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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Obsessão em Paris
Trilogia Paris – Livro Um

Copyright © by Veronique Gris

Todos os direitos reservados e protegidos por lei


Nº 9610 de 19 de fevereiro de 1998.

É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer


meios, sem a autorização prévia por escrito do autor. Os
infratores serão processados na forma da lei.

Responsabilidade pela revisão: o autor.

Capa: Imagem disponibilizada no Google.


Domínio Público.

G 150 d GRIS, Veronique


Obsessão em Paris/Veronique Gris
Porto Alegre: Ed. Autor, 2010

Registrado no EDA
Fundação Biblioteca Nacional - 2010

1. Romance Brasileiro – literatura erótica. I. Título.

CDD: C 455.5
CDU: 455.0 (51)-51

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Sinopse

AMANDA ROSSI por anos alimentou a ideia de viver um conto de fadas em Paris. Aos
vinte e três anos, ela enfim deixa o Brasil e parte para uma aventura na França. A cidade que
lhe promete o amor também lhe proporciona perdas. Sem dinheiro para manter-se, tem de
vender seu pequeno tesouro da adolescência, os discos do Queen. Cinco anos depois, ela é a
assistente-executiva de JULES BRIENNE, presidente de uma grande empresa de
computadores, um workholic cuja esposa encontra-se em estado de coma após acidente
automobilístico. Ela torna-se seu braço-direito. Jules é um homem de olhar sério e poucas
palavras. Alguém que aceita a personalidade impetuosa e explosiva da latina. Alguém que a
protege e é protegido por ela. Alguém que deseja vingança. Ao lado de Jules, Amanda vive
um caleidoscópio de emoções e sensações. Principalmente, quando se torna vítima do maior
inimigo de seu chefe. E descobre que toda a proteção tem o seu preço. Toda a paixão tem
vestígios de obsessão. Todo o prazer, insanidade. Todo o amor, medo. Ela está enlouquecida
de desejo por aquele que lhe tem na palma da mão.

ELE PODE LANÇÁ-LA A UM VOO ALTO E SEGURO.


ELE PODE ESMAGÁ-LA A QUALQUER MOMENTO.

ELA AMA-O LOUCAMENTE. E PAGARÁ UM ALTO PREÇO POR ISSO.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Capítulo I

O espelho que forrava parcialmente a parede lateral do restaurante enquadrava em


seu perímetro, pelo menos, três mesas pequenas, retangulares, revestidas por toalhas de
linho e ornamentadas, cada uma, com um delicado vaso de flores. Debaixo da iluminação
indireta, estrategicamente disposta ao longo do teto, podia-se ver um casal conversando
quase em sussurros, ladeados por uma mesa com um grupo de executivas. No canto, numa
terceira mesa, protegida pelo próprio espaço junto à parede, uma mulher de cabelos escuros
e curtos. Um penteado sofisticado para alguém que aparentava pouco mais de vinte e seis
anos. Ela aparentava, também, certa apreensão e nervosismo, expressos nos olhos grandes
que acompanhavam a movimentação dos garçons e clientes, no maneirismo de cruzar e
descruzar as mãos sobre a mesa e no gesto de mordiscar o canto esquerdo do lábio inferior.
Certamente, a moça esperava por alguém. E esse alguém estava atrasado.
Amanda olhou novamente para o relógio no seu pulso e constatou que já era hora de
retirar-se do local. Fez um gesto discreto com a mão chamando o garçom de sua mesa e,
quando este se aproximou elegante e solícito, pediu-lhe a conta. Havia levado um bolo, um
bolo de um homem que jamais vira na vida. Sentia-se entre aliviada e feliz, por mais incrível
que isso parecesse. Desde que fora praticamente obrigada por Dorian - sua amiga e uma das
duas secretárias da diretoria da empresa em que Amanda trabalhava havia cinco anos – a
dar uma “chance ao destino” (como ela mesma dizia) e conhecer alguém fora do trabalho.
Dorian acreditava que Amanda era uma compulsiva por trabalho, como o seu próprio chefe.
Assim, nada melhor que um encontro às escuras com um brilhante contador que fazia o
Imposto de Renda de celebridades. Amanda desconfiava que talvez esse encontro
promovido por Dorian, fosse para limpar-lhe a barra com o tal contador e ex-namorado.
Afinal, a loira sedutora havia-o despachado há poucos meses com a desculpa de sempre
(que, no caso de Dorian e Amanda eram verdadeiras): excesso de trabalho e falta de tempo
para viver. Mas o plano da amiga esvaíra-se ralo abaixo, pois desde que Amanda aceitara a
contragosto participar do encontro (ou teatrinho), sentia-se dominada por uma péssima
sensação chamada obrigatoriedade. Praticamente fora obrigada a aceitá-lo e somente o
fizera para livrar-se de amolações futuras. Agora, observando o ponteiro dos minutos
afastar-se lentamente do horário combinado, ela aproveitou a deixa do destino e avançou
algumas casas no tabuleiro, na verdade, para fora do tabuleiro.
Ao passar pelo hall de entrada do restaurante, teve um leve sobressalto e tentou
esconder-se por detrás de uma planta frondosa. Não sabia como era o contador. O máximo
que Dorian havia-lhe dito era que passava dos quarenta anos, moreno e elegante. Não
acrescentara, por exemplo, que usava um relógio do tamanho de um melão, que era calvo e
arrogante. Quando ela saiu do esconderijo rumo à porta de saída, ouviu-o falar à
recepcionista para que ficasse de olho nos manobristas porque não se encontravam
“Mercedes em qualquer esquina” e “que não caíam de árvores”. Amanda nem quis saber a
resposta da morena sofisticada que, provavelmente, fora contratada de uma agência de
modelos. De cabeça baixa e o ar preso nos pulmões, encaminhou-se rapidamente para a rua
a fim de conseguir um táxi. E encontrar um táxi em Paris às oito horas da noite era uma

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façanha ainda maior do que fugir de um encontro às escuras. Sentia-se em apuros, mas tinha
vontade de rir, de gargalhar, de enfiar as unhas no rosto maquiado de Dorian. Ora, bolas!
Como se ela gostasse de homens arrogantes e prepotentes! Como se ela precisasse de um
homem para viver. Desde a adolescência sempre fora independente e madura, jamais se
apaixonara ao ponto de entregar-se sem medidas. Dava um passo em frente ao outro,
tomando cuidado para não se trair. O que lhe importavam na vida, realmente, era o trabalho
como assistente pessoal de Jules Brienne, presidente-executivo da Societé Brienne
d’Ordinateurs – uma das maiores empresas de fabricação, venda e distribuição de
computadores e hardwares do continente europeu – e o seu lar, um apartamentinho
decorado com objetos comprados em várias partes do mundo, já que, como secretária
particular de Jules Brienne, tinha de acompanhá-lo nas inúmeras viagens pelas demais
empresas do grupo.
Trabalhar para um alto executivo não era tarefa fácil; e, assessorar o presidente de
uma grande companhia, workaholic até o último fio de cabelo, a dificuldade acentuava-se
ainda mais. Agressivo nos negócios; sério e introspectivo como pessoa, ele alimentava a
imaginação de concorrentes e invejosos de plantão. A bem da verdade, Amanda sabia que
para agradar o chefe bastava apenas entregar a alma à empresa. Nada menos.
Desde a sua contratação, Amanda jamais vira um sorriso iluminar o rosto
circunspecto de Jules Brienne. No escritório, comentavam à boca pequena que ele nunca
mais sorrira desde o acidente com a esposa havia cinco anos e que a tornara praticamente
um vegetal, definhando lentamente ano após ano, num quarto totalmente preparado para
mantê-la em sua casa. Havia uma equipe de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas de
plantão à sua disposição e que praticamente moravam com ela, já que, devido as muitas e
intransferíveis viagens de negócio, era inviável a presença do marido junto ao seu leito.
Amanda perguntava-se se a vontade de monsieur Brienne não era a de jogar tudo para o
alto, entregar a presidência ao vice e viver ao lado da jovem esposa inconsciente. Por outro
lado, ele tinha apenas 37 anos e todo um mundo para conquistar.
O mais estranho e injusto de tudo era que, no mundo empresarial, ninguém se
importava com o que se passava na vida das pessoas, se eram felizes ou se o amor de suas
vidas morria em vida, o que contavam eram os rótulos e a produtividade. E o rótulo de Jules
Brienne era o de insensível, o homem de gelo. Tal apelido espalhara-se rapidamente até
mesmo pelos corredores, salas e elevadores da sede das Corporações Brienne. O homem de
gelo que jamais sorria. E de poucas palavras.
A noite estava fria e úmida. As nuvens encobriam o céu e o vento gemia por entre os
galhos mais finos das árvores. Amanda encolheu-se dentro do casaco, apertou a bolsa contra
o corpo e correu em direção ao meio-fio da calçada. Nada a faria perder o táxi que se
aproximava. Esticou o braço com os olhos fixos no automóvel, mas, em seguida e de forma
violenta, viu mesmo foi o chão.
Morri e estou no céu!, ela quase deixou escapar ao aceitar a mão estendida do
desconhecido. Se lhe tivesse dito isso, talvez não contivesse uma crise de risos, porém, de
fato, se aquele loiro de olhos azuis não era um anjo, estava bem perto de sê-lo. Aceitou
tocar na palma daquela mão macia, de dedos longos e tépidos. E, já de pé, observou que ele
era alto, pouco mais de 1.80, um corpo esguio protegido pelo casaco azul marinho que
combinava com a coloração clara e suave de seus olhos. Amanda já havia visto aquele tipo
de homem, bonito, bem vestido, extremamente cheiroso e irresistível: seu chefe. Mas não
foi por isso que ela sentiu as pernas moles e trêmulas. Na verdade, o estranho acabou
decifrando a charada ao dizer-lhe apontando para algo no chão:

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Acho que é o salto do seu sapato. –agregou à informação um meio sorriso de


congelar todos os eventos maléficos no mundo.
Ele é um príncipe dinamarquês, pensou debilmente, fitando o lugar onde o regente
havia apontado. O pedaço do seu sapato era a coisa mais fascinante do universo. Nesse
ponto, olhando para o salto quebrado, ela percebeu que o seu cérebro estava girando mais
devagar. Mas o resto do corpo não. E como era uma moça educada, disse espontaneamente:
-Merda de sapato!
O estranho riu e dois sulcos acentuaram-se ao redor dos lábios. Havia algum defeito
nesse espécime masculino? Impossível, concluiu Amanda.
- Desculpa... eu estava tão concentrada em não perder o táxi... é tão difícil... -
começou sentindo a bochechas quentes.
-O táxi com passageiros? –indagou com expressão divertida.
-Oh, merda... quer dizer, droga, ah, pardon...
Os olhos azuis brilhavam divertidos, o sorriso era aberto e franco, transmitia calor,
aconchego. Ele estendeu-lhe novamente a mão e disse:
-Jacques Rodin.
Era agradável tocar naquela mão e ela aproveitou novamente a chance.
-Amanda Rossi. Posso pagar-lhe um café?
Assim que a frase escapou-lhe dos lábios, ela sentiu uma quentura forte no rosto. Era
a primeira vez que cantava alguém de forma tão direta. Normalmente, quando o homem lhe
interessava insinuava uma brincadeira tola, fazia charminho ou dava a deixa para ELE
arriscar uma aproximação. Jamais dava a cara à tapa. Naquele momento, diante de um
desconhecido com a sobrancelha alçada num gesto de surpresa, Amanda havia retirado do
campo todos os zagueiros e chamado para o jogo os seus melhores atacantes, somente os
craques.
-Um café e um punhado de histórias? – perguntou inclinando ligeiramente o corpo
para frente, um sorriso amistoso e um convite implícito.
-A gente pode revezar as narrativas. –disse sorrindo, enquanto abaixava-se para
pegar o salto.
Jacques segurou-lhe pelo antebraço a fim de lhe dar suporte enquanto ela tentava
prender novamente o salto ao sapato. O problema era que Amanda somente sentia uma
parte do corpo, o antebraço. Desistiu de grudar madeira na madeira, sem cola. Ninguém
precisava dizer-lhe que era uma missão impossível. Voltou-se desanimada para Jacques e
ensaiou uma despedida:
- Infelizmente, teremos que deixar o café e as histórias para outro dia.
Num instante, Jacques tomou-lhe nos braços levantando-a do chão. Soltou uma
sonora gargalhada ao vê-la assustada.
-Acha mesmo que um simples sapato arruinará meus planos?
-Monsieur Rodin, a vida não é um conto de fadas, e eu certamente não sou Cinderela.
– riu-se.
-Mas quem disse que sou aquele príncipe apatetado? Ele ficou com o sapato na mão
enquanto eu, bem, estou com a princesa nos braços. -brincou.
Adorável! A palavra nascia e explodia dentro de bolhas com cheiro de morango. Ele
era a- do-rá-vel! E cheirava a colônia cítrica.
Talvez tenha sido nesse momento, quando seus olhos se encontraram por vários
minutos, que percebeu que estava completamente encantada por ele, numa calçada

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pública, sem metade de um sapato e vendo passar bem pertinho de si um contador


arrogante xingando baixinho Dorian.
No café, ele disse que era advogado, trabalhava para algumas corporações
estrangeiras na França, morava em Montmartre e estava sozinho no momento, já que a
“mulher da sua vida” ainda lhe era apenas um sonho. Um sorriso cativante que formava
sulcos ao redor dos lábios, dentes perfeitos, olhos azuis claríssimos na tez ligeiramente
dourada. Cabelos loiros, fios irregulares, selvagens, que não se ajeitavam de jeito nenhum
no hábito que tinha de ará-los com os dedos toda a vez que ficava sem jeito, ou fingia ficar
sem jeito.
Entre um gole e outro de café com uísque, Amanda viajou em pensamento para o seu
apartamento de solteira-sozinha-sem-muitos-romances. Palavras como frio, silêncio e chá
morno ressoaram-lhe na mente. Ela não queria voltar. Pelo menos, sem uma companhia
masculina. E era incrível a sincronia da existência, pois assim que tal ideia perpassou-lhe pela
cabeça, Jacques alçou uma sobrancelha em desafio e sorrindo – Oui, monsieur, ele sorria
mel quente – foi direto ao ponto:
- Quero dormir com você. – ronronou com olhos de predador.
Ela também queria. O seu corpo o queria. A sua liberdade e independência de mulher
adulta em Paris o queria. E simplesmente imaginar aquela boca carnuda que exibia a ponta
dos dentes na sua, sim, queria muito.
Desceu do táxi e esperou por Jacques enquanto pagava ao motorista. Apertou-se no
casaco longo, mas não sentia frio. Apesar da neve intensa, dos flocos caindo-lhe sobre a
roupa e o cabelo, ela não sentia frio. Virou-se para o homem que estava encurvado ao lado
da janela do taxista e deu uma boa olhada no seu traseiro, pequeno, duro, estufado contra o
jeans. Voltou-se fingindo importar-se com as luzes dos apartamentos e edifícios. O motor do
táxi chamou-lhe a atenção e ela se virou para ver Jacques guardando a carteira no bolso
interno do casaco, um sorriso frágil, os olhos baixos numa atitude de quem está pensando
sobre os próximos passos. E ela também olhou; não para o chão nem para a camada de neve
que se avolumava na calçada e alcançava o meio-fio. Ela olhou para o volume entre as
pernas do francês. Sentiu uma fisgada na barriga e as mãos tremerem. Podia desistir e
inventar que era casada, que a mãe estava hospedada em seu apartamento, que era
lésbica... Podia fugir, se quisesse. Entretanto, mais do que fugir, ela o desejava.
Principalmente porque não fazia ideia de quem era ele. A excitação de fazer sexo com um
completo desconhecido. Uma fantasia antiga.
Quando a alcançou quase próximo à entrada de seu prédio, Amanda observou o
quanto ele era alto em relação a ela, forte, ombros largos, viril, o quanto ele era charmoso e
sedutor. Irradiava uma simpatia que transmitia confiança e acolhimento. Sua última relação
fora há dois anos, quando conhecera um rapaz de vinte anos, durante uma visita ao Louvre.
Uma tarde de descobertas. Duas horas de sexo e conversa fiada. Ele pedira-lhe o telefone e,
para variar, Amanda rabiscou o número de uma creperia. E agora, o loirinho, de pálpebras
relaxadas e insolentes.
Girou a chave na fechadura da porta de entrada e a empurrou. O cheiro típico da
alvenaria antiga, úmida e morna parecia uma benção diante do frio glacial da rua. Ela entrou
seguida por ele. Caminhavam lado a lado sem se tocarem, porém conscientes demais um do
outro. Eles sabiam que logo estariam nus na cama. Não havia pressa. Não antes de subirem
os degraus da escada até o andar de Amanda. À porta, ela foi abraçada por trás enquanto
tentava enfiar a chave no buraco da fechadura. Não conseguia. Cônscia de seus braços fortes
apertando-lhe ao redor da cintura e trazendo-a ao encontro da rigidez de seu corpo.

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Impossível abrir a porta. Ele enfiou a língua na parte detrás da orelha de Amanda, que usava
o cabelo curto e a nuca exposta. O contato quente e molhado traçou-lhe pelo pescoço e
nuca rastros de sensações quentes que, imediatamente, conectaram-se ao seu sexo.
Continuou o passeio até alcançar o lóbulo da orelha e mordiscá-lo ferindo-o levemente,
provocando dor para atrair o prazer. Ela gemeu quando as mãos de Jacques, acompanhadas
pela boca entreaberta e voraz no seu pescoço, avançaram por debaixo do casaco e da blusa
fina de lã, descobrindo a renda suave do sutiã. No minuto em que se apossou do bico,
apertou-o entre dois dedos, puxando-o suavemente e o soltando. Esfregou o pau duro,
inchado dentro da calça, contra o corpo magro e pequeno dela. Amanda espalmou as mãos
contra a porta, como se tentasse empurrá-la para abri-la. Tencionava, outrossim, não se
estatelar no chão. Principalmente, quando ele fez um movimento atrás dela - sem deixar de
segurar-lhe um seio com a mão cheia e fechada sobre ele, tomando-o todo possessivamente
– e em seguida, flexionou os joelhos ao mesmo tempo em que lhe erguia a saia e enfiava
entre suas coxas o pau grande e duro. A quentura do membro entre suas pernas, excitou-a
de tal forma que teve sua calcinha umedecida. Aproveitando-lhe a fraqueza, ele ajeitou a
cabeça do pau por baixo da calcinha dela, na divisão entre as nádegas. Deslizava-o para cima
e para baixo, observando o corpo da mulher ajustar-se ao seu, voltando-se para trás,
modelando-se ao vaivém que o seu corpo impingia.
-Você é gostosa... gostosa demais...- gemeu-lhe ao ouvido numa voz abafada pelo
rouco de sua respiração irregular. – Abra a porta, ma petit, senão vou gozar aqui mesmo. –
pediu.
Na terceira tentativa, ela conseguiu destrancar a porta, e eles entraram meio
abraçados, meio tropeçando. Com um chute poderoso e agarrado à Amanda, Jacques
fechou-os no apartamento, no centro da pequena sala. Ela ainda tentou desvencilhar-se a
fim de oferecer-lhe um café ou convidá-lo diretamente para o seu quarto. Mas o homem
não lhe dava chance alguma, a boca colada a sua, a língua sugando a sua com desejo, com
urgência. Desabaram sobre o tapete. Roupas arrancadas. Dois anos sem sexo era tempo
demais, era falta demais. Sentou-se sobre ele e mordiscou-lhe o tórax com a ponta dos
dentes, aprisionando um mamilo entre os lábios e sugando-o como uma gatinha sedenta.
Desceu os beijos pelo seu corpo firme e musculoso, aspirando-lhe o odor cítrico misturado à
delicada camada de suor que fazia sua pele brilhar, detendo-se pelo caminho, encontrando
um atalho aqui e ali, um abdômen malhado com pelinhos aloirados, um par de coxas duras,
um vale com tufos castanhos que emolduravam o pau grande, erguido para trás, pronto
para disparar.
- Tente não me matar... – ela gemeu abocanhando-lhe o membro e masturbando-o
com a boca. Ouviu murmurar algo indefinível, já que todos os seus sentidos despertavam-se
após dois anos adormecidos, e o cérebro descansava em algum compartimento secreto do
organismo. Francês, nesse momento, não era uma nacionalidade, e sim um homem com as
pernas abertas sendo chupado com voracidade, um país secreto desbravado por uma
selvagem, um navio no porto entre suas pernas, um animal a ser cavalgado.
- Quero muito de comer, Amanda – afirmou, mas parecia implorar.
Ela puxou a alça da bolsa sobre o sofá para o chão, abriu-a e retirou a embalagem
com preservativo. Fêmea precavida que era, cortou uma ponta com os dentes e deu-o para
o homem fazer a sua parte. O pênis não era dela. Depois ele puxou-a para debaixo de si e,
pegando o pau na mão, guiou-o para dentro dela, enfiando sem rodeios. Amanda sentiu-o
como se um cilindro de energia e carne fosse-lhe enterrado na vagina, uma britadeira no
asfalto quente. A cada arremetida, ela lançava gritinhos, as unhas arranhando-lhe as costas,

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as pernas cruzadas ao redor do quadril dele. Debaixo das suas pernas, percebia a
musculatura do traseiro de Jacques sendo forçada, exigida a cada estocada violenta, a cada
bombeada que alcançava até o fundo dela e voltava à borda, à entrada encharcada e ardida.
De repente, Jacques fechou a mão e puxou-lhe um punhado de cabelo, fazendo com
que ela gemesse e lhe segurasse o pulso com força.
- Aiii – gritou.
- Pardon, ma petit, pardon... – soltou-lhe o cabelo e observou-lhe a feição constrita
de dor. – É uma garota sensível. – ironizou lambendo-lhe a ponta do nariz. – Sabe o que é
uma dor de verdade? – perguntou-lhe numa respiração rápida e rouca.
Amanda balançou a cabeça negando. Tarde demais, percebeu que era uma pergunta
retórica. Num gesto brusco e inesperado, ele retirou o pau da vagina e o enfiou com tudo
atrás, arrancando-lhe um grito de susto e dor ao sentir a queimação, como se estivesse
sendo penetrada por uma lança de fogo. Tentou escapar, porém isso só aumentou a
excitação do homem que, após três ou quatro bombeadas firmes, gozou abraçando-se a ela
com força.
- Muita dor, passion? – sussurrou numa voz trêmula e cansada.
Amanda engoliu em seco. Havia sido estuprada por trás?
- Sim, muita. – respondeu estreitando olhos, intrigada com a mudança brusca de seu
comportamento; antes acolhedor e em seguida, agressivo. Mal conseguia se mexer, ardida
em brasa. Temia que ele tivesse lhe ferido de fato.
Jacques levantou a cabeça e a encarou, sorriu-lhe de forma travessa:
- Tem lubrificante? Da próxima vez, você vai gostar e depois vai implorar para eu te
comer por trás.
Ela desconfiou das palavras dele.
- Nem pense em tornar a fazê-lo. – ameaçou-o, alçando uma sobrancelha de forma
superior.
Por um momento, ele fitou-a em dúvida, desgostoso com o tom usado por ela;
entretanto, tinha muita lenha ainda para consumir naquele fogo. Numa fração de segundos
sua expressão mudou e o sorriso bonito e acolhedor voltou-lhe à face. Amanda constatou
três coisas: primeiro, Jacques era instável, um caleidoscópio de emoções e sensações;
segundo, era um homem para uma aventura erótica e nada além e, terceiro, uma aventura
erótica de curta duração.
- Valeu a pena esperar. – murmurou ele, enigmaticamente.

Capítulo II

À mesa da cozinha, Amanda tomava o café aos golinhos observando Jacques fazer o
mesmo. Ambos tinham de trabalhar e encarar a vida que haviam deixado fora do
apartamento dela. Ele piscou-lhe o olho enquanto entornava a caneca, parecia sossegado e
bem disposto. Talvez tivessem dormido por duas ou três horas. Amanda sentia-se exausta e
descansada, esgotamento sexual, por certo, sorriu consigo mesma. E admirando o homem à
sua frente, de cabelos molhados, dividindo a mesa consigo e paquerando-a
descaradamente, ela pensava em coisas como “masculinidade”, “beleza” e “fogo”.

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Imaginava também que naquele instante, o chefe estaria encaminhando-se ao escritório. No


entanto, quando ressoou Killer Queen no celular, percebeu que seus pensamentos eróticos
dissiparam-se por completo. Jacques fitou-a interrogativamente sem esconder o interesse, e
Amanda acabou sentindo-se obrigada a dizer que era o toque que escolhera para as
chamadas do seu chefe. Ele riu com vontade.
- Bonjour, monsieur Brienne. –disse de olho no relógio da cozinha. Eram 7 horas, o
expediente na empresa começava às 9 h, e o dela, como assistente pessoal do presidente: a
qualquer momento.
- Está atrasada, mademoiselle. – constatou num timbre de voz baixo e incisivo.
Amanda buscou na mente motivos para tal observação, levantou-se lentamente e,
antes de sair da cozinha, percebeu a expressão ainda divertida nos olhos do amante.
-Desculpe, monsieur... mas...- foi então que a ficha caiu!, merda! Havia esquecido que
deveria passar primeiro em sua casa antes de ir à empresa. Era de praxe que às segundas-
feiras ambos encontravam-se para organizar a agenda da semana. Ocupavam o escritório,
no segundo andar, ao lado do quarto da madame Brienne cujas portas sempre estavam
fechadas. Amanda sentava-se diante da mesa de Jules, abria o Excel do seu notebook e
listavam todos os compromissos e eventos pessoais e profissionais do chefe. Os
compromissos profissionais eram repassados às secretárias da presidência e ficava a cargo
delas contatarem os envolvidos. Quanto à parte pessoal, cabia a Amanda resolver. Desde
buscar o terno na lavanderia até a compra de novos aparelhos celulares para ele ou para a
governanta, Annie, ou a organização de um jantar beneficente. Tarefas múltiplas e variadas.
Quase como um casamento, sem sexo.
-Alô?
-Pensei em ir à sua casa perto das oito horas, não sabia que monsieur já estava me
esperando...
Mentira, ela sabia que Jules Brienne acordava às seis horas da manhã. E mais,
caminhava na esteira por trinta minutos; tomava uma ducha quente às 06h30min; tinha o
café preto sem açúcar servido às 06h35min; lia, pelo menos, três jornais durante o desjejum;
vestia a roupa, escolhida por Amanda, depositada num pequeno sofá no closet quilométrico
(aliás, a escolha das roupas a serem usadas por ele, ao longo da semana, era determinada
nas reuniões de segunda-feira; roupas essas para todo e qualquer evento público) e dirigia
seu Citroën até a empresa. Quando viajavam a rotina era outra; mas ainda assim, uma rotina
a ser seguida.
- D’accord, venha agora.
E desligou.
Ela ainda ficou por um tempo fitando o celular. Um pensamentinho teimoso latejava-
lhe dentro da mente: será que lhe faltava ambição? Contentar-se em ficar à sombra de um
homem poderoso, mas à sombra, era tudo o que mais queria na vida? Não, claro que não.
Ela também queria casar e ter filhos. Quase gargalhou. Amanda Rossi, você está regredindo
anos-luz, censurou-se divertida.
À porta, um semideus do Olimpo varria-lhe com o olhar. Ele desencostou-se
preguiçosamente do batente e, caminhando devagar, cobriu o espaço entre ambos. Usando
o próprio corpo, empurrou-a contra a parede sem deixar de desafiá-la silenciosamente.
Parecia um felino encurralando a presa. Entretanto, a presa precisava imediatamente fugir,
porque outro felino esperava por ela. Tentou desvencilhar-se dos braços de Jacques sem
demonstrar grosseria. Na primeira tentativa, ele apenas sorriu e alçou a sobrancelha num
tom de surpresa. E era como se lhe dissesse: “O que?, acha que pode comigo?” Mas ela não

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estava brincando ou medindo forças, queria realmente encerrar o maravilhoso final de


semana com um longo beijo e troca de telefones. Jacques, no entanto, tinha outras ideias.
Prendeu-a contra a parede com o próprio corpo, soltou o nó do cinto ao redor do robe de
seda e, num movimento ágil, pôs uma mão debaixo de sua coxa e ergueu-a o suficiente para
que seu pênis a penetrasse. Enquanto ele a penetrava, Amanda tentava desvencilhar-se do
abraço apertado que os mantinham grudados. Sentia o corpo quente, fraco e trêmulo. A
selvageria de Jacques excitava-a. Mas a sua cabeça já não estava mais no ato, e a obrigação
profissional clamava urgência. Estranhamente, queria soltar-se do homem que havia pouco
se entregara de forma apaixonada. Novamente, não obteve sucesso. Ouvir a voz do chefe
serviu-lhe como um banho frio. Voltava agora a ser disciplinada, pragmática e responsável.
Essa era ela, e não a mulher inconsequente que convida para sua casa um estranho que
conhece na rua.
-Preciso trabalhar, Jacques. –murmurou, procurando escapar do abraço firme e
desvencilhando-se do corpo dela.
-É o que realmente quer fazer? – afastou-se para fitá-la e completou: - Não devo me
intrometer na sua vida, Amanda, mas esse seu chefe já ultrapassou o limite do bom senso. –
afirmou, ajeitando o pau duro e inchado dentro da cueca. Fez um careta quando soltou a o
cós da cueca em torno da cintura, o membro comprimido projetando-se no tecido.
Amanda não gostou de ouvi-lo falar mal do chefe. De fato, concordava com Jacques.
O problema era que ele não conhecia Jules Brienne o suficiente para fazer tal observação.
Soltou-se dele com um gesto brusco, procurou disfarçar a irritação com um sorriso forçado:
- Nossa dinâmica de trabalho é bastante peculiar. Bom, tenho que trocar de roupa e
sair. Quer me deixar seu telefone?
Ele sorriu com charme e beijou-lhe a ponta do nariz.
- Dei-me o seu, chèri. – esperou que ela o ditasse, mecanicamente, e rabiscou uns
números no bloco de notas que Amanda deixava ao lado do telefone. Dessa vez, o número
correto. – Se quiser, podemos jantar logo mais. Que tal? Espero que não seja aquele tipo de
mulher cheia de regras e que se faz de difícil... – piscou-lhe o olho e brincou: – Sou muito
preguiçoso.
-Oh, sim, fui muito difícil mesmo. – debochou.
No fundo, não estava satisfeita com o seu comportamento. Praticamente jogara-se
para cima de Jacques. Que dificuldade ele tivera para conquistá-la? Por outro lado, quando
lhe fora realmente difícil conseguir sexo? E para quê tantas regras de conduta e
comportamento, se o objetivo final era apenas: sexo. Desencana, Amanda, alertou-se
prontamente. Como era mesmo que sua irmã lhe dizia antes de lhe roubar o namorado e
casar-se com ele? Enquanto o homem certo não chegar, divirto-me com os errados...
- Ah, puritanismo démodé... –riu-se de forma afetada. - Bien então a gente logo se
fala... se o seu patrão permitir, claro. –concluiu, dando-lhe as costas e indo para o quarto
vestir-se.

Parou o automóvel em frente ao portão de ferro e esperou que um dos seguranças


acionasse-o pelo controle. Cumprimentou o rapaz ruivo, vestido num terno escuro e entrou
na estrada de pedras, ladeada por um pequeno bosque, até a entrada da mansão.
Estacionou, desligou o motor e pegou a pasta. Ao descer do automóvel, deu uma boa olhada
ao redor e disse a si mesma que jamais se cansaria daquele panorama. Não era a imponência
ou a riqueza daquela construção; era mais a beleza de uma arquitetura antiga e tão bem
preservada, como quase tudo na França. Desde que chegara a Paris, vinda de Porto Alegre,

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

deslumbrara-se com a história entalhada nas paredes dos lugares, como se num dado
momento fosse possível apoderar-se de uma máquina do tempo e visitar outros séculos,
tanto para o passado quanto para o futuro. E a prova era a mansão do século XIX à sua
frente, que tinha como proprietário um homem da Era Cibernética. Mas o mais belo naquele
lugar era a natureza, o bosque, as flores no jardim e o espaço organizado ao redor do
chafariz antigo com cadeiras e estátuas. Havia cinco anos, pelo menos, que a decoração
devia ser assim. Amanda presumira ao chegar que madame Brienne fora a responsável pela
decoração.
Suspirou profundamente e olhou para o céu azul. Frio e céu azul, novembro em Paris
prometia castigar a pobre latina. Ajeitou-se no casaco, espichou o tecido da saia justa até os
joelhos e observou se havia algum fio corrido da meia-calça 7/8 de seda. Usava sapatos cujos
saltos, invariavelmente, tinham 10 cm. Precisava dessa altura já que seguia por toda a parte
um homem com quase um metro e noventa. Olhou-se no reflexo do vidro do carro e viu que
seus lábios estavam inchados, as pálpebras semicerradas com languidez e os olhos
brilhavam como se tivesse com febre. Tinha a expressão de uma fêmea bem servida. Sorriu
consigo mesma e pensou: Ah, como é bom ser mulher!
Seu ânimo mudou radicalmente, quando a governanta abriu a porta. Era incrível, mas
Amanda sentiu uma borrifada de ar frio na face e um espasmo entre as vértebras. Toda a
beleza externa desaparecia dentro daquele sepulcro de móveis escuros e pesados, nos
tapetes persas, no tecido do papel de parede e nas próprias paredes. O ambiente era
sofisticado e impessoal. Amanda não lembrava, ao longo desses cinco anos trabalhando para
Jules Brienne, as vezes que entrara ali. Porém, sempre sentia a mesma sensação: frieza. O
lugar parecia-se mais com um cenário de filme no qual os móveis e os ornamentos eram
montados e desmontados todos os dias. Estava longe de se parecer com um lar. E a
atmosfera, úmida e sombria. Talvez até doente. Era como se Rochelle Brienne estivesse em
cada peça, em cada cômodo como um fantasma que se esquecera de morrer, um fantasma
vivo preso a tubos.
Annie conhecera Rochelle antes do acidente. Fora trabalhar com os Brienne assim
que se casaram, havia sete anos. A governanta era uma mulher que um dia fora bonita e o
tempo ou a vida se incumbira de marcar-lhe a face. Solteira, na faixa dos cinquenta, cabelo
grisalho e longo, sempre preso num coque. Comandava a dezena de empregados
distribuídos em várias tarefas na mansão. Era uma mulher simpática, doce e metida à mãe
de todos. Usava sempre um vestido azul marinho, justo, até os joelhos e sapatos de saltos
baixos, porque – segundo ela – “não lhe atacavam a coluna.” Os demais empregados usavam
uniformes beges.
-Como vai tudo por aqui, Annie?
Chamar-lhe diretamente pelo primeiro nome fora um avanço. Os franceses não eram
tão comedidos e, como não dizer, retraídos como os ingleses, mas também prezavam a
distância segura entre subalternos.
- Esse frio endurece as minhas juntas. -reclamou ao lado de Amanda enquanto
subiam os degraus da escadaria acarpetada que levava até o segundo andar, onde ficavam
os quartos, o escritório e o terraço.
Ao passar pela porta fechada do quarto onde ficava o leito hospitalar com madame
Brienne em coma, Amanda sentiu um aperto no estômago. Num impulso, virou-se e
perguntou a Annie:
-Há alguma chance de madame Brienne sair do coma?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Annie parou no corredor e, com um gesto discreto, olhou ao redor antes de


responder-lhe num tom baixo:
-Cinco anos em coma profundo, os médicos não são muito otimistas. Se ela voltar,
jamais será como antes.
-Annie, por que monsieur Brienne nunca entrou nesse quarto?
Custava-lhe compreender um marido que mantinha tamanha distância da mulher
doente. Ele havia gasto uma fortuna em equipamentos modernos e numa eficiente e
caríssima equipe médica e de enfermagem. No entanto, não se aproximava. O simples gesto
de girar a maçaneta da porta e entrar, não era feito. Que tipo de marido agia assim?
- O que mantém aquele corpo vivo é o coração, não o cérebro. E monsieur Brienne é
um homem racional que tem plena consciência de que está fazendo o melhor que pode.
Independentemente de sentimentalismos inúteis, pode-se dizer que ele é o melhor marido
do mundo.
Um marido sensível que evitava ver a decadência da esposa ou um marido frio que
cumpria com suas obrigações morais? Será que monsieur Brienne pensava em ter seus
próprios filhos um dia? Mas, como, se era casado com alguém que já não pertencia mais ao
mundo, conscientemente?
Consultou o relógio de pulso e pelo horário concluiu que o encontraria no escritório.
Annie indicou-lhe o terraço e declarou:
- Hoje o expediente começou bem mais cedo, ele mal tocou nos croissants. Isso é
raro, vindo de alguém que gosta de comer.
Maus pressentimentos.
-É a síndrome de segunda-feira, dia em que os workaholics sentem-se compelidos a
compensar o pecado de existir o domingo. –brincou.
Annie pôs as mãos na cintura roliça, franziu as sobrancelhas e disse com aquele jeitão
de mama italiana que nasceu na França:
-Fiquei aqui este fim de semana, e monsieur Brienne saiu do escritório apenas para
almoçar na cozinha comigo. E ainda assim barbeou-se e vestiu uma camisa social para não se
sentir tão deslocado num domingo em casa.
Era impossível não rir.
Annie deu-lhe um tapinha amistoso no ombro e voltou ao seus afazeres, deixando-a
em frente às portas duplas, de vidro, fechadas do terraço. Abriu-as e atravessou o espaço,
tomado por inúmeras plantas em vasos de cerâmica, alcançando a mesa redonda para
quatro lugares onde estava o chefe. Concentrado diante da tela do notebook, Jules Brienne,
em princípio, não lhe percebeu a presença. O cabelo preto, úmido do banho, estava
impecavelmente cortado, com a nuca exposta e as mechas lisas e curtas dando-lhe um
aspecto do que realmente era, um executivo. A pele nívea pouca vezes recebia o sol e, na
altura dos maxilares, a eterna marca azulada de quem teimava com a própria barba. Tinha
um nariz reto que encimava lábios duros, o inferior ligeiramente mais carnudo que o
superior; abaixo, o queixo másculo. Seu chefe era belo? Sim, sem dúvida. Seu chefe era
sexy? Amanda procurou varrer tal ideia da mente, mas quando ele desviou os olhos sérios e
compenetrados do que lia e endereçou-os a ela, numa espécie de interrogação sutil, teve
certeza de que aquele olhar arrancava alguns vestidos do corpo.
Por um momento ficaram se olhando, como se alguma coisa estivesse fora do lugar.
Ela até pensou se a sua maquiagem estava borrada ou inadequada para o horário e isso foi o
suficiente para abalar-lhe a autoconfiança. O estranho era que o chefe parecia esquadrinhar-

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

lhe o rosto como se a investigasse ou procurasse algo. Saberia que ela havia transado feito
uma doida no final de semana? O sangue subiu-lhe à face.
-Faça reservas para hoje à noite, em um restaurante discreto, no centro. Mesa de
canto e longe de tumultos. - começou a distribuir tarefas: - Busque o meu terno na
lavanderia. Preciso de colônia e outro par de sapatos, o tamanho é...
- 42, monsieur. Cítrica ou amadeirada?
Deu de ombros, voltando-se novamente para o computador.
-A de sempre.
Anotação: Blend amadeirado. Ainda escrevendo, perguntou-lhe com naturalidade,
apesar de detestar improvisos e imprevistos:
-Esse jantar é novidade, digo, tão em cima da hora. Eu não o tenho agendado... -
folheou as páginas da agenda.
-Não é um jantar profissional. Vamos nos encontrar com o homem que me ajudou no
início da SBO...
- François Roche. – interrompeu-o, sorrindo.
Jules levantou a cabeça e disse com uma dose de ironia, que ela não pôde deixar de
observar:
-Pelo visto, fez o dever de casa, mademoiselle Rossi.
Ele não era um homem irônico. Tudo o que tinha de falar, dizia claramente, sem
meias-verdades, sem diplomacia ou eufemismo. A ironia surgia-lhe quando estava de mau
humor.
-Mesa para três? – Sempre se sentia compelida a lhe fazer tal pergunta, caso ele
decidisse levar alguma amiga. No entanto, era ela quem tinha de acompanhá-lo, mesmo
num evento pessoal. Era uma espécie de acordo tácito entre ambos, a assistente não
perguntava o porquê e o patrão não lhe explicava a necessidade de sua presença. Na
verdade, uma dinâmica bastante peculiar, como Amanda havia dito a Jacques.
-Non, ele levará a esposa. – respondeu com naturalidade e disposto a encerrar o
assunto jantar. Antes de voltar-se para o computador, fez um gesto com a mão indicando-
lhe a cadeira à sua frente.
Amanda abriu os primeiros botões do casaco, sentou-se e pôs a agenda sobre a
mesa. Percebeu que o chefe bebia apenas café preto e, se dependesse dele, ficaria por isso
mesmo. Pegou uma torrada integral, depositou uma camada generosa de geleia de cereja e
serviu-lhe no pratinho ao lado de sua xícara.
-Essa será sua única refeição até às 14 horas. Coma pelo menos uma torrada. –
sugeriu.
Já estava acostumada a pensar pelos dois e nem precisava mais de permissão para
determinadas coisas, como, por exemplo, servir-se de café à mesa do patrão, ou abrir as
gavetas e o guarda-roupa dele a fim de fazer um levantamento das roupas para caridade e
as que deveriam ser substituídas. E, mais do que isso, tinha total liberdade para comprar um
guarda-roupa inteirinho para ele e para si mesma, caso quisesse. Ela, andando ao lado do
presidente da empresa, era o cartão de apresentação da SBO e tinha todas as suas despesas
com lojas e cosméticos pagas pelo seu empregador. E não podia ser de outro jeito, dado o
padrão altíssimo de Jules Brienne.
Ele mordeu a torrada sem deixar de se comunicar com a subsidiária de Roma, através
do serviço de mensagens instantâneas, no notebook. Deu cabo dela rapidamente, parecia
faminto, mas paralisado diante do computador. Será que se alimentava de trabalho? Serviu-
se de café e observou as anotações na sua agenda, precisava de algumas decisões:

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Devo confirmar sua presença no jantar de mademoiselle Geneviève?


Um grupo de senhoras da sociedade havia-o convidado a participar de um centro
social para vítimas de violência doméstica. Jules enviara-lhes um cheque pessoal bastante
polpudo. Agora, as socialites queriam-no como presidente de honra, e ele tentava escapar a
todo o custo. O jantar beneficente seria na sexta-feira e o valor de cada mesa era
simplesmente astronômico. No entanto, tal dia entrava em conflito com uma reunião no La
Coupole com um grupo de americanos.
-Mande outro cheque para mademoiselle Geneviève, valerá bem mais que a minha
presença. – afirmou taxativo.
-Aliás, hoje, às duas horas, monsieur almoçará com...- ela leu com certa dificuldade o
nome finlandês que fora anotado, - monsieur Jarkko Koskinen. Fiz reserva no Les Ombres.
Caso queira trocar-se, levarei outra camisa para seu escritório.
- D’accord. Se tiver tempo, compre aspirina. – mandou sem tirar os olhos do
computador.
-E faça uma tomografia. – completou ela com naturalidade, sem desviar os olhos do
que escrevia na agenda.
Ele fechou o notebook, guardou dentro da pasta executiva e voltou-se curioso:
-Como...?
Até onde você pode ir com esse atrevimento?, censurou-se.
-Em vez de tomar aspirina, por que não vai ao médico?
Jules Brienne não estava acostumado a ser questionado. Era visível que a indagação o
incomodara, mas sendo um homem educado, preferiu contornar a situação a fim de evitar
constrangimentos.
-Aspirina e café resolvem o problema. – disse categórico; em seguida, emendou de
forma mais suave: - Agradeço a atenção, mademoiselle. Agora, vá ter com Annie, s'il vous
plaît. Encontramo-nos no escritório.
Menos de dez passos, ele atravessou o terraço e saiu. Viu a xícara de Jules vazia.
Lembrou-se do que ouvira no Brasil, que se bebesse no copo ou na xícara de alguém saberia
os seus segredos. Riu-se dos próprios pensamentos. Santa bobagem!, diria Robin, pensou
Amanda dando de ombros jocosamente
Evitou olhar para a porta fechada do quarto de Rochelle Brienne. Podia-se ouvir o
barulho dos aparelhos que a mantinham viva. Não devia ser fácil conviver com esses sons
todos os dias. E ainda estranhavam o fato do executivo não sorrir. Encontrou a governanta
dando ordens às camareiras e recebeu de suas mãos uma lista de compras. Sim, Amanda
teve de ir ao mercado fazer compras.

Capítulo III

Dorian possuía estatura mediana, muito magra, fumante e usava o uniforme da SBO,
criado por um estilista argelino de 20 anos. Um tailleur cinza-chumbo, que favorecia a
silhueta das magras e também das que não o eram. Os homens, terno e gravata. Somente o
alto escalão corporativo estava livre para desfilar seus ternos escuros, sobretudo cinza ou
preto e, constantes e variados, cachecóis. As executivas, saias justas até os joelhos, calças de

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

costura reta e casaquinhos. Parecia que feminilidade rimava com fragilidade e, grande parte
delas, escondia as curvas. Amanda exibia-as sem descuidar da elegância e discrição.
Pisou no acelerador e adentrou no subsolo, onde se localizava o estacionamento da
empresa. Quando entrou no elevador panorâmico e apertou o botão da cobertura – o andar
com a sala da presidência e o auditório para as conferências – viu-se refletida no espelho.
Quase gritou. Como não havia percebido o chupão quase arroxeado no pescoço? Levou a
mão à mancha e esfregou-a como se fosse uma sujeira qualquer. Doce ilusão. Só fez irritar a
pele deixando-a vermelha ao redor do hematoma. Estava tão encantada com a aventura
erótica com Jacques Rodin, que diante do espelho de casa só vira o que lhe interessara.
Annie vira o chupão. Que vergonha! Fechou os olhos para apagar a imagem na mente. Quem
mais? Quem mais? Quase gritou, histérica. Jacques (que ficara quietinho e não lhe avisara), o
porteiro de seu prédio (que era meio míope e, mesmo se não fosse, discreto como era, nada
comentaria, nem sequer uma piadinha), os seguranças da mansão de seu chefe... e... o seu
chefe? oh, céus, por isso aquele olhar estranho, longo e investigativo quando ela entrou no
terraço! Amanda tinha um outdoor no pescoço gritando: fui chupada, vejam!
A latina que caminhava sobre saltos altos exalando cheiro de primavera e remexia o
quadril ligeiramente como se o mesmo tivesse sido deslocado ao nascer, mesmo discreta,
daria material para as fofoqueiras da rádio-corredor.
Quando as portas do elevador abriram, Amanda vislumbrou o topo da cabeça de
Dorian por detrás do balcão alto, de cedro. Bateu com a chave do carro sobre a madeira, e a
secretária deu um pulo e arregalou os olhos:
-Nossa, Amanda, se você fosse uma cobra me picava...
-E se eu fosse o nosso VP? – questionou com a sobrancelha erguida.
O vice-presidente da SBO chamava-se Victor Marcell Touleause, tinha 44 anos,
graduado na Sorbonne, casado com uma estilista de moda, três filhos e uma vocação incrível
para sermões moralistas. Ele exigia a perfeição de todos. Ou seja, devia ter algum problema
psicológico...
- Nem me fale!, com a sorte que tenho seria ele mesmo.
-Calma, Dorian, monsieur Touleause está em Roma e há pouco conversava com o
monsieur Brienne. Agora, olha bem pra mim...
A secretária parou de digitar e fitou a colega de trabalho. Num minuto, surgiu-lhe na
face um olhar malicioso acompanhado por um sorrisinho safado:
- Qual o nome dele? Calogero?
Amanda sentiu as bochechas pegarem fogo. Ignorou a brincadeira da outra, deu a
volta no balcão e pegou-a pelos ombros:
-Preciso de base, pó compacto, quero dizer, pancake! Balde de tinta também serve!
A secretária revirou o bolsão de couro que deveria conter inclusive sua mobília.
Depois de muito “escavar”, estendeu à Amanda a base líquida, com protetor solar, para
peles de loiras quase transparentes. O que não era o caso da tez dourada de Amanda.
Agradeceu e enfiou-se no banheiro de sua sala que, mesmo anexada à de Jules Brienne,
possuía banheiro próprio e uma outra entrada, lateral, que, caso a porta de comunicação
entre os dois escritórios estivesse fechada (e isso raramente acontecia), ela não seria vista
entrando. E nem teria visto a personagem alta, sofisticada, com um longo pescoço e imensos
olhos verdes, sentada em frente à mesa do chefe. Entretanto, mesmo quase trocando as
pernas e segurando o pancake como uma menina inocente segura o “sagrado” anel de
noivado, com sua visão periférica, percebeu o ataque felino àquele que, como sua assistente
pessoal, deveria zelar, proteger e preservar.

16
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Depositou uma farta camada de maquiagem sobre o hematoma e, sem cronometrar,


concluiu que levara vinte segundos para a operação. Ajeitou o cabelo e estufou os peitos. Já
não era a primeira vez que enfrentava uma mulher com segundas intenções burlar-lhe a
segurança. A talzinha não aceitava uma negativa em relação ao cargo oferecido a Jules, não
aceitava apenas o polpudo cheque, ah, não... Vinha pessoalmente revirar-lhe os bolsos? Ou,
melhor, tirar-lhe as calças?
Entrou na ampla sala, de móveis modernos, com poltronas em vez de cadeiras, em
frente à mesa de vidro e aço e observou algumas irregularidades. Primeiro, as cortinas ainda
estavam cerradas, a máquina do expresso desligada (detalhe: logo que começava o
expediente, Jules Brienne nem precisava pedir para que ela preparasse o seu expresso. Ele,
sozinho, nem ligava a máquina) e as canecas de cerâmicas com restos de café do dia
anterior, esquecidas sobre a estante que ladeava uma imensa planta verde, para variar.
Antes de qualquer intervenção na cena, Amanda observou os personagens em
questão. A linguagem corporal falava tudo e era a comunicação mais verdadeira que existia.
Monsieur Brienne, sentado e com as costas relaxadas contra o encosto da poltrona, exibia a
atitude de quem ouve um palestrante. Havia em seu rosto uma expressão de alheamento
lutando bravamente com a concentração, mais como um gesto de educação e polidez do
que fingimento. A face estava relaxada, sem os sulcos entre os olhos quando os mesmos
revelavam tensão e reflexão, era mais como se seus pensamentos estivessem brincando no
playground mas, a qualquer momento, seriam chamados ao trabalho duro. Fosse pelo o que
a loira tivesse falado anteriormente, ele parecia esperar pela parte “séria” da conversa e
talvez isso realmente significasse a visita dela logo pela manhã. Os lábios contraídos, o
queixo duro e os olhos sérios e sagazes investiam diretamente no rosto de Geneviève, sem
desviar, sem descer para as pernas ou para o notebook aberto à sua frente.
Amanda podia morar num apartamento de quarto-e-sala, do tamanho de uma
ervilha, dirigir um automóvel popular russo, ralar num emprego sem direito à liberdade
condicional, vir de família simples, ter nascido no terceiro mundo, etc., mas ela sabia o que
tinha de fazer e como fazer. E fez:
-Bonjour, mademoiselle Geneviève – disse com um sorriso profissional, sem mostrar
muito os dentes e sem ser arrogante (por um triz!).
A outra quase pulou da cadeira ao ouvir-lhe a voz, estava tão concentrada na Arte de
Conquistar que se dissociou do resto do mundo. Ajeitou-se na poltrona, descruzou as pernas
e adquiriu uma postura mais fechada, ou seja, retraiu-se na expressão de impessoalidade.
No entanto, ela não sabia que a assistente do presidente já lhe havia pego em flagrante.
O chefe, por outro lado, parecia aliviado com a sua entrada. Olhou-a de cima a baixo
e, num gesto silencioso porém bastante significativo, desviou para a máquina do expresso.
Amanda assentiu e ligou-a. Ouviu o cumprimento baixo de Geneviève, abriu as cortinas e
retirou as xícaras usadas. Ao voltar, parou entre ambos e indagou à fulana se gostaria de um
café.
- Merci. –emendou com um sorriso educado.
Boa forma de espichar uma visitinha supostamente profissional.
Deixou-os por um momento, pois precisava buscar novas xícaras no refeitório, no
quinto andar. Passou por Dorian e endereçou-lhe um sorriso amarelo. A moça aproveitou
para chamá-la até o balcão:
-Dizem que essa aí será a futura madame Brienne. –depois brincou: - Seja boazinha
com ela, oui!
- Duvido, ele não gosta de mulher fútil.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Não se engane pelas aparências, Amanda. Mademoiselle Geneviève criou esse


centro social a pedido de monsieur Brienne. Parece que a mãe dele apanhava do marido,
que, na verdade, era-lhe o padrasto. Ele cresceu vendo a mãe levar uns tabefes, coitado, e
ainda por cima era filho único.
-E depois dos 17, completamente órfão. – completou Amanda que sabia, aos
pedaços, algumas coisas sobre Jules Brienne. Lembrava que sua mãe morrera num acidente
aéreo, e quem o acolhera em sua casa e lhe pagara a faculdade fora François Roche e sua
mãe, amiga de Vivien Brienne, mãe de Jules. Vinte anos de diferença entre François e Jules, e
fora o primeiro que dera todo o suporte para que o segundo se iniciasse no ramo de
computadores. Amanda sabia também que François era casado havia uma década e meia
com uma professora universitária.
- A moça já conseguiu estabelecer um vínculo com monsieur Brienne e quer estreitá-
lo ainda mais.
- Quanto tempo tem esse centro social?, dois ou três meses, não é? Está me
parecendo um vínculo bastante recente. - comentou com desdém.
-É, pode ser, mas alguém tem que dar o primeiro passo. A bem da verdade, Amanda,
monsieur Brienne não tem ninguém há cinco anos. Ele é homem, um macho alfa, precisa de
uma fêmea, non? – indagou sorrindo, divertida.
Amanda não estava gostando do rumo da conversa, deu de ombros e disse já se
afastando do balcão em direção a um dos elevadores:
- No momento, ele precisa mesmo é de cafeína, Dorian. – encerrando o assunto.
Quando voltou, preparou os dois cafés e depositou a xícara na mesa do “macho alfa”;
em seguida, entregou a outra à Geneviève, que mexeu os lábios simulando um sorriso
polido. Com aquela aparência e pose podia bem ser a nova madame Brienne. Além do mais,
o chefe, agora, parecia mais interessado na conversa (ou em Geneviève) e, provavelmente,
devido ao café forte e quente, uma aura de suavidade atenuava-lhe a feição circunspecta.
Talvez quando Amanda descera ao quinto andar, a conversa tenha se encaminhado para
algo mais íntimo. O fato era que ela sorria mais e ele, mesmo sem sorrir, apresentava visível
prazer em sua companhia.
Amanda voltou à sua sala, pegou alguns papéis que precisavam da assinatura do
executivo e não se surpreendeu ao ouvir de lá:
- Não acredito! Abrirá uma filial em Helsinque? Faz uma semana que voltei da
Lapônia, esquiei até quase acabar com meus joelhos. – era Geneviève.
-A Finlândia sempre me interessou, mas somente agora surgiu a oportunidade de ter
uma subsidiária num país escandinavo. Há um rapaz de lá, Jarkko Koskinen, que fará a ponte
entre Paris e Helsinque. –disse, bebendo o restinho do café.
- Você precisa passar, pelo menos, um final de semana na Finlândia, mas a passeio.
Podemos combinar e irmos juntos, seria bom relaxarmos um pouco. Aliás, Sonia e François
também poderiam ir.
A mocinha quase bateu palmas, parecia que tinha treze anos de idade. Jules sorriu
polidamente, pois sua atenção desviava-se de Geneviève para Amanda, já que a última
acabava de voltar à sala segurando apenas duas folhas timbradas com o monograma da SBO.
-E a aspirina, mademoiselle Rossi?
Amanda girou nos calcanhares e fitou-o como quem diz: o que eu tenho a ver com
isso? Mas como ele a olhava duramente, sentiu-se na obrigação de informar que não havia
comprado os comprimidos. Geneviève, por sua vez, mexeu-se na poltrona ensaiando uma
retirada.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-E por que, non? – insistiu, desconfiado.


