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O sistema de cotas para negros nas universidades, adotado pela primeira vez na

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em 2001, ainda gera polêmica e


divide opiniões. Há vários argumentos contra e a favor, todos bastante sensatos.
Nem mesmo o governo brasileiro parece saber que posição tomar e demonstra
ambigüidade sobre a questão. Tanta incerteza, no entanto, tem um ponto positivo:
a reserva de vagas gera um debate importante sobre o racismo no Brasil.

Um dos autores da proposta da UnB, o professor José Jorge de Carvalho, do


Departamento de Antropologia, acredita que o sistema de cotas é a única forma de
se resolver o problema da exclusão racial no curto prazo.

Os dados apresentados pelo professor mostram que a exclusão é real: 97% dos
atuais universitários brasileiros são brancos, contra 2% de negros e 1% de
amarelos. O desequilíbrio, num país em que 45% da população é negra, deixa claro
que são necessárias medidas urgentes para inserção do negro no ensino superior.
Mas a solução das cotas, a única de caráter prático apresentada até o momento,
está longe de ser uma unanimidade.

Para Carvalho, no entanto, a adoção de cotas apenas revela um preconceito que já


é real. "Pode explicitar o racismo, que é latente, mas não gerar um preconceito
maior que o já existente. Os negros estiveram fora do sistema apesar da
mestiçagem, que não garantiu a eles o acesso ao ensino superior. Geneticamente
não há raças, mas socialmente elas existem: a discriminação é pela cor da pele. A
intervenção no sistema deve ser racial. Sem as cotas, os negros continuarão fora
do sistema.", ressalta.

"No Pré-Vestibular para Negros e Carentes, negros e pobres (brancos ou não)


concorriam em igualdade de condições. Os mentores do movimento eram contra
qualquer tipo de ajuda financeira ou cotas. Eles não queriam modificar o sistema,
mas sim preparar esses alunos para ingressar nele. As cotas eram consideradas por
muitos como favor e eles queriam concorrer em pé de igualdade. Esta era a
primeira versão do movimento, que inverteu o seu paradigma e hoje quer que os
negros tenham cotas, ou seja, privilégio", explica a antropóloga.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que dos 22


milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros;
entre os 53 milhões de pobres do país, 63% são negros. A política de cotas aplicada
a carentes beneficiaria principalmente a população negra. Esta é a opinião de
Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana, para quem a reserva de vagas
para negros seria contrária à democracia. "As cotas são uma solução simplista, que
rompe com o princípio republicano básico de igualdade entre os cidadãos. Os
negros não têm acesso ao ensino superior porque, na maioria dos casos, são
pobres e passaram anos estudando em escolas públicas arruinadas. Em vez de
cotas, o Estado deveria aumentar os investimentos no ensino público. Em poucos
anos, os negros passariam a ocupar as melhores vagas nas universidades", acredita
Magnoli.
O jurista Ives Gandra vai além. Segundo ele, o sistema de cotas é inconstitucional,
porque fere o princípio fundamental de igualdade entre os cidadãos: "É uma
discriminação às avessas, em que o branco não tem direito a uma vaga mesmo se
sua pontuação for maior. Reconheço que o preconceito existe, mas a política
afirmativa não deve ser feita no ensino superior, e sim no de base".

É justamente no ensino público que reside uma outra crítica à reserva de vagas. Ao
adotar a medida, que não gera custos para os cofres públicos, o governo pode
deixar para segundo plano o problema da educação. Segundo Magnoli, as cotas
produzem um efeito estatístico positivo, ao aumentar o número de negros nas
universidades, mas não acabam com a exclusão.

"Colocar um punhado de negros nas universidades por meio de cotas não resolve o
problema social. Beneficia apenas aqueles indivíduos que entram.

Os defensores das cotas concordam que o sistema não é uma solução definitiva. A
maioria dos programas é temporária, como uma medida emergencial. Mas se essa
política não é ideal, poucas são as alternativas viáveis e de resultados imediatos
apresentadas até o momento. O investimento do governo no ensino básico, por
exemplo, depende de fatores políticos de difícil previsão e só terá efeitos no longo
prazo.

Outra crítica ao sistema de cotas diz respeito à identificação dos candidatos às


vagas reservadas. Até o momento, as universidades adotaram como critério a auto-
declaração. A solução gerou controvérsias, depois que alguns candidatos brancos
classificaram-se como negros para obter o benefício das cotas.

