos: problemas.
de inteligência geral, de aptidões intelectuais específicas e de aproveita- Há no ato criativo o máximo de pensamento divergente. Não é
mento, que sonda o que foi aprendido. de acordo com o convencional que se vai inovar ou descobrir algo.
Demos, anteriormente, uma definição de inteligência. Vamos, agora, O problema é deslocar um caixote de lugar: o menos inteligente
compará-la com estas outras definições:
iria agarrá-lo com as mãos; o inteligente usaria alavanca e deslocaria
"A inteligência é uma capacidade geral do indivíduo para ajustar o caixote sobre dois paus roliços; o criativo tentaria descobrir um novo
conscientemente seu pensamento a novas exigências; é a adaptabilidade processo.
geral da mente a novas situações e problemas" (William Stern). Um velho exemplo de espírito criativo. Arquimedes, físico grego,
"A inteligência é a capacidade conjunta ou global do indivíduo de tentava certa vez resolver um problema sério: descobrir se a coroa
agir em função de um objetivo, de pensar racionalmente e de lidar do rei era ou não de ouro. Sua majestade suspeitava que o ourives o
eficazmente com seu meio" (David Wechsler). havia enganado, substituindo parte do ouro por um metal mais barato.
"Inteligência é a capacidade de julgar" (Alfred Binet). A inteligência do sábio já se debatera em vão, muitas horas, até
Associadas à inteligência, que se apresenta como capacidade de que, durante o banho, encontrou o começo da solução, descobrindo
realizar operações mentais com eficiência, temos algumas atividades que todo corpo imerso sofre um impulso de baixo para cima. Depois
psíquicas importantes, tais como a memória, a capacidade de raciocinar, notou que o volume do líquido deslocado é igual ao volume do corpo.
a criatividade e outras. Não se deve tomar nenhuma delas isoladamente 3
Assim, se mergulhar um pequeno seixo de rio de 2 cm , vai deslocar
para caracterizar a inteligência. Que dizer das pessoas com boa memória 3
2 cm de água. Lembrou-se também que dois corpos do mesmo peso,
mas que são estúpidas em tudo o mais? mas de matéria diferente, terão necessariamente volumes diversos.
Um quilo de algodão e um quilo de chumbo têm volumes bem
diferentes.
INTELIGÊNCIA E CRIATIVIDADE
Arquimedes pôde descobrir se a coroa era mesmo de ouro da se-
guinte maneira: tomou um recipiente com abertura para recolher o
Getzels e Jackson procuraram estabelecer certas relações entre Q.I.
excesso de água. Encheu-o de água até a borda da abertura lateral.
elevado e criatividade. Não era obrigatória a presença de um Q.I. ele-
Introduziu cuidadosamente a coroa. Recolheu, num vidro, a água der-
vado junto a uma grande criatividade. Num teste de criatividade, o
ramada. Voltou a encher o recipiente, nas condições anteriores. Repetiu
que se conta são as inovações, a variedade das respostas e a originali-
a operação com um pedaço de ouro puro, do mesmo peso da coroa.
dade das mesmas. Mostrou-se a foto de um homem reclinado conforta-
velmente numa poltrona de um avião e pediu-se que inventassem uma
coroa do rei
história sobre ele. O candidato de Q.I. bem elevado escreveu o seguinte:
água
"O Sr. Smith está voltando para casa, de uma viagem em que fez
bons negócios. Está muito contente, pensa em sua maravilhosa família e
em como ficará feliz por revê-la. Pode antever que daqui a uma hora volume de água
extravasado = volume
1
GARRET, Henry. Psicologia. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1 9 5 9 , p. 3 0 8 . da coroa

170 171
Viu que OS volumes de água extravasados eram iguais. Estava confir-
mado. A coroa era de ouro.
Parece razoável supor que esta não era a primeira vez que o físico
Arquimedes tomava banho e observava que a água subia quando nela
se submergia um corpo sólido. Mas era a primeira vez que pensava
a respeito de um problema como este e que ambas as coisas ocorriam
ao mesmo tempo. Uma mente preparada, predisposta, é capaz de boas QUARTA
descobertas. Arquimedes associou o volume de água deslocada ao peso PARTE
específico do corpo. Assim sendo, o ouro deslocará mais ou menos água
do que madeira ou latão. A capacidade para perceber conexões remotas
é tarefa específica da inteligência.

Os empecilhos à criatividade
Todos têm capacidade de criar, sobretudo as crianças, que são
espontaneamente originais em suas formas de percepção e experiências
de vida. O aumento do potencial criador dependerá das oportunidades
que a criança tiver de utilizar as soluções não "oficiais".
Cada indivíduo possui mil impulsos para criar, para se libertar.
E se resolvesse liberá-los estaria se esquecendo do princípio da realida-
de, que reprime o comportamento das pessoas, colocando-as dentro de
um "determinado" esquema. Daí a repressão "oficial" contra o criativo.
O ato de criar surge a partir do momento em que a pessoa trans-
cende os padrões vigentes.
Condições para o indivíduo criar:
• ter segurança — quem é inseguro tem muita dificuldade para criar; mm mmK w s » mWt tmm

• não ser rígido — ser sensível às mudanças;


• ser autêntico — pensar pela própria cabeça;
O QUE SOMOS:
• ser flexível — não ver as soluções de uma mesma maneira. A CONSTRUÇÃO
DA PERSONALIDADE
EXERCÍCIOS

1. Comente: "A criatividade depende muito da coragem do indivíduo Maravilhas são muitas e nenhuma é mais ma-
de dizer ou fazer coisas não convencionais até acertar. É a possi- ravilhosa do que o homem. (Sófocles)
bilidade de o sujeito se jogar todo em qualquer experiência sem se
'moldar' ou sem temer o costumeiro, o convencional".
2. Como se chama a capacidade conjunta ou global do indivíduo de
agir em função de um objetivo, de pensar racionalmente e de lidar
eficazmente com o meio e com os problemas?
3. Qual a diferença entre inteligência e criatividade?
4. O meio exerce alguma influência no desenvolvimento da inteligência?
Explique.

172
O MECANISMO DA HERANÇA

A vida das pessoas ou dos seres vivos superiores começa no


momento em que uma célula germinal ou reprodutora masculina K
une a uma outra feminina, formando uma célula-ovo ou zigoto. Esta
nova célula traz em si todas as qualidades fundamentais do indivíduo:
cor dos olhos, tipo de sangue, constituição física, sexo, inteligência etc,
A pessoa humana, sua do mesmo modo que um grão de milho ou feijão contém em si todos
origem: hereditariedade e meio os elementos que irão surgir mais tarde na planta adulta. Isso acontece
porque o núcleo de cada célula germinal traz no seu íntimo certos
filamentos em forma de rosário — os cromossomos —, contendo nos
seus nós o que se chama de genes. Estes genes é que determinam todas
as características essenciais do indivíduo. A célula germinal só possui
a metade dos cromossomos da espécie. A célula comum ou somática
Hereditariedade significa aquelas tendências do homem contém 46 cromossomos, 23 recebidos do pai e 23 recebidos
herdadas para desenvolver-se em certas dire- da mãe.
ções: tornar-se branco ou preto, alto ou baixo,
vivaz ou pacato.

Hereditariedade e meio são os dois elementos básicos formadores


da pessoa. Para explicar o sucesso ou fracasso de uma pessoa, incons-
cientemente descemos a essas fontes. Ante o insucesso escolar de uma
criança poderão dizer: "É inteligente, mas não teve um bom curso pri-
mário" ou "freqüentou ótimo curso, mas não é inteligente". Nessas duas
opiniões, sobressaem: hereditariedade, capacidade inata — a inteligên-
cia que se herda através de determinados mecanismos genéticos —, e
meio — bom ou mau curso primário. Uma campeã de lançamento de peso não teve permissão para
De há muito tempo, se discute o problema da hereditariedade e participar dos Jogos Olímpicos de 1972 porque um fio do seu cabelo,
do meio como fatores determinantes na formação da pessoa. Será nossa ao ser examinado ao microscópio, revelou a existência de células que
carga genética que decide se seremos ricos ou pobres ou serão as opor- continham cromossomos masculinos. Na realidade era fisicamente femi-
tunidades do meio a razão do êxito ou do fracasso econômico? As nina, ou seja, uma mulher; sendo assim, esse exame tem sentido?
opiniões foram sempre muito discordantes. Thomas A. Edison, o in- Todas as atletas inscritas nas Olimpíadas foram submetidas a esse
ventor da lâmpada elétrica, afirmava que a genialidade era uma questão teste de cromossomos. Todas as células do organismo apresentam a
mais de transpiração que de inspiração. É certo, contudo, que se não mesma formação característica de cromossomos que se desenvolvem da
fora sua capacidade mental extraordinária, suas vigílias até altas horas, matéria nuclear de cada célula. Os cromossomos contêm os genes que
estudando, Edison não teria chegado até onde chegou. determinam as características hereditárias da pessoa.

174 175
Normalmente, a célula, não importa de que parte do organismo, tica, são sempre do mesmo sexo e muito parecidos. As diferenças que
contém 44 cromossomos regulares mais dois cromossomos sexuais. Os posteriormente ocorrem neles são devidas ao meio.
homens têm cromossomos sexuais X e Y, mas as mulheres têm dois
Estudos feitos em gêmeos univitelinos, criados num mesmo am-
cromossomos X. Quando as células de uma mulher apresentam os cro-
biente e em ambientes diferentes, revelaram o seguinte: os cinqüenta
mossomos Y, ela é considerada como portadora de características mas-
gêmeos criados no mesmo ambiente apresentavam uma diferença média
culinas suficientes para desclassificá-la de jogos competitivos com outras
de 2 , 5 cm em altura e de 1,8 kg em peso; apresentavam também o mes-
mulheres.
mo quociente de inteligência, aproximadamente; por sua vez, o estudo
Todas as células reprodutoras têm 22 cromossomos regulares e em dezenove pares de gêmeos univitelinos criados em separado, apre-
um sexual. No óvulo, esse cromossomo é sempre X, ao passo que no sentou maiores discrepâncias em altura, peso e, o que é mais interessante,
espermatozóide, pode ser X ou Y. Assim, se o óvulo for fecundado em inteligência. Há uma diferença de três pontos médios entre os indi-
por um espermatozóide Y, a célula-ovo vai ser X Y , ou seja, do sexo víduos da mesma herança e de meio diferente. De acordo com esta
masculino; se o espermatozóide for X, o resultado da fecundação será alteração, chegou-se à conclusão de que 2 0 7 o das diferenças de inteli-
uma célula-ovo X X , isto é, do sexo feminino. gência entre as crianças deve-se atribuir ao meio ambiente. Os 8 0 7 o
Vez por outra a natureza mostra-se caprichosa dando a bebês a restantes são devidos à hereditariedade. A maior diferença ocorreu no
aparência externa de mulheres quando internamente lhes falta ovário ou caso de duas gêmeas, uma das quais havia sido criada numa casa de
útero. Ao crescerem adquirem um forte físico masculino e mesmo o gente rica, cursava a Universidade e tornara-se professora, enquanto
rosto se assemelha muitas vezes ao de homem. É em pessoas assim que a outra se criara no interior e recebera apenas dois anos de instrução
é encontrado o padrão de cromossomos masculinos e que são, por isso, primária. O quociente intelectual da primeira era de 1 1 6 , enquanto
desclassificadas nos Jogos Olímpicos. o da segunda era de 92 apenas.
Também pode ocorrer a presença de um cromossomo feminino Houve igualmente muitas experiências, partindo do ponto de vista
extra no ordenamento genético dos homens. Esse fato é até mais fre- oposto: meio ambiente constante e hereditariedade variada. Se o meio
qüente do que supunha a ciência — chega a 0 , 4 5 7 o dos nascimentos. é o mesmo, temos que atribuir as variações à hereditariedade. Contudo,
As conseqüências, em geral, são relativamente benignas. O homem tem é dificílimo manter o meio ambiente igual. Todas as influências ex-
nível de inteligência normal, ou quase normal, assume todas as respon- teriores, como ataques dos vírus, infecções, doenças etc. que podem
sabilidades masculinas, inclusive o serviço militar. É sexualmente ativo, atingir a um e não a outro, alteram o meio para cada um, mesmo que
embora estéril. vivam num mesmo teto. Para as crianças que vivem na mesma cidade,
freqüentam a mesma escola, assistem aos mesmos filmes, divertem-se
com as mesmas coisas, o meio parece apresentar-se homogêneo e cons-
tante, mas não o é realmente. A infecção que um pode receber e outro
O MEIO E A HERANÇA não, um órgão que, por isto, fica mais fraco em um que em outro,
determinam diferenças.
Os cientistas vêm se dedicando a estudos experimentais da heredi-
tariedade e do meio ambiente desde o começo deste século. O campo Os principais traços da personalidade e o caráter são quase total-
mais fértil quando se parte do ponto hereditariedade constante versus mente produtos do meio.
meio ambiente variado é feito com os gêmeos. Há dois tipos de gê- O homem mais do que nenhum outro animal sofre as influências
meos: os fraternos e os univitelinos. Os primeiros resultam da fecun- do seu meio. Estudos experimentais a respeito disso são freqüente-
dação de duas células germinais femininas. São como dois irmãos mente feitos em animais, onde é possível manter um meio experimental
quaisquer. Podem, em 5 0 7 o dos casos, ser de sexos opostos. Apenas homogêneo.
participam da simultaneidade de vida, de gestação, de nascimento etc. O meio ambiente, no seu sentido lato, compreende todas as influên-
Os gêmeos que interessam aos pesquisadores são os univitelinos. Estes cias que afetam o ser em crescimento, bem como o adulto já maduro.
se desenvolvem de um mesmo ovo que, na sua primeira divisão em Neste sentido, uma experiência interessante foi feita com ratos,
células, em vez de continuarem unidas, separam-se, dando origem cada onde se variou o mais que se pôde a hereditariedade, deixando-se contu-
uma a um indivíduo. Cada um deles tem assim a mesma carga gené- do sempre constante o meio. Utilizaram os pesquisadores inicialmente

176 177
142 ratos. O principal teste era aprender a andar num labirinto. Os
ratos demonstraram grandes diferenças na capacidade de resolver o
problema. Enquanto uns cometeram sete erros, outros chegaram a so-
mar 214. Selecionaram-se sucessivamente os mais espertos e os mais
estúpidos, fazendo-se cruzamentos exclusivamente entre eles, durante 22
gerações. A diferença entre a capacidade dos descendentes dos espertos e
dos estúpidos era muito grande. Alguns dos primeiros, depois de
sete erros acertavam o problema, enquanto muitos dos do segundo
grupo cometiam até 214 tentativas falhas.
Desenvolvimento humano
Procedeu-se, depois, ao cruzamento de descendentes dos mais
espertos com os mais estúpidos. Estes, ao fazerem a experiência, obti-
veram o mesmo resultado que seus 142 antepassados que iniciaram
a pesquisa.
Havia poucos ratos espertos e poucos ratos estúpidos e uma grande Quando você esperava seu filho, certamente
maioria de ratos de capacidade mediana. Qualquer população se com- tinha planos para ele. Nesses sonhos, cons-
porta desse modo — como se fosse gerada do cruzamento de "esper- cientemente ou não, fazia de seu filho um
tos" com "estúpidos". prolongamento de si mesma, projetando tudo
aquilo que gostaria de ter sido. Mas quem
nasceu de você é um outro indivíduo, cuja
realidade nada tem a ver com a sua, embora
tenha se alimentado de seu sangue e tenha
EXERCÍCIOS sido gerado de suas células. Ele terá caracte-
rísticas próprias, outros anseios, outro tempe-
ramento. Não é justo que você transfira para
ele suas frustrações. Deixe que ele se desen-
1. Qual a opinião de T. A. Edison a respeito da influência do meio e
volva. (Karen Horney)
da hereditariedade na formação dos grandes talentos?
2. Quais das afirmativas abaixo são verdadeiras e quais são falsas?
a) A carga hereditária de um indivíduo é 5 0 % paterna e 50% ma- O desenvolvimento se origina de duas fontes: das energias do
terna. próprio organismo, isto é, de suas potencialidades, e dos recursos do
b) A hereditariedade está ligada ao sangue. meio em que o organismo está imerso. O organismo, como um pro-
c) A Genética é a ciência que estuda a hereditariedade. cesso dinâmico, vai se ajustando ao meio externo, para sobreviver,
prosperar e realizar-se.
d) Devido à gestação, herdamos mais fatores hereditários da mãe
do que do pai. Cada fase de desenvolvimento possui marcas e características dife-
rentes das outras. A maneira de pensar, por exemplo, é diferente e tem
3. Nossa personalidade sofre mais influência do meio ou da heredita- características próprias em cada fase do desenvolvimento. Uma criança
riedade? não pensa do mesmo modo que um adulto.

