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Cultura dos escravos contribuiu para a formação do Brasil - Candomblé: herança negra no Brasil
A partir de meados de 1500, aconteceu uma crise de mão-de-obra nas recém instaladas lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste do Brasil. Os índios, que foram
escravizados para trabalhar nos engenhos, ou eram dizimados por epidemias, ou fugiam ou resistiam à escravidão. Desse modo, os senhores de engenho se viram
obrigados a importar o que chamavam de "peças da Guiné", os seja, os escravos das colônias portuguesas no território africano.
Seqüestrados na África, cerca de 4 milhões de pessoas aqui aportaram ao longo de 300 anos, até que o tráfico internacional fosse extinto em 1850. Estima-
se que outros 4 milhões teriam morrido na travessia do Atlântico, nos porões dos navios negreiros ou assassinados pelos traficantes.
Origens do tráfico de escravos
Quando as primeiras caravelas portuguesas chegaram ao território africano, ainda no século 15, viram que os reis daquelas terras tinham escravos, uma forma de
trabalho que fora extinta na Europa medieval. Os escravos africanos, em geral, eram inimigos aprisionados nos conflitos tribais. Vislumbrando a possibilidade de
obter mão-de-obra barata para Portugal, onde faltavam braços na lavoura, os navegantes ofereceram ferramentas e armas aos reis e chefes tribais em troca de
escravos.
Os principais portos de embarque eram dos negros escravizados para Portugal e Brasil estavam nos territórios que hoje são os seguintes países: Senegal,
Benin, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Guiné, Angola e Moçambique.
Em 1482, Portugal iniciou a construção da fortaleza de São Jorge de Mina, na costa do golfo da Guiné. Outras tantas seriam construídas em diversos
pontos do litoral africano. Essas imensas construções eram centrais de negócios entre países. Com o passar dos séculos, havia fortalezas portuguesas, francesas e
inglesas ao longo de toda costa da África.
Navios chegavam com pinga, fumo de corda e búzios do Brasil. E voltavam abalroados com escravos. A política portuguesas de controle na região das
fortalezas era a mesma das colônias brasileiras: a violência pura e simples.
Chegando ao Brasil
Assim que desembarcavam no Brasil, os negros sobreviventes da travessia eram batizados e recebiam nomes católicos. Passavam a trabalhar sem descanso e, com
sorte, viviam até 10 anos após sua chegada. Tanto o trabalho nos engenhos de açúcar, quanto nas minas de ouro, era muito pesado. A sorte só era um pouco melhor
para os homens ou mulheres escolhidos para o trabalho doméstico.
Os feitores cuidavam que não se descuidassem do trabalho e também se encarregavam de aplicar os castigos. À medida que os negros foram se
integrando ao novo país, a fuga tornou-se uma possibilidade de vida livre. Nos sertões nordestino, no início do século 17, surgiram os primeiros quilombos-
acampamentos onde os negros se refugiavam. O maior deles foi o Quilombo dos Palmares, ao sul da capitania de Pernambuco, atual Alagoas, na Serra da Barriga.
Estima-se que, por volta de 1670, 20 mil pessoas viviam ali . Inicialmente liderados por Ganga-Zumba, logo conheceram a força de Zumbi, guerreiro que
militarizou o quilombo e enfrentou o governo senhorial. Contudo, em 1694, Palmares foi destruídoe quase dois anos depois Zumbi morria, traído por um companheiro.
Dia-a-dia
Em princípio, nenhum tipo de posse era permitida aos escravos. Só lhes restavam as lembranças e a memória, exercitada por meio de festividades, cantos que
marcavam o ritmo do trabalho e um culto disfarçado aos seus deuses originais. As deidades africanas passaram a ser identificadas com os santos católicos, num
fenômeno conhecido como sincretismo religioso. Assim surgiram o xangô, em Pernambuco, o candomblé, na Bahia, a umbanda, no Rio de Janeiro e no sudeste do
país.
