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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

Escola de Design
Mestrado em Design Estratégico
Sociedade de Consumo

Gabriel Kauffmann Schüler


Celso Scaletsky

O significado no mundo dos bens e a visão do design estratégico

Porto Alegre
2010
O significado no mundo dos bens e a visão do design estratégico

Resumo

Este artigo apresenta uma visão da sociedade contemporânea através do significado no


mundo dos bens e a formação de tribos por meio do consumo como identidade. A partir
disso são estabelecidas as características do design do ponto de vista teórico do design
estratégico do Politécnico de Milão.

Palavras chave: Sociedade de consumo, significação, identidade, design estratégico.

Introdução

Entende-se que a sociedade de consumo se utiliza dos bens como forma de auto-inserir
significações e desta forma carregar uma identidade para que o ambiente social possa
entender seus valores. Estes bens são projetados por designers e resultam em objetos
que possuem mais do que funções, são carregados de significações. Mas quais são as
características intrínsecas ao design que apóiam o processo de desenvolvimento destes
objetos?

Este artigo tem por objetivo explorar o significado no mundo dos bens como formador
de identidade. A partir deste pressuposto será abordado também o tema identidade em
relação à formação de tribos para tornar mais abrangente a relação entre os bens de
consumo e o indivíduo. Neste contexto vamos associar o papel do designer como
projetista de bens de consumo através do design estratégico, linha teórica proveniente
do politécnico de Milão. Por fim pretende-se entender como as características do design
e do designer se inserem no contexto de sociedade de consumo.

Sociedade de consumo

Uma sociedade baseada na produção e troca de bens de consumo se estabeleceu e com


ela diversas questões a respeito de como vivemos nesta sociedade. Baudrillard (2007)
coloca algumas premissas da sociedade de consumo. Segundo o autor a lógica social do
consumo se constitui a partir de dois processos, como processo de significação e de
comunicação e como processo de classificação e de diferenciação social. Quanto à
significação, os bens equivalem-se a uma linguagem em um sistema de permuta. Em
relação à classificação, os bens servem como definição do indivíduo enquanto
participante de um grupo, nas palavras do autor, como uma forma de estatuto definindo
quem se enquadra em um ou em outro grupo.

A ênfase na significação dos objetos nesta sociedade de consumo sobrepõe-se em


relação a sua função prática como o autor coloca:

“Todos são iguais perante os objetos enquanto valor de uso, mas


não diante dos objectos enquanto signos de diferenças, que se
encontram profundamente hierarquizados.”
Baudrillard 2007, pág. 91

De acordo com o autor a estrutura do consumo e a linguagem já estão estabelecidas e os


objetos nesta sociedade se tornam signos e são consumidos como tal. O autor enfatiza o
papel do indivíduo como consumidor e é a parti deste consumo que a classificação
social também se estabelece. O consumo faz isso por meio do consumo de
significações, ou seja, um indivíduo pode ser “lido” através das significações dos seus
hábitos de consumo e esta leitura o classifica socialmente. (BAUDRILLARD, 2007)

McCraken (2003) coloca que tem-se o entendimento por parte de diversos acadêmicos
das ciências sociais, a exemplo de Baudrillard (1968) e Douglas e Ishewood (1978), de
que a sociedade, comunidades e seus indivíduos, se utilizam dos objetos de consumos
como expressão de status. O autor acrescenta a estes estudos a noção de que o
significado no mundo dos bens transita entre algumas esferas entre a produção e o
consumo. Entende-se que o significado inicia no Mundo culturalmente constituído passa
ao bem de consumo e por fim ao consumidor individual. Na transição entre uma e outra
se faz a transferência do significado. Com esta abrangência, o autor coloca três áreas
bem delimitadas para constituir uma lógica de entendimento do significado no mundo
dos bens. Estas transições são, do mundo para o bem e do bem para o indivíduo.
Figura 1 – Movimento de Significado (McCracken, 2003, pág 100)

O local original dos significados é então o mundo culturalmente constituído através dos
pressupostos e crenças da cultura referida. A partir disso, o significado se transfere do
mundo para o bem de consumo pela publicidade e o sistema moda. Dos bens ao
indivíduo o significado se transfere através de rituais de troca, de posse, de arrumação e
de despojamento. (MCCRAKEN, 2003)

Desta forma temos uma série de locais onde a significação se insere. A partir desta
óptica podemos entender que o design, enquanto produtor de bens de consumo que
possuem significações, deve enxergar estes locais e fazer sua leitura de acordo com as
necessidades de projeto uma vez que se entende que todos os bens possuem
significações, e, segundo MCCraken, outras instancias também.

Colocadas estas premissas podemos exploraremos o consumo como forma de definição


de uma identidade através da significação inerente aos bens. Tema este que é mais
profundamente explorado através do entendimento da lógica das tribos.

