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Análise da Conversação

Ângela Paiva Dionísio

Discente: Raquel Wohnrath Arroyo


Disciplina: Teoria da Linguagem
Docente: Prof. Dr. Roberto Gomes Camacho
 Definição de linguagem para os estudos na área da interação
verbal (Clark, 1996; Marcuschi, 1998a) – é uma ação conjunta dos
usuários da língua.

1980 – publicação no Brasil do primeiro livro nessa área: Análise da


Conversação (Luis Antônio Marcuschi). Segundo esse autor, “ela é
o exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano
em suas relações interpessoais, tornando-se assim um dos
melhores testes para a organização e funcionamento da cognição
na complexa atividade da comunicação humana. Neste contexto a
língua é um dos tantos investimentos, mas não o único, o que
permite uma análise de múltiplos fenômenos em seu
entrecruzamento”. (p. 70)
Análise da Conversação – origem:
década de 60
 Estudos sociológicos, mais especificamente,
etnometodológicos com trabalhos de Garfinkel, Sacks,
Schegloff e Gail Jefferson – investigação sobre “como
conversamos”;
 Linguistas da Análise da Conversação –
questionamentos sobre “como a linguagem é
estruturada para favorecer a comunicação”.
Reconhecem a conversação como objeto de reflexão
sobre língua para a construção da vida social. (Eggins &
Slade, 1997)
Hilgert (1997) – níveis de enfoque da
estrutura conversacional
 Macronível – estudo das fases da conversação:
abertura, fechamento e parte central, temas e subtemas;
 Nível médio – estudo dos turnos, atos de fala e os
marcadores discursivos*;
 Micronível – análise dos elementos internos do ato de
fala (estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódia)
Justificativa dos estudos da
conversação
 Prática mais comum entre os seres humanos;
 Desempenha papel privilegiado na construção de
identidades sociais e relações interpessoais;
 Exige coordenação de ações além da habilidade
linguística dos falantes;
 Permite a abordagem de questões que envolvem “a
sistematicidade da língua presente em seu uso e a
construção das teorias para enfrentar tais questões.” (p.
71)
Tópico discursivo
 Apesar de sua definição constar como atividade com
correspondência de objetivos entre os sujeitos, analistas
encontram dificuldades para a delimitação desse
conceito, tendo em vista, segundo Jubran, “o caráter
vago e amplo do significado de assunto, e do
consequente grau de subjetividade que preside a própria
compreensão dessa noção; (...) e o fato de que a
associação de assunto e tema torna a explicação
circular, na medida em que o conceito tema carece,
igualmente, de uma definição precisa”. (p.71)
Noção de tópico discursivo
 Surge nas pesquisas do Grupo de Organização Textual-
Interativa do PGPF. Esse estudo refere-se a tópico
discursivo como um fragmento textual caracterizado
pela centração em um tema, com extensões variadas,
“que vão desde o âmbito do enunciado, correspondendo
aproximadamente ao conceito de período, de ponto de
vista sintático, até um âmbito mais abrangente
envolvendo porções maiores do texto”. (p. 146)
 A noção de tópico discursivo é entendida, a partir dos
estudos, como categoria analítica abstrata, com base
nas propriedades tópicas especificadas no próximo item
do discurso para recortar segmentos textuais e
descrever a organização tópica de um texto.
Propriedades básicas da organização
tópica
 enfoque pragmático da linguagem
 pesquisas do Grupo de Organização Textual-Interativa
para elaboração de uma Gramática do Português
Falado visando à formulação de categorias de estatuto
textual não previstas na descrição gramatical que
recorta a frase como unidade de análise
Centração (conteúdo)

Função representacional (natureza linguística no sentido


em que descreve a linguagem em termos das funções
que ela permite exercer)
Função interacional, que compreende os traços de:
 Concernência (relações de interdependência entre os

elementos textuais)
 Relevância (elementos focais)

 Pontualização (localização nos traços de concernência e

relevância com finalidades interacionais


Organicidade (relações de interdependência estabelecida
entre os tópicos da conversação)
 Plano hierárquico – relações de super ou subordenação
entre tópicos
 Plano linear – a organicidade é manifestada de acordo
com as articulações intertópicas em termos de
adjacência ou interposições de tópicos