CARACTERÍSTICAS
No desenvolvimento há duas características principais: crescimento
e modificação de estrutura e de função. Tanto o crescimento como as
modificações de estrutura acarretam transformações de comportamento.

178 179
É impossível fazer com que uma criança de dois anos e meio de idade 5. Durante as quatro primeiras semanas depois do parto a criança
deixe de pôr as coisas na boca ou de mexer em tudo que vê. Isso recebe a denominação de recém-nascido. Este tempo é o suficiente p a i a
porque, de acordo com seu desenvolvimento, ela se encontra em fase ela se recuperar do trauma do nascimento. Seu comportamento funda-
de descoberta de um mundo novo, horizontal. Acabou de adquirir a mental é o de semi-sono. Dorme dezoito horas por dia. Possui alguns
posição ereta e o seu melhor sentido é o paladar. Daí a necessidade comportamentos reflexos e algumas sensações vagas. Durante estas se-
de testar as coisas pela boca. O desenvolvimento, que é um processo manas predominam reações como choros, gritos, agitação.
dinâmico do organismo, vai se completando em diferentes níveis de Neste período, a criança está quase que exclusivamente em órbita
amadurecimento. Os comportamentos de um jovem, de um adulto e materna. Dessas suas relações iniciais com a mãe, vai depender o tipo
de uma criança apresentam padrões bem diferentes porque resultam de pessoa humana que ela será.
de um nível de amadurecimento diferente. A parte da Psicologia que
A primeira pessoa que a criança conhece é a mãe. Se esta for
estuda a gênese e a estrutura dessas fases chama-se Psicologia Evolutiva.
excessivamente autoritária, a criança pode crescer medrosa, tímida e
introspectiva. Se a mãe for excessivamente negligente, o filho poderá
AS VÁRIAS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO ficar indiferente, triste e desconsolado. Mas se, ao contrário, a mãe
for segura, dócil e compreensiva, poderá ter um filho com personali-
1. Da fecundação à segunda semana, o desenvolvimento é vege- dade saudável. O que acabamos de dizer serve apenas para mostrar
tativo. Há uma divisão apressada de células formando um conglome- a importância do amor, da aceitação e do respeito que pais e adultos
rado (mórula) que tem o aspecto de amora, daí a designação de mó- devem ter para com as crianças.
rula. Ao se implantar no útero, este conglomerado de células, ligeira-
mente alongado, vai transformar-se, já na oitava semana, em embrião. Do ponto de vista da Psicologia do Inconsciente (Psicanálise), ao
Nesta primeira fase, podem-se distinguir três camadas de células: ecto- contrário do que se pensa, as relações de família (que se passam entre
derma, mesoderma e endoderma, respectivamente camadas externa, do mãe-pai-filhos-irmãos) são as mais densas e as mais tensas da condi-
meio e interna. Estas vão formar, por sua vez, todas as partes do ção humana. Nelas imperam noções e impulsos inconscientes de in-
futuro ser. cesto, posse, rejeição, agressão, inveja, amor e ódio, sempre muito mar-
cados por aspectos traumáticos.
2. O embrião, que ainda não tem forma humana definida, conti-
nua a crescer aceleradamente. O coração começa a bater na terceira
semana. As diversas partes do corpo se definem no fim da oitava CARACTERÍSTICAS DA INFÂNCIA
semana. Neste período já pode ser reconhecido como humano, por
Durante a infância, em geral dominam os comportamentos de ex-
seu aspecto externo. Passa a ser, então, um feto.
ploração do meio, do mundo e do próprio corpo. É uma fase egocên-
3. O feto já tem comportamento de massa, isto é, move-se como trica em que os interesses giram em torno do pequeno mundo da
um todo, sem ser capaz de movimentar uma parte de si, como perna criança.
ou braço separadamente. Somente dois meses antes do nascimento é O contato com o mundo verbal. Um bebê já percebe todos os sons
que principia a realizar movimentos parciais, como o da cabeça, tronco, que a voz humana pode produzir e, durante quatro ou cinco meses,
membros, mímica facial etc. A partir do sétimo mês já está apto a aprende a organizá-los no balbuciar. As primeiras palavras surgem
sobreviver no meio exterior. É o prematuro. mais ou menos aos doze meses. Com um ano e meio a maioria das
Nos nove meses de vida intra-uterina, o indivíduo teve um desen- crianças usa cerca de trinta palavras. Nos 1 8 0 dias que se seguem, du-
volvimento prodigioso. Realizou 7 0 7 o do seu desenvolvimento total. zentas ou trezentas, sendo que nas meninas o processo é mais rápido
Se continuasse, depois do nascimento, neste ritmo, atingiria, na idade que nos meninos.
adulta, o tamanho médio de quinhentos metros de estatura. Durante este último estágio, a criança começa a fazer ligações entre
4. O nascimento é a passagem do meio intra-uterino para o meio duas ou três palavras. A maioria, descobrindo a regra geral de que
exterior. Para alguns psicólogos, isso representa uma experiência funda- cada coisa tem um nome, começa a falar e rapidamente aumenta seu
mental, sendo o trauma do nascimento a causa básica de angústias futu- vocabulário. Com três anos sabe mais de mil palavras e com quatro
ras e do medo da morte. e meio cerca de duas mil.

180 181
Do ponto de vista infantil, a parte mais difícil da linguagem é Se, ao contrário, cada uma das ações for explicada, terá oportunidade
a pronúncia correta dos sons. Um adulto encontrará dificuldade pare- de aprender princípios de comportamento moral. Aprenderá que Seu
cida ao aprender uma língua estrangeira. direito termina onde começa o do vizinho, que as pessoas humanas
James J. Thompson, autor do livro Educating your Baby, afirma: devem ser respeitadas, que ninguém faz aos outros o que não quer que
"Pai e mãe podem ajudar seu filho, repetindo consoantes e vogais se faça a si etc. Tudo depende de se aproveitar a ocasião e falar
devagar e apenas uma de cada vez. Devem deixar a criança observar os apropriadamente.
movimentos labiais. Ensinar sons de todas as vogais e consoantes apressa O psicólogo americano Courtney Cazden fez a seguinte experiência:
a maturidade para a fala". . escolheu um grupo de meninos e meninas de três anos de uma creche e
gastou uma média de quarenta minutos diários conversando com eles,
Desenvolvimento da criança usando o que convencionou chamar de expansão sistemática. Este mé-
todo consiste em expandir a frase de uma criança, num sentido correto.
Sabe-se que, mesmo antes de falar, a criança já percebe o que seus Assim, quando uma criança dizia "mama tá papando", Courtney desen-
pais dizem. Assim, se a mãe tocar parte do seu corpo e disser o nome, volvia a frase replicando: "Sim, mamãe está comendo".
ela pode sentir e compreender o significado. Se isso começar bem cedo,
Como controle, o psicólogo selecionou mais dois grupos com as
com um ano ela já poderá apontar várias partes no seu corpo quando
lhe for perguntado. Não vai demorar muito e ela identificará membros mesmas características do anterior. Ao primeiro, não foi aplicada
do corpo das pessoas e os objetos à sua volta. nenhuma experimentação e o segundo foi submetido a experiência pa-
recida. Chamou-se este segundo grupo de figurativo. O psicólogo com-
A mãe que conversa com o filho está mostrando a ele que todas
pletava e ampliava o pensamento da criança, em vez de repetir correta-
as ações podem ser traduzidas em palavras. A mudança de tom e
sentido mostra que falar não é apenas um ruído, e a criança passa a mente como fazia no primeiro grupo.
olhar a fala como uma coisa importante. E isto traz grandes benefícios Assim, quando o menino comentava que "o cachorro late", o
a sua inteligência. O estômago foi feito para digerir, assim como o adulto replicava: "Sim, ele está zangado com o gato".
cérebro para relacionar-se, exercitar-se, desde que de forma espontânea Courtney esperava que o grupo de expansão reagisse melhor, mas
e não forçada nestes primeiros meses e anos. ficou surpreendido com os resultados mais positivos do grupo figurativo.
Com dezoito meses, o bebê já repete os nomes dos objetos familia- Procurou saber a razão e encontrou a resposta ao observar que quando
res, com alguma insegurança. Um cavalo poderá ser confundido com um adulto usava apenas o sistema de expansão, a conversa terminava
um cachorro. Os pais deverão ensinar simplesmente o certo. rapidamente. O mesmo não acontecia com o sistema figurativo, onde
É vital não forçar quando a criança não está interessada. O ensino o adulto contribuía com idéias complementares introduzindo na mente
deve ter características de um divertimento e sempre que citar algo de da criança recursos gramaticais próprios da idade, mas abordando as-
novo, relacionar com alguma coisa já conhecida. Pouco adianta abrir suntos novos. É bom lembrar que linguagem é mais do que um código
diretamente um livro de animais e dizer: de pensamentos: é o próprio pensamento.
"Este é um leão". A palavra "leão" pouco significa para um bebê. Neste plano, a simples aquisição do vocabulário básico ativa novas
Deve-se começar mostrando características particulares, como a juba; áreas da mente. E quanto mais cedo se adquire um vocabulário, maior
orelhas grandes e tromba, no caso do elefante; pescoço comprido, no será o desenvolvimento intelectual.
caso da girafa, mostrando simplesmente. Isto é muito proveitoso para
o desenvolvimento mental da criança.
O momento de aprender e a maturidade
As famílias de pouca cultura usam um vocabulário pobre com
os filhos e isto desenvolve menos suas inteligências. Os pais deviam espreitar este momento nas crianças e aproveitá-lo
Qualquer criança normal quebra vários tabus sociais durante o dia: para ensiná-las. Por exemplo: a hiperatividade de uma criança de dois
caça o gato, bate no menino do vizinho, puxa o rabo do cachorro, faz a três anos é de fato o resultado de uma ilimitada sede de conheci-
o irmão chorar. Se para cada delito deve receber uma reprovação sem mentos. Se lhe é dada uma oportunidade de saciar esta sede, pelo
maiores explicações, ela acumulará noções vagas do que não deve fazer. menos por certo tempo, ela ficará menos agitada.

182 183
o prazer de apelidar os colegas. Aproveita-se dos mais fracos. A t i r o u
idade adulta. Esta caracteriza-se pela estabilidade e pelo ritmo de pro-
dução. Deve devolver à sociedade pelo menos o que dela recebeu. Deve ao c h ã o a t a m p a do linteiro que se q u e b r o u . Vendo-se o b s e r v a d o
ser um período de dinamismo construtivo. Deve apoiar-se nestes funda- pela professora, diz: 'Fiz c o m consciência'. E acrescenta: ' N ã o faz
mentos: ação, expansão, estabilização, conservação. mal. eu p a g o , posso p a g a r , eu g a n h o d i n h e i r o ' . Explica e n t ã o q u e
a p a n h a bolas de tênis nos jogos e ganha assim a l g u m dinheiro. T e m
Perto dos sessenta anos começam a ocorrer os primeiros sinais de
sido s u r p r e e n d i d o a t i r a n d o p e d r a s nas casas e nos colegas".
velhice. Tem início, então, um declínio nas atividades orgânicas e
Qual a idéia q u e você faz deste m e n i n o ?
mentais. É a volta ou a regressão biológica. O homem se torna con-
servador, saudosista e, por acordo com as circunstâncias, um tanto rea- 3 . O b s e r v e u m a criança d u r a n t e u m a s e m a n a , n u m h o r á r i o determi-
cionário, pela falta de participação e certo temor pelo destino que toma n a d o ou sob d e t e r m i n a d o a s p e c t o do seu desenvolvimento. A n o t e
a dinâmica social. suas o b s e r v a ç õ e s p a r a d e b a t e em classe.
A morte é um complemento natural da vida. Quando a vida foi
vivida com sabedoria e bom-senso, esta contingência natural se asseme-
lha a um sono simples e suave sem um amanhecer no tempo.
Em todas as fases e aspectos da pessoa humana podemos verificar Curva do desenvolvimento humano (segundo Charlotte Bühler)
estágios sucessivos de desenvolvimento que vão de um mínimo até um
máximo. Existe uma lei da evolução que afirma: "A ontogênese (desen-
volvimento do indivíduo) repete a filogênese (desenvolvimento do grupo
zoológico)".
O estudo e a análise do gráfico da página 187 e do quadro das
páginas 188/189 completarão, a seu modo, o assunto deste capítulo.

EXERCÍCIOS

1. Desenvolva estes temas: "As crianças de um ano; terríveis aos dois


e três anos; ativas aos quatro e cinco; sociáveis aos seis; barulhentas
aos nove. Os jovens de hoje".
2. Leia este caso relatado por Arthur Ramos no seu livro A criança
problema:
"Menino de doze anos. Pai falecido. Quando vivo castigava muito
o filho com pancadas. Mãe cozinheira. Tem quatro irmãos. Moram
com a avó paterna que não gosta do menino, castigando-o muito.
Moram por favor e vivem de esmolas de associações de caridade.
O menino acusa subalimentação. É pálido e magro.
Curso do desenvolvimento: aparecimento de gagueira; rói unhas.
Comportamento na escola: brinca com os companheiros; tendência a
dominar; atormenta os colegas, é fanfarrão, mente, furta. É agitado,
agressivo, barulhento, com comportamentos alternados de bondade
e perversidade. Atenção deficiente, boa memória, imaginativo. Tem

186 187
PLAN1FICAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, DE
ACORDO COM CHARLOTTE BÜHLER

PERÍODOS E ESTÁGIOS DURAÇÃO CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

/ — Antes do nascimento Concepção: 280 dias Predominância de processos acelerados de


crescimento e amadurecimento em todos os siste-
1. Ovo-embrião 0 — 8 semanas mas e órgãos.

