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1 INTRODUÇÃO

Ao analisar a aplicabilidade do dolo eventual nos acidentes de trânsito, o presente


trabalho pretende demonstrar que a sociedade brasileira necessita de mudanças profundas na
legislação, haja vista que o Brasil é um dos países recordistas em mortes no trânsito,
fenômeno ocasionado devido ao lamentável grau de irresponsabilidade de grande parte dos
condutores de veículos automotores.
Paralelamente, estão os problemas com o sistema de transporte do país,
exclusivamente rodoviário, em detrimento das demais alternativas, tais como, aéreo, fluvial
ou sobre trilhos, que acarretam um volume exorbitante de veículos que transitam nas vias
públicas, nem sempre em perfeito estado de conservação.
O novo Código de Trânsito Brasileiro, elencado na Lei n° 9.503/1997, implementa
vários dispositivos de penalização do condutor infrator, tais como multa pecuniária,
apreensão do veículo e até a suspensão do direito de dirigir. Porém, passados doze anos de
sua reforma, evidencia-se a incapacidade do CTB de oferecer punições que correspondam às
expectativas da sociedade.
O presente trabalho tem como objetivos conceituar o dolo eventual, analisar a sutil
diferença entre este e culpa consciente e demonstrar a possibilidade da aplicabilidade do dolo
eventual nos acidentes de trânsito. Não é fácil levar adiante uma nova filosofia que busque
inovações na lei, mediante a precariedade doutrinária referente ao assunto estudado. Porém,
os tribunais pátrios têm auxiliado a traçar caminhos mais definidos na aplicação da lei, com
inclusões de decisões inovadoras, apresentando com êxito a relevância no aspecto jurídico,
da aplicabilidade do dolo eventual, com maior penalização do que a prevista na legislação,
alimentando o desejo pessoal e coletivo de que seja feita a justiça.

2 DOLO

O crime será doloso quando o agente quiser o resultado ou assumir o risco de


produzi-lo (CP. 2009, Art. 18, I). Através do dolo, a culpabilidade é apresentada de uma
forma mais grave. Age com dolo, aquele que executa uma ação ou omissão de forma
consciente e voluntária. O doutrinador Bitencourt (2008, p. 266, 267) define dolo de forma
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de fácil compreensão, “dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em


um tipo penal”.
Compondo o tipo subjetivo, constata-se que o dolo é elemento essencial da ação final,
constituído por dois elementos, sendo eles: cognitivo e volitivo. Bitencourt (2008, p. 267)
esclarece que “cognitivo é o conhecimento do fato constitutivo da ação típica, e volitivo é a
vontade de realizá-la. O primeiro elemento é o conhecimento, pressuposto do segundo, a
vontade, que não pode existir sem aquele”.
“Dolo, em direito penal, é a deliberação de violar a lei, agindo ou omitindo, com
pleno conhecimento da criminalidade do que se está fazendo” (HOUAISS, 2001).

2.1Teorias do Dolo

Devido às divergências doutrinárias quanto à definição de dolo, podemos encontrar


diversas teorias predominantes.

2.1.1 Teoria da vontade

Esta teoria é tida como clássica, definindo dolo como a direção da vontade ao
resultado. Explica Bitencourt (2008, p. 268):

“A essência do dolo deve estar na vontade, não de violar a lei, mas de realizar a
ação e obter o resultado. Essa teoria não nega a existência da representação
(consciência) do fato, que é indispensável, mas destaca, sobretudo, a importância
da vontade de causar o resultado”.

A teoria da vontade não se mostra suficiente, pois tende a evidenciar a conduta do


autor somente em atitude de desprezo.
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2.1.2 Teoria da representação

Para esta teoria basta supor o resultado, com dolo, a previsão deste como provável ou
certo. Esta teoria é infrutífera, pois somente a previsão do resultado, não se faz suficiente
para dissipar a noção de dolo.

2.1.3 Teoria do consentimento ou assentimento

Jesus (2009, p. 284), ao referir-se a esta teoria, estabelece que “requer a previsão ou
representação do resultado como certo, provável ou possível, não exigindo que o sujeito,
queira produzi-lo, sendo suficiente o seu assentimento”.
Esta teoria, por sua vez, aponta a representação e a vontade como sendo
características principais no conceito de dolo. Se houver vontade, mesmo que dirigida de
forma indireta ao resultado possível, assume-se o risco de produzi-lo.
Consentir que o resultado ocorra é uma forma de querê-lo. Faz-se necessária a
representação, que não é suficiente para que se caracterize a existência do dolo.
O Código Penal Brasileiro adotou duas teorias, sendo a da vontade, adotada para o
dolo direto, e a teoria do consentimento, adotada para o dolo eventual (BITENCOURT,
2008).

