Professional Documents
Culture Documents
O século XIX iniciou sob a influência crescente das idéias do liberalismo clássico e dos
efeitos da Revolução Industrial. Graças a essas influências, os principais países
europeus foram consolidando a organização de suas economias pondo em prática os
princípios consagrados por aquela corrente de pensamento: propriedade privada dos
meios de produção, livre iniciativa empresarial, busca incessante do lucro, mercado e
sistema de preços como principais orientadores das decisões dos agentes econômicos (o
que, quanto, como e para quem produzir), tudo isso sob um cenário em que o Estado
reduzia cada vez mais sua presença na economia, em contraste com o elevado grau de
intervenção que havia prevalecido nos séculos anteriores em razão do predomínio da
visão mercantilista, que pode ser sintetizada no binômio absolutismo político +
intervencionismo econômico. Foi nesse cenário que os países pioneiros no processo de
industrialização foram expandindo sistematicamente o volume de produção,
aumentando consideravelmente a oferta de bens e serviços colocados à disposição de
suas respectivas populações. Além disso, ampliavam mais e mais a diferença que os
separava dos países que não conseguiam dar início a seus processos de industrialização,
tanto na Europa como, principalmente, fora dela, nas terras da Ásia, da Oceania, da
África e da América do Sul. A única exceção fica por conta dos Estados Unidos, cuja
população constituída em boa parte de imigrantes europeus e seus descendentes já
demonstrava um espírito empreendedor, o que permitiu que em algumas regiões do
norte e do leste a industrialização começasse precocemente, poucas décadas depois de
haver sido iniciada nos países pioneiros da Europa.
Porém, ao contrário do que imaginara Adam Smith, a Revolução Industrial não
conduziu ao paraíso. Decorrido mais de meio século do início da Revolução Industrial
observava-se que a segurança da antiga economia agrícola - quase artesanal - dos
vilarejos fora destruída. Com a urbanização desordenada que ocorreu em torno dos
centros industriais emergentes, o novo industrialismo trouxe fábricas cada vez maiores,
e os trabalhadores passaram a viver apinhados em sua vizinhança, em favelas ou
cortiços, onde o vício, o crime, as doenças, a fome, a miséria, a prostituição e a
promiscuidade constituíam o cenário mais comum. Os acidentes industriais ocorriam
com freqüência, quer em função das longas jornadas de trabalho, quer em virtude do
despreparo dos trabalhadores para interagirem com máquinas que iam sendo
incorporadas ao processo produtivo sem que houvesse qualquer treinamento para os que
teriam que manejá-las. Tais acidentes traziam miséria, não havendo qualquer
compensação para as famílias dos aleijados ou mortos. Não existiam direitos políticos
para os assalariados e os sindicatos eram proibidos. Nessas condições, a pobreza das
massas parecia cada vez mais opressiva (uma vez que agora ficava mais aparente já que
concentrada nos centros industriais emergentes) e contrastante (à medida que as grandes
fortunas se multiplicavam). A constatação de que o simples aumento do volume e da
diversidade dos bens e serviços produzidos não significava o fim da pobreza, uma vez
que a concentração excessiva da renda e da riqueza dava a muitos a impressão de que a
desigualdade estava até se expandindo provocou, nas décadas iniciais do século XIX, o
surgimento de duas correntes na história do pensamento econômico: a primeira, de
diversos reformadores sociais, entre os quais Saint-Simon, Fourier e Robert Owen, que
se tornaram conhecidos como socialistas utópicos, e que acreditavam numa mudança
para uma sociedade mais justa por meio de reformas pacíficas e até apoiadas pelos
grandes detentores de terra e de capital; a segunda, que tem em Stuart Mill seu exemplo
mais ilustrativo, é de uma espécie de dissidência clássica, ou seja, pensadores que
tiveram formação econômica através das idéias clássicas de Smith e de Ricardo, mas
que foram pouco a pouco se afastando delas e incorporando em suas proposições doses
crescentes de preocupação social juntamente com as primeiras idéias utilitaristas.O
fracasso dos socialistas utópicos em persuadir os capitalistas a aderirem a seus projetos
humanitaristas fortaleceu ainda mais as idéias de Marx que defendia, entre outras, a tese
de que a transição para uma sociedade mais justa só poderia ser feita por meio de um
processo revolucionário - luta de classes - dado o caráter exploratório das relações
assalariadas de produção, principal elemento definidor do modo de produção capitalista.