2. Feto 40 semanas
// — Nascimento Labor do parto Trauma do nascimento.
III — Após o nascimento Berço — sepultura Predominam os processos de aprendizagem.
DEPOIS DO NASCIMENTO Nascimento — É rápido o desenvolvimento físico, mental,
1 — Crescimento e amadurecimento 14 anos emocional e social.
a
l. infância Recém-nascido — Contato com o mundo através da figura ma-
18 meses terna. Domina a subjetividade. Termina quando
a criança aprende a falar e a andar.
a
2. infância ou pré-escolar 18 meses — 6 anos Curiosidade objetiva crescente. Ligação afe-
tiva familiar. Exploração do ambiente social. Ego-
centrismo. Pensamento mágico-simbólico. Algum
controle emocional.
a
3. infância ou escolar 7 anos — 12 anos Conhecimento dos fatos. Interesses intelectuais
construtivos. Operações lógicas concretas. Parti-
cipação na dinâmica do grupo escolar e do bando
infantil.

Pré-adolescência 12 anos — 14 anos Início da crise da adolescência.

// — Adolescência 1 5 anos — 20 anos O indivíduo descobre-se a si mesmo (desco-


berta do eu), explorando, ao mesmo tempo, o
Penetração nos quadros da mundo revelado pelo trabalho, pela associação com
vida social pessoas do sexo oposto etc. O término depende da
solução dos problemas fundamentais: escolha de
um lugar social pelo trabalho, formação de uma
família etc, assumindo, enfim, a personalidade
adulta.

III — Idade adulta ou maturidade 21 anos — 40 a O indivíduo assume um papel na comunidade


Estabilização na vida 45 anos e ocupa um lugar na vida profissional, passando
a concretizar as idéias e objetivos escolhidos. 0
término está mais ou menos ligado ao declínio
sexual (climatério).

IV — Meia-idade 45 anos — 65 anos As realizações decrescem em número e a ati-


Conservação vidade se mantém dentro das conquistas já rea-
lizadas. Surge forte tendência para a rotina. O
indivíduo não se interessa tanto por novas ami-
zades, repousando sobre os "louros colhidos".

V — Velhice 65 anos — morte Considerável estreitamente no campo dos inte-


resses, acompanhado de redução da força física,
Regressão ou declínio vivacidade mental etc, como conseqüência do des-
gaste orgânico.
Quando a vida foi toda vivida com sabedoria,
a morte se avizinha como algo natural e simples.
oo
Personalidade e' uma organização dinâmica de partes interligadas,
que vão evoluindo do recém-nascido biológico até o adulto bios-
social, em um ambiente de outros indivíduos e produtos culturais.

A seguir, veremos melhor a explicação desta definição.


A personalidade
Impressão de pessoa. Ao
sermos apresentados a alguém,
formamos, de imediato, o que se
chama, em Psicologia, uma im-
pressão de pessoa, seis ou sete
O homem é capaz de transcender as limitações características, às vezes menos,
de todas as suas definições. (Paul Tillich) da pessoa apresentada e, com
elas, formamos uma imagem ou
um conceito subjetivo em nós.
Muitas vezes, basta um traço
mais berrante para, com ele, or-
ganizarmos a impressão de pes-
É comum ouvirmos estas expressões: "Ele é uma personalidade", soa.
"fulano tem pouca personalidade". A personalidade será uma espécie
A formação desta imagem é
de fluido que as pessoas possuem em maior ou menor quantidade?
de natureza essencialmente sub-
Estas e outras expressões a respeito da personalidade não têm valor jetiva. Se alguém tem predileção
científico. Queremos, com elas, significar auto-afirmação, força de von- por morenas e se a jovem apre-
tade, decisão, liderança etc. sentada é morena, isto já contri-
O termo "personalidade" deriva do latim persona, que designava bui bastante para a organização
as máscaras usadas no teatro. Essa palavra latina também significava de uma impressão de pessoa fa-
"aparência", "aquilo que parecemos ser aos outros". Realmente, algumas vorável.
pessoas entendem dessa forma a personalidade, confundindo os "pa- Para se formar uma impres-
péis" sociais que representamos em público com nosso "eu" verdadeiro. são de pessoa não é preciso ter
Personalidade tampouco é a imagem que fazemos de nós mes- contato com ela. Se alguém lhe
mos com base na nossa vaidade, ou aquele "eu" idealizado que julga- dissesse:
mos ser. Ela se apresenta mais como a identidade de um "eu" que é
a integração das partes que nos compõem. Conhecer a possoa é o obje- "Aqui estão, em poucas palavras, alguns termos que definem certa
tivo final da Psicologia. pessoa: altivo, otimista, bom conversador, frio, irônico, convincente".

O ponto básico da pesquisa científica da personalidade parte de Qual a impressão que esta pessoa lhe causaria?
certos padrões habituais de comportamento, isto é, das várias dimen- Você a quereria ter como amiga ou como sócia?
sões de nosso .ser passíveis de serem observadas com objetividade. O
"João tem um amigo cuja descrição é a seguinte: altivo, otimista,
resultado vai dar aquilo que realmente somos, isto é, nossa persona-
bom conversador, afetuoso, irônico, convincente".
lidade, em termos científicos.
191
190
Qual dos dois é o mais simpático? til se sente rejeitado. O ato de nascer já pode se apresentar como uma
A primeira impressão, depois de confirmada no trato direto, tende rejeição básica e inicial. Diante disto, a personalidade vai procurar
a durar. A personalidade como algo extremamente complexo não pode, uma saída que supere a rejeição e sua angústia básica. Karen Horney
é claro, ser reduzida a uma simples impressão de pessoa. apresenta três saídas que geralmente as pessoas criam, em suas fanta-
sias, para compensar a imagem do "eu-rejeitado":
1." Eu-orgulhoso. A pessoa desenvolve suas energias de cresci-
COMO ENTENDER A PERSONALIDADE?
mento no sentido de "mostrar ao mundo do que é capaz". (Este "mun-
do" é, sobretudo, os pais.)
Antes de mais nada devemos estabelecer alguns pressupostos: iL

1. Nascemos um organismo biológico. A personalidade é uma cons- 2. Eu-resignado. Nasce da aceitação da pressão que cria um "eu"
trução que se vai fazendo ao longo do tempo, y idealizado, onipotente, uma espécie de deus (deusa) de bondade.
a
2. Existe uma força dentro de nós que é capaz de organizar nossa ex- 3. Eu-indiferente. Nasce da fuga para o interior, a fim de se de-
r periência e desta maneira construir nossa identidade, ou nosso "eu" fender das pressões do meio externo. Em vez de se revoltar ou de
Essa organização se faz em dois sentidos: tem de ser viável para si se submeter, a pessoa foge para dentro de si mesma onde encontra
mesma e adaptada a uma sociedade. Em outros termos, a persona- um "eu" idealizado, onipotente, que não precisa de nada. Acha que
l lidade se constrói, de certo modo, comprometida não apenas com encontra tudo em seu interior. Trabalha e procura realizar apenas
um projeto individual, mas também com a sociedade. para ganhar estritamente o necessário, o suficiente para manter a si
3. Em condições normais, a personalidade seria construída no sentido mesma e a família. Não ambiciona realização pessoal. Para que fazer
de uma auto-realização. Esta tendência, segundo Carl Rogers, é ine- ou realizar grandes coisas se ele é tudo? É esta a sua lógica.
rente à própria natureza humana. Se uma criança percebeu que mostrar-se afetuosa com o irmão-
4. A tendência à auto-realização pode ser descrita como impulso do zinho lhe granjeia a aceitação materna, pode ocorrer que ela jamais
organismo para: permita que um restinho de ciúme aflore no nível da consciência. Passa
• prover e providenciar as condições para satisfação de suas necessida- a ser incompatível com a condição necessária de seu eu-bonzinho. Neste
des; caso, ela estaria coibindo sua capacidade de elaborar convenientemente
uma experiência natural, por causa de sua auto-imagem e, na defesa
• tornar-se suficientemente independente do seu meio ambiente; desta, passa a reprimir aquilo que seria espontâneo. Vai inibir como
• aperfeiçoar suas habilidades; mal algo natural. Carl Rogers admite que para uma criança se desen-
• ser criativo; volver normalmente é preciso que ela se sinta aceita incondicionalmente.
• chegar a níveis mais altos de eficiência. Com isto, é claro, não se vai permitir que ela faça tudo. A criança
deve sentir-se como uma pessoa aceita, independentemente da falta e
Você conhece alguém que é essencialmente dependente dos outros?
da ação a corrigir. Isto quer dizer que ela deve ser castigada e corrigida,
Que não se preocupa em prover seu futuro? Que põe todo o esforço
sempre que necessário, bem comi) deve ser dirigida para a socialização,
de sua personalidade só em vencer, em ficar rico por exemplo? Que
mas sempre aceita e respeitada como pessoa.
abdicou do esforço de progredir? De acordo com o item 4, estas
pessoas estão progredindo no sentido de sua auto-realização ou em É claro que este "eu" idealizado, de natureza fantástica e onipo-
outras direções diferentes? tente, é uma criação da fantasia infantil, que, percebendo-se como
É claro que a resposta é: dirigiram seu autodesenvolvimento em rejeitado, sente-se compensado com esta criação onipotente e todo-po-
outras direções. Por quê? derosa. Tudo se passa dentro de uma lógica: "Se meu 'eu' não for
Desde que nasce, a criança é submetida a pressões externas e inter- fantástico, diyino, onipotente, será algo rejeitável, desprezível, sem
nas excessivamente fortes para ela. Isto pode afastá-la do seu autocres- valor".
cimento para dirigir seu desenvolvimento em outras direções. Uma garota de dez anos preferia ficar cega a não ser a primeira
As fortes pressões do meio podem criar sérios bloqueios ao cresci- aluna de sua classe. Este era o único lugar possível para seu "eu"
mento da personalidade. O problema fundamental é que o "eu" infan- idealizado.

192 193
Para o psicólogo Carl Rogers, o crescimento humano exige reorien-
Uuanto mais sensível é a pessoa, mais sente esta realidade e mais tação. A psicoterapia consiste, então, para ele, em criar condições que
exagera esta compensação. Pode exagerar a ponto de se julgar um possibilitem esta reorganização da estrutura da personalidade.
ser excepcional e se desajustar no meio social porque as outras pessoas
não a consideram como tal. Tratam-na como se fosse uma pessoa nor- A personalidade devia ser um sistema ordenado, cujas estruturas
mal e ela, em seu íntimo, está se julgando, está crendo que é um ser centrais dirigissem sua atividade por rumos coerentes e consistentes.
fantástico, fora de série. As forças ou necessidades de crescimento são responsáveis pela integra-
ção da personalidade.
Se, com a idade, for se aproximando do seu "eu" real, estará
caminhando na direção da saúde mental. Se se afastar demasiadamente Os elementos da estrutura da pessoa devem estar intimamente
deste "eu" real e verdadeiro e perder contato com a realidade circun- ligados. O que o indivíduo faz numa esfera não devia estar em con-
dante, estará se aproximando da psicose ou loucura. tradição com o que faz em outra. Isto ajudaria a integração, que é
sintoma de normalidade. Elementos destoantes impedem a integração e
Esta realidade descrita existe em nível inconsciente ou num estado desorganizam a personalidade, tornando-a doente.
de consciência diretamente inacessível à pessoa. Só suas manifestações
ou conseqüências aparecem na vida prática. A personalidade se apresenta como a integração dinâmica de vá-
rios sistemas, que recebem a designação de dimensões ou áreas da perso-
nalidade. As principais são:
OS CAMINHOS DO DESENVOLVIMENTO
Dimensão física. É a constituição individual resultante da herança
DA PERSONALIDADE
genética e das forças do meio.
Não precisamos e realmente não podemos ensinar a semente a se Dimensão do temperamento ou emocional. Compreende as carac-
transformar em árvore. Se existirem condições favoráveis, suas poten- terísticas emotivas resultantes do complexo fisiológico e da construção
cialidades intrínsecas desenvolver-se-ão naturalmente. O mesmo deveria somática de cada um. É, em suma, o temperamento que faz as pessoas
acontecer com os seres humanos. serem apáticas, emotivas, agitadas, ativas, vagarosas, instáveis etc.
Em circunstâncias normais, o desenvolvimento se faz no sentido Dimensão subjetiva. Compreende os interesses, os ideais, os desejos
deste "eu" verdadeiro, real, ao passo que a compensação onipotente e aspirações, bem como a inteligência, as aptidões gerais e específicas.
da personalidade, ou seu "eu" idealizado, não tem apoio na realidade. Inclui o mundo subjetivo e íntimo de cada um. É. uma área de vivên-
cias e aprendizagens passadas, bem como do autoconceito de cada um.
Quando está formada a personalidade?
Dimensão do caráter. Corresponde ao conjunto de qualidades que
Os principais elementos da personalidade se formam bem cedo e, se fazem necessárias para o indivíduo adaptar-se ao meio em que vive.
normalmente, perduram por toda a vida. Os traços de caráter tais como a honradez, a honestidade, a sinceridade
Podemos observar um menino de dez anos e achá-lo desajustado, etc. resultam do meio em que vive o indivíduo e da cultura dentro da
irrequieto, habituado a resolver seus problemas por meio de certas qual formou sua personalidade. Apesar disso, porém, é uma das di-
formas compulsivas e estereotipadas. Aos trinta anos, vamos encon- mensões mais estáveis em cada pessoa.
trá-lo apenas aparentemente diferente: adquiriu novas atitudes sociais, Por caráter, em Psicologia, entende-se principalmente um certo tipo
teve muitas experiências corretivas que o ensinaram a dominar as situa- de conduta que possa ser tida como certa ou errada por se enquadrar
ções e a parecer bastante diferente da criança "amuada" e insegura ou deixar de ser enquadrada nos padrões de comportamento social-
que era. Contudo, uma observação mais profunda poderá mostrar que mente aceitos. O caráter se compõe de vários traços. Basta recordar
mantém os mesmos elementos primitivos: trabalha com regularidade os adjetivos da língua portuguesa para vermos que uma boa parte deles
e métodos compulsivos, sofre periódicos aumentos do nível de inquie- revela traços de caráter: bondoso, perverso, amigo, afável, caridoso,
tação e ansiedade, mas emprega essas energias nas suas atividades pro- honesto etc. O caráter representa o conjunto desses traços, que pode
fissionais. Somente nas férias, que não sabe como usar, é que volta ser designado como certo ou errado de um ponto de vista social. Assim:
às formas primitivas de muita insatisfação, ansiedade e insegurança.
195
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honesto, desonesto, afável, indelicado, correto, perseverante, inconstante Introversão — extroversão. Segundo Jung, a extroversão consiste
c trabalhador revelam traços de caráter porque são socialmente aceitos na tendência em focalizar interesse no mundo exterior, em estar mais
ou repudiados e são tidos como certos ou errados. centrado fora do que dentro do "eu". A introversão, por outro lado,
consiste em concentrar interesse e atribuir valores primordialmente aos
Como é formado o caráter? pensamentos, sentimentos e idéias da própria pessoa. O extrovertido
viveria mais no presente, dando mais valor às pessoas e ao êxito social,
O caráter se forma a partir de modos exclusivos que cada um tem enquanto o introvertido visualizaria mais o futuro. O extrovertido, mais
de se adaptar ao meio físico, social, familiar e humano. O meio humano, prático; o introvertido, mais imaginoso e intuitivo.
podemos dizer, é diferente para dois irmãos que vivem na mesma
É como se o centro da personalidade do introvertido (locus of
casa. O filho mais velho tem como parte do seu meio um irmão mais
control) estivesse dentro da pessoa. O locus of control é o local ima-
novo, ao passo que o segundo tem como companheiro um irmão mais
ginário a partir do qual se produz a orientação de vida e de ação da
velho. Basta isso, para alterar a maneira de cada um adaptar-se ao
pessoa. No neurótico, e muito mais no psicótico, este locus é inferno,
meio. Tais tipos de adaptação, que são incorporados na personalidade,
isto é, subjetivo. Nas pessoas extrovertidas, e de certa maneira nas
formam padrões gerais de comportamento a que chamamos caráter.
pessoas normais, este locus tem uma tônica externa. A consciência se
Nessa adaptação social, da qual resulta o caráter, há dois fatores apoia na realidade que está fora. O extrovertido o faz de um modo
preponderantes: a inteligência e a plasticidade. Por plasticidade se en- e a consciência normal de outro. O real externo, para o extrovertido,
tende a capacidade real de adquirir novos tipos de reações e novos pode não ser um real objetivo.
hábitos. É uma ausência de rigidez. Por isso, nem sempre um meio
Traço. É uma característica duradoura do indivíduo e que se
mau produz um mau caráter. A plasticidade e a inteligência do indi-
manifesta na maneira consistente de comportar-se numa ampla varie-
víduo influenciam o tipo de reação comportamental que, no fim, se
dade de situações. Por exemplo, ser calmo, ponderado e seguro, ou
cristalizará em elemento do caráter. Em todo caso, o meio social e
agressivo e instável. Allport e Odbert, analisando um dicionário da
o clima humano que rodeiam o indivíduo desde o berço, se não deter-
língua inglesa, notaram que 7 953 adjetivos servem para descrever for-
minam, pelo menos marcam fortemente o caráter das pessoas. O
mas diferentes e pessoais de comportamento das pessoas. Desses ter-
caráter é o produto da inteligência e da plasticidade do indivíduo ao
mos, 4 500 designam claramente, segundo suas pesquisas, modos con-
se adaptar a um meio. Esta adaptação cristaliza-se em padrões de
sistentes e estáveis de ajustamento de uma pessoa a seu meio, isto é,
conduta socialmente bons ou maus.
indicam traços de personalidade. Pela eliminação de sinônimos, redu-
Alguns incorporam a subserviência, outros a arrogância, uns a ziram este último número a apenas 171 termos que, por sua vez, foram
vaidade, outros a humanidade e t c , de acordo com a saída que cada posteriormente reduzidos a 35 grupos de traços. Contudo, fez-se neces-
um conseguir para encontrar um lugar ao sol na comunidade em que sária uma nova redução, pois notaram que uma característica como
vive. a timidez tende a ser seguida de outras características, tais como certa
inclinação para ser introspectivo, facilmente susceptível e t c , podendo
Ninguém, pois, nasce com um caráter já formado. É no contato
com o meio, por força da necessidade de superar os problemas de ser incluída num agrupamento mais amplo: o da introversão. Final-
sobreviver, que as pessoas têm de modelar suas formas ou padrões mente, Cattell notou que aqueles 35 grupos de traços decorrem de
habituais de conduta. apenas 16 fatores, que são medidos no teste 16 P. F. de Raymond
B. Cattell e Herbert Weber.