-Já disse: faça a tomografia e eu compro aspirinas. Meu tio tinha dores de cabeça
quase todos os dias e acabou sofrendo um derrame cerebral aos 45 anos.
Jules Brienne estreitou os olhos e moveu o lábio inferior ligeiramente para baixo,
numa expressão de menosprezo, os sulcos entre as sobrancelhas acentuaram-se. O corpo
não mexeu um músculo, tenso, preparado para ordenar, ignorava a visita e o fio de sol
riscando-lhe parte do maxilar. Amanda lia tudo isso, porque o conhecia e sabia até onde
podia ir. Mas tal conhecimento a respeito da sua personalidade não a impedia de fazer o que
considerava correto.
- Mademoiselle Rossi, compre as aspirinas agora. – disse com estudada calma.
- Não quero ser responsável pelo seu derrame cerebral, monsieur Brienne. Caso
pretenda ser irresponsável para com sua própria saúde, que o faça por si mesmo, sem
cúmplices. – rebateu com calma, como se falasse com uma criança teimosa.
Geneviève agitou-se, cruzou e descruzou a pernas, empertigou-se na poltrona
visivelmente desconfortável. Do outro lado da mesa, uma fera silenciosa e engravatada
erguia-se sem tirar os olhos da assistente. Ops!, havia ultrapassado a fronteira, Amanda
concluíra ao perceber que Jules Brienne digeria com dificuldade a insubordinação.
- Desde quando é a guardiã da minha saúde? – a voz era baixa, controlada.
- Há cinco anos ouço a mesma bobagem, “cadê a aspirina”?, e há cinco anos sugiro a
monsieur que faça uma tomografia. Por acaso é uma queda de braço? – ela não só jogou as
palavras na cara dele, como também empinou o nariz e deu dois passos para frente, em sua
direção.
-Cinco anos com dores de cabeça, é perigoso, Jules. – afirmou Geneviève com a voz
sumida, tentando amainar o felino preparado para pular no pescoço da assistente.
Ele era um executivo, e não um menino birrento. Trabalhara duro para erguer um
império que alcançava oito países europeus. Era experiente, culto, pragmático e tinha quase
quarenta. Amanda provocava-o deliberadamente, porque às vezes precisava polir o SEU
orgulho, o SEU ego e mostrar-lhe os motivos pelos quais ela ainda trabalhava ali: jamais
abaixara a cabeça para quem quer que fosse. Além disso, era uma mulher de princípios. E
Jules Brienne tinha de fazer uma tomografia cerebral antes de merecer um frasco de
aspirinas, ora!
De repente, ele desceu os olhos dos seus e contemplou descaradamente o
hematoma mascarado com o pancake. Um brilho de sarcasmo serpenteou os olhos escuros
e tão cheios de severidade, havia neles, também, um misto de exasperação. Parecia que ele
mesmo estava no seu limite e nada tinha a ver com aspirinas e tomografias. Por quê?, ela
perguntava-se sem deixar de enfrentá-lo. Num minuto, admirou a própria derrocada. Ele
apertou o interfone e ordenou:
-Compre dez vidros de aspirinas, mademoiselle Cuvier.
Por um segundo ou dois, Dorian não compreendeu a ordem. Entretanto, quando deu
por si já sabia que o chefe havia discutido com a subordinada.
Geneviève aproveitou a deixa e uma vez que Jules estava de pé, fez o mesmo e
estendeu-lhe a mão.
-Jules, foi um prazer. Espero a sua visita no nosso centro social, viu?
Ele apertou-lhe a mão e com um gesto de cabeça assentiu. Resmungou algo e
indicou-lhe a porta de saída. Amanda acompanhou-a controlando uma crise de risos. Jules
comportara-se como um menino desafiando a autoridade e, em seguida fora mal-educado

19
Obsessão em Paris  Veronique Gris

com Geneviève. Aguentara mais de quarenta minutos de conversa sendo polido para,
depois, quase jogar a mulher para fora de seu escritório.
Ao voltar-se o encontrou ainda de pé, a cara amarrada de sempre, os lábios
constritos.
-Foi o bom senso que lhe deixou essa marca no pescoço? –apontou-lhe o pescoço.
Um buraco, por favor!
-Fui ferida gravemente, monsieur. – mentiu fingindo-se ofendida.
-Você representa a presidência e não é nem um pouco sensato de sua parte trabalhar
com um hematoma sexual na face. –afirmou com um leve tom de desprezo.
Hematoma sexual?
-Pardon, mas isso é um ferimento causado por...por... -gaguejou e esqueceu todas as
palavras do vocabulário francês. A única expressão que lhe vinha à mente era “je suis
désolé”. Hã? Por fim, suspirando exasperada, disse: - Se quiser emborcar os dez vidros de
aspirina, eu posso ajudá-lo com prazer.
Dito isso, girou nos calcanhares e encaminhou-se para a sua sala. Sentia todos os
músculos das suas costas latejarem e era como se os olhos de Jules Brienne os apertassem
um a um. Fogo na nuca, ácido no estômago, garganta seca. Não era uma mulher covarde, e
tampouco uma Joana D’Arc. Defendia a si mesma e os seus valores, apenas isso. Havia cinco
anos que eles discutiam e faziam as pazes sem precisarem pedir desculpas... Epa!, sem que
ELE pedisse desculpas. Assim, ela voltou à sala do chefe para lhe falar e o encontrou tirando
o paletó:
-Retiro o meu pedido de desculpas, monsieur Brienne.
-Pedido aceito, mademoiselle Rossi.
Ora, bolas! Alguém ali falava grego?
Ele ficou um tempo com o paletó na mão, perdido, olhando para os lados. Amanda
não resistiu, deixou a irritação de canto e aproximou-se:
-Dê-me aqui, tem um cabide no armário para guardá-lo.
Como ele podia saber?, Amanda pensou. Toda a vez que chegavam ao escritório pela
manhã, retirava o paletó, estendia para a assistente que o guardava no armário. Às vezes,
ela tinha até que ajeitar-lhe a gravata.
Parecia sem jeito quando lhe indagou:
-Comprou a colônia certa, pelo menos?
- Oui, monsieur.

Capítulo IV

O Les Ombres era sofisticado e tinha como um dos atrativos, a vizinhança. Ao seu
lado, a Torre Eiffel. E esta era admirada através do teto disposto num trançado de ferro e
vidro e nas paredes envidraçadas. Outro atrativo localizava-se abaixo dele, o Museu Quai
Branly cuja fachada exibia um dos mais famosos jardins verticais do mundo, Le Mur Vegetal
,concebido por Patrick Blanc, com mais de cento e cinquenta mil plantas de diversas partes
do mundo. Diversidade essa que se via também entre as pessoas que frequentavam o

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

restaurante na cobertura do museu. Mesas pequenas e quadradas, poltronas confortáveis


no lugar de cadeiras e atendimento algumas vezes lento. Mas não naquele início de tarde.
Numa mesa próxima à parede envidraçada, longe de tumultos (como dizia Jules),
estavam uma brasileira, um francês e um finlandês. Todos degustando a badalada cozinha
francesa regada por um bom vinho.
Jarkko Koskinen aparentava uns trinta anos, porém, sendo escandinavo, poderia ter
vinte e poucos. O cabelo era loiro, cor de trigo, a pele avermelhada e os olhos incrivelmente
azuis. Parecia-se muito com o chef inglês bonitinho, o Jamie Oliver. Vestia-se com discrição,
nada mais que um terno cinza quase azul. Comia como um viking, apesar de ser magro. Era
um homem simpático, comunicativo e inteligente. Anos atrás, começara uma empresa de
criação e venda de software, vendera a sua parte ao sócio para disputar o rali Paris-Dakar.
Agora, voltava ao mundo dos negócios na mesma área que tanto conhecia.
Amanda prestava a atenção em tudo que se dizia nos almoços e jantares. Quando
Jules esquecia-se de alguma informação ou detalhe, perguntava-lhe e ela o informava sem
pestanejar. Era por isso que ele levava-a a todos os eventos pessoais e profissionais
possíveis. No momento, entretanto, mal ouvia a conversa dos dois, tinha algo a ver com
mercado, bolsa de valores e impostos. Típica conversa de negócios, só mudava o país, a
burocracia era a mesma.
Faltavam os sapatos. Pela manhã, Jules havia-lhe pedido que buscasse seu terno na
lavanderia e que lhe comprasse um par de sapatos.
- Caso ainda tenha alguma dúvida sobre o potencial do mercado finlandês que, bem
ou mal, acaba influenciando o sueco e o russo, volta comigo para Helsinque. Fica um tempo
conosco, conheça os executivos de lá e estude as pesquisas mercadológicas mais recentes.
Jules assentiu levemente com a cabeça, e Amanda quase podia ver-lhe os
pensamentos rolando dentro da mente como bolas de bilhar. Por fim, ele tomou mais um
gole de vinho, olhou ao redor à procura do garçom e disse:
-Você quer sobremesa ou café, mademoiselle Rossi?
Antes que respondesse o finlandês sorriu e comentou:
-Nunca vi um povo que gosta tanto de açúcar como o francês. –em seguida, ainda
sorrindo voltou-se amistosamente para Jules – Sabe o que podemos fazer? Uma reunião
entre os executivos escandinavos e o senhor, como uma espécie de dinâmica de
reconhecimento e troca de experiências.
No fundo da sua memória, uma burguesia enjoada chamada Geneviève batia palmas
dizendo: vamos, vamos!
- Como está minha agenda para os próximos dias?
Folheou algumas páginas e constatou que a partir do final da semana, haveria
brechas disponíveis para novos eventos. Jules observou os comentários de Amanda, voltou-
se para Jarkko e confirmou a ida para Helsinque em três dias. Endereçou um rápido olhar à
assistente e pediu:
- Reserve duas passagens na primeira classe para Helsinque, na sexta-feira. –
voltando-se para Jarkko, indagou: - Até quando fica em Paris?
-Amanhã pela manhã. Mas tudo estará pronto para quando chegar. Não se preocupe
com as reservas no hotel, mademoiselle Rossi, eu mesmo as farei.
-Merci, monsieur Koskinen. –agradeceu incluindo um sorriso. –Agora, devo ir,
monsieur Brienne.
-D’accord. –concordou Jules. Fez um sinal com o dedo indicador apontado para baixo
e avisou-lhe quase num murmúrio: - Italiano, oui?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Assentiu com a cabeça, pegou a bolsa e saiu do restaurante, desviando das mesas,
cadeiras e garçons. Temia que a boutique onde sempre comprava os sapatos, meias e
gravatas preferidas do chefe, já estivesse fechada. O proprietário sofria de transtorno
bipolar; assim, abrir a loja para ele não era tarefa fácil. Dependia, obviamente, de seu
humor. Despediu-se dos homens, partiu em disparada e alcançou a calçada entupida de
gente. Constatou que eram quase três da tarde e não era preciso agitar-se tanto. O
problema era que ela queria o sapato CERTO, do jeito que escolhera todos os outros, pois
sempre acertara a preferência do patrão.
Comprou o sapato, passou na casa de Jules e o deixou com Annie. Estava exausta e já
passava das seis. Às nove horas seria o jantar com os Roche. Teria tempo para tomar um
banho, arrumar-se e dirigir até o Marais. Cansava-se só de pensar nessa maratona. Tudo o
que ela mais queria era ficar em casa à noite, sossegada, com a mão no controle remoto da
tevê e as pernas espichadas no sofá.
Preparou para si um longo banho de banheira com sais perfumados. Na verdade, a
banheira era praticamente do tamanho de uma bacia plástica, já que boa parte de suas
pernas ficavam para fora do aparelho sanitário. Enxugou-se e foi à cozinha com as
dimensões de um minúsculo banheiro, preparar algo leve e rápido. Abriu o congelador e
selecionou uma das dez caixas de comida congelada. Ligou o micro-ondas e voltou ao quarto
para vestir-se. Havia um tipo de roupa que raramente deixava uma mulher na mão: o
tubinho preto anos 60. Jogou-o por sobre a cama e escolheu a meia-calça 7/8, de lã; botinha
preta com salto de 10 centímetros (se monsieur Brienne encolhesse, ela pararia de andar
sobre andaimes...), uma bolsa de couro, pequena, e um par de brincos de pérola. Diante do
espelho, retirou o robe, sugou e soltou o ar seguidas vezes, analisando o efeito da gravidade
nos seios e da comida congelada no abdômen. É, teria de malhar para reduzir uns
pneuzinhos. Girou lentamente sobre os calcanhares e avaliou o bumbum gordinho. Era uma
batalha perdida! A tecnologia evoluía tanto que um dia bem que poderia criar um
photoshop fora do papel, uma máquina na qual se entrava com o bumbum avariado e saía-
se perfeita, refletiu Amanda ajeitando a calcinha. Deslizou a meia-calça pela perna esquerda
e antes que completasse o mesmo gesto com a outra, a companhia soou veemente e o
micro-ondas apitou.
Num átimo e com a prática de um piloto de testes, puxou a meia-calça rapidamente
para cima, na outra perna, saindo do quarto, aos pulinhos e trombadas. Abriu a porta e
sentiu o ar frio do corredor eriçar os pelinhos de sua nuca. Apertou-se no robe de seda que
nada adiantou, pois o tecido delicado também estava por demais gasto. Tentou sorrir e até
se encantar. Tentou mesmo. No entanto, só conseguiu pensar nos motivos que o traziam à
sua porta mais uma vez. E mesmo ele sendo lindo, sedutor e com um sorriso espetacular,
não podia supor que Amanda amava os homens com a profundidade de uma poça d’água.
-Hummm, esqueceu o nosso jantar? Ou o final de semana inteiro?
Jacques Rodin estava escorado no batente da porta com um cachecol ao redor do
pescoço, o cabelo loiro bagunçado pelo vento, os olhos interrogativos e os lábios num
sorriso provocador. Amanda havia esquecido aquela beleza toda, o timbre rouco da voz, o
sotaque ligeiramente arrastado, o cheiro de limão e floresta orvalhada ao amanhecer que
era exalado de sua pele. Seu corpo ainda o desejava; a alma, não mais.
-Salut, ma petit brésilienne! –brincou; em seguida, passando por ela e instalando-se
confortavelmente no sofá, disse: - Liguei para você. Achei que havia acontecido algo, já que
não retornou minha ligação.
-Ligou? Quando? – ainda segurava a porta.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Hã, deixe-me ver... Ah, perto das quatro. Onde você estava, bébé? –sorriu, batendo
no sofá chamando-a para perto de si.
Ela conseguiu soltar a porta e fechá-la, porém manteve-se de pé. A qualquer
momento teria de sair, jamais se atrasara a um compromisso com o chefe. Pediu licença e
foi buscar o celular na pasta. Voltou lentamente encontrando-o com as pernas cruzadas
displicentemente.
-Acho que perdi meu celular. – balbuciou.
Provavelmente, deixara-o sobre a mesa do Les Ombres, ou, na pior das hipóteses,
perdera-o na rua, na lavanderia, no corredor da empresa, no elevador, no quinto andar,
debaixo do banco do seu carro, do carro do chefe, pois foram no mesmo automóvel almoçar
com Jarkko. Tantos lugares. Anotação mental: comprar imediatamente um celular.
Enquanto ela pensava no celular perdido, Jacques levantou-se e pulou em seu
pescoço, literalmente, mordendo-lhe de forma sensual. Tentou impedi-lo empurrando-lhe o
tórax com as mãos. Desviou o rosto dos seus lábios, virou a cabeça ostensivamente e cerrou
os lábios com força. Jacques afastou-se alguns centímetros avaliando-lhe a expressão.
-Tenho um compromisso, Jacques. Você precisa sair.
-NÓS temos um compromisso. – enfatizou, as sobrancelhas alçadas num tom de
escárnio. – Tenho de lembrá-la do nosso jantar? Ou já quer a sobremesa?
- Por favor, saia da minha casa. – pediu em voz baixa, controlada.
- O que foi, Amanda? O que a fez mudar em menos de vinte e quatro horas?
Ele parecia realmente perplexo, como se não estivesse acostumado a ser
despachado. E era óbvio que não estava. Um homem bonito como Jacques estava
acostumado a deixar as mulheres, a abandoná-las, a ferir sentimentos e autoestimas.
Amanda conhecia o tipo, serviam para uma noite, duas, no máximo. Para companheiros de
vida, jamais. Empurrou-o mais uma vez, impondo força o suficiente para afastá-lo.
- Já lhe disse, tenho um compromisso... profissional.
- Ah, entendi, o chefinho controlador, o dono da sua vida? Como se submete a isso? –
indagou com cinismo.
- Ei, moço, a gente se conhece há três dias...
-E eu já sei muito sobre você, o suficiente para afirmar que não passa de uma
inocente idiota que idolatra um assassino. Como pode servir a um homem que perseguiu a
esposa e a fez sair da estrada, capotando um milhão de vezes até ter a coluna estraçalhada?
E sabe por quê? Olhe para mim, não tente tapar os ouvidos! Eu sei tudo sobre aquele verme.
Eu estava com ela minutos antes do desgraçado arruinar-lhe a vida. Ele não ligava a mínima
para Rochelle, a mínima! Obcecado pelo trabalho, o filho da puta. Já viu um workaholic ter
ereção? Claro que non. Rochelle era o meu amor, a minha vida – riu-se, irônico. – Escute,
Amanda, você é descartável, um móvel do escritório que será descartado quando não mais o
convier. Me diga, quantas horas por dia você realmente vive e quantas você está servindo-o?
Salve-se enquanto ainda pode.
Amanda viu uma intensa dor nos olhos de Jacques, como se dez, vinte anos de sua
vida fossem-lhe postos nos ombros. Não sabia como reagir, o que dizer, o que sentir. Logo
que entrara na SBO havia especulado acerca do acidente da esposa do presidente e lera nos
jornais que fora automobilístico e causado por ela mesma, pois trafegava em alta
velocidade, à noite, numa estrada perigosa devido às curvas e iluminação escassa. Se Jules a
perseguira até tirar-lhe da pista, isso, de fato, jamais fora comentado na empresa por
ninguém... Mas a empresa era dele. Quem arriscaria o emprego ou até mesmo um processo
por calúnia e difamação?

23
Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Você tem inveja de Jules Brienne. – disse num fiapo de voz.


Ele riu com vontade e abriu-lhe o cinto do robe. As mãos deslizaram-lhe por entre as
pernas de Amanda até encontrar a carne macia e quente de seu sexo.
-Oui, morro de inveja de um assassino. Ele só não foi preso, porque é rico. Mas eu
ainda o porei entre as grades, com certeza. –murmurou junto à sua orelha: - Além do mais,
Rochelle ainda voltará a si e me ajudará na condenação do canalha.
Afastou-lhe as mãos do corpo. Inutilmente. Empurrando-a contra a parede, arrancou-
lhe a roupa e enfiou a mão por entre seus cabelos. Amanda gritou. Jacques puxou-lhe ainda
mais os fios, fazendo-a curvar-se diante dele e gemer de dor.
-Essa sua lealdade é nojenta!
-E você é um doente, precisa de camisa-de-força! Desde quando me vigia? Aquela
noite... sábado...estava me esperando, seu psicopata?
Com a mão livre, Jacques a esbofeteou e jogou contra o chão, ajoelhando-se ao seu
lado.
-O que acha? Que sua aparência bizarra me atraiu? Não faz ideia dos sacrifícios que
fiz, ao longo desses cinco anos, para levantar informação e material contra Jules. Sabe sua
amiga Dorian? Pois é, somos amantes. A recepcionista da SBO? Hummm, deliciosa, um
pouco histérica, mas transamos sempre que preciso saber quem foi demitido ou admitido,
um trabalho de networking, entende, non? Só não traço as mulheres da diretoria, porque
não caem com facilidade na minha conversa de Don Juan e, como lhe avisei antes, sou
preguiçoso. Amanda Rossi, ma chérie, esperei o momento certo para me aproximar... Mas
você me surpreendeu, pensei que fosse me ajudar, afinal cinco anos lambendo os sapatos
do patrão poderiam ter-lhe afetado a dignidade. – gargalhou e emendou: - E qual é a minha
surpresa?! Você não tem dignidade! –desferindo-lhe outra bofetada no rosto.
Sentia a face ferver de dor, enquanto o cérebro girava à procura do entendimento,
do que estava acontecendo e de como poderia livrar-se do perigo, e o perigo era o
desconhecido transtornado pelo ressentimento que o tornava um monstro. Teria de forçá-lo
a bater-lhe ainda mais. A única chance que tinha era fazer com que Jacques se afastasse,
mas ele somente o faria caso a deixasse desmaiada. A não ser que sua teoria estivesse
errada e o objetivo do outro lhe fosse tirar a vida para respingar um pouco de sangue em
Jules Brienne.
-Como pôde suportar que Rochelle preferisse Jules a você? Ela era ca-sa-da com ele e
você...um amantezinho de quinta! –gritou com desprezo.
-Vagabunda!
Amanda esperava por mais uma bofetada, porém surpreendeu-se com a força do
golpe. Um punho cerrado acertou-lhe o maxilar. Não foi preciso que simulasse o grito rouco
de dor, e tampouco a batida da cabeça contra o piso acarpetado. Deixou-se ficar, inerte, de
olhos fechados, esperando que ele se afastasse o suficiente para poder fugir e trancar-se no
quarto. Respirava devagar como alguém inconsciente e via a escuridão dentro de si,
desprotegida. Pressentiu que ele se erguia, ouviu seus passos distanciando-se. Teria de
esperar alguns segundos. Nada de precipitação. A dor havia desaparecido. Seus instintos
estavam em alerta como um animal diante de outro animal, lutando não pela sobrevivência
e sim pelo controle da situação. Escutou a porta abrir e fechar-se discretamente. Ele não
queria chamar a atenção da vizinhança. Foi então que tudo mudou.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Capítulo V

Vestiu o robe e apertou com força o cinto ao redor do corpo. Correu para a cozinha,
abriu a primeira gaveta do balcão, pegou a faca de cortar pão e saiu para o corredor vazio do
prédio. Barulhos típicos do cotidiano, televisão, criança chorando, reclamando, ruídos de
talheres e cachorros latindo. Tudo abafado pelas paredes. Desceu os degraus sem acender a
luz, segurando-se no corrimão. Aspirava o cheiro dele e já não era mais agradável ou
sedutor. Era um odor de doença, de obsessão em metástase. Apenas dois andares, cerca de
vinte degraus, e encontraria Jacques. Apertou o cabo da faca, engoliu a vontade de chorar e
o medo. Medo de deixá-lo solto pela cidade tal qual se deixava um cão com raiva. Medo que
voltasse a sua casa. Medo que a loucura o tornasse um homicida. A qualquer momento,
Jacques de fato atingiria Jules. O cerco começara havia cinco anos, logo após o coma de
madame Brienne, sua amante, pelo visto. Seduzira as funcionárias da empresa e, agora,
agredia a assistente pessoal que poderia denunciá-lo à polícia. E talvez fosse isso mesmo que
ele quisesse. Uma denúncia que chamasse a atenção da mídia e, por sua vez, desenterrasse
a história do acidente envolvendo o presidente-executivo da SBO e sua jovem esposa.
Destruir a imagem pública do homem e o seu trabalho. Manipular versões a fim de
transformar-se no mocinho e Jules, o vilão. Mas o mocinho não batia em mulheres - Amanda
pensou com os lábios cerrados de ódio e as lágrimas jorrando livremente pelo rosto – o
mocinho lutava ao lado da heroína para combater o vilão. E a heroína, para se defender e
defender o mocinho caçava, na escuridão da escadaria entre o segundo andar e o térreo, o
príncipe que se transformara em sapo.
Quando as lâmpadas do corredor acenderam-se e Jacques Rodin surgiu diante de si
sem lhe dar chance de raciocinar ou piscar os olhos, atirou-se contra ele e, gritando como
nunca havia gritado na vida, enfiou a faca... no ar. A agilidade do homem pegou-a de
surpresa e, num gesto rápido e preciso, tirou-lhe a faca da mão para, em seguida, sacudir-lhe
os ombros. Não adiantava mais lutar. Desde a adolescência sabia que nascera para perder,
para querer e perder, para admirar e não ter. Possuía um instinto persistente, uma
obstinação que a compelia a desejar viver, fosse como fosse. No entanto, numa situação
extrema e violenta como a que vivia em nada adiantava ser forte, porque Jacques, agora,
não precisaria usar os punhos.
A batalha não estava perdida. Desvencilhou-se das mãos que lhe apertavam os
ombros e, com a fúria de uma mulher machucada, desferiu um soco acertando-lhe o queixo.
Sentia os cílios pesados de água, uma cortina de lágrimas turvava-lhe a visão, os espasmos
do choro sacudiam-lhe os ombros. Acertara o desgraçado. Ouvira-o gemer e descer alguns
degraus de costas. Aproveitou para chutar-lhe entre as pernas, mas ele foi mais rápido,
agarrou-a pela cintura e a pôs no ombro. Amanda esperneava e tentava mordê-lo no braço,
no pescoço, na nuca, enquanto ele procurava esquivar-se de seus ataques, subia
rapidamente a escada e entrava no apartamento. Não se entregaria tão fácil. Os soluços
escapavam-lhe dos lábios, intermitentes, roucos. Numa das investidas de seus dentes no
pescoço do homem, captou o cheiro familiar que lhe acionou na mente palavras como
segurança e proteção. A fragrância amadeirada avisou-lhe que estava salva. Deitou a cabeça
em seu ombro, no casaco úmido e gelado, e esvaziou o peito da dor. Sentiu uma mão
acariciando-lhe suavemente os cabelos.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Somente depois que ela conseguiu parar de chorar e tremer, afastaram-se, pouco,
alguns centímetros, o suficiente para se olharem e certificarem-se de que tudo estava bem.
Amanda, ainda fungando, espantou-se com a preocupação estampada na face de Jules.
Analisava-lhe o rosto, as marcas vermelhas das bofetadas e o inchaço no maxilar devido ao
último soco, o que lhe salvara de uma surra maior. Ele estava tenso, os maxilares tesos e as
rugas entre os olhos ainda mais acentuadas. Estudava-lhe o estado emocional, ao mesmo
tempo em que parecia reviver a infância vendo a mãe apanhar do marido. Mas o que
Amanda não sabia – e Jules mais tarde dissera-lhe – era que ele, mesmo pequeno, magro e
com apenas sete anos de idade, não ficava apenas vendo a mãe apanhar, jogava-se contra as
pernas do padrasto, mordia-o, lutava até ser arremessado contra a parede.
Deitou-a no sofá, foi até o quarto e voltou com uma manta de lã, grossa, e depositou-
a sobre Amanda. Tirou o casaco e sentou-se na ponta do sofá. Ela tentou sorrir. Sentia-se
horrorosa e dolorida; porém, não deixou de perceber que Jules estava com o cabelo úmido
por causa da neve, o rosto escanhoado, o terno azul-marinho impecável, a camisa azul-
turquesa combinando com a gravata de seda. De repente, lembrou-se do jantar com os
François.
-Monsieur não deveria estar aqui. – constatou.
Por um momento, a sombra de um sorriso pairou-lhe sobre os olhos:
-Eu sei, mas também não precisava me dar um soco.
Num reflexo automático, Amanda ergueu meio corpo e tocou-lhe o braço:
-Por favor, me desculpe, monsieur Brienne.
-Vim porque esqueceu o celular no restaurante e algo chamou a minha atenção. –
retirou o aparelho do bolso do casaco e devolveu-lhe. – Treze chamadas perdidas e oito
mensagens de texto, do mesmo número, num período de duas horas. Acho que tem a ver
com que aconteceu aqui.
-Sim. – baixou a cabeça e fitou as próprias mãos.
-Tomei a liberdade de pedir a Melissa do CPD investigar de quem era o número.
Invadi sua privacidade, mas tenho o direito de fazê-lo visto que trabalha diretamente
comigo. – disse com calma, sem nenhuma emoção na voz, quase que didaticamente.
Amanda sentia sobre si a força de seu olhar e a voz baixa e macia dizia-lhe quase o
que Jacques falara-lhe. A neve juntava-se ao redor dos frisos da janela e os flocos faziam
barulhinhos contra o vidro. Encontrava-se numa situação de desvantagem, machucada,
vestindo um minúsculo robe e acabara de acertar um soco no chefe.
-E o que ela descobriu?
- Você me dirá de quem é esse número. –enfatizou.
-O CPD não foi capaz disso? – ironizou.
-Oui, é capaz de muito mais. Entretanto, o celular está registrado em nome de uma
senhora de 102 anos, aposentada, ex-diretora de uma escola infantil. Falei com um
conhecido da polícia e foi-me dito que, provavelmente, tenha sido roubado. Com quem está
andando?
-Teve uma tarde bastante produtiva, pelo visto.
-Mademoiselle Rossi, homens como eu, obtém informações em questão de minutos.
O que me intriga é chegar aqui e encontrá-la fora de si, ferida e com uma faca na mão, tendo
descoberto antes que alguém roubara um celular, telefonara-lhe a cada cinco minutos e
enviara-lhe mensagens eróticas como um amante obcecado o faria.
Quase acertou no alvo, chefe, pensou, mas a obsessão não é por mim.
-O que aconteceu aqui, hoje? –insistiu.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Briguei com meu namorado. –quase gaguejou, baixou a cabeça sentindo as


bochechas arderem.
-Tencionava esfaqueá-lo? –indagou desconfiado.
- Assustá-lo apenas. –murmurou.
-Estava fora de si... – interrompeu-se, olhou para o relógio de pulso e disse sem
alterar a voz, sempre baixa e controlada, quase impessoal:- Troque de roupa, precisa de uma
tomografia.
Ela não pôde deixar de rir, porém riu sozinha. Jules levantou-se, digitou uns números
no celular e avisou François que estava resolvendo um problema com sua assistente e não
compareceria ao jantar.
-Monsieur está brincando? Não sairei desse sofá.
-Quer que eu lhe vista uma roupa? Não seria a primeira vez que vestiria uma mulher.
–completou com ar sério, não admitindo refutação.
-Imagino que sim, quero dizer, é provável que sim...Olha, é melhor que vá ao jantar
com monsieur Roche e se distraia...
Observou-lhe encaminhar-se até a janela e olhar para a rua deserta. A neve caía em
flocos grossos e colava-se nos vidros embaçados. Ignorando-a, agendou com uma clínica
radiológica uma tomografia e um raio-X da face e crânio. Eram quase nove horas da noite,
ele devia ter feito o proprietário abrir as portas. Quais as portas que não se abriam para
Jules Brienne?
-Quero o resultado hoje mesmo. Au revoir, Sion.
Voltou-se para ela com ar grave:
-No caminho, me informará sobre nome do sujeito que lhe bateu.
Pegou-a pelo antebraço e, com passadas largas, conduziu-a até o quarto.
-Dois minutos. –avisou-a. Depois, deu-lhe as costas e voltou à sala. Possivelmente,
ficaria bisbilhotando até ela voltar.
Seria muito difícil manter segredo. Não queria que Jules soubesse de Jacques.
Pensava que se revelasse a verdade, as coisas ficaram ainda piores. Todavia, monsieur
Brienne, determinado como era, não lhe daria folga e acabaria por deduzir outra coisa. Era
um homem desconfiado, que se cercava de poucas pessoas e as mantinha na sua mira. Se
contasse sobre o ex-amante de sua esposa, ele, com certeza, iria atrás tirar satisfações. E
Jacques era doido de pedra, poderia até mesmo matá-lo. No entanto, se omitisse as ações e
intenções de Jacques ou inventasse uma história qualquer, corria o risco de perder a sua
confiança, a duras penas conquistada. E perdendo sua confiança, perderia o emprego.
Olhou para cama e viu o tubinho preto esticado feito um corpo sem carne, um corpo
pulverizado. Sentou-se, passou a mão pelo tecido e suspirou profundamente. Não iria mais a
um jantar, e sim fazer uma tomografia computadorizada. Vestiu um jeans e um blusão cinza
cuja gola, alta, era mesclada de cinza, preto e branco. Custara-lhe uma pequena fortuna,
mesmo tendo sido comprado de um balaio. Calçou um All Star, e olhou-se no espelho. Um
círculo verde-arroxeado tingia-lhe o maxilar. As marcas dos dedos de Jacques haviam
desaparecido por completo. Ajeitou os cabelos com os dedos e voltou à sala.
Durante a realização dos exames, Jules permaneceu na sala do doutor Sion Tsing
Sung, um homem baixo, gordinho, de óculos, que falava com a placidez de um monge e
piscava os olhos como um nerd movido a café. Adiantou-lhes que mesmo se tudo estivesse
certo com a cabeça da paciente em questão (e estava), era necessário que lhe fosse
observada qualquer reação nas vinte e quatro horas posterior à queda. Sim, Amanda
antecipara-se a Jules informando ao médico que a batida na cabeça fora provocada por uma

27
Obsessão em Paris  Veronique Gris

queda. Se dependesse do outro, o doutor Sung ouviria de fato a verdade, para que seu
diagnóstico fosse o mais preciso possível, ignorando os efeitos que tal narrativa exerceria no
ego espezinhado da paciente/vítima.
Amanda estranhou quando Jules desceu do automóvel e a seguiu até a porta do
apartamento. Abriu-a e, antes que pudesse emitir qualquer palavra, como um
agradecimento e um boa-noite, por exemplo, viu-o passar por ela e postar-se no meio da
sala, esquadrinhando o ambiente e esperando-a trancar a porta. O que foi feito, mesmo
demorando a entender o que acontecia. Talvez fosse alguma coisa na postura dele,
autoridade ou determinação, que a fez aceitar, sem contrariá-lo, o que lhe foi comunicado
com naturalidade, como se estivesse escrito e assinado pelo doutor Sung:
-Passarei a noite no sofá.
-Adianta dizer que estou bem e que um soquinho qualquer não me derruba?
-Non. –declarou sem rodeios ou justificativas.
-Buscarei, então, os travesseiros e o edredom. – dirigiu-se ao quarto enquanto
completava: - Monsieur tem sorte, semana passada comprei outro edredom, está novinho
em folha. Espero que simpatize com o Patolino.
- O que tem nesse micro-ondas? É algum tipo de ração para gatos?
Ele estava fuçando na cozinha! Do quarto, podia ouvi-lo abrindo e fechando portas e
gavetas dos armários da cozinha.
Voltou com o edredom com estampas infantis e dois travesseiros cujas fronhas
tinham o corpo voluntarioso de Betty Boop. Olhou para o tamanho do sofá e imaginou Jules
Brienne estendido nele. Impossível. Era homem demais para pouco móvel.
- Onde tem comida nesta casa? – perguntou-lhe à porta, segurando a embalagem da
comida congelada esquecida dentro do micro-ondas. – Isso aqui, definitivamente, não é
comida para humanos.
-Tem razão. Na geladeira tem macarrão caseiro que fiz hoje às cinco da manhã e
molho de tomates colhidos na minha horta, plantada as três da madrugada de domingo. –
debochou.
Jules estreitou os olhos como se avaliasse a extensão do deboche. Amanda ergueu as
mãos se rendendo e explicou:
-Não tenho uma “Annie” para cuidar da minha casa, e tampouco uma “Amanda” para
cuidar de mim. Por isso como melecas congeladas.
-Deveria organizar-se melhor então. – concluiu, dando as costas e voltando à cozinha.
– Vou pôr essas imundícies no lixo.
Suspirou resignada. Se ele queria brincar de dona-de-casa que fizesse do jeito certo.
-Por que não tira seu paletó italiano antes de fazer faxina na minha cozinha, hein?
Ouviu um resmungo, e ele logo surgiu na sala, tirou o sobretudo, o paletó, soltou a
gravata e abriu os primeiros botões da camisa. Pôs as mãos na cintura como fosse lhe ditar
um texto:
-Nova regra, mademoiselle Rossi, quando fizer as compras de Annie, inclua as suas. É
inadmissível que uma funcionária do seu nível viva tão mal assim, num apartamento
microscópico, consumindo ração congelada e sendo atacada dentro da própria casa. – falava
como um agente do FBI, constatando as irregularidades em seu departamento, - se esse
prédio tivesse pelo menos um porteiro, provavelmente teria barrado a entrada do seu
agressor ou namoradinho agressor, que seja.
- Por acaso está avacalhando a minha vida?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Não se ofenda, somente estou constatando o que qualquer pessoa sensata o faria,
você não sabe viver direito. – afirmou com uma calma que a deixou muito irritada.
-O quê? O quê? – quase gritou. – Quem deixa o seu café quente, sem açúcar,
extraforte, na mesa pela manhã? E escolhe desde a sua colônia e meias até o modelo de
celular? Me diga, monsieur Brienne, qual é o valor da conta de energia elétrica da sua casa?
Qual é a operadora de tevê a cabo que o senhor assina? Onde manda lavar seu automóvel
toda sexta-feira?
-Não sabia que mandava lavar o meu automóvel. – franziu o cenho.
-Talvez o problema todo seja que eu cuido mais da sua vida do que da minha. – disse
com raiva.
-Se não fosse assim, não seria minha assistente, e sim minha esposa. – declarou
impassível.
-Oh, sou uma executiva graduada em... -interrompeu-se ao notar que gritava com a
voz esganiçada; emendou com mais calma: - Com todo o respeito, mas jamais seria sua
esposa! –exclamou ultrajada.
-Nem estou pedindo para que seja minha esposa, mademoiselle. –replicou com
impaciência. - Entenda apenas que a sua função é assessorar-me para que a minha carga de
trabalho e incomodações cotidianas sejam menores. Portanto, é normal que a sua vida fique
em segundo plano. – afirmou num tom que um professor usaria para com sua aluna rebelde.
Claro que ele não a desejava como esposa, para essa função tinha Geneviève e seu
pescoço de ricaça culta e boazinha. Sentiu uma pontada na cabeça, estava exausta, cansada
emocionalmente e não aguentaria outra discussão. Num gesto maquinal, levou a mão à
testa.
-Dor?
-Um pouco. Vou tomar um analgésico.
Foi ao banheiro e percebeu que era seguida bem de perto. Entrou, abriu a portinha
do armário aéreo sobre a pia e retirou um frasco de paracetamol. Despejou quatro
comprimidos na palma da mão e, imediatamente, seu pulso foi fechado por outra mão,
maior, de dedos longos e unhas curtíssimas.
- É para aliviar a dor, e não para se dopar. –avisou-a, os olhos sérios enfiados nos
dela. Só havia uma saída, assentir e obedecer-lhe.
-Um dia vou parar de dizer ‘’oui, monsieur’’. – murmurou emburrada.
Esperou que ele fizesse algum comentário sarcástico ou uma crítica ao seu
comportamento nada profissional. Esperou em vão. Na sala, de pé, avaliando os objetos nas
prateleiras da estante e com celular colado na orelha, ele encomendava comida de um lugar
conhecido por seus preços estratosféricos. Depois, voltou-se para ela e informou:
-Jantaremos em vinte minutos.
-Como sabia sobre o serviço de entregas desse restaurante? -perguntou intrigada.
Parado diante do móvel, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça, parecia que fazia
medidas e considerações mentais. Já o pegara nessa mesma posição no escritório, mas não
diante de um móvel, e sim em frente à parede de vidro que oferecia uma visão panorâmica
de Paris.
-Cartas na manga, minha cara. – respondeu sem dar muita importância.
Antes que ele se voltasse, ingeriu mais dois comprimidos. Conhecia o seu organismo,
não cederia à dor com apenas um paracetamol 750 mg. Além disso, queria dormir a noite
inteira e esquecer por algumas horas o episódio com Jacques.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Postou-se ao seu lado e fitou os livros de história e ficção científica que ela
costumava ler. Tentou imaginar o que lhe despertava tamanho interesse. Com certeza, não
eram os patinhos de cerâmica, e tampouco os CDs de músicas francesas comprados ainda
em Porto Alegre. Pressentia o rumo dos pensamentos do chefe.
- Abrir campo nos países escandinavos é um grande passo. Tenho certeza de que será
como nos outros lugares...
Ele assentiu levemente e arou os cabelos com os dedos, parecia cansado também.
- Preciso tomar cuidado, está começando a ler minha mente.
- Na verdade, leio com mais facilidade a sua linguagem não-verbal. – explicou-lhe: -
Assim como estava, com ar preocupado e distante, mostra que está ponderando se a
decisão que tomou é coerente com o que quer para a corporação ou apenas um impulso de
conquistador de mercado.
- E o que acha? – voltou-se para ela, interessado.
- Que já sabe a resposta para essa pergunta. A grande questão agora é: como
dormirá num sofá tão pequeno?
Jules desviou o olhar de seus olhos para o sofá, apontou a pasta executiva sobre a
poltrona e comunicou-lhe sem muitos detalhes:
-Trabalho. Quero preparar algumas coisas para Helsinque.
-Não pode passar a noite trabalhando. Eu durmo no sofá tranquilamente, fique com
minha cama, por favor.
Se fosse um engraçadinho qualquer teria aproveitado a deixa e dito: “está
oferecendo-me a sua cama?”
- Durmo sempre quatro horas por dia. Além do mais, de que adianta passar a noite
neste cubículo para ficar de olho nas suas reações, se ficarei dormindo feito um inútil. –
disse, resoluto.
- Isso não está certo...
- Se está errado, ajude-me com os relatórios. –declarou em tom irônico.
-Claro...
-É, claro, relaxe diante de uma planilha do Excel. Preciso de você inteira,
enfrentaremos um frio de trinta graus negativos e executivos mais ambiciosos que os norte-
americanos, como se fosse possível. – completou quase que para si mesmo.
- Tubarão em meio aos tubarões. Acho que essa viagem será divertida. –murmurou.
- É melhor então que não ponha seus pés na água. – declarou sem olhar para ela e
sentando-se no sofá. Abriu a pasta e retirou o notebook. Ligou-o e mergulhou nas
maravilhosas planilhas.
Antes de voltar ao quarto a fim de trocar de roupa, comentou num tom casual:
- Já que passará a noite aqui, neste cubículo – enfatizou com um sorriso torto, - por
que não fica mais à vontade, tire os sapatos e as meias, pelo menos. – sugeriu.
-Oui, madame. – disse-lhe em tom de provocação, concentrado no computador.
Amanda sorriu. Esse era o estranho senso de humor do chefe.
Conseguiu dormir quarenta minutos após jantar a mesma comida que era servida no
melhor restaurante da cidade. Fez um café forte e deixou-o na cafeteira ligada. Lavou a
louça sozinha, já que Jules lia seus e-mails mais importantes e nem sabia que pratos, copos e
talheres eram lavados por alguém. Num dado instante, comentou que seria interessante se
existisse um tipo de máquina que lavasse a louça. Então Amanda explicou ao empresário do
ramo de computadores que tal máquina já existia.
-E por que não tem?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Não me cai os dedos lavar uma loucinha. – disse com naturalidade.


-Certo. – voltou ao trabalho e meio minuto depois perguntou: - Annie tem uma
máquina dessas?
- Desde que trabalho para o senhor.
- E quem será que a comprou? – perguntou intrigado.
-Provavelmente, madame Brienne.
-Non, ela evitava ficar muito tempo em casa. Talvez tenha sido encomendada por
outra assistente, uma de suas antecessoras. –comentou com casualidade.
-É, talvez. – disse, secamente.
-Antecessoras irresponsáveis que foram devidamente demitidas, mademoiselle Rossi.
– acrescentou a título de informação.
E encerrou a conversa.

Capítulo VI

Quando começou a sentir os efeitos do analgésico, desejou uma boa noite de


trabalho ao seu hóspede, que mexeu levemente a cabeça sem tirar os olhos da tela do
notebook.
Assim que deitou a cabeça no travesseiro, adormeceu. Despertou mais tarde com o
barulho da freada de um automóvel. Mexeu-se debaixo do edredom, escolhendo uma
posição confortável para voltar a dormir. Por um momento, manteve os olhos abertos,
tentando entender de onde vinha a luz que banhava o corredor de uma frágil claridade.
Sentou-se, passou a mão pelos cabelos, acendeu a lâmpada do abajur e decidiu ver se o
patrão ainda estava acordado. Talvez estivesse precisando de algo ou adormecido em cima
do computador. Não vestiu um robe, pois usava uma camisola de algodão, de mangas
compridas e decote V nem um pouco sensual. Estranhava não se lembrar de quando a havia
comprado, já que tal camisola era um tanto parecida com a da sua vizinha, a mais chata e
fofoqueira do prédio.
Chegou à sala e uma onda de frio tomou-a por inteiro. Friccionou os braços com as
mãos, numa fraca tentativa de aquecer-se e procurou entender por que diabos Jules havia
aberto a porta de entrada. Possivelmente, fora até o seu carro buscar algo. À mesa, pastas
abertas, relatórios espalhados e o notebook ligado em modo de espera. Tudo parecia normal
se não fossem as manchas de sangue no carpete.
Havia alguém na cozinha. Era mais como a sensação de uma presença e, tal
possibilidade, fez com que Amanda sentisse uma terrível dor no estômago. O medo
singrava-lhe nas veias, como se tivesse transformado o sangue em larvas incandescentes.
Respirou fundo e ordenou-se a agir, que não ficasse presa no chão e que não gritasse para
que Jules a salvasse. Mesmo por que quando se aproximou da porta aberta, viu-o caído no
corredor.
Agachou-se ao seu lado e, por impulso, verificou-lhe a pulsação. Respirou aliviada ao
perceber que estava vivo. Olhou ao redor e o lugar parecia morbidamente desértico, sem
barulho, as lâmpadas oscilavam pálidas.
- Monsieur Brienne! – chamou-o, tocando-lhe o rosto com delicadeza.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Ele não se mexeu. Foi então que Amanda descobriu que estava ferido. O tecido da
camisa, na linha do abdômen, estava manchado de sangue, uma nódoa disforme e
vermelha. Abriu-lhe a camisa num safanão, arrebentando os botões e expondo-lhe o tronco
nu. Havia muito sangue nos ferimentos e escorria através de sua pele alcançando o piso do
corredor.
Jules estava pálido, os lábios sem cor. Ele podia estar desmaiado há horas e perdido
muito sangue. Alguém o ferira. Levantou-se num átimo a fim de chamar uma ambulância.
No minuto seguinte, Jacques surgia à porta, bloqueando-lhe a passagem. Sorria e balançava
o celular de Jules na mão.
- Você o entregou de bandeja para mim. – declarou-lhe.
Amanda jogou-se contra ele com raiva, empurrava-o e o chutava. Jacques segurava-
lhe pelos ombros sem mexer um músculo. Ela era uma formiguinha, um inseto inofensivo.
No entanto, no chão, sangrando, estava o único homem que significava alguma coisa para
ela e jamais o deixaria...
-Jacques! Jacques! Seu desgraçado covarde!
Foi agarrada por tentáculos de aço que quase lhe tiraram o ar.
Emergiu do fundo de um mar tépido e denso. Precisava de ar, tinha de respirar para
sobreviver e telefonar para o hospital. Tinha de salvá-lo. Ninguém podia vê-lo prostrado no
chão. Era a sua obrigação preservar-lhe a imagem. Mas não conseguia manter-se à superfície
por muito tempo. Despencava de um abismo direto para dentro d’água, caía devagar,
deixando-se levar como pluma ao vento. Era até bom, não havia dor e perda. Sucumbia no
melhor estilo. Era bom sucumbir, sujeitar-se, perder uma briga. Era bom morrer.
- Quantos malditos comprimidos ingeriu?
Amanda abriu os olhos e fitou a expressão séria e exasperada do chefe. As
sobrancelhas juntas carregavam-lhe ainda mais a face bonita e escanhoada. Os primeiros
botões da camisa estavam abertos e os cabelos, sempre disciplinados, caíam em mechas
curtas sobre a testa – ela observava-o preparada para mergulhar novamente e fugir da
realidade.
-Mon...sieur está bem. - comentou debilmente. Não contava com a felicidade que
sentiu ao constatar tal fato. Jules estava bem. Recuperara-se do ferimento e estava inteiro.
Como? – Como? Como se regenerou...? Somente vampiros conseguem se
regenerar...Monsieur Brienne é um vampiro?
Sentou-se na cama, a cabeça girava ou o quarto girava, sorriu-lhe com tamanha
alegria que se surpreendeu ao vê-lo irritado com as mãos possessivamente em seus ombros.
-Quantos comprimidos, mademoiselle Rossi?
Uma onda de calor percorreu-lhe o corpo. E era tão bom!, pensou. Por que Jules não
relaxava um pouco. A vida era curta demais para tanta seriedade.
- Vinte e dois. – riu com vontade.
Ouviu-o praguejar baixinho e arar o cabelo com a mão.
- Já estaria morta. –constatou impaciente.
Monsieur Brienne estava desmaiado até alguns minutos atrás. E, agora, vivo, sentado
à beira de sua cama, sério, aquela seriedade sexy que às vezes a deixava sem palavras, sem
argumentos. Estranhamente, seu corpo inteiro misturava-se à água quente que insistia em
puxá-la para baixo, para dentro, para a escuridão. Mas antes de ir, tencionava viajar para
outro lugar. Aproximou seus lábios dos de Jules e os tocou devagar. Também era bom.
Afastou-se e o fitou. A luz do abajur revelou a máscara circunspecta de sempre. Nenhum
efeito. Mas ela queria brincar com fogo. Investiu novo beijo, agora, forçando-o abrir os

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

lábios para a vontade de sua língua. Ele a afastou delicadamente e havia nesse gesto a
ponderação e o bom senso típicos do chefe. Amanda riu baixinho e enlaçou-lhe o pescoço
trazendo-lhe a boca até a sua, aprisionando lábios em lábios. Mordeu-lhe o inferior, queria
sentir-lhe o gosto. Ansiava como uma canibal. Apertou-se contra ele, os seios esmagados no
tórax largo e firme. As mãos de Jules já não eram mais usadas para afastá-la, e sim trazê-la
para si. Os braços rodearam-lhe o corpo, na altura das costas e comprimiam-na como se
quisesse fundir-se a ela. Ele segurou-lhe a nuca e aprofundou ainda mais o beijo, enquanto
sua língua explorava-lhe a boca. Depois, a exploração passou para o queixo e pescoço,
voltando para o lóbulo da orelha, que foi mordiscado e chupado languidamente. Ela gemia
baixinho, excitada. A respiração de Jules estava rouca, pesada e acelerada, parecia estar
chegando bem perto do seu limite de homem controlado. Por isso, Amanda desceu a mão
até a cintura de Jules e, por cima da calça social, constatou-lhe a plena ereção. Ele gemeu
junto ao seu ouvido e pediu numa voz sussurrante e implorativa:
- Não faça isso...
Mas ela o queria, sempre o desejara, desde a primeira entrevista de seleção, desde
que entrara em seu escritório e ele a olhara com a expressão de homem-no-controle-de-
tudo.
- Sempre quis dormir com um macho alfa. – disse-lhe ao ouvido, enquanto sua mão
tentava infiltrar-se para dentro da calça de Jules.
Ele ainda segurava a alça fina da camisola de renda, transparente, numa atitude de
quem estava decidido a arrancá-la do corpo. Mas algo o fez mudar de ideia, ajeitando-a
novamente sobre o ombro de Amanda, pegando-lhe a mão ousada entre suas pernas e
afastando-a de si. Ela protestou e tentou puxá-lo para perto, jogando os braços ao redor do
pescoço dele que, habilmente, desvencilhou-se.
- Não costumo fazer sexo com mulheres dopadas. – disse calmamente e, apesar do
bom senso das palavras, parecia haver um diabinho soprando-lhe uma autocensura.
Definitivamente, a voz rouca denunciava que consciência e instinto haviam brigado
ferozmente.
- Espere, eu já volto. – ela fez um sinal com a mão, mas nem se mexeu do lugar.
Tinha de detê-lo, porém, antes, precisava vencer a onda, imponente e tépida, que a
arrastou como um surfista que perdia a prancha e afogava-se feliz no mar que acreditava
idolatrar. Ainda teve tempo de dizer a Jules, antes de mergulhar:
-Você é o único que confio e lhe serei leal até o último dia da minha vida. Bonne nuit,
Batman.