Além da religião, porém, outros elementos culturais dos negros - em especial a música e a dança - foram ganhando terreno na evolução cultural do Brasil.
O mesmo se pode dizer a respeito da culinária e até da linguagem, pois são muitas as palavras do português que usamos cuja origem é africana. Desse modo, os
negros exerceram uma profunda influência na civilização brasileira.
Convém lembrar que os senhores brancos portugueses, e também os brasileiros, freqüentemente não resistiam aos encantos das mulheres negras, de
quem se tornavam amantes. Desse modo, a mestiçagem tornou-se uma característica marcante de nosso povo.
A abolição e o depois
A escravatura foi abolida legalmente no Brasil em 13 de maio de 1888. Entretanto, não houve a mínima preocupação em se integrarem os antigos escravos à sociedade
brasileira. Ao contrário, como a imigração de trabalhadores europeus aconteceu quase que simultaneamente ao fim da escravidão, os negros tornaram-se
marginalizados e se viram, em geral, na mesma situação de miséria anterior à sua libertação.
O preconceito racial e a desigualdade econômica com fundo racial ainda são uma realidade no Brasil. A situação tem melhoradocom o passar dos anos,
mas ainda num ritmo muito lento. São muitos e grandes os problemas que os negros enfrentam no Brasil de hoje e eles ainda estão longe de encontrar uma solução.
Os indígenas
A colonização do território brasileiro pelos europeus representou em grande parte a destruição física dos indígenas através de guerras e escravidão, tendo
sobrevivido apenas uma pequena parte das nações indígenas originais. A cultura indígena foi também parcialmente eliminada pela ação da catequese e intensa
miscigenação com outras etnias. Atualmente, apenas algumas poucas nações indígenas ainda existem e conseguem manter parte dasua cultura original.
Indígena brasileiro, representando sua rica arte plumária e de pintura corporal.
Apesar disso, a cultura e os conhecimentos dos indígenas sobre a terra foram determinantes durante a colonização, influenciando a língua, a culinária, o folclore e o
uso de objetos caseiros diversos como a rede de descanso. Um dos aspectos mais notáveis da influência indígena foi a chamada língua geral (Língua geral paulista,
Nheengatu), uma língua derivada do Tupi-Guarani com termos da língua portuguesa que serviu de lingua franca no interior do Brasil até meados do século XVIII,
principalmente nas regiões de influência paulista e na região amazônica. O português brasileiro guarda, de fato, inúmeros termos de origem indígena, especialmente
derivados do Tupi-Guarani. De maneira geral, nomes de origem indígena são frequentes na designação de animais e plantas nativos (jaguar, capivara, ipê, jacarandá,
etc), além de serem muito frequentes na toponímia por todo o território.
A influência indígena é também forte no folclore do interior brasileiro, povoado de seres fantásticos como o curupira, o saci-pererê, o boitatá e a iara, entre outros. Na
culinária brasileira, a mandioca, a erva-mate, o açaí, a jabuticaba, inúmeros pescados e outros frutos da terra, além de pratos como os pirões, entraram na alimentação
brasileira por influência indígena. Essa influência se faz mais forte em certas regiões do país, em que esses grupos conseguiram se manter mais distantes da ação
colonizadora, principalmente em porções da Região Norte do Brasil.
Os africanos
A cultura africana chegou ao Brasil com os povos escravizados trazidos da África durante o longo período em que durou o tráfico negreiro transatlântico. A
diversidade cultural da África refletiu-se na diversidade dos escravos, pertencentes a diversas etnias que falavam idiomas diferentes e trouxeram tradições distintas.
Os africanos trazidos ao Brasil incluíram bantos, nagôs e jejes, cujas crenças religiosas deram origem às religiões afro-brasileiras, e os hauçás e malês, de religião
islâmica e alfabetizados em árabe. Assim como a indígena, a cultura africana foi geralmente suprimida pelos colonizadores. Na colônia, os escravos aprendiam o
português, eram batizados com nomes portugueses e obrigados a se converter ao catolicismo.
