Professional Documents
Culture Documents
Resumo: Este ensaio tem como objetivo trazer algumas reflexões acerca da possível
parceria entre músicos e pedagogos na educação básica brasileira. Com a alteração da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sente-se a necessidade também de
debater o tema entre pedagogos, saindo da educação especificamente artística na qual se
encontra. O texto inicia apresentando como referencial o conceito de infância,
dialogando com duas visões distintas: (Postman e Dorneles). Em seguida delineia-se um
breve histórico da legislação brasileira que trata da educação musical de nível básico, e
apresenta o levantamento e a análise da produção acadêmica sobre o assunto.
Finalizando, inclui-se a influência da mídia na cultura infantil, e problematiza-se com
quem fica a responsabilidade da mediação adulta e a necessidade ou não da música na
formação do pedagogo. A pesquisa fundamentou-se no modelo descritivo e explicativo,
com coleta de dados. Conclui provisoriamente, que se houver diálogo entre músicos e
pedagogos, a nova Lei Brasileira poderá fazer a música transcender as aulas específicas
e assegurar a diversidade cultural, podendo também resgatar os elementos positivos da
relação com as mídias.
1
Trabalho apresentado no XIIième Congrès de I’Association Internationale pour La recherche
interculturelle- Dialogues Interculturels: Décoloniser le Savoir et le Pouvoir. ARIC 29 juin- 3 juillet
2009.
2
Mestranda em Educação na UFSC. Linha Educação e Comunicação. Orientação: Gilka Girardello.
2
Será mesmo que “desapareceu” a infância? Quem são então esses sujeitos que
estão em nossas casas, em nossas escolas? Sabemos na prática, que as crianças modelos,
aquelas idealizadas, pré-definidas, estão desaparecendo, porém, encontramos crianças
espontâneas, criativas, questionadoras, exigentes, sem pai, sem mãe, abandonadas,
crianças-bandidas, consumidoras, hiperativas, crianças das lan-houses, das favelas, do
hip-hop, da geração Xuxa, das músicas infantis, informatizadas e sem informação, que
desafiam a todo o momento os pais, os professores e as autoridades.
O fato de esses sujeitos terem acesso a televisão, a internet, a jogos eletrônicos, a
ouvir o que dizem gostar, a se vestir conforme seu ídolo liberta-nos para delimitar a
infância e nos omitir de situações que nos fogem de controle? Para nós esses sujeitos
são com certeza crianças, diversas e diferentes.
Neste caminho, encontramos Dornelles (2005) que afirma não ser mais possível
se tratar de uma só infância, como a preconizada pela modernidade e que as infâncias
são múltiplas e inventadas como produtos sociais, fazendo parte de um mundo em que
explodem informações.
Na perspectiva da autora, existem duas formas de “escapes” do sujeito infantil
na contemporaneidade: o escape das “crianças ninjas” (as crianças que de alguma forma
escapam da proteção, da vigilância dos adultos e são distanciadas do mundo
tecnológico, do consumo e em situação de abandono) e das “crianças cyber” (as
crianças globalizadas, “incluídas” nos sistemas tecnológicos, com acesso a diferentes
meios de comunicação, entretenimento e informação).
Optamos então, por trilhar um caminho que contenha crianças vivas, inquietas,
participantes, ninjas ou cybers, mas também um caminho que contenha professores
questionadores, que estejam mais abertos, mais porosos, mais vivos e refletindo sobre o
cotidiano pedagógico.
No Brasil, a música está em pauta, e com a alteração da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, sente-se a necessidade de esta também ser debatida entre
pedagogos, saindo dos limites da educação especificamente artística na qual se
encontra.
Neste foco, encontramos na história da educação musical brasileira, que na
década de 30, ainda no governo provisório de Getulio Vargas, a música foi conteúdo
obrigatório, sendo as aulas ministradas por especialistas e o canto orfeônico foi
predominante. O modelo não funcionou e na década de 70 surgiu a Lei 5692/71 que
instituiu a Educação Artística com caráter polivalente e como conseqüência surgiram
4
3
Segundo Penna 2004a, p. 21: Licenciatura de 1º grau, ou licenciatura curta, proporciona uma habilitação
geral em Educação Artística; e Licenciatura plena, combina essa habilitação geral a habilitações
específicas, segundo Parecer CFE n. 1.284/73.
5
municípios, devem elaborar seus currículos tornando-os como base. (PENNA, 2004a,
p.11).
Afinal, qual foi a diferença entre “Educação Artística” e “Arte” dentro das
propostas legislativas?
Acreditamos que a troca de denominação nem sempre assegura a
transformação de argumentos, pressupostos, idéias e práticas subjacentes,
fazendo com que, na verdade, as linguagens não sejam mais integradas, mas
sim separadas, embora enjauladas num campo chamado de “Arte” [..] Ao se
falar em arte educação, não devemos esquecer que não está em jogo somente
qual é a concepção de educação, mas também qual é a concepção de arte.
(FERNANDES, 2004, p. 76-77).