Acordou com uma voz masculina próxima ao seu ouvido, dizendo que o período de
neve seguiria firme por toda a Europa. Em seguida, o locutor informou o horário, 7h 15 min,
desejou aos ouvintes um ótimo dia de trabalho e ofereceu-lhes “Prendre l’air”, de Calogero.
Após os primeiros acordes do violão, Amanda empurrou o edredom para os pés da cama e
enfiou-se debaixo da ducha. Após ter chegado atrasada ao trabalho, no início da semana,
temia que isso novamente acontecesse. Saiu do banho enrolada numa toalha cor-de-rosa e
felpuda. Abriu a gaveta da cômoda e, como não encontrou nenhuma calcinha, encaminhou-
se até o varal, que ficava do lado de fora da janela da cozinha.
Assobiou alegremente a canção que tocava na rádio, procurando não decepcionar o
cantor. Abriu a janela, afastou as cortinas e observou o céu branco e os flocos de neve
caindo, agora, finos e persistentes. Manteve os vidros bem fechados.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Preparou a cafeteira para trabalhar enquanto vestia a calcinha no meio da cozinha.


Ao voltar-se, encontrou um bilhete sobre a mesa. Conhecia a caligrafia.
“Estou no escritório. J.B.”
Sim, Jules passara a noite em seu apartamento... Como havia esquecido? E, em algum
momento da noite, entrara em seu quarto e eles se beijaram. Eles se beijaram?
Automaticamente, Amanda levou dois dedos aos lábios. Impossível. Jules Brienne jamais a
tocaria, justamente porque ele não a via como mulher, fêmea. Era-lhe tão-somente a
assistente pessoal, a sua faz-tudo particular. E caso não mantivesse um bom nível de
trabalho, seria demitida como a assistente anterior, palavras dele: “devidamente demitidas”.
Além do mais, lembrava-se claramente de que ele dissera que ficaria trabalhando no projeto
finlandês para a expansão da sua corporação na região nórdica.
Sempre tivera o cuidado de não nutrir fantasias amorosas em relação ao chefe, a
qualquer chefe e, muito mais em relação a Jules Brienne. Levava seu emprego a sério, não
somente porque era seu ganha-pão, mas também pela oportunidade, raríssima, que tivera
na França. Tinha plena consciência de que, apesar de sua competência e os cursos que
fizera, ainda assim fora escolhida para o cargo mesmo tendo pouca experiência na área
administrativa. Refletia sobre isso quase todos os dias. Sorte de principiante, como lhe dizia
a irmã. Devotava-se ao trabalho como se lhe fosse a família, que, por causa do trabalho, era
mantida a distância. Paradoxo difícil de entender.
O beijo fora um sonho. Jules era fiel à esposa. Talvez até tivesse uma amante
eventual, uma mulher que lhe desse carinho e sexo. No entanto, nos cinco anos que
trabalhara para ele, nunca o vira com alguém. Se tinha um caso, era por demais discreto.
Jamais andaria por aí com uma mulher a tiracolo, tendo, debaixo do próprio teto, a esposa
mantida viva através de aparelhos. Era o tipo de pessoa que somente retomaria sua vida
afetiva, depois que a esposa morresse. Amanda pensava, com uma pontada na barriga, que
Geneviève era uma forte candidata e seria muita sorte dela casar-se com Jules Brienne.
Sorte de veterana, pensou com maldade.
Vestiu rapidamente o tailleur escuro e os sapatos. Maquiou-se suavemente,
perfumou-se com discrição (aprendera a usar os perfumes em Paris), pegou a pasta
executiva, as chaves do carro e desceu até o estacionamento do prédio, ou seja, a duas
quadras do mesmo.
Saiu do elevador e ao encontrar Dorian atrás do balcão digitando algo no
computador, decidiu resolver logo uma questão e da forma mais direta possível. Convidou-a
para acompanhá-la ao terraço, assim teria certeza de que a conversa seria mantida entre as
duas.
- Você transa com Jacques Rodin? –indagou à queima-roupa.
Em princípio, a outra apenas encarou-a sem expressão, digeria a pergunta. Quando a
‘ficha caiu’, imediatamente seu rosto transformou-se numa carranca mal-humorada.
-É assim no Brasil?
-O que, Dorian? – perguntou impaciente.
-Essa falta de educação. Isso é uma questão pessoal, íntima, Amanda, não tem o
direito de me deixar constrangida. – falou ofendida.
- Está namorando? – insistiu.
Dorian respirou fundo, tentava controlar a irritação.
-Minha vida afetiva está fora dos limites da empresa.
Amanda apertou-se no casaco. A neve estava mais branda, mas, no terraço da
cobertura, o vento era forte e cortante. Ela sentia-se perfurada por milhares de agulhas.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Havia um bom motivo para arriscar-se a contrair uma pneumonia, Jacques havia-lhe dito que
se relacionava com várias mulheres da empresa e ela investigava a veracidade das palavras
dele. Começara por Dorian e talvez ficasse só nela. Faltava-lhe coragem de forçar amizade
ou intimidade com as demais funcionárias, tanto a recepcionista (que sempre olhara
Amanda com falsa admiração) como as executivas da diretoria, as poderosas do 11°andar,
como eram conhecidas.
- Você tem alguém?
- Oui, por quê? – Dorian indagou, desconfiada.
Ignorou-lhe a pergunta e prosseguiu:
- Conhece Jacques Rodin?
- Deveria? –alçou a sobrancelha, intrigada.
- Acho que sim...bem, ele é alto, loiro, olhos azuis, se veste bem e faz o tipo sedutor.
–procurou descrevê-lo, um tanto a contragosto.
- Nossa! Onde ele está? – em seguida, ela fez um gesto com a mão. – Nem precisa
dizer, ele é gay, non? Perfeito assim, só pode jogar no outro time. – fingiu uma careta de
desolação.
- Ele disse que estava tendo um caso com você. Aliás, com você e a recepcionista.
- Jacques Rodin? – esganiçou a voz.
-Ele mesmo. – confirmou secamente.
- Que linguarudo. Nunca vi esse Jacques aí. Se quer mesmo saber, meu namorado é
cantor e suíço. Tem um sotaque bonitinho, é verdade. Mas não se chama Jacques, e
tampouco Rodin. – riu-se, divertida.
Amanda avaliou as palavras da amiga. Ela não mentia.
Encontrou monsieur Armand Ribery, advogado da empresa, sentado em frente à
mesa de Jules. Ele era um homem bastante discreto, tinha cabelos grisalhos, olhos azuis e ar
plácido. Falava num tom baixo e regular, com longas pausas avaliativas em que observava as
reações de seu interlocutor antes de passar à próxima palavra. Beirava os sessenta anos, era
casado há quase quarenta e pusera no mundo cinco filhos. Um advogado das antigas,
experiente, culto e bastante influente politicamente. Amigo de Jules desde o início da SBO,
quando lhe fora apresentado por François Roche.
Cumprimentou os dois homens, emendando um sorriso nervoso ao gesto. Voltava de
um terraço gelado, após uma conversa tensa. Sentia-se particularmente vulnerável naquele
dia, fosse pela agressão de Jacques ou pelo estranho sonho com Jules, o fato era que ela
estava com as emoções à flor da pele. O melhor a fazer era refugiar-se nas tarefas de rotina,
e a primeira delas referia-se ao café do chefe. Encaminhava-se em direção à máquina do
café, quando Jules a interpelou:
- Armand está aqui para acompanhá-la até o distrito policial. Precisa registrar queixa
contra o rapaz que a agrediu, para que possamos abrir processo contra ele. – afirmou com
naturalidade.
Amanda deu um passo à frente, meio assustada e um tanto constrangida. Então Jules
havia contado ao advogado da empresa que ela fora agredida? Com quê direito? Com quê
direito ele se intrometia em sua vida? Sentia na pele o que Dorian havia-lhe dito. Por outro
lado, procurou controlar-se, era uma mulher equilibrada, não faria escândalos por nada.
Ainda mais quando dois olhos escuros, terrivelmente perspicazes e sérios vasculhavam-lhe a
expressão. Ele dissera abertamente que o advogado da empresa a defenderia, ou seja,
designara um dos seus melhores funcionários do departamento jurídico da corporação
Brienne para assessorá-la num processo criminal. Eram tais atitudes que a deixavam em

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

dúvida acerca da figura do patrão e do que ele realmente representava em sua vida. Havia a
intromissão direta e, também, a proteção irrestrita. Nenhuma delas com segundas
intenções. No fundo, Amanda tinha a sensação de que Jules Brienne protegia os seus aliados
como um general a sua tropa, um líder a sua equipe.
-Agradeço a atenção dos senhores, mas não pretendo registrar a... agressão. O que
aconteceu foi num momento de descontrole emocional momentâneo, e creio que não se
repetirá. – disse enfatizando cada palavra e mostrando firmeza em sua decisão.
Jules levantou-se lentamente de sua cadeira, e era como um puma preparando-se
para o ataque. Não havia nada bom ou leve nos olhos que lançavam chispas silenciosas e nos
lábios duros e contraídos.
-Não vai denunciá-lo?
-Parece-me desnecessário...
-Minha mãe também não costumava registrar queixa quando era surrada pelo meu
padrasto. E sabe por quê? – fitou-a intensamente. -Talvez pelo mesmo motivo que o seu, ela
não queria que uma queixa no distrito o separasse do marido. – interrompeu-a, irônico.
- Não é isso, monsieur... - tentou responder, mas foi novamente interrompida.
- Não quer denunciá-lo à polícia porque assim o caso de vocês termina. No entanto e,
justamente por isso, deve terminar. Não seja inocente, ele a machucou uma vez e o fará
sempre. Por mais que o seu namoradinho peça desculpas e afirme o contrário, mademoiselle
Rossi, jamais mudará.
- Não somos namorados... – começou, o rosto febril, a plena consciência dos olhos do
advogado sobre si. – Eu mal o conheço. Só não quero me envolver com a polícia e em
nenhum tipo de processo. Tenho certeza de que tudo foi resolvido.
- Por que protege esse bandido? –indagou-lhe secamente.
- Mademoiselle Rossi, se não processarmos esse rapaz, ele fará novas vítimas.
Precisamos, pelo menos, assustá-lo. – declarou o advogado apelando para o bom senso.
Amanda sentia-se acuada. Não podia dizer a Jules que Jacques Rodin havia-a
perseguido e, de certa forma, seduzido-a como uma espécie de vingança maluca. E não
podia, também, ir à policia para denunciar o ex-amante da esposa de um homem conhecido
como Jules o era.
- Quero manter minha vida calma e pacífica como sempre. – murmurou, fitando as
pontas dos sapatos. Evitava o olhar severo do chefe.
Por fim, ouviu-lhe dizer num tom baixo e rascante:
- Merci, Armand. Mais tarde nos falamos.
Apertaram-se as mãos.
-De certa forma, mademoiselle Rossi tem razão. Ela é a sua assistente e, registrando
queixa na polícia, chamará a atenção dos tablóides. Lembra-se da época do acidente de
madame Brienne, o quanto lhe revolveram a vida e levantaram suspeitas infundadas sobre a
sua pessoa, Jules? – ponderou e em seguida completou: - A bem da verdade, se a envolvida
no caso não quer, é melhor ainda para você e para a corporação. Qualquer escândalo
interfere no mercado, e você sabe o quanto ele é sensível.
- Precisa preservar a sua imagem, monsieur Brienne, ainda mais agora em processo
de expansão. – acentuou Amanda, nervosamente.
Jules respirou fundo, visivelmente contrariado. Acatou os argumentos de Armand,
que se despediu endereçando um sorriso amigável a Amanda. Tal gesto demonstrou o
quanto ele estava satisfeito com a intervenção da moça, pois, pelo visto, apenas Jules queria
levar adiante o tal processo.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Agora pode preparar o café. –ordenou com frieza.


- Com licença. – disse-lhe o mais profissional possível.
Abriu o balcão que sustentava a máquina do expresso e retirou as xícaras reservas,
assim não precisaria descer ao quinto andar e iniciar a “peregrinação das xícaras limpas”. Ao
mesmo tempo em que punha os grãos de café e a água na máquina, observava o chefe de
esguelha. Ele voltara a sentar-se atrás de sua mesa e havia soltado os botões do paletó
escuro. Vestia outra roupa, e o cabelo ainda estava úmido do banho. O terno fora trocado
por outro mais escuro, a camisa por uma azul-clara e a gravata, bordô. Havia feito a barba,
apesar do tom azulado do queixo e maxilares. Amanda fitou os lábios duros cuja comissura
esquerda inclinava-se ligeiramente para baixo, numa expressão de desgosto. Logo lhe veio à
mente a lembrança do beijo. Em algum momento de seu sonho fora-lhe íntima e desejada
por ele. Um desejo profundo e intenso, como uma saudade antiga, dolorida que começava a
se aplacar através de um simples beijo. Se quisesse e, talvez fosse perigoso querer, poderia
aspirar o cheiro morno do seu pescoço e saborear o gosto de seu hálito. Se mergulhasse
ainda mais nas recordações, nos fragmentos confusos espalhados pela mente, sentiria as
mãos ao redor de suas costas, trazendo-a para si.
Voltou-se para as xícaras e encheu-as de café forte. Depositou uma delas sobre a
mesa do chefe, que agradeceu sem tirar os olhos do e-mail enviado pelo departamento de
marketing. Permaneceu diante de sua mesa à espera de alguma ordem. Ele ergueu os olhos
do computador e a encarou com severidade:
- Qual o sobrenome desse tal de Jacques?
Amanda ficou sem ar.
- Como...?
- O seu protegido, o espancador... Jacques de quê? – indagou com desprezo e, vendo
que ela não reagia, completou: - Ontem gritou um nome e, dado às circunstâncias violentas
a que se expôs, acredito que Jacques não seja o nome de algum monge beneditino, non? –
alçou a sobrancelha de forma irônica.
Gritara o nome de Jacques? Grande modo de guardar um segredo! Por que não
escrevia RODIN nas paredes do escritório?!
- Não conheço nenhum Jacques. – afirmou sem pestanejar.
- Imagino que para proteger o amante, faria qualquer coisa, até mesmo perder o
emprego.
-Sim, caso o meu amante o merecesse. – retrucou com altivez.
-Você deve ter problemas com sua autoestima, sem dúvida. Se precisar de ajuda
psicológica – enfatizou a palavra -, saiba que pode usufruí-la do convênio médico da
empresa.
Amanda empertigou-se se ajeitando sobre os saltos e preparando-se para mordê-lo
na jugular:
-Bom, pelo menos quando quero alguém vou até o fim. – provocou.
Jogou verde para colher maduro. Se fora um sonho, Jules não entenderia a
observação, mas caso o beijo fora real... teria de assumi-lo.
Ele encostou o dorso relaxadamente na cadeira e olhou-a de cima a baixo
demoradamente. Voltou a fitar-lhe nos olhos, ergueu-se e chegou bem perto dela para dizer
de forma mansa e incisiva:
- Agora sei por que os homens perdem a cabeça por você.
Sustentou-lhe o olhar, já havia enfrentado outros piores. O dia que tivesse medo de
um homem teria vergonha de ser uma mulher.

37
Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Sabe mesmo ou apenas supõe? – sorriu, desafiando-o.


Percebeu a tensão no rosto bonito de Jules, os maxilares tesos, as veias nas têmporas
latejando. As sobrancelhas estavam tão juntas que pareciam formar uma só, traçando uma
longa ruga no meio da testa. Era um olhar de gavião que lhe penetrava o tecido da camisa,
invadia-lhe o sutiã e endurecia-lhe os mamilos.
-Seria tão fácil, não é? – murmurou.
- E quando sexo foi complicado? – ela retrucou com cinismo.
- É mesmo, quando?– alçou a sobrancelha em tom interrogativo ao falar-lhe devagar.
Cinco anos.
Estava difícil respirar. Todos os homens que conhecera, todos, apenas ensaios.
-Quer que eu vá até o fim, mademoiselle?
A pergunta foi feita com tamanha suavidade, que ela já não sabia se havia realmente
um questionamento ou um pedido. Dentro de si, acabavam de explodir duas granadas.
Baixou a cabeça e percebeu que tremia.
Jules tocou-lhe o queixo e ergueu-lhe o rosto para ele. Amanda fitou-o e tentou
recompor-se:
-Não, monsieur.
Ele assentiu levemente, ainda tocando-lhe a face.
-Sempre o admirei por sua integridade e caráter. Se antes o provoquei foi só uma
crise de ego. – disse tentando sorrir.
- E se antes eu a provoquei, foi só uma manifestação doentia do meu desejo. –
confidenciou sem jeito. Baixou a cabeça, voltou a encará-la, sério, e acabou puxando-a ao
encontro de seus lábios.

Capítulo VII

- Por acaso foi um beijo punitivo?


O vento empurrava com força os flocos de neve contra os vidros das janelas. O gelo
grudava e cristalizava-se formando uma segunda moldura, até ser varrido por mais uma
rajada de ar gélido.
Ele esboçou um leve sorriso enquanto ajeitava uma mecha do cabelo dela para
detrás da orelha.
- Non, foi a continuação do primeiro. – comentou com bom humor.
- Ah, então realmente houve um primeiro... – sorriu, sentindo o rosto corar, não de
vergonha e sim de desejo.
Amanda enlaçou-lhe o pescoço e puxou-o para si, queria mais uma vez sentir a
maciez daqueles lábios e o sabor morno e viciante dos seus beijos. Jules deixou-se abraçar,
entreabriu os lábios e chupou-lhe a língua com vontade. Colaram-se os corpos. Ela deslizou
as mãos pelas costas dele, entregando-se ao abraço como se mergulhasse num abismo
perigoso e inebriante. Gemeu baixinho quando ele se afastou, mas logo teve o lóbulo da
orelha mordiscado levemente, depois a curva do seu pescoço foi açoitada pelo roçar da boca
de Jules, até que ele voltou junto à orelha e murmurou:
- É complicado, Amanda.
Havia um tom de pesar que não combinava com o momento e tal constatação
assustou-a. Afastou-se um pouco e o encarou:

38
Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Esse cara... esse homem que me agrediu, ele não significada nada para mim. –
tentou explicar-se.
- Não é só isso... - murmurou, a voz firme, grave. O rosto já adquiria o aspecto sério
de sempre.
- O que é, então?
- Tudo, o fato de você não querer registrar queixa contra esse homem, o fato de ser
minha funcionária e o fato de eu ser casado e minha mulher estar em coma. Temos de
resolver muitas coisas antes de darmos qualquer passo adiante. –ponderou fitando-a
gravemente.
- A gente não precisa fazer nada. – disse baixinho, contrariando seus sentimentos. –
Ou podemos resolver uma coisa de cada vez, sem pressa.
- Não quero enganá-la ou prometer o que certamente não cumprirei. Nesse tempo
em que Rochelle está em coma, evitei qualquer relacionamento mais, digamos, profundo,
justamente por que sou casado, independente da situação de saúde da minha mulher, eu
sou casado. – enfatizou, os olhos cravados nos dela. - E, sendo assim, é óbvio que não
pedirei o divórcio. Prometi a mim mesmo que seria leal a Rochelle enquanto vivesse. E isso
inclui respeitá-la, não me expondo em público com outra mulher.
- Toda vez que você começa um caso usa esse discurso? – perguntou com ironia.
- Não tenho “casos”, mas é sempre saudável advertir as pessoas sobre os riscos de se
envolverem comigo. Se eu tivesse feito isso há cinco anos, Rochelle ainda teria uma vida
normal. – declarou impassível.
- Merci, monsieur. Agora, posso escolher o que EU quero para a MINHA vida ou tudo
já foi determinado?
Ele deu de ombros calmamente.
- Sinceramente, não tenho intenção alguma de decidir nada sobre a sua vida. Apenas
quero que compreenda a minha, se possível.
- Tem medo de que eu me apaixone e atrapalhe o seu esqueminha. – disse tentando
controlar a incipiente irritação.
-Que esqueminha? – alçou a sobrancelha, confuso.
- De pôr suas mulheres na coleira e doutriná-las de acordo com as suas regras. –
afirmou irritada.
- Amanda, s'il vous plaît. – disse num tom de reprovação.
- E não é?
Jules suspirou contrariado, tirou o paletó e o jogou no sofazinho em frente a sua
escrivaninha. Sentou-se e, ignorando-a deliberadamente, apertou o interfone para falar com
a secretária:
- Mademoiselle Cuvier, avise-me quando o rapaz do Le Monde chegar e mande e-mail
para o diretor de marketing, quero uma reunião com ele e o pessoalzinho da agência que
contratou... para hoje.
- Mais alguma coisa, monsieur?
- Non, Merci.
Amanda assistia de camarote Jules delegar tarefas que eram suas à secretária.
Cruzou os braços em frente ao peito, um pé batia no carpete, intermitente. Estava possessa
e tentava controlar-se com dificuldade. Tinha vontade de quebrar algo, quebrar algo na
cabeça dele!

39
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Após exatos dez minutos, Jules ergueu os olhos da tela do computador e viu que ela
ainda estava de pé no meio da sua sala. Por um momento, ficaram apenas se olhando. E ela
descobriu que lutava contra um leão.
-Deseja mais alguma coisa, monsieur? – indagou-lhe friamente.
A feição dele suavizou-se por um momento.
- Seria pedir muito que controlasse esse seu temperamento latino? Depois que
esfriar a cabeça, pense sobre o que falei, pondere a respeito, oui?
- Eu ainda não sei o que quer de mim. – afirmou.
- Bom, se nesses cinco anos não lhe dei pistas o suficiente, então temos problemas de
comunicação. – afirmou, retomando a máscara séria e fria. –Agora, quero apenas que entre
em contato com Jarkko e veja como anda as reservas de hotel em Helsinque... mademoiselle
Rossi.
Baixou a cabeça e concentrou-se no trabalho. Restou a Amanda voltar à sua sala e
pôr seus sentimentos nos trilhos certos.

Capítulo VIII

Eram onze horas da manhã, quando Amanda decidiu fechar a agenda e concentrar-
se apenas em responder os e-mails que chegavam para o presidente, já que o mesmo até
àquela hora não havia dado as caras no escritório.
Ao chegar, obedeceu à rotina de sempre, e isso incluía ligar a máquina do expresso
para que quando o chefe chegasse tivesse a sua necessidade por cafeína satisfeita. Mas até
mesmo executar tais tarefas, que antes lhe pareciam maquinais e simplórias, agora, nesse
novo estado alterado de sentimento, ganhavam um aspecto de sutil intimidade.
Ao longo da manhã, abriu a porta inúmeras vezes e encontrou apenas Dorian e a
outra secretária, Assíria, conversando atrás do balcão. Voltava um tanto frustrada e
mergulhava no trabalho.
De repente Killer Queen ressoou pela sala e ela pôs-se a procurar pelo celular, o
coração aos pulos. Encontrou-o na mesa da majestade que a chamava.
- Bonjour, como estão as coisas por aí?
- Está tudo tranquilo, monsieur. – imprimiu firmeza na voz.
-Escute bem, houve uma pequena mudança nos planos, pegue as pastas da Finlândia
e encontre-se com Jean Baptiste. Ele a trará para a reunião com os finlandeses.
-Como?
-O que acabou de ouvir. – respondeu brandamente, depois completou com uma sutil
arrogância: - Quer que eu repita?
O nome Jean Baptiste significava “helicóptero”.
-Entendi, monsieur, mas...
Ele interrompeu-a bruscamente:
-A reunião será aqui no meu chalé. A ligação está péssima... –reclamou.
- Que horas devo ir?
- Agora. Nem pense em se atrasar. –disse resoluto.
E desligou.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Amanda permaneceu por um tempo olhando para o telefone, procurando entender o


que acabava de acontecer. Jules havia marcado uma reunião com os executivos da nova filial
da SBO na Finlândia. Jules havia marcado a reunião. Entretanto, a responsabilidade para tal
tarefa era de Amanda, e não dele. Já estava agendado a viagem de ambos a Helsinque para
o próximo final de semana. Portanto, por que diabos ele a antecipara dois dias?
Avisou Dorian sobre a reunião no chalé e subiu até o terraço.
-Belo dia para voar, não? – indagou-lhe divertido o piloto belga ao vê-la entrar no
helicóptero.
Amanda cumprimentou-o e voltou para o chão firme. Avisou-o antes de disparar de
volta ao escritório do chefe:
- Esqueci as pastas e não desliguei a cafeteira. –emendou um sorriso amarelo.
Quando Jules comportava-se fora do estritamente esperado, ou seja, improvisava
uma reunião ou uma viagem que não fora agendada antecipadamente, ela praticamente
perdia o chão. No entanto, durante todo o tempo sendo-lhe a assistente pessoal, isso
poucas vezes ocorrera, pois ele cumpria a agenda. Desde quando usava o seu chalé, o seu
refúgio solitário, para uma reunião de negócios com um bando de executivos da terra do sol
da meia-noite? E, por que havia transferido a tal reunião para França, e não a mantido na
Finlândia como estava AGENDADO, com o propósito de conhecer in loco o mercado
escandinavo tão pesquisado e analisado nas tais pastas?
Enquanto sobrevoavam Paris e distanciavam-se da área central da cidade, ela refletia
sobre a possibilidade de ter de passar o dia inteiro no meio dos lobos da informática. Sua
função não seria servir café ou ser mais um acessório decorativo, e sim explanar sobre os
dados pesquisados a respeito da economia e política locais e a posição da concorrência. A
Finlândia era um dos países mais agressivos do capitalismo contemporâneo, rica, estável e
aberta aos empreendedores. Entretanto, neste momento, observando a brancura à sua
frente, tanto no céu quanto abaixo, nas montanhas, ela pensava que se chegasse inteira no
chalé já estaria no lucro. Observou que Jean Baptiste usava óculos Ray Ban, evitando, assim,
a agressão do reflexo da claridade da neve nos olhos. O piloto já estava acostumado a levar
o presidente da empresa para todos os lados e, nesta época do ano, no auge das nevascas,
prestava a atenção nas variações do tempo.
Meia hora depois, Jean Baptiste apontou o dedo indicador e indicou-lhe, por entre
montanhas nevadas e pinheiros verdes e gigantescos, o chalé de Jules, cujo telhado estava
encoberto por uma grossa camada de neve. A construção de três andares, de madeira
rústica sobre pedras, parecia imersa dentro de uma banheira de espuma branca. Diante das
janelas frontais, as sacadas. Na frente, sobre o primeiro andar que, possivelmente era a
garagem, uma ampla varanda aberta, com amurada de madeira sustentando uma superfície
de neve. A arquitetura era a mesma empregada na construção de chalés nos Alpes suíços
que, apesar da rusticidade da madeira, apresentava sofisticação tipicamente europeia.
Ela não fazia ideia do tamanho do chalé. Quando ele comentava algo sobre ter
passado uns dias recluso nas montanhas, imaginava as casas rústicas de caçadores que se via
nos filmes americanos. No entanto, enquanto o helicóptero descia sobre a neve compacta,
admirava a beleza do lugar, dos pinheiros ao redor da casa, dos flocos brancos salpicando-os
nos galhos até embranquecê-los por completo e das montanhas ao redor quase que
protegendo a habitação, formando um cerco na solidão do chalé. Um lugar totalmente
ermo. O vizinho mais próximo - Amanda constatou - distava, no mínimo, uns dez
quilômetros dali, já na entrada de um pequeno centro comercial. De fato, era um lugar

41
Obsessão em Paris  Veronique Gris

exclusivo para os ricaços descansarem ou esquiarem, no seu mundinho, bem acima dos
grandes dramas da humanidade.
Ao descer, inclinou o corpo para baixo, mais por impulso do que necessidade, já que
não era suficientemente alta para ter a cabeça decepada pelas hélices do “bichinho” de Jean
Baptiste. Agulhas de gelo fincavam-lhe a face. Pisou o pé na neve e quase perdeu o
equilíbrio, não contava com a sua espessura, alcançava-lhe pouco abaixo de seus joelhos.
Apertou-se no casaco cinza, de lã, e incitou novo passo para, mais uma vez, mergulhar a
perna na neve. O ar que as hélices movimentavam era gelado e machucava-lhe a pele. O
barulho do motor parecia ecoar por todo o vale, era ensurdecedor. Na tentativa de afastar-
se o mais rápido possível do helicóptero e suas pás assassinas, acabou deixando cair as
pastas que segurava. Abaixou-se para pegá-las e, quando se ergueu, ainda meio atrapalhada
em função do volume de neve que ameaçava congelar suas pernas protegidas apenas pela
meia-calça de seda 7/8, o scarpin escuro e a saia de lã, justíssima, um palmo acima dos
joelhos, vislumbrou uma sombra por detrás do vidro da janela da frente. Alguém afastou a
cortina, provavelmente alertado pelo barulho do helicóptero. Ela tentou identificar a pessoa,
mas estava mais preocupada em sair do pequeno buraco de neve em que se encontrava. No
minuto seguinte a porta foi aberta, e Amanda descobriu uma particularidade sobre si
mesma: era capaz de parar de respirar sem perceber.
Escorado junto ao batente da porta, vestindo um suéter preto, de gola alta, jeans
escuro e tênis, estava Jules e seu cabelo azeviche, com uma mão no bolso da calça e a outra
segurando um cálice de vinho. O cabelo, normalmente penteado e aparado, estava
bagunçado, mechas da franja curta caíam-lhe sobre a testa. Havia uma aura de charme na
casualidade de seu traje e no aspecto displicente de sua aparência. Era como se estivesse de
férias.
O helicóptero já estava no alto, distanciando-se deles, quando Amanda incitou os
primeiros passos em direção ao chalé. Podia ouvir o próprio coração cumprindo sua função
de bombear o sangue. Subiu os degraus de pedra até a varanda e mal sentia as pernas.
Durante todo o trajeto, Jules manteve os olhos fixos nela. Os olhos pretos brilhavam de um
modo que Amanda jamais vira. Ele levou o cálice aos lábios sem deixar de fitá-la, enquanto
ela se aproximava com os arquivos e a pasta executiva. Somente quando parou diante dele,
Jules empertigou-se, pegou-lhe os arquivos da mão e jogou-os na neve. Antes que ela
esboçasse qualquer reação, foi tomada nos braços e uma boca macia esmagou a sua, num
beijo profundo, que procurava aplacar sem sucesso uma vontade reprimida havia muito
tempo. Amanda não ouviu o barulho do impacto de sua pasta contra o piso de madeira da
varanda, e tampouco percebeu que os flocos de neve, cada vez mais espessos e atiçados
pelo vento forte, salpicavam-lhes os cabelos. Enlaçou o pescoço de Jules e puxou-o para si,
entregando-se à exploração de sua língua com gosto de vinho, de uva, de sedução. Ao tentar
afastar-se, sentiu uma mão pressionando-lhe a nuca e outra, espalmada, sobre seu maxilar,
mantendo seu rosto preso contra a boca ávida que ora chupava-lhe a língua, ora
mordiscava-lhe a comissura dos lábios e esfregava os próprios lábios na carne tenra dos
dela. Amanda gemia deliciando-se em perceber que a respiração dele estava pesada e os
seus braços cada vez mais procurando apertá-la junto a si, para que ela soubesse e sentisse
o tamanho de sua excitação. Ficaram abraçados por um tempo, em silêncio.
Amanda foi a primeira a falar, a voz ainda rouca, indagou com um sorriso maroto:
-Onde está o cálice que segurava?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Jules girou o corpo, ainda abraçado nela, e apontou para o banco de neve do outro
lado da varanda. Depois, tomou-lhe o rosto entre as mãos e confidenciou-lhe quase num
murmúrio:
-Inventei uma reunião para ficar com você sem levantar suspeitas no escritório.
Não pôde deixar de rir baixinho, pois ele parecia um moleque que acabava de contar
uma travessura.
-Na verdade, achei bastante incoerente tal reunião. Pensei que você tivesse sofrido
um colapso nervoso, bem típico de workaholics. –debochou.
-Homens como eu, não sofrem colapsos, - disse com ar sério e emendou esboçando
um suave sorriso: - agora o nome é episódio depressivo grave. O que dá no mesmo, mas
impõe mais respeito. –ironizou. Em seguida, abraçou-a com força e disse num tom de
precaução: - Acho melhor entrarmos, mademoiselle Rossi.
-Oui, monsieur Brienne.
Ele pôs o braço ao redor de seus ombros, possessivamente. Antes de entrar, ela
parou e fez menção de voltar a fim de buscar as pobres pastas atiradas na neve. Mas Jules
segurou-a contra si e declarou com naturalidade:
- Tenho cópias aqui comigo. Acha que eu seria idiota de desperdiçar o seu trabalho?
-Não, apenas achei que fosse um romântico que jogasse longe o trabalho para poder
me beijar. –brincou.
Jules parou à porta, virou-se e a encarou seriamente:
- Falta-me romantismo? Resolvo logo essa questão.
Beijou-lhe nos lábios mais uma vez, profundamente.
Quando a porta foi fechada atrás de si, com um empurrãozinho do pé de Jules,
Amanda teve a impressão de que entrava noutro mundo, mais aconchegante e cheiroso.
Todo o frio havia ficado do outro lado da porta. Uma legítima casa de campo com direito a
achas de madeira crepitando na lareira, diante dos sofás com estampas em xadrez vermelho
e branco, decorados por mantas felpudas e almofadas de patchwork. Ao lado de cada uma
das três poltronas entre os sofás, abajures com lâmpadas de quarenta watts, iluminavam
languidamente a estante com livros, os quadros de pintura abstrata e o bar, em madeira de
pinus, entre a sala e o inicio da escadaria que levava ao segundo andar do chalé. Do teto ao
piso, passando pela parede, esquadrias das janelas, portas e sacadas, tudo era composto por
madeira reciclada, num tipo de rusticidade elegante e selvagem.
- Sua casa é linda. – disse-lhe admirando a disposição dos móveis e a beleza e
simplicidade de cada detalhe.
Ele olhou ao redor sem muito interesse, voltou-se para ela e ensaiou um sorriso:
- Machuquei seus lábios...
Amanda levou a mão à boca, sentia-os de fato inchados e doloridos.
- Quer provar meu sangue? – provocou-o.
O outro Jules, aquele que ela conhecia havia cinco anos, recuaria um passo e falaria
algo sensato e racional, seguido de um “por favor, Amanda” impaciente. O Jules dos Alpes
franceses, o de barba por fazer, jeans e tênis, que mentira sobre a reunião para trazê-la ao
seu chalé para um encontro secreto e que a fitava com olhos febris, bem, esse Jules agiu de
forma inesperada. Aproximou-se dela e segurou-lhe a nuca delicadamente. Sem deixar de
fitá-la, abaixou a cabeça e sensualmente lambeu o filete ralo de sangue que lhe aflorava do
lábio inferior.
- Que tal tirar o casaco? – sugeriu começando a desabotoá-lo sem se intimidar com
os dez botões de tamanho considerável.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Retirou-lhe o casaco e o depositou sobre o encosto de uma das poltronas. Por um


minuto ou dois, manteve-se atento as curvas do corpo de Amanda, insinuadas pela saia justa
e a blusa de seda. O olhar de Jules era tão intenso que ela sentia os bicos de seus seios
endurecerem de desejo, marcando o tecido delicado da roupa. Por fim, ele suspirou
profundamente, era visível que procurava controlar-se. Por mais que agisse com mais
naturalidade e ousadia, ainda era o homem equilibrado e sensato que ela conhecia.
-Deve estar com fome.
-Você também. – disse Amanda, retribuindo o duplo sentido da frase. Não se
surpreendeu ao vê-lo esboçar um sorriso malicioso que, em seguida, foi substituído por uma
expressão de verdadeira preocupação.
-Temos que comer. –constatou fitando-lhe diretamente e emendou com dissimulada
timidez: - Preparei uma Tartiflette – diante do olhar interrogativo dela, ele prosseguiu: - É
uma comida típica desta região. É feita com batatas e Reblochon.
- Tem serviço de entregas por aqui?, é um lugar tão isolado! –debochou.
- Não sou totalmente dependente de restaurantes ou de Annie, aprendi a cozinhar.
Quando comprei o chalé, assegurei-me que de fato seria um refúgio, um lugar para ficar
distante da minha vida parisiense. Comprei um livro de receitas culinárias e, como fui
alfabetizado, - alçou a sobrancelha numa expressão de gracejo -, apenas tenho de comprar
os ingredientes e ler as receitas. É fácil. – disse enquanto a tomava pela mão e a conduzia à
cozinha.
Antes de entrar, Amanda observou o quanto ele se sentia à vontade e no controle de
tudo. Pelo visto, havia planejado o encontro no chalé com antecedência. Desde quando Jules
maquinava trazê-la? E por que ele tinha tanta certeza de que seus planos dariam certo? No
entanto, o que mais lhe chamou a atenção não estava no chalé propriamente dito e, na
verdade, não estava em lugar algum. Ao entrelaçar os dedos nos de Jules, percebeu que
após cinco anos, enfim, ele não usava mais a aliança na mão esquerda. Isso sim significava
uma grande mudança.
A cozinha era arejada, com uma ampla janela revestida por cortinas xadrez e
mobiliada com o básico. Realmente, Amanda observou, não havia detalhe algum feminino,
nada de enfeites, toalhas, paninhos coloridos ou imãs na geladeira. Desconfiava de que as
cortinas já estivessem na casa ao ser comprada.
Ele parou diante do fogão, abriu o forno e deu uma olhada para dentro. Numa
banqueta de madeira, o livro aberto na página da receita do gratinado de batatas, com
toucinho e queijo Reblochon, ingredientes e modo de fazer. Com o pano de prato dobrado,
ele retirou o refratário do forno e o depositou na mesa de seis lugares, no centro da cozinha.
- Voilà. – disse baixinho, sem muito entusiasmo.
- O cheiro é excelente!
- Da última vez que fiz faltou sal. – comentou enquanto atravessava o ambiente para
abrir uma porta que, pelo o que Amanda verificou, levava ao porão. Jules desceu por uma
escada e voltou em seguida trazendo uma garrafa de vinho.
- Aqui está o segredo de uma boa refeição. –brincou exibindo-lhe a garrafa de vinho.
Ela estava faminta e só percebeu ao provar a primeira porção da comida. As batatas
cortadas em rodelas recebiam lamelas de Rocheblon, um queijo cremoso, creme de leite,
toucinho e alho. A camada superior, crocante, parecia derreter dentro da boca. Para
acompanhar o prato principal, Jules havia preparado uma salada com cogumelos. Ele
comentou que o Rocheblon tinha uma origem interessante que datava da Idade Média,
quando os senhores feudais exigiam uma parte da ordenha das vacas dos camponeses que

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

pastavam nas terras deles. Os últimos entregavam menos leite durante a inspeção e, assim,
ordenhavam novamente suas vacas, obtendo para si um leite bem gordo de onde era feito o
queijo.
- E, agora, em pleno século XXI, um executivo da área da computação faz um prato
delicioso. – disse Amanda sorrindo.
Ele beijou-lhe a ponta do nariz e encheu mais uma vez o cálice dela.
- Quer me embebedar? Não é você que tem uma regrinha sobre não fazer sexo com
mulheres fora de si? –indagou brincando.
Ele sorriu com um um jeitinho tímido, baixou os olhos e encarou-a novamente, agora,
bastante interessado.
- O quanto estava lúcida àquela noite?
- O suficiente para não esquecê-la. – afirmou degustando o vinho sem desviar os
olhos dos olhos dele.
- Amanda...
- Se vai complicar tudo, não fale. – pediu.
-Quero que saia daquele apartamento, é longe, pequeno e sem segurança. Vou
comprar outro maior para você e...
Ela pôs um dedo sobre os lábios dele interrompendo-o.
- Vai fazer o que boa parte dos executivos fazem, bancar a sua amante? –disse sem
disfarçar o escárnio.
Jules beijou-lhe o dedo e olhou-a com severidade.
- Quero você e muito, mas não consigo deixar de perceber seus defeitos, e um deles
é essa mania de distorcer o que falo. –afirmou-lhe num de voz bastante seguro e tranquilo.
- Estou errada? Na SBO quase todos os diretores possuem duas casas, a oficial e a do
affair. Será que só o presidente não sabia? – ironizou.
- Trabalho praticamente vinte horas por dia e não tenho interesse nenhum na vida
sexual dos meus funcionários. – disse incisivo.
- Os executivos e suas vagabundas. –murmurou.
-Isso nos inclui? –alçou a sobrancelha, interrogativo.
Amanda engoliu em seco ao receber seu olhar gelado. Ao constatar que não lhe
responderia continuou:
- Se não está preparada para ficar comigo, vou entender e aceitar. Podemos parar
por aqui, nesse almoço. Apenas nos beijamos, - deu de ombros e acrescentou:- e isso não
afetará nossa relação profissional. Jean Baptiste pode levá-la de volta a Paris. – falou, sério
sem censura ou ameaça.
Inexplicavelmente, ela sentiu um repentino mal-estar. Não queria ficar sem ele.
Ajeitou os talheres ao lado do prato, levantou-se e começou a juntar a louça a fim de lavá-la.
Um ato mecânico que lhe dava tempo para pôr os pensamentos em ordem. Percebeu que
Jules a acompanhava posicionando-se em frente à pia, já de posse da esponja e detergente.
Entregou-lhe os pratos, copos e talheres evitando tocá-lo e fingindo importar-se com
a arrumação da cozinha. Jules recebia a louça e, com eficiência, encharcava-as de detergente
e as enxaguava debaixo da torneira de água quente, colocando-as, depois, sobre o aparador
para secarem. Como Amanda não possuía nervos de aço, acabou quebrando o silêncio.
-Você não luta por ninguém mesmo, não é?
-Essa conversa não nos levará a lugar nenhum. – observou calmamente, terminando
de lavar o último talher e ajeitando-o no aparador.
- Não é à-toa que o chamam de homem de gelo. -resmungou baixinho.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Ele secou as mãos num pano atoalhado, respirou fundo e encarou-a com o semblante
grave:
- Você quer certezas e garantias, Amanda? Isso não existe, não existe no mundo, nem
na vida. Olha só o meu casamento. A vida não nos oferece garantia de nada.
- Por que está me dizendo isso?
- Naquela noite que passei em seu apartamento, você disse que somente confiava
em mim. Acredita mesmo nisso ou falava sob o efeito dos analgésicos?
Ela abaixou a cabeça incapaz de sustentar aquele olhar tão forte, tão perscrutador.
Mas ele não estava para brincadeiras e insistiu sem alterar a voz, baixa e tranquila.
- Olhe para mim... Você realmente confia em mim? Nesses anos todos, em algum
momento desconfiou de minhas atitudes?
-Não, Jules, mas eu já me enganei outras vezes e sei que desta vez o engano pode me
trazer consequências devastadoras.
- Acha que não sei?
-É diferente. Para os homens essas questões sentimentais são melhores resolvidas.
Vocês mergulham no trabalho e conseguem viver, mas, nós, nem conseguimos trabalhar
direito.
-Entendo. –respondeu com seriedade.
- E se a sua esposa voltar a si?, o que acontece comigo? –indagou num fiapo de voz.
Jules cruzou os braços em frente ao tórax assumindo uma posição mais solene e
centrada.
- Sou o responsável legal de Rochelle e só não peço o divórcio por que, apesar de
rica, a família dela é completamente maluca e isso inclui uma mãe com mais de vinte
cirurgias plásticas e um padrasto de vinte e cinco anos. Eles não querem a responsabilidade
de ter que lidar com alguém em estado vegetativo. Há uma luta constante contra
pneumonias, escaras e subnutrição. E eu tenho a melhor equipe para cuidar dela. Além
disso, sob a minha tutela mantenho afastado o homem que a deixou nesse estado.
- Claro. – murmurou ela.
-Não tenho como prever nada a respeito da recuperação de Rochelle e nem os
médicos. Ano passado, tentamos retirar o respirador, mas ela não reagiu por si. Foi uma
experiência dolorosa e frustrante, e eu me peguei pensando em eutanásia e coisas desse
tipo. Rochelle não me amava, mas amava a vida. Mantê-la numa cama com tubos não me
parece nada com aquilo que acreditamos ser a existência humana... No entanto, não tenho a
coragem de Michael Schiavo e contrariar a família e uma parte da sociedade para desligar-
lhe os aparelhos. –deu de ombros num gesto de impotência. -Por outro lado, Rochelle nunca
esboçou comentário sobre esse assunto e eu não estaria cumprindo nenhum tipo de
promessa tirando-lhe a vida. Além do mais, de acordo com a medicina, vinte por cento dos
pacientes se recuperam... Talvez ela tenha alguma chance e não serei eu a tirá-la.
Os flocos de neve avolumavam-se colados nos vidros das janelas da cozinha. A
nevasca atingia as montanhas. O frio branco espraiava-se na parte externa da casa, por que,
dentro, a atmosfera cada vez mais densa propiciava momentos de silêncio e reflexão. Jules
mantinha-se afastado e sereno, a pernas separadas, numa posição de espera. Ele estava
todo ali, perto e pronto para acabar com suas dúvidas e inseguranças.
- Rochelle é a minha obrigação, é a mulher com quem casei e, mesmo que tenha me
traído e, deitada no asfalto sangrando me mandado embora, - riu-se com amargura –
mesmo assim, é a minha responsabilidade por que, acima de tudo, é um ser humano.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Era o que ela esperava dele, de acordo com o caráter e a personalidade do homem
que conhecia há anos. Era assim que Jules Brienne sempre agia, dentro e fora da empresa.
- Tem certeza de que essa obrigação não é amor? – sondou-lhe quase sem voz.
Estranhou o fato de doer-lhe formular a frase.
- Não a amo mais. –afirmou sem maiores explicações. Em seguida, olhando-a
diretamente, ordenou-lhe de forma perigosamente séria e num tom baixo e hipnotizante de
voz: - Entregue-se a mim, Amanda...
Ela sentiu as pernas trêmulas e segurou-se na ponta da mesa. Controlou-se o máximo
que pôde, havia percorrido todos os caminhos racionais, alimentado o cérebro de respostas.
Ele se aproximava com o rosto circunspecto, as sobrancelhas juntas, os maxilares contraídos,
os olhos negros como os de um predador voraz. Num movimento ágil, ergueu-a do chão com
um braço em torno de sua cintura e a beijou até deixá-la sem fôlego. Afastou-se e, sem
deixar de fitá-la, desabotoou-lhe os botões da blusa de seda, expondo o sutiã branco, de
renda. Tirou-lhe do corpo a blusa e jogou-a sobre a mesa. Baixou-lhe uma das alças da
delicada peça e beijou-lhe a pele macia do mamilo cujo bico endureceu imediatamente após
o toque úmido e quente. Amanda não conseguiu conter um gemido rouco enquanto Jules
explorava seu seio com a boca, enquanto sua outra mão acariciava com suavidade o outro
seio, detendo-se na auréola do mamilo e esfregando a palma sobre o bico intumescido.
Aspirava o cheiro de xampu dos cabelos de Jules, a cabeça inclinada sobre seus seios, o
corpo esguio encurvado para si. Ela queria mais, queria-o fundido em si, como se fossem um
corpo só. Arqueou-se para, com a cintura, tocar na dele. Ele ergueu a cabeça e beijou-lhe
toda a extensão do pescoço, detendo-se no lóbulo da orelha. As mãos, firmes na cintura
dela, puxaram-na para o encontro dele e Amanda sentiu a brutalidade e rigidez de seu pênis.
Jules baixou-lhe o zíper lateral da saia, que escorregou para o chão, sendo chutada para cima
do fogão. Por um momento, deteve-se e admirou-lhe o corpo vestido de calcinha, sutiã e
meia-calça 7/8. Seus olhos brilhavam de desejo e admiração, as narinas dilatadas e os lábios
constritos. Toda a feição ainda séria envolvida por uma aura, por um tormento mudo, um
tormento sexual, um tipo de desespero contido e que transparecia nas veias latejantes das
têmporas.
- Não faz ideia do número de vezes que tirei sua roupa no meu pensamento.
- E... depois...o que você fazia...Jules...me diz... o que fazia – provocou-o num
sussurro rouco.
- Quer mesmo saber? – indagou-lhe de modo desafiador, esfregando os lábios nos
lábios dela.
- Quero...quero muito...saber.
Ele puxou-a para si com brusquidão, apertando-lhe as nádegas com as duas mãos.
Em seguida, enfiou a mão por dentro de sua calcinha e acariciou-lhe o sexo, separando-o
delicadamente com o dedo indicador até encontrar a parte mais sensível.
-Eu a devorava. – disse, fitando-a com a expressão tomada pelo desejo.
Num gesto rápido, abriu-lhe o sutiã e, faminto, abocanhou-lhe um mamilo,
mantendo-o entre a língua e o palato, saboreando-o. Depois, devagar, deslizou a calcinha
pelas pernas dela. Deitou-a sobre a mesa e, como um legítimo macho alfa, baixou o jeans e a
cueca boxe, preta, e, com o joelho afastando as pernas dela, penetrou-a. Amanda gemeu e
arqueou o corpo, umedecido pela ligeira camada de suor. Jules, de pé, controlava a cadência
das arremetidas. Penetrou-a totalmente, introduzindo-se em princípio com gentileza,
lentamente, para que ela o sentisse todo dentro de si. Depois, segurou-a pelos ombros e
arremeteu fundo, com movimentos mais fortes, violentos, cadenciados com seus gemidos e

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

suas respirações resfolegantes. Antes de atingirem o cume do prazer, ele a puxou para si e a
beijou apaixonadamente. Depois, puxou-lhe o corpo para a borda da mesa, separou-lhe as
pernas e as descansou sobre os seus ombros. Penetrou-a novamente e, como era alto,
ajeitou uma posição do seu corpo sobre o dela, de modo que a cada investida seu membro
esfregasse-lhe o clitóris. A fricção em seu sexo orvalhou sua pele e uma sensação aguda
espalhou-se pelas vértebras, nervos, músculos e carne até explodir como uma bomba,
levando-a a gritar numa voz irreconhecível. Ao abriu os olhos, viu Jules com os lábios
entreabertos como se sofresse, os olhos fechados, as rugas ao redor das pálpebras
acentuadas, o cabelo úmido de suor e o suéter e a camisa de mangas curtas em alguma
parte da cozinha. Admirou-lhe a musculatura do tórax e abdômen, a força dos braços.
Quando despencou da montanha-russa do prazer, ele abriu os olhos, congestionados em
suas órbitas, e puxou-a para um longo abraço.
- Queria ter podido me controlar mais. – desculpou-se.
- Quando eu conseguir pensar, analiso o que você falou. - brincou, beijando-lhe o
pescoço.