Os africanos contribuíram para a cultura brasileira em uma enormidade de aspectos: dança, música, religião, culinária e idioma. Essa influência se faz notar em grande
parte do país; em certos estados como Bahia, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul a cultura afro-brasileira é
particularmente destacada em virtude da migração dos escravos.
Os bantos, nagôs e jejes no Brasil colonial criaram o candomblé, religião afro-brasileira baseada no culto aos orixáspraticada atualmente em todo o território.
Largamente distribuída também é a umbanda, uma religião sincrética que mistura elementos africanos com o catolicismo e o espiritismo, incluindo a associação de
santos católicos com os orixás.
A influência da cultura africana é também evidente na culinária regional, especialmente na Bahia, onde foi introduzido odendezeiro, uma palmeira africana da qual se
extrai o azeite-de-dendê. Este azeite é utilizado em vários pratos de influência africana como o vatapá, o caruru e o acarajé.
Na música a cultura africana contribuiu com os ritmos que são a base de boa parte da música popular brasileira. Gêneros musicais coloniais de influência africana,
como o lundu, terminaram dando origem à base rítmica do maxixe, samba, choro, bossa-nova e outros gêneros musicais atuais. Também há alguns instrumentos
musicais brasileiros, como o berimbau, o afoxé e o agogô, que são de origem africana. O berimbau é o instrumento utilizado para criar o ritmo que acompanha os
passos da capoeira, mistura de dança e arte marcial criada pelos escravos no Brasil colônial.
História, antropologia e a cultura afro-americana: o legado da escravidão
RECENTE edição no Brasil do livro de Sidney Mintz e Richard Price,O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica, publicado
originalmente em inglês em 1976, é uma boa oportunidade para se efetuar um balanço suscinto das discussões sobre o papel da história e antropologia no estudo das
culturas afro-americanas.
A verdade inescapável no estudo da Afro-América é a humanidade dos oprimidos e a desumanidade dos sistemas que os oprimiram. Mas nem todos os sistemas
escravagistas oprimiram igualmente todos os escravos, e nem todos os escravos lidaram damesma maneira com sua opressão1.
COM ESSAS PALAVRAS Sidney Mintz e Richard Pricefecharam seu livro O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica, recém-lançado no
Brasil. Mintz e Price são dois renomados antropológos norte-americanos, especialistas respectivamente no estudo das sociedades do Caribe e do Suriname, cuja
produção teve e ainda tem grande repercussão nas pesquisas sobre a escravidão e as culturas negras nas Américas. Alguns dos pressupostos centrais do livro foram
bem salientados na passagem acima: a necessidade da compreensão integrada da história da América e da África, a importância da comparação entre os diferentes
sistemas escravistas do Novo Mundo, o papel dos escravos como sujeitos históricos para a conformação dos sistemas em que viviam. Esses pressupostos, por sua
vez, tinham um objetivo preciso: dialogando com uma longa vertente de estudos sobre a cultura afro-americana, Mintz e Price pretendiam discutir criticamente as
teses sobre as culturas escravas nas Américas que as concebiam como totalmente "aculturadas" ou estritamente "africanas".