2.2 Espécies de Dolo

Na tentativa de abranger o objetivo pretendido pelo agente, ao analisar a relação entre


vontade e os elementos constitutivos do tipo, tais como o meio utilizado, a relação de
causalidade e o resultado, surgiram as espécies de dolo:
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2.2.1 Dolo direto ou imediato

O dolo direto, composto pelos aspectos representação, querer e anuir, condiz à


vontade do sujeito ativo, que visa resultado certo e determinado, sendo sua vontade
direcionada à realização do fato típico.
Explica Bitencourt:

No dolo direto o agente quer o resultado representado como fim de sua ação. A
vontade do agente é dirigida à realização do fato típico. O objeto do dolo direto é o
fim proposto, os meios escolhidos e os efeitos colaterais representados como
necessários à realização do fim pretendido (BITENCOURT, 2008, p. 270).

Classifica-se, também, o dolo, em primeiro e segundo grau. Como de primeiro grau


em relação ao fim proposto, claramente explicado por Santos (1985, p. 76), “O fim proposto
e os meios escolhidos, porque necessários ou adequados à realização da finalidade, são
abrangidos, imediatamente, pela vontade consciente do agente: essa imediação os situa como
objetos do dolo direto”.
Em segundo grau, estará relacionado aos efeitos colaterais, representados como
necessários. Descreve Bitencourt:

Em face da natureza do fim proposto, ou dos meios empregados, são


abrangidos, mediatamente, pela vontade consciente do agente, mas a sua produção
necessária os situa, também, como objetos do dolo direto, não é a relação de
imediatidade, mas a relação de necessidade que os inclui no dolo direto
(BITTENCOURT, 2008, p. 271).

Enfim denomina-se dolo direto de primeiro grau, quando se trata do fim diretamente
desejado pelo agente, e dolo direto de segundo grau, quando o resultado é desejado em
virtude da dedução do meio escolhido, e esta diferenciação influenciará na fixação da pena
base.
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2.2.2 Dolo eventual

Ocorre o dolo eventual quando o agente, antevendo o resultado, age, assumindo os


riscos de produzi-lo, não desejando o resultado, pois se assim o fizesse seria dolo direto. No
eventual, a vontade se dirige à conduta: ao realizar o comportamento, percebe ser possível
causar o resultado e o ignora.
No momento em que o agente assume o risco de produzir um resultado previsto,
mesmo não querendo que ele ocorra diretamente, estará caracterizado o dolo eventual.
Sustenta Franco (1997, p. 284) que “tolerar o resultado, consentir em sua provocação,
estar a ele conforme, assumir o risco de produzi-lo, não passam de formas diversas de
expressar um único momento: o de aprovar o resultado alcançado, enfim, o de querê-lo”.
Um exemplo seria o agente que mantém a vítima sob mira, e pretende atirar para
matá-la, percebe que, se o fizer, poderá acertar a pessoa com a qual a vítima conversa. Não
obstante a possibilidade da produção deste último resultado, age com indiferença. Embora
não queira o evento, tolera a morte do terceiro, atirando na vítima e matando também o
terceiro, praticando homicídio com dolo direto pela morte do primeiro, e do segundo,
homicídio a titulo de dolo eventual.
O que distingue o dolo direto do eventual é que, no direto, o agente, além de prever,
ele quer o resultado. Entretanto, no dolo eventual o agente prevê o resultado como possível e
aceita o risco de produzi-lo, portanto, não se extrai o dolo eventual da mente do autor, e sim
das circunstâncias que o cercam.