Capítulo IX

O clima de sensualidade tornava o ambiente ainda mais aconchegante. A lenha


crepitava na lareira e, vez por outra, emitia ruídos secos. Do lado de fora, no meio das
montanhas brancas de neve, por entre os pinheiros e pequenos arbustos, o chalé com sua
chaminé expelindo uma trilha de fumaça.
Amanda aspirou a fragrância peculiar de Jules, colônia amadeirada misturada ao seu
cheiro natural. E não era a primeira vez que a sentia em si. Por diversas vezes, ao ajeitar-lhe
a gravata, a gola da camisa ou ao ajudá-lo a vestir o paletó, impregnara-se do seu cheiro na
pele. E o cheiro dele, para ela, ao longo dos anos, fora-lhe quase como uma companhia.
Entretanto, agora, tinha todo o seu corpo possuído por ele, invadido por sua presença
máscula e refém de sua fragrância incomparável. Observava-o vestir novamente a cueca
boxe e procurar o suéter, que foi encontrado no vão entre o fogão e o balcão de mármore,
sob a janela. Em vez de vesti-lo, trouxe-o e o pôs em Amanda. Ajudou-lhe com as mangas e
fechou o zíper até a altura do pescoço.
- Empacotada para viagem. –brincou, esfregando-lhe os ombros.
Em dois minutos, ela já estava em seus braços e era carregada até o quarto. Ele subia
devagar os degraus da escada, num canto da sala, à esquerda do bar. Enlaçada em seu
pescoço, tocava-lhe a pele morna e macia do pescoço com a ponta do nariz. Quando
entraram no quarto, deitou-a sobre a cama cuja colcha de patchwork exibia o desenho
bordado de margaridas miúdas, amarelas, brancas e azuis. Foi então que Amanda percebeu
o quanto havia de planejamento para aquele momento. Sobre uma mesa, perto da janela,
descansava um balde de gelo e uma garrafa de champanhe. Aos pés da cama, um robe de
seda, dobrado. E, sobre a colcha, pétalas de rosas azuis. Ela pegou uma delas na mão e
acariciou o rosto de Jules com ela, recebendo um sorriso terno de presente. Era para ter sido
ali, naquele quarto decorado romanticamente, a primeira vez dos dois. Mas o desejo e a
tensão sexual haviam antecipado o momento de forma brusca e desesperada, em cima da
mesa da cozinha.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Deitada de costas, ela o encarava com um leve sorriso nos lábios enquanto o zíper do
suéter era aberto lentamente. Abriu-o de todo e admirou-lhe os seios. Abaixou a cabeça e
beijou-lhe sensualmente a pele sobre as costelas, descendo até a curva de suas ancas.
Avançou para o umbigo, enfiou a língua e o mordiscou. Subiu novamente pelo mesmo
caminho, detendo-se sobre o abdômen e deslizando a língua circularmente. Amanda sentiu
um tremor na barriga e arqueou ligeiramente o corpo. Jules aproveitou para atacar-lhe os
seios, beijando-os e apertando-os até deixá-la excitada. Ela pôs as mãos sobre os ombros
dele e, sentindo-o avançar os lábios para entre suas pernas, enterrou as unhas na sua pele
nívea, arquejando e abrindo-se toda para a investida de sua língua molhada e quente. Ele
sugou-lhe com vontade, com fome e paixão a tal ponto que Amanda temeu atingir o
orgasmo tão rápido. Por um momento, ele abandonou-lhe o sexo e desviou a atenção para a
parte interna de suas coxas. Era uma estratégia para mantê-la dominada pelo prazer antes
de atingir o auge. Prorrogou a carícia, alternando as coxas, o sexo para, em seguida, o
ventre. Num movimento ágil, ergueu meio corpo e, depois de mordiscar-lhe o ombro,
apossou-se do controle remoto sobre o criado-mudo. Com apenas um toque num dos
botões, o aparelho de som que ocupava boa parte da parede lateral, foi acionado. Bastaram
apenas três segundos para ressoar a voz de Jacques Brel pedindo para a amante não deixá-
lo... Ne me quitte pas...
Depois de cobri-la de pequenos beijos e delicadas mordidas pelo corpo, Jules sentou-
se na cama e puxou-a para si, trazendo Amanda para o seu colo, de frente para ele. Afastou
uma mecha úmida de cabelo do rosto dela, ao mesmo tempo em que lhe acariciava
suavemente as costas. Sem desviar os olhos cheios de desejo dos dela, passou os braços por
baixo de suas pernas, abertas, diante do corpo dele. Juntou as mãos às costas de Amanda
dando-lhe suporte e atraindo-a ainda mais para si. Ela deixou as pernas penduradas por cima
dos braços fortes de Jules, que a sustentaram enquanto seus quadris, encaixados, moviam-
se para frente e para trás numa cadência em princípio lenta e sensual. Amanda apoiou o
corpo sobre o braço fincado na cama e, com o outro, segurava-se no ombro de Jules para
aprofundar a penetração, que começou tomando-a aos poucos, num vaivém que a fez
trincar os maxilares para não gritar. Esfregou os seios no tórax firme dele e, erguendo-se
ligeiramente, teve-os engolidos, cada um na sua vez, por uma boca voraz. Ela deitou a
cabeça para trás deixando-o livre para lamber-lhe os mamilos e chupar-lhe os bicos, que
foram sugados com força. Quando percebeu que ela estava pronta, intensificou as
arremetidas enfiando-se todo dentro dela. Por baixo de suas nádegas, ela sentia os músculos
dos braços dele trabalharem. Voltou-se toda para ele, enlaçou-lhe o pescoço e, roçando os
seios no seu tórax, auxiliou-o no vaivém de seus quadris, sentindo as agulhinhas de fogo
percorrerem-lhe o corpo, por baixo da pele. Ouvia-o gemer e murmurar com os lábios
colados em sua orelha. A voz grave e rouca deixava-a ainda mais excitada. Do alto, atirou-se
para um mergulho no mar denso, morno e eletrizado. Gritou o nome de Jules, sofrendo o
prazer que lhe açoitava desde o sexo até a boca, seca. Tremia tanto que teve de se agarrar
aos ombros dele que, em seguida, aumentou o ritmo das arremetidas de seu membro e
enfiou-o todo, até o fundo, despencando no precipício de nuvens quentes e molhadas. Ainda
sem conseguir respirar normalmente, Jules gemeu ao seu ouvido, num timbre de quem
explodia de prazer.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Estendeu-lhe a taça de champanhe, recostou-se nos travesseiros e buscou-a para si,


apertando-a num abraço possessivo. Amanda provou a bebida e deitou a cabeça no ombro
dele, sentindo-se exausta e relaxada, uma combinação um tanto paradoxal. Virou-se e viu-o
manejar o controle do som, procurando uma música no playlist digital. Admirou-lhe o tórax
firme, a respiração controlada, a pele ligeiramente orvalhada de suor. Jules era um amante
refinado, impecável e bastante experiente. A autoconfiança que possuía como executivo
também a tinha como amante. Gentil e bruto, forte e sensível, dominador e terno: tantas
características transformavam-no num mistério altamente erótico.
Sentia-se completamente à vontade e desinibida para indagar-lhe sobre a primeira
impressão que ele tivera antes de contratá-la.
- Sei que foi há séculos – brincou – Mas ainda lembro que, após falar com o nosso
diretor de Recursos Humanos, a última etapa da seleção era com você... Eu tremia, suava e
quando o vi sentado atrás da mesa, com a cara de poucos amigos, bem, simplesmente,
pensei num modo de fugir o mais rápido possível dali.
Jules virou-se para ela com a expressão intrigada, o cenho franzido.
- Verdade?
- Totalmente.
- Disfarçou muito bem. – constatou e emendou com suavidade: - Contratei-a por
mérito profissional, jamais tenha dúvidas sobre isso.
-Tive sorte. – afirmou com naturalidade.
- Eu precisava de uma assistente que fosse quase um membro do meu corpo, alguém
sensível o suficiente para lidar com o meu, digamos, pragmatismo. Em suma, precisava do
meu oposto e que ao mesmo tempo construísse uma dinâmica de equilíbrio, entende? Mas
você, você... - suspirou profundamente – foi se infiltrando de tal forma que eu já não mais
pensava sozinho... Não raras vezes peguei-me no escritório de casa, perguntando-lhe algo e,
obviamente, não obtendo resposta, sentia-me compelido a telefonar-lhe de madrugada.
- Uma vez você ligou mesmo. – disse-lhe sorrindo.
- É verdade. Sou o pior chefe do mundo. – constatou num murmúrio. – E acho que
piorei quando descobri que não a via apenas como minha assistente, aliás, minha
temperamental assistente. – completou com um alçar de sobrancelhas.
Amanda riu e deu-lhe um tapinha no ombro.
- Ainda me deve uma tomografia, monsieur Brienne.
Ela beijou-o levemente nos lábios e manteve-os colados por vários minutos. Abriu os
olhos e viu-o de olhos fechados. Roçou seu nariz no dele, roubando-lhe um sorriso suave.
Depois, mordiscou-lhe o lábio inferior e a bochecha.
-Era o desejo reprimido que me causava dores de cabeça. – disse calmamente num
tom divertido.
- Humm, então poderá me devolver os vinte vidros de aspirina que Dorian lhe
comprou. – sondou, sorrindo.
-Você é muito mandona, - mordeu-lhe levemente o lábio inferior, -terei de domá-
la...-provocou-a.
Ela riu e espreguiçou-se erguendo os braços e empinando os seios por cima do lençol
de seda.
-Monsieur... Jules, - corrigiu-se bem-humorada e emendou baixinho como se fizesse
um pedido em confidência: - sei que não gosta de falar sobre isso...mas como era o seu
casamento antes do acidente?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

O efeito de suas palavras foi imediato. O semblante fechou-se numa expressão dura
e impenetrável. Maxilares contraídos. Aquele era um assunto tabu?, perguntou-se Amanda
ao ver que Jules afastava-se dela.
- O protocolo pós-sexo, confidências à meia-luz. – ironizou. –Vamos nos poupar disso,
non? É clichê demais, até para os tipos românticos como você, mademoiselle.
Olhos de aço desviaram-se do rosto de Amanda que, surpresa pela reação hostil dele,
manteve-se quieta, fitando-o enquanto saía da cama e do quarto, sem maiores explicações.
Satisfeito na cama; para quê prolongar a conversa? Quando passou a primeira meia hora e
ele não voltou, ela resolveu ceder. Abriu as portas do guarda-roupa e retirou do cabide uma
camisa social, branca e limpa. Vestiu-a e fechou os botões até o início dos seios. Desceu os
degraus da escada com a mão sobre o corrimão e encontrou-o sentado no sofá, ainda nu,
com o cálice de vinho numa mão e a cabeça virada para as chamas que reluziam na lareira à
sua frente.
- Não tive intenção de incomodá-lo. Falei besteira. – falou-lhe de forma a ajeitar a
situação.
Jules ignorou-a levando o cálice aos lábios e mantendo a atenção nas achas que
ardiam em chamas. O dourado intenso do fogo refletia-se no seu semblante circunspecto,
salientando a face esculpida com vigor, os ossos dos maxilares, o desenho irônico dos lábios
e a rudeza dos olhos escuros. Parecia que uma nuvem de arrependimento turvava-lhe a
visão. Ele abrira-lhe uma porta de sua vida, mas a abertura era tão pequena que Amanda
não podia entrar; apenas observar e, de preferência, em silêncio. Mais do que nunca, ela
entendeu que Jules Brienne buscava uma amante, uma mulher que aceitasse a sua obsessão
pelo trabalho e que lhe servisse na cama.
- Assim que amanhecer, pedirei a Jean Baptiste que me leve de volta a Paris. – disse
por fim e deu-lhe as costas.
Antes que pisasse no primeiro degrau da escada, ouviu-lhe dizer:
- Fui grosseiro, pardon. –direto e seco.
Manteve-se de costas para ele, imóvel, ao responder-lhe quase num sussurro:
-É a primeira vez que me pede desculpas...
-Tire a roupa, mademoiselle.
Voltou-se e viu-o na mesma posição, bebendo o vinho, concentrado no fogo da
lareira. Dera-lhe uma ordem. Sentiu-se compelida a ignorá-lo e subir para o quarto. Mas a
voz, o timbre de voz que usara, mesmo imperativo e urgente, também era sedutor e rouco,
como se já tomado novamente pelo desejo e pela necessidade de saciá-lo, a ordem nada
mais fosse que a manifestação de uma fraqueza. E Jules odiava demonstrar fraqueza.
Postou-se diante dele, nua. Intimidada e insegura. Devido ao último confronto, ela
havia perdido a espontaneidade que as primeiras horas de intimidade haviam-lhe
proporcionado. Os braços ao longo do corpo, cruzados em frente ao sexo, revelavam os seus
sentimentos. Jules voltava a ser o chefe exigente.
Ele olhou-a com o rosto sério, numa expressão profunda que não revelava os
pensamentos nem os sentimentos. Apenas os olhos cujo negrume parecia cobri-la de desejo
incandescente, refletiam luxúria, brutal, forte e primitiva. Sexo e sofisticação não
combinavam. Naquele momento, diante do fogo, eram somente um macho e uma fêmea.
-Sente-se aqui, ma belle – pediu com a voz abafada, a mão estendida à espera da
dela.
Amanda sentou no colo de Jules, de frente, encaixando suas pernas ao lado das dele,
as nádegas sobre as suas coxas firmes e musculosas. Com um gesto lento e displicente, ele

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

virou o resto do vinho sobre os seios dela, a bebida deslizou em filetes vermelhos e
disformes, endurecendo os bicos, que foram chupados pela boca máscula. Enquanto
mordiscava a ponta dura e com sabor de vinho tinto de cada seio, um dedo corria-lhe por
entre a divisão entre as nádegas, apenas a ponta do dedo, suavemente, numa carícia erótica
que a fez encurvar o corpo ligeiramente para frente. O toque foi lânguido, como que
testando o terreno e a sua aceitação para o próximo passo. Amanda temia o próximo passo,
a selvageria de Jacques havia-lhe traumatizado. Jamais havia feito sexo anal antes e fora
praticamente violentada por ele. Temia o ato, pois sabia que era sempre dolorido para a
mulher. Por outro lado, sentindo o dedo de Jules circular-lhe a entrada com delicadeza e
sensualidade, tinha vontade de experimentar e de se entregar totalmente a ele sem
reservas, sem preconceitos ou impedimentos.
Apoiou-se sobre os joelhos, as pernas ladeando as dele, o corpo acima alguns
centímetros do corpo dele. Admirou-lhe o pau duro e grande, emoldurado pelos tufos
negros, deitado para trás ao longo do abdômen firme. Imaginou-o por alguns segundos
enterrando-se no seu buraco quase virgem. Estremeceu-se de medo. Jules acompanhou-lhe
o olhar para o seu pênis e depois voltou a fitá-la. Como se seguisse a linha de seus
pensamentos, deslizou o dedo médio para o vale molhado entre suas pernas, friccionando
devagar e circularmente o clitóris. Sem deixar de manter os olhos fixos nos seus olhos,
observando-lhe o rosto contrair-se na sensação dolorosa do prazer, como uma pequena
morte, as narinas dilatarem-se e a respiração agitar-se. Mas ele não tencionava permitir-lhe
gozar, ainda não. Ela se esfregava na mão dele, o quadril, num gesto instintivo, enquanto
segurava-se nele, nos seus ombros, para não esmagar-lhe a mão contra suas pernas. Deitou
a cabeça para trás, buscando o ar e era como se fosse açoitada no sexo por chicotes ígneos.
- Dieu, como é linda, minha Amanda, linda... – gemeu Jules, a respiração também
alterada. Num segundo, ele pegou o pau e cutucou-lhe a entrada da vagina com a cabeça,
sem forçar, apenas roçando, sugerindo, torturando: - Está encharcada, ma belle, mas ainda
não farei amor com você...
Ela ouvia os “erres” do seu francês e isso também a excitava. Nunca uma língua fora
tão sexual quanto o idioma de Jules, na voz de Jules, saindo da boca de Jules.
-Não diga fazer amor. – pediu quase num murmúrio, as pálpebras semicerradas, o
quadril esfregando-se no abdômen dele, provocando-o com o seu sexo.
-Como...? – indagou aturdido, concentrado na amazona que lhe cavalgava o
abdômen e refreando a vontade de enfiar-se nela sem rodeios.
-Diz que vai me foder, diz Jules, diz que vai me foder...-implorou mordendo o lábio
inferior com força e enfiando as mãos nos cabelos, afastando-os do rosto suado.
Ouviu-o rir baixinho.
-Vou te foder, ma belle, - falou numa voz rouca e entrecortada pela respiração
resfolegante; em seguida, parou de esfregar o pau por entre os lábios vaginais inchados e
úmidos e afirmou fitando-a incisivo: - Toda, vou fodê-la toda.
Dito isso, beijou-lhe o queixo e enfiou a língua fundo na boca de Amanda, que quase
ouvia as batidas do seu coração diante da velada promessa dele. Medo e excitação. Um
cruzeiro de prazeres entremeado por momentos de apreensão. Soltou-se dela com um beijo
curto na ponta do nariz, ergueu-a levemente pelos braços por cima de si e a pôs sobre o
sofá. Sentia-se uma boneca de pano diante da força muscular e tamanho dele. Viu-o
levantar-se e caminhar em direção à pasta executiva sobre a mesa do hall de entrada.
Aproveitou para admirar-lhe a nudez, as costas largas de ombros proeminentes, com ossos
que despontavam acima da rótula do braço. A cintura bem torneada e o traseiro bonito,

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

pequeno e cheio de carne, duro, liso, sustentado por um par de pernas longas e perfeitas.
Quase 1.90 distribuídos ao longo de um corpo proporcional, atlético sem ser malhado e
magro sem excesso. Esse mesmo corpo voltava para o sofá com uma caixinha retangular na
mão, balançando-a com displicência, um olhar malicioso combinando com o sorriso
provocador.
Amanda ajeitou-se fundo no sofá, observando a embalagem do lubrificante na mão
de Jules. Nó no estômago. Garganta seca. Molhou os lábios com a língua num gesto nervoso,
bem típico seu. Ele sentou-se ao seu lado e, prestando bastante atenção no nervosismo dela,
disse com meiguice:
- Vem aqui, vem. –chamou-a para o seu colo, estendendo-lhe a mão e a abraçando
de frente para si, seus sexos tocando-se. – Seus olhos estão arregalados de medo, Amanda.
Alguém já lhe machucou dessa forma? – indagou-lhe com a sobrancelha alçada.
A pergunta foi feita com tamanha suavidade, que ela nem pensou em encobrir a
verdade. Assentiu com a cabeça. Jules franziu o cenho e apertou-a contra si num longo
abraço.
-Então vamos desfazer esse medo, ma belle, eu jamais a machucaria. Acredita em
mim?
Ela abraçou-se ainda mais nele, sentindo-o afagar-lhe os cabelos e os ombros.
-Acredito. – sussurrou.
Jules afastou-se um pouco para falar-lhe olhando-a nos olhos.
-Não pode privar-se do prazer por causa de um filho da puta, um prazer para nós
dois, um prazer para o nosso mundo particular. –declarou com ternura, fazendo-lhe um
carinho no queixo. – Apenas siga-me que eu a levarei lá. –prometeu quase a hipnotizando
com a calidez da voz e a seriedade da expressão. Ela confiaria a própria vida a ele.
Ele buscou-lhe a boca com vontade e chupou-lhe a língua com urgência. Aos poucos,
Amanda foi se soltando e se deixando mergulhar no beijo profundo, longo e perturbador.
Jules beijava muito bem. Abriu os olhos e viu-o de pálpebras cerradas, completamente
envolvido pelo beijo. E quando se afastaram ofegantes, fitaram-se por alguns minutos, como
se se vissem pela primeira vez, reconhecendo um no outro, os vestígios do encanto e do
prazer compartilhados.
- Afaste as pernas e incline-se para mim. – pediu-lhe baixinho.
Ao fazê-lo, teve de apoiar-se com as mãos nos ombros dele e empinar
instintivamente o traseiro.
- Isso, belle, assim...
Os dedos másculos passaram-lhe uma farta camada da substância gelada. Amanda
contraiu-se, e Jules beijou-lhe o ombro, espalhando ainda mais o lubrificante e penetrando o
dedo médio em seu ânus, devagar, com cuidado. Ela gemeu e esfregou seu maxilar no
maxilar dele, numa carícia mais do que tocante: íntima. Ele beijou-lhe na boca e incitou
movimentos de vaivém, agora, com dois de seus dedos longos. A sensação era boa,
inebriante. Amanda sentia o sangue circular mais forte nas veias e artérias e era um sangue
espesso e quente, borbulhava, fervia e esquentava-lhe a nuca, as orelhas, a vagina molhada
e os bicos dos seios, ainda mais duros. Ele masturbava-lhe o ânus com dois dedos,
antecipando o que seu pau faria, depois de deixá-la completamente louca de desejo. Sugou-
lhe os bicos, um de cada vez, mordiscando-lhes, prendendo-os entre os dentes frontais.
Amanda gemia alto, agarrada aos ombros dele, temendo derreter nas labaredas que
a consumiam.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Agora, sente-se sobre o meu pau devagar, deixe-o deslizar aos poucos... Você está
no controle, Amanda, somente você... e eu farei a sua vontade. –falou posicionando-a sobre
o pau, que já lhe tocava o buraco protegido pelo lubrificante.
Como uma aluna aplicada, ela seguiu as suas orientações. Agachou-se entre as
pernas dele e, com a mão no pau de Jules, guiou-o para a sua entrada detrás, sentando-se
lentamente sobre a ponta do membro. Desceu um pouco o seu peso sobre o cilindro duro
feito rocha e sentiu-se dilatar, uma dor aguda, de queimação fê-la recuar. Jules, com a
cabeça deitada de lado no encosto do sofá e os braços ao redor das coxas dela, apenas
observava-a, a expressão séria e, ao mesmo tempo, extasiada, mordia levemente com os
dentes frontais o lábio inferior.
-Acho que não posso. – gemeu desapontada.
-Acho que pode. – retrucou com um sorriso terno e começou a massagear-lhe o
clitóris, sem pressa, fitando-a com as pálpebras semicerradas e a respiração mais rápida. Era
visível o esforço que fazia para controlar-se; esforço esse que Jacques não o fizera.
Ondas elétricas atingiram-na como golpes certeiros em sua resistência e medo. Com
o polegar, Jules masturbava-lhe enquanto o dedo mais longo enterrava-se na vagina.
Tomada pelo prazer e encharcada de suor, que lhe escorria pelas costas e seios, ela desceu
ainda mais o seu peso sobre o mastro que a penetrou a um só tempo forte e suave,
deixando-se ser tomado aos poucos pelo traseiro dela, tão apertado que o machucou
arrancando-lhe um gemido rouco e baixo.
-Foi tudo, Jules? – indagou-lhe quase sem voz.
-Nem a metade. – respondeu segurando-a pelo quadril e auxiliando-a a cavalgar
sobre si. –Isso... relaxa... relaxa que entra mais fácil, mon amour...não vou machucá-la,
jamais a machucarei, Amanda...
Encurvou o corpo para frente até tocar os seios no rosto de Jules, que aproveitou
para lamber-lhe os mamilos tesos e, encurvada e com o traseiro apontado para cima, sobre
a ponta do pênis, foi descendo com lentidão e segurança até senti-lo todo dentro de si.
- Tudo, entrou tudo... Você é perfeita, Amanda... isso, mexe devagar...isso, mon Dieu,
como é apertada e gostosa...é como eu sempre imaginei....isso...dói, ma belle? Se doer,
pare...
Ele pegou-lhe pelos quadris e a auxiliou no movimento de vaivém, subindo e
descendo o traseiro no seu pau.
-É bom demais, Jules... – quase gritou, a voz entrecortada pelo esforço físico de alçar-
se sobre ele e deslizar sobre o membro rígido e à beira da explosão. – Você fodia minha
bunda na sua imaginação, mon amour?
-Fodia inteira enquanto me masturbava feito um animal... - gemeu, os olhos
fechados, um ruga funda no meio da testa, o desespero no timbre da voz.
Podia-se ouvir o barulho das carnes se chocando e isso os excitava ainda mais. Ele
bem que tentou manter-se terno, mas, tomado pelo fogo que lhe arrebentava o pau, puxou-
a com força para cima e elevou-a quase até tirar-lhe o pau de dentro dela. Ela sentia-o
descontrolado, o rosto tomado por uma fina camada de suor, o cabelo úmido, as veias da
testa e do pescoço dilatadas. Num gesto rápido e eficiente, ele levou-a consigo para o chão,
enfiado nela, abraçado a ela. Deitou-a sobre o tapete e, ainda enterrado fundo no traseiro
dela, pô-la de quatro. Amanda arrebitou a bunda para sentir ainda mais as punhaladas que
lhe davam um dos maiores prazeres que jamais sentira.
-Você é mulher mais linda do mundo, Amanda, a mais linda...

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Uma das mãos de Jules passeava-lhe pelas costas enquanto a outra se mantinha
firme no quadril dela, controlando os movimentos, dosando as arremetidas, a velocidade e a
força. Sentiu-o tocar o seu clitóris até fazê-la gozar, gritando-lhe o nome e empurrando a
bunda contra o tronco dele, que a amparava e se lançava na direção contrária. Quando Jules
gozou e seu sêmen jorrou-se dentro dela, deslizando por entre as nádegas e a parte interna
das coxas, ela deixou-se cair de bruços no tapete, exausta e saciada.
Jules saiu de dentro dela e sentou-se no chão com as costas descansando contra o
sofá. O cabelo desgrenhado e respirando pela boca entreaberta. Deitou a cabeça para trás e
esfregou a nuca.
-Porra, que foda maravilhosa. – disse arando com os dedos os cabelos encharcados.
Ela sorriu satisfeita com tudo, inclusive com o novo vocabulário do executivo.
-Tranformei o meu amante sofisticado num estivador. – brincou.
Jules deu-lhe uma palmada leve na bunda em resposta.
-Vem, quero dar-lhe um banho.
Como ela não se mexia, pegou-a no colo, subiu os degraus e entrou no banheiro.
Ainda com Amanda nos braços, abriu as torneiras da ducha quente e enfiou-se debaixo do
jato de água e vapor. Depositou-a no chão e puxou-a para um abraço apertado e longo.
-Estranho... você nunca me pareceu tão baixinha quanto agora. – disse rindo.
-É porque estou sem as botas do Kiss. –brincou, beijando-lhe no tórax.
-Vire-se, minha lindinha, vou lavá-la para diminuir a ardência.
Quando sentiu sua mão deslizar com lentidão e brandura pelo seu rego, ela gemeu e
encostou o rosto contra os azulejos da parede, empinando a bunda para Jules.
-Espero não tê-la machucado. Sou um bom moço até me tornar um pervertido fora
de controle. –resmungou contrariado consigo mesmo.
-Estou curada do trauma, docteur. Mas não posso receber alta, okay?
-Oui, só se o doutor aqui fosse maluco em lhe dar alta.
Jules virou-a de frente para si, içou-a sobre seu corpo, encostando-a contra a parede
de azulejos e ergueu-a para penetrar-lhe a vagina. Segurou-a com um braço ao redor de sua
cintura e com bombeadas fortes, fê-la gozar novamente, enterrando-se até o fundo da
vagina. Tirou todo o pau e enfiou-o mais duas, três vezes até esguichar o esperma para
dentro dela. Abraçaram-se debaixo da ducha, envolvidos pela água e pelos vapores.
Completamente apavorada, Amanda concluiu que sua vida sexual começava, agora,
com Jules. Todos os outros, ensaios e rascunhos. O seu melhor homem estava tão próximo
dela, nesses últimos cinco anos, que não fora possível vê-lo. Entretanto, antes mesmo de
saboreá-lo na cama, ela já supunha que o chefe fosse um grande amante, do tipo
inesquecível, que deixava marcas no corpo e na alma. Um amante para sempre. Por isso, ela
estava apavorada.

Quando acordou, já sabia onde estava. Sorriu antes mesmo de abrir os olhos e
ajeitou-se debaixo do edredom. Haviam dormido abraçados. Boa parte da noite sentira o
peso do braço de Jules sobre sua cintura, possessivamente. Virou-se com um sorriso nos
lábios e encontrou apenas o travesseiro vazio. Sentou-se, esfregou os olhos e percebeu que
estava sozinha. As cortinas estavam fechadas e impediam a claridade de invadir o ambiente.
Talvez ainda fosse madrugada. Afastou o edredom e foi ao banheiro. Lavou o rosto, ajeitou
os cabelos arando-os com os dedos e escovou os dentes. Avistou um robe caído no chão, ao
lado da cama, pegou-o e o admirou. Era novo, feminino, pequeno e de seda. Realmente,

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Jules havia pensado em tudo. Vestiu-o e encaminhou-se à escada que levava ao primeiro
andar. À medida que descia os degraus, a voz de Jules tornava-se mais nítida e grave.
Encontrou-o na discreta sala de jantar, entre a escada e o bar, em frente à cozinha. Falava no
celular através do fone de ouvido Bluetooth, enquanto distribuía xícaras e pires pela mesa
arranjada com um cestinha de croissants, potes de geleias e vários tipos de queijos
arrumados sobre uma tábua de madeira. Saía e voltava pela porta de correr da cozinha.
Usava uma camisa de gola polo azul celeste, jeans e tênis. O cabelo molhado estava
penteado para trás, mostrando a face recém barbeada. Movimentava-se com autoconfiança
e à vontade, concentrado na conversa. Entretanto, a expressão de seu rosto já não era mais
a relaxada e terna de algumas horas atrás. Voltava a ser circunspecta e fechada. Não mais
sorria exibindo os sulcos ao lado dos lábios. Agora, o que se destacavam eram os sulcos na
testa. Era como se ele estivesse no escritório e voltasse a ser quem jamais deixara de ser:
Jules Brienne, presidente-executivo da SBO, seu chefe.
Amanda sentou-se num dos primeiros degraus da escada e observou-lhe até ser pega
em flagrante. Sorriu e fez sinal com a mão para que não se incomodasse com sua presença.
- Sei quem é, mademoiselle Curvier, ela ficou de confirmar a data de exibição daquele
programa que fizeram sobre a SBO.
Pela reação de Jules, Dorian havia-lhe passado a data e era próxima, pois suspirou
contrariado.
- Tevê aberta? Merdè, será uma chateação dos diabos. – em seguida, ordenou: -
Agora, me transfira para o marketing, s'il vous plaît. – voltou-se para Amanda sem sorrir e
cumprimentou-a com gesto de cabeça: - Venha e tome seu café.
Esperava um beijo ou um sorriso. O que aquele homem fizera ao Jules que dormira
enrodilhado ao seu corpo a noite inteira? Sem ter a resposta, desceu os últimos degraus e
parou à sua frente sem sentar.
- Bonjour, Jules.
Ignorou-a e voltou à cozinha. No caminho, ouviu-o falando com o diretor de
marketing e parecia bastante irritado, apesar de em nenhum momento ter elevado a voz ou
sido grosseiro. Quando voltou trazendo um bule de inox com café preto, já havia encerrado
o telefonema.
- Quero que veja uma coisa. – disse-lhe, sério, a testa franzida.
- Claro. – concordou solícita.
Num gesto ágil, ele retirou do bolso do jeans uma fotografia e mostrou-a. Um
homem loiro, bonito, sorria para a câmera, sentado no banco de um parque público.
Amanda sentiu como se lhe socassem no estômago. Reconheceu Jacques Rodin e,
imediatamente, a lembrança da frustração, medo e dor fizeram-na contrair os lábios.
Respirou fundo e procurou controlar-se.
- Ele a agrediu, não foi? – era uma pergunta, mas soou como acusação.
Diante da intensidade do brilho dos olhos escuros de Jules, tão escuro quanto as
trevas, ela não viu alternativa diferente que assentir com a cabeça. Engoliu em seco.
- Jacques Rodin. – declarou, encurvando o canto esquerdo dos lábios. - Sabe como
descobri? Desconfiei quando você gritou o nome dele dormindo. E, agora, diante da sua
reação ao ver a imagem do canalha, tive a confirmação. – afirmou com desdém, rasgando a
foto em vários pedaços, num gesto de ameaçadora tranquilidade. Seus maxilares estavam
contraídos e os lábios duros e constritos. – Pergunto-me o que a fez acobertá-lo.
Pronto, o jogo havia virado. Ela que tanto fizera para protegê-lo da obsessão de
Jacques, agora, tornava-se a megera.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Sou a vítima. –declarou tentando impor firmeza à voz.


- Em que circunstância conheceu-o? – quis saber estreitando os olhos.
- Na saída de um restaurante. – respondeu, embaraçada. Quando se preparava para
fugir de outro homem. O contador, amigo de Dorian, do encontro às escuras.
- Ah, a força do destino! – debochou e completou incisivo: - Dizem que no geral a
vida não passa de um punhado de coincidências, non? Monsieur Rodin, “por acaso” –
enfatizou – estava à saída do restaurante de onde mademoiselle saía. Diga-me, o que a
motivou levar um completo estranho à sua casa? –alçou a sobrancelha, interrogativo.
Amanda baixou a cabeça, constrangida. Jacques salvara-a de um salto quebrado.
Sentira-se seduzida pela sua beleza e charme, assim como quando admirava algo belo na
vitrine de uma loja. Valorizara a aparência ao ponto de esquecer-se de seus valores,
princípios e verdades. Surpreendera-se ao descobrir que fora usada por Jacques, mas
também se surpreendera por desejar alguém de forma tão física e completamente
dissociada dos sentimentos.
- Não sei, Jules. – falou baixinho. Ou seria “não sei, monsieur Brienne?”.
- Gostaria de saber por que algumas mulheres íntegras às vezes se comportam como
vagabundas.
- Porque talvez alguns homens só mereçam isso. – declarou secamente e deu-lhe as
costas.
Jules puxou-a pelo antebraço com força.
- Jamais me dê as costas. A conversa ainda não terminou. – afirmou quase cuspindo
as palavras pro entre os lábios crispados.
- Tudo o que fiz foi para protegê-lo, porque Jacques Rodin é doido de pedra. Eu
poderia ter ido à policia e envolvido a SBO e você num escândalo bem ao gosto dos tablóides
de quinta. Fiquei quieta para que a situação não piorasse. Então, não me transforme na vilã!-
gritou, exasperada.
- Devia tê-lo delatá-lo a mim. –acusou-a.
- Para quê? Para expô-lo ainda mais à loucura de Jacques? – indagou com raiva e
emendou - Você é movido pelo seu ego estratosférico, e não por algum instinto de proteção!
Nenhum homem presta mesmo! - completou sem dissimular o desprezo.
Ele a pegou pelos ombros e ensaiou sacudi-la, uma veia despontava latejando no
meio da testa, mas apenas apertou-lhe os braços mantendo os olhos cravados nos dela.
- Foi isso que lhe ensinaram a pensar sobre os homens? – usou um tom baixo e
controlado, perigosamente controlado.
Amanda sentia as lágrimas rolarem livremente pelo seu rosto.
- É terapeuta também? – debochou, erguendo o queixo em desafio.
Ele suspirou exasperado.
- Dê uma olhada no seu celular e encontrará, pelo menos, três ligações do mesmo
número das mensagens eróticas. Acho que ele não quer apenas aproveitar-se de você, –
interrompeu-se a olhando profundamente e emendou com ironia: - talvez queira retomar a
dinâmica sadomasoquista de vocês.
Ignorou a maldade de suas palavras e fincou a espada na veia.
- Eu não sabia que Jacques tinha sido amante de sua mulher. – disse com maldade e
completou debochando: - E não posso negar que ela teve bom gosto, pena que ele seja um
pouquinho psicótico.
Jules estreitou os olhos perigosamente. Contraiu tanto os maxilares que os ossos
salientavam-se debaixo da pele escanhoada. Lutava para manter-se calmo e equilibrado,

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

visto que somente Jacques Rodin, entre todos os seis bilhões de terráqueos, conseguia
sacudir-lhe os alicerces.
-Deve ser algum tipo de padrão comportamental, você e Rochelle atraídas por um
espancador de mulheres e eu, bien, o que dizer? por putes, claro. – disse dando de ombros e
simulando uma tranquilidade que era visível que não sentia.
Devolveu a crueldade.
- A sua prepotência também é um tipo de viodência; por acaso se acha mais homem
que Jacques? –ironizou.
Ele voltou a atenção para o bule de inox que enchia de café preto e fumegante as
xícaras. E sem olhá-la, respondeu como quem se livrava de um peso:
- Minha mulher me deixou por causa dele. - encarou-a sério e completou com ironia,
sem mágoa: - Eu deveria mesmo considerar-me superior.
Amanda suspirou resignada.
- Esqueça-o, Jules. – pediu-lhe entregando os pontos. Não queria mais discutir,
mesmo por que perdia todos os rounds. Todavia, diante de si e fitando-a duramente, estava
um adversário que custava a aceitar a rendição do inimigo.
-Gozou mais com ele na cama ou quando foi espancada? – perguntou com maldade.
-Ninguém gosta de sofrer. – disse simplesmente, num fiapo de voz e sentindo as
lágrimas prontas para transbordarem.
Ele não se mexeu do lugar, manteve-se lhe avaliando a expressão entristecida e
investigando as emoções que se revelavam através do timbre rouco e frágil da voz dela. Por
fim, após alguns minutos de silêncio contemplativo, apontou-lhe uma cadeira e falou com
mais suavidade.
-Vamos tomar nosso café, Amanda.
-Meu estômago está fechado. –murmurou mais para si mesma do que para ele,
enquanto fitava os próprios pés descalços sobre o tapete espesso.
Ouviu-o suspirar profundamente e ouviu também o vento jogando os grossos flocos
de neve contra os vidros das janelas. Do lado de fora havia a claridade angustiante do branco
e a frialdade intensa do gelo, e essa atmosfera também estava interiorizada nela. Queria que
fosse diferente.
Num minuto, ele abraçou-a e beijou-lhe o topo da cabeça.
-Mon Dieu, parece tão desprotegida... - sussurrou, - Tentarei não complicar mais as
coisas. Às vezes me esqueço que está sozinha e longe de seu país, pode parecer bobagem,
mas tal situação fragiliza até mesmo os mais independentes. – completou apertando-a
contra seu tórax.
Aproveitou para recuperar a paz perdida, nos braços dele, por poucos e eternos
minutos.
Durante o café, a produtora que fizera o documentário sobre Jules e a sua ascensão
profissional, telefonara-o para avisá-lo sobre o que ele já sabia, à noite seria exibido o
documentário realizado por uma jornalista famosa em desvendar segredos de celebridades.
Amanda temia que expusessem muito o acidente de Rochelle e a vida pessoal de Jules. E,
provavelmente, era isso que o deixava incomodado. Sempre vivera longe dos holofotes e
protegendo-se da imprensa sensacionalista. Concordara com o documentário, pois seria
exibido num dos canais da tevê a cabo, conhecido por seus programas de economia e
administração. No entanto, depois de pronto, os produtores haviam percebido que
possuíam um interessante material em mãos.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

À época das filmagens, Amanda teve que lidar com microfones, fios, cabos e câmeras
por toda a parte, seguindo de perto a rotina do chefe. Refletira consigo mesma se o que
produziam era de fato um documentário ou um reality show. A ruiva de cabelos lisos,
cortados rente à nuca, olhos verdes e aparência de fêmea fatal recém ingressa na quarta
década de vida, vestia-se de forma sóbria e insinuante, e conseguira persuadir Jules a
conceder-lhe pelo menos duas horas de entrevistas. Intercalara as gravações em vários dias,
causando um verdadeiro tumulto pelos corredores dos andares da diretoria e presidência. A
equipe não obteve autorização para filmar a casa de Jules, nem mesmo a fachada ou os
portões de entrada. Por outro lado, Amanda sentiu-se pressionada a revelar detalhes do
chefe diante de uma jornalista bastante insistente. Claro que ela esquivou-se de toda e
qualquer declaração pessoal e manteve a linha neutra e distante que usava para com todos.
A jornalista não gostou de tal atitude e provocou-a, dando a entender que o sigilo quanto às
atividades do chefe estaria engessado numa das cláusulas contratuais entre a assistente e a
SBO. Amanda replicou que fora admitida justamente pela sua eficiente discrição, retirou o
microfone da gola da blusa, levantou-se calmamente e não atendeu a mais nenhuma
solicitação da ruiva.
Terminou seu café e observou a concentração de Jules ao telefone com alguém da
empresa. Fitou o próprio celular e decidiu desligá-lo. A única pessoa que precisaria dela
estava a alguns passos de si. Sorriu consigo mesma. Jules apertou-lhe o ombro, abaixou a
cabeça e mordiscou-lhe o lóbulo da orelha antes de sussurrar-lhe ao ouvido:
- Última ligação e desligarei o meu também. Prometo.
-Não precisa fazer isso. Você deixará muita gente apavorada se desligar-se assim da
empresa. – brincou.
- Culpa minha se os acostumei mal. – fez uma careta desolada.
- Sabe o que vou fazer? Subir e tomar um banho quente naquela banheira enorme.
Jules deu-lhe pequenos beijos, devagar, nos lábios.
- Eu sabia que você adoraria a banheira. – murmurou, sorrindo.
Alguém ao telefone chamou-o novamente. Ele ergueu os olhos para o alto, suspirou
resignado e voltou a mergulhar no trabalho. Jules era o tipo de homem que somente
descansaria quando seu corpo forçasse-o.
- Vou precisar de alguém para esfregar minhas costas...
- Espere um minuto, Touleause. – virou-se para Amanda e a desafiou com a voz baixa
e sensual, os olhos pousados nos lábios dela: - Senta no meu colo que a gente já começa por
aqui.
Estava para nascer homem mais autoconfiante e sexy no planeta. Diante dela, um
executivo, um tipo que vivia engravatado e penteado, cheirando a colônia cara, que
caminhava com o queixo ligeiramente erguido, numa postura que sugeria arrogância mas
que significava certeza, a certeza do seu lugar no mundo. O rosto constantemente sério, as
sobrancelhas franzidas salientando a ruga no centro da testa, os olhos escuros e analíticos e
o corpo firme e potente, todo o conjunto, causava a Amanda respeito e excitação. Olhos de
lince sondavam-lhe as emoções refletidas na sua face.
Ela levantou-se da cadeira e soltou o cinto do robe lentamente, sem desviar os olhos
dos dele. Olhou para o celular sobre a mesa e depois para Jules. Encaminhou-se até ele,
porém o suficiente para que não conseguisse tocá-la.
- Ou eu ou o trabalho. – afirmou, desafiando-o com as sobrancelhas erguidas.
Pedir para que ele deixasse o trabalho de lado era o mesmo que privar uma planta da
luz. Por um momento, até arrependeu-se de se impor dessa forma. Corria o risco de ser

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

rejeitada. E ela não queria uma queda-de-braço com ele. Mas dentro de si, uma menina
provocadora agitava-se desejando ação e procurava inúmeras maneiras de desafiar a
personalidade centrada e madura do homem que amava, desejava e admirava.
Após um breve silêncio, ele tomou posse novamente do seu celular. Amanda não
conseguiu manter o sorriso superior nos lábios trêmulos. A autoconfiança não lhe era um
traço forte na personalidade. Talvez após meia dúzia de rejeições as pessoas ficassem assim,
ironizou consigo mesma, dando as costas a Jules e subindo os degraus. Já na metade da
escada, ouviu a vidraça da janela ser erguida e depois abaixada. Voltou-se a tempo de ver
um celular ser arremessado para fora. Não bastava simplesmente desligá-lo?, ela pensou,
sorrindo deliciada com a atitude dele. Parou e constatou com um sorriso, divertindo-se:
- Todos os seus contatos profissionais estão naquele telefone. Não acha melhor
resgatá-lo?
Jules deu de ombros, mas, em seguida endereçou um olhar pensativo para a janela
fechada.
- Tem razão, impulsividade não combina comigo. – declarou, fitando-a
sugestivamente: - Espere-me aqui, quietinha, sem se mexer, que eu já volto...
Ele voltou de cabeça baixa, concentrado em desligar o aparelho. Em seguida,
depositou-o sobre a mesa e voltou-se para Amanda. A pele nívea ligeiramente avermelhada
por causa do ar gélido e o cabelo preto úmido. Havia uma luminosidade suave na feição
máscula, que, aos poucos, enquanto subia os degraus da escada, devagar, ao encontro dela,
ia transformando-se em ímpeto e desejo. Dos olhos escuros chispas ígneas pareciam tocar
cada parte de sua pele à medida que deslizavam por entre a fresta do robe e o tecido da
calcinha. Quando chegou bem perto, o suficiente para que um aspirasse a respiração do
outro, ele abaixou a cabeça e beijou-lhe profundamente, sugando-lhe a língua com
voracidade e sustentando-lhe a nuca para sorver-lhe totalmente a boca. Um beijo tão sexual
que Amanda sentiu o tecido de algodão da calcinha umedecer-se. Agarrou-se à camisa dele
para trazê-lo ainda mais ao encontro de seu corpo. Mãos fortes e masculinas apossaram-se
de seus seios e friccionavam os bicos às palmas macias. Pressionada entre a parede e o
homem, Amanda gemia e entregava-se ao prazer. Sentia-se embriagada e, ao mesmo
tempo, com sede e fome. Jules desceu suas mãos através dos contornos da cintura e quadril
dela, posicionando-as sensualmente atrás, apertando-lhe as nádegas. Num movimento
rápido, ergueu-a no colo, encaixando-lhe as pernas em torno de sua cintura.
- O que está fazendo comigo...? – sussurrou-lhe ao ouvido, num tom de desolação e
desejo. De olhos fechados, resvalou seus lábios entreabertos pela extensão do pescoço de
Amanda, sem beijá-lo, mal lhe tocando a pele, numa carícia sutil e devastadora. Afastou-se
alguns centímetros de seu rosto e fulminou-a com um olhar febril.
Quando Jules a deitou na cama e retirou-lhe a roupa, Amanda já estava decidida a
mudar os papéis. Desejava-o com tanta intensidade que urgia tomar-lhe o comando.
Observou o volume considerável pressionando o jeans. Sentou-se e começou a baixar o zíper
de sua calça. Jules, ainda de pé diante dela, deixou-se ser despido. Após cair aos seus pés,
chutou-a levemente para o lado. Amanda beijou-lhe o abdômen rijo enquanto abaixava-lhe
lentamente a cueca boxe, preta, exibindo o membro grande e duro. Havia-o sentido todo
dentro de si e, mesmo que medisse facilmente algo em torno dos vinte centímetros, ainda
assim, brutal e ostensivo, era também macio e gostoso, deslizando para dentro com
confiança e força, numa combinação de acordo com a personalidade de Jules. Eficiente em
tudo. Como alguém podia ser assim?, pensou, ao deslizar a língua sobre o membro dele,
delicadamente. Arrancou-lhe um gemido grave e duas mãos entrelaçaram-se entre os fios

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

de seus cabelos. Abocanhou-o aos poucos, ganhando milímetro por milímetro, voltando
desde o ponto de partida e arremetendo-se até quase à base. Incitou movimentos lentos e
cadenciados, apertando-lhe as nádegas a fim de firmar-lhe o rosto à cintura dele. Com o
rosto encaixado entre as coxas de Jules, aspirava o cheiro morno e delicioso de seu sexo e
percebia-lhe os minúsculos espasmos de seus músculos.
-Não quero gozar ainda... – gemeu, baixinho, enterrando os dedos nos cabelos de
Amanda.
Ela se afastou olhando-o com as narinas dilatadas devido à respiração ofegante. Viu-o
jogar longe a cueca, deitar na cama e pôr a mão entre as coxas dela, friccionando-lhe o
clitóris com delicadeza e firmeza, sabia o que estava fazendo, constatava, com os olhos
semicerrados, os efeitos desse ato. Amanda não queria que mais uma vez ele a servisse.
Tencionava servi-lo, por que o poder de dar-lhe prazer também a excitava. Pôs a sua mão
sobre a dele e ordenou:
- Deite-se!
O tom rouco e autoritário de sua voz fê-lo alçar a sobrancelha, intrigado. Mas ela não
queria justificar-se e, para mostrar-lhe quem mandava agora, empurrou-o lentamente pelos
ombros até deitá-lo de costas sobre a cama ainda desfeita. Admirou o sorriso charmoso nos
lábios dele. Experiente que era, aceitava deixar-se dominar pela mulher que montava em
seu corpo e olhava-o nos olhos enquanto se sentava sobre seu membro, gemendo e
erguendo os braços, ao sentir-se penetrada. Ela encurvou-se para baixo, desenhando um
arco com o corpo, a fim de alcançar-lhe os lábios, enquanto Jules erguia a cabeça para
recebê-la. Beijaram-se como loucos, a saliva e o sangue misturando-se nas línguas. Ele a
segurou pela cintura para ajudá-la a cavalgar sobre si, mexendo o quadril para cima e para
baixo, num vaivém violento, que fazia com que seus seios balançassem pingando suor.
Inclinou o corpo para frente quase tocando os bicos na testa dele para, em seguida, tornar a
sentar-se devagar, sentindo-lhe a força do sexo enfiando-se dentro dela. Jules apertou-lhe
os seios com força e mordiscou-lhe os mamilos. Depois, suas mãos voltaram a apertar-lhe
fortemente as nádegas, sustentando-a no ritmo cadenciado do sexo, quando as arremetidas
tornaram ainda mais fortes e profundas. Antes que gozassem, Jules deitou-a sobre o lençol
amarfanhado da cama, afastou-lhe as coxas e, encaixando-se entre as mesmas, penetrou-a
fundo sem poupá-la de sentir todo o seu peso sobre ela. Após três ou quatro estocadas,
Jules observou-lhe contorcer-se debaixo de si, contraindo a musculatura vaginal e
proporcionando-o ainda mais prazer. Ela enfiou as unhas nos ombros proeminentes dele. O
prazer arrancava gemidos roucos e ofegantes do homem que perdia o controle sobre as
sensações de seu corpo. Amanda não pôde conter um gritinho estridente quando uma onda
de calor invadiu-lhe, primeiro, no sexo intumescido e, em seguida, em cada terminal nervoso
fazendo-a atingir a plenitude do orgasmo. No minuto seguinte, toda a musculatura de Jules
estremeceu-se e, mordendo o próprio lábio inferior, gozou, de olhos fechados e o semblante
de quem sofre imensa dor, prazerosa dor.

Capítulo X

No teto de vidro, contemplado da banheira com espuma e água perfumada pelos


sais de banho, via-se os flocos de neve aterrissando sobre a superfície do telhado do chalé. A
ampla banheira de mármore localizava-se na parte externa do banheiro, independente, e

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

fora construída quase como um altar, pois se alicerçava sobre cinco degraus que, na medida
em que se subia, iam-se estreitando. Ao redor, paredes de alvenaria em pátina azulada, num
tom claro e discreto.
Amanda tentava imaginar que tipo de mensagem esta parte da casa transmitia.
Aconchego? Paz? Erotismo? Agarrou-se ainda mais a ele quando sentiu uma ponta de ciúme
ao perceber que o chalé não era usado apenas como le repos du guerrier. Jules apertou-a em
seus braços e entrelaçou suas pernas nas dela, embaixo d’água. Beijou-lhe o topo da cabeça
e fitou-a com um sorriso charmoso quando ela afastou a cabeça de seu tórax e o encarou
séria:
- O que tinha em mente ao construir esse ambiente tão...tão...
- Indecente? – provocou-a com um sorriso divertido.
-Pois é, isso mesmo. Até onde sei esse chalé era o seu refúgio e não um ponto de
encontro.
-Comprei o chalé construído e, obviamente, o antigo proprietário tinha uma vida
sexual bem diferente da minha. –deu de ombros, displicente.
Amanda estreitou os olhos perscrutando-lhe a feição relaxada.
- Até parece que um homem tão bom de cama como você não tem uma vida sexual
agitada. – constatou um tanto contrariada.
- Obrigado pelo “bom de cama” - disse gentilmente, puxando-lhe o rosto contra o seu
e beijando-a. Depois, comentou divertido: - Mas quanto à vida sexual, mademoiselle Rossi,
eu mal tenho uma vida, quanto mais sexual. Prometo ao clã dos machos alfas honrar a raça
até me acabar de tanto fazer amor com você. Pena termos de voltar após o meio-dia.
O idílio não duraria muito tempo e logo a realidade bateria à porta. Ele sabia. Ela
sabia. Mesmo assim, Amanda não gostou do que ouviu, sentindo-se frustrada. Apenas vinte
e quatro horas juntos. Vinte e quatro horas! e ele já queria retornar ao trabalho, à sua
mansão com a esposa. Dito da forma como ele dissera, sem explicar o porquê do regresso
tão rápido e sem justificar-se, colocava-a na posição de sempre, da assistente que obedecia
às determinações do chefe. Mas, agora, ela não era apenas sua assistente. Por que teria de
engolir em seco a frustração? Talvez para que não brigassem pela terceira vez em menos de
vinte e quatro horas. Estavam ajustando-se ainda aos novos papéis e isso levaria algum
tempo. Era normal. Haviam transposto uma fronteira que, havia cinco anos, delimitava-os
cada qual em seu lado. Precisava manter-se centrada e racional, por mais que ultimamente
lhe fosse difícil. A bem da verdade, sentia-se incapaz de controlar seus sentimentos e
sensações que, antes, eram adestrados e obedientes.
Jean Baptiste animou-se com a ideia de levar de volta a Paris o chefe e a sua
assistente no mesmo voo. Tagarelava sobre o tempo. Jules acomodou-se ao lado do piloto,
pôs os óculos escuros, os fones e manteve-se concentrado na conversa e na aparelhagem à
sua frente. Comentara casualmente a Amanda - e tal informação ela não sabia - que possuía
brevê de piloto havia alguns anos. Manipulava os instrumentos da máquina muito à
vontade, o que influenciava no clima de camaradagem entre os dois homens. Pelo visto,
eram amigos de longa data, e não apenas patrão e empregado.
O vento não estava tão forte e a neve cedera. No meio do caminho, Jean Baptiste
teve a gentileza de comentar sobre o helicóptero que fora arremessado contra uma
montanha, empurrado pelo vento forte. Ele não poupara palavras sinistras ao revelar que a
aeronave, arremetida por um vento ascendente, chocara-se com força contra a montanha e
explodira. Jules acrescentara que tais tipos de ventos eram imprevisíveis.

