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Vitória
2010
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Vitória
2010
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SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 4
2. DELIMITAÇÃO DO TEMA ...................................................................................... 7
3. PROBLEMA ............................................................................................................ 8
4. HIPÓTESE DE ESTUDO ........................................................................................ 9
5. OBJETIVOS DA PESQUISA ................................................................................ 10
5.1. Objetivo Geral................................................................................................ 10
5.2. Objetivos Específicos ................................................................................... 10
6. JUSTIFICATIVA.................................................................................................... 11
7. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................ 12
8. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................. 29
10. CRONOGRAMA DE ATIVIDADES ..................................................................... 30
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 31
ANEXO ..................................................................................................................... 37
Anexo A – Ensaio preliminar: Especificidades da Poesia, da Literatura e do
Poema ................................................................................................................... 37
1.2.1 Poesia como fenômeno ............................................................................. 54
1.2.2 Literatura como instituição ......................................................................... 67
1.2.3 Poema como artefato................................................................................. 86
Anexo B ................................................................................................................ 97
2011/1 - Ciclo de palestras introdutórias ............................................................ 97
Seminário Integrado de Pesquisa, Ensino e Extensão ....................................... 97
Circuito de Atividades Produtivas ....................................................................... 97
Divulgação de resultados.................................................................................... 97
NOTAS E DISPERSOS ............................................................................................ 98
A construção da Ontologia no Ocidente: Platão-Aristóteles, Descartes-Kant
............................................................................................................................... 98
Kant, Hegel e Heidegger e a reconstrução da Ontologia no Ocidente ............ 99
4
1. APRESENTAÇÃO
2. DELIMITAÇÃO DO TEMA
3. PROBLEMA
4. HIPÓTESE DE ESTUDO
5. OBJETIVOS DA PESQUISA
• Colaborar para a contínua revisão crítica e teórica do campo dos estudos do literário,
em função de considerações sobre as especificidades do fenômeno poético.
6. JUSTIFICATIVA
7. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2
Pensar a “linguagem” como “conceito inicial” implica reconhecê-la como um “ponto de origem” – mais “espacial”
que “cronológico” – do campo de conhecimento.
15
3
A noção de artefato torna-se próxima dos estudos literários quando se promove a abertura para a aproximação
com o campo dos estudos antropológicos na cultura e na arte. George Dickie relembra que “Typically an artifact
is produced by altering some preexisting material [...]” e que se trata de “An object made by man, especially with
a view to subsequent use” (p. 49). O mesmo autor nota que “the anthropologists have in mind [...] the notion of a
complex object [neste estudo, o “signo complexo” de uma textualidade] made by the use of a simple [...] object.”
(p. 49). Cf. DICKIE, 2003.
26
Mesmo a idéia de “valor”, tão cara à teoria saussuriana, tem como fugir à
“dialética do claro e do obscuro que caracteriza a projeção dessa teoria sobre os
fatos da linguagem. Mesmo o valor – ou sobretudo ele – é um “fato misterioso”, uma
idéia que “só pode ser determinada pelos linguistas em outros domínios”
(BOUQUET, 2000, p. 73). Assim, como se pode depreender da análise de Simon
Bouquet, “os contornos dominiais da ciência introduzida nas aulas genebrinas
permanecem certamente, no espírito de Saussure, mais tênues do que revela a
redação de Bally e Sechehaye” (idem, p. 74):
4
Em que pese a proximidade entre os procedimentos de leitura e os de recepção, parece recomendável não
confundi-los: a leitura lida com a recuperação de informação – é um movimento cognitivo –, enquanto a recepção
lida com a configuração de sentidos – é um movimento hermenêutico.
29
8. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
o Estágio de desenvolvimento:
Disponibilidade de material bibliográfico selecionado e
consultado durante a pesquisa de doutorado (2006-2009);
Redação completa de um ensaio preliminar, seção da tese de
doutorado;
Projeto de pesquisa apresentado ao DLL/UFES (outubro de
2010)
2012
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36
37
ANEXO
A poesia é incomunicável
Fique torto no seu canto.