2.3 Crimes Dolosos de Trânsito

A sociedade brasileira assiste com perplexidade o trânsito criminoso das ruas e


estradas de todo o País, aliado a motoristas irresponsáveis e insensíveis. Com a precariedade
das vias de trânsito, a vida de inúmeras pessoas vêm sendo ceifadas, quando não acabam por
ficar com terríveis sequelas.
Mediante o quadro vigente, o novo CTB (Código de Trânsito Brasileiro) introduziu e
disciplinou uma série de novos crimes no panorama penal brasileiro, que não contemplou o
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Código de Trânsito anterior, evidenciando a vontade principal do legislador e de toda a


sociedade, qual seja: coibir a violência estampada no cotidiano e vivenciada no trânsito.
Os crimes cometidos na direção de veículos automotores estão discriminados pelo
CTB, do Art. 302 ao Art. 312: praticar homicídio; praticar lesão corporal culposa; deixar de
prestar socorro imediato à vítima; afastar-se do local do acidente para fugir à
responsabilidade civil e/ou penal consequente; dirigir, na via pública, sob a influência de
álcool ou substância de efeitos análogos; violar a suspensão ou a proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir, imposta como sanção nos casos em que assim se
aplica; participar de competições automobilísticas não autorizadas, dentre as quais destacam-
se os chamados “rachas”ou “pegas”; dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida
permissão para dirigir ou habilitação, ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando
perigo de dano; permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não
habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem,
por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de
conduzi-lo com segurança; trafegar em velocidade incompatível com a legalmente
estabelecida para o local; e, finalmente, inovar artificiosamente, mentir, procurar ludibriar as
autoridades responsáveis para apurar os fatos ocorridos em virtude de acidentes de trânsito
com vítima, durante a pendência do respectivo procedimento adotado, seja inquérito policial,
ou mesmo processo penal.
A Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro, Decreto-lei n. 3.914/41 art. 1º, faz a
seguinte definição de crime:

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou


detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de
multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de
prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativas ou cumulativamente.

Ao contrário dos Códigos Penais de 1830 e 1890, o Código Penal de 1940, com a
reforma penal de 1984, não define crime, facultando a conceituação aos doutrinadores
nacionais. Utiliza-se, portanto, os elementos estruturais do conceito analítico de crime, como:
ação típica, antijurídica, e culpável.
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A eventual ocorrência de exclusão da punibilidade, seja por falta de uma condição


objetiva, ou pela presença de uma justificativa absolutória, não exclui o conceito de crime já
perfeito e acabado (BITENCOURT, 2008).
Perante o Código Penal brasileiro, o art. 18, I, explica que pratica o crime doloso, ao
querer intencionalmente alcançar o resultado, como quando o agente, desejando o resultado,
utiliza dos meios para atingir o seu objetivo. É o caso do sujeito que, ao conduzir veículo
automotor, avista o seu inimigo caminhando pela calçada e, então, propositadamente lança o
seu veículo de encontro ao pedestre e este, consequentemente, vem a falecer. Inexiste a
possibilidade de crime culposo ou dolo eventual, pois o objetivo do sujeito agente era causar
a morte de seu inimigo, utilizando-se do veículo automotor que conduzia. Trata-se, este
exemplo, de crime doloso.
Mirabete (2002, p. 454) classifica o crime doloso, também chamado de crime
comissivo ou intencional, como “é aquele em que o agente prevê o resultado lesivo de sua
conduta e, mesmo assim, leva-a adiante, produzindo o resultado”.
Crimes dolosos podem ser também na forma omissiva, como demonstra o art. 135 do
CP, juntamente com o art. 177 do CTB:

Art. 177 do CTB – Deixar o condutor de prestar socorro à vítima de acidente de


trânsito quando solicitado pela autoridade e seus agentes: infração – grave,
penalidade – multa.

Art. 135 do CP – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem


risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida,
ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro
da autoridade pública; Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

O dever de solidariedade deverá ser dominante entre os seres humanos, exercido, não
só pelo dever, mas também pelo impulso de ajudar o outro, máxime quando há situação de
urgência ou necessidade.
É crime, tanto a omissão de socorro quando o próprio agente envolvido no acidente e
estando em plenas condições físicas não socorre a vítima, quanto o não cumprimento de uma
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ordem expedida pelo policial ou oficial do corpo de bombeiros, para ajudar na remoção da
vítima.