62
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Assim que pousaram no heliporto sobre o telhado da empresa, o piloto comentou


que chamara os amigos para ir a sua casa, à noite, a fim de assistirem ao programa sobre o
chefe. E completara, sorrindo alegremente, que a equipe de televisão filmara-o diversas
vezes.
- Era engraçado, parecia coisa de filme. Eles pediam para eu entrar no helicóptero e
depois sair, como se estivesse chegando e partindo de verdade. – em seguida, baixou o tom
de voz e disse algo confidencial a Jules. Meio minuto depois, o presidente da empresa virou-
se para trás e declarou à assistente:
-Esse documentário virou um True Hollywood History. – como Amanda não
compreendeu o que ele quis dizer, completou: - Tentaram descobrir com Jean se o
helicóptero também era usado para levar mulheres ao chalé. Como sabem que tenho esse
chalé? – franziu o cenho, intrigado.
Amanda nem precisou pensar muito antes de responder:
- Dorian, e se Dorian sabe... Alexys da recepção também... e, bem, como Alexys é
bastante popular, logo... – fez um trejeito com a boca.
O semblante de Jules fechou-se ainda mais. Invasão de privacidade e fofocas eram
coisas que ele simplesmente não tolerava de ninguém, ainda mais vindo de funcionários. Por
um momento temeu pelo emprego de Dorian e Alexys, mas sabia que o máximo que lhes
aconteceria seria uma advertência por escrito. Amanda considerava extrema falta de ética
por parte, principalmente, da secretária da presidência, que fora treinada justamente para
adequar-se a tal responsabilidade.
Ela desceu da aeronave segurando a pasta executiva. Voltou-se e viu Jean e Jules logo
atrás de si. Seguiram juntos até o elevador panorâmico. A visão de Paris, do alto, era linda e
majestosa. Amanda entendia os motivos de a cidade chamar tanto a atenção dos artistas.
Desviou os olhos da paisagem urbana e endereçou-os a Jules. Ele estava sério, ao celular,
absorto da conversa com monsieur Koskinen. Ao passo que Jean Baptiste, com as mãos
enfiadas nos bolsos laterais do uniforme, assobiava descontraidamente A Marselhesa.
Amanda conteve a vontade de rir.
As portas duplas do elevador abriram-se no andar do refeitório, para onde Jean
baptiste seguiu. E, depois, para o andar da presidência, Os dois alcançaram o piso
acarpetado em silêncio. Jules cumprimentou polidamente as secretárias e fechou-se na sua
sala. Dorian espichou os olhos para a colega de balcão e, em seguida, para a assistente do
executivo.
- Ele comeu e não gostou?
- Quê? – indagou Amanda, sentindo o rosto corar.
Dorian alçou a sobrancelha como se dissesse: a-hã, bem, você
conhece o seu chefe melhor do que eu, não o proteja! Soltou o ar dos pulmões e comentou:
- O homem de gelo sobreviveu a vinte e quatro horas preso com um bando de gaviões e
debaixo de uma nevasca daquelas...? Pobre chefinho! Ainda bem que Geneviève virá buscá-
lo para assistirem juntinhos ao documentário. – disse Dorian sorrindo de forma falsamente
inocente.
- Ele está irritado? – perguntou a outra secretária.
- Talvez, um pouco. – suspirou e continuou num tom firme e, ao mesmo tempo,
caloroso:- Na verdade, está preocupado com o teor do programa. Pisamos na bola em não
participarmos da edição ou assisti-lo antes de entrar no ar. A questão é que menosprezamos
o material humano que expussemos à imprensa. –refletiu, ponderando sobre cada palavra.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Sabe quem pisou na bola? O pessoal do jurídico. Eles é que deviam ter analisado o
conteúdo do programa pronto antes de entrar na grade da emissora, ora. Que adianta serem
advogados se temos de pensar por eles!
É, mas você também podia fechar essa boquinha, né?, pensou Amanda. O que Dorian
teria deixado escapar para a jornalista com olhos de raposa?
Foi para a sua sala e, antes de entrar, voltou-se para as duas que a olhavam sem
piscar. Desviou o olhar da secretária-júnior e encarou diretamente a mais velha, mais
experiente e mais fofoqueira ao indagar num tom que não aceitava mentiras:
-Você falou sobre o chalé?
Dorian literalmente arregalou os olhos e levou a mão ao peito como se tencionasse
fazer um juramento pela pátria.
- Non, non. Por quê?
- A jornalista sabe sobre o chalé, e Jules não gostou nada disso. – declarou Amanda.
Engoliu em seco ao notar o deslize e corrigiu-se antes de levantar suspeita por parte da
outra – Monsieur Brienne, na verdade, ficou muito irritado e desconfia de uma de vocês
duas. Não deem mais mancadas, okay?
- Amanda, eu não falei nada sobre o chalé e vou lhe dizer por que. – baixou o tom de
voz e completou: - Quando o chefinho comprou o chalé, chamou-me à sua sala e disse que
não era para que ninguém da empresa soubesse da existência do imóvel, já que naquela
mesma região o nosso querido VP também havia adquirido outro. Falou-me sobre
privacidade e sossego, algo assim. Por isso, jamais falaria para a imprensa, justo a imprensa!
– espalmou as mãos sobre o balcão num gesto teatral.
- E eu nem sabia que monsieur tinha um chalé... - replicou Assíria.
Acreditava em Dorian, pois, se de fato houvera tal conversa com Jules - e ela
acreditava que sim, era a cara dele desfilar regras a fim de proteger sua privacidade; aliás,
ele tivera a mesma conversa com ela à época da compra do chalé – quem havia aberto a
boca, então? Ou, melhor, quem também sabia sobre o chalé?
Annie? Não, ela jamais seria indiscreta ao ponto de revelar um segredo do patrão.
Annie adorava Jules e o protegia como um filho.
A secretária-júnior matou a charada.
- Geneviève sabe sobre o chalé, e acho até que já ficou por lá uns dias. Além do mais,
os produtores da tevê entrevistaram-na aqui na empresa e no centro social – revelou como
se juntasse as peças numa importante investigação.
Novamente esse nome. Quantas vezes teria de ouvir sobre as investidas da socielite e
resignar-se com o fato, como se ela, Geneviève, tivesse direitos sobre Jules? No entanto,
para todos os efeitos, ele não passava de um homem casado com Rochelle que, mesmo em
estado vegetativo, ela sim, tinha direitos sobre ele.
Sentou-se em frente ao computador, mas não via nada. Tencionava concentrar-se no
trabalho apesar de sentir o estômago pegando fogo. A raiva que nutria por Geneviève
estava guardada ali, no estômago em chamas. Como e por que ela fora ao chalé? A moça
marcava em cima sem dar espaço para a concorrência. Por um momento, um sorriso aflorou
nos seus lábios. Amanda sabia muito bem onde estivera no último dia...
Eles tinham pelo menos uma hora antes da reunião com a diretoria. Amanda tinha de
preparar as pastas para entregar a cada um dos executivos e atender os telefonemas para
Jules. Ele, de sua parte, estava ocupado com outra ligação, de pé, de frente para a parede de
vidro do escritório, falava com Jarkko. Os planos estavam cada vez mais ambiciosos.
Projetavam em menos de um ano alcançar, além de Helsinque, Estocolmo e Copenhague.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Ele era de fato ambicioso e jamais se satisfazia com o que já possuía. Não parecia
nada fácil ser Jules Brienne.
Pôs a xícara de café sobre a mesa. O interfone de Jules tocou e Amanda atendeu-o.
Era Dorian anunciando a chegada de monsieur Bleu e monsieur Rocco. Pediu para a
secretária aguardar e fez um sinal a Jules, que já se despedia do finlandês.
- Bleu e Rocco. Não agendaram nada com você. Vou pedir a Dorian que marquem
outra data para...
-Non, irei recebê-los. –respondeu, deixando o celular sobre a mesa e emborcando o
café num gole só. – Que tal preparar a sala de reuniões?
Impressão ou não, mas Jules parecia ligeiramente tenso. Empilhou as pastas e
observou da sua sala a chegada dos homens. Interrompeu-se e cruzou os braços. Que tipo
de pessoas eram? Pareciam gângsteres de filme americano, com direito a cara feia,
corpanzil, nariz quebrado e cicatriz. Mais caricatos impossível. Lutadores de vale-tudo
enfiados em ternos baratos. Mas não teve muito tempo para analisá-los ou descobrir o que
faziam na sala de Jules, porque o mesmo surgiu à porta apressando-a para cumprir o que lhe
havia pedido.
- Agora, Amanda. – ordenou com o semblante fechado. – Diga a Dorian para não me
passar nenhuma ligação. Merci.
Ele literalmente expulsou-a do próprio escritório, já que abriu a porta e esperou que
ela saísse para, em seguida, fechá-la.
Seguiu em direção à sala de reuniões tentando entender quem eram os caras e os
motivos de terem burlado o protocolo da empresa. Ninguém marcava o que quer que fosse
com Jules sem passar por ela. Nem mesmo monsieur Roche, seu grande amigo. A pescoçuda
conseguia, claro, mesmo por que possuía o número do celular dele.
Meia hora depois, ele entrava na sala onde os demais executivos já se encontravam
sentados nas cadeiras ao longo da mesa para vinte lugares. Nem todas as cadeiras eram
ocupadas haja vista que alguns diretores haviam sido transferidos para as filiais e outros
estavam em férias. Nas extremidades da mesa retangular, de mogno, o vice-presidente,
monsieur Touleause e na outra, Jules. Ao seu lado, a cadeira de Amanda.
As reuniões na SBO, normalmente, eram entediantes e longas. Às vezes havia chispas
de tensão, trocas de farpas e ironias de lado a lado. No entanto, apesar de estar dentro de
um covil civilizado, mas covil, Amanda admirava o esforço do alto escalão em obedecer às
determinações do presidente. Não havia queda de braço que ele não vencesse.
Marion, diretora financeira, principiou a tarefas da noite e antes mesmo de ler o
material distribuído por Amanda, afirmou que não tinham dinheiro para abrir três fábricas
em três países diferentes. Reclamou, inclusive, que as taxas tributárias dos mercados
pesquisados estavam desatualizadas. O que não era verdade, e Jules o sabia, pois piscou o
olho para Amanda indagando com severidade à diretora:
- Marion, você não é uma síndica de prédio, por que, então, não nos diz qual a taxa
tributária de Helsinque?
- A questão é que temos de nos precaver em relação a essa expansão. –defendeu-se.
Era uma loba acostumada a andar na selva, caçar e se prover sozinha. Amanda
admirava mulheres fortes e poderosas, só achava injusto quando elas abriam mão da
maternidade em função de uma carreira.
Do outro lado da janela, a noite chegava de mansinho, escurecendo aos poucos, em
vários tons de laranja e azul. A neve havia cedido há algum tempo, apesar de ainda não ser
possível ver as estrelas. No fundo, Amanda não queria estar ali ouvindo argumentações

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

sobre lucro, impostos, custos... Era incrível como a sensação de deslocamento a perseguia.
Nunca estava no lugar certo, no lugar onde deveria estar. Nem Paris nem Porto Alegre. Na
maior parte das vezes, durante as reuniões, beliscava-se para prestar a atenção e anotava
tudo que falavam num bloco, pois, certamente, jamais voltaria a lembrar. Assim, talvez
tenha sido na segunda ou terceira vez que seu nome foi chamado que ela ouviu-o de fato.
Era o VP, de gravata borboleta vermelha, terno bege, cabelo loiro e olhos de rapina.
- Mademoiselle Rossi?
Tentou sorrir apesar de sentir o rosto vermelho. Jules estava próximo à janela, de pé,
analisando o relatório do diretor de vendas.
- Oui, monsieur Touleause...
- Acredito que esteja pensando que falta algo nesta sala, não é mesmo? – indagou
com seu jeitinho pedante de sempre.
Ela olhou ao redor e percebeu que se esquecera da mesinha com os bules de café e
chá. Desculpou-se e levantou a fim de descer até o refeitório e prepará-los, já que àquela
hora a funcionária responsável não estaria mais na empresa.
- Quem quer café que desça e faça o seu. – Jules disse sem tirar os olhos do papel.
Cinco diretores presentes e todos se entreolharam. Marion riu baixinho. Touleause
até tentou rir, como se Jules estivesse brincando. Afinal, para o vice-presidente, uma
assistente era uma secretária com alguns privilégios, nada mais; estava muito abaixo da
diretoria.
- Não vamos retardar a reunião. Assim, pode trazer o café da sala de Jules mesmo.
Não se esqueça de trazer também o adoçante, mademoiselle. –declarou com naturalidade.
Havia duas xícaras no escritório de Jules e Amanda calculou que teria que descer ao
refeitório de qualquer jeito para a peregrinação das xícaras. No entanto, mais uma vez, foi
impedida de sair da sua cadeira.
- Não se incomode, mademoiselle Rossi, Victor descerá e fará o café para todos. –
disse Jules fitando diretamente o vice-presidente. Havia um misto de irritação e impaciência
nos olhos de Jules.
- Pra quê tanto drama, Jules, é só um café? – declarou o outro quase sorrindo.
- Então, por que não cala a boca e nos deixa trabalhar?
Amanda começou a suar, baixou os olhos sem coragem de encarar os demais
diretores. Sentia no ar a tensão. Já não era a primeira vez que os dois se estranhavam.
- Oh, oui, então eu vou fazer o serviço de uma secretária? Tenha paciência, Jules, que
você seja bonzinho com os funcionários das fábricas, tratando-os como iguais, é problema
seu e da sua consciência, mas querer que eu faça o café e sirva aos subalternos é demais! –
declarou ofendido.
Marion pigarreou, ajeitou-se na cadeira e fez menção de falar, mas, antes que saísse
algo de sua boca sem batom, Jules interveio calmamente:
- Não vejo problema algum em você levantar o rabo da cadeira e servir-se de café ou
leite com raticida, como achar mais adequado. Sinta-se à vontade. Mas, agora, quero ouvir o
pessoal produtivo falar. Comece, Jordan...
- Sou improdutivo, é isso? Há dez anos sou improdutivo para a SBO? É o que você
pensa? Isso tudo é um absurdo. – resmungou e continuou: - Eu tenho ações aqui, você sabe.
- Vamos à minha sala, s'il vous plaît. Com licença, já volto.
Assim que os dois homens saíram, comentários foram seguidos por um silêncio
profundo. O primeiro foi de Marion:

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Acho que nosso VP vai ter a cabeça decepada, nunca vi monsieur Brienne se
estressar por tão pouco.
Ao que Maurice, diretor de vendas, completou, fulminando Amanda com um longo e
gelado olhar:
- Se mademoiselle Rossi tivesse feito o seu serviço, nada disso teria acontecido.
Sinceramente, até hoje não sei qual a sua função.
- Pergunte ao dono da empresa e saberá a resposta. – replicou sem se alterar.
- Tem consciência de que você é uma das pessoas mais odiadas entre as chefias?
- Pega leve, Maurice. – disse Marion visivelmente contrariada.
- É mesmo? – Amanda provocou-o com um sorriso de deboche.
- Oui, perde apenas para Touleause. – informou-a o diretor.
- É o que o alto escalão pensa? – perguntou ela olhando para cada diretor.
Como todos se fizeram de desentendidos, Amanda concluiu que era mesmo odiada
pelo alto escalão. E sabia o motivo: inveja. Uma emigrante do Terceiro Mundo sem título de
universidade europeia ou Harvard, trabalhando como braço direito e escudo protetor do
presidente, do dono de tudo, do homem que fazia as coisas acontecerem e eles, os grandões
da diretoria, tinham de aceitá-la, de agendar horários para falarem com Jules. Não, eles não
topavam Amanda Rossi. De certa forma era divertido.
- Essa discussão é completamente fora de propósito. – disse Jordan enfiando um
cigarro apagado entre os lábios.
-Há cinco anos aguentamos a mesma coisa e ninguém fala nada. Você não facilita o
nosso trabalho, mademoiselle, pelo contrário, dificulta como pode. Conseguiu transformar o
presidente quase que numa figura mítica. Ele comanda a empresa do alto, no lugar onde
você o colocou, longe de todos. – concluiu Maurice.
-Vocês não têm consciência de que monsieur Brienne trabalha cerca de catorze horas
por dia? É capaz de trabalhar enquanto dorme, de sonhar com planilhas e computadores, e
ainda querem acesso irrestrito a ele? Pra quê? Para sobrecarregarem-no com coisas que,
sozinhos, podem resolver. E ele, com certeza, aceitaria novas tarefas. Estou protegendo a
saúde dele, física e mental.
- E quem é você para decidir isso? – indagou Maurice.
- Alguém aqui tem algum problema com mademoiselle Rossi?
Jules estava parado à porta sorvendo uma xícara de café que, pelo visto, estava
horrível, pois ele a depositou sobre a mesa depois de fazer uma careta.
-Para falar a verdade, como já dissemos a mademoiselle, ela não é apreciada pela
diretoria. - declarou Maurice com o peito estufado.
Jules assentiu levemente com a cabeça, ponderando.
- Quem da diretoria não aprecia a minha assistente? – perguntou com a expressão
séria encarando cada um dos executivos.
- Não tenho nada contra a sua assistente, mas acho que ela podia facilitar o nosso
acesso ao senhor. – disse Marion.
- Em quê ela está dificultando? – insistiu sondando-os.
- Bom, monsieur sabe, temos de prestar contas de tudo para ela até mesmo quando
queremos marcar uma reunião ou falarmos em particular com o senhor. Ela é centralizadora
e se interpõe entre a presidência e a diretoria como um obstáculo a ser superado e não um
agente facilitador.
- Entendo. Agradeço os esclarecimentos. Agora, digam-me apenas quem são os que
se sentem impedidos de trabalhar com eficiência por culpa de mademoiselle Rossi não ser

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

uma... uma, como é mesmo?, ah, agente fa-ci-li-ta-do-ra. – indagou estreitando os olhos
sagazes.
- Todos, monsieur. Antes dela tudo era mais fácil e não nos sentíamos idiotas em ter
de marcar audiências para fala-lhe.
- Fale por você, Maurice. Mademoiselle Rossi é eficiente e sempre que precisei de
qualquer coisa, ela sempre me atendeu prontamente. Cheguei a comentar que deveria
participar de uma de nossas seleções internas para gerência. – falou Marion com franqueza.
De repente, atrás de si, de pé e com as mãos sobre seus ombros, estava Jules Brienne
e mais uma vez perguntava sobre as queixas contra a sua assistente. Se Amanda não o
conhecesse acreditaria que ele estava levantando motivos para demiti-la. Entretanto,
conhecia-o muito para saber exatamente onde tencionava chegar.
- Quero nomes. Não sejam tímidos e levante a mão quem não... - interrompeu-se
sem desviar os olhos do grupo a sua frente: - Como vocês falaram mesmo?, quem não
aprecia o trabalho de mademoiselle Rossi?
Dos cinco diretores, apenas dois caíram na armadilha. Maurice com seu ego mais
cego que mister Maggoo e Molina, capacho de Maurice.
- Anotou os nomes, mademoiselle?
- Oui, monsieur. – disse quase sorrindo.
Jules voltou-se para os demais e comunicou-os:
- A reunião foi um desastre e está encerrada. De qualquer forma, na próxima,
teremos dois novos funcionários e o cargo de vice-presidente em aberto. Bonne nuit, e,
Marion, prepare-se melhor antes de contestar os dados de minha assistente.
A noite recém começara, mas Amanda sentia-se exausta. Após a reunião, com os
nervos em frangalhos, ao entrar no escritório deu de cara com a loira. Vestida num terninho
violeta, justíssimo e com três dos seis botões da blusa abertos, exibindo metade dos seios
siliconados, ela aguardava Jules na sala dele e, surpreendentemente, na cadeira dele.
Voltou-se para ele, que seguia ao seu lado e fitou-o de forma interrogativa. Mas tudo que
recebeu foi uma expressão do tipo “o que eu posso fazer?”
Entraram. Geneviève saltou da cadeira como uma garça louca, que vitalidade tinha
aquela mulher. Sempre sorridente, sempre pronta para atacar, sempre impecavelmente
vestida. Era uma dama, sem vergonha na cara, mas uma dama.
- Jules, mon chéri, está cansadinho? – antes que ele respondesse, emendou: - Sonia e
Roche nos esperam para assistirmos ao programa. Sonia vai preparar um fondue divino!
Amanda refletia sobre a verdadeira idade mental da criatura. Céus, como a
detestava!
Ela beijou-o na bochecha com timidez ou falsa timidez, contornou a mesa e sentou-se
na cadeira em frente.
- Interessante. – disse Jules sem muito interesse. Em seguida, virou-se para Amanda e
falou sério: - Preciso que assista a essa merda e anote qualquer coisa que nos deixe irritados.
Nossos advogados também farão o sacrifício, e se esse pessoalzinho da tevê fizer algo
sensacionalista arcarão com as consequências.
- Certo. Algo mais?
- Assim que terminar umas coisas por aqui, irei para casa. Caso queira me encontrar,
ligue para o meu celular. – disse impassível.
Havia duplo significado na frase?
- E nós? – reclamou Geneviève fazendo cara de boneca Barbie balzaquiana.
- Como? – Jules indagou-lhe, confuso.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Nosso jantar com os Roche... o documentário...


- Por que não assiste com eles, Geneviève? – ele sugeriu escrevendo com a mão
esquerda num cartão em branco. – François gosta muito de você.
- Vem comigo, Jules. –pediu ela.
-Preciso trabalhar. – respondeu sem fitá-la. –Além do mais, estive fora e preciso
saber sobre o estado de Rochelle.
Amanda percebeu que a esposa era sempre lembrada, fosse qual fosse a situação.
- Eu entendo, mon chéri. Imagino o quanto lhe seja difícil carregar esta cruz.
- Que cruz? – indagou Jules sem entender.
- A cruz do amor – interveio Amanda sem resistir ao deboche.
Geneviève fitou-a desconfiada, mas como era uma dama educada e polida, ignorou-
lhe o comentário. Jules, por outro lado, endereçou um olhar feroz a ela.
- Não tem que ir embora, mademoiselle Rossi?
- Não, vou acompanhar Mademoiselle Geneviève quando sair.
Geneviève lançou-lhe um olhar como se dissesse que não pretendia sair tão cedo, e
tampouco sozinha.
- Pode ir, mademoiselle Rossi, ficarei com Jules e depois ele me deixará em casa.
Antes, porém, devo avisar Sonia que não jantaremos lá.
Odiava a vaca, odiava!
- Jules é casado, sabia? – viu-se falando tal asneira. Não conseguia mais se controlar,
alguém tinha de pôr essa mulherzinha nos trilhos.
A outra se voltou para Jules pedindo auxílio, que veio prontamente.
-Todo mundo sabe que sou casado, agora, pegue seu casaco, entre no seu carrinho e
vá para sua casa. – disse ainda sério, porém, havia certo divertimento nos seus olhos.
Impossível. Por todos os deuses, era impossível deixar aquela mulherzinha com ele,
sozinha, praticamente se jogando para cima dele. Qualquer mulher sensata, no seu lugar,
cuidaria e protegeria seu homem desse tipo de predadora.
-Vou ficar também. – teimou.
-Já lhe disse que precisa assistir àquela porcaria na tevê, Amanda. Quer me irritar?
Estou cansado demais para aguentar insubordinações. – declarou sem se alterar, porém de
cara amarrada.
A situação começava a ficar constrangedora. Ela não tinha motivos para continuar ali.
Geneviève já a olhava de forma estranha. Além do mais, se a francesa havia passado uns dias
no chalé, segundo Assíria, significava que também havia passado uns dias na cama de Jules.
Só de vislumbrar a possibilidade de ele ter feito com a perua o que fizera com ela, já lhe doía
o estômago. Se já eram amantes ou foram amantes, que diferença fazia agora Amanda ficar
ali ou sair?
- Vamos para minha casa, então. Pedimos comida e relaxamos. Que tal? Chega de
trabalhar, vai acabar tendo um enfarto antes dos quarenta.
Não, vagabunda!, quase gritou. Sentia a garanta seca e falta de ar. Ao passo que Jules
estendia-lhe o cartão em que estava escrevendo com bastante tranquilidade.
- Bonne nuit, mademoiselle. – falou de tal forma que mais pareceu como uma ordem.
Pegou o cartão e seus dedos roçaram-se suavemente. O melhor a fazer era manter
intacta a dignidade. Guardou o papel na bolsa, girou sobre os calcanhares e saiu sem se
despedir. Pois é, não vencia todas. Havia pouco dois diretores e um vice-presidente foram
degolados por sua causa. E, agora, voltava para casa sem Jules e, ainda por cima, o deixava
com uma... vadia. Talvez fosse um modo de ele lhe dizer que fazia as coisas como queria,

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

como ele queria, e que ela não o manipulava. Ou talvez ele fosse um cretino e quisesse
revezar os dias com suas amantes.

Capítulo XI

Jogou a bolsa sobre a mesa e deixou-se cair lentamente no sofá. Definitivamente,


vivia o dia mais longo de sua vida. Ansiava por um banho e um jantar quentinho,
acompanhado por um cálice de vinho e o edredom. E foi o que fez. Deu-se de presente o
calor, a limpeza e o alimento. Precisava organizar seus sentimentos e sua vida, tudo estava
mudando muito rápido e não queria perder-se dentro de si. E uma das coisas que não podia
deixar de esquecer era a sua função de assistente pessoal de Jules. Assim, pegou o controle
remoto da tevê e digitou o número do canal que apresentaria a vida e carreira de nomes
importantes da área da informática. Todas as semanas eram exibidos episódios com três
perfis de pessoas importantes dessa área.
O programa começava após um telejornal em rede nacional, que tinha bastante
audiência. Durante a semana foram feitas várias chamadas e, em todas elas, mostravam
imagens de Jules de um lado a outro falando ao celular ou dirigindo seu carro, também ao
celular. Numa delas, ele almoçava com um cliente e noutra, numa montagem, aparecia no
alto da Torre Eiffel, ao que o locutor dizia: Ele conquistou a Europa. Em todas as cenas, Jules
apresentava a mesma feição séria e nem um pouco simpática, visivelmente contrariado e,
mais do que isso, mal-humorado.
Amanda riu e se serviu de um punhado de pipocas. Desde o início Jules fora
pressionado pelo RP da empresa para aceitar participar do documentário sobre os homens
das máquinas, as tecnológicas e as de fazer dinheiro. Foram previstos os perfis de Michael
Dell, Mark Hurd e Jules Brienne. Cada parte do programa era dividida por uma breve
exposição das biografias, com direito a exibição dos arquivos fotográficos e filmes de
infância e depoimentos de familiares e amigos.
- O senhor é um homem realizado? –indagou a jornalista, sentada na cadeira em
frente à escrivaninha de cedro, no escritório de Jules. Usava um tailleur cinza e um lenço
bordô, largo e solto, ao redor do pescoço.
O cinegrafista desviou o foco da câmera da jornalista para o empresário, captando-
lhe a expressão cerrada do semblante e os olhos argutos fixados nela. Após uma pequena
pausa, Jules respondeu secamente:
- Depende o que você entende por realização.
E todas as demais respostas foram assim, curtas e evasivas. A moça até se esforçou
usando todas as táticas de persuasão possíveis, mas não conseguira arrancar mais do que
meia dúzia de frases dele. Entre uma pergunta longa e uma resposta curta, imagens das
salas de produção da SBO, dos escritórios da empresa, de Jean Baptiste dentro do
helicóptero no terraço e Touleause (no hall da empresa, fumando charuto e explanando
como um guia turístico) descrevendo o início da carreira de Jules e o mercado de
computadores da época. No segundo bloco do programa, após os comerciais (incluindo um
da própria SBO), François Roche falou à jornalista sobre os primeiros anos da empresa e a
amizade com Jules e o casamento com Rochelle Brienne. Nesse ponto, surgiu na tela
imagens do acidente, o automóvel capotado, a ambulância e a fachada do hospital no qual

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

ela permaneceu internada por quase um ano. Os produtores optaram em não se


aprofundarem no assunto, e tampouco explicaram os motivos do acidente; apenas citaram a
alta velocidade e uma curva perigosa na estrada que a deixara em estado vegetativo
permanente aos trinta anos. Um rosto bonito, jovem e de contornos delicados. Imagens de
Rochelle entrando na igreja vestida de noiva, sorrindo para a câmera nas mãos de Roche. A
câmera a seguia através do longo do corredor entre os bancos da igreja, decorados com
flores brancas. Numa das últimas fileiras, estava Jacques Rodin, o rosto voltado para
Rochelle, impassível. Era inacreditável que ela tivesse aceitado a presença do amante no dia
do seu casamento. No altar, Jules, elegante no smoking preto, sorria como jamais sorrira nos
últimos cinco anos, um sorriso leve e jovial. Finalizando o bloco, a jornalista, falando à
câmera, informava sobre o estado de saúde da esposa do executivo e a sua dedicação
durante todos os anos de seu coma profundo e, conforme se havia contactado com médicos
especialistas, possivelmente irreversível. Antes dos comerciais, a chamada para o próximo
bloco.
Amanda quase se engasgou com uma pipoca ao ver-se na televisão. Eram várias
cenas suas, editadas em cortes rápidos: a primeira, durante a entrevista, quando ela se
irritou e arrancou o microfone da blusa; outra, ao lado de Jules cochichando-lhe junto à sua
orelha e sendo ouvida atentamente; em seguida, um recorte de imagens dela saindo com
ele dos restaurantes, dos aeroportos, do helicóptero, do carro da empresa, do carro de Jules
e, por fim, a ruiva perguntava: Quem é a brasileira que segue Jules Brienne como um cão de
guarda? E o close em Amanda com a expressão fechada e severa como a de Jules.
Quando o programa terminou, ela tinha certeza sobre uma coisa, pelo menos:
Amanda Rossi era uma figura tão simpática e sensual como Margareth Thatcher. Bem, se
Jules queria que o relacionamento deles se mantivesse na clandestinidade, aquela imagem
criada pela jornalista maquiavélica, tirava-a completamente do páreo. Diante da beleza
sofisticada de Rochelle e sua trágica história de contos de fada para a mulher de corpo
curvilíneo mas jeitão de sargento, não havia como despertar suspeitas. Imagem criada
mesmo. Afinal, a jornalista ficara aborrecida por não arrancar qualquer informação pessoal
de Jules que já não tivesse sido publicada pela imprensa. Ela queria um furo, e como não o
recebera, furara então a imagem da assistente-executiva. Imaginava, nesse instante, Dorian
rindo com vontade da sua cara. Aliás, a secretária estaria divertindo-se e não a pouparia das
brincadeiras típicas de sua personalidade light. O conteúdo do programa chegaria aos
ouvidos do chefe. Interessante - murmurou Amanda tentando tirar uma casca de pipoca
entre os dentes - qual seria a reação dele? Aquele nuance de sua personalidade apresentada
ao público e explorada de forma tão maldosa e, mais ainda, tendenciosa, poderia render-lhe
problemas.
Às seis da manhã, o despertador tocou e foi arremessado contra a parede. Ainda
tinha um tempinho para se revirar na cama e curtir a preguiça matinal básica. Esticou-se
debaixo do edredom e enterrou o rosto no travesseiro macio. Quando criança imaginava-se
uma rainha servida por súditos fiéis e temerosos; depois, na adolescência, lera sobre a teoria
da reencarnação e, aí sim, acreditava-se a encarnação de uma rainha, não importava de que
lugar ou época. Na faculdade, um de seus professores havia-lhe provocado, certa vez,
chamando-a de rainha. Destronada. Isso porque ela ironizara sua conveniente posição de
pequeno burguês de esquerda. Rainha destronada. No entanto, o acadêmico acertara em
cheio. Uma rainha com os joelhos esfolados, a coroa torta, um salto do sapato quebrado.
Sentia-se sofisticada entre os comuns e comum entre os sofisticados. O nariz erguido e as
costas empertigadas; por dentro, autoestima de gelatina. Crescera acreditando nas palavras

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

de sua criadora como se ela própria acreditasse em si mesma. Uma sucessão de erros. Pela
manhã, era acordada por reclamações e xingamentos. A frase do dia, de todos os dias:
Preguiçosa, sai da cama! Quando crescer só servirá para limpar mesas! A mãe era garçonete.
Depois de adulta, Amanda ainda sentia-se culpada quando feliz e satisfeita. E para ser feliz
era preciso tão pouco, minutos a mais debaixo das cobertas, café quente, seriados policiais,
um bom livro ou simplesmente estar em paz. Descobrir a felicidade nos pequenos prazeres
era uma arte. Descobrir os pequenos prazeres, um dom.
Sentou-se na cama, escabelada. Olhou ao redor um tanto desorientada. Bocejou.
Escutara um barulho ou fora sua imaginação? Deitou-se novamente. Um toque leve na nuca,
uma carícia delicada na pele de seu pescoço. Ergueu-se novamente, levantou o travesseiro a
fim de averiguar a existência de algum inseto sobre o lençol. De repente, a fragrância suave,
fresca e amadeirada penetrou-lhe as narinas e fez sua pulsação disparar. Dois minutos
depois, a batida na porta. Tropeçou na ponta do edredom, recompôs-se e meio dormindo
meio acordada, correu em direção à porta. Vestia um pijama de algodão com estampa do
Tom e Jerry. Sabia quem estava do outro lado, podia senti-lo. Correu para o banheiro,
escovou rapidamente os dentes, ajeitou os cabelos e lavou o rosto. Completamente
desperta, puxou todo o ar do recinto e, retendo-o nos pulmões, girou a maçaneta e abriu a
porta. Não podia ser outro. Nascera para estar em Paris naquele momento e conhecê-lo. Se
não fosse ele no corredor, não seria ela à porta. Rosto escanhoado, sobretudo escuro,
cheiroso e bonito.
-Bonjour. –pronunciou baixinho com um sorriso – Está linda, como sempre.
Afastou-se da porta cedendo-lhe passagem. Jules entrou, olhou rapidamente ao
redor e tornou a concentrar-se nela, um sorriso suave nos lábios. O sobretudo escuro,
fechado, e um cachecol enrolado em torno do pescoço.
-Conseguiu livrar-se de Geneviève? – perguntou fingindo desinteresse.
Ele deu-lhe as costas enquanto abria os botões do sobretudo e o retirava devagar;
depois, puxou rapidamente o cachecol e ficou segurando-o. Voltou-se para Amanda e
indagou com uma sobrancelha alçada:
-Posso sentar-me?
-Claro, desculpe, fique à vontade. – respondeu sem jeito.
Ela pegou-lhe dos braços as roupas e as depositou sobre o sofá. Jules sentou-se numa
poltrona próxima à janela, cruzou as pernas e apoiou o queixo na mão, reflexivo:
- Bonjour. – insistiu, a expressão agora séria e intrigada.
Amanda sentou-se no sofá em frente a ele e tentou sorrir.
-Bonjour, Brienne. Pensei que viria ontem à noite. – confessou num fiapo de voz. –O
programa foi um tanto... - não conseguia encontrar as palavras certas.
- Bizarro – completou olhando-a fixamente, depois emendou a título de informação: -
Jantei com Geneviève, ficou tarde.
- Ah, estava com ela. – concluiu num tom de falsa naturalidade.
- Oui, voltei para casa perto da meia-noite. Na verdade, passei em frente ao seu
apartamento, e se tivesse alguma luz acesa, teria batido à sua porta. – confessou com a
expressão grave e os olhos sérios cravados nos dela.
- Fizeram sexo? – perguntou à queima-roupa.
Ele mexeu levemente a cabeça para o lado num trejeito de quem analisava o
adversário para tentar entendê-lo e decifrar suas intenções. E após uma ligeira pausa,
respondeu estreitando os olhos argutos:
-Pourquoi?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-É amante de Geneviève? –enfatizou.


- Non... mas já nos encontramos sexualmente algumas vezes. –afirmou sem se
alterar.
-Você é amante dela, então, Jules? – insistiu. Inacreditável!, pensou, com um nó na
garganta.
Ignorando a pergunta, ele retornou sem deixar de encará-la diretamente:
-Namoramos há quanto tempo, Amanda?
Ela quase riu da expressão “namoramos”, era tão antiquada. No entanto, a última
coisa que tinha vontade de fazer era rir e, se risse, seria um riso amargo. A loira tinha
motivos para marcar em cima já que eram amantes. Preferiu manter-se calada, os maxilares
trincados, contendo a raiva crescente.
- Isso não lhe diz respeito, não tem nada a ver com a nossa vida. Declarei o meu amor
por você há quatro dias e a partir desse momento lhe fui fiel e é isso que importa.
-Veio da cama dela?
Jules manteve-se recostado na cadeira e aparentemente parecia disposto a sanar
qualquer dúvida sobre seu caso com a socialite.
- Acredita mesmo que dormiria com ela e depois com você? – perguntou intrigado,
estreitando os olhos. –Tem certeza de que lhe passou isso mesmo pela cabeça?
Era totalmente improvável, mas um diabinho dentro dela lhe dizia que homem algum
prestava. Ah, certo, o diabinho que a concebera, gerara, parira e criara, discursando todos os
dias sobre a falta de caráter inerente a todos os homens da Terra.
- Sabia que foi a sua amante quem deu a dica do seu chalé ao pessoal da tevê? As
meninas do escritório não tiveram nada a ver com isso. –declarou com raiva, raiva de Jules,
de Geneviève e de si mesma. Levantou-se num átimo e o encarou como se o chamasse para
um duelo: - O tal refúgio era para os encontros com ela, não? E eu que pensei que tinha sido
a primeira, a única, a especial... besteira! – completou com ironia.
Era incrível, Jules não se abalava, permanecia sentado, o queixo escorado no dorso
da mão, observando-a impassível. Essa sua calma irritava-a e muito. As pessoas tranquilas e
centradas faziam com que as outras, as normais, parecessem sempre histéricas, pensou ela
quase bufando.
- Não éramos amantes, Amanda. – disse pacientemente: - Encontrávamo-nos
eventualmente...
- Eventualmente, como? – interrompeu-o com ferocidade.
Por um momento, parecia que ele disfarçava o divertimento que a cena de ciúme
proporcionava-lhe. Em seguida, espreguiçou-se discretamente contendo um bocejo e
respondeu num tom blasé:
-O que você fazia quando sentia vontade de fazer sexo? –antes que ela respondesse,
completou de forma casual: - Bien, eu procurava alguém que conhecia e que aceitava os
limites desse tipo de relacionamento.
- Recitou aquele discursinho ensaiado que me disse no escritório? – perguntou,
debochando.
Jules sorriu.
- Oui... E ela aceitou as regras pacificamente. Aliás, antes que eu me esqueça,
Geneviève jamais foi ao chalé comigo. Ela sabe sobre sua existência, porque é prima do ex-
proprietário. – ergueu-se da poltrona e endereçou um rápido olhar para suas roupas no sofá.
– Está tudo explicado?
- Onde vocês se encontravam?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Na casa dela. –respondeu sem hesitar.


-Quantas vezes...? Todos na empresa comentavam que ela seria a nova madame
Brienne. Quantos encontros...sexuais? – elevou a voz.
- Essa é fácil responder, basta que distribua o seu de final de semana com Jacques
Rodin em quatro anos entre mim e Geneviève. –fulminou-a duramente, os maxilares
contraídos. – Que tal? Quem é mais promíscuo, eu ou você?
- Não sou casada. – disse secamente.
-Um homem tem suas necessidades, ma chérie. – disse com desprezo. Olhou ao
redor, preparado para sair e concluiu com raiva: -Além do mais, deveria tornar-me casto
como prova de integridade moral? Devo-lhe alguma coisa, mademoiselle?
Sentia-se fora dos eixos, enfraquecida, doente de ciúme. Preferia a época em que
aquele homem à sua frente, que a olhava com seriedade, fosse apenas o chefe controlador e
workaholic. Imaginá-lo com outra mulher doía-lhe tanto quanto ser acusada de promíscua. O
melhor a fazer era deixá-lo partir. Sempre haveria Jacques, Rochelle e agora Geneviève entre
ambos.
- Acha que a imagem de você com Jacques Rodin não me irrita também? – murmurou
com o olhar duro. Suspirou resignado, tocando-lhe o queixo. – É claro que isso não justifica a
minha explosão machista, pardon.
Ele tencionava vestir-se e partir, mas algo em sua postura, de frente para ela, parado,
à espera, dizia-lhe que queria ficar e esclarecer tudo entre ambos.
-Podia ter jantado comigo em vez de com ela. – falou, por fim, após um longo
silêncio.
-Oui, podia ter jantado com François em vez de com ela e eu até podia ter jantado
com Annie ou sozinho... - suspirou profundamente.
-Não gosto de mim assim, paranoica, insegura, medrosa e insuportável. Eu não sou
assim. – justificou-se chateada consigo mesma.
-Você é o que você sente, e não vejo mal algum. Só procure sentir certo. – em
seguida, completou: - Foi apenas um jantar entediante entre pessoas que não têm mais
nada a dizer uma ao outra. Ela, agora, sabe sobre nós.
-Interessante... É muito honesto de sua parte avisar a ex-amante sobre a atual. –
comentou com maldade.
Jules demonstrou o primeiro sinal de impaciência ao suspirar profundamente e negar
com a cabeça, devagar.
-Quando vai realmente prestar atenção em mim? O tempo inteiro concentrada em
Geneviève e tenho certeza de que nem leu o cartão que lhe dei ontem à noite. – concluiu em
tom de censura.
Ele tinha razão, estava tão focada na loira pescoçuda que pegara da mão de Jules o
cartão e o guardara na bolsa, sem a mínima curiosidade. Mordeu o lábio inferior num gesto
típico de quem pensa: puta-merda, pisei na bola! Fez um sinal com a mão para que ele não
saísse do lugar, correu até o quarto, abriu a bolsa, pegou o cartãozinho com a letra de Jules e
leu:
Minha namorada ciumenta.
Escrito em português parecia mais significativo ainda. Já havia algum tempo que Jules
demonstrava interesse em aprender português... Cogitara inclusive matricular-se num curso
de português, mas, devido às constantes viagens tivera-o que cancelar. Obviamente,
Amanda tivera que fazer o cancelamento. À época, ele dissera-lhe que possuía um especial

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

interesse pela cultura brasileira, como boa parte dos franceses o possuía, ele frisara,
objetivamente.
- Você realmente aprecia a cultura brasileira... – comentou balançando o cartão
como se fosse um leque.
Ele sorriu sem jeito e apontou para o cartão na mão dela:
-Era para você ter lido isso ontem. Se o tivesse feito teria me poupado desse
interrogatório sem sentido. – afirmou sem se alterar; depois, emendou num tom quase
profissional após verificar o horário no seu relógio de pulso: - Bien, vamos fazer amor e
depois tomar café na rua. Hoje o dia não será nem fácil nem curto.
Falou sem sorrir, fitando-a intensamente enquanto retirava o paletó e afrouxava a
gravata. Amanda não conseguiu esboçar reação alguma diante da naturalidade da
deliberação. Chegou perto dela e algo no seu modo de andar e mexer o corpo lembrava-lhe
um felino. Agressivamente másculo e, ao mesmo tempo, envolvente, acolhedor, terno e
sensual. Ele aproximou-se até quase esbarrar nela, mas parou antes de tocá-la. A tensão
sexual era tamanha que Amanda temia perder as forças. Ele abaixou a cabeça e seus lábios
quase se encostaram aos dela ao murmurar rouco:
- Estou viciado em você. –olhou-a com desejo.
Tocou-a entre as pernas, por cima do pijama, numa carícia erótica que a deixou
atordoada e febril. Ela deitou a cabeça para trás e ofereceu-lhe os lábios, que foram
explorados pelos dele, até ter a carne da boca mordiscada sensualmente. Ela levou as mãos
até os primeiros botões da camisa de Jules e começou a desabotoá-los, devagar, trêmula.
Abriu-lhe a camisa e, lentamente, deslizou os lábios entreabertos pelo tórax dele. Jules
deixava-se ser acariciado enquanto apertava-lhe as nádegas possessivamente. Num dado
instante, louco de desejo, beijou-lhe a boca com violência e pegou-a no colo, encaminhando-
se para o quarto. No caminho, sussurrou-lhe sem descolar os lábios dos dela:
- Vai conseguir me seguir na cama também? – referindo-se às palavras da jornalista
no programa sobre ele.
Ela sentiu um arrepio espalhando-se pela coluna e mordiscou-lhe o lábio inferior
antes de responder sem hesitar:
- Como um dedicado cão de guarda. –sorrindo maliciosamente.
Jules riu baixinho e derrubou-a sobre os lençóis amarfanhados. Imprimia-lhe
pequenos beijos ao longo do pescoço, enquanto abria os botões da camisa do pijama;
soltou-os todos. Tornou a olhar para ela e sorriu levemente, antecipando o próximo gesto,
ao tomar-lhe o bico do seio entre os lábios, a língua brincando com ele, molhando-o com a
saliva morna. Amanda sussurrou-lhe o nome, bagunçando-lhe o cabelo, enterrando seus
dedos nas mechas negras e macias. A pele vibrava e arrepiava-se. Entre suas pernas, pulsava
um coração de carne. Desejava-o com brutalidade, com uma intensidade que media forças
com o seu ciúme, ainda impregnado nela.
Ele abandonou um bico e apossou-se do outro, com a mesma presteza e insistência
sensual. Desceu para a parte inferior do seio, na volta suave, e lambeu-lhe todo o contorno e
ao redor do mamilo. Delicadas e rápidas lambidas nas nervuras do mamilo para, em seguida,
chupar o bico enquanto mantinha preso entre os dedos o outro, duro feito pedra. Amanda
arquejava, automaticamente erguia o quadril do colchão, num gesto instintivo que traduzia
a ânsia em ser possuída por ele. O clitóris pulsava quente. Queria-o entrando nela. Logo.
Mas Jules não tencionava satisfazê-la tão cedo. Desceu a mão por baixo da calça de pijama e
encontrou o cós da calcinha. Tocou no tecido de algodão do forro, encharcado do seu sumo,
e olhou-a com a sobrancelha alçada, as órbitas oculares congestionadas de tesão:

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Humm, você é uma fêmea insaciável, non? –disse, rouco.


-Oui, monsieur. – assentiu num gemido abafado e aproveitou para arrancar-lhe a
gravata e a camisa de seda, irresistivelmente cheirosa. Puxou-o para si e mordeu-lhe o
pescoço. – Seria capaz de literalmente comê-lo. – ronronou.
Ele fitou-a com um sorriso de aprovação, num minuto, enfiou dois dedos no cós da
calcinha e baixou-a até a metade das coxas dela, expondo a vagina depilada formando um
triângulo letalmente erótico. Tocou-lhe no montículo quase sem pelos e escorregou o dedo
médio por entre os lábios úmidos. Ela afastou ainda mais as pernas para sentir-lhe o dedo
longo deslizando num vaivém lânguido por toda a extensão do sexo, que explodia em mil
fogos. Quando ele alcançou o clitóris inchado e o massageou-o com dedicação, Amanda
soltou um gritinho e fechou as pernas, mantendo a mão de Jules presa entre suas coxas.
- Abra as pernas para mim, mon amour... – pediu com a voz muito baixa, e na sua voz
traduzia-se desespero sexual, estava no seu limite. Constatou com apenas um leve toque na
calça social, pau duro e pronto para agir. – Como pode ser tão linda. – gemeu.
Amanda obedeceu-lhe e afastou as pernas. Seus olhos cruzaram-se numa troca de
labaredas. Mergulhou na escuridão daquele olhar sempre sério, sempre analítico, sempre
racional. Levantou os braços para trás na cama, completamente entregue a ele, à boca que
se alimentava de seu sexo com voracidade, com fome, e chupava o ponto teso e molhado
levando-a à loucura. Apertou as coxas contra a cabeça de Jules, arfando, suando por cada
poro, enquanto ele lhe afastava os grandes lábios com os dedos e mergulhava a língua e a
boca no seu sexo, como se deliciasse na abertura tenra de uma fruta. Ouviu-lhe gemer.
Excitava-o ouvi-lo gemer de tesão ao chupá-la, era o seu terreno, era bom em tudo o que
fazia, era um macho alfa entre as suas pernas. Antes que ela gozasse, estrategicamente
parou. Num movimento ágil, baixou o zíper da calça e puxou o pau com mão, com os joelhos
fincados no colchão, enterrou-se dentro dela. Ajeitou-se de modo a que em cada bombeada
seu pênis esfregasse no clitóris, friccionando-o, torturando-o, em estocadas fundas e fortes.
Ela o abraçou para fundir-se nele. Aspirou a fragrância de banho recente do cabelo de Jules,
provou o gosto da sua pele no pescoço que foi chupado, no lóbulo da orelha. Louca de
prazer, no alto da montanha ígnea, sendo açoitada por ferroadas de aço por todos os
terminais nervosos, golpeada pelas estocadas firmes, Amanda sentia todo o pau grande e
forte entrar e sair dela sem poupá-la.
-Deixe-me vê-la gozar...quero ver seu rosto...olha para mim.... – Jules pediu,
puxando-lhe o queixo para si, enquanto segurava-a pelos ombros e se enfiava mais e mais. –
Está encharcada... – gemeu respirando forte.
Fitou o rosto bonito contraído numa expressão de dor e sofrimento, o lábio inferior
sendo mordido pelos dentes frontais, os fios de cabelo grudados na testa, as têmporas
latejando, o rosto todo brilhando numa camada fina de suor, Deus!, ele era lindo gozando,
lindo enfiado nela, fundo...Misteriosamente, sua mente criou uma imagem que a paralisou e
a dissociou do ato, não era mais ela que o tocava, e, via, agora, aquele rosto lindo contraído
de tesão e o pau enfiando-se...em Geneviève...E era a loira quem gritava, trincava maxilares,
arreganhava as coxas, recebia Jules, o pau, a boca, as mãos, todo ele, todo aquele homem
que nascera para Amanda e que deveria ter-se mantido virgem até encontrá-la, delirava a
sua mente ciumenta.
Perdeu-se no devaneio. Jules percebeu e diminuiu o ritmo das estocadas,
perscrustando-lhe a expressão com olhos atentos. Ele não gozaria antes dela.
- Por que está me olhando assim? – ele indagou com a voz abafada e séria.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Amanda fechou os olhos, tentando fugir daqueles olhos inquisidores. Jules parou por
um momento, avaliando a situação. Aproximou seu rosto do dela e beijou-lhe as pálpebras.
-Está distante, o que foi?
-Não pare, continue. – disse baixo num tom ríspido.
-Abra os olhos, Amanda. –mandou.
Ela encarou-o num misto de irritação e ciúme, muito ciúme. Era ele dedicado ao amar
Geneviève? Assim como era com ela, do mesmo modo?
-Era assim que você trepava com Geneviève? Entregava-se a ela com toda essa
dedicação? Beijava-a, abraçava, e era beijado por ela, tocado... Ela conhece mais o seu corpo
que eu? – indagou inflada de ciúme e tristeza.
Com a expressão impassível, Jules ignorou-a e, encaixado nela, empurrou até o fundo
o pau dentro dela, com violência, arrancando um gemido de dor de Amanda. Deitou-se
totalmente sobre ela, a cabeça virada para outro lado, a fim de evitar o olhar hostil dela e,
após três ou quatro arremetidas selvagens, gozou estremecendo o corpo, lançando seu
sêmen até escorregar pela vagina alcançando a parte interna das coxas e o lençol. Enfiou
mais uma vez fundo e gemeu com rouquidão.
Quando sua respiração tornou-se novamente regular, ele afastou-se um pouco e
fitou-a ainda sério:
-Oui, com dedicação, com velada dedicação, porque gosto muito de foder. Quer
saber mais alguma coisa? – alçou a sobrancelha.
Amanda sentiu uma dor aguda.
-Fazia amor com ela como faz comigo?
Jules retirou o pênis de dentro dela e ela sentiu-se vazia e desamparada, talvez fosse
o único vinculo entre eles, o sexo, pensou ao vê-lo sentar-se na borda da cama e buscar no
chão a cueca boxe, que colada ao seu quadril, excitava-a por demais. Mas não naquele
momento. Quando se virou para ela tinha uma expressão irônica:
-Jamais igual. Com Geneviève eu usava preservativo e com você, non. – ao perceber-
lhe a decepção estampada no rosto, continuou no mesmo tom: - Uma precaução
anticonceptiva, pois tenho certeza de que ela adoraria arrancar de mim um filho. Ao passo
que, no seu caso, pouco me importo se engravidá-la.
Amanda não entendeu e olhou-o intrigada:
-Por que?
-Por nada em especial, Amanda, só penso que um dia terei de ser pai, tenho quase
40, e se a mãe do meu filho for você será ótimo para nós, non? – ergueu-se na cama e pôs a
cueca, de costas para ela, e já buscando as demais peças de roupa. - Vamos, ma belle, hoje é
um dia normal de trabalho. – afirmou jovialmente, de posse da calça e camisa e
encaminhando-se para o banheiro.
-Termine o que começou! - gritou exasperada. Se ela só lhe servia como objeto
sexual e, pelo visto, de reprodução, então que fizesse o serviço completo. Trincou os dentes
de raiva ao vê-lo parar à entrada do quarto, com a gravata na ponta do dedo, balançando-a
com displicência.
-Excusez-moi? – alçou a sobrancelha, irônico, fingindo não entender o tom raivoso
dela.
-O seu objeto sexual não foi saciado.
Jules riu.
-Não gozou porque não quis. Agora, levante-se e vamos comer. De minha parte,
sinto-me muito bem, você é muito boa e a cada dia está se superando. – antes de sair, virou-

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

se e a entonação da voz já não era mais de ironia e sim de ameaça: - Só quero avisar-lhe que
se continuar com as comparações infantis, não farei mais sexo com você. Nós dois não
queremos que isso aconteça, non? Livre-se dessa expressão de ofendida, se vista e me siga.
É o que tem a fazer, mademoiselle. –completou com um sorriso ambíguo.
Quem brincava com fogo acabava se queimando, pensou, fitando a calça do pijama
arriada até os joelhos.