Segundo Marcuschi (1998a), a estrutura tópica é um


traço fundamental para “definir os processos de
entrosamento e colaboração entre os falantes na
determinação dos núcleos comuns, e para demonstrar a
forma dinâmica pela qual a conversação se estrutura.”
A linearidade na organização tópica

1. Continuidade
2. Descontinuidade
 Por ruptura tópica – introdução de um tópico que não
chega a se desenvolver porque um dos interlocutores
muda logo o foco para um outro tópico;
 Por cisão de tópico – (inserção e alternância);
 Por expansão tópica;
 Por transição, superposição e movimento de tópicos.
Conversação natural ou espontânea
 Atividade co-produtiva construída a cada intervenção

dos interlocutores em um contexto e uso determinado


pela prática social, no mesmo eixo temporal (localmente
planejada, mas construída no momento da interação);
 Varia em graus de maior ou menor formalidade,

dependendo do contexto situacional


Conversação artificial – planejamento discursivo
previamente elaborado
Exemplos
 (1)
 Josué: Eu vou sozinho.
 Dora: Eu já disse que eu vou com você.
 Josué: Eu não quero ir com você.
 Dora: E por quê?
 Josué: Porque eu não gosto de você.
 Dora (aflita): E por quê?
 (fonte: Central do Brasil, 1998, PP.44-45)
 (2)
 Contexto: Três alunos (duas mulheres – M33 e M34 e um homem – H28) do curso de
Letras conversando em uma sala, esperando a aula começar. Sabem da gravação.
 01 H28 bora gente...tenho aula...( ) daqui a ( ) minutos
 02 M33 sinceramente...se fosse se fosse uma oculta era muito melhor
 03 H28 não...isso é besteira...o papo rola...a gente já falou aqui quem
 04 é feminista...[M.H.
 05 M34 [M.H...é ((rindo))
 06 H28 é você
 07 M34 não tem nada a ver
 08 H28 [do-minadora
 09 M34 [dominadora não...é o seguinte...eu acho que...é um assunto
 10 que não se entra em discussão porque são direitos iguais e
 11 acabou-se se...então não tem o que discutir...
 12 H28 mas...mas eu noto assim
 13 M33 [[mas eu garanto que muita coisa
 14 H28 [[eu acho eu acho é a autoridade
 15 M33 você você você é a favor do do machismo
 16 por isso eu digo por isso eu digo que eu sou meio feminista
 17 H28 você é uma feminista machista
 18 M34 isso não existe
 19 H28 é...existe...[você ( ) do homem...
 20 M33 [pera aí...você acha...pera aí...pera aí
 21 H28 você acha machismo do homem...mas você é assim...veja
 22 bem...você acha assim o machismo do homem...mas você tem que analisar
 23 assim a mulher pode ser machista pelo lado dela [tá entendendo?
 24 M34 [lógico...admito
 25 ser que a mulher pode machista só que eu tô querendo dizer é o
 26 seguinte que [eu não sou feminista
 27 M33 [mas ela é contra a mulher machista...sabia?
 28 M34 eu sou a favor de direitos iguais...com isso eu não to querendo
 29 é dizer que...é: o homem num deva...num possa ser cavalheiro [porque...
 30 M33 [mas
 31 M34 isso aí ele ta deixando...tá...não...
 32 M33 isso faz parte do machismo...
 33 M34 o cavalheirismo num faz parte do machismo
 (Fonte: Projeto Linguagem da Mulher, UFPE, 1989)
Objeto de estudo da A.C. – a conversação natural, produzida
em situação natural, variando em graus de formalidade

 Pressupõe, portanto, o uso e a prática social da língua.

Ao abordar as diferenças entre a fala e a escrita,


Marcuschi (1995) afirma que elas acontecem em um
continuum tipológico de situações concretas de práticas
sociais e não em dicotomia de dois polos opostos.