De fato, quando saiu a primeira edição do livro em 1976 (baseada em uma conferência que Mintz e Price proferiram em 1973), osestudos sobre a questão
continuavam polarizados em posições marcadamente distintas. Por um lado, havia os que adotavam a "tese da catástrofe" cultural que a escravidão teria
representado para os africanos e seus descendentes nas Américas. Essa seria a história de "um longo desastre, uma crônica de horrores na qual os negros
experimentaram todas as formas concebíveis de exploração, humilhação e sofrimento nas mãos de seus opressores brancos"; de acordo com essa visão, o negro
teria sido despojado culturalmente de suas raízes africanas, e "forçado a se aculturar ao modo de vida e pensamento de seu opressor branco". Dentre os formuladores
da tese da catástrofe cultural, estavam o sociólogo norte-americano Franklin Frazier, o antropólogo francês Roger Bastide e o historiador norte-americano Stanley
Elkins. Por outro lado, os estudiosos que defendiam a "tese da sobrevivência" das formas culturais africanas no Novo Mundo postulavam a capacidade que os negros
tiveram para sobreviver à opressão branca, mantendo relativamente intactas suas expressões culturais trazidas da África. O nome mais destacado, aqui, era o do
antropólogo norte-americano Melville Herskovits2 .
Cabe salientar que toda essa produção se deu entre as décadas de 1930 e 1960. Com efeito, o debate entre Frazier e Herskovits teve início ainda nos anos de 1930, ao
passo que as principais publicações de Bastide e Elkins vieram a lume na década de 1950. A quantidade de títulos sobre o assunto, contudo, ainda era restrito. Na
década seguinte, houve um notável incremento nos estudos sobre o passado escravista nas Américas. Como há muito assinalado, o boom da historiografia sobre a
escravidão verificado a partir dos anos de 1960 foi uma resposta direta a questões sociais e políticas como a campanha pelos direitos civis nos Estados Unidos, a luta
pela independência dos países africanos ou a luta antiimperialista no Terceiro Mundo3.
Nessa virada, a tese da sobrevivência tomou a dianteira. Os pesquisadores e o movimento negro reagiram em especial às visõesmais extremadas do catastrofismo,
como a de Stanley Elkins, que negavam aos escravos e aos afro-descententes qualquer agência na construção de seu devir4. A reação, no entanto, veio muito mais da
história que da antropologia. Até fins dos anos de 1960, poucos foram os antropólogos que trataram do passado escravista dos afro-descendentes no Novo Mundo, e,
mesmo os que o fizeram ² excetuando-se os trabalhos inovadores de Herskovits ² tendiam a nivelar a trajetória do escravismo nas Américas em um passado
anistórico, encarando-o unicamente sob o prisma da continuidade em direção ao presente.
O silêncio a respeito da escravidão no campo da antropologia, sugere Igor Kopytoff, derivou do próprio caráter que esse saber adquiriu entre as décadas de 1920 e
1960. A ênfase no trabalho de campo, além de restringir o arco das sociedades que o pesquisador poderia investigar, levou a uma crescente indiferença pela história
entre os antropólogos, mesmo quando o passado da sociedade sob análise pudesse ser recomposto. Como escreve Kopytoff, "uma certa arrogância a respeito da
superioridade da percepção antropológica tornou fácil desqualificar os registros dos viajantes coevos, administradores coloniais e missionários como tendenciosos e
ingênuos"5 . Por todas essas razões, as simplificações a respeito do passado afro-americano viraram moeda corrente, e, não por acaso, alguns antropólogos
começaram a sentir, em fins dos anos de 1960, a necessidade de uma abordagem histórica substantiva para melhor compreender o presente afro-americano6.
Mas os problemas não eram exclusivos do campo da antropologia. O peso crescente da tese da sobrevivência estava conduzindo a alguns impasses interpretativos,
como o escamoteamento do impacto que a escravidão teve para a conformação da cultura afro-americana. Do mesmo modo, a escrita da história com base nos
marcos territoriais dos Estados nacionais levava os historiadores a verem a experiência afro-americana de forma isolada, não-comparativa, e a natureza das fontes
legadas pelos escravos e seus descendentes (em geral restritas à cultura material e à tradição oral) dificultava o trabalho de investigação. Portanto, o quadro geral dos
estudos sobre a cultura afro-americana no começo da década de 1970 poderia ser resumido da seguinte forma: os antropólogos davam lugar secundário à história
como ferramenta para examinar o presente afro-americano, enquanto os historiadores ² quando não comprometidos politicamente a provar a tese da sobrevivência a
qualquer custo ² sentiam a falta de um instrumental analítico adequado para avançar na questão 7.