2.4 Homicídio Qualificado nos Acidentes de Trânsito

Reza o dispositivo do art. 302 do CTB “praticar homicídio”, ao contrário do que


transcreve o art. 121 do CP: “matar alguém”. No entando, presume-se o tipo, que é matar
alguém. Rizzardo (2008, p. 571) explica que, “com o homicídio culposo, há a morte, já que a
palavra homicídio tem sua formação em cortar ou tirar a vida do homem”.
No caso específico do homicídio praticado com o uso de veículo automotor, sendo
este capitulado na forma culposa, a pena a ser imposta variará entre dois e quatro anos de
detenção na forma do artigo 302 da Lei 9503/97, enquanto que, classificado o homicídio com
base no dolo eventual, segundo o artigo 121, caput do Código Penal, a pena irá variar de seis
a vinte anos de reclusão e, nesses casos, seguirá a tramitação específica do Tribunal do Júri.
O Código Penal Brasileiro especifica três tipos de homicídios: culposo, simples e
qualificado. Geralmente, os acidentes de trânsito são enquadrados como homicídios
culposos. Recentemente tem havido inclinações, nas decisões judiciais, para homicídio
doloso, principalmente nos casos ocasionados por imprudência.
O homicídio qualificado está descrito no § 2º do artigo 121 do Código Penal
Brasileiro, que prevê agravantes para o caso de assassinato: se o réu agiu por motivo torpe ou
fútil, com perigo comum à coletividade, não deu chance de defesa à vítima ou tirou vantagem
do crime. Veja-se:

Art. 121. Matar alguém; Pena – reclusão, de seis a vinte anos.


(...)
§ 2º - Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de
recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego
de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de
que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do
ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem
de outro crime. Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
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Ao utilizar quaisquer dos meios previstos nos incisos deste parágrafo, o agente
responderá pelo homicídio qualificado, como demonstra a denúncia recebida pela Promotoria
local do município de Palmas-Pr:

O Juízo Criminal da Comarca de Palmas recebeu no dia 09 de outubro deste


ano corrente, a denúncia da Promotoria de Justiça local contra o estudante
universitário Luiz Evandro Cambrussi Filho, de 29 anos, por homicídio
qualificado e tentativa de homicídio qualificado, por dolo eventual. Acusado de
provocar a morte de uma pessoa e de deixar uma segunda vítima gravemente
ferida, em acidente de trânsito ocorrido em setembro de 2005. A denúncia assinada
pela promotora de Justiça Danielle Garcez da Silva, relatava que Luiz Evandro
saiu dirigindo seu veículo, alcoolizado, após ter ingerido diversas doses de uísque
durante churrasco na casa de um amigo. Quando estava na Fuá Sete de Setembro,
próximo ao cruzamento com a Rua Capitão Paulo de Araújo, local onde a
velocidade máxima permitida é de 60 km/h, ele teria acelerado o veículo, dando
“cavalos de pau”. O carro subiu na calçada após uma frenagem de 20 metros,
atingindo uma mulher, que sofreu graves ferimentos, na sequência, continuou
acelerando o veículo e dando “cavalinhos de pau”, atingindo novamente a mais
uma vítima, e ainda outra mulher, que faleceu em decorrência do choque, em
seguida o motorista fugiu sem prestar socorro.

A denúncia citada demonstra a ocorrência de homicídio qualificado, pois tem-se


caracterizada a utilização de meio que possa resultar em perigo comum, elencado no inciso
III, do § 2º, do referido artigo 121 do CP.

2.5 Dolo Eventual nos Crimes de Trânsito

Todos os anos, inúmeras vidas de pessoas são eliminadas, em decorrência do alto


índice de acidentes de trânsito. É indubitável a existência de dolo eventual nesses acidentes,
que, na verdade, são homicídios dolosos no qual irresponsáveis, na maioria das vezes
totalmente alcolizados, insistem em conduzir seus veículos pelas vias públicas, não se
importando com vidas alheias.
A aplicabilidade do dolo eventual nos crimes de trânsito tem causado grande alarido
nos tribunais, requerendo do juiz amplo grau de esclarecimento e interpretação do texto da
lei, principalmente nos casos de acidentes de trânsito ocasionados por embriaguez e excesso
de velocidade.
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Atualmente, a posição adotada pela jurisprudência pátria tem sido em não mais
considerar a atuação do agente em determinados delitos de trânsito, como culpa consciente,
mas como dolo eventual.
O condutor que ignora a vedação legal de certas condutas, tais como: racha e direção
em alta velocidade sob embriaguez, e continua a agir de forma arriscada, deverá responder
por crime de dolo eventual.
A respeito da decisão proferida pelo Superior Tribunal Federal:

A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade


ético-jurídica, participa, com o seu veículo automotor, de inaceitável disputa
automobilística realizada em plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade
exagerada – além de ensejar a possibilidade de reconhecimento de dolo eventual
inerente a esse comportamento do agente, ainda justifica a especial exasperação da
pena, motivada pela necessidade de o Estado responder, grave e energicamente, à
atitude de quem, em assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e de
lesões corporais” (HC 71.800-1-RS, 1º. T., rel, Celso de Mello, DJ. 20.06.1995,
RT 733/478).