Obs - Em uma análise dicotômica estrita, fala e escrita


são divididas em dois blocos distintos, visando a uma
análise voltada para a observação da língua como
sistema de regra, desvinculada do discurso e da
produção textual em situações concretas de uso.
Corpus
 Comprovação de análises a partir de observação e transcrição de
gravações ou filmagens das conversações
 Normas de transcrição – orientação do Projeto NURC (Projeto de Estudo
Coordenado da Norma Urbana Linguística Culta)
 A Análise da Conversação estuda materiais empíricos, orais, contextuais,
considerando expressões faciais, entonação, hesitações, repetições, para a
construção do sentido do enunciado linguístico no processo de interação
face-a-face. Ou seja, são analisados os aspectos verbal e não-verbal que
ocorrem na prática da conversação.
 Alguns exemplos de marcas para transcrição:
 ... Pausas
 : :: ::: alongamentos
 [[ simultaneidade de vozes
 Maiúsculas – ênfase
 ( ) – ininteligível
 [ superposição de vozes
Exemplos

(3)
566 H03 é...o tempo num dá...pá chegá...melhorô
567 muito...aqui ta melhorado muito...
568 num tem nem compara...eu saí daí uma
época...eu era garoto assim...assim
570 ((aponta pra uma menina com
aproximadamente 8 anos)) ( ) uns dei zano...
 (2)
 Contexto: Três alunos (duas mulheres – M33 e M34 e um homem – H28) do curso de Letras conversando em uma sala, esperando a aula começar. Sabem da gravação.
 01 H28 bora gente...tenho aula...( ) daqui a ( ) minutos
 02 M33 sinceramente...se fosse se fosse uma oculta era muito melhor
 03 H28 não...isso é besteira...o papo rola...a gente já falou aqui quem
 04 é feminista...[M.H.
 05 M34 [M.H...é ((rindo))
 06 H28 é você
 07 M34 não tem nada a ver
 08 H28 [do-minadora
 09 M34 [dominadora não...é o seguinte...eu acho que...é um assunto
 10 que não se entra em discussão porque são direitos iguais e
 11 acabou-se se...então não tem o que discutir...
 12 H28 mas...mas eu noto assim
 13 M33 [[mas eu garanto que muita coisa
 14 H28 [[eu acho eu acho é a autoridade
 15 M33 você você você é a favor do do machismo
 16 por isso eu digo por isso eu digo que eu sou meio feminista
 17 H28 você é uma feminista machista
 18 M34 isso não existe
 19 H28 é...existe...[você ( ) do homem...
 20 M33 [pera aí...você acha...pera aí...pera aí
 21 H28 você acha machismo do homem...mas você é assim...veja
 22 bem...você acha assim o machismo do homem...mas você tem que analisar
 23 assim a mulher pode ser machista pelo lado dela [tá entendendo?
 24 M34 [lógico...admito
 25 ser que a mulher pode machista só que eu tô querendo dizer é o
 26 seguinte que [eu não sou feminista
 27 M33 [mas ela é contra a mulher machista...sabia?
 28 M34 eu sou a favor de direitos iguais...com isso eu não to querendo
 29 é dizer que...é: o homem num deva...num possa ser cavalheiro [porque...
 30 M33 [mas
 31 M34 isso aí ele ta deixando...tá...não...
 32 M33 isso faz parte do machismo...
 33 M34 o cavalheirismo num faz parte do machismo
 (Fonte: Projeto Linguagem da Mulher, UFPE, 1989)
Sistematização por Steinberg (1988) dos recursos não-
verbais normalmente usados pelos falantes em uma dada
interação:
 Paralinguagem: sons emitidos pelo aparelho fonador,
mas que não fazem parte do sistema sonoro da língua
usada (ex: sons onomatopéicos);
 Cinésicos: movimentos do corpo (gestos, postura,
expressão facial, olhar e riso);
 Proxêmica: a distância mantida entre os interlocutores;
 Tacêsica: o uso de toques durante a interação;
 Silêncio: ausência de construções linguísticas e de
recursos da paralinguagem.
Segundo Steinberg, os atos paralinguísticos e os cinésicos
desempenham funções variadas no curso da interação, e de
acordo com essas funções podem ser classificados como:
 Lexicais (não-verbal com significado próprio – “shhh”, indicando
“fique quieto”)
 Descritivos (suplementa o significado do diálogo através dos
ouvidos e dos olhos)
 Reforçadores (enfatizam o ato verbal)
 Embelezadores (movimento do corpo para realçar a fala)
 Acidentais (os que ocorrem por acaso, sem função semântica)
Os turnos, quanto ao desenvolvimento
do tópico:
 Nucleares – dão andamento ao tópico, pois exigem que
as intervenções subsequentes estejam relacionadas
com o turno anterior. Exemplos de turnos nucleares no
diálogo citado: 02, 03, 07, 08, 11, 12, 13 e 14. São
considerados nucleares porque estão dando andamento
ao tópico (comportamento de M34)
 Inseridos – produções marginais em relação ao
desenvolvimento tópico da conversa (exercem função
meramente interacional). Exemplos: 04, 05, 06, 09 e 10.
Os turnos inseridos podem ser classificados como turno
de esclarecimento, avaliação, concordância,
discordância, entre outros.
Trecho do segmento 2
01 H28 bora gente...tenho aula...( ) daqui a ( ) minutos
02 M33 sinceramente...se fosse se fosse uma oculta era muito melhor
03 H28 não...isso é besteira...o papo rola...a gente já falou aqui quem
04 é feminista...[M.H.
05 M34 [M.H...é ((rindo))
06 H28 é você
07 M34 não tem nada a ver
08 H28 [do-minadora
09 M34 [dominadora não...é o seguinte...eu acho que...é um assunto que
10 não se entra em discussão porque são direitos iguais e
11 acabou-se se...então não tem o que discutir...
12 H28 mas...mas eu noto assim
13 M33 [[mas eu garanto que uma coisa
14 H28 [[eu acho eu acho é a autoridade...
Gestão de turno
 diz respeito à troca dos falantes, através de passagem de turno e de assalto ao
turno, e à sustentação da fala.
 A troca de turno pode ser requerida pelo falante (quando este entrega o turno
de forma explícita) ou consentida (quando a entrega é implícita).

