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CADERNO:
A CRIANÇA, O CUIDADO E AS RELAÇÕES
CONTAGEM
2010
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A CRIANÇA, O CUIDADO E AS RELAÇÕES
Leonardo Boff
1. DELIMITAÇÃO
2. FUNDAMENTAÇÃO
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Conforme o caderno Discutindo o currículo da Educação Infantil em Contagem,
desta coleção, o período de 0 até 6 anos de idade é de extrema importância no
desenvolvimento humano. Nessa fase, toda criança tem uma plasticidade
cerebral maior do que em qualquer outro momento da vida, o que,
potencialmente, traz maiores possibilidades de aprendizagem e
desenvolvimento. No que diz respeito à criança com deficiência, essa
plasticidade cerebral “permite que as áreas do cérebro destinadas a uma
função específica possam assumir outras funções” (LIMA, 2008). Como o
cérebro infantil tem mais possibilidades de formar conexões entre os neurônios,
a criança tem maior facilidade para compreender e aprender, o que deve ser
possibilitado por meio de experiências significativas. Para construir uma
imagem positiva de si, ela precisa interagir com outras pessoas e com o meio
natural e social, além de ser desafiada e de ser valorizada nas suas tentativas
e conquistas.
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criança. Assim, o cuidado e as relações que os adultos estabelecem com as
crianças serão mediadores do seu desenvolvimento. Esses cuidados são
marcados por aspectos afetivos, sociais e éticos, que possibilitarão a inserção
dessa criança na cultura e, ao mesmo tempo, contribuirão de maneira
significativa para o seu autoconhecimento, o conhecimento do outro, o
aprendizado do autocuidado, o conhecimento de seu corpo e a construção de
sua identidade. Segundo Holzheim e Camargo (2010), “conhecer a si próprio e
ao outro é condição fundamental para o desenvolvimento pleno e integral da
pessoa humana. São processos que estão interligados e dependentes dos
recursos afetivos, cognitivos e sociais presentes em um indivíduo.”
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humano. Sem o cuidado, ele deixa de ser humano. Se não
receber cuidado, desde o nascimento até a morte, o ser humano
desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. (p.34)
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sistema de sentidos, no qual o sujeito se diferencia do outro, diz quem ele é,
quem são os outros e o que é o mundo.
Na Pré-história, não havia uma distinção clara de papéis, todos auxiliavam nos
cuidados básicos dos mais novos, que eram protegidos e alimentados pelos
mais velhos. Com a descoberta da agricultura, da criação de animais, das
ferramentas e do metal, o homem passou a interferir na natureza e a fixar
moradia, iniciando práticas sedentárias. Com isso, uma nova organização
social é estabelecida, o que gerou inúmeras transformações nos modos de
vida. O homem começou a produzir mais do que o necessário para sua
sobrevivência, passando a acumular alimentos, o que impulsionou o
crescimento populacional e o surgimento do comércio. Pouco se sabe sobre as
crianças nessa época; o que se tem são vestígios de seu modo de vida, já que
não haviam registros escritos.
Na Idade Média, a mortalidade infantil era muito alta e um dos fatores que
contribuía para isso era a aglomeração de pessoas em cidades, o que gerava
condições higiênicas precárias e um número crescente de epidemias. Porém, o
sentimento de perda dos pais era minimizado pelo fato de a Igreja preconizar
que a morte das crianças significava a volta de um “anjinho” para o céu
(MILBRATH, 2008). É importante destacar que a sociedade medieval era
marcada por uma rígida hierarquia (nobreza, clero e servos), o que fazia com
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que as crianças tivessem tratamentos diferentes de acordo com a classe social
a que pertenciam. Portanto, ainda que todas elas fossem vistas como adultos
em miniatura e participassem de práticas próprias do mundo adulto, somente
as pobres trabalhavam.
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Segundo Craidy e Kaercher (2001), as creches e pré-escolas surgiram depois
das escolas e têm sido, a partir da Revolução Industrial, muito associadas ao
trabalho materno fora do lar.
A partir dos anos 1930, surgem, então, vários órgãos assistenciais e jurídicos
voltados para a infância, como o Departamento Nacional da Criança (1940);
Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (1972); Serviço de Assistência ao
Menor - SAM (1941) e Fundação Nacional para o Bem-estar do Menor –
FUNABEM (1964); Legião Brasileira de Assistência (1942) e Projeto Casulo;
UNICEF (1946); Comitê Brasil da Organização Mundial de Educação Pré-
Escolar (1953); Campanha Nacional de Alimentação Escolar - CNAE (1955);
Organização Mundial para Educação Pré-Escolar - OMEP (1969);
Coordenadoria de Educação Pré-Escolar - COEPRE/MEC (1975). Além disso,
o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) ampliou, na década de 80, o
atendimento às crianças em idade pré-escolar.