O ensaio de Mintz e Price, redigido entre 1972 e 1973, propôs uma solução clara para o impasse, e com esse espírito foi concebido. Afinal, como esclarecem no novo
prefácio para a edição de 1992, o livro
pretendeu ser uma profissão de fé e um manual. Estávamos inquietos com algumas polarizações que vinham despontando nos estudos afro-americanos. [...] Assim,
concentramo-nos nas estratégias ou abordagens do estudo do passado afro-americano, em vez de apresentar os resultados atualizados desses estudos, na esperança
de incentivar historiadores e outros pesquisadores que estivessem ingressando nesse campo a empregarem modelos conceituais que ficassem plenamente à altura
da complexidade de seu tema8 .
No que consiste a proposta? Em primeiro lugar, a idéia de que sem o cruzamento da história com a antropologia é impossível compreender devidamente as culturas
afro-americanas. Tal cruzamento deve contemplar sobretudo os métodos desses dois campos do saber, englobando a comparação, o uso de fontes pouco exploradas
e de novas técnicas para analisá-las. Em sua conclusão, Mintz e Price deixam claro que
a postura teórica que adotamos neste ensaio é que o passado deve ser visto como a circunstância condicionadora do presente. Não cremos que o presente possa ser
"compreendido" ² no sentido de se explicarem as relações entre diferentes formas institucionais contemporâneas ² sem referência ao passado 9 .
O segundo elemento da proposta consiste em destacar o peso do escravismo para a compreensão das culturas afro-americanas, em especial o papel que os escravos
desempenharam na criação de novos valores, instituições e formas culturais. Os autores ressaltam que as condições do povoamento europeu e africano do Novo
Mundo foram profundamente distintas: afora o fato de os europeus portarem uma cultura relativamente homogênea enquanto os africanos carregaram consigo
"heranças culturais relativamente variadas", o status de ambos os grupos diferiu radicalmente. Isto, por sua vez, teve impacto decisivo na continuidade ou no
reordenamento cultural, pois "os sistemas legais, os sistemas econômicos, os sistemas de ensino, as instituições religiosas emuitas outras coisas puderam ser
estabelecidas e desenvolvidas pelos europeus através de meios que não estavam ao alcance dos escravos"10 . Sendo assim, toda a ação escrava no sentido da criação
de uma cultura própria teve que remar contra a corrente do poder escravista.
Questionando a idéia da unidade cultural da África ocidental apresentada por Herskovits, Mintz e Price defendem a hipótese de que, no nível das formas manifestas e
crenças explícitas, as culturas africanas das regiões que abasteceram o tráfico negreiro transatlântico foram marcadas por grande heterogeneidade. Os autores não
negam a existência de uma herança cultural comum aos africanos, mas afirmam que ela teria de ser observada em um outro nível, o dos "princípios gramaticais
inconscientes" e das "orientações cognitivas", e não poderia ser automaticamente associada a manifestações culturais explícitas, visto que estas estariam sempre
diretamente ligadas'às formas institucionais que as articulavam. A natureza do fluxo migratório dos africanos para a América representou enorme obstáculo para a
transposição cultural simples, pois as instituições que conferiam organicidade às diversas culturas africanas não puderam ser trazidas nos navios negreiros. Os
cativos tiveram que criá-las nas Américas por meio de sua própria agência, mas sempre com base naqueles "princípios gramaticais" mais profundos.
