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Os dados apresentados pelo professor mostram que a exclusão é real: 97% dos
atuais universitários brasileiros são brancos, contra 2% de negros e 1% de
amarelos. O desequilíbrio, num país em que 45% da população é negra, deixa claro
que são necessárias medidas urgentes para inserção do negro no ensino superior.
Mas a solução das cotas, a única de caráter prático apresentada até o momento,
está longe de ser uma unanimidade.
É justamente no ensino público que reside uma outra crítica à reserva de vagas. Ao
adotar a medida, que não gera custos para os cofres públicos, o governo pode
deixar para segundo plano o problema da educação. Segundo Magnoli, as cotas
produzem um efeito estatístico positivo, ao aumentar o número de negros nas
universidades, mas não acabam com a exclusão.
"Colocar um punhado de negros nas universidades por meio de cotas não resolve o
problema social. Beneficia apenas aqueles indivíduos que entram.
Os defensores das cotas concordam que o sistema não é uma solução definitiva. A
maioria dos programas é temporária, como uma medida emergencial. Mas se essa
política não é ideal, poucas são as alternativas viáveis e de resultados imediatos
apresentadas até o momento. O investimento do governo no ensino básico, por
exemplo, depende de fatores políticos de difícil previsão e só terá efeitos no longo
prazo.
Esse tipo de ajuda financeira deveria ser avaliado pelos programas de cotas, porque
pode decidir a permanência de alunos beneficiados nas faculdades. Como a maioria
da população negra é pobre, é de se esperar que boa parte desses estudantes
tenham dificuldades em se manter nas universidades, mesmo que públicas. Além
das despesas de transporte e alimentação, há os custos de materiais didáticos. Em
algumas áreas, como a saúde, o preço de um livro pode superar um salário
mínimo. Sem as bolsas de apoio, o sistema pode redundar em vagas ociosas.
"O aluno que já é carente, na universidade terá ainda mais gastos. Como ele vai
fazer para se manter? Temos que pagar passagem, alimentação, fotocópias. Já
pensei em trancar o curso no próximo semestre, para poder trabalhar um turno a
mais. Só não fiz isso porque me aconselharam a não desistir, pois seria difícil voltar
depois", relata a aluna de pedagogia Sueli das Neves, que trabalha como operadora
de telemarketing e entrou na Uerj pelo sistema de cotas no início do ano.
"Ser contra ou a favor limita a discussão. O importante é pensar sobre o racismo.
Eu mesma fico dividida: como ativista do movimento negro, sou totalmente a favor
das cotas; como cientista social, sou contra. Quando se toma um critério racial
como base para a definição das cotas, fomenta-se o preconceito. Já ouvi coisas
terríveis, como 'negro é tão inferior que precisa de cotas'. Acho que as cotas
deveriam ser focalizadas em pobres, não em negros, como fez a Uerj. Antes da
mudança, muitos dos que entraram eram negros que tiveram uma boa educação.
Isso não é revolução nenhuma, talvez eles tivessem entrado de qualquer forma",
diz a estudante.
Caso os dois projetos de lei sejam aprovados no Congresso Nacional, metade das vagas
nas universidades federais terá de ser preenchida por negros. O mérito acadêmico fica
em segundo plano. Também haverá cotas para negros no funcionalismo público, nas
empresas privadas e até nas propagandas da TV. As certidões de nascimento,
prontuários médicos e carteiras do INSS terão de informar a raça do portador. Ao
matricularem os filhos na escola, os pais terão de informar se eles são negros, brancos
ou pardos.2
Não, mas há fortes pressões por parte de militantes para que a votação finalmente
ocorra. O tema pode também ganhar fôlego por parte do próprio governo, pois era um
dos compromissos de campanha do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da
Silva em 2002. O projeto de cotas foi originalmente apresentado no Congresso em
1999; já o Estatuto de Igualdade Racial, no ano seguinte. Desde então, eles têm recebido
duras críticas dos mais variados setores, que apontam suas falhas e riscos – caso
aprovados. Essas são provas de que há muita divergência sobre o assunto.
6. Num país dividido entre "brancos" e "negros" pela lei, como seriam tratados os
mestiços?
Essa é outra questão polêmica. Sendo os filhos das miscigenação, definidos como
"pardos", descendentes em geral de africanos e de europeus, impõem-se uma questão
importante: por que eles deveriam ser considerados apenas "negros"? Os projetos de lei
não prevêem lugar para eles que não o "preto" ou "branco". Além disso, é preciso
lembrar que os sistemas de cotas pretendem beneficiar apenas aqueles identificados
como "negros". Pardos e negros, somados, representam, sim, a maioria dos pobres
brasileiros. Mas o contingente de brancos pobres também é enorme. Como justificar
uma política de avanço "racial" que deixaria para trás a massa de brancos pobres?
Esse é outro ponto polêmico dos projetos: como definir quem é branco e quem é negro
numa sociedade miscigenada e multirracial como a brasileira? Uma pesquisa de
geneticistas da Universidade Federal de Minas Gerais concluiu que 60% dos brasileiros
que se declaram brancos têm alguma ascendência indígena ou africana. Cientistas
brasileiros encontraram em São Paulo indivíduos de fenótipo negro sem marcas
genéticas africanas. Encontraram também o inverso. Na Universidade de Brasília
(UnB), que já adota cotas para negros, esse dilema foi enfrentado com uma solução de
dar arrepios – um tribunal racial. Os "juízes", diante de fotografias dos candidatos,
davam a sentença.