A instituição do júri está estabelecida no Artigo 5º, XXXVIII, da atual Constituição


Federal Brasileira, e art. 74, §§ 1° e 2°, do Código de Processo Penal. Recentemente, alguns
crimes de trânsito que foram a júri popular foram julgados, baseados na interpretação dolosa
que fornece parte do art. 121, do Código Penal. Na maioria das vezes, as sentenças são
aplicadas com base em características peculiares, tais como: motorista embriagado, não
possuidor da carteira de habilitação, por dirigir seu veículo em alta velocidade e
principalmente por não ter agido de forma a tentar evitar a colisão e consequentemente, a
morte iminente da vítima. Estas características citadas acima têm levado os jurados ao
entendimento de que o motorista que age nessas condições antevê o resultado, pois, com a
prática dessa conduta, assume o risco de produzi-lo, e independentemente da explícita
caracterização da vontade de cometer o delito, acabe sendo julgado por dolo eventual.

Trata a jurisprudência:

Age com dolo eventual o motorista que dirige veículo sem habilitação, em
velocidade excessiva para o local, realizando manobras perigosas, assumindo,
dessa forma, o risco de causar o dano, no caso, atropelamento com resultado fatal
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para duas vítimas. Em razão desta conduta, deve o acusado ser submetido ao
Tribunal do Júri, juízo constitucionalmente competente para apreciar os crimes
dolosos contra a vida” (TJRO, SER 200.000.2003.008963-8, CCrim, rela. Desa.
Zelite Andrade Carneiro, j. 12-2-2004, RT 825/676), (RIZZARDO, 2008, p.
40).
Aquele que, inabilitado, dirigindo veículo furtado, em alta velocidade, atropela
e mata alguém age com dolo eventual, isso porque, embora a razão de sua conduta
não seja diretamente a de atropelar e matar a vítima, assume o risco do resultado
letal e o aceita. Demonstrados a materialidade do delito e os indícios de sua
autoria, a regra é a pronúncia”(TJMG, SER 308.821-8/00, 2ª CCrim, rel. Des. Luiz
Carlos Biasutti, DJMG de 10-6-2003, REVISTA JURÍDICA n. 309, p. 168),
(RIZZARDO, 2008, p. 40).

É incabível a desclassificação do homicídio doloso para culposo no caso de


agente que dirige alcoolizado, em alta velocidade e sem habilitação, provocando a
morte de duas vítimas, a dilaceração e amputação do pé de uma terceira, além de
lesionar gravemente duas crianças. Dessa forma, tendo o agente assumido o risco
de produzir o resultado, é incabível a desclassificação para homicídio
culposo”(TJCE, SER 2003.0001.6482-3/1, rel. Des. José Eduardo Machado de
Almeida, j. 18-11-2003, RT 821/621), (RIZZARDO, 2008, p. 39).

As estatísticas apresentadas todos os anos pelos meios de comunicação, referentes aos


principais feriados nacionais, demonstram dados alarmantes quanto aos crimes cometidos por
condutores de veículos automotores. Além do alto índice de embriaguez, outros fatores
auxiliaram a soma desses dados, tais como: falta de atenção ao volante, excesso de
velocidade e ultrapassagens realizadas de forma indevida.
Havendo, no momento da condenação, incerteza da vontade do réu em atingir o
resultado, vige o princípio do in dúbio pro réu. Porém, nos casos mencionados acima, como
juízo de admissibilidade, não se faz necessária a pronúncia que exista a tal certeza no
momento da condenação, resolvendo-se em favor da sociedade as eventuais incertezas
propiciadas pela prova in dúbio pro societate.
Faculta ao juiz apresentar os motivos de seu convencimento. Ao apreciar as provas
existentes nos autos, não poderá valorá-las subjetivamente. Ao apontar as provas do crime e
os indícios à autoria, deverá limitar-se em termos sóbrios e comedidos. Dessa forma, não
exercerá influência no ânimo dos jurados, que serão os competentes para o exame
aprofundado da matéria (MIRABETE, 2002).
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3 CULPA