ESTILO E TRAÇOS DE PERSONALIDADE

Se observarmos uma pessoa numa variedade de situações, verifi-


caremos que há um modo de agir constante que nos chama a atenção.
De um modo geral, a pessoa age de acordo com um padrão de ação
duradouro e permanente.

196 197
EXERCÍCIOS

1. Compare estas duas definições de personalidade, ressaltando os


pontos comuns e as diferenças entre elas:
"Personalidade é a organização dinâmica daqueles sistemas psico-
fisiológicos que determinam a maneira única pela qual o indivíduo se
ajusta ao ambiente" (G. W. Allport).
A construção da
"Personalidade é a organização mais ou menos estável e contínua personalidade. Uma
do caráter, do temperamento, do intelecto e do físico de uma pessoa leitura complementar
que determina seu ajustamento único ao ambiente" (Eisenck).
2. Teste sua personalidade
Avaliação de características de sua própria pessoa. Dê uma nota
de 1 a 10 em cada coluna. Nenhum pai acorda pela manhã planejando
tornar infeliz a vida de seu filho. Nenhuma
Na primeira coluna ( 1 ) devem figurar as notas que você atribui
a você mesmo. mãe diz a si mesma: "Hoje vou repreender,
chatear e brigar com meu filho tanto quanto
Na segunda coluna (2) devem figurar as notas que as outras pes- possível". Ao contrário, pela manhã todos
soas atribuiriam às suas qualidades. pensam: "Hoje teremos um dia tranqüilo". No
entanto, a despeito dessas boas intenções, a
guerra, que ninguém deseja, explode de novo.
E então uma vez mais nos encontramos di-
zendo coisas que não queremos, num tom do
qual não gostamos. (Haim Ginott)

Os pais vão moldando a personalidade dos filhos por meio de


instrumentos de natureza psicológica, os mais variados e simples. Um
deles é o diálogo. Como você fala com seu filho?
Em primeiro lugar, renuncie às suas demonstrações de autoridade.
Utilize novas táticas para permitir que ele assuma suas responsabili-
dades, através do uso de sua própria liberdade. Assim pode crescer
como uma semente, desabrochando espontaneamente, e não puxada
de fora, como suas ordens e gritos sugerem. Exemplifiquemos.
Você quer que seu filho de quatro anos lave as mãos. Olhe para
suas próprias mãos e para as dele e diga: "Puxa, como estamos com
as mãos sujas! É melhor lavar. Você quer ir antes de mim ou eu
vou na frente?". Em outro caso, ao constatar que o garoto não escovou
os dentes: "Puxa, nem me lembrei de que precisava escovar os dentes.
Você também esqueceu? Que cabeça a nossa, hem? Então vamos
agora. Um, dois e já: eu vou chegar primeiro". A criança deverá
' E s t e não é um teste psicológico, no seu sentido pleno, mas um simples teste didático correr para alcançar a escova antes que você chegue. Nesta brincadeira
de assunto psicológico; porém é interessante fazê-lo. A avaliação e o resultado
uestc teste encontram-se na p. 227. de "quem chega primeiro" você pode conseguir muita coisa.

198 199
NAO PERTURBAR O CRESCIMENTO NO O que acontece nesses casos é que a criança, mesmo tendo todas
SENTIDO DA AUTO-REALIZAÇÃO as condições para segurar o sorvete, vai deixá-lo cair. Ela entra num
Os itens que vamos abordar, extraídos sobretudo do livro Pais e conflito. Se não deixar cair, o pai se torna um mentiroso. E para ela
filhos de Haim Ginott, pretendem mostrar pontos relevantes e simples é muito cruel admitir que o pai é mentiroso. Não seria muito melhor
que ajudam a construir e solidificar a grande malha em que consiste a o pai comprar um sorvete menor e ter confiança em que a criança não
personalidade. De certa maneira, são algumas "dicas" de como se o deixará cair? O importante é não acusar ninguém, mas procurar as
tece esse crochê. soluções.

1. É preciso referir-se à situação e não ofender a pessoa. 4. As crianças podem sentir a rejeição dos pais no tom
Se, quando a criança derramasse leite, o pai ou a mãe dissessem
de voz ou no olhar.
simplesmente: "O leite derramou, precisamos de um pano. Para que "As crianças são, muitas vezes, maltratadas. Os pais exageram a
o copo de leite não caia, é preciso que ele fique de frente e não de relação de dependência. Depois disso tratam a criança como se ela
lado. De lado, você não consegue ver e, ao bater, cai". Geralmente fosse amiga. Assim, elas ficam nossas inimigas: tornam-se dependentes,
o que acontece é o seguinte: A mãe começa: "Que é que há com você? e dependência gera hostilidade. Nós realmente queremos ser seus ami-
Quantas vezes já lhe disse para ser mais cuidadoso?" E o pai: "Esse gos, mas elas não compreendem", diz o Dr. Haim Ginott.
menino é um desastrado. Não tem jeito. Ele nasceu assim. É deslei-
Partindo desta nova posição, os pais poderiam se entender melhor
xado demais. Da próxima vez será castigado".
com os filhos. Há reais equívocos na comunicação quando se trata
Tais críticas atingem o cerne da personalidade da ctiança: a auto- alguém que está do "outro lado" como se estivesse do nosso lado.
-estima. A criança pode acreditar nos seus pais e passa a aceitar o Ginott enuncia então um princípio básico que se tem confirmado em
conceito que eles lhe indicam: um "desastrado". sua prática clínica:
— Se você tornar a criança independente, ela terá menos hostili-
2. Certifique-se de que suas palavras, suas repreensões
dade.
transmitem interesse, e não rejeição.
O psicólogo conta a sua experiência clínica: resolveu deixar que as
A comunicação dos adultos com as crianças é de enlouquecê-las. crianças fizessem suas escolhas. Quando alguém escolhe está exercendo
Estão sempre censurando-as, envergonhando-as, pregando sermões, mo- uma autonomia. No íntimo não se sente mais dependente. Quando
ralizando, acusando e transmitindo sentimento de culpa, ridicularizando exercem o direito de escolha, libertam-se. É preciso, segundo o psicó-
e menosprezando, ameaçando e subornando, avaliando e denunciando. logo, dar-lhes oportunidade de escolha, dentro de determinados limites
Devem-se eliminar os comentários críticos que ofendem as crianças e de segurança, "e desde que não compliquem a nossa vida e a delas".
bloqueiam a comunicação. Coisas do tipo: "Quantas vezes já lhe disse A uma criança de dois anos, você pode perguntar se quer a gema
q u e . . Quando é que você vai a p r e n d e r . . . Mas pelo amor de Deus. .. do ovo um pouco mais dura ou mais mole. Ou apenas deixar que
Que diabo há com você, afinal de contas? Você não está ouvindo o ela escolha uma entre três pílulas de remédio rigorosamente iguais. A
que eu lhe digo? Será que é surdo? Já lhe disse mil e uma vezes um garoto de três anos pode-se perguntar se quer meio copo ou um
q u e . . . Não me venha dizer que v o c ê . . ." copo inteiro de leite. Não custa saber de um menino de quatro anos
se quer suco de laranja ou limonada.
3. Certos comentários atingem a saúde e a harmonia da Isto expressa um respeito à individualidade da criança. Ela passa
personalidade. a ter um sentimento de poder. As oportunidades e o caráter da escolha
devem variar de acordo com a idade. Até a um bebê de onze meses
Um garoto, na rua, pede ao pai um sorvete duplo. Reação típica
do pai: pode-se deixar a opção entre tomar uma laranjada no copo ou na ma-
madeira. Às vezes ele preferirá um, às vezes outra. Não custa a um
— Eu compro esse sorvete imenso e você logo deixa cair. Será garoto de um ano e meio optar entre ir dormir "agora ou daqui a
que você não vê que não tem jeito para segurar isso?
cinco minutos".
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5. Como demonstrar amor às crianças. não precisa exigir um azul especial, ou que muitas crianças não diipu
nham nem de um lápis, ou que a gente deve-se contentar com aquilo
Pequenos incidentes criam ótimas oportunidades para demonstra- que tem. Mas nada disso adianta.
ções afetivas. Por exemplo: num restaurante, Sérgio deixa cair seu
sanduíche. "Eu sou um bobo!" — diz ele. Seu pai replica: "Sérgio, Em vez de procurar justificativas, o psicólogo começou a escrever,
não permito que ninguém insulte um filho meu. Nem mesmo você! à vista do garoto de quatro anos, "um pedido especial para alguém
Numa hora dessas, não se põe a culpa em ninguém. O que se faz é trazer o azul especial". E lhe disse, para estimular, que realmente paia
buscar uma solução. E esta é chamar o garçom e pedir outro san- o desenho a que se propunha era preciso o azul especial. Essa técnica,
duíche. É o que vou fazer". Sérgio experimenta ao mesmo tempo gra- evidentemente, funciona melhor com as crianças menores que vivem,
tidão e amor pelo pai. Nada provoca maior afetividade do que palavras naturalmente, num mundo infantil de fantasias.
de compreensão num momento de dificuldade. O mesmo acontece em No dia seguinte, quando o garoto voltou, mostrei o lápis azul
se tratando de perdas materiais. Míriam, de dez anos, perdeu uma diferente. E, ao insistir, veio a resposta esperada: "Não quero mais".
das pedras de seu anel e começou a chorar, temendo a reação dos pais.
Mas o pai disse: "Pedras a gente encontra nas lojas. Só os filhos é 7. Entender o mundo de fantasia da criança.
que não se podem perder, porque a gente não encontra outros nas
lojas". Suas palavras tiveram grahde valor para Míriam, por serem Quando uma criança manifesta o desejo de sair de um hospital,
palavras de amor. Quando Vanda, de sete para oito anos, não pôde ir não adianta tentar convencê-la de que, se ela voltar já para casa, vai
a uma festa de aniversário, por estar doente, ficou desolada. Sua mãe ficar doente outra vez, que ficar num leito de hospital vai apressar a
lhe disse: "Eu gostaria de organizar uma festa especial para você agora. sua cura e coisas assim. É preciso ficar do lado dela. Dizer que real-
Iríamos estourar uma centena de balões, convidaríamos todas as crianças mente é bom voltar para casa, que hospital é chato, um lugar onde
do segundo ano da escola, eu diria que cada uma delas poderia fazer não se pode ficar à vontade. É melhor do que qualquer explicação
três pedidos e traria para a mesa um bolo de oito andares, com oito científica.
velas em cima. . ." Vanda sorriu. A festa imaginária de sua mãe era Quando o professor Ginot soprou uma gaita numa escola do Alasca,
uma expansão de amor. há pouco tempo, um aluno quis logo uma igual. O psicólogo disse que
Para transmitir amor, os pais necessitam de uma linguagem de gostaria de arranjar mais uma. Depois, os outros foram pedindo,
aceitação: palavras que tenham o valor de sentimentos, reações que sucessivamente, duas, três, até mil gaitas. E o professor sempre dizendo
mudem atitudes e respostas que suscitem boa vontade, respeito e con- que gostaria de arranjar todas.
fiança. O mundo fala às nossas mentes. Mas os pais falam de forma Os garotos agiram como se já tivessem a gaita. Foi muito melhor
ainda mais íntima, porque falam ao nosso coração. do que tentar explicar que seria impossível obter dezenas de gaitas.