Assalto de turno
 Com deixa – acontece durante hesitações, alongamentos, entonação
descendente, pausas pelo falante que possui o turno;
 Sem deixa – intervenções bruscas, provocando sobreposições de vozes ,
desistência do turno por um dos interlocutores que deixa que o outro o assuma.

Sustentação da fala – tentativa do falante de garantir a posse do turno.


Recorre, para isso, aos marcadores discursivos, aos alongamentos, repetições
e à elevação de voz. No caso de entrevistas formais, como no NURC, o
documentador não toma o turno, pois seu papel era o de conduzir a interação,
numa relação assimétrica.
Organização das sequências na
conversação
Na terminologia de Sacks, Schegloff & Jefferson, pares adjacentes
(pergunta e resposta), ou “pares dialógicos”, compõem a unidade
fundamental da organização conversacional, podendo ter várias formas
de realização.
Urbano et al. (1993) abordam essencialmente dois tipos de perguntas:
 Fechadas (sim/não)
 Abertas (sobre algo)
Segundo Urbano, as perguntas fechadas caracterizam-se como um
enunciado, que conduz para uma resposta que a princípio, pode ser
sim ou não. Elas têm carga semântica e as respostas consistem
apenas numa confirmação ou não do que foi questionado. Verifica-se
ainda que algumas têm função meramente interacional.
As perguntas abertas contêm marcadores interrogativos que tendem a
orientar o discurso informante, quanto à autodescrição da fala. As
respostas, nesse caso, devem estar compatíveis com a circunstância
expressa no marcador.
 “Os pares dialógicos são – no aspecto semântico-
pragmático – tomados como indícios de existência de
compreensão, na medida em que a segunda parte do
par só pode ser produzida se a primeira foi, de alguma
forma, compreendida”. (Dittman, 1979, p. 10).
Exemplo 10
 01. Doc. e você? como é que você descreveria SUA fala? (p. aberta)
 02. InfH. eita... ((ri demonstrando nervosismo)) a minha voz é muito baixa
 03. Doc. sua voz é baixa? (p. fechada)
 04. InfH. é
 05. Doc. o que mais? (p. aberta)
 06. InfH. tenho uns vícios de linguagem
 07. Doc. vícios de linguagem? (p. fechada)
 08. InfH. é
 09. Doc. que vícios? (p. aberta)
 10. InfH. éh: ... deixe-me ver ...uma coisa que eu me/
 me fiscalizo muito é: concordância...fiscalizo demais
 11. Doc. por que você se fiscaliza? (p. aberta)