As tribos são formadas e reguladas de acordo com valores compartilhados. Estes valores
se explicitam através das significações, onde incluem-se os bens de consumo. COVA,
KOZINETS e SHANKAR (2007) colocam que a regulação interna destas tribos, a
forma com que se define quem pertence e quem não pertence a ela, é baseada em
percepções, sentimentos e emoções. Uma forma diferente de organização e
agrupamento.

As tribos se constituem a partir do rompimento dos valores familiares, criando novos


grupos de pertencimento e servindo de refúgio aos seus membros. Estes grupos criam
identidades próprias e seus pertencentes tomam a opinião do grupo como sua em um
modelo quase ‘religioso’, e neste contexto a própria tribo delimita quais as normas de
pertencimento a esta tribo. Desta forma se criam agrupamentos de estilo de vida, de
cultura e identidade própria. Ao mesmo tempo estas tribos são consumidoras de artigos
de identidade, onde se incluem os bens de consumo carregados de significações.
(MAFFESOLI, 2002) (COVA, KOZINETS, SHANKAR, 2007)

Por fim ficam estabelecidas algumas das características da sociedade de consumo, uma
sociedade que se utiliza do consumo como ferramenta de intercomunicação social de
identidade onde os bens carregam significações retiradas do mundo culturalmente
constituído para agregá-las ao indivíduo consumidor. Estas significações apóiam a
formação de tribos que são agrupamentos de indivíduos com valores compartilhados
que se utilizam de bens de consumo e outras formas de consumo de cultura para
representar sua identidade e valores à sociedade.

Dado o contexto, o designer como projetista de bens de consumo, se depara com a


responsabilidade de oferecer à sociedade bens de consumo que possam ser utilizados
como expressão de identidade. Este tema será abordado a partir do design estratégico
proveniente do Politécnico de Milão onde valoriza-se a significação do processo de
desenvolvimento de novos produtos.

Significados e design estratégico

Verganti traz o conceito de design driven inovation ou inovação orientada pelo design
que segundo o autor é uma forma de inovar através dos significados dos produtos.
Tendo a premissa de que a inovação radical de função é menos freqüente e mais difícil
de ser alcançada, o autor coloca a inovação radical de significado como uma área de
oportunidade onde as empresas podem inovar mais frequentemente. (VERGANTI,
2008)

Outra característica desta forma de inovar segundo o autor é sua não centralidade no
usuário. Uma vez que a inovação radical de significado precisa ser baseada em visões
de um possível futuro de acordo com a perspectiva da empresa, se espera do usuário
pouca contribuição ao desenvolvimento de novos produtos neste sentido. O que torna o
papel do designer, ou da equipe de design, como visionário e valoriza a leitura do
contexto sócio cultural através destes profissionais.

Enquanto a funcionalidade de um produto satisfaz uma esfera utilitária das necessidades


do usuário, o significado trabalha no contexto sociocultural deste mesmo usuário. O
significado dos bens são um composto de símbolos, ícones e signos que se encaixam
conferem aos produtos uma determinada linguagem. Esta linguagem é o seu teor de
significado frente a funcionalidade de um objeto.

Este tipo particular de inovação oferece uma perspectiva interessante do


desenvolvimento de novos produtos e serviços na sociedade contemporânea. Celaschi
(2007) discorre a respeito o comércio de mercadoria e das relações interpessoais:

“Nesse delicado fenômeno de comércio, no entanto, participam


também muitas questões centrais que consideram a nossa relação
conosco mesmos, com os outros, com a nossa origem, com a
nossa história, com o ambiente, etc.; o comércio no mercado o
considera enquanto sistema das condições econômicas, mas
sobretudo porque é uma estrutura na qual exprime a cultura
contemporânea. E as mercadorias contemporâneas constituem a
essência filtrada dessa cultura.”
Celaschi, 2007 pg item 1.1

Papel do designer

O design estratégico coloca algumas capacidades do design que o fazem interessante ao


desenvolvimento estratégico de uma empresa. São elas: a capacidade de ver, a
capacidade de prever e a capacidade de fazer ver. (ZURLO, 2010)

Em relação a primeira, a capacidade de ver, é o entendimento do designer em relação ao


contexto como uma competência técnica. Também na forma como entender
informações não expressas pelos contextos e indivíduos observados e levando em conta
todos os stakeholders. Desta forma o projetista, ou designer poderá selecionar quais as
informações mais relevantes a um determinado objetivo, e disso depende sua própria
vivência e prática na leitura do ambiente sociocultural.

Explorando o significado no mundo dos bens, podemos enxergar esta capacidade de ver
como o entendimento das linguagens com as quais as pessoas se utilizam para se
comunicar umas com as outras, ou consigo mesmas, através do consumo de bens. O
designer expressa e oferece ao mundo bens de consumo com determinadas linguagens
com as quais as pessoas se utilizarão para adicionar significação a si mesmas. A
capacidade do designer de entender a sociedade contemporânea se faz importante para
que o resultado do processo de projeto seja uma mercadoria contemporânea, que oferece
além de sua funcionalidade, uma linguagem e significação relevante ao público
determinado.