6. Realidade e fantasia. 8. Como proteger as crianças contra a violência na TV.


Certamente não é usando violência. Tudo quando podemos é
Deve-se dar à criança em fantasia o que não se pode dar na
tentar obter a cooperação delas.
realidade.
O caso acima de Vanda explica o enunciado. Vejamos outro. Um pai não pode estar sempre vigiando o que elas vêem. Crianças
mais velhas muitas vezes assistem a programas que apavoram crianças
O errado é tentar explicar à criança por que não se pode dar menores. Uma senhora tentou resolver tal problema dizendo a seu filho
alguma coisa que ela deseja "já que ela não está interessada em expli- Carlos, de quinze anos: "Eu preciso que você me ajude. Temos apenas
cações. O que lhe interessa apenas é um desejo momentâneo", diz um aparelho de TV. E eu preferia que Flávio, que só tem oito anos.
Ginott. não visse o programa de filmes de terror desta noite. Será que você
Uma vez, no consultório, uma criança não quis nenhum dos 75 não podia ir vê-lo na casa de um amigo?" A Flávio, que insistiu em
lápis de cor que coloquei à sua disposição. Só lhe interessava um azul ver tal programa, disse a mãe: "Gostaria que esse programa fosse
especial. Eu podia dizer a ela que quem tem 75 lápis à sua disposição menos violento e assustador, porque então eu não teria receio de que

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você assistisse". Flávio: "Quer dizer que eu não posso assistir?" Mãe: e a bater em seu filho, disse: "É isso. Vejo que as palavras não adian-
"É violento demais". Flávio: "Como é que o Carlos pode?" Mãe: tam. Vou ter que bater em você. Portanto, trate de fugir, se não quiser
"Que é que você acha?" Flávio: "Eu não sei". Mãe: Acho que você apanhar!" O garoto desapareceu. Quinze minutos depois, perguntou:
pode imaginar". Flávio: "É por que ele é mais velho?" Mãe: "Acer- "Papai, posso voltar sem apanhar?" A resposta foi: "Pode. Minha
tou". Flávio: "Mas eu também quero ver". Mãe: "Eu sei que vai raiva já passou. Agora, vamos discutir o que se passou e vamos chegar
ficar desapontado e que gostaria de ser mais velho." Flávio: "Acertou". a algumas conclusões".
E quanto mais ele se queixava, mais a mãe dizia: "Eu compreendo".
11. Como ajudar as crianças a vencer o medo.
9. Como demonstrar zanga com as crianças.
O melhor antídoto para o medo é ensinar a seu filho que ele
Quando zangado, descreva o que vê, o que sente, o que espera. é livre para sentir, pensar e sonhar, sem perder seu amor e seu res-
Mas nada diga à criança sobre ela própria. Aprenda a externar sua peito. As crianças precisam aprender que seus sentimentos são legíti-
zanga sem prejudicá-la. Mesmo quando provocado, não insulte nem mos: os positivos, os negativos e os ambivalentes. Podemos poupar
humilhe seus filhos. Não ataque o caráter de uma criança, não ofenda a nossos filhos muitos sentimentos de culpa e ansiedade simplesmente
a sua personalidade ou fira a sua dignidade. Proteja-a contra isso, encarando tudo isso como coisas normais. Não é fácil para nós esta
usando de preferência a palavra "eu" em suas mensagens: "Eu estou atitude. Fomos educados na convicção de que os sentimentos negativos
aborrecido", "Eu estou desanimado", "Eu estou zangado", "Eu estou são maus e que devemos nos envergonhar deles. Mas somente a con-
furioso". Isso é mais aconselhável do que dizer: "Você é ' u m idiota. duta pode ser "boa" ou "má". Os sentimentos e as fantasias, não.
Veja o que você fez! Que diabo é que há com você?" Quando esta- Nunca diga a uma criança atemorizada que não há nada de que
mos zangados, as crianças ficam atentas. E nos ouvem. ela deva ter medo. Isso aumentará seu temor. Além do medo original,
ela terá também medo de ter medo. O medo não desaparece quando a
sua existência não é reconhecida. O melhor é admitir abertamente o
10. Como disciplinar os filhos. medo da criança, reconhecendo a sua existência. Quando Rosa, de
dez anos, revelou invencível medo dos exames que teria de enfrentar,
Disciplina não é uma questão de ajustar a punição ao delito seu pai não recorreu a negativa, ou a expressões tranqüilizadoras como
cometido. O que conta não é a justa graduação daquela a este, mas esta: "Ora, que há nisso para lhe meter medo? Você estudou as ma-
a nossa generosidade. Quando punida, uma criança nunca pensa: térias e não tem razão para se preocupar". Em vez disso, ele respon-
"Que Deus proteja este adulto que me puniu. Para lhe ser agradável, deu: "Exames sempre metem medo à gente, principalmente quando
vou ser bonzinho e fazer as coisas exatamente como ele deseja". Em são exames finais".
vez disso, ela decide ser mais cautelosa ou dissimulada em suas trans- O maior medo que uma criança experimenta é o de não ser mais
gressões, em lugar de evitá-las. amada e ser abandonada. Nem brincando, nem no auge de uma zanga,
Em matéria de disciplina, 100 gramas de prevenção valem mais ameace abandonar uma criança. Algumas delas se assustam muito até
que um quilo de punição. Durante o jantar, Jorge, de dez anos, estava mesmo quando voltam das aulas e não encontram os pais em casa. É
comendo ruidosamente, com a boca aberta. Seu pai gritou-lhe: "Deixe conveniente deixar um recado, dizendo aonde foram. Isso faz com que
a mesa. Você come como um porco. Você sabe o que é um porco?" as crianças fiquem aliviadas, temporariamente, de sua ansiedade.
Jorge gritou-lhe: "Sei, sim. É o filho de um suíno!"
Essa batalha poderia ter sido evitada, se o pai de Jorge tivesse 12. Como evitar rebeldia na hora de dormir.
dito, sem insultá-lo: "Jorge, esse barulho que você está fazendo é
muito desagradável para mim e para as pessoas em geral". A hora de dormir para as crianças que estão estudando deve ser
No capítulo disciplinar, os adultos podem usar meios civilizados generosamente flexível. A mãe pode dizer: "A hora de dormir é
para enfrentar sentimentos hostis. Um pai prestes a perder o controle entre 8 e 10 horas. Vocês decidirão, quando acharem que estão com

204 205
tono". As crianças aprenderão a corresponder às suas necessidades de ça estiver realmente em apuros e pedir ajuda, os pais devem dá-la. E
sono, que variam de dia para dia. A decisão sobre o momento preciso sem exagerar, porque o excesso de ajuda significa: "Você, sozinho,
de ir para a cama deve ser responsabilidade da criança, um ato autô- não sairia dessa".
nomo, não para dar prazer ou desafiar os pais. Quando uma criança se queixa do trabalho escolar feito em casa,
As crianças podem ficar acordadas até tarde, apenas porque os deve ser ouvida atentamente e o papel dos pais é demonstrar com-
pais querem que elas vão para a cama cedo. Quando se dá às crianças preensão. Luís, de dez anos, tinha uma porção de trabalho escolar para
o direito de escolha, muitas vezes elas vão para a cama mais depressa, fazer em casa. E gritou: "Odeio a minha professora! Não vou fazer
porque são elas próprias que assim o desejam. Se os pais têm o hábito trabalho nenhum aqui!" A mãe concordou: "Realmente, você traz
de conversar com as crianças, quando elas vão para a cama, elas terão muito trabalho para preparar". E não disse mais nada. Bastou, porém,
mais uma razão para fazê-lo. Isso lhes dá a oportunidade de partilhar essa frase, que importava no reconhecimento do seu problema, para
com os pais seus temores, esperanças e desejos. a raiva de Luís diminuir. E duas horas depois, ele tinha dado conta
E se a criança fica chamando o pai ou a mãe para que voltem ao do seu trabalho.
seu quarto? Eis a resposta de uma das mães: "Eu bem que gostaria Um carta chegou da escola, queixando-se de que Arnaldo, de dez
de ficar mais um pouquinho com você, mas agora já está na minha anos, estava se atrasando em seus estudos. O primeiro impulso do pai
hora de ir ficar com seu pai". foi o de lhe dizer: "Olhe aqui, menino, de agora em diante você vai
ter que dar duro nos estudos todos os dias, inclusive nos domingos e
feriados. E acabou-se o cinema e a televisão!" Esse discurso já tinha
13. O que dizer aos filhos quando um casal se separa.
sido feito várias vezes. E sempre numa atmosfera de zanga. Dessa vez,
Quanto menos se falar nisso, melhor. O que uma criança necessita porém, o pai apelou para o brio do filho. Numa conversa só entre
não é uma explicação detalhada sobre os conflitos entre seus pais, mas os dois, mostrou a carta recebida e disse: "Meu filho, nós estávamos
uma curta declaração que a alivie do seu sentimento de culpa e da sua esperando que você ganhasse uma bolsa de estudos. O mundo precisa
ansiedade. Como a que um pai fez à sua filha: "As crianças às vezes de pessoas capazes. Há muitos problemas que estão esperando solu-
se sentem responsáveis pelos atos de seus pais. Mas os pais não se ção". Arnaldo ficou impressionado com as sérias preocupações de seu
desquitam dos filhos. Eu quero que você saiba que eu e sua mãe só pai. E passou a ser melhor estudante.
escolhemos a separação porque ambos estamos querendo viver melhor.
É um problema só nosso, meu e dela". 15. Como anunciar a chegada de um novo filho.
Sem fanfarras ou alarde. Dizendo simplesmente: "Nós vamos
14. Como ensinar crianças a realizar trabalhos escolares ter um nenê novo na família". Evitar longos discursos, no estilo de:
em casa. "Nós amamos você tanto e achamos tão maravilhoso que decidimos ter
outro filho igualzinho a você". Devem ser evitadas também as falsas
Realizar trabalhos escolares em casa é uma responsabilidade que expectativas, neste estilo: "Você vai adorar seu irmãozinho e sentir
pertence à criança e a seus professores. Quando os pais resolvem aju- muito orgulho dele. E vai ter sempre alguém com quem possa brincar".
dar, entram numa armadilha. A ajuda pode se tornar um instrumento A chegada de uma nova criança é uma ameaça à segurança de
da criança para punir, explorar ou aborrecer seus pais. Podemos dizer seu filho. Ele poderá pensar: "Se meus pais realmente me amassem
claramente: "Seus trabalhos escolares, feitos em casa, são a mesma tanto, não desejariam outro filho. Eu é que não sirvo para eles e por
coisa que o trabalho para nós — uma responsabilidade pessoal". Essa isso querem me trocar por outro". Seja qual for a reação imediata de
tarefa dá à criança a oportunidade de estudar por si mesma. Um pai seu filho, ele terá preocupações que não exprime. A criança pode reagir
que fica lembrando ou interferindo cancela o principal benefício do com alegria e achar que tudo vai ser um mar de rosas, quando chegar
trabalho escolar feito em casa. A melhor ajuda que os pais podem o novo irmãozinho ou irmãzinha. Esse ponto de vista também não
dar é a indireta: uma mesa adequada, boa iluminação, livros para deve ser encorajado. Seu filho inclina-se naturalmente a considerar o
referência e nada de interrupções. Ocasionalmente, os pais podem recém-chegado um intruso. Você pode encorajá-lo a expressar seus sen-
esclarecer um ponto ou ouvir alguma coisa memorizada. Mas, se a crian- timentos, dizendo: "Algumas vezes o novo nenê vai ser uma gracinha.

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Mas outras vezes, vai dar muito o que fazer. Vai abrir um berreiro
daqueles, vai sujar as fraldas a toda hora. E você também vai ter
que ajudar a cuidar dele. Algumas vezes você pode achar que está
sei ido desprezado e ficar com ciúmes. Quando isso acontecer, venha
e fale comigo. Aí você vai ganhar tantos beijos e abraços que não terá
mais com que se preocupar. E ficará sabendo quanto nós o amamos".
São estas algumas maneiras de tratar os filhos e de diminuir a
pressão no lar a ponto tal que não sufoque a auto-realização das suas Mecanismos de ajustamento
personalidades.

EXERCÍCIOS Dificilmente transcorre um dia sem que ocor-


ram conflitos e frustrações, alguns graves, ou-
tros triviais. Aprendemos a lutar contra eles
1. A criança derrama um pouco de leite na mesa. A mãe reage: "Quan- de várias maneiras, porém, mais freqüente-
tas vezes já lhe disse para ter cuidado". O pai acrescenta: "Esse mente, desenvolvendo algum tipo de reação
menino é um desastrado". Com esse tipo de reação, o que pode defensiva. Nesta luta, pode-se formar, na per-
sobrar para o desenvolvimento da personalidade? sonalidade, núcleos neuróticos e até psicóticos
que podem perturbar a pessoa durante toda a
2. Um garoto de quatro anos pede ao pai, na rua, um sorvete duplo. vida. (Robert William Lundin)
O pai responde: "Eu compro este sorvete imenso e você logo deixa
cair. Será que você não vê que não tem jeito para segurar isso?".
Qual uma possível repercussão desta resposta na sua personalidade?
A personalidade é uma organização mais ou menos estável. Esta
3. Sérgio, de seis anos, deixa cair seu sanduíche, no restaurante, e co- organização, contudo, não é uma fortaleza inexpugnável, inacessível
menta: "Eu sou um desajeitado, mesmo!". Como o pai pode usar aos ataques. Sofre contínuos reveses e algumas vezes desorganiza-se,
este fato e seu comentário para demonstrar afeto a seu filho? como no caso das psicopatias graves ou loucuras.
4. O que dizer aos filhos quando um casal se separa? Todo fracasso, toda frustração, todo conflito é, no fundo, uma
ameaça à integridade da nossa personalidade. Por esse motivo, criamos
mecanismos para protegê-la. São os mecanismos de ajustamento.
Estes mecanismos não são, entretanto, panacéias universais. Quan-
do são excessivamente empregados podem deixar traços neuróticos. São
salutares quando usados normalmente.
A vida seria bem diferente se cada desejo e cada estímulo fossem
satisfeitos. Entre, porém, o desejo e seu alvo, entre o estímulo e o
objetivo que o satisfaz, muitas vezes se antepõe um obstáculo. Os
desejos sexuais, aquisitivos e agressivos, são quase sempre frustrados.
A frustração ocorre quando alguma pessoa, objeto ou situação bloqueia
o caminho que leva o indivíduo ao objetivo desejado. A um empregado
pode ser recusada uma promoção merecida, em seu trabalho, por um
superior que o persegue. A adolescente pode perder o seu programa