Marcadores Conversacionais (ou
discursivos)
 Recursos que são traços característicos da fala com
função de interação. São produzidos pelos falantes
(para sustentar o turno, reorganizar e reorientar o
discurso, corrigir-se. Ex: “Veja bem”, “Entendeu?”,
“Bom”) e pelos ouvintes (para orientar o falante quanto à
recepção, por meio de convergência, como “sim”,
“claro”, “uhrum”, e de divergência, como “peraí”, “calma”,
“não”)
Obs: os linguistas textuais preferem denominá-los
“marcadores discursivos”, pois “marcadores
conversacionais” sugerem um comprometimento
exclusivo com a língua falada.
Os interlocutores, durante a interação, podem recorrer a MCs
linguísticos (verbais e prosódicos) e paralinguísticos (não-
verbais).

Marcadores linguísticos
 Verbais: conjunto de partículas, palavras, sintagmas, expressões
estereotipadas e orações, expressões não-lexicalizadas (ahã,
uhrum, ué) – situam-se no contexto geral, pessoal ou particular
da conversação, não contribuindo com informações novas para
o desenvolvimento do tópico.
 Prosódicos: apesar de sua natureza linguística, são de caráter
não-verbal (pausas, tom de voz, ritmo, velocidade,
alongamentos de vogais, entre outros)
Grupos de MCs linguísticos:
 MCs simples: realizam-se com um só item lexical
(mas, éh, olha, aí, então, etc.)
 MCs compostos: realizam-se como sintagmas (“sim
mas”, “bom mas aí”, etc.)
 MCs oracionais: realizam-se como pequenas orações
(“eu acho que”, “sim mas me diga”, etc.)
 MCs prosódicos: realizam-se como recursos
prosódicos (entonação, pausa, hesitação, tom de voz)
e geralmente são acompanhados por algum MC
verbal.
Marcadores paralinguísticos ou não-
verbais
 Estabelecem, mantêm e regulam a interação, por meio
de risos, olhares, gestos, meneios de cabeça.
 (7)
 10 Inf. M. eu não acho que tem...não tem apenas a a mulher
normalmente
 11 é mais: mais delicada [tem sentimento
 12 Doc. [uhrum
 13 Inf. M essa coisa...não é?
 14 Doc é exato
 15 Inf. M no todo...não é?
 16 Doc sim de forma genérica
 17 Inf. M a a a mulher tem mais sensibilidade...não é?
 18 Doc uhrum
 19 Inf.M tem mais: a educação mais apurada...não é?
 20 Doc certo
 21 Inf.M e: tem mais sensibilidade pra coisas be:las en en entendeu?
Construção da compreensão do texto
falado
Segundo Marcuschi, (1998b), “admite-se, hoje, que a
compreensão, na interação verbal face-a-face, resulta
de um projeto conjunto de interlocutores em atividades
colaborativas e coordenadas de co-produção de sentido
e não de uma simples interpretação semântica de
enunciados proferidos.”
O autor ressalta ainda que colaboração não implica
concordância. À análise de interação face-a-face cabe a
identificação dos processos de compreensão, que em
caráter colaborativo, há estratégias e resoluções para
prosseguimento do tópico, sem, no entanto, ser
necessária a concordância entre os interlocutores.
A partir da análise de materiais do corpus do NURC, o autor
apresenta algumas atividades de compreensão na interação
verbal:
 Negociação – no processo de interação verbal, a