Além disso, poderíamos dizer que a escola não sabe música, visto que apenas o
professor especialista teria condições de ensinar a “música na pauta”, e poucas escolas
brasileiras ainda oferecem esta oportunidade.
Enfim, sem pauta, a música está presente na nossa vida: na respiração, no
batimento cardíaco, no caminhar, e na própria voz. Cada vez mais está vinculada às
relações interpessoais e vem exercendo funções específicas em atividades humanas
como ninar crianças, levar a dançar, comemorar eventos especiais, entreter, relaxar
(terapêutico), rezar, entre outros. É utilizada também como forma de comunicação, e
como tal, cria códigos complexos não-verbais. Através do rádio, da televisão, dos
filmes, propagandas, CDs, internet, convivemos com “estas músicas” ou “estes sons”
no dia a dia, garantindo-nos desta forma a presença marcante da música midiática em
nossas vidas.
Porém, no mundo infantil, não é diferente. Cada vez mais se observa a
inexistência das tradicionais canções infantis entre as crianças e o domínio das mesmas
por canções de sucesso, especialmente aquelas veiculadas em novelas, programas de
auditório, comerciais e outros.
Desta forma, a escola também é repleta de música. Partimos do princípio de
que, independente da escola ou do grupo de professores que ali trabalham, com certeza,
ela acontece entre os alunos e neste caso, estamos falando da música midiática.
Precisamos então, olhar para esta música, entender a que nível chega sua influência na
cultura infanto/juvenil e pensarmos se ela precisa ser mediada, e se este for o caso,
quem se tornará o responsável por mediá-la.
Patrícia Marks Greenfield (1988) afirma a necessidade de entendermos a relação
entre os meios de comunicação e o desenvolvimento do pensamento.
Para muitos, a palavra escrita é o símbolo da educação e o padrão a partir do qual todos
os outros meios tendem a ser avaliados. As pessoas que defendem este ponto de vista
freqüentemente consideram a televisão, o cinema e outros meios de comunicação
eletrônicos mais recentes como uma ameaça à palavra escrita. Entretanto, cada meio
tem sua maneira própria de apresentar o assunto. Faz pouco sentido privilegiar um
meio, como o fizeram os intelectuais e o sistema educacional com a palavra escrita. [...]
Cada um deles tem uma contribuição a dar para o desenvolvimento humano. O ponto
forte de um é a fraqueza de outro; assim os meios se complementam, em vez de se
oporem. (GREENFIELD, 1988, p.18).
consumo de mídias de modo geral” (GIRARDELLO, 2008, p.134). Segue então, alguns
exemplos de pesquisas já realizadas sobre os meios de comunicação em geral.
Hargreaves, D. (2005) afirma que há uma diferença óbvia entre ‘a música da
escola’ e a música de ‘fora da escola’. A música pop exerce um papel central no estilo
de vida da maioria dos adolescentes e, de fato, constitui uma ‘insígnia de identidade’
para muitos. Silva (2002), por exemplo, pesquisou a música no espaço escolar
evidenciando a existência de uma relação estreita entre a música e a identidade de
gênero, onde se percebendo que as escolhas musicais também podem ser comparadas
com as roupas que as crianças escolhem para vestir, com a linguagem que escolhem
para falar e com as atitudes que tomam.
Já Palheiras (2006) buscou analisar as razões de as crianças ouvirem música e
os modos como ouvem em diferentes contextos sociais e educativos (casa e escola), e
nacionais e culturais (Portugal e Reino Unido), sugerindo que a velocidade da TV, do
cinema, da internet, entre outros, muda a natureza da experiência musical.
Duarte; Leite; Migliora (2006) descreveram e analisaram as relações que as
crianças estabelecem com o que vêem na TV e buscam compreender os modos como
elas lidam com os conteúdos dos produtos televisivos aos quais têm acesso
cotidianamente.
Fantin (2006) analisou a relação das crianças com o cinema na escola, entendida
como possibilidade de experiência de significação, sugerindo que o papel da mídia deve
ser discutido na escola, pois além da socialização e transmissão simbólica, ela é um
elemento importante da nossa prática sócio-cultural, necessitando de mediações
pedagógicas.
Pezdek; Lehrer apud Greenfield (1988, p.71-72) apresentaram uma investigação
com crianças de 2ª e 6ª séries, para determinar se o rádio e a televisão requerem os
mesmos processos cognitivos para se extrair informações e significados que aqueles
necessários para se entender a palavra escrita. Comprovaram que a TV possibilitou
melhor compreensão e memorização que o rádio, confirmando assim o poder especial
da TV para a aprendizagem.
Ampliando este campo, Greenfield (1988) afirma também, que tanto a televisão
como o cinema acrescentaram a qualidade do dinamismo visual, entretanto, não são
nem interativos nem programáveis. O computador baseia-se no dinamismo da televisão,
mas reúne estas duas qualidades. Ao contrário da leitura, do rádio ou da televisão, a
9
tecnologia interativa para computadores pode propiciar à criança o papel ativo, tão
essencial ao processo de aprendizagem.