A manhã avançava, vento rascante e neve fraca. No Le Petit Cler, da Rue Cler,
Amanda degustava seu primeiro café do dia. Admirava a voracidade do apetite de Jules,
sentado à sua frente e saboreando uma fatia fina de pão com um delicioso camembert. O
conhecimento que tinha a respeito de queijos, provinha somente da degustação das table de
fromages feitas por Annie nas noites de inverno em que Amanda tinha de trabalhar com
Jules no escritório de casa. Um conhecimento empírico, a bem da verdade.
-Temos de fazer o programa típico francês, - sorriu misteriosamente: - comprar
queijos, vinho e baguetes. Esta rua tem os melhores queijos do mundo. Se gostou do Brie de
Melun prove esse então. – estendeu-lhe uma fina fatia do camembert e a pôs na sua boca.
Jules estava estranhamente bem humorado. Não havia mais vestígio algum da
discussão anterior. Parecia que as crises de ciúme de Amanda provocavam-lhe bom humor.
Como era possível isso? Normalmente, os homens surtavam com mulheres ciumentas. Mas
não Jules Brienne; ele apreciava tal arriscado tempero.
- Você precisa ser apresentada aos queijos franceses, Rossi. Cada região produz o
seu, com características diferentes, consistências diferentes, assim como é com o vinho – ele
sorriu divertido e completou:- E com os homens. Dizem que os parisienses são os melhores.
- E também são os mais modestos? – indagou-lhe com um sorriso debochado.
- Realistas, eu diria. – respondeu observando a xícara com café quase intocada: -
Alimente-se, mulher, não quero deixá-la anêmica de tanto esforço físico.
Amanda sorriu e fitou as próprias mãos. Ele percebeu-lhe o embaraço e achou graça
da sua timidez. Que homem. Que mistério.
- Estou falando sério, ao longo desses cinco anos você cuidou muito bem de mim e
acho que se não fosse assim, eu já teria me consumido de estresse. Agora, também quero
cuidar de você e até onde sei, não tem amigos. Sou seu amigo, agora, o seu melhor amigo. –
disse com um sorriso leve, charmoso e gentil.
-Tudo que lhe fiz fazia parte do meu trabalho, Jules. E sempre quis fazer o melhor
possível e mostrar o quanto me dedicava à minha profissão. – declarou com um sorriso,
porém incisiva.
- Eu sei, Amanda, sei que o que fazia por mim não estava relacionado a algum
interesse afetivo ou sexual e por isso mesmo que valorizo ainda mais. – ele fez um sinal
discreto ao garçom e voltou-se para ela com a expressão grave:- Temos de resolver a sua
questão de moradia. Precisamos encurtar distâncias. É cansativo para nós dois.
- Nós estamos juntos cinco dias na semana e praticamente o dia inteiro, Jules.
- Não estamos juntos de fato, e sim trabalhando. É diferente.
-Entendo. Podemos, então, nos vermos algumas noites por semana. – tentou
argumentar, mas por fim suspirou e acrescentou com firmeza: - Sei muito bem aonde você
quer chegar e já lhe disse que não quero presentinho de amante.
- Não seja boba, Amanda. – reclamou e seguiu sem se alterar; o semblante
circunspecto e concentrado nela: - Quero dormir todas as noites com você, e não dar

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

escapadinhas para sua cama. Podíamos viver sob o mesmo teto, se você quiser. Conheço um
corretor que pode conseguir um ótimo imóvel para nós...
- Morar com você? – interrompeu-o assustada.
- É uma solução prática, nada mais. - alçou a sobrancelha, ligeiramente exasperado.
- É muito cedo, Jules. – respondeu devagar. – Além do mais, não pode afastar-se da
sua casa e de Rochelle.
- Sei das minhas obrigações, não precisa listá-las, oui? – disse fechando a cara: - Não
dificulte as coisas, só quero dividir um lugar com você para que possamos dormir e acordar
juntos.
- E trabalharmos juntos e almoçarmos juntos...? Logo estaremos fartos um do outro.
– constatou secamente.
-Fale por você. Eu só quero tornar o processo mais prático e fácil para nós mesmos. –
havia uma nota de impaciência ao falar-lhe.
- Não vai dar certo, nunca dá. Ou trabalhamos juntos ou vivemos juntos. – enfatizou
nervosa.
-Está pondo-me contra a parede. Eu não gosto disso – disse duramente.
-Não, Jules, só estou expondo a minha opinião e, nesse momento, não sou apenas a
sua assistente... E esse é outro motivo para eu preferir ficar no meu apartamento...
- Que por sinal é minúsculo, úmido, distante da empresa e da minha casa e, ainda por
cima, você gasta quase metade do salário num aluguel completamente fora da realidade. –
disse calmamente. Afinal, Jules Brienne jamais perdia a paciência e o controle.
- O dinheiro é meu. – irritou-se.
- Dinheiro que poderia ser investido em algo mais útil para seu futuro, e não numa
espelunca três por quatro. – constatou como se fosse um investidor da Bolsa.
- Nem todo mundo tem a sua grana e pode se dar ao luxo de morar numa mansão,
mesmo que seja igual a da família Adams. – espicaçou-o sem elevar a voz.
-Tem razão, é verdade. É horrível aquele casarão, e eu me sinto muito mal morando
lá. Por isso, quero um lugar nosso. Você escolhe tudo, o imóvel, a decoração... Por que está
fazendo essa cara?
- Vida de puta de luxo; eu gasto e você assina os cheques. Non, merci. Vamos indo
que não quero chegar atrasada à empresa. – disse erguendo-se da cadeira e levando a alça
da bolsa ao ombro.
-Sente-se, eu ainda não acabei. – falou firme.
-Para mim, acabou. Não vou permitir que complique ainda mais a minha vida. Você é
dominador, controlador e vai acabar me sufocando... Isso jamais acontecerá, Jules. Pode
guardar seu talão de cheques que não estou à venda.
- Controle-se, Amanda, e sente-se. – ordenou baixinho. – Quero resolver essa
situação de uma vez por todas.
-Ela já está resolvida. Se a sua vontade de dormir comigo é menor que a preguiça o
problema é seu. –exasperou-se.
Ameaçou afastar-se da mesa, mas foi pega pelo pulso.
- Sente-se e me escute... s'il vous plaît. – pediu com gentileza.
Ela olhou ao redor antes de tornar a sentar-se e percebeu que cada cliente, em sua
mesa, preocupava-se exclusivamente consigo mesmo. Discrição ou excesso de
individualismo? Através das vidraças, observou um grupo de mímicos vestidos com roupas
coloridas e as faces pintadas de branco com grossas lágrimas pretas escorridas.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Capítulo XII

- Proponho-lhe uma experiência, vamos tentar do meu jeito por, pelo menos, seis
meses. –disse com o cenho franzido numa expressão que não admitia objeções:- Caso as
coisas se tornem complicadas, tentamos do seu jeito, que, sinceramente, ainda não entendi
qual seja.
Estava tão imersa na conversa que quase saltou da cadeira quando o garçom
aproximou-se da mesa com outra xícara de café preto e depositou-a em frente a Jules, que,
agradeceu e voltou-se novamente para Amanda:
- Devia provar o croissant daqui.
Ela meneou a cabeça em negativo, e o garçom afastou-se do mesmo modo que se
aproximara, discretamente. Observou Jules sorver o café sem açúcar.
- Essa é a sua proposta? Não sei se me sinto bem trabalhando para o homem com
quem durmo. Pode soar como algo feminista, eu sei, mas não acho agradável misturar a
relação pessoal com a profissional. –declarou.
- Veja bem, não quero abrir mão de você como profissional e tampouco como
mulher. – encarou-a com firmeza, os lábios contritos. –Tenho que arranjar uma solução. Só
lhe peço que aceite minha proposta para que possamos resolver o mais rápido possível
nossas vidas.
Um pragmatismo de doer os ossos. E ela que pensava que Paris fosse a terra dos
romances! Após cinco anos convivendo com a objetividade e racionalidade fria do chefe,
tornara-se a sua amante, a amante de um homem que não falava em amor. Vivia sim um
relacionamento pragmático entre dois executivos de Nova Iorque.
- E se a sua esposa voltar a si? Eu perco o emprego, um lugar para morar e você. Tudo
de uma vez só. Perceba a situação em que você me coloca. – afirmou com segurança.
-Sei o que faço. – enfatizou, sério. Fez novamente um sinal ao garçom, pedindo-lhe a
conta. Virou-se para Amanda e completou calmamente: - Se Rochelle sair do estado
vegetativo, será recebida por uma excelente equipe médica. Não tenho mais o que fazer por
ela, qualquer outra coisa está fora do meu alcance.
-Não quero ficar entre vocês dois. E não pense que digo isso por ser uma boa pessoa,
digo por medo de me machucar. Jurei que jamais me deixaria ser magoada outra vez por um
homem.
Jules abriu a carteira, retirou umas cédulas e as pôs sobre a mesa. Ele parecia
aborrecido com as últimas palavras de Amanda. O semblante estava ainda mais carregado e
isso se refletia na curvatura do lábio inferior e nos sulcos na testa.
-Isso é uma questão que terá de resolver consigo mesma. - concluiu com um trejeito
nos lábios. –Agora, vamos trabalhar. O dia será longo, mademoiselle.

Uma sugestão aos roteiristas de cinema, um bom título de filme seria: À procura do
apartamento perfeito. Seria rodado em Paris e os personagens seriam uma mulher de 28
anos sem muita paciência para a empreitada e um executivo perfeccionista. No meio disso
tudo, corretores agitados e ansiosos para fecharem negócio. Na primeira semana de
procura, Amanda estava disposta a enfrentar Jules mais uma vez e mandá-lo conformar-se
com as escapadinhas de final de tarde, diárias. No início, até mesmo Amanda acreditara que
como os dois se viam durante o dia, no escritório, era o suficiente que se encontrassem

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

sexualmente uma vez por semana. Mas a situação tomou outro rumo. E vê-lo e falar com ele
em sua sala, no corredor, no elevador, nos restaurantes ou na sala de reuniões, dialogar
profissionalmente com ele, presenciar reuniões com ele andando de um lado para outro na
sala, falando, afirmando, decidindo, analisando e, ainda, sentir o cheiro dele ao ajudá-lo a
retirar o paletó, ao estender-lhe a caneca de café ou até mesmo quando, todas as manhãs,
ela entrava no escritório e ele lhe dizia com um sorriso charmoso “bonjour”, já não
bastavam mais para acalmar-lhe o coração e aplacar-lhe o desejo de estar totalmente com
ele, dormir com ele, vê-lo dormir com ela e acordar sentindo o corpo morno e macio ao seu
lado quase sobre o seu, enroscado pernas nas pernas, o braço possessivo sobre a sua
cintura. Por isso e tantos outros motivos que também convergiam para a necessidade de
trazê-lo cada vez mais para perto de si, ela aceitou a sugestão de Jules de tirar algumas
tardes de folga a fim de procurar um apartamento para eles o mais rápido possível –
palavras de Jules, acrescidas de um sorriso significativo.
Monsieur Ferrer era calvo, de uma calvície melancólica e lunar. O crânio redondo,
branco quase brilhava sobre o pescoço curto, o tronco largo vestido na gabardine bege e os
pés, pequenos, calçados num italiano com cadarços atados num lacinho, como aqueles
feitos pelas mães nos filhos em idade escolar. Falava rápido, de modo seco e brusco, numa
ansiedade típica dos corretores de imóveis. Os olhos invariavelmente fitavam o relógio no
pulso direito, ornamentando um braço que tinha uma aliança caríssima no dedo médio.
Aparentava uns cinquenta anos e não era simpático.
O combinado era que o apartamento fosse próximo ao prédio da SBO, em
Montparnasse. A ideia de Jules era muito simples: encurtar distâncias. E isso significava
transformar Paris inteira em Montparnasse. Ambos tinham consciência de que, mesmo
trabalhando juntos, continuariam a viajar e a também prolongar as horas de trabalho na
empresa. Nada mais lógico que estender o escritório ao lar, no mesmo arrondissement.
Entraram por um corredor comprido cujas paredes, sem janelas, continham as caixas
de correspondência de cada morador, com uma etiqueta com seus sobrenomes. Os
apartamentos não eram numerados como no Brasil, Amanda estranhara o fato logo que
chegara. Na maior parte dos prédios, as caixas postais possuíam várias etiquetas
sobrepostas, o registro dos diversos ocupantes do imóvel. Na porta dos apartamentos, uma
indicação peculiar, um desenho, um quadro; menos numeração. O prédio em questão tinha
seis andares e dois elevadores de carga, que haviam sido reformados e forrados por um
carpete escuro de quatro milímetros de espessura. Além de dois vasos com plantas verdes
que, após Amanda aspirá-las com ar sonhador, Jules avisou-lhe que eram de plástico.
Monsieur Ferrer balançou as chaves antes de abrir a porta do único apartamento
naquele andar, na cobertura do prédio.
- Para um casal moderno nada melhor que um loft!
E completou informando-os que o imóvel era de um fotógrafo que no momento
estava morando em Tóquio e tencionava desfazer-se de alguns bens deixados na França.
- Nada como a funcionalidade despojada dos americanos. – empolgou-se o corretor.
Ao que Jules comentou de forma casual, observando as várias nuances de
encantamento no rosto de Amanda, hipnotizada pelo ambiente.
- Graças a Le Corbusier.
- Pardon... – um sorrisinho de curiosidade desenhou-se nos lábios rasos do homem.
- O dono da ideia, um arquiteto daqui, francês, monsieur. – afirmou ainda sem
descolar os olhos de Amanda que, parada e estupefata, observava cada detalhe do loft.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

O outro francês sorriu amplamente, e Amanda podia ler em sua mente: oui, oui, nós
somos os melhores!
-Aqui não me perderá de vista. – declarou-lhe em tom de brincadeira, enquanto
observava todo o apartamento sem sair da parte central do primeiro andar.
- Adorável! – murmurou quase batendo palmas. Por pouco não repetia o gesto de
Geneviève, pensou, fazendo careta.
E foi exatamente neste momento, admirando a sala dividida em três ambientes, o
piso em tábua envernizada e as paredes laterais pintadas sobre o reboco cru e as do fundo
revestidas por pedras rústicas, que ela conseguiu pronunciar...
- U-la-la! – Jules teria de aprová-lo, era o quinto imóvel apresentado pelo corretor.
Quando chegaram ao terraço, ela teve certeza de que desejava morar ali. Um
delicado jardim circundado por vasos grandes e plantas imponentes, prateleiras de madeira
com mudas de temperos, um balanço, cadeiras estofadas e uma mesa toldada pelo guarda-
sol com as cores da bandeira francesa. Amanda apertou o interruptor e centenas de
lâmpadas pequenas e coloridas, espalhadas como bandeirinhas num varal sobre o terraço,
acenderam-se, criando uma atmosfera lúdica e romântica. Sem conter a alegria, ela pulou no
mesmo lugar, denunciando a sua criança interior. Ouviu uma risada e voltou-se para o
corretor. Mas era o executivo workaholic que raramente sorria, quem gargalhou com
jovialidade. Ela o abraçou nem precisando dizer-lhe que aquele lugar existia para eles.
- É o que você quer? – murmurou ao seu ouvido, captando o grau de seu
contentamento.
- Seremos felizes aqui. – previu, sorrindo.
Com a maior naturalidade do mundo, como quando ele sinalizava ao garçom pedindo
a conta, Jules Brienne confirmou a compra do imóvel e a visita do advogado da empresa e
Amanda à imobiliária no dia seguinte. Adiantou que tencionava mudar-se o mais rápido
possível.
Como agradecer um presente como aquele? , ela pensou. Afastou-se e viu o sorriso
que transformava o rosto sempre sério de Jules numa paisagem bela o suficiente para se
passar a vida inteira a admirar. Beijou-lhe a bochecha com carinho e disse docemente:
- Merci Beaucoup.
Puxou-a para si e abraçou-a fingindo não ouvir o pigarrear do corretor. A pressa era
do outro; não deles, não naquele momento.

Capítulo XIII

Passaram-se quatro meses desde que Jacques Rodin entrara em sua vida de forma
violenta. Isso ela lembrava por dois motivos; o primeiro deles referia-se aos telefonemas,
constantes, que se restringiam a três palavras: Amanda, ça va?... E ela desligava o celular,
tremendo. Em princípio, cogitara contar a Jules sobre a tentativa de aproximação de
Jacques. No entanto, apesar de ensaiar inúmeras vezes o início de tal conversa, só de
imaginar-se falando novamente sobre o ex-amante de Rochelle e dela própria e encarar a
expressão zangada de Jules, desanimava-a ao ponto de preferir correr o risco de sofrer um
novo ataque psicótico de Jacques. Na verdade, parecia-lhe exagerado supor que ele ainda

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

quisesse feri-la. Morava com Jules, e era importante manter a estabilidade dos dias, deixar-
se levar pelas tarefas cotidianas como quem deita de braços abertos sobre as águas do mar.
Qualquer movimento mais forte poderia desencadear um tsunami. Por parte de Jules tudo
se encaminhava de forma natural e coerente. Faltava apenas que ele próprio buscasse suas
roupas e demais artigos na mansão e avisasse Annie sobre o seu novo endereço, em
Montparnasse. Assim, o segundo motivo que fazia com que Amanda se lembrasse da
visitinha desagradável de Jacques Rodin ao seu antigo apartamento, relacionava-se ao
jantar, na época, com os Roche. Sonia Roche convidara Jules e sua assistente para um jantar
que fora interrompido pelo mesmo Jacques. No dia seguinte, Jules jantara com o amigo de
longa data, praticamente um irmão mais velho emprestado. Agora, numa das noites mais
frias do ano, Amanda vestia-se para enfim conhecer os Roche. Em cinco anos trabalhando
para Jules Brienne, atendera diversas vezes os telefonemas de François, uma espécie de
mentor da SBO. Entretanto, jamais tivera oportunidade de conhecê-lo pessoalmente.
Advogado por profissão e paixão, aposentara-se após o terceiro infarto motivado pelo
excesso de cigarros. Fumava demais, ainda. Ele e Sonia formavam o típico casal culto e
sofisticado. E Amanda pôde comprovar ao chegar ao apartamento mobiliado conforme
diretrizes do Museu do Louvre (aliás, qualquer museu). Um antiquário viveria feliz naqueles
trezentos metros de decoração clássica, distribuída em peças raras e móveis antigos.
Óculos de armação moderna, cabelo claro cor de trigo, túnica e saia beges. Sonia
Roche personificava a mulher chique e clássica, do tipo que parecia não se importar em
vestir-se na moda, optando sempre pelo tradicional e acertando em cheio devido à
qualidade das roupas e à elegância natural do corpo esguio e da postura de ex-bailarina. Ao
passo que François, mesmo elegante no suéter escuro e na calça de corte caprichado, exibia
a masculinidade bruta dos galãs franceses da década de 60. Havia nele algo de nostálgico,
fosse pelo charuto entre os lábios ou o rosto exótico cujos olhos ligeiramente puxados e o
nariz aquilino traduziam, de forma genérica, a beleza máscula da França. Juntos, lado ao
lado, não combinavam. Ele, atarracado, altura mediana, charmoso, sorriso acolhedor,
sagacidade no olhar. Na mão, um cálice com vinho tinto. Ela, por sua vez, apostava todas as
fichas no intelecto. Era mais alta e mais magra que o marido. Nariz fino, ligeiramente
arrebitado. Não usava joias, e tampouco ostentava outro acessório.
À porta, quem os recebeu foi o mordomo de cabelos grisalhos e terno cinza claro.
Apesar de solene, o sorriso era amplo e sincero ao pegar-lhes os casacos. Em seguida,
ensaiou um movimento a fim de indicar-lhes onde estavam os patrões, ao que Jules
interrompeu com um leve sorriso:
- Imagino que estejam na biblioteca, Gerard.
-Oui, monsieur. – assentiu com um esboço de sorriso e completou educadamente:- Já
faz algum tempo que não nos visita. Como está, monsieur?
- Melhor impossível, meu caro – respondeu jovialmente, dando um tapinha amistoso
no ombro do homem, que aparentava sessenta e poucos anos.
Amanda recebeu um olhar significativo, e um fio de eletricidade percorreu-lhe toda a
extensão da coluna. Devolveu o carinho piscando o olho discretamente. Tinha para si que,
naquele momento, ela era apenas a assistente pessoal de Jules e deveria conter qualquer
gesto que os delatassem como amantes.
Empertigou-se ao entrar no ambiente que cheirava a madeira e livros, maior que
muitas quitinetes de Paris, decorado de forma austera, preservando elementos herdados de
gerações passadas. Crepitava lenha na lareira imponente. Cadeiras estofadas distribuíam-se
ao redor de uma mesa central, baixa, que as separava do divã listrado e decorado por uma

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

manta de aparência oriental. Após os devidos cumprimentos e apresentações, Amanda


sentou-se no sofá e constatou que além de raro - uma relíquia arrecadada num leilão,
conforme informação veiculada pelo próprio François - era duro e desconfortável. O legítimo
bonitinho mas ordinário, pensou Amanda, ajeitando-se de modo a enfrentar corajosamente
o resto da noite. Sonia indicara a Jules uma cadeira que ladeava outra, separadas por um
abajur de pé dos anos 30 do século XX. Ao lado dele, acomodou-se François e, após
endereçar um longo e especulativo olhar a Amanda, encheu o amigo de perguntas sobre
“como andavam as coisas na empresa”.
-Depois que a vi naquele programa de tevê sobre Jules, fiquei interessado em
conhecê-la, mas, sinceramente, não imaginava que tivesse uma beleza tão fresca e
harmônica. – comentou François, entregando-lhe um cálice de vinho.
-Merci, monsieur Roche. –agradeceu-lhe, sentindo a força do olhar de Jules sobre si –
Tentaram transformar-me num sargento...-comentou sem jeito.
-Percebi a manobra tendenciosa, - confirmou Sonia sem sorrir. – A imprensa
manipula os fatos e as pessoas. -depois, mudou de assunto e disse de forma afetada:- A
parte do programa que citava Jules foi a melhor.
- Claro, foi a última. – completou o próprio, ironicamente.
- Ainda bem que filmaram antes das demissões na diretoria. – disse François com
seriedade; tragou novamente o charuto e falou devagar:- Precisa conversar com Touleause
para acertarem os ponteiros. O homem está se sentindo um tanto incomodado.
- Veio chorar no seu ombro? –perguntou, sério.
-Na verdade, ele queria que eu o aconselhasse. Acha que você está passando por
uma crise precoce de meia-idade. Sei que parece idiotice essa coisa de crise, mas ele
insinuou que você parece outro. – declarou François entre uma tragada e outra do charuto.
- E sou, todos o somos, cada dia nos renovamos. -Afirmou, debochando.
- Touleause está preocupado, Jules. – enfatizou, dando importância ao fato.
Jules contraiu os maxilares e isso significava que a conversa chateava-o. François
começara a SBO com Jules e, durante algum tempo, fora o vice-presidente. Touleause era
um dos executivos mais antigos do grupo e na hora do aperto sabia muito bem para onde
correr. Mas não devia tê-lo o feito, Amanda considerou.
- Mandou fazer o que pedi, Sonia? – Jules mudou o rumo da conversa, sorrindo
tranquilamente.
- Claro, mon cheri ami. A ideia é que preparando sua sobremesa predileta, venha nos
visitar com mais frequência. – falou com ar de falsa inocência. : - Sei que trabalha muito, mas
tem que arranjar um tempinho para ficar com os seus velhos amigos. -fez um muxoxo.
Depois, voltando-se para Amanda, completou com delicadeza: - Por que não nos ajuda,
mademoiselle Rossi, arrumando um horário na agenda dele para visitar-nos?
Quando ensaiou uma resposta espirituosa, o som de algo parecido com o acorde de
um violino ou de gatos copulando, ressoou no ambiente. O mordomo, na sua figura alta e
sóbria, atravessou a sala, o longo corredor e foi receber quem quer que fosse. Amanda
aproveitou para observar os quadros na parede; não tinha paisagens, figuras humanas ou
monumentos históricos. Revestindo boa parte da alvenaria antiga, diplomas enquadrados
por molduras grossas, exibiam os cursos realizados pelos Roche e, para eles, a verdadeira
arte.
Na cadeira à sua frente, o executivo, com as pernas cruzadas displicentemente, ouvia
com paciência a exposição do amigo a respeito da importância do VP e sugeria-lhe que
enfim se acertassem. Era incrível que um homem inteligente como François e que convivia

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

havia tanto tempo com Jules, não percebesse o seu ar de enfado e desinteresse diante de tal
conversação. Insistia, outrossim, em argumentar (quase historicamente) a favor da
experiência de Touleause e na precipitação ao demitir Maurice, brilhante aluno da
Sorbonne, enfatizou, descansando o charuto sobre o cinzeiro na mesinha de centro.
Sonia virou-se para ela com olhos argutos e discursou sobre a sua própria
importância na carreira de Jules:
- Saiba que a ideia de criar o cargo de assistente pessoal foi minha, pois Jules
sobrecarregava-se demais e mal tinha tempo para a “nossa” Rochelle. Ele sempre teve
dificuldade em delegar tarefas, ainda faz parte daquele antigo modelo administrativo
completamente obsoleto. Precisa estar no controle e praticamente não confia em ninguém...
- ela ergueu os olhos para o mordomo que adentrava a sala discretamente e continuou: -
Bem, resumindo... Jules sempre deixou ao meu critério a escolha de suas assistentes, já que
fora eu quem o convencera a ter uma. E acredito que ele deve ter tido algo em torno de Três
ou quatro profissionais, nos últimos sete anos. Porém, na última seleção, eu estava em
Atenas e foi o próprio Jules quem a realizou. E a escolhida está conosco já faz cinco anos!
Você ganhou de um rapaz formado nos Estados Unidos e de uma senhora que dominava
cinco idiomas e trabalhara por anos na DELL... Quais critérios ele deve ter utilizado,
pergunto-me. – comentou como quem não quer nada. Mas queria.
Sonia cantara a pedra, colocara Amanda no lugar que deveria ficar e usava o
“trabalhar conosco” mostrando-lhe que pertencia unicamente à família SBO, como empresa
e não pessoas. Mais um pouco e o NÓS pareceria algo ligado à máfia. Afinal, o cargo de
assistente pessoal do presidente fora criado por Sonia, a fim de que Jules tivesse mais tempo
para a “nossa” Rochelle. Automaticamente, endereçou um olhar em direção a Jules, que
observava atentamente os discos de vinil que François trouxera da escrivaninha, satisfeito
em compartilhar algo que não fosse somente fofocas dos bastidores da empresa.
Quando o mordomo saiu e Sonia levantou-se com um sorriso radiante nos lábios,
Amanda imaginou que o jantar estava pronto e servido na sala. Até ensaiou um elogio ao
chef indiano antes mesmo de saber se a Índia de fato a conquistaria pelo estômago. Mas não
foi Raj quem apareceu à porta, e sim um vestido de seda, perolado, curto e famoso por
frequentar butiques caras e que cobria o corpo esguio de uma loira chamada Geneviève.
Sorrindo e completamente à vontade, atravessou a biblioteca e abraçou calorosamente
Sonia. Amanda então compreendeu o significado do convite e do gesto. Jules era casado
com a “nossa” Rochelle e, caso ela tivesse de ser substituída, nada melhor que sua cópia,
alguém mais adequada à sofisticação de um presidente cheio da nota, a “nossa” Geneviève.
Armada e decidida. Uma mulher com uma missão, Amanda pôde comprovar. À sua
presença, os homens levantaram-se educadamente. François cumprimentou-a com outro
abraço, afetuoso. Na vez de Jules, Amanda temia por sua sanidade mental caso a loira o
tocasse mais do que devia. Engoliu em seco quando ela tencionou abraçá-lo e Jules, sem
sorrir, estendeu-lhe a mão e tornou a sentar-se, concentrando-se na capa de um disco no
qual um homem usando chapéu dos anos 40, cantava tangos.
-Como vai, mademoiselle...? –interrompeu-se, confusa.
Talvez a pescoçuda não soubesse o seu nome mesmo ou talvez fosse uma cretina
fingida tentando diminuí-la.
- Rossi, Amanda Rossi. – disse contendo o riso e sentindo-se a parceira de Bond,
James Bond...
Por que não se divertir, afinal? Quem voltaria para casa com Jules e faria amor com
ele até esgotar-se, como todas as noites? Rossi, Amanda Rossi.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Desviou a atenção da mulher para Jules e constatou que a expressão de seu rosto,
que antes tendia ao enfado, agora, possuía ares de desconfiança. Sombras no olhar sério e
profundo. Algo o incomodava. A presença da ex-amante? Ou os motivos da talzinha ter sido
convidada pelos Roche?
Mais uma vez ajeitou-se no maldito sofá, torcendo para Gerard voltar novamente
com a garrafa de vinho e encher-lhe o copo. Ao seu lado, Sonia e Geneviève comentavam
sobre Saint Tropez, a decadência do Botox, os babuínos que atacaram um vilarejo, a amiga
que enxertara um pedaço das nádegas nos maxilares e a onda de violência na periferia de
Paris. Atropelavam-se em parágrafos com o mínimo de vírgulas. Um interesse excessivo,
Amanda observou, por nada em especial. Meio eufóricas e um tanto sôfregas, saltavam de
um assunto a outro sobre pernas de pau. Atrizes no palco, e a plateia composta por apenas
um homem. Vez por outra, incluíam Amanda na conversação como quando se chamava
alguém à beira do abismo. E ela sentia-se perdida e deslocada, mexendo os lábios e
pronunciando palavras que não eram suas, emprestadas da Marie Claire francesa. Dois
mundos e o vácuo; o delas, que englobava universidade e estilista de moda exclusivo e o da
assistente pessoal, agendas, reuniões e horários restritos. Aproveitou a chegada do
mordomo e estendeu o copo. A bebida deslizou com suavidade e foi sorvida rapidamente.
A anfitriã ponderou bastante a respeito da distribuição dos convidados à mesa e isso
era percebido na intenção velada de permitir que Geneviève se sentasse ao lado de Jules,
enquanto que ela e François mantinham-se nas extremidades e Amanda, sozinha, de frente
para Geneviève. Após quatro cálices de vinho, ela já não mais se importava com o lugar onde
sentaria desde que pudesse apreciar a conversa, visto que de seus lábios nenhuma outra
palavra foi emitida. Na verdade, não sentia mais nem lábios nem língua. O álcool anestesiava
problemas e aplacava tensões. E era como se ela vislumbrasse a presença de outra Amanda,
erguendo-se da tumba, emergindo de dentro das veias. Do outro lado da mesa, Jules catava
os grãos de arroz Basmati preparado com cordeiro que - na Índia, chamava-se Moglai Biriani
- no garfo e levava-os à boca, concentrado na comida e fingindo que ouvia a explanação de
Sonia a respeito, agora, dos alimentos transgênicos. Ou seria sobre desodorante? Amanda
piscou os olhos, as pálpebras pesadas.
Numa tigela de cerâmica, comprada na China, segundo informação importantíssima
de François, a iguaria indiana, com louro, canela e uvas passas. Ladeada pela travessa com
salada de pepino temperada por iogurte natural e folhas de hortelã e o creme de manga. Um
cheiro fantástico, quente e adocicado, lembrando pimenta e nozes. Exótico. Como a
presença do chef na sala até o momento de todos provarem a comida. Após exclamações
discretas de satisfação, Raj retornou à cozinha.
Foi então que começaram os primeiros tremores...
- Como lhe falei aquele dia, Sonia, seria interessante manter um grupo de apoio às
mulheres que sofreram algum tipo de violência. Sondei Amèlie a respeito e ela dispõe de
alguns horários. Seria ótimo tê-la conosco, o seu trabalho como psicóloga é fantástico. –
falou Geneviève com entusiasmo.
- Estudei na Suíça com ela, sabia? – informou François com um sorriso, fitando
Geneviève em busca de sua aceitação como homem ainda útil.
- Oh, non, que sorte, Fran! Amèlie é sensacional. Ela conversaria com as mulheres
algumas tardes. Seria tão bonito!
-Très bien, mas também precisamos de uma advogada para esclarecer os direitos das
vitimas e como proceder após a agressão do parceiro. – comentou Sonia com os olhos
perdidos num ponto vazio.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Tem de ser mulher? –indagou François, solícito.


- Claro que não, mon ami. –retrucou Geneviève que, em seguida, voltou-se para
Amanda com vivacidade: - Sua ajuda também seria fantástica. Temos uma série de arquivos
completamente desatualizados. Caso queira auxiliar-nos, poderia pô-los em
ordem...Tínhamos uma secretária, mas ela está em licença maternidade.
Amanda terminou de mastigar seu cordeiro, olhou para Jules que a fitava com visível
mau humor e disparou antes de pensar:
- Eu trabalho.
Foi como um raio que partiu a mesa em dois. Fora politicamente incorreta. Um longo
e denso silêncio recaiu sobre todos. François estalou a língua no palato em desacordo com o
comentário da funcionária da SBO. Sonia ergueu ligeiramente o nariz arrebitado como se
buscasse compreender o cheiro do que estava no ar. Geneviève, ainda de boca aberta e
olhando-a com espanto, rebateu num tom acusatório:
- Todos no centro social trabalham.
-É mesmo? O que você faz? – Jules perguntou-lhe, sem olhá-la, cortando a carne no
próprio prato.
A moça mexeu-se na cadeira, incomodada pela indagação rascante do homem que,
apesar de estar sentado ao seu lado, parecia não lhe notar a presença.
- Na galeria do meu pai, Jules. Esqueceu-se? – tentou sorrir.
- Falo trabalho de verdade; sabe o que é isso? – limpou os lábios no guardanapo de
linho.
Sonia interveio em favor da amiga.
- Existe trabalho de mentira, Jules?
- Oui, aquele que se faz sem saber o porquê, o do tipo simulado, como, por exemplo,
subir e descer escadas apontando para paredes e tentando arrancar o dinheiro das pessoas.
François riu, mais como para debochar do que Jules afirmara do que pelo fato de ter
achado graça em si.
- Esse Jules!
-Por que os homens que agridem essas mulheres também não participam do grupo
de apoio? – indagou Amanda a fim de jogar água fria na fervura.
Geneviève encarou-a com ferocidade, porém nenhum indício de raiva destoava-lhe
no timbre fino da voz:
- Nosso centro social é voltado somente para as mulheres que sofrem agressão. Não
vejo sentido em incorporar os homens que as agridem. Eles têm de procurar ajuda em outro
lugar e, de preferência, na prisão.
-É verdade, eles têm de procurar ajuda noutro lugar. –comentou Sonia saboreando o
creme de manga.
-Não quero interferir no trabalho que vocês estão desenvolvendo, mas, me parece
que se não são tratados os problemas dos homens, sejam psicológicos ou econômicos, eles
tornarão a agredir as mulheres, talvez não mais as que agridem no momento, porém,
adiante, encontrarão outras em novos relacionamentos e certamente repetirão o mesmo
comportamento abusivo. – declarou quase que didaticamente, recebendo olhares entre
intrigados a reprovadores. O vinho ajudara-lhe a brincar de cabra-cega dentro do covil de
cobras.
-Nossa função é somente para com a mulher. Nós as acolhemos e damos suporte
psicológico e, talvez, agora, jurídico. Isso que você falou é uma atitude protecionista e, além
de protecionista, machista. Se hoje a mulher ainda apanha de homem é por culpa de

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

mulheres que pensam que passando a mão na cabeça de psicopatas e sociopatas, assassinos
de mulheres e crianças, melhorarão a sociedade. – acusou Geneviève quase possessa.
Já não era mais o vinho que lhe fazia a face pegar fogo. Ei, ela mesma tinha sido
vítima de um agressor. Não havia nada de machista na sua ideia.
-Geneviève tem razão. Inconscientemente, talvez, ainda somos um pouco machistas.
Sei que você reconhece que já suportamos demais tantos crimes tendo as mulheres como
vítimas, Amanda, assim fica difícil sermos condescendente para com os agressores. –disse
Sonia.
-Não sou machista, só acredito que existam mais vítimas nesta história. As coisas não
são simples assim. – tentou ponderar.
- São simples e verdadeiras. Nem todas são resgatadas pelo príncipe encantado que
cheira a colônia amadeirada caríssima; algumas de nós sofrem, são mutiladas, humilhadas,
mortas! – quase gritou.
-Esse assunto mexe muito com Geneviève. – comentou François levando o cálice de
vinho aos lábios.
Jules acompanhava a discussão sem manifestar-se e sem demonstrar o mínimo
interesse pelo assunto.
- E com razão, François, - acrescentou Sonia protegendo a amiga: - É incrível que em
pleno século XXI ainda existam mulheres inocentes e submissas!
- Frutos de famílias disfuncionais, Sonia. –completou François.
- Retrocesso, Fran, isso é que elas significam: retrocesso. – Geneviève fuzilou Amanda
com o olhar.
Amanda sentia um mal-estar danado. Bolhas de ácido sulfúrico dentro do estômago.
Enfrentara diretores interessados em derrubá-la, mas sabia que seria confrontada. Ali, à
mesa, naquele apartamento sofisticado e diante de estranhos, ela sentia-se mal e acuada,
porque, ao sair de casa, jamais imaginara que entraria numa arena. Estava sem munição e
longe de casa. Fora pega de surpresa e temia perder a classe. Queria mesmo era sumir.
Ainda mais quando sentia os olhos encherem-se de lágrimas, lágrimas essas que jamais
deslizariam por seu rosto. Tal gostinho de vitória não daria àquela mulher raivosa, ah, não.
Mas tinha de ir embora para poder voltar a respirar ar puro. Porque o seu mundo não era
aquele. Olhou para Jules e o viu através de uma cortina de água. Ele a fitava com seriedade,
os lábios apertados marcando os maxilares, o olhar duro como quando reprimia a raiva e a
fúria. Estava prestes a explodir. Contudo, Amanda sabia que Jules jamais perdia a calma, o
centro, o equilíbrio.
- Que noite improdutiva. Vamos para casa, Amanda. – ordenou.
Jules ergueu-se tão rápido da cadeira que a deixou cair. François foi pego de surpresa
e também se levantou.
-O que foi?
O executivo contornou a mesa, afastou a cadeira de Amanda e voltou-se para o
amigo. As palavras saíam-lhe com dificuldade, ela observou, como se ele tentasse conter-se
ao máximo para não causar maiores danos.
-Isso, esse jantar, essa palhaçada.
Sonia enfim percebeu que uma nuvem escura pairou sobre a louça cara servida à
mesa. Balbuciou qualquer coisa para uma Geneviève bastante atenta às reações de seu
antigo amante. Amanda percebeu que a outra exalava um mórbido prazer ao vê-lo
confrontar François:

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

- Convidaram-nos para apresentar o pior tipo de comportamento que um ser


humano pode ter, quando se constrange um convidado num ambiente estranho a ele...
-Que é isso? Discutíamos ideias, não era nada pessoal. Você levou para o lado
pessoal, Amanda? – era François tentando pôr panos quentes.
-O que você está fazendo aqui? – disparou à queima-roupa em Geneviève.
-Fui convidada, Jules. –murmurou já sem sorrir, nervosa.
-Então sou eu o inocente e submisso? – disse com sarcasmo. – Acha que não sei
desta conspiração absurda, deste circo que vocês montaram?
- Respeite Rochelle, é só isso que pedimos! – enfim Sonia abriu o jogo vociferando,
de pé, jogando o guardanapo com raiva na mesa.
Jules estreitou os olhos perigosamente. Pôs as duas mãos sobre a mesa e inclinou o
corpo como se fosse atacar o pescoço dela a qualquer momento.
- Quando eu fazia sexo com Geneviève, respeitava Rochelle? – perguntou com ironia.
Sonia nem piscou. Geneviève exclamou algo, ofendida. Ao passo que François,
quieto, na outra extremidade da mesa, de pé, perdido na cena, avaliava a extensão do
terremoto. As cortinas balançaram como se vários demônios tivessem entrado e se
esborrachado contra os quadros com diplomas. Amanda viu o mordomo esboçar um sorriso
estranho. Ela tremia, as pernas haviam virado dois tubos de gelatina.
- Você pode ter deixado de ser um garoto pobre, Jules, mas ele ainda está dentro de
você. Comportar-se de forma irresponsável e indigna para com sua esposa que, a qualquer
momento voltará a si, e para com a nossa amiga, revelando intimidades que não nos caber
saber, é uma total indelicadeza. –empertigou-se Sonia enfrentando-o sem esboçar emoção.
- Demorou muito tempo para jogar isso na minha cara, non? – quase sorriu.
-Quem você respeita, imperador? – ela debochou com arrogância.
-Chega, Sonia! – pediu François.
- Eu a respeito, Sonia, tenha certeza disso. – disse Jules cuspindo cada palavra: - Não
é fácil aceitar que o marido tenha dormido com uma mulher como a minha mãe, vinte anos
mais velha que ele, abandonada por três homens diferentes e... como vocês duas
disseram?...ah, inocente e submissa. Mas ele quis esta mulher, e ela preferiu ficar sozinha. –
voltou-se para François: - Você não é o meu pai. Chega de encenação.
- O que está acontecendo com você? –implorou François.
-É ela. – afirmou Sonia, apontando para Amanda.
Jules voltou-se para Amanda e fitou-a como se fosse a primeira vez. Alguma coisa a
mais estava ali, dentro daqueles olhos escuros, tristes e furiosos, alguma coisa entre doçura
e impetuosidade. Se as narinas não estivessem dilatadas, numa manifestação patente de
enfurecimento, ela afirmaria que até mesmo as trevas, que emergiam de dentro de Jules,
eram plácidas. Mas não eram. Ele beijou-a na testa e entrelaçou seus dedos nos dela.
-Não peço que aceitem Amanda, pois a aceitação de vocês ou de qualquer outra
pessoa pouco me importa. – disse controlando-se novamente.
- Rochelle...- começou Sonia, mas foi interrompida por Jules.
- Rochelle será transferida para uma clínica. - enfatizou, firme. - Se quiserem, aqui
está o número do amante dela. Avisem-no que estará disponível para visitas. E se ela
acordar, deem minhas felicitações, s'il vous plaît.
Tirou um de seus cartões, escreveu rapidamente o nome de Jacques Rodin e um de
seus supostos celulares e jogou-o sobre a mesa. Com um gesto de cabeça, despediu-se de
todos, pegou Amanda pela mão e encaminhou-se para o corredor de saída. O mordomo

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

alcançou-lhes os casacos e ajudou-os a vesti-los. O homem sorria com simpatia. O que será
que Gerard já ouvira ser dito sobre ela e Jules?

Capítulo XIV

No caminho de volta ao loft, Jules permaneceu em silêncio. O semblante


circunspecto parecia uma escultura de mármore frio e rígido. Atento ao trânsito, manobrava
o automóvel com precisão e sem pressa. Diante do sinal vermelho, resolveu fazer uma
ligação. Amanda observou no seu relógio que eram onze horas e fitou-o curiosa. Jules
piscou-lhe o olho, sem sorrir.
- Armand, quero que prepare os papéis do divórcio. – determinou ao advogado. –
Qualquer informação que precisar, entre em contato comigo, imediatamente, não importa o
horário.
Divórcio?, pensou aturdida, e, com certeza, o advogado também.
- Oui, meu divórcio, claro. – acrescentou de forma incisiva. – Agilize-se, s'il vous plaît.
Antes que Amanda pudesse inquiri-lo sobre o assunto, afinal ele estava levantando
do chão uma das estruturas de sua vida, que era o seu casamento, Jules telefonou para
outra pessoa. Parecia determinado a não deixar ninguém dormir enquanto não resolvesse
certas pendências.
- Christine? Oui, bien et toi?...Escute, vocês haviam-me sondado para ser presidente
do centro social... Claro, eu sei, Geneviève queria muito... - Jules endereçou-lhe um olhar
rápido e impaciente, depois tornou a falar com a mulher: - Vou ser direto. Aceito a função e
ofereço uma de minhas propriedades como sede, no lugar daquela casinha que alugam,
minha mansão, e estará desocupada até o final desta semana... -reduziu a velocidade e
entrou no estacionamento do prédio onde moravam. – Posso falar, Christine? Agradeço
todos os elogios, merci, o trabalho de vocês é que é excelente. Tenho de desligar. Au revoir.
–finalizou apressado e sabendo que a informação sobre a desocupação da mansão, espalhar-
se-ia feito rastilho de pólvora.
Parou o automóvel na sua vaga e desligou o motor. Deitou a cabeça contra o suporte
do banco e expirou todo o ar dos pulmões. Virou-se para Amanda e perguntou-lhe
serenamente, dois dedos tocando-lhe o queixo carinhosamente.
- Quer que eu afaste Geneviève do centro social? Você tem todo o direito de me
pedir isso, ela comportou-se de forma totalmente inadequada.
Ele tinha um jeito de falar que a encantava, um cuidado para com o uso das palavras
e frases. E fazia o mesmo quando escolhia o vinho, a comida, as roupas que usava, as
pessoas em sua vida, os negócios. Critérios sofisticados. Uma peculiaridade cuja beleza
transparecia no seu modo de falar, de pensar e decidir. Se fosse outro poderia ter dito que
Geneviève comportara-se como uma vaca, uma louca, uma histérica... Mas Jules optara por
“comportamento inadequado”. Não pôde evitar a risada. Ele alçou a sobrancelha, intrigado.
-Ela é uma vaca, Jules. – constatou Amanda, divertida.
Jules sorriu e assentiu levemente com a cabeça.
-Sonia também é uma vaca. – confessou ele com naturalidade.
O modo como falou foi tão espontâneo, que Amanda não conseguiu conter uma
sonora gargalhada.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Deixe-a no centro social, ela está se dedicando bastante e tenho que separar uma
coisa da outra. – deu de ombros, resignada: - Não gostei de ter sido espezinhada hoje, mas,
como mulher, entendo o que Geneviève sentiu ao saber sobre nós. De certa forma, acho que
ela estava investindo em você para o futuro e talvez motivada por Sonia. – considerou
gravemente.
-Você tem razão. Só não entendo a atitude de François, paparicando Touleause e
participando dos complôs de Sonia. Não sei mais quem ele é, se é que algum dia eu o soube.
– declarou numa voz cansada.
- Não quero que brigue com todo mundo por minha causa. –pediu-lhe e acrescentou
suavemente, mas com bastante ênfase: - O que está fazendo quanto à Rochelle, digo, a
clínica e o divórcio, não é necessário. Nossa vida está ótima agora que estamos juntos,
perfeita.
Ele assentiu com a cabeça, sem dizer nada. Como ela ainda o encarava à sua espera,
Jules mordeu-lhe levemente a ponta do nariz e saiu do automóvel.

Quieto na cama. Os dois braços cruzados debaixo da cabeça, fitava o teto com ar
pensativo. Vestia uma calça de malha cinza e camiseta de algodão branca. Ela encontrou-o
assim, no quarto, ao voltar do banheiro. Estava tão absorto em seus pensamentos, que nem
percebeu a camisola de renda, cor de marfim, curtinha que Amanda usava. Nem parecia o
Jules que conhecia. Desde a explosão no jantar, ele assumira uma atitude introspectiva.
Durante o trajeto de volta para casa, Amanda percebera-lhe mais concentrado em si mesmo,
não tenso ou irritado, e sim reflexivo. Como se pesasse toda uma existência sobre os pratos
de uma balança. E tal processo, provavelmente, vinha acontecendo já havia algum tempo.
Ninguém mudava (quando mudava) de um instante para o outro.
Deitou na cama e virou-se para ele. Estendeu a mão e fez-lhe um carinho na testa.
- Preciso de um tempo para mim. – pediu-lhe como se desculpasse.
- Tudo bem. – concordou e beijou-o levemente nos lábios. –Caso queira conversar,
estou aqui, do seu lado. – emendou com um sorriso.
- Eu sei. – murmurou.
Acordou mais tarde com frio. Tateou à procura de Jules, na cama, e não o encontrou.
Da amurada do mezanino, verificou a claridade suave da televisão na sala. Desceu os
degraus meio tonta, sonolenta. Deitado no sofá, com uma manta jogada sobre as pernas,
Jules assistia a um programa na tevê. Ele não sofria de insônia, até o momento. Mas parecia
que não dormira nem um minuto sequer naquela noite. Parou, sem saber se avançava ou
aguardava que a visse. O que ele queria, ela não sabia: solidão ou companhia.
Jules enfim viu-a no meio da sala, descalça, com os cabelos em desalinho e a feição
preocupada. Afastou a manta e bateu levemente no sofá, convidando-a para juntar-se a ele.
Não precisou de um segundo convite.
-Não consegui dormir. – disse baixinho, enquanto ela ajeitava-se no sofá, abraçando-
o na cintura e deitando a cabeça em seu tórax.
-Devia ter me acordado... -murmurou, sentindo-se envolvida pelo calor do corpo
dele.
-Não tive coragem, você parecia tão feliz dormindo. –declarou sorrindo e beijando-
lhe a testa.
-É sobre o escritor Pierre Leverne? – indagou-lhe bocejando ao ver algumas cenas do
programa.
- Oui, mademoiselle Rossi – brincou.

91
Obsessão em Paris  Veronique Gris

As imagens na televisão se sucediam em cores densas, inundando a sala de uma


tênue claridade. Aconchegada ao corpo tépido e cheiroso de Jules, Amanda sentia-se
envolvida por ondas de sentimentos que trafegavam em várias direções. As últimas decisões
que ele tomara haviam rompido de vez um ciclo. E todas elas foram decididas somente por
ele. Viviam juntos. Moravam juntos. E ele não compartilhava totalmente sua vida com ela,
não dividia a decisão em relação ao futuro dos dois, tornando-a uma coadjuvante no
relacionamento.
-Queria saber uma coisa... – começou, o rosto colado na camiseta dele e um braço
sobre a sua cintura.
Jules mexeu-se e puxou-a mais para si.
-Humm... -murmurou, diminuindo o volume da televisão através do controle. – É
interessante para mim que você saiba? – brincou.
-Se for interessante apenas para mim, você fala? – retribuiu a brincadeira, virando o
rosto para encontrar o dele.
-Claro, sempre foi assim. – pegou-lhe o queixo e afastou-a um pouco de si, indagando
com olhos sérios e perscrutativos: - E será de fato bom para você saber a resposta?
-É um risco que corro. – murmurou sem desviar-lhe o olhar.
-Então facilitarei para você a situação. – decidiu-se por fim no tom que usava para
repassar-lhe tarefas complicadas. – O que aconteceu na casa de François foi lamentável e de
mau gosto, mas valeu a fim de esclarecer alguns pontos.
-Você é movido por combinações e acordos, não? – refletiu em voz alta.
-Sempre que posso, já que não é da minha natureza cometer injustiças. – disse sem
rodeios.
-Ah, aquilo que me propôs no Café... os seis meses de teste...era um acordo, então? –
indagou desconfiada.
-Foi uma sugestão apenas. – afirmou convicto.
- Caso não dê certo entre nós, você deve ter outro plano guardado na manga, não é
mesmo? – perguntou-lhe com uma ponta de ironia.
-Todos nós temos os nossos coringas. – comentou no mesmo tom.
-Se é um jogo, porque me sinto em desvantagem, Jules? Por não saber que era um
jogo ou por que a minha aposta foi a mudança radical da minha vida?
-Minha vida também mudou. Rochelle sairá da minha casa e logo estarei
divorciado...além de ter rompido com uma amizade de duas décadas. –disse-lhe num tom
sério.
-E o que isso tem a ver comigo? Que eu saiba não fui convocada para compartilhar de
suas decisões. Minha opinião nem foi cogitada. –reclamou irritada.
- Não costumo dividir decisões, você sabe. Agora, pare de bancar a esposinha
ofendida e pergunte logo o que quer saber? – indagou-lhe com impaciência.
-Vai pro diabo...você e sua prepotência. – disse emburrada.
Ela tentou levantar-se do sofá, mas foi presa por duas tiras de aço ao redor de seu
corpo, braços que a esmagavam contra o sofá.
- Quer falar sobre os seus riscos? Pois lhe digo, mínimos. Este apartamento é seu,
está no seu nome e isso já lhe vale como indenização. Quanto ao emprego, consigo-lhe uma
ótima colocação em qualquer uma das oito subsidiárias da SBO. O que mais a preocupa,
Amanda? Se ainda trepo Geneviève? Se ainda amo Rochelle? Se quero matar Jacques? O que
mais quer saber, Amanda Rossi? – perguntou-lhe num tom baixo e exasperado.