Trata o Art. 18, II, que o crime será culposo quando o agente der causa ao resultado
por imprudência, negligência ou imperícia (NUCCI, 2007). Para a verificação da culpa,
necessário se faz um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está presente ou
não, sendo a culpa definida como o elemento normativo da conduta. O resultado de perigo ou
dano na culpa não é previsto, porém previsível. Se de alguma forma foi previsto, o agente
não aceita, pois acredita que tal não ocorra.
Explica (BITENCOURT, 2008, p. 285):

O legislador brasileiro, ao estabelecer as modalidades da culpa, esmerou-se em


preciosismos técnicos, que apresentam pouco ou quase nenhum resultado prático:
tanto na imprudência quanto na negligencia há inobservância de cuidados
recomendados pela experiência comum no exercício dinâmico do quotidiano
humano. E a imperícia, por sua vez, não deixa de ser somente uma forma especial
de imprudência ou de negligência.

A culpa está apenas prevista genericamente no tipo, sem descrições e nem


especificações. Para a adequação típica é imprescindível um juízo de valor sobre a conduta
do agente, no caso concreto, juízo este que se faz com comparações entre o comportamento
de um sujeito no plano concreto e a de um homem de prudência média.

3.1 Modalidades da Culpa

As modalidades da culpa estão descritas no art. 18, II, do Código Penal: imprudência,
negligência e imperícia.
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3.1.1 Imprudência

De caráter comissivo, a imprudência se traduz pela prática de uma conduta arriscada


ou perigosa, caracterizada pela precipitação e insensatez do agente.
Ocorre na imprudência o desenvolvimento simultâneo entre a culpa e a ação, ou seja,
ao praticar a ação, o agente desenvolve ao mesmo tempo a imprudência
Para avaliar, em um acidente de trânsito, se o agente agiu com imprudência ou não,
deve-se levar em consideração as condições do tráfego no determinado momento e local do
fato ocorrido. Age, portanto, com imprudência, o motorista que dirige em alta velocidade em
tempo chuvoso, e com as condições de pista molhada. Ao passar por uma poça de água,
perde o controle de seu carro e atinge um veículo que trafegava na pista contrária, causando a
morte de um de seus ocupantes.
Neste caso, configura-se crime de homicídio culposo, devido à imprudência por ele
praticada. Exclui-se completamente a possibilidade de caso fortuito ou força maior, por ser
comum e previsível, em casos como este, a ocorrência de aquaplanagem e derrapagem do
veículo.
Se houvesse agido com maior atenção, o agente poderia ter previsto o resultado.
Diminuindo a velocidade, teria evitado a realização da ação lesiva.

3.1.2 Negligência

É a forma displicente de agir. Refere-se à pessoa que toma atitudes com a total falta
de precaução. Age com negligência o sujeito que, podendo tomar as cautelas necessárias, não
o faz, não fazendo o que deveria ser feito.
Complementa o exemplo de Bitencourt (2008, 287): “negligente é o motorista de
ônibus que trafega com as portas do coletivo abertas, e causa a queda e morte de um
passageiro”. A possibilidade do resultado é uma previsão que não passa pela cabeça de um
autor de crime cometido por negligência.
Age, portanto, com negligência aquele que, por inércia ou preguiça mental, não
observa as normas de conduta que um homem médio observaria no seu agir, deixando este de
agir com cautela.
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O art. 27 do Código de Trânsito Brasileiro descreve que:

Antes de colocar o veículo em circulação nas vias públicas, o condutor deverá


verificar a existência e as boas condições de funcionamento dos equipamentos de
uso obrigatório, bem como assegurar da existência de combustível para chegar ao
local de destino (2008, p.113).

Sobre a responsabilidade do condutor de veículo, Rizzardo (2008, p. 114), ressalta em


seu livro:
É dever do condutor assegurar o bom estado de conservação do seu veículo,
para que possa circular com total segurança, principalmente no que diz respeito à
existência e perfeito funcionamento dos equipamentos obrigatórios, o que muito
influirá para que a circulação ocorra sem riscos.