Não ame.
...
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
Como se andassem na rua.
Não conte.
5
Pensar a “linguagem” como “conceito inicial” implica reconhecê-la como um “ponto de origem” – mais “espacial”
que “cronológico” – do campo de conhecimento.
40
acabarmos por crer que essa mesma coisa deva ser reconhecida como “imaginária”,
não teremos como não pensá-la (tratá-la) como “fictícia”.
texto literário era tomado como “existente em si, quer dizer, fora do jogo das
relações, sem que portanto fosse observado quanto ao seu valor” (idem, p. 64). A
partir de Saussure, começa-se a se desfazer o senso (então) comum de que a
significação era um “fenômeno isolado” (idem, p. 64) e, por extensão, que a língua
seria uma “simples nomenclatura”:
6
A noção de artefato torna-se próxima dos estudos literários quando se promove a abertura para a aproximação
com o campo dos estudos antropológicos na cultura e na arte. George Dickie relembra que “Typically an artifact
is produced by altering some preexisting material [...]” e que se trata de “An object made by man, especially with
a view to subsequent use” (p. 49). O mesmo autor nota que “the anthropologists have in mind [...] the notion of a
complex object [neste estudo, o “signo complexo” de uma textualidade] made by the use of a simple [...] object.”
(p. 49). Cf. DICKIE, 2003.
51
Mesmo a idéia de “valor”, tão cara à teoria saussuriana, tem como fugir à
“dialética do claro e do obscuro que caracteriza a projeção dessa teoria sobre os
fatos da linguagem. Mesmo o valor – ou sobretudo ele – é um “fato misterioso”, uma
idéia que “só pode ser determinada pelos linguistas em outros domínios”
(BOUQUET, 2000, p. 73). Assim, como se pode depreender da análise de Simon
Bouquet, “os contornos dominiais da ciência introduzida nas aulas genebrinas
permanecem certamente, no espírito de Saussure, mais tênues do que revela a
redação de Bally e Sechehaye” (idem, p. 74):
7
Em que pese a proximidade entre os procedimentos de leitura e os de recepção, parece recomendável não
confundi-los: a leitura lida com a recuperação de informação – é um movimento cognitivo –, enquanto a recepção
lida com a configuração de sentidos – é um movimento hermenêutico.
54
real ao que eles possam conter de poético. Para operar a redução, nós devemos
considerar qualquer dado consciente como “portador” do fenômeno poético; e se
não pudermos evidenciar a manifestação da poética no ser de que se origina esse
dado, nada poderemos fazer senão descartá-lo e partir para outros dados
supostamente capazes de indicar o que é real na Poesia. (Não nos escapa que a
evidenciação do que é real na Poesia não elimina a necessidade de estar atentos
aos dados que apontem, do mesmo modo, o simbólico e o imaginário que também a
integram.)
ganha sentido, e isso exatamente por fazer parte da ação que faz as coisas surgirem
no mundo. Ora, se o poético participa do agir (assumindo portanto um fundamento
dinâmico), por que deveríamos estabelecer algum critério formal (determinante de
representações mecânicas) como ponto de partida para a representação do
fenômeno poético?
Por envolver uma ação que inscreve sentidos no mundo, a Poesia contém um
elemento inegável de real, e portanto interage com os diversos elementos deste. A
Poesia provoca diferenças na constituição do mundo, e toda diferença inscrita no
mundo pelo gesto humano contém, em alguma medida, o traço poiético. Com esse
simples movimento, com essa distinção, a Poesia deixa de pertencer
exclusivamente a um tipo de sujeito, a um tipo de ator social e histórico, para
pertencer a todos os tipos de sujeitos históricos – e o sentido dessa mudança não é
nada desprezível. Quando identificada a partir de um artefato cultural particular (o
poema, a obra de arte), a Poesia parecerá associada aos sujeitos/indivíduos
reconhecidos como seus autores e ajudará a estabelecer uma ordem “aristocrática”
de fruição estética: somente aos eleitos e iniciados é possível conhecer o Mistério da
Poesia.