Em sua pregação, Marx propunha a eliminação da propriedade privada dos meios de
produção, que passariam a ser coletivos e administrados por meio de órgãos centrais de
planificação, aos quais incumbiria responder as questões fundamentais da economia: o
que, quanto, como e para quem produzir. A rápida penetração dessas idéias, em especial
entre os intelectuais e nos meios acadêmicos, estimulou o aparecimento quase
simultâneo de trabalhos que apresentavam considerável grau de convergência, levados a
cabo por pessoas diferentes, em lugares diferentes, e que trabalhavam
independentemente umas das outras. Entre elas destacam-se William Stanley Jevons, na
Inglaterra, Carl Menger, na Áustria, e Léon Walras, na Suíça. Nascia, nas pessoas
desses três grandes nomes, o que se tornou conhecido como a Escola Marginalista em
três ramificações: Escola de Cambridge, Escola Austríaca e Escola de Lausanne,
respectivamente. Embora reconhecendo a existência de problemas sociais não
resolvidos em mais de um século de predomínio das idéias clássicas na organização
econômica dos principais países da Europa, os marginalistas discordavam dos
socialistas em geral - e dos marxistas em particular - sobre a melhor forma de solucionar
esses problemas. Tinham, no entanto, uma certeza: não deveria ser através da
modificação da estrutura de produção capitalista, que consagrava os princípios liberais
clássicos da propriedade privada, da livre iniciativa e da busca incessante do lucro.
Afinal, o próprio Marx reconhecera a eficiência disso ao afirmar que "durante pouco
mais de cem anos em que se encontra no poder, a burguesia (e o capitalismo) criou
forças produtivas mais sólidas e colossais do que todas as gerações anteriores
juntas...".Vindo, portanto, em defesa dos princípios clássicos na época tão combatidos
pelos socialistas, os marginalistas dessa primeira geração fizeram a apologia do laissez-
faire e foram responsáveis por algumas contribuições notáveis para a evolução da teoria
econômica, entre as quais merecem destaque, segundo Oser e Blanchfield:Os
marginalistas concentravam sua atenção sobre a margem - o ponto de mudança em que
se baseiam as decisões - para explicar os fenômenos econômicos. Estenderam a toda
teoria econômica o princípio marginal que Ricardo desenvolveu em sua teoria da
renda.A abordagem marginalista era predominantemente microeconômica, na qual a
tomada de decisão do agente econômico individual - seja uma pessoa física ou uma
empresa - assumia importância central. Isso significa a retomada da tradição liberal da
análise econômica, e se contrapõe frontalmente à análise marxista que tem por foco
central as relações de classes.Os marginalistas tomavam por base um sistema
econômico baseado na concorrência perfeita (considerando, ocasionalmente, o
monopólio absoluto como extremo oposto). Foram, com exceção da corrente austríaca,
responsáveis pela forte expansão do uso de métodos quantitativos na construção de seus
modelos de análise, que pretendiam ser uma abstração da realidade. Nesses modelos, o
cenário dominante era constituído de um grande número de empresários pequenos e
médios, que agiam independentemente, existindo muitos compradores, muitos
vendedores, produtos homogêneos, preços uniformes, e sem influência da propaganda.A
demanda torna-se a força primária para a determinação de preços. Ela, por sua vez,
depende da utilidade marginal, que é um fenômeno psíquico. Portanto, a economia
tornou-se subjetiva e psicológica.Supunham que as pessoas seriam racionais quanto ao
equilíbrio de prazeres e desprazeres, ao medirem as utilidades marginais de bens
diferentes e ao equilibrarem necessidades presentes e futuras. Sua abordagem era
hedonista, supondo que os estímulos dominantes na tomada de decisão de qualquer
agente econômico ocorrem no sentido de maximizar o prazer e/ou minimizar o
desprazer .
Fica muito difícil reduzir a extraordinária contribuição de Marshall num texto com as
características destes das Iscas Intelectuais. Nesse sentido, o que procurarei fazer a
seguir é uma síntese daquelas que considero suas mais relevantes contribuições para a
evolução da teoria econômica e da história do pensamento econômico.