Em julho deste ano, o Ministério da Educação lançou o edital do programa


Diversidade na Universidade, que promete repassar recursos de até US$ 100 mil
para instituições que mantenham projetos educativos para grupos socialmente
desfavorecidos. As concorrentes devem ter pelo menos 51% de afro-descendentes
e/ou indígenas e repassar entre 40% e 50% do valor para os estudantes, sob a
forma de bolsas

Esse tipo de ajuda financeira deveria ser avaliado pelos programas de cotas, porque
pode decidir a permanência de alunos beneficiados nas faculdades. Como a maioria
da população negra é pobre, é de se esperar que boa parte desses estudantes
tenham dificuldades em se manter nas universidades, mesmo que públicas. Além
das despesas de transporte e alimentação, há os custos de materiais didáticos. Em
algumas áreas, como a saúde, o preço de um livro pode superar um salário
mínimo. Sem as bolsas de apoio, o sistema pode redundar em vagas ociosas.

"O aluno que já é carente, na universidade terá ainda mais gastos. Como ele vai
fazer para se manter? Temos que pagar passagem, alimentação, fotocópias. Já
pensei em trancar o curso no próximo semestre, para poder trabalhar um turno a
mais. Só não fiz isso porque me aconselharam a não desistir, pois seria difícil voltar
depois", relata a aluna de pedagogia Sueli das Neves, que trabalha como operadora
de telemarketing e entrou na Uerj pelo sistema de cotas no início do ano.
"Ser contra ou a favor limita a discussão. O importante é pensar sobre o racismo.
Eu mesma fico dividida: como ativista do movimento negro, sou totalmente a favor
das cotas; como cientista social, sou contra. Quando se toma um critério racial
como base para a definição das cotas, fomenta-se o preconceito. Já ouvi coisas
terríveis, como 'negro é tão inferior que precisa de cotas'. Acho que as cotas
deveriam ser focalizadas em pobres, não em negros, como fez a Uerj. Antes da
mudança, muitos dos que entraram eram negros que tiveram uma boa educação.
Isso não é revolução nenhuma, talvez eles tivessem entrado de qualquer forma",
diz a estudante.

1. Quais as principais proposições do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei de Cotas?

Caso os dois projetos de lei sejam aprovados no Congresso Nacional, metade das vagas
nas universidades federais terá de ser preenchida por negros. O mérito acadêmico fica
em segundo plano. Também haverá cotas para negros no funcionalismo público, nas
empresas privadas e até nas propagandas da TV. As certidões de nascimento,
prontuários médicos e carteiras do INSS terão de informar a raça do portador. Ao
matricularem os filhos na escola, os pais terão de informar se eles são negros, brancos
ou pardos.2

. Há previsão para a votação definitiva dos projetos no Congresso?

Não, mas há fortes pressões por parte de militantes para que a votação finalmente
ocorra. O tema pode também ganhar fôlego por parte do próprio governo, pois era um
dos compromissos de campanha do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da
Silva em 2002. O projeto de cotas foi originalmente apresentado no Congresso em
1999; já o Estatuto de Igualdade Racial, no ano seguinte. Desde então, eles têm recebido
duras críticas dos mais variados setores, que apontam suas falhas e riscos – caso
aprovados. Essas são provas de que há muita divergência sobre o assunto.

3. As medidas propostas pelos projetos são legais aos olhos da Constituição?

A Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial são monstruosidades jurídicas que


atropelam a Constituição – ao tratar negros e brancos de forma desigual – e oficializam
o racismo. Vale lembrar que não existe sequer uma lei brasileira que estabeleça ou
estimule a distinção entre pessoas devido à cor da pele. A discriminação existe no dia-a-
dia e precisa ser combatida: porém, se ambas as leis entrarem em vigor, estaremos
construindo legalmente um país dividido. Além disso, apoiar-se no critério de raça é um
disparate científico: segundo os cientistas, os genes que determinam a cor da pele de
uma pessoa são uma parte ínfima do conjunto genético humano – apenas seis dos quase
30.000 que possuímos.

5 - Quais os riscos de classificar pessoas por critério racial?

Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, prontuários médicos e outros


documentos oficiais informem a raça de seu portador, o Estatuto da Igualdade Racial
está na verdade desprezando uma longa tradição de mistura e convivência em prol de
categorias raciais estanques. É, na prática, um exercício de discriminação racial,
sancionado pelo estado. Em todas as partes onde isso foi tentado, mesmo com as mais
sólidas justificativas, deu em desastre. Os piores são as loucuras nazistas e as do
apartheid na África do Sul. Ambas causaram tormentos sociais terríveis com a criação
de campos de concentração e guetos. Os nazistas exterminaram milhões de pessoas,
principalmente judeus, em nome da purificação da raça. Como os seres humanos e a
maioria dos animais baseiam suas escolhas sexuais na aparência, a raça firmou-se ao
longo da evolução e da história cultural do homem como um poderoso conceito. Em
termos cosméticos sempre será assim, mas tentar explicar as diferenças intelectuais, de
temperamento ou de reações emocionais pelas diferenças raciais é não apenas estúpido
como perigoso.