92
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Você me ama? Que pergunta idiota. Ninguém deveria sentir-se obrigado a perguntar
isso a outra pessoa. E se devesse...já saberia de antemão a resposta.
-Não me importo com o seu dinheiro ou com a suposta segurança que me dará ao
considerar o fim do nosso... da nossa relação. Importa-me saber é porque estamos juntos.
afinal? – declarou com voz embargada pela emoção de perceber que boa parte das coisas de
amor que ela conhecia eram absurdas.
Ele levantou-se do sofá, acendeu a luz do abajur de pé e desligou a televisão. Dava a
noite e a conversa por encerradas. Estendeu-lhe a mão e disse um tanto incomodado pela
pergunta dela:
-Vamos dormir.
Como ela nem se mexeu e ignorou-lhe a mão estendida, Jules sentou-se na ponta do
sofá ao seu lado e fitando-a seriamente replicou:
-Estamos juntos porque funcionamos bem juntos. Simples, assim.
Não, não era nada simples, ela pensou. Ponderou se era razoável que prolongasse
uma conversa que somente daria voltas em torno de si. Ela queria ouvir dos lábios dele um
combinado de três palavras que provavelmente não ouviria. Todas as evidências cotidianas
apontavam para uma direção: Jules desejava-a sexualmente e precisava dela como sua
assistente-executiva. Querer mais do que isso era tão-somente sustentar vigas de concreto
em paredes de fumaça.
-Que seja. – sussurrou resignada.
Encarou-a intrigado. Se ele não compreendia o desânimo de sua resposta, então não
sabia nada sobre ela. E os seus sonhos idiotas de amor, Amanda pensou, aceitando-lhe a
mão, entrelaçando seus dedos nos dele e acompanhando-o de volta ao quarto.

O despertador tocou; eram sete horas. Esfregou os olhos e bocejou. Estava quentinha
debaixo do edredom. Um braço masculino ao redor de sua cintura. Num impulso, beijou-lhe
levemente na boca. Mas não lhe bastou. Com a ponta da língua, desenhou o contorno do
seu lábio inferior, um pouco mais grosso que o superior e muito bom de provar, ela
constatou todas as vezes que o fez. Deslizou a língua para o queixo másculo, sentindo a
aspereza dos pontos da barba, enquanto suas mãos invadiam-lhe as costas por debaixo da
camiseta, delicadamente, mal lhe tocando a pele. Afastou-se o suficiente para constatar que,
após passar a noite acordado, ele sucumbira a um sono profundo. Poderia fazer o que
quisesse, pensou com malícia e essa constatação excitou-a ainda mais.
A neve encobria o telhado de vidro, obstruindo a passagem da claridade do dia, uma
meia-luz suave banhava o quarto contrastando com os barulhos do cotidiano, quando
automóveis, pessoas e animais domésticos jogavam-se nas ruas para movimentar a cidade. E
ela, ali, na cama, com um homem lindo e dormindo inocentemente. Mordeu-lhe o lábio
inferior, esquadrinhando cada parte daquela figura alta e forte, do sexo oposto, da rudeza
sofisticada de sua espécie. Uma mulher das cavernas, talvez a predadora da tribo, gritava-lhe
aos ouvidos: Pegue! Pegue! Pegue! Oh, sim, como o desejava e como ele frustrara-a na noite
anterior.
Ficou por sobre ele, sem tocá-lo, os braços ao redor do corpo de Jules sustentando-
lhe o próprio corpo. Desceu a cabeça lentamente até o pescoço dele e cheirou-o faminta e
contendo a fome, uma tortura que impingia a si mesma por prazer, prazer de desejar e
prolongar o desejo, desejando ainda mais. Sentou-se com as pernas abertas, mantendo o
seu corpo alguns centímetros acima da cintura dele. Ergueu-lhe a camiseta até o tórax e
lambeu-lhe os mamilos; em seguida, jogou longe a própria camisola e esfregou

93
Obsessão em Paris  Veronique Gris

delicadamente os seios, num vaivém lânguido, ao longo de toda a extensão do seu peito.
Nesse instante, Jules mexeu-se, virou a cabeça para outro lado. Ela parou, mantendo o ar
nos pulmões. Voltou à carga, mordiscando-lhe as costelas e descendo os lábios até o elástico
da calça. Ali, havia uma barreira e tanto. Talvez a imigrante fosse interditada na alfândega,
pensou com luxúria, talvez a brasileira conseguisse invadir a França e deixá-la de joelhos,
conteve a risada. Sentia-se poderosa, dona da situação. Uma legitima fêmea alfa. Humm,
como era bom ser uma fêmea alfa... Deliciou-se com a ideia. Mas deliciou-se ainda mais ao
enfiar a mão por baixo da calça de malha e pegar no pênis duro dentro da cueca boxe.
Imediatamente fitou o semblante adormecido de Jules, intrigada. Poderiam, assim, agir
como duas entidades separadas? Perguntou-se, mentalmente, divertida. Estendendo a mão
para trás, ela segurou-o com força, observando a expressão do rosto dele. As sobrancelhas
franziram-se ligeiramente, como se estivesse sonhando ou, no próprio sono, sentisse a
pressão, completamente absorvido pela exaustão da noite em claro. Como ela não era uma
mulher má, amenizou a força de sua mão e - sem deixar de observar suas reações, pois era
isso que a deixava louca de desejo – incitou os movimentos cadenciados, devagar, a fim de
dar-lhe o prazer que também lhe dava ao vê-lo apertar as pálpebras como se nas
profundezas do inconsciente tentasse compreender as ondas de fogo que o consumiam.
Enquanto tocava-o com mais intensidade e num ritmo mais acelerado, inclinou-se sobre o
seu tórax, coberto por uma leve camada de suor e esfregou os seios numa carícia lânguida.
Apertou os lábios para conter o som alto e rouco de sua respiração ofegante. De repente,
duas mãos algemarem-lhe os pulsos como garras de aço. Surpresa, abriu os olhos. Num
gesto rápido e inesperado, ele a derrubou contra a cama, ao seu lado; com uma das mãos
prendeu os dois pulsos de Amanda, acima da cabeça e, com a outra, baixou um pouco o cós
da calça, pegou o pênis e penetrou-a com força, seguidas vezes, até vê-la entreabrir os lábios
e gritar. Chupou-lhe os bicos dos seios sem delicadeza e gozou agarrando-se nela,
abraçando-a com violência. Antes que ela se recompusesse, Jules virou-a de costas, ergueu-
lhe a coxa e a penetrou novamente, com estocadas profundas e rápidas. Mostrando em
cada arremetida que o tempo inteiro ele se deixara ser tocado, seduzido de forma passiva;
no entanto, agora, voltava ao comando. E ela, sentindo o corpo queimando e sendo
apaziguado num só tempo, adorou a ideia de dar-lhe o prazer de pensar que ele estava no
comando.
Alguns minutos depois, ainda sentia a força dele dentro de si; contraiu-se, e ele
gemeu, a boca contra a nuca de Amanda, o nariz enfiado em seu cabelo. Ela tentou mexer-
se, mas foi contida por um braço rodeando-lhe a cintura. Mais uma vez, penetrou-a fundo,
quase imóvel, mexendo apenas o quadril. E parou. A mais uma tentativa de desvencilhar-se
dele, era pressionada contra o colchão, agora, pelo corpo inteiro de Jules. De olhos abertos
cujas órbitas congestionadas intensificavam o negrume do olhar, ele brincava, provocava e
simulava desinteresse. O semblante exibia uma expressão entre desafiadora e irônica, como
um guepardo divertindo-se com a presa. Amanda fingiu sucumbir ao seu domínio e relaxou o
corpo. Ele esquadrinhou-lhe a face e, após uma rápida avaliação, cedeu a pressão sobre ela
que - percebendo-se livre e excitada com o joguinho de caçador e caça – soltou-se dele e
rolou para o outro lado da cama.
-Agora, terei de puni-la severamente... – disse-lhe simulando seriedade.
Com apenas uma mão, agarrou-a, segurando-lhe no ombro e virando-a para si. Em
seguida, teve as pernas presas entre as dele e os braços, dominados por uma de suas mãos;
a outra, livre, desceu para entre as pernas dela e, habilmente, tocou-lhe até encharcá-la de
lavras incandescentes.

94
Obsessão em Paris  Veronique Gris

- É bom, non? – murmurou-lhe junto ao ouvido. – o poder... é bom. – provocou-a.


Por mais que tentasse falar, as palavras haviam-se despido de conteúdo e
significados e também estavam debaixo de Jules sendo açoitadas por sua mão.
-Vai se comportar? – indagou-lhe com uma sobrancelha alçada, desconfiado.
Ela só pôde assentir levemente, já que o cérebro mantinha-se funcionando apenas
para fazê-la respirar e sentir cada toque do homem. E ele tocou-a ainda mais, soltando-lhe
os pulsos e passando as mãos por todo o seu corpo, friccionando-o, detendo-se nos seios,
que foram apalpados e esmagados, os bicos lambidos, enquanto o passeio tomava o rumo
onde o caminho bifurcava-se e foi ali que ele descansou a língua, em movimentos circulares,
brincando com o clitóris, chupando-o. Ergueu-lhe as pernas sobre seus ombros, e enfiou o
rosto entre suas coxas e lambeu-lhe o sexo todo, com dedicação, masturbando-a com a
língua. Ele tencionava, por certo, matá-la devagar, sequestrando-a para um mundo de
sensações quentes e molhadas, chumbo derretido, sol escaldante, uma energia, cáustica e
aniquiladora, jorrava-se de dentro dela, pelos poros, pela garganta, pelo sexo. Morreu e
voltou. O cabelo molhado e os músculos tremendo. Se era o corpo que fazia amor; por que a
alma transportava-se para outro mundo e quando regressava, plena, sentia-se ainda mais
livre mesmo presa?
Ela não conseguia pensar. O coração acelerado, a respiração descontrolada, os
terminais nervosos lançando chispas em curto-circuito. A pele avermelhada. Gemidos
roucos. Respiração resfolegante. Gritou. Uma bolha de fogo implodiu dentro do corpo,
inundando de magma.
Jules abandonou-a sozinha na cama, levantando-se depois de fazê-la gozar, numa
atitude de quem diz: viu, sou eu quem manda aqui. Despiu-se totalmente no quarto,
deixando as roupas pelo chão, enquanto fitava-a deitada e exausta, olhando-o com aquela
cara típica de mulher satisfeita, por um breve período, mas plenamente satisfeita. Ele sabia
reconhecer essa expressão, ela compreendeu, e, mais do que isso, ele sabia como deixá-la
com essa expressão. Sorriu fracamente e balbuciou:
-Eu me vingo.
Ele riu com vontade, dando-lhe as costas e exibindo sem timidez alguma a nudez.

Na sala, debaixo do mezanino, uma mesa de madeira rústica, recebia toda a


parafernália típica de um café da manhã para pessoas com fome. Jules, apesar de magro,
estava sempre faminto. E fora ele próprio quem preparou a mesa do café. Vestido no terno
escuro e pronto para o trabalho, lia calmamente o jornal. Relaxado, novo em folha. Limpo,
cheiroso e saudável. Amanda às vezes pensava se a autoconfiança era um dom herdado ou
uma característica adquirida. Algumas pessoas compravam-na na farmácia e outras nos
consultórios de cirurgia plástica ou nas universidades. Mas a natural, a de Jules, por
exemplo, que raras vezes cambiava para a arrogância e naturalmente era acrescida pela
simpatia e gentileza, essa, de onde provinha?
Escolheu um vestido justo, de lã, verde claro e de mangas compridas. Optou por uma
botinha de couro, sem salto. Olhou-se mais uma vez no espelho e percebeu que alguma
coisa estava errada: ou eram as botas que tornavam suas pernas grossas ou o vestido que a
deixava com o traseiro grande. Andou de um lado para o outro examinando o seu reflexo,
até que ouviu uma voz grave vindo do primeiro andar:
-Amanda, fale com Dorian para marcar uma reunião com os diretores e gerentes para
às 10 horas. E entre em contato com monsieur Koskinen, houve uma mudança nos planos.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Amanda desceu os degraus da escada, pensativa. Teria de voltar à academia e perder


alguns quilos. Sentou-se na cadeira em frente a Jules, fitou os pães, geleias, queijos,
croissant e tudo que deveria evitar a partir da constatação de que não era mais uma
menininha e não conseguiria perder peso com a facilidade de antes. Voltou-se para Jules que
a fitava com olhar intrigado:
-Acha que estou gorda? –fez uma careta.
-Non...- em seguida, ordenou: - Ligue para Dorian e repasse tudo o que lhe falei. –
determinou, voltando a ler o jornal. – Se é que ouviu alguma coisa.
-Você jamais diria que estou gorda; é diplomático demais. – constatou com
menosprezo. – Sinceridade é algo legal, sabia? –alfinetou-o.
Ele não desgrudou os olhos do jornal ao responder-lhe:
- Se você estivesse gorda e eu concordasse; em que tipo de encrenca me meteria?
-Então estou gorda! – quase gritou.
- Não disse isso. – defendeu-se.
Serviu-se de café preto e ignorou os carboidratos que tanto amava.
-Sei o que tenho de fazer, monsieur Brienne, e já combinamos que não falaremos
sobre trabalho em casa. – afirmou incisiva.
-Certo. Ligue para Dorian, então. – disse e, antes que ela reclamasse, baixou o jornal
e sorriu com charme –Essas tarefas, agora, pertencem a Dorian e Assíria. O cargo de
assistente pessoal foi extinto e você foi demitida. Agora, vê se come alguma coisa, estou
quase vendo suas costelas. –completou ainda sorrindo e voltando a ler a previsão do tempo.

Capítulo XV

Chegaram à empresa em carros separados, pois, caso um dos dois tivesse que se
ausentar do escritório, o outro não ficaria à mercê dos táxis. Como Amanda pisava no
acelerador com bastante facilidade, adentrou o estacionamento subterrâneo da SBO antes
de Jules. Ao fechar a porta do automóvel, o Citroën estacionou ao lado. Jules baixou o vidro
e disse-lhe antes de descer:
-Percebi, pelo menos, umas vinte manobras perigosas, mademoiselle.
Ela sorriu e acionou o alarme. Aguardou Jules em frente ao elevador.
-Se fui demitida, por que tenho de vir trabalhar?
-Deve cumprir o contrato, Rossi. – afirmou, sério.
-É alguma brincadeira? – franziu as sobrancelhas, cismada.
-Já lhe disse em casa, Sonia criou esse cargo e não me parece mais útil. Repassarei
suas antigas funções às secretárias.
-Então elas cuidarão da sua roupa na lavanderia, da compra de seus sapatos italianos,
a escolha da sua roupa de trabalho ao longo da semana, a lavagem de seu automóvel, das
anotações nas reuniões, das.... -listou exasperando-se.
-Cuido sozinho disso tudo. – interrompeu-a: -Não preciso desperdiçar o potencial de
um profissional para esses detalhes. –confessou de forma coerente e seguro do que falava.
Sim, para variar, estava tudo antecipadamente decidido.

96
Obsessão em Paris  Veronique Gris

As portas duplas do elevador abriram-se e os dois entraram. Amanda apertou o


botão do andar da presidência e baixou a cabeça, procurando por respostas no carpete.
Algumas peças se juntavam, pedaços de conversas, como um quebra-cabeça. Ela estava
tranquila quanto ao seu futuro profissional na SBO. Mesmo por que Paris não era a SBO,
havia tantas outras empresas que poderiam absorvê-la como executiva. Entretanto, evitava
considerar a possibilidade de deixar a empresa que a acolhera havia cinco anos e que
representava uma parte muito importante na sua vida. No início do ano, Marion havia-lhe
sugerido que participasse de uma das seleções internas para o cargo de gerente. À época, tal
possibilidade nem lhe passara pela cabeça. Jamais abriria mão de ser assistente de Jules.
Mas, agora, tendo sido demitida no café da manhã, de uma forma tão charmosa, ela
considerava a sua transferência para alguma gerência disponível. Se estava preparada?,
perguntou-se olhando o ex-chefe de esguelha. Sim, estava. Aprendia-se muito com os
workaholics, essa verdade era inegável. Cinco anos de intenso treinamento, concatenando
todos os setores organizacionais, lidando com diretores, chefes de departamento,
assistentes, secretárias e o pessoal terceirizado. Conhecia todos os meandros
administrativos, interessava-se particularmente pela área de produção, apesar de não
possuir uma formação acadêmica como engenheira da computação. Cada peça de
computador ou programa que era criado nas fábricas, ao largo dos oito países europeus
onde estavam as subsidiárias da Societé Brienne d’Ordinateurs, interessava-a ao ponto de ela
participar de palestras e workshops promovidos pelos departamentos responsáveis. A
paixão pelo trabalho já lhe era natural, desde quando vivia em Porto Alegre, mas fora ao
lado de Jules que descobrira a paixão pelo lugar onde trabalhava e a vontade de conhecer
tudo a respeito do produto que fabricavam. Assim, mesmo que Jules a transferisse como
chefe de departamento, ficaria satisfeita com a oportunidade e motivada a mostrar um
excelente trabalho como executiva.
Saíram do elevador. Jules cumprimentou as secretárias discretamente e enfiou-se na
sua sala. Antes de segui-lo, Amanda aproximou-se do balcão onde Dorian digitava no
notebook novinho, produzido na fábrica de Lyon, e pediu que a acompanhasse até a sua
sala. Assíria olhava de uma para outra, demonstrando uma imensa vontade de saber os
motivos do solene convite.
Fechou a porta atrás de si; em seguida, foi até a outra porta, a que dividia o seu
escritório do de Jules. Após retirar o paletó, ele o jogara sobre uma poltrona e sentara-se à
mesa a fim de preparar-se para a reunião da manhã. Ao vê-la fechando a porta, franziu o
cenho, ao que Amanda respondeu-lhe com um sorriso:
-Não queremos incomodá-lo, monsieur.
Voltou-se para Dorian, cruzou os braços à frente do corpo e observou-lhe o rosto não
muito bonito.
-Monsieur Brienne quer que você convoque todos os diretores e gerentes para uma
reunião às 10 horas.
- Eu? – indagou-lhe confusa.
As reuniões planejadas eram convocadas por Dorian. No entanto, as emergenciais,
decididas em cima da hora pela presidência, ficavam a cargo da assistente marcar e
confirmar a presença dos convocados. Nem que tivesse que buscá-los em suas salas.
-É, você. E agora. – retorquiu sem rodeios.
-Certo. Monsieur Brienne notificou-me a respeito de algumas mudanças
administrativas e disse que me seriam atribuídas algumas de suas tarefas, quero dizer,

97
Obsessão em Paris  Veronique Gris

outras, não é mesmo? – alfinetou-a. E sem razão, uma vez que Dorian fora contratada para
Amanda disponibilizar mais tempo dedicando-se ao presidente... literalmente, pensou.
-Quantas forem necessárias, Dorian. –afirmou sem poupá-la. Depois lhe disse num
fôlego só: - Fui demitida.
Dorian empalideceu.
-Mon Dieu! Se você foi demitida é porque a SBO está falindo...-olhou para os lados à
procura de terra firme. –Que aconteceu? Oh, já sei...As brigas, você passou dos limites, claro,
merdè!, insubordinação...Monsieur Brienne é paciente, mas não deixa de ser o poderoso
chefão!
Pela primeira vez, percebeu um sinal de verdadeira amizade por parte de Dorian.
-Não, ele não é o poderoso chefão. – tentou apaziguá-la. – Acho que irá transferir-me
para alguma chefia. – disse tentando sorrir. –Pelo menos, fica mais perto do refeitório.
-E quem ficará no seu lugar? Ai, non, non, um daqueles menininhos com cabelo cheio
de gel e falatório de recém-formado em Administração! Engravatados que mal saíram das
fraldas. Ou pior, uma fresca que mandará em mim como o faz com sua copeira. –lamentava-
se Dorian.
Amanda não pôde evitar a risada.
-Não se preocupe, o cargo foi extinto. Monsieur Brienne cresceu, já é um
homenzinho e não precisa mais ser cuidado por mim. –comentou com ironia.
-Que droga! Isso é tão estranho. –comentou Dorian apertando os olhos como se
assim enxergasse uma luz no fim do túnel.
Amanda encaminhou-se até as janelas e afastou as cortinas. Enquanto organizava a
sala, indagou a outra:
-O que é estranho? Eu ser demitida?
-De certa forma... –disse ainda pensativa e recuperando-se da nova situação.
Comentou com naturalidade: -Bem, eu e Assíria tínhamos certeza de que o chefinho tinha
uma queda por você. –afirmou sorrindo sem jeito. –Mas, agora, sei lá. Se ele gostasse
mesmo de você, daria um jeito para ficarem pertinho, viajando, como sempre o fizeram,
non?
Virada para a janela, diante da vista panorâmica de Paris, Amanda sentiu o sangue
subir à face. E se Dorian soubesse que eles ficavam mais juntos, muito mais juntos, fora do
escritório? Virou-se para ela e procurou agir como quem se espanta diante de um absurdo:
-Quedinha por mim? –balançou a cabeça e completou: -O amor da vida dele é o
trabalho.
-Será mesmo? Olha só, Geneviève desapareceu desde a apresentação daquele
programa, que, por sinal, mostrava você, Amanda, como uma espécie de fiel escudeira de
monsieur Brienne...Além disso, semana passada, ele pediu-me uma relação de clínicas que
hospedassem doentes em estado de coma e...
Antes que Dorian concluísse sua linha de pensamento baseada em algum seriado
norte-americano de investigação policial, interveio:
-E, agora, me põe no olho da rua. É, ele me ama. –brincou, nervosamente.
-Você é cega? –desferiu-lhe.
-Dorian, a reunião. – alertou-a.
-Oui, oui... Mas você é ceguinha mesmo, Amanda! –insistiu: -Quer vê-lo com outra?
Depois não diga que não lhe avisei! Os brasileiros são lentinhos como você? – brincou,
mostrando a língua para Amanda. –Aprenda conosco, chèri.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Ah, é? E como está o romance com o cantor suíço? Você não falou mais sobre ele. -
mudou o rumo da conversa para um campo neutro.
-Acho que perdeu a hora para sempre ou foi detido pela imigração. –deu de ombros.
–Ou era mesmo o tal doido de que me falou. Que adianta saber? Pouco me importa, estou
noutra.
-Cuidado, Dorian, se ele for o Jacques...
-Apanhará feio de Filipe. –interrompeu com malícia.
Amanda não se espantou ao saber que Dorian e Filipe, um dos seguranças de Jules e
cantor de jazz nas horas vagas, estavam juntos. Os dois combinavam e, logo que a secretária
fora contratada, haviam tido um breve e intenso romance. Retomavam, então, o que haviam
deixado para trás, incompleto.
-Você gosta mesmo de artistas. –constatou sorrindo.
-Quê dizer?, são os melhores!
A porta de comunicação entre as salas foi aberta, e Jules encaminhou-se até Amanda
tendo nas mãos uma agenda e um calendário. Com a caneta, circulava alguns números do
mês anterior. Ainda lendo o que acabara de escrever numa das folhas da agenda, indagou a
Dorian:
-A sala da vice-presidência está pronta?
-Oui, monsieur. O decorador passou a madrugada trabalhando.
-Amanda... –Jules fitou-a, depois voltou sua atenção para o calendário na mão e
escreveu algo novamente na agenda.
Ao ouvi-lo chamar a assistente pelo primeiro nome, Dorian, que já estava com a mão
na maçaneta, voltou-se, visivelmente encafifada. Será que ele não havia percebido o
deslize?, pensou, nervosa. Acionou vários botões na mente para encobrir a falha.
-Monsieur Brienne, somente meus inimigos me chamam de Amanda. –soltou essa e
teve vontade de sumir.
Jules ergueu a cabeça e olhou-a com estranheza. Voltou-se para Dorian e depois para
ela e compreendeu a atitude desesperada dela.
-Tem inimigos, mademoiselle Rossi? – indagou com ironia.
-Bom, hã, é...pois é.-gaguejou.
Dorian estava adorando acompanhar o seu péssimo desempenho como atriz,
Amanda nem precisava fitá-la, à porta, o cenho franzido e a curiosidade corroendo-lhe as
tripas.
-Quando menstruou pela última vez? – Jules perguntou-lhe seriamente. E a pergunta
foi-lhe feita com tamanha seriedade que ela não o entendeu. Piscou os olhos seguidas vezes
e relançou um rápido olhar a secretária que quase perdia os olhos sobre eles.
-No computador. –respondeu sem pensar.
-Pardon? – alçou a sobrancelha, aturdido.
-Misturou... da última vez, tudo, nos arquivos do computador. – tentou disfarçar
sentindo uma secura dos diabos na garganta.
-Não estou para brincadeiras. –reagiu, impaciente.
-Agora, não. –murmurou.
-Oui, você está gorda. – afirmou secamente. E Amanda ouviu uma sonora exclamação
da secretária. Depois, Jules, ignorando a outra, encarou Amanda diretamente e o sulco na
testa denunciava o seu humor: -Peça a alguém para ir à farmácia e comprar um daqueles
testes instantâneos de gravidez. Quero o resultado na minha mesa dentro de meia hora, no
máximo.

99
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Saiu, batendo a porta atrás de si.


Dorian enfim largou a maçaneta da porta e foi até Amanda, que mal conseguia
respirar:
-Uau, ele é terrível!, que inferno você passa! Como monsieur Brienne se mete na sua
vida! –abraçou-a com força e depois prosseguiu tentando consolá-la: -Ei, não faz esta
carinha, não. Você não está gorda! Talvez um pouco inchada, mas não gorda! Gorda é a
Assíria.
Quando havia sido sua última menstruação? Começou a roer as unhas e ela jamais
roera as unhas.
-E eu que sempre tive um fraco por machos alfas...Epa!, vocês...ele... não pode ser! –
arregalou os olhos quando as válvulas de seu cérebro, enfim, esquentaram.
-Não, ele só falou isso porque... porque... –olhou ao redor, perdida. -Tudo bem,
estamos juntos, Dorian. – disse sentindo-se vencida.
-E ele a demitiu, porque engravidou... -concluiu afoitamente. –Isso não é certo.
Falarei com as outras mulheres e faremos um levante, chamaremos as jornalistas e
derrubaremos as ações da SBO!
Amanda desatou a rir até sentir os olhos cheios de lágrimas.
-Não estou grávida. Monsieur Brienne é cheio de suspeitas e um tanto controlador.
-Ah, coitada, estou com pena de você. – debochou. –Bom, se está tudo certo, terei de
encerrar o levante contra a empresa e marcar a reunião com os executivos...-antes de fechar
a porta atrás de si, disse com um sorrisinho maldoso: -Passou a perna na Geneviève, hein,
espertinha? Nada como aprender a arte da sedução com os franceses.
-Ei, Dorian, isso eu trouxe de casa! –provocou-a.

Diretores e gerentes ao redor da mesa de cedro. Na extremidade esquerda, o


presidente; na direita, uma cadeira vazia. Os executivos conversavam com controlada
descontração (atuação restrita a executivos), principalmente os gerentes, que,
normalmente, não participavam das reuniões com Jules e Touleause e, portanto, eram
poupados de cenas tensas que beiravam a discussões mais sérias. Ternos discretos e
aprumados, cabelos domesticados e unhas curtíssimas, um padrão. Três gerentes eram
mulheres; duas solteiras. Duas mulheres eram diretoras, as duas solteiras. Outro padrão,
Amanda verificou. Marion e Jordan, relaxados, trocavam informações que registravam, em
seguida, nos respectivos notebooks. A atmosfera estava mais leve e agradável, mas logo
seria contaminada pela presença insuportável do vice-presidente, constatou Amanda,
enquanto ajeitava-se na cadeira habitual, ao lado do presidente. Antes que Jules iniciasse a
reunião, ela trocou algumas palavras com a gerente de produção e o gerente de marketing
que seria transferido para a subsidiária de Londres, promovido a diretor. Ouviu atentamente
o gerente dissertar sobre as diferenças entre os climas da França e da Inglaterra. Era
fundamental que lhe desse toda atenção, pois, caso olhasse à sua esquerda, encontraria o
presidente analisando as deliberações que ele próprio havia anotado e entre uma virada de
página e outra, esbarraria num olhar interrogativo: você está grávida?
Como conseguira meter-se nessa situação? Desde quando ele pensava que ela
poderia estar grávida? E por quê? Porque faziam sexo todos os dias. Porque nem sempre
usavam preservativos. Porque ela estava mais gorda. Intuição masculina? Obsessão por
controle? Fato: gravidez não prendia ninguém a ninguém. Mas ele sabia que tal estado
tornar-lhe-ia mais propensa a aceitar a sua proteção e, com isso, o seu domínio. Não estava
preparada para ser mãe. Não queria por agora. Conhecia, havia cinco anos, Jules, o chefe;

100
Obsessão em Paris  Veronique Gris

mas, apenas há quase quatro meses, o homem. Eram iguais, o que lhe parecia óbvio.
Entretanto, a obviedade perdia efeito ao se analisar tantos homens que eram agressivos nos
negócios e submissos nos relacionamentos, ou predadores sexuais que tremiam diante de
uma possível promoção, com medo de fracassar ou medo de vencer. Jules era um só.
Controlador, centralizador, autoconfiante e dominador. O que queria, fazia. Uma
personalidade complexa. Quem se rebelava, não era esmagado e sim convencido, seduzido.
Manipulado. E Amanda sabia o quanto era fácil ceder, entregar-se e se deixar envolver por
ele. Era fácil e era bom. A lealdade a Jules era recompensada.
Ainda sentado e organizando suas folhas, umas sobre as outras, ele elevou um pouco
a voz a fim de chamar a atenção dos executivos:
-Tive sempre por política privilegiar quem já está comigo e que, justamente por isso,
dedica-se a SBO tanto quanto à sua vida... -olhou por cima de todos e acrescentou baixinho,
sério, mas em tom de brincadeira: -o que ainda não é o suficiente porém aceitável...- após as
risadas, continuou, solene: -Bien, a máxima que diz que time bom não se mexe, na
administração moderna, soa como uma falácia. Temos, em nossa empresa, o melhor time e,
segundo o que os senhores já devem ter ouvido comentar por meio da rádio-corredor,
haverá sim mudanças. – alçou uma sobrancelha enfatizando a afirmação.
Inclinou-se ligeiramente para frente, fitou os executivos por um minuto ou dois e
continuou expondo que o dinamismo de uma organização estava diretamente relacionado
às tendências do mercado, ao modo de se viver na atualidade e a inexistência de fronteiras,
ainda mais no campo da informática. A voz, mantida num tom brando e grave, modulava
cada palavra prendendo a atenção de todos. Expunha o discurso fitando cada um presente,
o semblante sério transmitia confiança. Em vinte minutos, Jules, sem precisar utilizar-se de
suas anotações nas folhas arranjadas à mesa, informou aos seus funcionários que algumas
subsidiárias necessitavam de nova injeção de fôlego e, para isso, diretores seriam
transferidos para outros países, e as vagas abertas por tais diretores, na SBO francesa,
seriam preenchidas pelos gerentes. Um efeito dominó, de baixo para cima, brincou Jules
sem sorrir. Novamente, os executivos riram, agora, ainda mais satisfeitos.
-Chamarei à minha sala os diretores que serão transferidos e os gerentes
promovidos. –baixou os olhos para o papel e riscou um dos itens de sua breve lista.
A primeira parte da reunião acabara. Era sempre após o primeiro momento que
Amanda erguia-se a fim de chamar uma das secretárias para servir as canecas de café e
deixá-las ao lado de cada executivo. Ao levantar-se para seguir o protocolo, ouviu Jules
dizer-lhe baixinho:
- Sente-se, mademoiselle, ainda não terminei.
Fitou-o intrigada e constrangida. Tornou a sentar-se, devagar, analisando o tom sério
na voz do presidente, que, pela manhã havia quase lhe matado de prazer para, em seguida,
diante de Dorian quase lhe matar de vergonha. Ele recebeu seu olhar com indiferença e
prosseguiu falando para todos e, de certa forma, apenas para Amanda:
- Touleause não está mais entre nós.
Se tivessem ensaiado não sairia tão perfeito, uma sucessão de “ohs!” reverberou pela
sala inundada pela claridade branca da manhã de inverno. Rapidamente, o presidente
consertou a situação:
-Ele não morreu, messieurs e mesdames. – declarou impassível.
E os senhores e as senhoras controlaram-se para não exclamarem “oh!” outra vez,
agora, ainda mais desapontados.

101
Obsessão em Paris  Veronique Gris

-O que quero dizer é que Touleause não é mais funcionário da SBO. É importante
para mim que o meu vice seja alguém dedicado, inteligente e siga a minha visão empresarial.
E ninguém melhor que mademoiselle Rossi. – falou diretamente.
Dentro da cabeça de Amanda, uma lâmpada ligou, mas ela não era um gênio, e a
lâmpada explodiu. Ao explodir, um lampejo de luz cegante fez com que ela se lembrasse do
último diálogo com o vice-presidente. Faltava café na sala. E por causa do choque ao ouvir o
próprio nome e receber dezenas de olhares, um mecanismo bastante intrincado e
misterioso do cérebro humano fê-la lembrar-se de que o bule de inox com o café preto não
estava sobre a mesinha e fora isso que estimulara a última queda de braço entre Jules e
Touleause. Ergueu-se, então, e pensaram que fosse agradecer o convite e discursar sobre a
Nova Era da Vice-Presidência. Entretanto, permaneceu imóvel, procurando um jeito de
organizar melhor o processo de enchimento de café em vinte canecas. Não conseguindo
resolver a equação, voltou-se para o presidente que a fitava ainda sentado, com curiosidade.
Anunciou séria:
-Vou buscar o café.
Um minuto de silêncio. Pessoas que calculavam e analisavam, impactadas diante de
uma afirmação sem sentido. Jordan, sempre com um cigarro apagado entre os lábios, ligou
uma coisa a outra, juntou dois e dois e, acompanhando o sorriso de Jules, bateu palmas,
seguido pelos demais na sala.
Planos ambiciosos. O sangue correndo forte nas têmporas. Anos atrás, no aeroporto
Salgado Filho, tendo como companhia uma bolsa imensa, ela mal sabia o que lhe
aconteceria em Paris. Juntara uns trocados após gastar toda a indenização do último
emprego na passagem aérea, guardando o pouco que sobrara para manter-se até regularizar
sua situação na França. Em pouco mais de dois meses, entregara seu currículo na recepção
de uma empresa que fabricava computadores. Naquele dia, vendera sua alma no mercado
de pulgas, os discos do Queen. Duas semanas depois, sentava-se na poltrona diante do
homem que, cinco anos depois, nomeava-a vice-presidente. Até os seus 23 anos, teve uma
vida pacata e lenta, como se os dias rastejassem-se desde a alvorada. Era uma outra vida,
quase outra encarnação. Em Paris, vivia intensa e profundamente. Uma velocidade que a
excitava e a apavorava.
Antes de encerrar a reunião, o presidente comunicou que viajaria à Finlândia a fim de
acompanhar de perto todo o processo de implantação da nova subsidiária. Ressaltou que já
postergara algumas vezes a viagem, mas, agora, sendo substituído por mademoiselle Rossi,
pessoa de estrita confiança sua, aproveitaria a oportunidade.
Ela apertou a mão dos executivos com um sorriso que denotava autoconfiança e
simpatia. Era aceita por aquele time, uma vez que o próprio presidente limpara o terreno
para a sua aceitação. A manobra de Touleause junto a François e o comportamento do
último ao tentar interferir na empresa, haviam provocado a avalanche de mudanças. Aí
estava a explicação para a súbita insônia de Jules. Voltara do jantar em silêncio, como se
matutasse alguma coisa. Era evidente que ele queria construir uma nova vida e, para tanto
era preciso destruir a antiga, ponderava Amanda, estendendo mais uma vez a mão e
apertando a de Jordan, que lhe desejou felicidades. E ela continuava a caminhar bem
devagar pelo labirinto intrincado de seus pensamentos... A transferência de Rochelle para
uma clínica... o telefonema ao advogado a fim de iniciar o processo do divórcio... a suspeita
de que ela estivesse grávida... a falta de cuidado ao acusá-la em frente a secretária e
conhecida transmissora de informações alheias...Amanda começou a sentir a testa porejar
de suor frio e ondas de calor espraiavam-se desde a base de sua coluna vertebral até

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

alcançar a parte detrás de sua cabeça. Tudo girava como um caleidoscópio. No chalé, a
sugestão de presentear-lhe com um apartamento que, mesmo não tendo aceitado, agora,
era fato concreto... A proposta para viverem junto e, mesmo tendo resistido, acabara por
ceder... Como fora a escolha do “presente”?, fácil lembrar: os primeiros apartamentos não
obtiveram a aprovação do seu financiador, e sim o loft. Amanda fora induzida discretamente
a escolher o loft, mais aos padrões do alto executivo... E a vice-presidência imposta, e não
conversada, discutida, ponderada entre ambos. O que ela pressentira que lhe fosse
acontecer um dia se confirmava de forma implacável: tornara-se uma prisioneira dentro de
sua própria vida. E fora manipulada por aquele que sempre conseguia tudo o queria. Uma
manobra engenhosa e tão boa, que ela acreditara que escolhera o rumo da relação de
ambos; no máximo, escolhera os novos móveis do loft. Pois nem a decoração da sala da vice-
presidência fora decidida por ela, Amanda percebeu depois.
Quando apertou a mão do último executivo enfileirado para cumprimentá-la, seu
sorriso era outro, forçado e impessoal.

Capítulo XVI

Diante do janelão envidraçado do escritório ao lado da presidência, sua antiga sala


como assistente-executiva, Amanda, com os braços cruzados numa atitude absorta, olhava o
prédio vizinho. E não era qualquer um, o prédio vizinho. Erguida por um conjunto de vidros
com vãos de bronze e alumínio, em cinquenta e oito andares mais o terraço, inaugurada em
1972, a Tour de Montparnasse abrigava cinquenta e dois escritórios e cinco mil pessoas.
Construída diretamente sobre o metrô, o prédio mais alto da França e, durante um bom
tempo, o mais detestado pelos franceses. Era a parte moderna, estilosa que revelava outra
faceta da cidade, a capacidade de ser duas em uma: a clássica e a contemporânea.
Dez minutos de alheamento e a tentativa de controlar as emoções perdia terreno
para sentimentos contraditórios e intensos. Sentia raiva de ter se tornado tão fraca e
submissa às vontades do amante; medo em aceitar a verdade do amor que sentia por ele e
frustração em relação ao que ele sentia por ela; fúria por ser jogada no novo cargo sem uma
discussão prévia entre ambos e um tanto de indignação por Jules tê-la constrangido diante
de Dorian sugerindo que estivesse grávida dele, como um homem das cavernas. Odiava-se
por ter perdido autonomia sobre sua vida. Amava-o como jamais amara alguém. Tinha
consciência, entretanto, que ocupava várias funções na vida dele como uma máquina
multifuncional da SBO, com extensão ao loft. Um móvel de escritório, como lhe dissera
Jacques. Objeto sexual fora da empresa. E agora o fantoche do presidente, a nova VP.
Ainda lhe restava uma migalha de dignidade? Ou apenas a pose patética de quem
pensa que a possui? Novamente as palavras de Jacques Rodin em sua mente. Ele estava
certo, e ela simplesmente o ignorara. Porque lhe era conveniente ignorar, sempre venerara
Jules Brienne. Ao longo de cinco anos, dedicara-se ao ponto de se pôr em segundo lugar. E
isso se assemelhava a uma das manifestações mais discretas porém imperativas do amor, do
amor louco, profundo, absurdo que sentia por aquele francês.
- Está no lugar errado.
A voz grave, masculina e familiar chegou-lhe aos ouvidos como um alerta de que
deveria mudar a rota de navegação. Enfrentaria mares bravios em busca de paz, esse

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

paradoxo fê-la virar-se para o executivo de olhar perscrutador. Teria ele um sexto sentido?
Procurou as palavras corretas e empertigou-se até estender a musculatura tensionada.
-É verdade. Levei cinco anos para perceber isso. – disse-lhe impondo um tom firme
na voz.
Jules estreitou os olhos, intrigado. Fechou a porta entre os dois escritórios e
aproximou-se com calma. Parecia sentir no ar as partículas de tensão, aquele início de
tempestade emocional que arrasa as pessoas; antes delas se levantarem do chão.
-Sobre o quê você está falando? –perguntou sem desviar os olhos, pondo-se tão
perto dela que Amanda afastou-se mecanicamente, sendo impedida por uma mão fechada
em garra ao redor do seu pulso. –Acreditei que entraria por esta porta e seria beijado, mas,
pelo visto, fiz algo errado. –constatou por fim.
Tentou soltar-se, puxar o braço, porém estava segura ao redor da algema que era a
mão dele. Respirou fundo e procurou controlar-se. Temia mais uma vez ceder a qualquer
coisa que Jules ordenasse. Temia perdê-lo. Temia perder-se para ele.
-Deveríamos ter discutido a respeito de minha transferência. – declarou fingindo um
autocontrole que se esvaía lentamente pelos poros.
-Todos os executivos foram informados sobre suas transferências na reunião; por que
com você seria diferente? –lançou-lhe um olhar duro, mas permeado de ironia e desafio.
-Não sou apenas uma funcionária sua. – afirmou erguendo o queixo e devolvendo o
desafio.
-A sua promoção tem a ver com o fato de você ser uma das inúmeras funcionárias da
SBO, e não por dormir com o presidente. É assim que temos de pensar, non? Caso contrário,
meu julgamento sobre o potencial dos meus profissionais fica um tanto subjetivo e,
digamos, inadequado. –interrompeu-se e perscrutou-lhe a feição antes de continuar de
forma séria: -Estranha essa sua preocupação em diferenciar-se dos outros, já que sempre fez
questão de me lembrar de que sua devoção ao trabalho é impessoal.
-Sempre fui bastante profissional, Jules. –salientou e ante o arquear irônico das
sobrancelhas dele, completou: -Entretanto, nesses últimos quatro meses, deixei de ser
apenas uma assistente-pessoal. Somos um casal agora e temos de tomar decisões em
conjunto, principalmente no que se refere a minha vida. – enfatizou.
-Ah, entendi, existe um divisor de águas aqui. –declarou com um sorriso debochado.
–Quem está zangada, a profissional que se sente tratada como apenas amante ou a amante
que se ressente pelo reconhecimento do trabalho da assistente? Qual delas é você agora,
Amanda? Decida-se, logo. Tenho uma empresa para dirigir e um cargo vital em aberto.
Homem de gelo, pensou, ouvindo os próprios batimentos cardíacos.
-Homme de glace – murmurou, a garganta bloqueada por um nó de tensão.
-O que está acontecendo com você?
Atrás de Jules, a torre de Montparnasse, o céu cinzento, a claridade preguiçosa
resvalando ora para o rosto dele, entalhado na pedra, ora para o cabelo azeviche, ora para
os olhos ensombreados pela dúvida e desconfiança.
-Atingi o meu limite, tentei avisá-lo quando me propôs os seis meses de... –ela parou
erguendo os olhos para o alto à procura do sentido e retomou: - teste. –enfatizou com ironia
e prosseguiu: -Tentei avisá-lo sobre a sua intromissão na minha vida e isso já não é de hoje.
Não sou uma ferramenta ou uma peça da sua empresa que está sempre a sua disposição e
também não sou a sua garota de programa que é presenteada por bom comportamento.
Não quero merda nenhuma de cargo que significa tão-somente mais um de seus tentáculos
controladores sobre a empresa, pois, se representasse algum tipo de reconhecimento ao

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

meu trabalho, eu seria transferida para um cargo mais modesto já que nunca, nunca fui
chefe de coisa alguma. Mas o que você quer e o que você decide estão acima de qualquer
um. Estou farta de ter um chefe no trabalho e um ditador na minha vida.
Procurou controlar o tom de voz de forma que ele compreendesse que falava sério,
não era uma crise de ego. Entretanto, à medida que a mágoa e o ressentimento emergiam,
ela já não conseguia mais se manter equilibrada e superior. A voz falseava, esganiçava-se e
perdia a força. Por um minuto ou dois, temeu soluçar. Doía vê-lo fitando-a com frieza,
segurando-lhe ainda o pulso e absorvendo-lhe as palavras sem interrompê-la e sem se
importar, uma vez que parecia decidido a resolver a questão de forma sensata e prática
como sempre.
-Seja mais objetiva, s'il vous plaît. – sugeriu, impassível.
-O que significo para você, Jules? –indagou num fiapo de voz, sentindo o próprio
queixo começar a tremer.
Por um momento, ele fitou-a profundamente e vasculhou-lhe o rosto com um olhar
circunspecto e até doce, mas, em seguida, reassumiu a expressão fria e pragmática:
-É a pessoa que mais confio, talvez a única.
Amanda sabia o quanto isso era importante para ele, e deveria sentir-se lisonjeada e
satisfeita com a resposta. Caso lhe fosse apenas a assistente, e não a mulher que o amava.
Ela queria mais. Lançou-lhe um sorriso fraco, sem vontade. Deu-lhe a entender que a
resposta não agradara. Ao que ele tornou a falar, sem largá-la por momento algum:
-Por acaso essa é a continuação da nossa última conversa? Está me pressionando
para assumir o quê? Quer ouvir palavras bonitas e melosas para se certificar de que a Terra é
redonda? Pelo visto, ainda está em busca de garantias. Sacrificando uma eficiente relação
em nome de quê, mon Dieu, de quê, Amanda? Está disposta a pôr abaixo a sua nova vida,
que inclui a sua ascensão profissional, por que eu não usei as palavras adequadas? Quer
ouvir que a amo, é isso? E depois de ouvir minha declaração de amor, aceitará a promoção,
o apartamento e a minha intromissão em sua vida. Veja o quanto isso é patético! –na última
frase elevou a voz. Perdia o controle, e ela jamais o vira naquele estado de agitação e raiva.
Apertava-lhe ainda mais o pulso, machucando-a e obrigando-a a fitá-lo. –E se eu mentisse?
Poderia dizer que a amo e fazê-la mudar de ideia, non? Afinal, Jacques Rodin inventou
algumas mentiras e levou-a para cama com bastante facilidade. –parou, esperando uma
reação dela; mas Amanda sentia-se sufocar e absorvia cada palavra como se ele proferisse
uma sentença diante de um tribunal: -Cinco anos... Cinco anos de cegueira absoluta. – disse
ele torcendo o canto da boca com desprezo. Referia-se a si mesmo ou a ela? Ela não
conseguia compreender o sentido de suas palavras.
-Devo-lhe agradecer pela casa, comida e roupa lavada? –perguntou com raiva. –A
minha parte que adora mentiras, agradece, já que tanto eu quanto você sabemos que nada
é oferecido por acaso.
- Oui, - afirmou secamente: -Por acaso, sente-se usada?
-Não, mas manipulada. –desferiu num fôlego só.
Ele sorriu friamente.
-É inegável o seu talento para distorcer as minhas ações. Olha que eu poderia dizer
que também fui manipulado. –apontou-lhe o indicador, balançando-a para cima e para
baixo. – Mas, convenhamos, houve uma troca entre ambos, non, mademoiselle? – provocou.
-Acho que sim, -respondeu insegura; depois de uma breve pausa acrescentou com
visível mágoa: -Minhas habilidades profissionais e sexuais pelo cargo e apartamento. Oui,
monsieur, foi justo.

105
Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Então por que insiste em me transformar num cretino? –indagou-lhe com uma
calma estudada, retomando o controle das emoções, mantendo-as na rédea curta como
sempre o fazia. –Oh, oui, porque eu não pronunciei as palavras mágicas. – debochou sem
mexer um músculo.
Amanda olhou para o rosto bonito, de expressão séria e ligeiramente melancólica e
viu um homem que seria abandonado pela terceira vez. Talvez ele se protegesse do amor,
permitindo que o mesmo não o alcançasse. Rochelle tentou amá-lo e por fim entregou-se a
Jacques, tão passional quanto maluco. Vivien, a mãe, a primeira mulher que o deixou na
mão, preferindo os homens problemáticos e violentos. Todas fazendo trocas descabidas. E,
agora, Amanda abriria mão do conforto, da segurança e do homem que amava. Uma troca
sem sentido, em princípio...
-Estou numa posição inferior a você, e para se manter qualquer que seja o
relacionamento, há que se ter um equilíbrio entre as partes. Eu te amo. E como se isso não
bastasse, o modo como eu te amo é assustador. Sou capaz de amá-lo para sempre e sei que
isso acontecerá. Desde que entrei na sua sala, desejei que me escolhesse porque... –
interrompeu-se diante da expressão ainda mais cerrada dele, perscrutadora, perigosa.
Engoliu as lágrimas, respirou fundo e continuou: -Toda essa minha dedicação não foi só
profissional, mas eu não sabia. Agora, sei. O que não me dá muitas vantagens. – riu-se com
amargor. –E por amá-lo dessa forma, vou deixá-lo. Não quero nada relacionado a você.
Retomarei minha vida do ponto em que deixei, antes de conhecê-lo. Ter sido sua assistente-
pessoal enriqueceu meu currículo; além do mais, não tenho medo de trabalhar. O que me dá
medo, pavor, é transformar o sonho de viver um relacionamento amoroso com você, Jules,
num relacionamento sexual baseado numa conveniência entre executivos. Você quer tudo
de mim, non? Até o meu útero... mas não dá nada de si. – debochou, sem sorrir. –Quer
também o meu amor?
Ele a olhava com tamanha intensidade que ela sentiu o ar faltar. Alguns minutos se
passaram, densos, aniquiladores.
-Esse tipo de romantismo estúpido deixou uma mulher que esperava coisas de mim
em estado vegetativo. E eu a amava. –interrompeu-se esfregando as têmporas, a expressão
cansada. Retomou o que falava devagar e racionalmente: -Aceite o chão sólido debaixo de
seus pés, Amanda. Isso é certo, é o que lhe ofereço. Proteção, segurança e conforto.
-Por que você não me ama, Jules?
Ele contraiu os maxilares com força, arou o cabelo com os dedos e demonstrou um
esforço supremo em conter-se.
-Acabou, então, Amanda. -decidiu-se convicto. -Não vejo porque prolongar essa
ceninha dramática. Acredito mesmo que deva reestruturar-se longe de mim, amadurecer
inclusive. Talvez o tempo faça-a ver como as coisas realmente são. Ficará surpresa ao
descobrir que o famigerado amor é um abismo, um desgraçado de um abismo. –completou
com impaciência.
-Atirei-me nele de olhos vendados. –murmurou enquanto as lágrimas rolavam em
seu rosto livremente. –Vou para casa retirar minhas coisas, quero dizer, roupas. Não tenho
nada meu lá. – dando de ombros, indiferente.
Jules soltou-lhe enfim o pulso, e tal gesto era por demais significativo. Soltava-a em
Paris, no mundo, para todo o sempre. Abandonava-a também e rompia-se o vínculo, fosse
qual fosse, entre os dois. E como todo o rompimento afetivo, doía demais. Antecipava no
peito a sensação do vazio, da angústia que asfixiava, do amor não consumado. Surpreendeu-

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

se com o ódio refletido nos olhos dele ao afastar-se para o meio da sala, como que se
protegendo dela.
-Por que antes de ir juntar suas coisas, não se joga na frente do metrô? Gostaria de
terminar bem o meu dia. –declarou com um sarcasmo permeado de ressentimento. Foi até a
porta e antes de sair deu-lhe a última ordem: -Está demitida, então. Receberá um bom
dinheiro com a rescisão contratual. Passe no RH, você e o seu suposto amor, mademoiselle.
– completou com evidente desprezo.