c. Ênfase na educação
Outro aspecto que vem reforçar o elevado grau de preocupação social de Marshall é a
maneira enfática como ele se referiu à importância da educação para a redução das
desigualdades sociais e, por extensão, para o crescimento econômico de qualquer país,
como fica claro na epígrafe de um dos livros menos conhecidos do Prof. Eduardo
Giannetti, Liberalismo X Pobreza: "O mais valioso de todos os capitais é aquele
investido em seres humanos". Nesse livro, Giannetti chama a atenção para um aspecto
normalmente ignorado por todos os que se opõem à visão econômica liberal, qual seja,
sua elevada preocupação com a educação.A bandeira da educação compulsória e
universal, financiada total e pelo menos parcialmente provida pelo Estado, é uma tônica
constante da economia clássica desde Adam Smith. Malthus, para citar apenas um
exemplo, sugeria que o investimento público maciço em educação popular seria uma
resposta muito mais eficaz do que a "Poor Law" no combate ao pauperismo. Porém,
dentre todos os autores da tradição liberal iniciada com os clássicos e continuada pelos
marginalistas e neoclássicos que mostraram preocupação com a educação, foi Marshall,
segundo Giannetti, quem mais se destacou nesse aspecto:Entre os economistas ingleses
na tradição liberal-utilitária, foi, sem dúvida, Alfred Marshall aquele que melhor
compreendeu a importância da formação de capital humano - do investimento na
qualidade da força de trabalho - para um programa de reforma social eficaz, voltado
para a emancipação da pobreza e a promoção do desenvolvimento econômico.Os dois
trechos citados a seguir ilustram com impressionante clareza essa enorme preocupação
com que Marshall analisava a importância do investimento em educação para o
desenvolvimento de uma nação. O primeiro retrata o enorme desperdício humano e
econômico da sociedade inglesa do começo do século XX, o qual, como bem observa
Giannetti, não difere muito da situação latino-americana e brasileira da atualidade:Nas
camadas mais baixas da população, o mal é grande. Pois os parcos meios e educação
dos pais e sua relativa incapacidade de antever, com um mínimo de realismo, o futuro,
impedem-nos de investir capital na educação e treinamento dos seus filhos, com a
mesma liberalidade e audácia com que o capital é aplicado no aprimoramento da
maquinaria de qualquer fábrica bem administrada (...) Por fim, eles, os filhos de pais
pobres, vão para o túmulo carregando consigo aptidões e habilidades que jamais foram
despertas. Aptidões, que, se tivessem podido dar frutos, teriam adicionado à riqueza
material do pais - para não falarmos em considerações mais elevadas - diversas vezes
mais do que teria sido necessário para cobrir as despesas de prover oportunidades
adequadas para o seu desenvolvimento (...) Mas o ponto sobre o qual devemos insistir
agora é que o mal tem caráter cumulativo. Quanto pior a alimentação das crianças de
uma geração, menos irão ganhar quando crescerem e menores serão seus poderes de
prover adequadamente as necessidades materiais de seus filhos e assim por diante nas
gerações seguintes. E, ainda, quanto menos suas próprias faculdades se desenvolvam,
tanto menos compreenderão a importância de desenvolver as melhores faculdades de
seus filhos e menor será sua capacidade de fazê-lo.O segundo reforça o caráter
cumulativo do desperdício mencionado no trecho anterior e dá ênfase à importância da
concentração da maior parte do investimento em capital humano na educação básica da
massa da população: Não existe extravagância mais prejudicial ao crescimento da
riqueza nacional do que aquela negligência esbanjadora que permite que uma criança
bem-dotada, que nasça de pais destituídos, consuma sua vida em trabalhos manuais de
baixo nível. Nenhuma mudança favoreceria tanto a um crescimento mais rápido da
riqueza material quanto uma melhoria das nossas escolas, especialmente aquelas de grau
médio, desde que possa ser combinada com um amplo sistema de bolsas de estudo,
permitindo, assim, ao filho inteligente de um trabalhador simples que ele suba
gradualmente, de escola em escola, até conseguir obter a melhor educação teórica e
prática que nossa época pode oferecer.