.'08 20')
favorito lie televisão porque o aparelho enguiçou. As suas férias podem
ter arruinadas por causa do mau tempo. Todos esses são exemplos FRUSTRAÇÃO E AGRESSÃO
de frustrações oriundas do ambiente.
Outras fontes de frustrações podem ser encontradas dentro do A primeira tentativa de reação ante um obstáculo é destruí-lo.
próprio indivíduo. Quantas vezes chutamos um objeto inanimado que estava no nosso
caminho ou rtos causava aborrecimento? A agressão é preferente-
As limitações pessoais podem impedir uma pessoa de alcançar
mente praticada por crianças. Elas agridem seus brinquedos, seus pais,
determinados objetivos. O desejo de reduzir a sua desvantagem no
irmãos ou irmãs, ou o que quer que percebam estar contrariando-as.
jogo pode ser frustrado por sua falta de habilidade. O desejo de ser
A agressão pode ser desviada contra outras pessoas ou objetos,
bem-sucedido no emprego pode ser frustrado por lhe faltarem conheci-
como se estes fossem a causa da dificuldade. A saúde e o ajusta-
mentos suficientes ou inteligência, ou ainda porque não pode trabalhar
mento mental são, em grande parte, uma questão do tipo de conduta
tanto quanto desejava.
seguida pelo indivíduo para expressar os seus sentimentos agressivos.
Que acontece em nós quando surge um obstáculo? O jardineiro que, levado pela frustração, "investe" contra as ervas da-
Há inúmeras espécies de obstáculos e nem sempre nosso esforço é ninhas do jardim, está agindo de forma construtiva e aceita pela socie-
capaz de vencê-los. Podemos dividir esses obstáculos em dois tipos: dade. Se, em vez disto, espancar os filhos, poderá ser até preso.
frustradores e conflituosos. Não deve descarregar sua agressão desta maneira. Em toda frustração
Em Psicologia, frustração significa a reação de natureza emocio- há energias psíquicas recalcadas que devem ser liberadas, de um modo
nal ante um obstáculo qualquer. Uma pessoa feliz e tranqüila reage a ou de outro.
um obstáculo de modo diferente de outra já perturbada e insegura. Os impulsos e desejos recalcados e reprimidos continuam buscando
A reação emocional frustrativa varia de indivíduo a indivíduo, de acordo satisfação. Estas energias recalcadas podem ser liberadas e utilizadas
com sua constelação interna. As frustrações podem ser simples e na realização de outros comportamentos sociais. As energias emocio-
passageiras ou, então, sérias e prolongadas, no caso de um motivo nais de origem erótica, como as agressivas e as dos nossos desejos
intenso e persistente não poder ser satisfeito apesar dos melhores es- aquisitivos recalcados, podem determinar o que em ciências sociais são
forços. Os obstáculos frustrantes são variados. Tudo aquilo que se chamados motivos sociais derivados. É por força destes que podemos
antepõe à plena realização dos desejos ou objetivos é obstáculo. explicar feitos e realizações sociais que se apresentam como excepcio-
Ante o obstáculo, ocorre, de imediato, um aumento de tensão. nais. Por que um jovem abastado dedica toda sua vida a uma causa
Esta tensão pode desencadear novas tentativas na procura de outros ideológica, humanitária e t c ? Para descobrir os motivos disto, seria
caminhos para uma saída. Quando, porém, o obstáculo se torna inven- necessário descer ao inconsciente. Lá encontraríamos as energias deri-
cível, resulta em frustração. A primeira manifestação da frustração vadas de frustrações que impulsionam e motivam tal comportamento.
tende a ser a agressividade. Esta pode ser definida como uma reação A diferença fundamental entre a consciência normal e a neurótica
de propósitos destrutivos. Muitas vezes, porém, a agressividade tem
está em que a normal encontra derivativos para os recalques, ao passo
que ser reprimida, dando lugar a outros mecanismos que estudaremos
que a consciência neurótica não encontra saída para os mesmos, acumu-
a seguir.
lando uma quantidade tal de energias conflituosas que leva a persona-
A frustração, quando ocorre em quantidade e intensidade normais, lidade à pane total ou parcial.
resulta numa experiência necessária ao bom desenvolvimento individual.
A ausência de obstáculos obrigaria o indivíduo a se manter me-
díocre, tolo e destituído de imaginação. Por sua vez, como comenta CONFLITOS INTERNOS
J. F. Brown, no seu livro Psychology and Social Order, excesso de
situações frustrativas pode determinar efeitos profundamente desfavo- O indivíduo deixa de satisfazer uma necessidade porque não é capaz
ráveis. De fato, diz ele, as frustrações representam a condição básica de escolher entre duas ou mais alternativas que lhe são oferecidas. Há
para a neurose. E se isso acontecer, na primeira infância, as conse- muitas ocasiões de conflito na nossa vida.
qüências serão mais graves ainda, ocasionando a formação de núcleos
Quando se tem de escolher entre economizar dinheiro e o desejo
psicóticos.
igualmente forte de comprar novas roupas, está-se diante de um pequeno
210
211
OOnflitO. Se esses desejos são da mesma intensidade e se a realização Um conflito de determinada duração pode deixar a pessoa num
de um implica o abandono do outro, passam a perturbar pela dificul- estado de neurose, capaz de perturbar toda a estrutura da personalidade.
dade de escolha.
Como você classifica o conflito em que se encontra esta moça? Os conflitos atuais
"Meu namoro é uma prisão. Sinto que não tenho muita escolha: Há muito mais conflito na consciência do homem moderno do
ou perco meu namorado ou desisto de minha realização intelectual. que existia na do homem primitivo. Nas sociedades primitivas, a po-
Estou entrando numa faculdade, mas sei que não vou encontrar tudo breza de bens e sua homogeneidade de distribuição favoreciam o equi-
nela. E se eu perder as oportunidades de me realizar sob o aspecto líbrio psicológico.
profissional por causa de uma vida afetiva e esta não der certo? Não A sociedade ocidental, dado seu sistema de produção altamente
posso negar que tenho medo, e muito, de não me realizar afetivamente competitivo, leva as consciências a muitas situações conflituosas. A
com meu namorado." psicanalista americana Karen Horney, no seu livro A personalidade
Ocorrem conflitos quando lutam na consciência motivos em choque. neurótica do nosso tempo, indica-nos algumas dessas contradições. Apre-
Assim, há três tipos de conflitos: senta inicialmente possíveis conflitos entre as exigências de competi-
ção e de lutas impostas pelo sistema capitalista de um lado, e o apelo
1. Conflitos entre motivos positivos. Uma normalista deseja terminar à fraternidade e ao amor ao próximo que nos vem do ideal cristão.
seu curso e ser professora, mas ao mesmo tempo deseja casar-se A seguir enumera a crescente e poderosa estimulação que a propa-
com um rapaz que não lhe dá oportunidade de terminar o curso. ganda lança de todos os lados na consciência e as limitações impostas
Temos aí dois motivos positivos em choque, incompatíveis. pelos nossos recursos individuais. Não deixa de lado, também, o con-
flito decorrente das afirmações sobre nossa liberdade e as reais limi-
2. Conflito entre motivos negativos. Um menino tem medo de subir
tações que nos são impostas.
numa árvore e ao mesmo tempo tem medo de ser chamado de
covarde pelos amigos. Desta forma, à medida que sobe, mais forte Como vivemos numa era conflituosa, o homem moderno conhece
fica o medo de cair. No entanto, à medida que recua, aumenta o perfeitamente o fenômeno da angústia e da ansiedade.
medo de ser chamado de covarde. O segundo medo aumenta à me- A ansidedade e seu termo mais elevado e obsessivo, a angústia,
dida que o primeiro diminui. Depois de algumas vacilações, pode podem ser definidas como uma desordem emocional produzida pela
subir um pouco e fixar-se numa altura baixa.
perspectiva de uma frustração.
3. Conflito entre um motivo positivo e um negativo. Ao pensarmos A experiência ansiosa ou de angústia, até certo ponto, é análoga
em nos candidatar a um novo emprego, podemos ser atraídos pelas à do medo. Este é uma resposta imediata a uma situação presente de
melhores oportunidades que o empregador em perspectiva oferece perigo. A angústia se apresenta como uma experiência de antecipação,
e, ao mesmo tempo, ser repelidos pela ameaça de sermos testados e no sentido de que a situação de perigo em face da qual surge é futura.
entrevistados para sermos afinal recusados. O medo é uma reação emocional a um objeto determinado. Na ansie-
Um indivíduo pode querer voltar para casa e temer enfrentar a ira dade, este objeto é sempre vago e difuso.
da mulher por não ter pedido aumento. Não pediu o aumento porque
estava entre o motivo positivo do aumento e o motivo negativo de ser Neurose da incerteza
desconsiderado, perder prestígio etc.
Segundo os cardiologistas, um agente de tensão capaz de provocar
Quando enfrentamos um desses problemas e não conseguimos enfartes denomina-se neurose da incerteza: Os meios de comunicação,
resolvê-los com sucesso, criamos dentro de nós um sentimento de particularmente a televisão e os jornais, são os transmissores dessa
perturbação e desconforto. Numa tentativa de aliviar a tensão podemos "doença", que é produzida pelo insistente focus (noticiários, filmes etc.)
nos comportar de várias maneiras diferentes. Uma delas é o que se a respeito de dramas humanos de qualquer espécie, mormente aqueles
chami de deslocamento. Deslocamento é a capacidade do organismo relacionados com a iminência da morte.
de orientar respostas e impulsos para um novo objeto, já que o objeto
origimil lhe foi vedado. Agrava-se no público a imagem da sombra em lugar da luz.

212 213
Aliviar a tensão humana, ao invés de exacerbá-la, deveria ser tam- inexplicáveis da linguagem, os esquecimentos, à primeira vista sem
bém função social dos meios de comunicação. importância, podem caber numa só categoria, a do equilíbrio emocional
precário, perturbado por um conflito sério que cabe à pessoa pesquisar
CONFLITOS NEURÓTICOS e enfrentar para poder dele se livrar e começar a viver.

Todo conflito cria determinada perturbação no indivíduo. Se o O ajustamento da personalidade


conflito permanece em regiões superficiais da consciência, pode robus- Os conflitos, as frustrações, as inferioridades etc. apresenlam-se
tecer a personalidade. Torna-se, contudo, mais grave quando atinge como uma ameaça à integridade da pessoa. Para se manter ajustada,
a estrutura da personalidade. a pessoa busca modos e formas de ocultar, compensar, minimizar e
O fenômeno através do qual alguns conflitos, ou muito fortes ou fugir dos conflitos. São os mecanismos de ajustamento.
muito persistentes, convertem uma grande parte da angústia em com- O ajustamento da pessoa, muitas vezes, se faz através de mecanis-
portamento ou ação física é chamado de reação de conversão. Por mos internos q u e se desenvolvem no sentido de protegê-la de suas
exemplo: um soldado, relutando em entrar em batalha corporal, pode deficiências reais ou imaginárias.
ter um ataque de paralisia ou cegueira. Não é fingimento. Fica cego
Se a pessoa ficasse fixada em suas deficiências e inferioridades,
ou paralítico, até que a tensão causadora do fenômeno desapareça ou
perderia sua própria estima e terminaria desintegrando sua personali-
diminua. Quando apenas uma função é alterada chama-se somatização.
dade. Esses mecanismos são uma forma de a pessoa compensar infe-
A tensão conflituosa pode atingir"várias regiões do organismo, criando
rioridades e fraquezas e recriar-se perante si mesma.
perturbações fisiológicas ou disfunções. Antes de atingir determinado
órgão, afeta primeiro uma área do sistema nervoso. Se a parte atingida O conflito ou o problema que mais mobiliza as defesas da pessoa
é a região límbica do cérebro, a vida psíquica pode ser dominada por é o complexo de inferioridade. Eis alguns sintomas que revelam a
emoções de medo, de insegurança, de angústia e de depressão. presença ainda muito forte deste complexo e dos mecanismos de defesa
para superá-los:
Se a tensão conflituosa se volta para a zona hipotalâmico-hipofisária,
que rege o funcionamento das glândulas internas, surgirão distúrbios 1. Sentimentos acentuados de incapacidade e de inferioridade.
funcionais da tireóide, perturbações das supra-renais — afetando a 2. Super-sensibilidade à crítica.
pressão arterial e a distribuição dos líquidos do corpo — e alterações 3. Isolamento ou falta de sociabilidade.
do pâncreas — modificando a taxa de açúcar no sangue, para mais 4. Excessiva valorização da bajulação.
ou para menos. 5. Atitudes supereríticas com relação aos outros.
Se esses projetores se voltam para a zona do diencéfalo, então os Vejamos, agora, os principais mecanismos que usamos para com-
centros vegetativos serão incomodados com perturbações da circulação, pensar nossa "inferioridade" real ou imaginária.
palpitações, hiperacidez, falta de ar e sufocação, eólicas hepáticas etc.
Compensação. Com ele pretende-se sempre superar uma desvan-
Se os projetores se voltam para os centros sexuais, heverá uma tagem física ou mental. É interessante notar que esta pode ser simples-
inibição desse campo. mente imaginária. Constatada a inferioridade em determinado setor,
A Reflexologia, em 1945, formulou o princípio da dominância mobilizam-se esforços para sua superação em outro. Por exemplo, um
cerebral. Como uma força poderosa, muitas vezes ditatorial, o conflito rapaz franzino sente aumentar sua auto-estima adotando atitudes de
se constitui num foco de excitação, criando em torno de si raios boxeador. A moça pouco atraente que se veste e caminha de modo
de inibição. Esses raios de inibição, dirigidos em vários sentidos, provocante faz isto numa tentativa de superar esse problema.
controlam de modo todo-poderoso as áreas atingidas. Essas' áreas já Racionalização. Caracteriza-se pela criação "convincente" de ex-
foram vistas anteriormente. Onde caem as projeções ocorre uma escra- plicações vantajosas para os fracassos decorrentes da nossa inferioridade.
vização ao foco dominante. A terapia visa a criar uma nova domi- O objetivo visado é a defesa do nosso "eu" perante nós mesmos e pe-
nância cerebral que se exprima em comportamentos ajustados. rante a crítica social.
Os medos irracionais, as manias obsessivas, os tiques nervosos, os O Sr. Peçanha diz que precisa comprar um carro maior, para dar
surtos de agressividade ou de timidez sem razão aparente, os lapsos mais conforto à família. Será que ele está, realmente, querendo dar