5. Afinal, de acordo com a ciência, o que são raças?

Biologicamente as raças são chamadas de subespécies e definidas como grupos de


pessoas – ou animais – que são fisiológica e geneticamente distintos de outros grupos.
São da mesma raça os indivíduos que podem cruzar entre si e produzir descendentes
férteis. Esse é o conceito científico assentado há décadas. Recentemente, porém, esse
ele foi refinado. Pode haver mais variação genética entre pessoas de uma mesma raça do
que entre indivíduos de raças diferentes. Isso significa que um sueco loiro pode ser, no
íntimo de seus cromossomos, mais distinto de outro sueco loiro do que de um negro
africano. Em resumo, a genética descobriu que raça não existe abaixo da superfície
cosmética que define a cor da pele, a textura do cabelo, o formato do crânio, do nariz e
dos olhos.

6. Num país dividido entre "brancos" e "negros" pela lei, como seriam tratados os
mestiços?

Essa é outra questão polêmica. Sendo os filhos das miscigenação, definidos como
"pardos", descendentes em geral de africanos e de europeus, impõem-se uma questão
importante: por que eles deveriam ser considerados apenas "negros"? Os projetos de lei
não prevêem lugar para eles que não o "preto" ou "branco". Além disso, é preciso
lembrar que os sistemas de cotas pretendem beneficiar apenas aqueles identificados
como "negros". Pardos e negros, somados, representam, sim, a maioria dos pobres
brasileiros. Mas o contingente de brancos pobres também é enorme. Como justificar
uma política de avanço "racial" que deixaria para trás a massa de brancos pobres?

7. No Brasil, quem definiria a raça de cada indivíduo?

Esse é outro ponto polêmico dos projetos: como definir quem é branco e quem é negro
numa sociedade miscigenada e multirracial como a brasileira? Uma pesquisa de
geneticistas da Universidade Federal de Minas Gerais concluiu que 60% dos brasileiros
que se declaram brancos têm alguma ascendência indígena ou africana. Cientistas
brasileiros encontraram em São Paulo indivíduos de fenótipo negro sem marcas
genéticas africanas. Encontraram também o inverso. Na Universidade de Brasília
(UnB), que já adota cotas para negros, esse dilema foi enfrentado com uma solução de
dar arrepios – um tribunal racial. Os "juízes", diante de fotografias dos candidatos,
davam a sentença.

9. As ações foram bem-sucedidas nesses países?

O economista americano Thomas Sowell, pesquisador de políticas públicas da


Universidade Stanford e negro, escreveu o livro Ação Afirmativa ao Redor do Mundo,
no qual conclui que essas políticas fracassaram em todos os países onde foram adotadas.
Aumentou um pouco a inserção dos negros, apenas um pouco, e a um custo desastroso.
Nos Estados Unidos, onde as cotas raciais começaram a ser banidas em 1978, houve
prejuízos às universidades e empresas sem que a situação socioeconômica dos negros
fosse alterada sensivelmente. Desde 1978, por decisão da Suprema Corte, elas são
proibidas, seja em universidades, empregos públicos, seja em programas televisivos.
Permite-se que haja políticas de incentivo à promoção dos negros, mas nada parecido
com cotas raciais, pelo fato elementar de que são, obviamente, inconstitucionais. Na
África do Sul, o resultado foi um desastre. A qualidade do serviço público despencou e
o desemprego entre os negros subiu de 36% para 44%. Na Índia, as conseqüências
foram ainda mais amargas. Numa única escola de medicina do estado de Gujarat, onde
havia sete vagas destinadas aos dalits, 42 pessoas morreram num protesto contra as
cotas.

11. Quantas universidades já utilizam o sistema de cotas do Brasil?

Segundo levantamento feito pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do


Estado do Rio de Janeiro (UeRJ), 51% das universidades estaduais e 42% das federais
de todo o país adotaram até o fim de 2007 algum tipo de "ação afirmativa". Ao todo,
eram 40 instituições públicas. Delas, 18 eram universidades estaduais (do universo de
35 mantidas por estados) e 22 federais, do universo de 53. As ações privilegiavam os
negros e indígenas por meio de cotas ou de bonificação no vestibular.

Porém, para conseguir um resultado que podemos chamar de “imediato” e


ter uma imagem positiva, o governo criou o projeto de cotas para o ensino
superior. Ao invés do estudante negro, carente ou indígena concorrer pelo
sistema universal de vagas, ele concorre pelo sistema de cotas, ou seja, ele
concorre à quantidade “x” de vagas reservadas ao seu grupo. Por exemplo,
um vestibulando negro optante pelo sistema de cotas concorre unicamente
com negros que também optaram pelo sistema.

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