Além disso, pensada como forma de agir, a Poesia deixa não apenas de
pertencer a um tipo específico de sujeito/indivíduo, mas também de pertencer
exclusivamente a um tipo de objeto, de ser um atributo ou propriedade intrínseca e
imanente ao artefato que constitui a “obra de arte”. Pensada como ação, a Poesia se
reduz a “processo”, movimento de produção – e não produto já acabado. Se a lógica
social opera a partir do produto e de seu valor no sistema geral das mercadorias, o
artefato poético terá que demonstar as propriedades que o transformam em riqueza.
De outra forma, não manterá seu status na cadeia dos sistemas e dos valores
sociais: perderá potência institucional e representação na sociedade; deixará de ser
encarada como prática cultural necessária e será realocada no quadro das
instituições sociais. Manuel Antônio de Castro analisa a questão da “essência do
agir e sua ligação com a poiesis e o ethos” (2004, p. 13) no contexto de uma
“história da metafísica” que se confunde com “a história da subjetividade” ocidental e
8
E “lógico” aqui já não é mais apenas “racional”: “[...] Na cultura grega o logos é de uma riqueza intraduzível. Em
Platão, o logos é sujeito porque ele é o fundamento como idéia ontológica. Este fundamento platônico como
sujeito se torna em Aristóteles hypokeimenon, de onde surgiu a tradução latina. Esse logos/hypokeimenon vai
ser interpretado na Idade Média como Logos/Deus, o sujeito dos sujeitos [...]. A terceira interpretação do logos
vai ocorrer na Idade Moderna, quando simplesmente é traduzido e identificado com a razão. Esta funda a
subjetividade na medida em que como razão epistemológica funda o objeto. É a identificação de homem como
sujeito racional. A essência do agir achou o seu lugar: é o homem, é a razão, é o sujeito. [...] A pós-modernidade
introduz o sujeito virtual, baseado na linguagem da computação, sintomaticamente, baseada em quê? Zero e um,
nada e ente (mas aqui abstrato, daí o virtual abstrato). [...]” (CASTRO, 2004, p. 46).
60
realidade (uma realidade histórica, social e psíquica), inclusive aquelas que irão
colaborar para a fragilização da presença da Poesia no corpo da sociedade:
9
Tendo a noção de “origem” já foi bastante criticada por pensadores como Nietzsche e Foucault, temos a
possibilidade de reintegrá-la – de forma relativa – aos estudos literários contemporâneos. Nesse sentido, uma
“origem” não pretenderá ser a “causa inicial” de uma manifestação; antes, será o ponto inicial de observação
dessa manifestação. “Origem” terá menos a ver com a ontologia da “Literatura”, e mais com a sua episteme.
71
10
“Nos poemas homéricos, não há referência à lei, mas existem duas noções noções permanentes ao longo de
toda a história política grega: thémis e diké. O conceito de thémis é muito amplo, abrangendo a vontade dos
deuses, exprimindo-se na natureza, na norma social e na norma jurídica. No campo jurídico, thémis vai sendo
72
progressivamente substituída por diké, a qual designa o que cabe a cada um em razão norma jurídica:
julgamento, depois norma jurídica no sentido lato ou princípio de direito” (VIEIRA, 1998, p. 122)..
73
11
“[...] A methodological consideration can help us along here. Peirce pursued something like the logical Genesis
of sign processes. In doing so, he began with the complex structures of language that are accessible to us, in
order to feel his way toward the more elementary forms by means of privative determinations – Peirce speaks of
“degeneration”. In this procedure, one may abstract only from those aspects of a given higher semeiotic level for
which it is not possible to identify more primitive predecessors or lower semeiotic levels. Peirce seemed to regard
the intersubjective relationship between a speaker and a hearer, and the corresponding participant perspectives
of the first and second person (in contrast to the perspective of an uninvolved third person), as such aspects that
may be disregarded. He seemed to believe that the fundamental semeiotic structure can be completely defined
without recourse to forms of intersubjectivity, however elementary. In any event, he generally suspended his
logical-semeiotic analyses at the point where speaker-hearer perspectives come into play.” Cf. HABERMAS, 1994
p. 246.