3.1.3 Imperícia

Falta de preparo, capacidade ou conhecimento técnico, para o exercício de certo


ofício, ou seja, quando o sujeito ativo não possui habilidade para desempenhar determinada
atividade.
Ensina (BITENCOURT, 2008, p. 285):

Imperícia é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de


conhecimentos técnicos para o exercício de arte, profissão ou ofício. A inabilidade
para o desempenho de determinada atividade fora do campo profissional ou
técnico tem sido considerada na modalidade de culpa imprudente ou negligente,
conforme o caso.

Consiste imperícia a falta de conhecimento e incapacidade para praticar


determinada ação, agindo com culpa e imprudência o condutor que, ao trafegar com sua
motocicleta em alta velocidade, em via pública; e com negligência, por não reduzir a
velocidade, mesmo após visualizar a vítima. É imperícia quando, ao perceber que a vítima se
trata de pessoa de idade avançada e a aproximadamente 40 metros de distância, não é capaz
de manobrar a sua moto, no sentido de evitar o acidente.
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Não se deve confundir imperícia, com erro profissional, pois este geralmente ocorre
de forma imprevisível, e é totalmente desculpável, justificável, transpondo os limites da
imprudência e atenção humana.

3.2 Espécies de Culpa

O Código Penal não faz distinção entre culpa consciente e culpa inconsciente,
aumentando a dificuldade de se comprovar, em um caso concreto, qual das duas espécies
ocorreu. Bitencourt (2008, p. 286) esclarece: “destaca-se a sutil diferença entre não prever
um resultado antijurídico, e quanto a prevê-lo, confiando, levianamente, na sua não
ocorrência, se este, de qualquer sorte, se verificar. A gravidade da culpa, seja ela maior ou
menor, será decidida pelo juiz.
Seguem as espécies de culpa:

3.2.1 Culpa consciente

Na culpa consciente, também conhecida como culpa com previsão, o agente prevê o
resultado e não o aceita, esperando descuidadamente que ele não ocorra, ou se esforçando
para que seja evitado, pois entende que sua habilidade poderá impedir o evento lesivo
previsto. A diferença entre culpa consciente e dolo eventual é que, na culpa consciente,
embora prevendo o possível resultado, o agente, recusa essa possibilidade, enquanto que no
dolo eventual o agente prevê o resultado, porém não se importa que ele ocorra.
Trata-se de uma tênue linha divisória entre culpa consciente e dolo eventual, pois em
ambas o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo eventual o agente
aceita a possível ocorrência do evento.
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3.2.2 Culpa inconsciente

Manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia, é a culpa comum, culpa ex


ignorantia, embora o resultado seja previsível, não é previsto pelo agente, manifestada pela
imprudência, negligência e imperícia.
Para identificar as duas espécies de culpa, deve-se atentar para a previsibilidade do
resultado. Caso fortuito ou força maior são resultados de imprevisibilidade. Esclarece
(BITENCOURT, 2008, p. 285):

Na culpa inconsciente, apesar da presença da previsibilidade, não há a previsão


por descuido, desatenção ou simples desinteresse. A culpa inconsciente
caracteriza-se pela ausência absoluta de nexo psicológico entre o autor e o
resultado de sua ação.

3.2.3 Culpa imprópria

A culpa imprópria não é uma culpa propriamente dita, pois, no momento da ação, o
agente supõe estar acobertado por uma causa que exclui a ilicitude. Entretanto, o erro poderia
ter sido evitado, permanecendo o comportamento culposo. Para Capez (2008, p. 213), “trata-
se de erro de tipo inescusável, que exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo”.

3.2.4 Culpa mediata ou indireta

Ocorre quando o agente ocasiona um resultado de forma indireta, sendo este culposo,
previsível e dependente de uma primeira conduta.
Capez (2008, p. 214) cita um exemplo de fácil entendimento: “um motorista que se
encontra parado no acostamento de uma rodovia movimentada, quando é abordado por um
assaltante. Assustado, foge para o meio da pista e acaba sendo atropelado e morto”. O agente
responde pelo roubo, realizado diretamente de forma dolosa, e pela morte da vítima,
ocasionada de forma indireta e culposa.
22