Com sua sólida formação em Matemática, Marshall deu enorme contribuição para a
incorporação de métodos quantitativos à análise econômica, vale dizer, a utilização
sistemática de equações matemáticas, gráficos e diagramas numéricos. Com isso,
prestou relevante serviço no sentido de dar mais credibilidade à Economia perante a
comunidade científica. Na época - final do século XIX - o critério da verificabilidade
era predominante para que uma dada teoria fosse reconhecida como científica, isto é, só
eram aceitas como científicas as proposições ou hipóteses que pudessem ser verificadas
(comprovadas) por meio de medição, demonstração matemática ou experiência
laboratorial. Nesse sentido, ao "traduzir" a teoria econômica para a linguagem
matemática, a contribuição de Marshall para que a Economia fosse aceita como uma
ciência foi fundamental.Na verdade, essa incorporação da Matemática à teoria
econômica foi conseqüência natural do amplo conhecimento que Marshall possuía do
assunto, como bem descreve Ottolmy Strauch:Tal como seu contemporâneo Karl Marx,
Marshall passou da Filosofia para a Economia, só que no seu caso foi pela via
matemática. Descrevendo sua passagem para a Economia, recordava ele já no final da
vida: "Da Metafísica fui para a Ética, e achei que a justificativa das condições existentes
da sociedade não era fácil". Um amigo, com quem discutia questões sociais, retrucou-
lhe um dia: "Você não diria isso se soubesse Economia". Sua iniciação no campo
econômico processou-se, segundo ele próprio, da seguinte forma: "Minha familiarização
com a Economia começou com a leitura de Mill, enquanto ainda estava ganhando
minha vida ensinando Matemática em Cambridge, e traduzindo suas concepções em
equações diferenciais até onde pudesse ir, e, em regra, rejeitando aquelas que a isso não
se prestassem... Isso foi, principalmente, em 1867/68". "Enquanto estava dando aulas
particulares de Matemática, traduzi o quanto possível os raciocínios de Ricardo para a
Matemática e empenhei-me em torná-los mais gerais".Muitos historiadores do
pensamento econômico, entre os quais Araújo, Brue e Feijó, fazem questão de ressaltar
que apesar de seu extraordinário domínio da Matemática e da incorporação da mesma à
teoria econômica - para desespero de muitos estudantes -, Marshall jamais deixou que a
Matemática se sobrepusesse à preocupação social básica da Economia. Ao contrário,
utilizou-a como um importante instrumento analítico e metodológico, mas se opôs ao
seu uso abusivo na Economia, tanto é verdade que colocou quase todos os gráficos e
diagramas nos rodapés e apêndices de suas obras. Essa consciência sobre o papel
assessório da Matemática fica clara numa famosa carta em que relata sua experiência
pessoal com a mesma, onde escreve: "Um bom teorema matemático relativo a hipóteses
econômicas é altamente improvável de ser boa Economia".Tal idéia fica ainda mais
reforçada num dos trechos mais reproduzidos de sua autoria: Um bom teorema
matemático que aborde hipóteses econômicas dificilmente será boa economia; e creio
cada vez mais nas seguintes regras: 1) Use a matemática como abreviação e não como
método de pesquisa. 2) Utilize-a até ter terminado. 3) Traduza para o inglês. 4) Ilustre,
então, com exemplos importantes da vida real. 5) Queime a matemática. 6) Se não
conseguir realizar a 4, então queime a 3.
e. Valor
f. Equilíbrio parcial
Considerando que a Escola Neoclássica foi uma extensão da Escola Marginalista, pode-
se afirmar que sua influência permanece acentuada na Economia até os dias de hoje,
uma vez que gerações sucessivas têm contribuído para o aperfeiçoamento e a
atualização de suas diversas ramificações.A Escola de Cambridge, que teve início com
Jevons e teve continuidade com Marshall, seguiu depois com importantes economistas,
destacando-se entre eles A. C. Pigou. A Escola Austríaca, iniciada com Menger, teve
depois von Wieser, Bohn-Bawerk, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek (ganhador do
Prêmio Nobel em 1974). Já a Escola de Lausanne, iniciada com Walras, teve em
Vilfredo Pareto seu principal seguidor.Dentre as ramificações posteriores, pode-se
assinalar também a vertente que se tornou conhecida como economia monetária (ou
monetarista), aí se destacando John Gustav Knut Wicksell, Irving Fisher, Ralph George
Hawtrey e Milton Fridman (ganhador do Prêmio Nobel em 1976). Pode-se identificar
ainda o vasto desenvolvimento da economia matemática (econometria) como uma
conseqüência da influência da Escola Neoclássica, assim como os progressos mais
recentes no campo da teoria dos jogos.Mas duas das maiores preocupações de Alfred
Marshall continuam sendo não apenas atuais, mas seguem ainda dando muita dor de
cabeça aos economistas contemporâneos. Uma delas, o combate à pobreza, continua
gerando muitas discordâncias e, em muitas partes do mundo, as políticas econômicas
levadas a cabo com esse objetivo apresentaram resultados pífios. Vale a pena, a esse
respeito, dar uma lida no artigo Receita para combater a pobreza ainda é um mistério
para os economistas, de autoria de Davis Wessel e reproduzida em O Estado de S. Paulo
em janeiro passado. A outra, sobre a importância econômica da educação, segue
inspirando renomados economistas contemporâneos, entre os quais os laureados com o
Nobel de Economia, Theodore W Schultz (1979), Gary Becker (1992) e James
Heckman (2000).A divisão entre Polytical Economy e Economics permanece também
dando margem a acalorados debates e muitas trocas de farpas. Nas reuniões anuais da
Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia (ANPEC), costumam
haver sessões separadas da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e da
Sociedade Brasileira de Econometria (SBE). Os adeptos de cada uma dessas associações
costumam dizer que o que se faz na outra não é, propriamente, economia!