74
they can reflect every kind of cognition” (EHRAT, 2005, p. 74). Tais signos apontam,
na Modernidade, para processos
coisas’” (p. 75) acaba sendo afastada de qualquer ação que poderia ser vista como
contemporânea” (p. 75). Quando a tragédia desgarra do mundo helênico e do
mundo helenizado, ela passa a “flutuar” de acordo com as injunções, conjunções e
disjunções das dinâmicas de outros sistemas culturais (as “culturas locais”, que lhe
contrapõem novas dinâmicas e propõe novos “estados de alma”) e de um mais
amplo sistema civilizacional (a “cultura universal”, que perpetua sua mecânicas, seus
comportamentos previsíveis e capazes de interferir num ambiente cognitivo.
13
Para o desenvolvimento desta tese assumimos os fundamentos e contornos mais gerais da abordagem
fenomenológica. Aqui, “fenômeno” é uma instância ampla e geral, sobre a qual se ordenam os sentidos e
significados decorrentes da experiência humana.
77
Nesse sentido, é ainda a partir dela que acreditamos ser possível ordenar o legado
de todas as outras tradições de estudo da literatura, na medida em que se possa
aceitar que um “sistema semiótico é uma série finita [mas de natureza infinitamente
variável] de signos interdependentes entre os quais, através de regras, se podem
estabelecer relações e operações combinatórias, de modo a produzir semiose”
(AGUIAR E SILVA, 1988, p. 76).
A “forma” diz ao autor como seu texto deverá ser lido, e ao leitor diz como
deve “ler” (“recuperar”) o texto que tem diante de si; o “estilo” diz ao autor como
formular suas intencionalidades estéticas, e ao leitor ensina a acompanhar etapas e
fases de construção de significados e sentidos. Estilo e forma dizem muito, mas é
preciso que a noção de “linguagem” empregada para compreendê-las (tê-las como
referência) e utilizá-las (dar-lhes o valor de um uso) tenha definido de forma
suficiente clara suas propriedades. No caso da “mentalidade européia moderna” que
82
Para um autor moderno, assim como para uma mentalidade moderna (e para
um leitor moderno), a linguagem – ou melhor, sua manifestação mais substancial, a
língua – deve ser vista com desconfiança praticamente a todo momento. Ele sabe
(ou seja: tem como parte de sua experiência) que a aparência do Mundo apenas
muito raramente traduz o que esse Mundo verdadeiramente é, e sabe que não deve
confiar cegamente em nada que possa ser falseado, como apenas a língua pode
ser. É nos períodos de modernidade que a ela – a língua, não a linguagem –
assume a finalidade específica de representação e fingimento, que são elementos
fundamentais para a possibilidade de fundação de um regime ficcional. Para uma
mentalidade moderna, a língua tende a se reduzir a um espaço de pura
ficcionalidade: é por esse processo que ela deixa de ser pensada como um fato
social para ser pensada como fato estético.
A partir dos anos de 1960, autores como Michel Rifaterre ([1962]) começam a
se afastar da “descrição estrutural, voltando-se para a análise da recepção do texto
poético” (JAUSS, 2002[1980], p. 876), reposicionando o papel do leitor no “aparelho
interpretativo”: entre o “leitor ingênuo” e o “superleitor”, surge (ou ressurge) a vasta
miríade dos leituras que, determinada em termos históricos, manifesta graus
diferenciados de familiaridade com uma tradição literária e de capacidade de
85
[...] O poeta,
imóvel dentro do verso,
cansado de vã pergunta,
farto de contemplação,
quisera fazer do poema
não uma flor: uma bomba
e com essa bomba romper
o muro que envolve Espanha.?