Neste caminho, encontramos Belloni (2008) que pesquisou jovens de 12 a 18
anos, em seis países europeus e no Québec sobre o impacto da disseminação da rede
mundial de computadores, revelando que eles consideram a rede como uma ferramenta
tecnicamente extraordinária, mas facilmente integrada ao cotidiano, sem maiores
perturbações. Ela é representada como instrumento para se divertir e comunicar, para
informar-se, como meio de comunicação e não como um concorrente de outros meios e
instituições. Em nenhum país ela é percebida como uma alternativa para substituir a
escola.
Girardello (2008) discutiu alguns aspectos da relação das crianças pequenas
com a Internet, principalmente a partir da produção narrativa oral, freqüentemente
realizada por elas enquanto exploram sites infantis de entretenimento, sugerindo que o
papel da mediação adulta e o da riqueza simbólica do entorno cultural geral sejam
igualmente determinantes da qualidade das experiências infantis com a Internet.
Segundo Jesús Martin-Barbero (2008) a comunicação se tornou questão de
mediações mais que de meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimento,
mas de reconhecimento. O autor afirma que os grafites ou pichações são exemplos da
criatividade estética popular na cidade, nas decorações dos ônibus, nos arranjos da
fachada entre outros, e a música também se constitui num processo de reelaborações e
montagens, representando um fator fundamental do popular urbano. A “apropriação e a
reelaboração musical se ligam ou respondem a movimentos de constituição de novas
identidades sociais”. (MARTIN-BARBERO, 2008, p. 279).
Para os objetivos deste ensaio, tomamos como fundamentos da pesquisa o
modelo descritivo e explicativo como fórmula mais adequada a garantir o rigor e a
objetividade que caracterizam a “imparcialidade” necessária ao conhecimento científico
onde “operar com a verdade como um processo [...] é um resultado dos balanços
periódicos da história de cada campo do conhecimento” (BRANDÃO, 2002, p.71,
grifos da autora).
Segundo Alves-Mazzotti apud Fernandes (2007, p. 98), o “levantamento é
fundamental para alunos e pesquisadores, uma vez que eles passam a conhecer a
situação do campo, o que ajuda na contextualização de seus objetos de estudos [..] e
também na produção de conhecimento novo”.
10
4
http://www.abemeducacaomusical.org.br/teses. Acesso em 21-10-2008.
11
5
CORREA, M.K. Violão sem professor: Um estudo sobre os processos de auto-aprendizagem com
adolescentes. Mestrado em Música. UFRGS, 2000.
6
ABEM- SP. 2008.
12
7
GOMES, C.H.S. Formação e atuação de músicos das ruas de Porto Alegre: um estudo a partir dos
relatos de vida. Mestrado em Música. UFRGS. 1998.
13
mapear as relações de tais alunas com a música de diversas épocas e origens, desde a
infância, adolescência, até o momento atual.
Encontrei também, não catalogadas pela Abem, Subtil (2003) que analisa a
memória, o gosto, a influência da mídia e a concepção do papel da música na escola
com professores do Ensino Fundamental entre 35 e 40 anos, e Bona (2006) que teve
como objetivo compreender as escolhas do repertório e de ações musicais praticados na
educação infantil e nas séries iniciais da escola realizadas pela educadora, ou seja, sem
formação específica na área musical, revelando que as sutis diferenças de gostos entre
as participantes podem estar relacionadas às primeiras experiências que o agente teve
com o universo musical na infância.
Outro referencial importante para meu objeto de estudo, porém, ainda não
mencionado aqui, é o de Bellochio (2000) que contempla a necessidade de formação
musical para os pedagogos, não excluindo a necessidade do especialista (músico) dentro
do ambiente escolar.
Enfim, com o número crescente de teses que buscam conhecer mais de perto a
cultura de massa e a influência dos meios de comunicação, acreditamos que a música no
seu retorno ao ambiente escolar poderá voltar em alguns momentos “com pauta”, mas
com certeza, o educador musical refletirá e reconhecerá a música “sem pauta”, podendo
assim realizar uma mediação intencionalizada, ampliando o espaço escolar e a formação
de professores. “Pensar em uma mediação significativa, crítica, sensível e informada
em relação à cultura das mídias implica pensar em outras possibilidades para a prática
pedagógica em relação aos “usos da cultura” nos espaços educativos” (FANTIN, 2008,
p. 156, grifos da autora).
Dito isso, podemos concluir provisoriamente, que se houver um diálogo entre
especialistas e pedagogos, a nova Lei 11.769/2008 poderá fazer a música transcender as
aulas específicas, fazer parte do planejamento do pedagogo, deixar de ser “música da
escola” e buscar as melhores formas de assegurar a diversidade cultural, possibilitando
o debate do melhor alcance da mídia favorável à criança, ou seja, do resgate de
elementos positivos da telecomunicação, vendo o fenômeno da comunicação de massa
como um valioso aliado da educação escolar.
Bibliografia:
14
DUARTE, R.; LEITE, C.; MIGLIORA, R. Crianças e televisão: o que elas pensam
sobre o que aprendem com a tevê. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n. 33, set/dez.
2006.