3.3 Crimes Culposos de Trânsito

O homicídio culposo está tipificado no Art. 121, §3º do Código Penal Brasileiro, e
sua ocorrência na direção de veículo automotor está descrito nos termos do Art. 302 do
Código de Trânsito Brasileiro, que estipula um tipo incriminador específico, qual seja: “Art.
302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor, Penas – detenção, de 2
(dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação
para dirigir veículo automotor”.
Criticável, este conceito típico é uma forma estranha de descrever o delito, não
mencionando o verbo, a conduta principal do autor, pois o comportamento do autor no
homicídio culposo consiste em “matar” culposamente, não em “praticar” homicídio culposo,
pois o sujeito será punido não porque “praticou”, e sim porque “matou alguém”.
Enquadram-se, portanto, como culposos, os delitos de lesões corporais ou de
homicídio, praticados na direção de automóvel, quando o agente não quis o resultado ou
acreditou que não adviriam as lesões ou a morte. Complementa a doutrina que o homicídio
culposo é considerado como “a eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de
uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia
(RIZZARDO, 2008, p. 593)”.
O art. 199 do CTB explica que, ultrapassar pela direita, salvo quando o veículo da
frente devidamente sinalizar que vai entrar a esquerda, é considerada infração média de
trânsito, com a penalidade apenas de multa. Porém, suas conseqüências podem ser
desastrosas, como demonstra a jurisprudência em exemplo:

Age com culpa e responde pela lesão corporal e homicídio culposo, o motorista
que tenta ultrapassar passando caminhão pela direita, invadindo o acostamento e,
aí, vindo a colher pessoas que normalmente trafegavam (TACrimSP, Ap.
1.032.669/3, 12ª Câm., rel. Juiz Ary Casagrande, j. 25-11-1996, RJTACrim
32/103), (RIZZARDO, 2008, p. 33).

Para a caracterização da culpa, o resultado independe da vontade. Nos acidentes de


trânsito, geralmente nos crimes considerados como culposos, a vontade é excluída do tipo, ou
seja, o resultado típico ocorre quando o agente viola o dever de cuidado e atenção a que
estava obrigado.
23

4 CONCLUSÃO

O presente trabalho de conclusão de curso objetivou, de forma prioritária, analisar a


possibilidade da incidência do dolo eventual nos acidentes de trânsito, buscando demonstrar
a correta interpretação da norma para sua aplicabilidade.
Através do estudo apresentado e mediante análise sistêmica da legislação,
demonstrou-se que o dolo, que é a vontade e consciência de agir, e a culpa, traduzida por dar
causa ao fato, mediante negligência, imprudência ou imperícia, possuem diferenciações
implícitas na lei, porém explicadas pela doutrina.
Demonstrou-se que, ao julgar, o jurista jamais poderá fazer uma breve análise da
legislação, pois, se agisse dessa forma, seria induzido à falsa premissa de que os crimes
trânsito serão sempre culposos, haja vista que o Código de Trânsito Brasileiro, em seu
capítulo XIX, em nenhum momento demonstra a hipótese de crime doloso.
Em virtude da diversidade de conceitos e tipificações, demonstrou-se que, além do
que diz a letra da lei, para a aplicação de punições se faz necessário analisar as diferenciações
entre dolo eventual e culpa consciente.
Conclui-se que, ao partir da premissa de que nenhum réu irá confessar a previsão do
resultado e a consciência da possibilidade de sua ocorrência, deverão ser observadas a
existência de circunstâncias essenciais para a caracterização do tipo subjetivo, tais como:
previsão do resultado, assunção do risco de produzi-lo e agir de forma indiferente para com a
sua ocorrência. Assim, será possível a capitulação do dolo eventual nos crimes de trânsito.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2008. v. 1.

BRASIL. Vade Mecum. Código penal. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 354.
Denúncia, disponível em: <HTTP://jornaldointerior.wordpress.com/2009/10/24/justica-
recebe-denuncia-por-homicidio-qualificado-no-transito-ocorrido-em-2005/>. Acesso em: 11
nov. 2009
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FRANCO, A. S. Código penal e a sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo,


Revista dos Tribunais, 1997. p. 284.

JESUS, D. Direito penal: parte geral. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1.

MARCÃO, R. Crimes de trânsito: anotações e interpretação jurisprudencial da parte


criminal da Lei n. 9.053, de 23-9-1997. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1.

MIRABETE, J. F. Manual de direito penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 454.

NUCCI, G. S. Código penal comentado: 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.
188.

RIZZARDO, A. Comentários ao código de trânsito brasileiro. 7. ed. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 2008. p. 114.

SANTOS, J. C. Direito penal, Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 76.

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