As constrições da escravidão devem ser levadas em conta em qualquer investigação sobre a formação da cultura afro-americana. Com efeito, a relação escravista era
profundamente assimétrica, com uma enorme concentração de poder nas mãos dos senhores. Nos primeiros tempos, dadas essas constrições, apenas alguns tipos
de instituição puderam ser desenvolvidos pelos escravos, mas ainda na travessia atlântica os africanos teriam começado a estabelecer os laços de novas redes de
sociabilidade, base para as futuras formações culturais. Progressivamente, a lógica de funcionamento do sistema de plantation e a resistência escrava aos ditames
senhoriais abriram espaço para a elaboração de uma cultura afro-americana autônoma. As instituições culturais criadas pelos escravos nos embates contra seus
donos assumiram sua forma dentro dos parâmetros do monopólio senhorial do poder, mas eram separadas das instituições senhoriais. Ademais, a heterogeneidade
cultural forçou os escravos a reinventarem seus compromissos no Novo Mundo, imprimindo às primeiras culturas afro-americanas grande dinamismo. Tratar-se-iam
de quadros culturais abertos à novidade, mas sempre informados pelas orientações cognitivas mais profundas trazidas da África.
Após a primeira edição de O nascimento da cultura afro-americana, uma parte substantiva da historiografia sobre a escravidão nas Américas valeu-se dos métodos e
das hipóteses de pesquisa apresentados por Mintz e Price, ainda que algumas de suas proposições tenham sido criticadas11 . De todo modo, trata-se de um livro que
marcou época e que mantém sua atualidade. No caso da historiografia sobre a escravidão brasileira, isso pode ser facilmente observado pela influência que exerceu
em algumas das obras mais importantes publicadas nas últimas duas décadas, e que abordaram temas variados como as expressões relig iosas e festivas dos
africanos e seus descendentes, as estruturas de parentesco, a cosmovisão e a rebeldia escravas, dentre outros12 . A publicação no Brasil desse clássico dos estudos
afro-americanos, enfim, é mais que bem-vinda.
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A Cultura Negra
Desde o século XVI, época que começou nossa colonização, o negro participou ativamente da formação da cultura brasileira com seu trabalho, suas crenças, seus
costumes, seu jeito de ser e viver.
Os negros africanos foram traficados para o Brasil como escravos. Eles vieram de diferentes regiões da África: Senegal, Guiné, Serra Leoa, Costa do Marfim, Benin
(antigo Daomé), Nigéria, Congo, Angola, Moçambique... O comércio dos negros africanos muito beneficiou os traficantes, que, na África, os trocavam por mercadorias
baratas e vendiam, no Brasil, por preços altos; os senhores de engenhos que os utilizavam como mão-de-obra escrava e a Coroa portuguesa que cobrava impostos
pelo comércio humano.
No Brasil, durante os anos que predominou o regime de trabalho escravo, os negros foram utilizados como mão-de-obra nas plantações de cana-de-açúcar, nos
trabalhos domésticos, na mineração, nas lavouras de cacau e café.
As principais culturas africanas vinda para o Brasil são: a banto e a nagô. Fixou-se na Bahia a cultura dos nagôs e no Rio de Janeiro a cultura dos bantos.
A cultura negra é marcante no Brasil. Dentre as manifestações culturais afro-brasileiras, podemos destacar o candomblé, as danças (a capoeira, samba de roda,
maculelê), os instrumentos musicais, a culinária.
Formação cultural do Brasil ou Brasileiros: Quem somos nós? Em busca da identidade nacional
Quem são os brasileiros? Quem somos nós? É sempre a mesma questão! A visão da formação do povo brasileiro escrita na Históriado Brasil começa com a
explicação de três raças: a branca, a indígena e a africana. Esta visão das três raças surge ainda no Brasil Império, no seio de pesquisadores naturalistas, e ganha a
adesão de cronistas e escritores, a exemplo de José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Alvarez de Azevedo entre outros, em meio às teorias da época que
reuniam os saberes biológicos com os sociais.