negociação é o aspecto central para a produção de


sentido
 (12)
 Contexto: A pesquisadora (p01) conversa com um dos moradores da comunidade (H05 sobre o tamanho do seu lote de
terra. Ambos estão no terreno e H05 aponta para linhas limites da terra.
 625 P01 eu sigo esse caminho: eu sigo esse pé de laranja como é que é?
 626 H05 num ta veno num ta veno é: essa Carrera de capim? ((indica algumas touceiras de
 627 capim plantadas acompanhando o trilho que leva até as duas casas acima))
 628 P01 tô
 629 H05 eu me dirijo por aqui ((indica na direção do capim)) poraqui inté ali ((indicação
 630 imprecisa)) agora chegano ali [...] agora quano chega ali já vai lá: a linha vai sê lá
 631 P01 [sim]
 632 H05 aquele pezim de pau que sobe lá pá casa do Oto fii ((apesar dele indicar
 633 H05 com um pau a direção fica impossível precisar o “pezim de pau” porque
 634 há várias árvores))
 635 P01 qual? Aquele pé lá de cima?
 636 H05 sim
 637 P01 então eu posso dizê que a linha é esse caminho? [não?
 638 H05 [é pó/ NÃO assim oxente
 639 fica meu pá cá ainda
 640 P01 ah: assim eu to dando sua terra pros outros ((sorrir))
 641 H05 é...é ((sorrir)
 642 P01 então vem por onde? Aqui por esse baxio é?
 643 H05 vocês querem i lá em: Maria agora qué?
 644 P01 bora...já ta aqui
 (Fonte: Tese Imagens na oralidade, Ângela Dionísio, UFPE, 1998)
 Construção de um foco comum – existência ou construção de
interesses comuns e referentes partilhados no processo de
interação (“sintonia referencial”) – o que nem sempre é possível
em interações face-a-face.

 Demonstração de (des)interesse e (não)partilhamento – verifica-


se que o não-partilhamento se desfaz na medida em que a
interação progride. No exemplo 13, há explicitação de falta de
interesse pelo assunto, embora denotação de entendimento.
Marcuschi (1998b) afirma que “trocas deste tipo são utilizadas
intencionalmente para produzir humor ou então construir piadas
ou chistes, pois mostram interlocutores jogando em campos
diversos, sem sintonia cognitiva”.
 (13)
 663 L1 outro dia aí então o (Fábio) contando umas
 664 histórias de um: ...de um boy barato aí né?...
 665 carro envenenadíssimo então temos que quando o cara
 666 vai acelerar assim::...ele aGArra a direção assim::
 667 pisa no acelerador:: ...e faz um movimento assim como
 668 estivesse caval/cavalgando
 669 L2 ahn ((ri))
 670 L1 e agarra a máquina [assim ((ri))
 671 L2 [queria estar num cavalo
 672 L1 por quê?...analogia...ele está cavalgando ne?
 673 É o::... o:...
 674 L2 ((ri)) o rei do oeste ahn
 675 L1 não tem oeste aqui...((ri))
 676 L2 não tudo bem:: eu entendi
 (D2-Inq. 343, PP. 33-34)

 Existência e diversidade de expectativas – em processo
de interação com pelo menos dois interlocutores, há
expectativas diversificadas e prévias, as quais estão
intimamente ligadas ao contexto, às diferentes
perspectivas que os interlocutores possuem. O falante
sempre procura estratégias para fazer com que suas
expectativas prévias ocorram, bem como fica atento à
reação do seu interlocutor.
 Marcas de atenção – dependendo da sinalização
enviada pelos interlocutores durante a construção de
uma conversação, pode-se avaliar se há boa ou má
sincronia entre eles. O uso de MCs, o uso de traços
prosódicos, gestos, expressões corporais, são marcas
que informam ao falante sobre a compreensão do que
está sendo dito e sobre o envolvimento dos
interlocutores na interação.
“Muito do que se compreende numa interação social resulta da
relação construída entre os interlocutores e da contextualização da
própria interação. Não se quer com isso descartar a importância da
linguagem verbal, mas apenas salientar que ao falarmos não nos
utilizamos apenas de uma diversidade de linguagens, mas
colocamos em conexão indivíduos, cultura e sociedade e que
gestos, expressões faciais e tons de voz são, muitas vezes, mais
informativos do que construções linguísticas, visto que a gramática
é um veículo pobre para exprimir os sutis padrões de emoção*.” (p.
95)
* Keller, M.C. & Keller
“Os limites do meu mundo são
os limites da minha
linguagem.”

(Wittingenstein)

raquel_wa@hotmail.com

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