15
E, para o Estagirita, “Poesia” e “Literatura” já distinguiam.
88
A evidência material, contudo, não deve ser utilizada no estudo literário para
ocultar, para impedir o desvelar dos significados que nela se inscrevem. Numa
perspectiva positiva, considerar a evidência significante do contato sensorial com o
texto literário como o telos em que se projeta o sentido do fazer literário levará tanto
o escritor quanto o leitor a operarem a prática literária a partir de representações que
enfatizem as propriedades dos aspectos formais-sensoriais da criação literária.
Assim, por exemplo, quando Pound propõe uma reunificação das formas
expressivas da poesia em sua formulação pessoal da teoria dos gêneros, localiza a
melopéia como o espaço “em que as palavras são impregnadas de uma propriedade
musical [...] que orienta o seu significado” (CAMPOS, 1995, p. 11) recuperando-a
num paralelo com a indicialidade da fanopéia e a abertura simbólica da logopéia.
16
Ao discorrer sobre a “erótica da narrativa” em Platão, David Halperin promove uma associação entre os termos
“figura” (tropos) e “mecânica” (mekhané): “[...] The tropos [...] or mekhané [...], the procreative manner or
mechanism internal to the human individual that is responsible for implanting permanence in the flux of thought,
thereby enabling us to retain knowledge [...].” Cf. HALPERIN, 1992, p. 100.
89
mais fragmentária: todo texto é um artefato, mas nem todo artefato é um texto (idem,
p. 51).
17
“Certamente não conseguimos eliminar as formas de conteúdo (por exemplo o papel do templo, ou a posição
de uma Realidade dominante etc.). Mas, em condições artificiais, isolamos um determinado número de
semióticas que apresentam características bastante diversas. A semiótica pré-significante, em que a
“sobrecodificação” que marca o privilégio da linguagem é exercida de uma forma difusa: a enunciação é, aí,
coletiva; os próprios enunciados são polívocos; as substâncias de expressão são múltiplas; a desterritorialização
relativa é aí determinada pelo confronto de territorialidades e de linhagens segmentares que conjuram o aparelho
de Estado. A semiótica significante: onde a sobrecodificação é plenamente efetuada pelo significante e pelo
aparelho de Estado que a emite; há uniformização da enunciação, unificação da substância de expressão,
controle dos enunciados em um regime de circularidade; a desterritorialização relativa é aí levada ao mais alto
ponto, por uma remissão perpétua e redundante do signo ao signo. A semiótica contra-significante: a
sobrecodificação é aí assegurada pelo Número como forma de expressão ou de enunciação, e pela Máquina de
guerra da qual depende; a desterritorialização serve-se de uma linha de destruição é assegurada pela
redundância da consciência; produzse uma subjetivação da enunciação em uma linha passional que torna a
organização de poder imanente, e eleva a desterritorialização ao absoluto, mesmo que de uma maneira ainda
negativa. [...]” (DELEUZE e GUATTARI, 2000b, p. 91).
94
Além disso, uma outra distinção é apontada por Gracia: embora textos e
objetos artísticos compartilhem o princípio da autoria e da audiência, seus objetivos
não são exatamente os mesmos. Textos devem sempre tentar expressar sentidos,
ainda que o autor venha a ter outras intenções encobertas pelas imagens da
superfície formal da expressão. Nesse caso, saímos do domínio estrito da
cognitividade (que envolve a consideração de elementos como “propósito”,
“significância”, “relevância” etc.) para o da pragmática, embora não se perca de vista
a expectativa de que todo texto busca encaminhar-se para algum tipo de
compreensividade (“understanding”, em Gracia). O objeto de arte, por seu turno, não
busca estabelecer um sentido específico; antes, “[...] even those art objects are
different from texts in that, in addition to what they might cognitively say, there is also
a noncognitive effect they are thought to produce, or to be able to produce, in their
audiences” (GRACIA, 1995, p. 57).