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Na década de 1970, chegam ao Brasil as idéias de uma educação
compensatória, cuja proposta era resolver os problemas educacionais
causados pela suposta carência intelectual e cultural das famílias mais pobres.
As crianças das classes populares passam a ser chamadas de “carentes” e a
serem vistas como aquelas às quais faltam algumas características básicas
para adquirirem sucesso, como a falta de instrução e cultura de sua família e
de sua classe social.
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Pouco tempo depois, o Estatuto da Criança e do adolescente (Eca), de 1990, e
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) reforçam
e asseguram os direitos da criança, avançando no terreno das conquistas para
a infância.
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Mais recentemente, em 2009, foi publicada a Resolução n. 05, do Conselho
Nacional de Educação, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil e traz novos olhares sobre essa etapa da educação básica,
considerando-a em todas as suas possibilidades de interação. O artigo 9 dessa
resolução diz respeito ao currículo a ser desenvolvido nas instituições de
Educação Infantil. Porém, para os objetivos deste caderno, merecem destaque
os incisos desse artigo que dizem respeito às relações e aos cuidados de si e
do outro:
Com base no que preconiza esse documento, pode-se afirmar que o currículo
de uma instituição de Educação Infantil deve reservar espaço para atividades
que promovam o autoconhecimento e o autocuidado, a autoorganização, o
cuidado do outro, bem como a reflexão sobre os aspectos filosóficos e éticos
da vida humana.
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o sujeito inicia, ainda criança, sua participação na vida social, na qual assume
papéis e constrói as características individuais que o tornam único.
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A troca de fraldas propicia a experiência de higiene e de proteção da pele e
elimina o desconforto de estar molhada ou suja, auxiliando na percepção da
sensação de estar seca ou molhada. Na medida em que vai adquirindo maior
independência, a criança vai ampliando as experiências de cuidado e de
autocuidado. O desenvolvendo físico e a interação com o adulto e com outras
crianças mais experientes possibilita que ele se aproprie, aos poucos, das
práticas culturais de alimentação, higiene, sono, entre outras, ampliando seu
conhecimento sobre o mundo e sobre si. Dessa forma, a criança passa a se
sentir mais confiante e a reconhecer suas possibilidades e conquistas,
descobrindo, organizando e significando o ambiente em que está inserida, o
que a torna progressivamente mais humana.
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As situações diárias fazem com que a criança construa novos conceitos e
reformule ou consolide os que já possuía, sendo de extrema importância na
formação de sua identidade. Ao interagir com outras crianças, seja nos
momentos de cuidado, seja na disputa por um brinquedo, seja ao convidar
outra criança a participar de uma brincadeira, ela vivenciará experiências de
cooperação, de desconforto, de privação, de conquista, de conflitos ou de
ajuda. Mediadas ou não pela ação do adulto, essas situações vão proporcionar
à criança a possibilidade de agir com autonomia e independência na busca de
soluções para seus desejos e conflitos.
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Outro ponto importante na construção da identidade da criança e nas relações
que são estabelecidas com os outros são as dúvidas que as crianças
apresentam em relação ao mundo e às coisas que não são concretas. É
comum ouvirmos das crianças, dentre outros, os seguintes questionamentos:
De onde viemos? Para onde vamos? Quem é Deus? O que é a morte? O que
é o inferno? Por mais difícil que seja dar resposta a eles, é importante
considerar que esses questionamentos fazem parte da construção da
identidade das crianças e da elaboração das hipóteses que elas estão
construindo sobre o mundo; seus valores e conceitos serão elaborados a partir
das respostas que encontrarem para essas e a tantas outras questões.
Portanto, é preciso estar atento para não negar à criança a possibilidade de
ampliar seus conceitos, sendo imprescindível que a pergunta seja, no mínimo,
ouvida e, de preferência, respondida com a maior sinceridade possível, o que
inclui dizer “não sei” ou “há várias explicações para isso...”. Contudo, não se
pode interferir na orientação religiosa que a criança recebe em casa e nem
perder de vista o caráter laico das instituições educativas no Brasil.
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experiências e vivências culturais, além de permitir a construção de novos
hábitos, atitudes e valores.
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base nisso, depreende-se a idéia de que as crianças precisam se relacionar
não apenas com seus pares, mas também com as crianças mais velhas e com
adultos, que fazem coisas que os menores ainda não conseguem realizar
sozinhos.