214 215
. j

este conforto à família, nos seus" passeios de fins de semana, ou está brinquedos novos e atraentes, regrediam a formas mais infantis de
procurando melhorar de status, obter mais prestígio? O motivo, no comportamento. As frustrações internas ou seguidas costumam baixar
caso, seria uma racionalização. o nível de aspiração das pessoas.
Projeção. É, de certa maneira, uma racionalização. Consiste em Fixação. À semelhança da regressão, muitas pessoas que sofreram,
localizar em terceiros e em atribuir a estes os sentimentos que são nossos. excessivamente, sérias frustrações podem:
Lyriss, uma garotinha de três anos que não teve boas experiências nos 1. Criar um comportamento estereotipado, rígido e excêntrico, que não
seus primeiros banhos de mar, comentava com seu pai: "A Chiquita leva em consideração os padrões comuns, habituais de vida.
(uma bruxa de pano) não gosta da praia. Ela tem medo do mar. Ela
não gosta de tomar banho de mar. Ela chora". 2. Parar seu desenvolvimento, fixando-se em determinada fase. É o caso
da moça ou do rapaz que mantém a mesma dependência afetiva e
Há realmente projeção em casos como este: "Não sou tão mau comportamental para com a mãe, como se ainda fossem crianças.
assim. Não tenho ódio de ninguém, mas tenho plena convicção de
Idealização. A energia emocional recalcada é utilizada para a
que me odeiam". Na realidade esta pessoa poderá estar projetando seus
criação e elaboração de um mundo mais justo, mais gratificador, "mais
sentimentos nos outros.
ou menos utópico". Eleva e sustenta o comportamento individual em
Nesses casos, ocorrem dois mecanismos psicológicos : a) descarre- prol de sua criação concreta.
gar seus sentimentos negativos nos outros; b) possibilitar a tomada
Simbolização. Neste mecanismo, as energias emocionais de origem
de atitudes agressivas, sem sentimento de culpa, já que ele é o "perse-
erótica são utilizadas num processo de elevação e quase adoração de
guido" ou o "odiado".
personalidades que se sobressaem no meio social. Exemplo: criação
Identificação. Ocorre quando o indivíduo que se sente inferiorizado dos ídolos do cinema, da televisão etc.
assume mentalmente a identidade de uma pessoa forte e vitoriosa. Nas Podemos, ainda, citar outros mecanismos importantes no ajusta-
crianças é muito comum a identificação com heróis de televisão. O mento das pessoas.
mecanismo de identificação, quando bem dosado, é salutar para a
formação da personalidade. Repressão. Consiste em rechaçar para o inconsciente os estados
emocionais de frustrações que se apresentam incômodos e dolorosos.
Milhões de pessoas, obrigadas a levar uma vida medíocre, reali- Quando a lembrança do malogro surge, atormenta a consciência; esta
zam-se na identificação com os heróis fornecidos pela cultura do nosso cuida de reprimi-la e de afogar sua memória. Contudo, o conflito repri-
tempo, tais como personagens de histórias da televisão e do cinema mido pode continuar atuando, mesmo de maneira inconsciente, no com-
bem como dos esportes. portamento do indivíduo. Muitos atos falhos ou esquecimentos súbitos
e inexplicáveis podem nascer do bloqueio inconsciente que estas frustra-
Regressão. Etimologicamente vem do latim: regressione — "ato ou
ções reprimidas determinam na consciência plena ou no comportamento
efeito de caminhar para trás". Consiste em adotar formas de comporta-
consciente do indivíduo.
mento características de pessoas muito mais jovens, geralmente de crian-
ças. É assim uma volta a níveis infantis de reação, produzida por situa- Sublimação. Freud reserva este nome para as atividades geralmente
ções de fracassos intensos e repetidos. Kurt Lewin e Tamaro Dembo, em artísticas que se criam ou se realizam como compensação dos impulsos
seus trabalhos sobre nível de aspiração, chegaram à conclusão de que sexuais reprimidos. A sublimação se caracteriza pela utilização da
a regressão ocorre depois de severas e seguidas frustrações, determi- energia sexual recalcada em atividades artísticas ou religiosas.
nando, geralmente, um abaixamento nos níveis de aspiração e de expec- Fantasia ou devaneio. Muitas vezes, a fantasia ou devaneio
tação da pessoa. Crianças de dez e mais anos, que tenham sofrido serve para encobrir uma situação frustradora, ou melhor, para fugir
frustrações muito sérias, chupam o dedo, falam como se fossem bebês mentalmente à lembrança desta ou à própria realidade da situação
ou criancinhas. Num estudo experimental sobre frustrações, verificou- -
frustradora. Com este mecanismo vivemos, pelo menos em imaginação,
-se que crianças postas a brincar com seus brinquedos comuns, habituais, aquelas situações e naquela espécie de mundo em que gostaríamos de
ao mesmo tempo que viam, através de uma grade, uma coleção de viver. Algumas pessoas, em vez de se entregarem à própria imagina-

216 217
ção, para encontrar esta fuga, preferem um bom filme que lhes possi-
bilite identificar-se com o herói que enfrenta mil perigos, luta arroja-
damente e consegue finalmente chegar ao triunfo desejado. Quando
as tensões frustradoras são totalmente descarregadas, diz-se que houve
uma catarse, termo que em grego significa "banho", "limpeza". A
catarse é o ato de descarregar tensões através de diferentes atividades.
O devaneio e a fantasia fazem parte do mecanismo de ajusta-
mento. É uma fuga de uma situação incômoda.
Os mecanismos, quando empregados com medida, são não só nor-
mais, como também necessários para se manter o equilíbrio emocional.
Para ficar com uma visão global de todos esses mecanismos de
ajustamento, leia o quadro da página 219.

•> EXERCÍCIOS r

1. Há problemas ou situações conflituosas que rompem o equilíbrio


psíquico. Nesse momento, entram em ação as forças adaptadoras
e assimiladoras da pessoa. Se estas forças vencerem os problemas,
a situação estará resolvida e o organismo voltará ao equilíbrio.
Quando isto, porém, não ocorre, de que modo a personalidade entra
em campo ou em defesa de sua integridade?
2. Muitas doenças nascem na mente, havendo mesmo os que defendem
a tese de que quase todas as doenças têm suas origens em conflitos
emocionais. Talvez não se possa chegar a este exagero, pois há
doenças em que é patente a causa física, mas não resta dúvida de
que é uma boa profilaxia evitar conflitos emocionais. Na sua opi-
nião, pode-se evitar um conflito emocional?
3. Comente, concordando ou discordando:
"Depois de criado um problema, com danos psicológicos para as
pessoas, não é fácil voltar à situação pré-problema. Com.boa von-
tade, consegue-se apenas o retorno a uma situação semelhante à
anterior. As experiências traumáticas não permitem a volta ao mes-
mo ponto".

218
entra no banheiro, onde examina a arma, volta depois ao corredor. Vê
a porta do quarto dos pais entreaberta, e dá o primeiro tiro. A bala se
encrava na porta.
A mãe, assustada, levanta-se da cama. Neste momento, o rapaz
aponta-lhe o revólver e atira em sua cabeça. Nisto, o pai acorda e,
ao se erguer, ê alvejado. A seguir, recua um pouco e esconde-se atrás
da porta. A irmã, com o barulho dos estampidos, vem para o quarto
Personalidade perturbada dos pais e é alvejada com um tiro na cabeça, caindo perto do corpo
e desagregada da mãe. Depois de algum tempo, dirige-se ao quarto dos dois irmãos
e dispara o revólver na cabeça de cada um. Põe os cinco corpos no
carro do pai, cobre-os com um cobertor, leva o veículo até uma rua
mais distante, estaciona e abandona o carro. Voha para casa e começa
a lavar o sangue. Nesta tarefa é preso pela polícia.
A loucura pode estar embutida em cada um
de nós. (Jacques Lacan)
PERTURBAÇÕES DA PERSONALIDADE

Neste exemplo, vemos graves perturbações da personalidade. Po-


demos classificar esses distúrbios em cinco tipos básicos: oligofrenias,
demências, psicoses, psicopatias e neuroses.
Um jovem de dezoito anos, de uma família de classe média, mata,
^m São Paulo, toda a família: a mãe, o pai, um irmão, a irmã e mais Oligofrenia. Nesse tipo de distúrbio, a personalidade não atinge
o irmão caçula, de oito anos. determinado nível de desenvolvimento. O crescimento pára em deter-
minado estágio da maturação. Por exemplo, a inteligência atinge so-
Ao chegar em casa, à 1 h 30 min do domingo, vindo da casa da
mente o estágio de cinco ou seis anos. Espera-se em toda cultura que
namorada, o rapaz ainda encontra a mãe acordada, pois assistia a
um adulto chegue a certo nível de desenvolvimento. Este nível passa
um filme na televisão. O pai e os irmãos já tinham ido dormir. A
a ser socialmente o padrão ou a medida da normalidade. Se não
mãe, vendo-o entrar, desliga o televisor e fala para ele:
obtém tal desenvolvimento, se o que falta é pouco relevante, diz-se que
— São horas de chegar em casa? Você é um vagabundo que não é imaturo; se, contudo, a distância for grande, é considerado oligo-
faz nada. frênico.
O jovem assassino confessou depois, à polícia, que esta repreensão A oligofrenia é também conhecida como deficiência mental, ou
"tocou fundo", mas nada respondeu à mãe. subnormalidade mental. "Mental" refere-se à inteligência, contudo, a
Esta sobe para o quarto e deita-se ao lado do marido. deficiência é de toda a personalidade. O oligofrênico sofre de deficiên-
O rapaz tira os sapatos, troca de roupa e deita-se no sofá da sala, cia na área da afetividade, maturidade, inteligência e conação. En-
ligando o rádio num volume muito alto. tenda-se por conação a deficiência na área de vontade, desejo, objetivo
e motivação.
A mãe desce apressadamente as escadas do andar superior, desliga
o rádio e novamente o censura: Uma criança que, nos seus primeiros anos de vida, não foi
suficientemente alimentada de proteínas (carne, ovos, leite etc.) pode
— Você está incomodando! Você só incomoda.
deixar de desenvolver normalmente seu cérebro, transformando-se assim
A seguir, ela retorna ao seu quarto. num oligofrênico.
Ele permanece deitado no escuro, por alguns momentos. Depois
Demência. É um declínio patológico da personalidade. Há o
sobe, descalço, sem fazer barulho, entra no quarto dos pais, silencio-
declínio normal, cujos sinais começam por volta dos sessenta anos, de
samente, e começa a procurar o revólver. Encontra-o, sai do quarto,
forma lenta e suave. Se, contudo, esses sinais se acentuarem e se
220
221
avolumarem rapidamente, é sintoma de demência, que é distúrbio da . ou muito tempo, sem contudo levar à loucura típica. O que se verifica
personalidade. Os sintomas demenciais podem ser qualitativa ou quan- é uma espécie de falha na construção da personalidade. As principais
titativamente diferentes. deficiências da personalidade psicopática são:
Vejamos alguns exemplos: • Não tem consciência moral ou a apresenta em grau muito reduzido.
Sintomas quantitativamente diferentes: a pessoa idosa é normal- O certo e o errado, o permitido e o proibido não fazem sentido para
mente um pouco teimosa, apegada a seus hábitos, um tanto descon- ela. Desta maneira, simular, dissimular, enganar, roubar, assaltar,
fiada e egocêntrica. Transformar, porém, esta pequena dose de descon- matar não causa sentimentos de repulsa ou remorso em sua cons-
fiança em idéia de perseguição e de ameaças é sintoma de doença. ciência.
Achar que querem que morra, que vão envenená-la, que querem aban- • Busca estimulações fortes.
doná-la e t c , é um sentimento que se afasta da faixa da normalidade.
• É incapaz de adiar satisfação. N ã o tolera um esforço rotineiro e
A pessoa idosa é apegada a seus objetos, mas entre este apego e o
não sabe lutar por um objetivo distante.
hábito de colecionar ou guardar tudo o que pega há uma diferença
quantitativa que indica perda da normalidade. • Não aprende com os próprios erros, pelo fato de não reconhecer
Sintomas qualitativamente diferentes: são aqueles que não têm estes erros.
analogia ou semelhança com as características da idade, como ter alu- • Em geral, tem bom nível de inteligência e baixa capacidade afetiva.
cinações, ouvir vozes, sentir-se alvo de perseguição, atacar parentes, Parece incapaz de se envolver emocionalmente.
crianças etc. Transformar-se em agressivo, impertinente, quando antes • Não entende o que é ser socialmente produtivo.
era exatamente o contrário, calmo, ponderado, é sinal de perturbação
da personalidade. Neurose. Determina uma modificação, mas não uma desestrutura-
Psicose ou loucura. Durante o seu desenvolvimento, a personali- ção da personalidade e muito menos perda dos juízos de realidade.
dade chega a determinada estrutura que a torna única e diferente de A existência de tensão excessiva e prolongada, de conflito persistente
todas as outras pessoas. Isto determina a maneira de cada um se ou de uma necessidade longamente frustrada, é sinal de que na pessoa
ajustar e proceder com relação à realidade exterior. Enquanto a perso- se instalou um estado neurótico.
nalidade permanecer estruturada e reagir adequadamente ao meio, é Suponhamos que a figura ao
normal. A psicose é a perda dessa estruturação, deixando de ser a lado represente a personalidade.
personalidade um todo harmônico. Seus componentes deixam de se As partes P,, P , P , P e Y Y
2 3 4 b 2

articular adequadamente. O psicótico pode encontrar-se ora em estado são partes da estrutura normal
de depressão, ora em estado de extrema euforia e agitação. Em dado ou sadia da personalidade; P e 5

momento age de um modo e em outro se comporta de maneira total- Y são áreas sob tensão e con-
3

mente diferente. Houve uma desestruturação da sua personalidade. flito. É claro que a existência
O dado clínico fundamental para se aferir a psicose é a alteração dos dessas áreas deixa toda a estru-
juízos de realidade. O psicótico passa a perceber a realidade de ma- tura da personalidade sob pres-
neira diferente. Por isso, faz afirmações e tem percepções não apoiadas são, mas não há, conseqüente-
nem justificadas pelos dados e situações reais. mente, nenhuma desestruturação
Nas psicoses ou loucuras, além da alteração do comportamento e da personalidade, que continua
do pensamento, são comuns as alucinações (ouvir vozes, ter visões e integrada. Se fosse removida a
delírios). área de tensão, a normalidade
estaria restabelecida. Numa neu-
O psicótico pode ser possuído por intensas fantasias de grandeza
rose fóbico-obsessiva, por exemplo, o paciente apresenta alteração de
ou perseguição. Pode igualmente sentir-se vítima de uma conspiração
comportamento: lava as mãos cinqüenta vezes por dia. Com esta
internacional ou familiar assim como julgar-se um milionário, um ser
ação, está descarregando suas tensões acumuladas. A cada aumento
divino, um salvador da humanidade etc.
de tensão, corresponde a ação de lavar as mãos. São muito variados
Psicopatia. É a falta de estruturação de determinadas dimensões
os comportamentos provocados por tensões neuróticas.
da personalidade. Há núcleos psicóticos que podem perdurar por pouco

222 223
i EXERCÍCIOS r

1. A personalidade do jovem citado no início do capítulo é efetiva-


mente doente. Alguém comentou que sua destrutividade é tão grande
e tão sem controle que provavelmente tentará o suicídio, "tão logo
se esgote a impulsão heterodestrutiva". No suicídio, voltará esta
destrutividade contra si mesmo, e agora, com o reforço de uma auto-
punição, este fato poderá se tornar mais provável. Que comentário
RESPOSTAS
você pode fazer sobre isto?
2. "O mecanismo de destrutividade tomou conta daquele ser, há muito
tempo. A destrutividade é característica quase exclusiva do homem, Respostas da p. 21
pois este é o único animal que tortura, mutila e mata outra criatura
a) Figura 4. (Todas as demais figuras têm pontas.)
da mesma espécie, sem nenhuma razão relacionada com a sobre-
b) Figura 5. (Todas as demais figuras podem ser divididas em duas
vivência." Comente.
partes por uma linha vertical, menos a n.° 5.)
3. Você vê no comportamento criminoso do exemplo sinais de psico-
patia? Respostas da p. 105. Como se realiza o condicionamento
4. Que é psicose?
1. E: comida na boca
R: salivação
2. luz nos olhos: E
contração pupilar: R
3. E: choque elétrico
R: batidas cardíacas
4. (b) contração pupilar
(c) aumento das batidas cardíacas
(a) salivação
5. Reflexo simples
6. a)
7. a)
8. incondicionado (EI)
9. EI: som extremamente forte
10. neutro
11. estímulo condicionado (EC)
12. condicionado (EC)
13. c)
14. c)
15. estímulo condicionado (EC)
16. c)
Nota: Nesta parte final, valemo-nos de alguns itens do capítulo "Personalidade per- 17. estímulo incondicionado (EI)
turbada e sob tensão", do nosso livro Psicologia Organizacional (mesma editora,
1981), onde o assunto é mais extensamente desenvolvido. Recomendamos aos nossos estímulo condicionado (EC)
leitores. resposta condicionada (RC)