Restringindo-nos aos públicos, retomamos a idéia de identidades de grupos e a


formação de tribos. Estas, que criam culturas e identidades e com isso linguagens e
significações são objeto de estudo durante o desenvolvimento de produtos ou serviços
que se direcionem a estes. Neste sentido fica mais aparente a linguagem que deverá ser
‘vista’ e entendida pelo designer nesta amostra da sociedade.

Por capacidade de prever entende-se por uma característica visionária de, a partir dos
dados coletados através da capacidade de ver, interpretar criativamente e projetar visões
de futuro. Desta forma criam-se possibilidades e idéias em uma dimensão estratégica
para a empresa. Esta capacidade parte da leitura de um ambiente complexo sintetizado a
partir da leitura do designer ou da equipe de design. Tal capacidade de projetar o futuro
e imaginar quais os caminhos possíveis a um determinado contexto atual oferece às
organizações uma forma de imaginar como será o contexto futuro em que atuarão. Estas
previsões levam em conta a base formada a partir da observação para entender um
possível futuro. (ZURLO, 2010)

Podemos interpretar esta segunda característica, a de prever, como uma possível


capacidade de projetar novas formas de significação e com isso novas linguagens.
Através do conhecimento adquirido com a capacidade de ver, o designer já com o
entendimento da linguagem utilizada por um determinado público ou determinada tribo
poderá propor suas interpretações em forma de produtos ou serviços. Desta forma
oferecendo à sociedade novas ferramentas com as quais esta sociedade se comunicará.

Por fim a capacidade de fazer ver, que se entende por materializar as idéias de forma
que o diálogo estratégico e a tomada de decisão dentro da organização sejam facilitados.
As formas de fazer ver variam entre imagens metafóricas ou Concepts e protótipos
físicos no caso de produtos. Já os serviços e experiências são expressos através de
storyboards ou blueprints por exemplo.

Esta última capacidade, segundo o autor é a que melhor apóia o agir estratégico das
organizações pois viabiliza a visualização dos caminhos possíveis desta. Desta forma
facilitando a tomada de decisão. (ZURLO, 2010)

Este fazer ver toma uma dimensão importante no que tange à linguagem e ao
significado dos produtos, serviços e experiências. O protótipo de um produto pode ser
facilmente entendido quando demonstrada sua funcionalidade, porém o significado de
um bem depende do entendimento da linguagem proposta, dos signos inerentes ao
visual deste. A capacidade de fazer ver do designer poderá então tornar visível e
entendível a linguagem e as significações inerentes ao resultados do processo de
projeto.

Conclusão

A constatação da forma como a sociedade de consumo se utiliza dos bens, como


ferramenta de identidade, peça para vestir significações e a partir destas transmitir ao
mundo a quem se é, estabelece uma ambiente onde o valor dos produtos vai muito além
do seu uso como ferramenta de uma função prática.

Desta forma um objeto que exerce uma determinada função poderá ter em si
significações diferentes de acordo com a linguagem visual que utiliza para transmiti-las.
Ou seja, uma luminária que exerce a função de iluminar, varia sua forma e com isso as
suas significações. Esta possibilidade abre espaço que os produtos sejam atualizados
com a mesma freqüência com que as linguagens na sociedade.

Estes bens que são utilizados como ferramentas de identidade são projetados a partir das
disciplinas do design. E para tanto o design demonstra características pertinentes ao
desenvolvimento de produtos carregados de significações. Estas características,
exploradas através do design estratégico, de ver, prever e fazer ver, são imprescindíveis
na produção de produtos que possuam a significação como objetivo.

A capacidade de ver do design traz a leitura do contexto social e o entendimento das


linguagens utilizadas. A capacidade de Prever faz com que a disciplina do design possa
ser o catalisador de novas formas de significação e novos artigos de linguagem. A
efetivação disso tudo depende da capacidade de fazer ver, ou seja, contextualizar o
cliente produtor de bens de consumo com a linguagem e as significações destinadas a
um determinado público alvo.
Bibliografia

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2007.

CELASCHI, F. Dentro al progetto: appunti di merceologia contenporanea, in: Celaschi,


F.; Deserti A. Design e innovazione: strumenti e pratiche per la ricerca applicata.
Carocci, Roma, 2007.

COVA, Bernard; KOZINETS, Robert & SHANKAR, Avi. Consumer tribes. BH –


Elsevier, 2007

DOUGLAS, Mary & ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens. Rio de Janeiro: UFRJ,
2006.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade.11 ed. Rio de Janeiro: DP&A,


2006.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002.

McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

VERGANTI, Roberto. Design Driven Innovation: Changing the Rules of Competition


by Radically Innovating What Things Mean. Harvard Business Press. 2009.

ZURLO, F. Design Strategico, in AA. VV., Gli spazi e le arti, Volume IV, Opera XXI
Secolo, Editore Enciclopedia Treccani, Roma, 2010.

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