Abriu a porta do loft e não entrou imediatamente. Fitou o corredor vazio que
terminava diante do elevador e os quadros nas paredes, com paisagens de uma Paris dos
anos 20, do século passado. O desenho de uma menina morena, com uma franja sobre os
olhos, doces e infantis, diante do Café de la Paix, despertava em quem a visse uma cálida
ternura e a saudade de um tempo não vivido. E tal sensação levou-a novamente às lágrimas.
Chorara durante o curto trajeto de volta, dirigindo o carrinho que tencionava vender para
manter-se até o novo emprego. Não fora ao departamento de recursos humanos e
tampouco se despedira de Dorian ou de qualquer outro colega. Após a saída de Jules, pegara
a bolsa e a pasta executiva e entrara no elevador direto para o estacionamento, no subsolo.
E desde o instante em que se sentara diante do volante e afivelara o cinto transversal ao
peito, o bolo no seu estômago reverteu-se num pranto convulso que lhe sacudia os ombros.
Diante do espelho do banheiro, viu os efeitos nocivos da dor no inchaço das
pálpebras e na ponta do nariz avermelhada. Tal visão de sua completa derrocada afetiva, fê-
la entregar-se mais uma vez aos espasmos que pareciam desgrudar-se dos ossos e dos
músculos, tornando-a refém de uma dor insuportável, quase física. Apertou-se ao próprio
corpo tentando conter-se. Lavou o rosto com água fria e deitou a cabeça sobre o mármore
da pia. E chorou. Depois, abriu as torneiras da banheira e sentou-se na beirada da louça. E
chorou. Por um tempo, fitou a torrente de água descer e os primeiros vapores emergirem
pelo ambiente. Talvez conseguisse se acalmar relaxando num banho quente e perfumado
por sais, sais que exalavam o odor de Jules, quando ele saía do banho com o cabelo preto
molhado, a pele cheirosa, a loção pós-barba exalando frescor. Deitou a cabeça, fechou o
nariz com a mão e mergulhou para chorar debaixo d’água.
Jogou suas roupas dentro das duas malas azuis que possuía, fechou-as e desceu a fim
de deixá-las próximas ao hall de entrada. Massageou os próprios braços como se sentisse
frio debaixo do robe. Tinha algum tempo. Jules ficaria até tarde no escritório para dar-lhe
tempo enquanto arrumasse suas “coisas”. Parou no meio da sala e, girando lentamente,
observou o ângulo de 360 graus que formava o mezanino no segundo andar, até descansar o
olhar na esteira eletrônica onde Jules exercitava-se todas as manhãs. Então, chorou.
E chorando encaminhou-se à cozinha. Desarrolhou o Cabernet aberto por Jules numa
noite muito fria, em que ficaram conversando após o sexo, contando histórias da infância,
compartilhando fantasias ingênuas e pueris como a vontade que Amanda tinha de ser a
Batgirl, aos dez anos de idade, e Jules, sorrindo como se tivesse 17, de pescar o maior peixe
do mundo. Debaixo do edredom, abraçados, corpo no corpo, seguros de que tudo daria
certo. Como ele podia ser tão carinhoso e... Chorou até se engasgar com o vinho. Sabia que
através do choro desintoxicaria o corpo e o coração. Não podia reprimir-se, mesmo porque
era impossível fazê-lo. Bebeu todo o conteúdo da garrafa e metade de outra. Sentia-se
terrivelmente triste e os lábios ligeiramente anestesiados. Levantou-se da banqueta em
frente à mesa e respirou fundo controlando a vertigem. Abaixou a cabeça, os braços

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

estendidos com as mãos espalmadas sobre a mesa, apoiando-lhe o corpo quase encurvado.
Ouviu o barulho da chave girando na fechadura e a porta sendo aberta devagar. Ergueu a
cabeça, atenta. Todos os sentidos em prontidão. Os pelos da nuca eriçaram-se ao pressentir-
lhe a presença. Estava ligeiramente zonza, mas lúcida o suficiente para esgueirar-se por
entre o vão da porta e observá-lo entrando no loft com os olhos fixos nas malas no hall de
entrada. Curvou o lábio inferior numa expressão de impaciência. Esperava-a que já estivesse
longe? Amanda cogitou, sentindo as lágrimas novamente lhe aflorarem aos olhos. Em
seguida, ele largou a pasta executiva e as chaves do carro sobre o aparador. Segurava uma
sacola de papel, branca e dourada, depositou-a no chão. Retirou o sobretudo e o cachecol,
mas manteve o paletó escuro. Arou os cabelos com os dedos numa atitude imprecisa, como
se não soubesse o que fazer diante de algo imprevisto. Subindo os degraus rapidamente,
alcançou o segundo andar e encontrou a cama vazia e o closet sem roupa alguma dela. Foi
até o banheiro e saiu. Parou no alto da escada com a expressão profunda e reflexiva,
raciocinava, imaginava o rumo dos pensamentos da amante e os motivos de ela deixar a
bagagem e partir sem nada, imaginou Amanda, no seu esconderijo. Parecia preocupado e
nervoso. Viu-o descer a escada, pulando a cada dois degraus com agilidade. No aparador de
vidro estava o seu celular, pegou-o e digitou alguns números. Killer Queen ressoou pelo
apartamento. Jules, intrigado, olhou ao redor à procura do aparelho. Encontrou-o dentro da
bolsa sobre as malas. Sem hesitar, pegou o celular e verificou o seu nome na tela. A
constatação de que a bolsa e o celular ainda estavam no loft, aguçou-lhe a atenção e fez
com que esquadrinhasse todo o ambiente com olhar de lince. Desligou os dois celulares e
trancou a porta do loft.
Amanda afastou-se da porta, já que Jules encaminhava-se em direção à cozinha.
Apertava firmemente a borda do armário inferior da pia, tentando firmar as pernas que
tremiam de ansiedade, medo, desejo e muito álcool no sangue. Foi então que percebeu um
par de sapatos pretos atrás de si. Fechou os olhos e abriu, tendo consciência de que vestia
apenas um pedaço de seda preso por uma faixa fina do mesmo tecido. O cabelo ainda estava
encharcado do banho e o rosto vermelho e inchado depois de horas de choro. Estava
horrível, quase desfigurada.
-Sei que já eu devia ter ido... – adiantou-se num murmúrio, fitando o ralo da pia e
incapaz de encará-lo. A energia que despendera chorando voltava-lhe aos poucos para o
organismo. A vergonha de ter sido fraca e chorona também.
-Eu disse isso? –indagou-lhe logo atrás de si, muito próximo. Podia sentir as ondas de
calor do seu corpo, a fragrância amadeirada exalada pela sua pele e o calor de seu peito,
largo e firme, como um porto seguro que lhe sustentava a cabeça ao dormir. –Vim direto
para casa, porque queria encontrá-la antes que partisse. –interrompeu-se esperando que
Amanda se voltasse para ele.
-Por quê? Por quê? – falou quase num gemido abafado, agarrando-se a esperança de
que ele desmanchasse o equívoco e tudo voltasse a ser como antes, acrescido do seu amor.
-Não é certo que você saia, o apartamento é seu, legalmente seu. Caso não queira
viver aqui posso comprá-lo de você e Armand irá assessorá-la no que for preciso. –fez uma
breve pausa e continuou solene: -E quanto ao emprego, continuará recebendo até encontrar
outra colocação. Tenho conexões com diversas empresas e minha indicação será de grande
ajuda para você. Num estalar de dedos estará bem empregada, Amanda. Não quero
prejudicá-la porque se envolveu comigo. –completou num tom melancólico.
-Vas te faire foutre. – xingou-o com raiva. O que em bom português significava: vai te
foder!

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Lixo, a sua gentileza. Isso que era: lixo puro. Aplacava os problemas de consciência
com atos de bondade e gentileza? Afastou-se sem se virar para ele e ergueu o braço para
abrir a portinha do armário aéreo e pegar novo cálice. Deixou-o sobre o balcão de mármore
para que Jules se servisse de vinho. O discurso de bom-moço enojava-a.
-Excusez-moi? -indagou-lhe num tom de voz de quem era pego de surpresa. Visto
que ela o ignorou, continuou sem se abalar: –Vou separar algumas roupas e levar para a
mansão. O centro social ainda não se instalou por lá, e preciso falar com os empregados a
respeito da mudança; alguns serão aproveitados na empresa e os outros tenho como
recolocá-los no mercado.
-Claro, seus contatos... -ironizou e, diante do silêncio que se seguiu, ela sentiu-se
encorajada a continuar: -Está no seu ambiente natural, non?, decidindo vidas.
Transferências, contatos, fusões. Deve ser uma merda ser tão racional assim... –completou
com desprezo.
-Onde cortou seu dedo? –ouviu-lhe indagar entre curioso e preocupado. Ela acabara
de alfinetá-lo, e ele perguntava-lhe sobre um corte no dedo...Frio, indiferente, inacessível!,
bufou. Automaticamente, fitou o dedo indicador da mão direita e percebeu, pela primeira
vez, o corte de dez centímetros cuja superfície estava tingida pelo sangue vermelho-vivo.
Novamente a vertigem. Abraçou-se ao próprio corpo e esperou as ondas de frio e calor
desaparecerem por completo. Jules aproximou-se dela e disse de um jeito bem típico seu,
objetivo:
-Cortou ao abrir a garrafa, non? Temos de limpar o corte, fique aqui enquanto vou
buscar o iodo.
-Não se dê ao trabalho. Não será isso que me matará. –declarou exasperada e
encarando-o severamente.
Ele já saía pela porta da cozinha quando se voltou, devagar, olhos cravados no rosto
dela de forma avaliativa. Observava atentamente as pálpebras intumescidas e as órbitas
oculares com delicados derrames avermelhados. Via sem disfarces o quanto ela havia
sofrido, porque Amanda demonstrava todas as suas emoções. Durante anos bloqueara seus
sentimentos, enganara-se e até mesmo fora hipócrita consigo mesma. Mas não esperara
pelo homem certo para entregar-se, e sim perdera a batalha para os seus próprios
sentimentos. E rendida, amava. E quando amava, fazia-o por inteiro, sem meio-termo ou
meias-medidas. Sabia que estava condenada a pagar um preço alto por tal escolha.
Empinou o nariz numa atitude arrogante, recebendo o peso do olhar dele sobre sua
face que, agora, parecia-se mais com a expressão de alguém que voltava de um velório. Não
lhe importava o orgulho ou fosse o que fosse que haviam pregado nos distantes anos
sessenta. Dignidade feminina, sutiãs queimados ou medalha de honra e bravura. O sangue
fervilhava de um ódio que alcançava as raias do amor e de um amor insano, canibal, tão
bruto que lhe fazia quase quebrar os maxilares no esforço de manter a boca fechada a fim
de não causar maiores danos. Entretanto, quando Jules abaixou o rosto em sua direção,
Amanda apenas fechou os olhos à espera. Sentiu-lhe o gosto do hálito, a maciez de seus
lábios e a sensualidade de sua língua penetrando-lhe a boca antes mesmo do beijo
acontecer. Antecipando sensações que conhecia tão bem e tanto desejava e necessitava,
surpreendeu-se quando teve suas pálpebras beijadas, cada uma, devagar, com um carinho
que lembrava um roçar de seda sobre a pele machucada e beijou-lhe também as lágrimas
que voltavam a deslizar em riscos imprecisos pela face. Pequenos beijos nas bochechas, na
ponta do nariz, no queixo e nos maxilares, que mal lhe tocavam. Quando ela virou os lábios

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

para beijá-lo, Jules afastou-se delicadamente. Perdida, ela o fitou. Odiou-se por se render
tão fácil.
-Satisfeito? –havia tamanha mágoa e raiva na sua voz, que ele arqueou uma
sobrancelha, intrigado.
-Nunca foi a minha intenção machucá-la. –falou baixinho e direto.
-Claro que não. Você é uma ótima pessoa, só não tem coração. – escarneceu. - Mas,
céus!, que estou dizendo?! no mundo dos negócios usa-se o cérebro, o pragmatismo, a
contabilidade emocional, non, monsieur Brienne? Quanto eu dou para ela dar para mim.
Será que um loft em Montparnasse é o suficiente para quatro meses de trepadas? Ou...hã,
deixe-me ver... talvez um loft e uma carta timbrada do presidente da SBO... oui, oui... isso
alivia a minha consciência de workaholic autossuficiente. – à medida que falava, Amanda
perdia o controle e sua voz elevava-se cada vez mais. Gesticulava como uma atriz
interpretando Jules Brienne, o seu Jules Brienne, o caricato, o homem de gelo, aquele que a
olhava com a expressão cerrada e um olhar permeado de raiva, como se fosse ele quem
sofresse...
-Bebeu mais do que devia. –considerou numa voz abafada, como se tentasse
neutralizar o que sentia, refugiando-se na constatação lógica: -Depois de limparmos o seu
ferimento, podemos conversar de forma sensata e coerente. Venha comigo, Amanda, vamos
ao banheiro, acho que vi um...
-Idiota! –gritou, puxando a mão da sua depois que cruzaram o corredor entre a
cozinha e a sala. Possessa, não aceitava que ele a tratasse como uma criança birrenta e
desprotegida segura pela sua mão de homem forte e no-controle-de-tudo. Ela podia ter
quase se afogado na banheira de tanto chorar por causa dele, mas ainda era uma MULHER,
inteira, verdadeira e forte. –Pare de me tratar como se eu fosse uma débil mental! Eu te
odeio, Jules. Odeio tudo que vem de você, inclusive esse apartamento de esnobe
descolado... a sua empresa de merdè... odeio seus sapatos...que você nem sabe escolher,
porque sempre fui eu quem os comprou! – parou no meio da sala e olhou ao redor, os olhos
vertendo lágrimas e as palavras sendo cuspidas com raiva: -Odeio tudo que é seu porque
tudo que é seu...ficará com você, e eu não... porque eu não sou de ninguém, eu não
pertenço a ninguém... –completou chorando. –Mas tenho a mim, não é legal? – riu-se com
amargor e virando-se para trás, fitou a pasta e o celular de Jules sobre o aparador: - Eles são
seus e eu os odeio. Você vai embora e os levará junto... eu ficarei. –Pegou a pasta executiva
pela mão e fitou-a por um momento ou dois e depois a jogou longe, contra a parede. Um
barulho seco, seguido por outro, metálico e abafado, reverberou no recinto.
Jules apontou para a pasta e comentou com calma, enquanto sentava-se num dos
degraus da escada à espera do prosseguimento do espetáculo.
-Havia um notebook ali dentro...
Amanda gargalhou completamente surtada. Dentro dela, uma outra Amanda
horrorizava-se e procurava desesperadamente um jeito de controlar aquela locomotiva fora
dos trilhos. Jules, por sua vez, sereno, estranhamente calmo, sentado com os cotovelos
sobre os joelhos e a cabeça apoiada nas mãos, apenas assistia a um espetáculo que – como
Amanda bem o sabia – sempre o fascinava: a explosão temperamental da assistente. Mas
quando ela pegou-lhe o celular, ele fez um movimento para se levantar e contê-la. Em vão, o
aparelho espedaçou-se no chão.
-Ele também não lhe pertence mais, Jules! –gritou, rindo.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Acredito que sua agenda telefônica seja igual a minha, non? – indagou com cuidado,
ao que ela, tomada pela fúria e com os olhos arregalados, tomou posse do seu próprio
celular e deu-lhe o mesmo fim. Olhou para Jules com a expressão: agora não mais.
Ele ergueu-se desconfiado de que a tempestade estava apenas começando:
-Amanda, acalme-se e vamos conversar. –ponderou erguendo as mãos à frente do
corpo num gesto apaziguador e, em seguida, estendeu-lhe a mão que foi deliberadamente
ignorada.
-Agora, não, francês, não estamos num Café e eu não sou uma hipócrita “civilizada” –
enfatizou a última palavra com ironia, sorrindo por entre as lágrimas. –Nada sairá daqui com
você. – gritou: - Nada! – voltou-se e pegou sobre aparador a chave do Citroën.
-Entendo que se sinta magoada e... –começou tentando alcançá-la a fim de recuperar
o objeto antes de ser destruído de alguma forma. Ele acompanhou-lhe o olhar em direção ao
janelão aberto, no fundo da sala. – Non...
- Adieu! – exultou com um gritinho alegre.
A chave foi arremessada para fora da janela e, ao cair, ouviu-se o choque da mesma
contra o capô de um automóvel. O alarme do Citroën de Jules reverberou agudo.
Satisfeita, Amanda virou-se para Jules que a fitava com a expressão perplexa e
debochou:
- Acertei bem no alvo. –encarou-o sorrindo como se tivesse acabado de praticar uma
boa ação. - Não sou muito boa? Sabe em que sou boa também? – pôs uma mão na cintura e
a outra, com os dedos, listou: - Em rasgar roupas, queimar sapatos, enviar e-mails com vírus,
envenenar comidas, despejar ácido em colônias a-ma-dei-ra-das, incendiar chalés...eu...-
completou gritando: - ...eu me dediquei a você todos esses anos por amor, seu imbecil.
Amor! Já foi amado assim, cretino? Apanhei de Jacques para salvá-lo, para que ele não o
encontrasse! Eu te amo, europeu idiota!
Dito isso, voltou-se para a sacola a fim de estraçalhar o que estivesse dentro. Ao que
ouviu a voz severa e grave de Jules e parou.
-Nem tente destruir isso aí, Amanda.
Ela virou-se e encarou-o com os olhos vidrados de fúria. Crispou os lábios e ajoelhou-
se diante da sacola. Calculou que ele conseguiria detê-la, pois teria que dar uns dez ou vinte
passos até onde ela estava. Ameaçou abrir a sacola e viu que Jules fez menção de atacá-la.
Respirou fundo, sorrindo com o olhar furioso e rasgou-a parcialmente, sem deixar de fitar
um Jules possesso e estranhamente paralisado. Quando ela voltou sua atenção para o
objeto que parecia precioso demais a ele, sentiu a mente esvaziar-se de tudo, ideias,
sentimentos, recordações. Dois ou três minutos de imobilidade e esquecimento. Fitava o
interior da sacola, tentando reconhecer o que deveria reconhecer desde sempre, desde a
adolescência no quarto, sozinha, ouvindo por trás da porta o pai desempregado brigando
com a mãe frustrada em seus sonhos. Toda a sua coleção do Queen recuperada. Tocou a
capa de cada disco com ternura. Doera-lhe desfazer-se deles no mercado de pulgas, e o
fizera para poder se manter por alguns dias. Quando recebeu seu primeiro salário na SBO,
retornou ao mercado de pulgas para resgatá-los e, no entanto, todos os discos haviam sido
vendidos...
-Estávamos em Roma, -Jules começou, voltando a sentar-se no degrau, no alto da
escada, -no restaurante, esperando pelos diretores da subsidiária de lá, quando
conversamos sobre viver longe de casa, e você comentou sobre seus primeiros meses em
Paris e a pior coisa que havia acontecido então... Percebi que esses discos significavam muito
para você, eram como uma parte de sua vida que lhe fora arrancada. -parou e fitou-a

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

intensamente: -Eu sabia que outras cópias não serviriam, tinham de ser os seus, com o seu
nome escrito e o desenho de um coração sobre o “i”, a sua caligrafia de menina...
Investiguei, viajei, persuadi e consegui resgatar integralmente a sua coleção, a sua. –
enfatizou, alçando as sobrancelhas: -Pode ver, são os seus discos, com os seus poemas
escritos em algumas capas. –apontou-lhe para os discos sobre a sacola, ainda envolvidos
pelos braços dela: -Pensei em devolver-lhe no seu aniversário, mas, como aconteceu tudo
isso, quis chegar a tempo para lhe entregar. – disse, por fim, de um jeito desanimado.
-Merci. –balbuciou num fiapo de voz, abraçou-se aos discos e chorou. Pelo visto,
passaria o resto de sua existência chorando.
-De rien... – retrucou baixinho, sério. De nada, respondeu apenas.
Antes que ele se levantasse em direção ao quarto, Amanda indagou sem fitá-lo:
- Isso foi há um ano, não?
-Oui. -afirmou de um jeito estranho, como se quisesse livrar-se do assunto.
Resgatara-lhe o tesouro, mas não tencionava aceitar os louros.
Amanda observou-o tornar a subir os degraus. Tudo tomava um novo rumo. Havia
um ano que lhe falara sobre a venda dos discos e a sua primeira perda na França. Renunciara
ao que mais amava para se manter economicamente, fora prática contrariando a sua
natureza passional. Ele lembrara e, além disso, preocupara-se em investigar e devolver-lhe
algo que lhe era tão valioso. Isso era um ato de amor. O apartamento que ele a obrigara
aceitar como seu, a fim de oferecer-lhe uma estrutura sólida para sua vida num país
estrangeiro. Sem vínculos ou obrigações para com ele. Isso era amor. Rompera com uma
amizade de vinte anos por não aceitarem o relacionamento de ambos. Ele rompera laços
antigos e quebrara promessas feitas a si mesmo. Apostara no seu potencial como executiva
e abrira mão de ter-lhe como a assessora que tanto lhe facilitava a vida. Isso era amor. A
gravidez que ele queria que se confirmasse... não era controle. Era a vontade de ser pai,
simplesmente. Uma vez Jules dissera-lhe que ela tinha a capacidade de distorcer os fatos... E
ele jamais diria que a amava, por que, no modo de pensar de Jules, esse fato estava
subentendido em suas ações e se ela não era capaz de entendê-lo, azar dela. Talvez Rochelle
jamais o tenha compreendido. Jules não falava em amor; fazia-o, através de atos e atitudes,
ações sólidas e reais.
Mas ele não estava mais ali para confirmar se o rumo de seus pensamentos estava
coerente ou era apenas a vontade do seu coração distorcendo, mais uma vez, a realidade.

Capítulo XVII

Encontrou-o no quarto, guardando suas roupas na mala de viagem escura e com


inúmeras etiquetas de aeroportos grudadas. Organizava-as dobradas e por ordem de
tamanho. Havia retirado todas as suas roupas do closet e depositado-as sobre a cama e, na
mesma, fizera pilhas de acordo com o tipo de gola e cor. No criado-mudo, seu barbeador,
perfumes, loções e a escova de dente. Soltara o nó da gravata, tirara o paletó e erguera as
mangas da camisa à altura dos cotovelos. Gestos precisos e, ao mesmo tempo, arrastados,
lentos, praticados por homem visivelmente cansado. Ele parou por um momento e esfregou
os olhos.
Ela parou diante da cama, os braços dobrados em frente ao corpo, com um frágil
sorriso nos lábios. Esperou que ele dobrasse dentro da mala mais uma camisa e ajeitasse-a

112
Obsessão em Paris  Veronique Gris

para que as tantas outras sobre a cama também coubessem. Respirou fundo, tensa. Jules
ignorava-a deliberadamente enquanto entrava e saía do closet.
-Está chateado por que quebrei suas coisas? –indagou-lhe com o jeitinho de quem
queria fazer as pazes.
Jules deu de ombros de forma indiferente.
-São apenas coisas. –respondeu baixinho e sem dar importância, continuando a
arrumar a mala.
-Perdi as estribeiras, desculpe. Às vezes o sangue sobe à cabeça e... - tentou justificar-
se, mas tinha a impressão de que Jules não lhe prestava a atenção, concentrado na maldita
mala: - Jules, não estou mais cega.
Fingiu que não a ouviu, fechou a mala e puxou o zíper por toda a sua extensão.
Amanda pigarreou nervosa e continuou:
-Você se importa comigo e me protege, entendo que isso é amor. Se não me amasse
continuaria a fazer essa merda de mala e a me ignorar como um andróide workaholic. –
apontou para a mala como se apontasse para um inseto horroroso.
Ele parou e fitou-a, segurando um par de meias na mão. Tinha o olhar entre curioso e
desconfiado. Era óbvio que não entregaria os pontos tão facilmente, constatou Amanda. E
ela não sabia como resolver a parada: dizer-lhe, por exemplo, que sabia e compreendia a
maneira peculiar dele revelar o seu amor? Poderia estar errada. Jules não parecia
interessado em facilitar-lhe o trabalho; muito pelo contrário, ainda fitava-a, à espera de
algum movimento por parte dela. Por isso, Amanda começou meio vacilante e com medo de
irritá-lo. Porém precisava arriscar:
-Quando sua mãe escolheu continuar o relacionamento com seu padrasto, mesmo
apanhando e ignorando seus apelos, Jules, ela também não sabia o quanto era amada por
você. Mas acreditava piamente nas palavras de amor que ouvia do marido, e, por outro lado,
era cega quanto à dedicação do filho ao limpar-lhe os ferimentos ou quando lutava corpo-a-
corpo contra o padrasto. Ela não o via de fato; apenas olhava-o, sem vê-lo. E você acreditou
que somente seria visível caso ganhasse muito dinheiro.
-Amanda... – ele fez um sinal para que ela parasse, mas foi interrompido.
-Espere, Jules, preciso lhe falar. –respirou fundo e começou fitando-o
profundamente: -O que fez, procurando os discos da minha adolescência, me revelou o
quanto fui cega e parcial em relação a você. Misturei tudo, confundi-me, no lugar da
dedicação e do carinho entendi controle e domínio... Talvez essa confusão seja consequencia
dos “meus” problemas familiares... Você tinha uma mãe que amava homens perturbados e
eu tenho pais que não se suportam. Como posso acreditar que mereço ser amada? E como
você pode acreditar que mereça ser amado? A bem da verdade, somos dois solitários e
carentes tentando desesperadamente sobreviver. Às vezes, você parece um menino... como
agora dobrando suas roupas com tanto cuidado para não amarrotarem... – Ela subiu na
cama e sentou-se sobre a mala fechada: -Vamos cuidar um do outro? –pediu-lhe com
carinho e disposta a matar no peito qual fosse a resposta.
-Eu gostaria muito, Amanda. –declarou convicto e olhando-a como se quisesse
arrancar-lhe a roupa naquele momento.
-Mas...? – sempre havia um mas, ela bem o sabia.
Jules sorriu de um jeito tímido, largando a roupa que segurava na cama e tocando o
queixo de Amanda com ternura.
-Quero cuidar de você a minha vida inteira. Talvez seja esse o “mas” a que você se
refere.

113
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Ela enlaçou-lhe o pescoço e o beijou ternamente nos lábios. Fitaram-se por um longo
momento. Por fim, ele suspirou profundamente como se tivesse se livrado de um peso
enorme, encostou sua testa na dela e disse-lhe numa voz grave e ligeiramente embargada:
-Esperava que você não demorasse muito para perceber minhas intenções. Sei que é
uma atitude tola, mas não queria correr riscos outra vez. Rochelle jamais compreendeu que
eu a amava e que quando lhe fazia as vontades não era por uma questão de consciência ou
culpa. Eu estava realmente disposto a manter meu casamento com ela, aceitando inclusive
que voltasse para casa mesmo depois de saber sobre o amante... - apertou Amanda em seus
braços e continuou: -Mas ela usou as suas palavras, Amanda, acusando-me de insensível,
frio e viciado em trabalho, bien, na verdade, ela dizia que eu era viciado em dinheiro. O que
é uma mentira. O trabalho é a minha paixão, não o resultado financeiro dele. –fez uma
pausa e continuou de forma suave: -Não queria que você sofresse ou se sentisse
manipulada, porque a amo e não é de hoje... A minha intenção era a de que você percebesse
esse amor e que não repetisse a atitude de Rochelle que, em nome de uma carência
inventada ou de um amor supostamente não correspondido, se jogou nos braços de um
desequilibrado...Eu precisava ter certeza de que você estava olhando para mim. As palavras,
Amanda, não substituem as atitudes. Agora, sabendo que me entende, sinto-me à vontade
em confessar-lhe que o meu amor por você começou durante aquele jantar em Roma. –
sorriu com charme e prosseguiu num tom carinhoso: - Lembro-me de que não ocorreu nada
de diferente, foi apenas mais um jantar de negócios, mas aquela nossa conversa no
restaurante, quando me falou dos obstáculos que enfrentou no Brasil e depois aqui... -fez
uma pausa procurando as palavras certas, que fizessem com que ela entendesse o que ele
realmente queria dizer: -bien, me peguei olhando diretamente para você, olhando de
verdade para o seu rosto, para os seus gestos, para o seu corpo... E passei a noite acordado
tentando entender por que me sentia compelido a bater à porta do seu quarto e continuar
conversando o resto da madrugada. Depois, mudei de ideia e prometi a mim mesmo que
não estragaria nossa relação profissional.
Ele sentou-se na beirada da cama e puxou-a para o seu colo, apertando-a em seus
braços e sendo envolvido no pescoço pelos braços dela. Amanda beijou-lhe o pescoço, numa
veia saliente, e apoiou a cabeça no tórax dele.
-Jamais percebi nada, quero dizer, as meninas do escritório achavam que você tinha
uma quedinha por mim...-comentou sorrindo.
Jules riu e beijou-lhe o cabelo.
-É, eu sei, sinto os olhares sobre mim. Aliás, todo mundo percebia que eu tinha uma
quedinha por você, inclusive François e Sonia. Aquele estúpido jantar comprovou isso. Desde
Roma tornei sua vida um inferno maior ainda. Amá-la em segredo foi terrível. E quando
dormiu com Jacques... – interrompeu-se bruscamente e crispou os lábios com raiva: - tive de
controlar-me para que você não se afastasse. Sabia que confiava em mim, por isso procurei
manter tudo numa perspectiva que não entregasse os meus sentimentos por você. –
completou com seriedade, mas também com certa tristeza.
- Conseguiu. Acreditei que não me amava. – acusou, séria.
-Oui, consegui e quase a perco por isso. – completou apertando-a ainda mais contra
si. – Mas fui punido por minha decisão, sofri a sua ausência por cinco horas e não gostei nem
um pouco. Quando saí da sua sala, fui para o terraço, sentei-me numa cadeira e imaginei
minha vida sem você. Voltei para casa a fim de tentar impedi-la de me deixar. Parecia um
tipo de déjà vu. Só que desta vez eu não a perderia para Jacques Rodin. – enfatizou com uma
nota de exasperação no tom melancólico.

114
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Ajeitou-se em seu colo abraçando-lhe ainda mais a cintura e roçando o nariz na


camisa cheirosa. Era amada por ele. Sentira isso, porém identificara tal sentimento com
outros nomes, nomes errados. Aproveitou o momento de confissões para não deixar nada
mais passar incólume.
-O que aconteceu na noite do acidente de Rochelle? – indagou-lhe interessada. Era
um dos assuntos tabus, mas teriam que conversar sobre isso mais dia menos dia.
Percebeu-lhe os músculos do corpo se retesarem como se formassem uma couraça
protetora ao redor de si. Caso ele evitasse o assunto, não forçaria a barra. Não seria isso a
atrapalhar-lhes a vida. No entanto, Jules parecia disposto a conversar a respeito, pois lhe
tocou o queixo a fim de encará-la ao começar a falar sobre as últimas horas da esposa antes
de perder a consciência:
-Naquela noite, eu tinha um jantar de negócios com a minha ponte em Dublin,
Jeremy Blair, e que daria suporte para o diretor operacional de Paris agir na nova subsidiária,
na Irlanda. Rochelle detestava esse tipo de jantar, e por isso não mais a convidava. Mas,
naquela noite em especial, ela pediu-me para que não saísse, ou melhor, que saíssemos mas
para a casa de François e Sonia. Naturalmente, discordei, era só uma questão de fazer-lhe
um capricho, um tipo de queda-de-braço infantil, nós brigamos, ela gritou, eu a ignorei, e ela
saiu sozinha. –suspirou, os sulcos na testa profundos, as têmporas latejando: - Fui atrás, já
que estava transtornada de raiva...Vi quando parou em frente a um Café e sentou-se no
banco do passageiro, cedendo o volante a Jacques. Foi a primeira vez que o vi e,
imediatamente, o reconheci como sendo um dos meus gerentes. Ele fora demitido antes do
meu casamento. Pelo o que averiguei depois, fora preso por bater em uma garota de
programa. O diretor de seu setor seguiu o protocolo de conduta da empresa e demitiu-o,
com a minha autorização. – ele parou por um momento, sério e pensativo, punha em ordem
a sequência exata dos acontecimentos: - Jacques corria muito numa estrada estreita e com
péssima iluminação. Tudo aconteceu muito rápido, num segundo eu via as lanternas
traseiras do carro de Rochelle para, meio minuto depois, vê-lo de rodas para o ar. O resto
você sabe... Ela não quis minha ajuda para retirá-la das ferragens, mas eu o fiz assim mesmo.
Quando a ambulância chegou, já estava desacordada. – suspirou resignado.
-Jacques continua ligando para o meu celular, quero dizer, quando eu tinha um. –
falou-lhe de uma vez, não esconderia mais nada de Jules. Mesmo observando-lhe a feição
contrair-se numa expressão de fúria contida, os lábios apertados e a escuridão nos olhos que
brilhavam febris fitando um ponto à frente. Olhos totalmente mergulhados na própria
mente.
-Isso não está certo. – murmurou entredentes.
-Talvez, agora, com a transferência de Rochelle para uma clínica, ele consiga vê-la e
nos esqueça de vez. – interveio prontamente tentando amainar a raiva de Jules.
Jules balançou a cabeça devagar em negativa:
-Há uma lista de pessoas autorizadas a visitá-la, lista esta feita pelos pais de Rochelle.
E Jacques não está nela. – acentuou num tom grave.
-E quanto a você? – Como estariam as relações entre ele e os sogros, após saberem,
por intermédio dos Roche, que o genro estava vivendo com outra mulher?
-Acesso irrestrito. –respondeu-lhe automaticamente, como se a cabeça já rodasse em
outra direção. Afastou-lhe uma mecha de cabelo da testa e roçou-lhe os lábios nos dela
antes de declarar com um sorriso significativo: -Antes de me acusar de intrometido, preciso
dizer-lhe que mexi na sua bolsa para pegar o seu celular, e, feito isso, acabei vendo um teste
de gravidez. O que tem a me dizer sobre isso, Rossi?

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Como acha que me senti quando me chamou de gorda? –fingiu estar ofendida e
surpreendeu-se ao vê-lo rir.
-A ideia era essa, atacar-lhe o ego para fazer com que me obedecesse. -explicou-lhe
ainda rindo, mas logo se adiantou em justificar-se: -Já faz algumas semanas que percebi
diferenças sutis em seu corpo que, por sinal, é maravilhoso, ma belle... E, hoje pela manhã,
quando reclamou de suas curvas, deliciosas curvas, bien, empolguei-me com a possibilidade
de que estivesse grávida. –disse jovialmente.
-É o que quer? – sondou com uma sobrancelha alçada.
-Oui, quero muito tê-la engravidado. – fitou-a com um sorriso malicioso.
-Excita-o pensar que me engravidou? – alfinetou-o com luxúria.
-Non, mademoiselle, excita-me engravidá-la de fato. –corrigiu-a, descendo a mão
para a sua barriga, por debaixo do robe.
-Não o apavora ser pai, afinal estamos juntos há tão pouco tempo?, quero dizer,
parece-me um pouco precipitado começar uma família. –ponderou antecipando-se aos
fatos, mas Jules pouco se interessava por suas ponderações sensatas.
-Humm, quero ser pai dos seus filhos, ter uma família com você e ver no que dá a
mistura da minha visão objetiva e racional com a sua falta de noção...- brincou, mordendo-
lhe a ponta do nariz e completou bem-humorado: -Você é completamente insana, Amanda,
sabe disso, non?
-Mulheres apaixonadas não batem bem da cabeça, monsieur. – considerou fazendo
careta, arregalando os olhos: -Mas devo admitir que adoraria ter um bebê seu, com essa
carinha séria como se fosse o presidente do mundo. – brincou.
-Então, espere aqui que buscarei o nosso oráculo. –deu-lhe um tapinha na coxa e a
pôs na cama para, depois, descer as escadas até a sala.
Voltou lendo as instruções, concentrado. Amanda tirou-lhe a caixa com o teste de
gravidez da mão e, com um sorriso, enfiou-se no banheiro. Deixou-o parado no meio do
quarto, de pé, sorrindo, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Antes de fechar-se no
banheiro, olhou-o mais uma vez e suspirou apaixonada, mon Dieu, como ele é lindo, pensou
sentindo múltiplas borboletinhas no estômago.
Alguns minutos depois, saiu do banheiro e, antes de confirmar ou não a gravidez,
ficou na ponta dos pés, envolveu-lhe o pescoço com os braços e o apertou com força. Jules
enterrou o nariz nos seus cabelos. Quando o corpo dela começou a tremer ligeiramente, ele
sorriu e, pela primeira vez, ficou feliz em vê-la chorar.
Amanda afastou-se poucos centímetros dele, respirou fundo e procurou ser
pragmática:
-Temos de ter calma, porque esses testes não são cem por cento confiáveis, Jules.
-Você está grávida, nem precisava fazer exame para saber. – comentou com
naturalidade, exibindo um sorriso que parecia ter-se colado em sua face. – Maintenant,
vamos comemorar! Ainda é cedo, e acho que pegamos o Dôme aberto. – constatou um Jules
animado e pronto para vestir o paletó e sair.
-Que tal jantarmos no terraço? –sugeriu Amanda e completou ante o olhar
interrogativo dele: - Meu rosto está acabado de tanto chorar, não estou muito a fim de ser
motivo de olhares... –comentou sem graça, sabendo que em Paris ninguém reparava em
ninguém, mas ela não pensava como os franceses.
-Você está linda, não há nada acabado em seu rosto. – disse-lhe fazendo-lhe um
carinho na face.

116
Obsessão em Paris  Veronique Gris

-Prefiro comer em casa, senão se importa. Podia buscar comida pronta, enquanto
ajeito bem bonitinho o terraço... -sugeriu de um jeito meigo que, normalmente, convencia
Jules. E convenceu, pois ele beijou-a nos lábios e vestiu-se.
-Trés bien, tenho de pegar a chave do carro, lá, na rua. Aproveito e faço tudo de uma
vez. – torceu um canto da boca e arrematou estreitando os olhos : -Não acha que está muito
frio no terraço?, digo, você tem de cuidar de sua saúde, já que dividirá o corpo com nosso
bebê. – falou-lhe com o olhar sério, mas um sorriso entalhado nos lábios.
-Por acaso esqueceu-se de que sou adulta? – devolveu-lhe o sorriso sem deixar de ser
firme.
-Entendi a mensagem e procurarei controlar meu lado, digamos, controlador. –
concluiu em tom de brincadeira, porém ela sabia que Jules percebera a intenção por trás de
sua afirmação.
Acompanhou-o até a porta de entrada, passando pelas malas no hall, a sacola com os
discos no chão e a pasta executiva de ponta-cabeça, num canto da parede. Antes de sair,
Jules voltou-se para ela e a beijou. O beijo aprofundou-se ao ponto de ela ter de segurar-se
nele para não perder o equilíbrio. Por baixo do robe, ele deslizava as mãos pelo seu corpo
com a intimidade de quem muito o conhecia, cada ponto, cada zona erógena que vibrava ao
toque dele. Num gesto eficiente e sensual, fez o robe cair no chão, expondo-lhe a nudez.
-Estou sempre com fome de você... –gemeu-lhe ao ouvido, numa voz rouca e
abafada. Ela sentiu a aspereza do sobretudo contra sua pele sensível e macia de mulher e
era uma sensação que a excitava. Jules vestido e ela completamente nua.
Amanda mal sentia as pernas, haviam virado gelatina, sucumbido ao desejo que lhe
queimava por dentro, toda, em cada centímetro de pele. O corpo de Jules pressionou-a
contra a parede, a brutalidade dura de seu sexo contra o seu corpo, a excitação dele na
respiração ofegante e na coreografia de suas mãos, que dançavam seguras por vales e
montanhas, planícies e cumes orvalhados. Afastou as pernas para receber os dedos que lhe
friccionaram o sexo, depois de roçarem por entre os lábios e os afastarem delicadamente,
persuasivamente, alcançando o clitóris e massageando-o, fazendo-a gritar numa voz rouca e
fragilizada pelo prazer.
-Quer que eu saia ou entre...? – indagou-lhe num fiapo de voz, a boca mordiscando-
lhe o lóbulo da orelha. – Escolha enquanto pode...
Captando o duplo sentido da pergunta, Amanda desafivelou-lhe o cinto, deslizou o
zíper da calça para baixo e pegou-lhe o pau duro e pronto. Jules gemeu ao sentir-lhe a
pressão da mão ao redor do sexo e ergueu-a por baixo das nádegas, levando-a no colo até o
outro lado da sala, no sofá. Sem tirar a roupa, baixou a calça até o meio das coxas e
penetrou-a devagar, a cabeça do pênis separando os lábios vaginais e abrindo passagem
para o grande cilindro de carne quente e pulsante. Amanda arqueou a cintura para senti-lo
todo, dentro de si. E com movimentos cadenciados, num vaivém sensual e lânguido, ele
enfiou-se aos poucos, fazendo com que o corpo dela absorvesse cada centímetro do pau
sem machucá-la e sem ser demasiadamente gentil. Ela segurou os próprios joelhos
flexionados, em torno dele, afastando-os ainda mais, sentindo o pênis arrebatando-a de tal
forma que tinha a nuca encharcada de suor, e no rosto de Jules, as têmporas latejavam. Ela
atingiu o orgasmo tendo o bico do seio chupado pela boca que, em seguida, cobriu a sua e
ainda colada nela, sussurrou com paixão, desesperada paixão:
- J’etaime... J’etaime...Amanda...

117
Obsessão em Paris  Veronique Gris

Ela fechou os olhos, absorvendo na pele a fragrância que se desprendia da roupa


dele, sofisticada e úmida de suor, enlaçou-lhe o pescoço com os braços e a cintura com as
pernas e acompanhou-o na felicidade de se pular no abismo:
-Eu também te amo, Jules...

Epílogo

Rocco pôs um cigarro entre os lábios, riscou um fósforo com a mão em concha,
lançou um olhar significativo a Bleu e, com a cabeça, completando o gesto do olhar, indicou-
lhe à saída do armazém abandonado e recentemente adquirido pelo grupo SBO. Trazia
consigo uma pasta com anotações e fotografias das investigações feitas por ele e o seu
parceiro durante mais de um mês, ambos do escritório de investigações particulares Luna
Rossa, contratado diretamente por monsieur Jules Brienne. E era o mesmo que acabava de
chegar, sozinho, dirigindo um Renault sem placa e com vidros escuros. Ele desceu do
automóvel e aproximou-se dos homens que o aguardavam.
Luminárias de aço dispostas no teto, com lâmpadas de sessenta watts, oscilavam no
amplo galpão, onde havia apenas uma mesa e uma cadeira com alguém sentado nela, de
cabeça baixa e os braços soltos ao longo do corpo.
Rocco apertou os lábios e tragou fundo o cigarro antes de entregar a pasta ao
executivo. Estava satisfeito por ter realizado o seu trabalho, muito mais por isso do que pelo
dinheiro que recebera, que, por sinal, alavancaria ainda mais a situação financeira do seu
escritório.
-Está tudo aí, monsieur Brienne, registrado. Duas passagens pela polícia por agressão.
O moço bateu numa prostituta que ainda está na UTI e na própria irmã, deixando-a surda do
ouvido esquerdo. Descobrimos também que ele já espancou algumas ex-namoradas que não
deram queixa e, inclusive, sua assistente, monsieur. – o homem parou para analisar o efeito
de suas palavras no cliente, que comprimiu os lábios com raiva. –É crônico, o cara não vai
parar nunca. – balançou a cabeça, exasperado. – Se quiser, eu e Bleu ficaremos felizes em
ajudá-lo a completar o serviço... Tenho mãe, mulher, irmã, e o Bleu tem uma filhinha, esse
tipo de verme a gente tem prazer em esmagar. –fechou os punhos instintivamente.
Jules assentiu, voltando o seu olhar para Jacques Rodin, ainda atordoado após um
eficiente golpe de Bleu à saída de sua casa.
-Merci, ótimo trabalho. Mas eu cuido dele sozinho, antes de entregá-lo aos meus
amigos da polícia. – disse Jules sério, retirando as luvas pretas de couro.
-Não se acanhe, docteur, podemos enchê-lo de porrada ao ponto de fazê-lo esquecer
o próprio nome. – afirmou Bleu lançando um olhar feroz que fazia jus às suas palavras.
-Esse prazer é todo meu, messieurs – falou baixinho Jules, fitando Jacques de longe.
Em seguida, constatou com zombaria: -Vou esperá-lo despertar de todo, senão perde a
graça.
Virou-se para os detetives e apertou a mão de ambos. Encaminhando-se
displicentemente até a cadeira onde Jacques Rodin começava a se mexer, despertando da
inconsciência, Jules estalava os dedos das mãos, antecipando o prazer de arrebentar a cara
do homem que havia espancado a mulher que ele amava e que carregava seu filho na

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

barriga. Amanda concordara em prestar queixa contra Jacques, e as outras mulheres


agredidas por ele, acompanhadas por Armand, também registrariam queixa.
-Bonsoir. Lembra-se de mim? – a voz de Jules ressoou tranquila e insolente.
Jacques fitou-o por um momento, aturdido, olhou ao redor certificando-se de onde
estava. Um sorriso debochado principiou-se em seus lábios ao constatar que estava sozinho
com Jules. Fora nocauteado por um selvagem de quase dois metros e acordara num lugar
com pouca luz e muito silêncio, diante de um homem que verdadeiramente odiava. Ficou de
pé, pronto para acabar com a pose superior e arrogante do executivo. Ele era duro na
queda, refazia-se rapidamente dos golpes. Já o almofadinha à sua frente... Riu-se
antecipando o prazer de arrebentar o antigo chefe.
-Não só lembro de você como também de suas mulheres que, por sinal, também
foram minhas. –constatou quase alegre: - Aliás, como vai a brasileira, está consciente ou
você já a deixou em coma?
Jules sorriu calmamente. Não havia pressa nem ansiedade em seus gestos. Tinha
completa noção e controle do seu espaço de ação, da distância entre ambos, da força
muscular do adversário e de sua fraqueza.
-Ficará longe dela, e isso é uma ordem, para o seu próprio bem. –pôs o dedo em
riste, quase alcançando o rosto do outro. –Eu o entregarei à polícia. Mas antes, provará um
pouco do seu sangue com alguém do seu tamanho, covarde. –declarou com firmeza e
serenidade.
-Polícia? Está delirando. – debochou, abrindo os braços e dando de ombros.
-Agressão. Baterá em mim, non? -alçou uma sobrancelha, irônico. Além do mais, suas
vítimas resolveram cooperar para a sua condenação por espancamento e estupro. –
completou, a ironia cedendo espaço ao desprezo e a raiva, ao torcer para baixo o lábio
inferior.
Jacques gargalhou.
-Vou matá-lo, isso sim. – prometeu com um sorriso cruel.
Jules bocejou, retirou o casaco longo e o paletó, dobrou as mangas até a altura dos
cotovelos e disse a mesma frase que usava ao iniciar as reuniões de trabalho, impassível:
-Podemos começar quando quiser.
-Vou matá-lo com as minhas próprias mãos, seu ricaço de merdè. – cuspiu as palavras
enquanto jogava a jaqueta de couro no chão, caindo aos pés da cadeira onde estava minutos
atrás. –Quer foder a minha vida de novo, é? – gritou: -Eu era o melhor da equipe de
gerentes, você sabia. Nunca fiz nada de errado na empresa. Pelo contrário, foram minhas
ideias que colocaram a SBO no topo... Você não tinha motivos para autorizar a minha
demissão, Jordan não queria me demitir, se sentiu pressionado por você!
Jules interrompeu-o fingindo conter um bocejo:
-A diferença entre nós é básica, eu posso e você não.
-Desgraçado!
Jacques deu um passo à frente encurtando a distância entre ambos e com o braço
direito estendido ao máximo, tentou acertar o maxilar de Jules, que desviou a cabeça,
sorrindo.
-Ninguém me contratou depois que me demitiram. – acusou aos gritos. – Vivo com o
que ainda me sobrou e com o que sua esposinha me dava. – gargalhou: - Oui, oui, ela me
sustentava. Sabe por quê? Rochelle me amava!
Jules avançou até acertar um soco no nariz de Jacques, que caiu para trás levando a
mão ao rosto e trazendo-a com sangue espesso. Fez uma careta e prontamente ergueu-se,

119
Obsessão em Paris  Veronique Gris

jogando-se contra o adversário e desferindo-lhe um gancho de esquerda na altura do queixo


de Jules. Este teve a cabeça arremessada para trás mas, sem perder o equilíbrio, voltou-se
com raiva para cima do loiro que, em vez de proteger-se, baixou a guarda o suficiente para
tomar um socão na boca. O golpe foi tão forte que Jacques outra vez estatelou-se no chão
sem evitar a colisão direta no concreto. Por um minuto, ficou fitando o teto, os olhos vítreos,
a boca arrebentada num corte fundo, o sangue espalhando-se rapidamente no queixo e
maxilares. Inerte, respirava alto e rouco. Tentou levantar-se por duas vezes, fracassou. Na
terceira, de pé, meio zonzo, fechou os punhos e chamou Jules para a briga. Ele foi. Mas foi
surpreendido por um par de garras de aço que o pegaram pelos braços. Tentou soltar-se ao
ver que Jacques avançava para acertar-lhe no estômago. Novamente, puxou os braços do
homem que o prendia por trás.
-Filho da puta, covarde! –disse entredentes, os maxilares tesos. Por um momento
pensou em Amanda e que jamais a veria novamente. Tinha de lutar por sua vida. Tinha de
soltar-se do gigante que o segurava. Não podia deixá-la sozinha no mundo. Não podia
permitir que ninguém, nem a morte, separassem-nos. E com esse último pensamento,
soltou-se por fim. Até que o gigante o pegou novamente e quase lhe torceu o pescoço com o
braço.
-Quieto, cara! –xingou-lhe o desconhecido.
Por trás de Jacques, Jules observou mais dois homens. Então seria assim a sua morte?
Jules pensou quase sorrindo, fascinado com a possibilidade de morrer espancado, já que
durante toda a infância sobreviveu aos espancamentos. Não fechou os olhos, queria olhar
no olho de cada um dos caras, inclusive Jacques.
Ouviu ao longe a sirene da polícia. Os homens entreolharam-se e partiram para a
ação. Um deles, alto e ruivo, deu uma gravata em Jacques, levantando-o do chão. Este
surpreendido pelo ataque, não emitiu ação alguma. O outro, baixo e com aparência latina,
enfiou uma faca na barriga do homem imobilizado. Jacques urrou de dor, mas foi por
apenas alguns segundos. Em seguida, o braço forte do ruivo estrangulou-o. Jacques caiu
inerte de cara no chão.
Jules, assistindo à cena, imóvel e ainda preso pelo gigante, não podia acreditar que
havia testemunhado um assassinato. Agora sim estava fodido, pensou, fitando os homens ao
seu redor.
-Sabemos quem é você, minha mãe me falou que está ajudando as mulheres que
levaram porrada desse animal. Deve estar a par da moça que está na UTI, é minha irmã. Oui,
tem família, pute também tem família.... –completou com raiva contida; depois, mudou o
tom, mais brando: - A gente agradece, mas nada de advogados. A coisa é feita na rua e
termina na rua, d’accord? Vai dizer que não estava a fim de dar cabo no canalha?! –
perguntou o ruivo com arrogância, testando a personalidade do executivo.
Livre os tentáculos de aço, Jules ignorou-os, aproximou-se do corpo distendido no
chão, abaixou-se e tocou-lhe no pescoço a fim de tomar-lhe a pulsação. Estava de fato
morto. Não pôde conter um suspiro de alívio. Ergueu-se e falou sério:
-Acertaram ao fazer algo errado. Mas ele seria julgado e condenado por seus crimes.
Agora, vocês se igualaram a ele. Quem ganhou, afinal?
-Vai nos entregar pra polícia? –indagou o ruivo ameaçadoramente.
Jules estava farto daquele lugar, daquela gente, do cheiro de sangue e morte.
Pensava apenas em voltar para casa. Olhou ao redor e declarou encerrando a questão:
- Sumam com o corpo. – disse por fim.

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Obsessão em Paris  Veronique Gris

Voltou até a cadeira enquanto os caras juntavam Jacques do chão e o carregavam


para algum lugar.
Ajeitou as mangas da camisa, vestiu o paletó e o sobretudo. Desligou o gravador que
registraria as confissões de Jacques para a promotoria, retirou a fita do gravador, jogou-a no
chão e a esmagou debaixo do sapato. Olhou para o amplo galpão e pensou: Jacques morreu
aqui. O passado morreu aqui também.
Passou no Dôme e pegou comida para dois. E meio.

Fim

Site da escritora: veroniquegris.blogspot.com


Contato: vgveronique@hotmail.com

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