224 225
18. aquisição 29. não
19. resposta (R) 30. organizar
20. estímulo condicionado (EC) 31. a)
21. condicionado 32. percepção
22. reflexo 33. "fome" (necessidade)
reflexo 34. formas
23. Reflexa, isto é, uma resposta a um estímulo. 35. ângulos
24. Estímulo condicionado (EC) 36. objetos

Respostas da p. 149 Respostas ao teste de personalidade


1. sentidos Trata-se do teste de auto-heteroavaliação de André Rey. Deve-se
2. elementos; organizar; sentidos tirar a média da primeira coluna (1) e da segunda (2) e depois tirar
3. meio exterior
a média das duas colunas.
4. desinteressantes; boa (agradável)
1. Média abaixo de 5 significa subestimação da própria pessoa.
5. elaborados
2. Médias próximas ou acima de 8 indicam infantilidade, imaturidade.
6. organizar; alguns
3. No indivíduo normal, as notas da primeira coluna são um pouco
7. alguns elementos
melhores do que as da segunda. A média das duas colunas deve ser
8. faltam
mais ou menos 6.
9. completo
4. Quando as notas da primeira coluna são bem diferentes (superiores)
10. campo
das da segunda, podem indicar problemas de adaptação, ajustamento.
11. figura; fundo
5. A pessoa que se dá nota 5 da primeira até a última característica
12. figura; fundo
• revela o que se pode chamar de "personalidade mascarada".
13. Depende do foco da atenção: se o primeiro a ser observado for
o professor, será ele a figura. Estas normas foram determinadas para a Suíça. Não possuímos,
14. seu modo ainda, normas para o Brasil. A isto se deve atribuir qualquer queixa
15. O leitor é induzido a um erro (não se sepultam sobreviventes), contra os resultados.
pois todos os demais fatos estão corretamente organizados, forman-
do um todo coerente.
16. de negro
17. figura; figura
18. A arredondada, por analogia, recebe mais comumente a designação
de maluma.
19. sobreviver; necessárias; visuais
20. a) em A
b) em B
21. certo
22. perceber; agir
23. indelicadeza
24. facilmente
25. necessidades
26. necessidades
27. mesma maneira; você
28. amigo; diferentes; as pessoas

226 227
recebeu de Freud a denominação de Extroversão: qualidade da personalidade
tanatos (palavra grega que significa voltada para fora. O termo extrover-
"morte"). O homem é o único ser tido foi usado por Jung para designar
vivo portador de destrutividade, que um padrão de comportamento caracte-
não deve ser confundida com agressi- rizado por um grau extremo de socla-
vidade. A destrutividade tende a mi- bilidade, de aversão à meditação e In-
nar e a acabar com eros. isto é, a teriorização. Caracteriza-se também
vida, a alegria, o prazer, a realização, pela inconsistência dos afetos e do
a auto-realização. comportamento. Em Psicanálise, o
Dimensão subjetiva: conjunto de atribu- termo designa a direção externa, para
fora, que toma a libido recalcada.
GLOSSÁRIO tos referentes ao pensamento: inteli-
gência, raciocínio, imaginação, crítica,
abstração, conceituação etc. Corres-
Filosofia de vida: conjunto de princípios,
visão do mundo e das coisas que
ponde ao quadro imaginário e ao cada um adota para seu uso pessoal.
mundo interior da pessoa. Fobia: medo doentio. Freud divide as
Dislexia: do grego dis = difícil, e lexia fobias em duas c l a s s e s :
= leitura. É a dificuldade que algu- 1) as que são uma exacerbação de
mas crianças sentem em ler e apren- medos comuns (fobias referentes a
der a ler, embora sejam normais e fatalidades à solidão, a s e r p e n t e s ,
Agressividade: qualidade do tempera- ter-se profissionalmente. Este tipo de algumas vezes mais inteligentes do à morte, t d e s a s t r e s e t c ) ;
mento ou mecanismo de defesa do comportamento chama-se aquiescência
eu, que se caracteriza pelo modo que a média. Não conseguem per- 2) as que sã:> explicáveis apenas co-
forçada.
destrutivo de reação. Há íntima liga- ceber o significado das palavras. Às mo fixação* de outros medos neu-
ção entre agressão e frustração. As Bloqueio emocional: estado em que o
vezes, escrevem ao contrário, em es- róticos da pessoa. Vejamos algu-
energias da a g r e s s ã o são as m e s m a s indivíduo não consegue, por forte trau- pelho, da direita para a esquerda. mas:
que se mobilizam para a obtenção ma, manifestar certas ações ou pen- Precisam de técnicas especiais para mesofobia: medo de contagiar-se;
de um objetivo, havendo, contudo, samentos. Às vezes, os movimentos superar e s s e defeito. nictofobia: medo de escuridão;
uma barreira [humana ou física, den- ficam total ou parcialmente tolhidos. Ego: é a consciência em atuação. É a claustrofobia: medo de lugares fe-
tro ou fora do indivíduo) que o torna Uma parte do cérebro e da atividade parte correspondente ao conhecimen-
chados;
inalcançável. Desta maneira, as ener- psíquica fica inibida pelo trauma. to atual, do momento presente. É a
resposta às perguntas: Quem sou? O acrofobia: medo das alturas;
gias se voltam contra a barreira. A
Complexo: conjunto de idéias carrega- que estou fazendo? Suas funções prin- climacofobia: medo de cair de es-
agressividade não deve ser confun-
dida com a destrutividade. das de afetividade que foram reprimi- cipais s ã o : resolver problemas, pen- cadas;
das pela censura para o inconsciente, sar, planejar e proteger a si mesmo. agorafobia: medo de lugares aber-
Ansiedade: estado emocional decor- acarretando, às vezes comportamentos tos (praças).
Ego-ideal. Eu-idealizado. (Ideal de Ego):
rente de a p r e e n s õ e s , incertezas e neuróticos ou desvios psíquicos. Os Gabarito: é o padrão de respostas ob-
complexos manifestam-se através de é aquele eu que a pessoa quer atingir
medo diante de um perigo real ou jetivas que serve para medir e atri-
vários mecanismos e atos falhos. um dia. Em algumas p e s s o a s , esta
imaginário. Assemelha-se ao estado formação subjetiva substitui o eu-ver- buir o grau ou nota das provas. Con-
emocional do medo. Neste, a fonte dadeiro É um "eu" formado na in- tém os itens certos e o valor de
ameaçadora está presente. Na ansie- Crise: mudança brusca ou perturbação
séria na marcha de determinado pro- fância para compensar e substituir o cada um.
dade, porém, a fonte ameaçadora é "eu" real, que a criança fantasia co- Gagueira: é um fenômeno de base emo-
algo difuso, ausente, contra o que cesso.
mo algo rejeitável, inferior e despre- cional provocado pelo fato de a região
não é possível uma reação concreta Depressão: estado emocional de baixa zível. da garganta e áreas adjacentes fica-
de ataque ou fuga. A pessoa fica atividade psicomotora. Ocorre nor, en- rem t e n s a s . Costuma começar por
num estado de tensão depressiva e Elação: estado de excitação emocional
fados de perda ou de declínio de po- que se caracteriza por uma euforia e volta dos três ou quatro anos, quando
angustiante. Na ansiedade, alguns es- der. Acompanham-na o abatimento, a a criança inicia a enunciação de fra-
tímulos ameaçadores são tipicamente animação decorrente do aumento de
tristeza e uma sombria perspectiva de s e s mais longas.
imaginários, irreais, sem nenhuma poder no indivíduo. São correlatos
futuro. Neste estado, a vida se ex-
existência concreta. prime dentro de um contexto restrito deste estado a alegria e o prazer. Inibição: ocorre quando uma força psí-
e limitado. Empatia: estado emocional no qual al- quica ou emocional maior freia outra
Atitudes: tendências para responder po- guém s e n t e a mesma coisa que ou- ou evita s e u s modos de expressão.
sitiva ou negativamente a certos obje- Destrutividade: é uma força que se ins- trem, havendo certa comunhão de or- É a interrupção parcial ou completa
tivos, p e s s o a s e situações. São predis- tala no indivíduo como resultado de dem mental e emocional. É uma ca- de uma atividade mental ou psíquica
posições de natureza emocional diante t e n s õ e s internas. Essa força se volta pacidade de sentir o que outra pessoa por interferência de outra.
de coisas, p e s s o a s ou idéias. Alqumas contra o próprio indivíduo, servindo está sentindo ou pensar o que outm Insight (discernimento): percepção rá-
vezes, alguém pode ser impelido a como agente de auto-destruição, de está pensando. Para a Psicanálise, pida de relações diversas, que per-
realizar certo comportamento contrário modo lento e indireto ou, algumas significa projeção objetiva de uma si- mitem descobrir a solução para um
às suas atitudes e opiniões, mediante tuação emocional em algo externo. (V. problema. É uma atividade tipicamen-
vezes, como no suicídio, de maneira
alguma recompensa ou a fim de man- te inteligente.
frontal e fulminante. A destrutividade Simpatia.)

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Q.I. (quociente de inteligência): é um Temperamento: conjunto de qualidades
Instabilidade emocional: refere-se a mu- concentrada em outra coisa. É unia individuais de natureza afetiva que
dança de e s t a d o s emocionais com índice numérico usado para quanti-
forma de r e g r e s s ã o ou retorno à fase ficar a inteligência. Para medir a in- abrangem: reação, estímulos mais ou
grande freqüência. O indivíduo passa oral. menos rápidos, emocionalidade, flu-
do estado de excitação para o de ini- teligência divide-se a idade mental da
Operações lógico-concretas: atividade criança, apurada segundo os t e s t e s , tuações de humor, predisposição à
bição, do estado de elação para o de ação etc.
mental orientada de acordo com a por sua idade cronológica e multipli-
depressão, dificultando, assim, as ex- Desde Hipócrates (400 a.C.) até hoje
pectativas das outras p e s s o a s a seu lógica, mas operando melhor com da- ca-se e s s e quociente por 100 para
dos e elementos concretos da vida e eliminar os decimais. Se uma criança se fizeram as mais variadas classifi-
respeito.
da realidade externa. É uma espécie de quatro anos de idade tiver uma cações do temperamento. Hipócrates
Introversão: qualidade da personalidade de ensaio e erro no qual as manipu- idade mental de cinco, o seu Q.I. será classifica-o em: colérico, «melancólico,
voltada para dentro de si. Opõe-se à lações mentais substituem as ações 125 e poderá prever-se que sua idade fleumático e sangüíneo. Segundo René
extroversão. O termo introvertido é e os comportamentos externos. mental continuará cerca de um quarto Le Senne, existem três características
usado para designar aquelas p e s s o a s Pensamento mágico-simbólico: é o pro- acima de sua idade real. fundamentais do psiquismo que de-
que vivem dentro do seu subjetivismo c e s s o mental dominado por fantasias terminam os vários temperamentos.
Simpatia: deriva-se do grego sym = com
e que dão, no t e s t e de Rorschach, um mas que, apesar disso, se referem a Estes elementos fundamentais são:
e pathein = sofrer. É sentir com al-
número excessivo de respostas em realidades externas. Simbólico signi- emotividade, atividade, ressonância,
guém o que ele s e n t e . É a capacidade
termos de movimentos, ante os bor- fica esta referência a p e s s o a s e ob- isto é, prontidão com que os diversos
de exteriorizar afeto e valor para com
rões padronizados. jetos externos; mágico é a natureza acontecimentos repercutem na cons-
as p e s s o a s . O contrário da simpatia,
A palavra deriva do latim intro = pa- fantástica d e s t e pensamento que cons- ciência. Em algumas p e s s o a s , a res-
a antipatia, surge do fato de a pessoa
ra dentro e vertere = voltar-se. Há trói o imaginário infantil ou psicótico. sonância é imediata e rápida, enquan-
exteriorizar para com outra sentimen-
muitas classificações tipológicas da to em outras a reação se faz em
Personalidade: é uma organização mais tos negativos, de pouco valor. Jennings
personalidade baseadas nesta dico- segundo plano.
ou menos estável das várias dimen- mostrou que as crianças consideradas
tomia. Freud constatou certa relação De acordo com e s t e s t r ê s elementos
s õ e s de que se compõe a pessoa: simpáticas eram aquelas capazes de
entre tendências esquizóides e intro- fundamentais, René Le Senne esta-
dimensão física, temperamento, cará- mostrar que gostavam d a s outras pes-
versão. O grau de introversão varia belece os seguintes t e m p e r a m e n t o s :
ter, dimensão subjetiva, inteligência soas.
muito nas p e s s o a s . Freud usa o ter- etc. A organização d e s t a s dimensões,
mo para designar o estado da cons- numa pessoa, não forma uma estru-
ciência que, já não podendo tirar sa- tura inexpugnável. Muito pelo con-
tisfação imediata da realidade obje- trário, sofre contínuos a t a q u e s e, por
tiva, gratifica-se com a elaboração de isso, para se defender, a consciência
outro tipo de subjetividade. se arma de mecanismos de ajusta- Fórmula Nomes
Maturação: designa a série de transfor-
Composição
mento.
mações morfológicas, funcionais e de Nervosos
comportamento que vão chegando à Psicodélico (em inglês, psychodelic): Emotivos, não-ativos, primários EnAP
sua plenitude em cada fase. A matu- trata-se de um neologismo formado Emotivos, não-ativos, secundários EnAS Sentimentais
ridade pode ser antecipada ou retar- do grego psyqué = alma, mente e Coléricos
delein = destruir, abalar. Significa um Emotivos, ativos, primários EAP
dada. Tudo depende da preparação an-
terior. estado mental caracterizado por per- Emotivos, ativos, secundários EAS Apaixonados
cepções sensíveis de intensa vibra- Não-emotivos, ativos, primários nEAP Sangüíneos
Modelo: é a estrutura cognitiva (na ção e variedade, levando a consciên-
área do conhecimento) formada por cia a profundos momentos de prazer, Não-emotivos, ativos, secundários nEAS Fleumáticos
pontos ou elementos que vão sendo a t r a n s e s estéticos e impulso criativo. Não-emotivos, não-ativos, primários nEnAP Amorfos
tirados do real e colocados no plano Tenta-se chegar a e s t e e s t a d o por
teórico, até chegar-se a uma teoria Não-emotivos, não-ativos, secundários nEnAS Apáticos
meio de efeitos externos de fortís-
consistente. simo jogo de elementos perceptivos
Motivação: é um processo de ativação e sensitivos especiais, como através
de um organismo, iniciado por uma de drogas que levam a consciência a
necessidade e que tem por alvo um e s t e estado especial de t r a n s e ou
objetivo que vem satisfazê-la. "viagem" como o chamam. Por meio
Motivo: é tudo aquilo que leva o indi- d e s t e estado, pretende-se uma fuga
víduo à ação. do quotidiano quando ele se apre-
senta banal e contraditório.
Neurose: desordem parcial, de natureza
psíquica, que perturba a organização Psicose: insanidade mental, permanente
da personalidade sem desintegrá-la. ou periódica, que age como desinte-
(V. Psicose). gradora da personalidade. Revela-se
tanto pela desorganização do pensa-
Onlcofagia (hábito de roer unhas): é a mento como pelo comportamento to-
forma de exprimir t e n s õ e s contidas talmente desajustado às circunstân-
ou recalcadas, manifestando-se de pre- cias. Por isso, o psicótico não pode
ferência quando a atenção se acha viver com as p e s s o a s normais.
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