A idéia da miscigenação racial muito presente nos teóricos do século XX ainda persiste no inconsciente coletivo. O Brasil nãose esquiva de festejar datas
comemorativas de santos católicos, com uma pitada de estética afro-religiosa, assim como não deixa de festejar o carnaval na forma que mostra a cultura indígena
idealizada. Nesta festa, os ricos viram pobres e os pobres viram reis e rainhas. O patrão dança ao lado do empregado e o branco junto ao negro. Especialmente agora
que já comemoramos 500 anos de descobrimento do Brasil, lembramos das etnias que consolidaram nesta nação hospitaleira a doçura da culinária, o afago, a
amabilidade e a alegria festiva.
Mas será verdade que o Brasil vive um paraíso racial? A mitologia da brasilidade mestiça, dentre tantas outras, tentava difundir verticalmente que aqui era o paraíso
racial no qual os diversos povos conseguiam conviver, apesar das suas diferenças, pacificamente. Trataremos um pouco desse assunto neste bloco.
Liberdade racial no Brasil, o que é isto?
Segundo o dicionário Michaelis, liberdade é independência, autonomia. E o termo racial é relativo à raça. É comum o tratamento de pessoas independente de sua raça
no Brasil? Quando você passa pela rua e vem um indivíduo negro do lado contrário, você segura com mais firmeza os seus pertences? E se fosse um branco? Pois
bem, lá na escravidão o negro não tinha como se equiparar ao branco num sistema onde homem branco gozava do privilégio de seus traços físicos e culturais. Como
era de se esperar, o mundo dos escravos sempre permanecia aquém do dos seus senhores. Na tentativa de conquistar alguma regalia, muitos negros, escravizados
ou não, tentaram a negação dos traços afros, buscando assimilar o padrão físico e cultural do dominador, como uma via para obter os benefícios da Casa-Grande.
Porém, no final do século XIX e começo do XX, com a imigração maciça de europeus, a mão-de-obra negra oficialmente livre foi substituída pela dos alemães e
italianos, dentre outros brancos ou amarelos, que simbolizavam o progresso que chegava a estas terras atrasadas. E o resultado disso? O nascimento das favelas. E
de que cor é a maioria dos favelados ainda hoje
A obra atende à Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, que regulamentou a Lei Federal 10.639/03, tornando obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-
brasileira e Indígena como conteúdo básico na grade curricular no currículo escolar do ensino fundamental e médio.
Nei Lopes, reconhecido pesquisador, compositor e escritor, autor de mais de vinte livros, entre os quais Dicionário literário afro-brasileiro, O racismo explicado aos
meus filhos, Enciclopédia brasileira da diáspora africana, Bantos, Malês e identidade negra, além de infantojuvenis e romances, afirma que "a afirmação de uma
identidade negra, principalmente, a partir do resgate do verdadeiro passado da África e da real história dos africanos e descendentes no Brasil, é umatarefa de todos.
Para Lopes, "assim como sabemos que o patrimônio cultural dos negros hoje é a recriação dos valores de nossas civilizações ancestrais, compreendemos também
que essas civilizações foram caudatárias de contribuições tanto asiáticas quanto ocidentais". Nessa linha de pensamento, mas sem se furtar ao debate e à denúncia, o
livro aborda o passado africano em suas conexões com o Brasil, mostrando a resistência ao tráfico e à escravidão, não sem condenar possíveis colaboracionismos, e
revela a real dimensão de instituições até hoje incompreendidas, como a religiosidade negra e suas manifestações culturais.
As oito Unidades do livro, que vão da História da África: das civilizações e organizações pré-coloniais à Identidade brasileira: o mito da democracia racial e a defesa de
ações afirmativas, têm um glossário com os termos-chave do texto, além de atividades específicas especialmente desenvolvidas por Carmem Lúcia Campos com
sugestões de livros, filmes e sites para subsidiar o debate entre alunos e professores, estimulando a reflexão sobre os temas abordados e promovendo a fixação do
conteúdo.
História e cultura africana e afro-brasileira
Nei Lopes
Barsa Planeta
144 págs.
Consulte o preço pelo telefone (11) 3225-1900