Quando convive em um meio sobre o qual pode agir, discutir, decidir e realizar
com seu grupo, a criança vivencia experiências favoráveis à sua
aprendizagem. As relações entre as crianças no cotidiano das IEI acontecem o
tempo todo. Se, por exemplo, um bebê está chorando e outra criança logo
coloca uma chupeta na boca do pequenino, essa atitude não tem a intenção de
silenciar a gritaria, mas de cuidar do bebê assim como a própria criança foi e é
cuidada; trata-se de uma manifestação de preocupação com o bem-estar
alheio. Reconhecer o outro e cuidar dele, portanto, são atitudes que as IEI
devem trabalhar permanentemente.
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3. OBJETIVOS DESSE CAMPO DE EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
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construírem atitudes éticas de solidariedade, cooperação e respeito ao
outro;
resolverem seus conflitos utilizando o diálogo como forma de lidar com
as dificuldades;
aprenderem a adiar seus desejos, lidar com a frustração e desenvolver o
auto-controle.
4. EXPERIÊNCIAS
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sanitário, papel higiênico, torneira, sabonete, dar a descarga, enxugar a
mão, fechar a porta, etc.);
alimentar-se de acordo com as práticas de nossa cultura, fazendo uso
de instrumentos e procedimentos adequados (usar talheres, copos,
pratos, mamadeira, comer devagar, identificar a temperatura do
alimento, sentar-se à mesa, servir-se sozinho, etc.);
participar da construção e fazer uso de combinados e regras coletivas
que visem ao bem comum;
participar da definição da rotina do dia ou da semana, na rodinha da sala
de aula;
usar expressões de cortesia (agradecer, pedir desculpas, pedir licença,
cumprimentar, despedir-se, etc.);
resolver conflitos por meio do diálogo;
trabalhar em grupo;
conviver com outras crianças e adultos, construindo atitudes de respeito
e cooperação;
conhecer diferentes espaços dentro e fora da IEI;
ouvir e ser ouvida;
falar;
ser chamada pelo nome;
comemorar seu aniversário;
compartilhar (lanche e brinquedos, por exemplo);
dividir tarefas;
colocar-se no lugar do outro;
cuidar dos objetos de sua estima e da estima do grupo;
guardar brinquedos e materiais;
conviver e saber respeitar a diversidade (racial, sexual, social, religiosa e
física);
lavar as mãos (abrir a torneira, preservar a água como um bem natural);
perceber as necessidades do próprio corpo (fome, frio, calor, sede,
cansaço, etc);
dividir tarefas;
fazer trocas com o outro;
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fazer escolhas;
ganhar e perder;
cuidar dos objetos de uso pessoal e de uso dos colegas;
solicitar e obter ajuda.
5. SABERES E CONHECIMENTOS
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6. DINAMIZAÇÃO DO CAMPO DE EXPERIÊNCIA DO CURRÍCULO NA
RELAÇÃO COM OS ELEMENTOS DO PROJETO POLÍTICO-
PEDAGÓGICO
.
Para trabalhar com esse campo de experiência, é fundamental que os
profissionais que atuam na Educação Infantil conheçam as premissas
básicas do interacionismo sobre o processo de aprendizagem e
desenvolvimento das crianças. Um suporte teórico que pode contribuir
para essa reflexão são as idéias de Wallon sobre a evolução da criança.
Esse autor vê a criança como um ser social em desenvolvimento, dá
importância às relações que ela estabelece e a considera em sua
individualidade e em suas possibilidades.
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Em relação à prática pedagógica, os educadores devem envolver as
crianças nas atividades e favorecer o reconhecimento e o cuidado com o
colega, chamando para levar uma fralda, para oferecer uma mamadeira,
para tocar o outro com carinho e outras experiências que promovam o
estabelecimento de vínculos e a interação.
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cognição, mas também aos aspectos afetivos e relacionais. Também é
necessário observar como ela lida com as dificuldades, desafios e
frustrações, como manifesta seus desejos, como age para conseguir o que
quer, que condições e que capacidade tem de se perceber, perceber o
outro, de compartilhar, disputar e competir. As crianças necessitam se
comunicar, ora devem trabalhar sozinhas, ora em grupos, o que irá
produzir interações contínuas e permitir a construção de redes de trocas
de experiências que se estendem para a família e para a comunidade.
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As práticas pedagógicas das instituições de Educação Infantil devem
assegurar às crianças um ambiente alegre, seguro, instigante, lúdico, de
acolhimento, de construção de identidades autônomas e críticas e de
interação das crianças da mesma idade e de idades diferentes e das
crianças com os adultos e com as famílias.
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ajudem as crianças na busca de conhecimento sobre si e na satisfação
de suas necessidades básicas;
preocupem-se com a segurança das crianças e com os espaços
que elas utilizam;
interajam com as crianças nas atividades desenvolvidas no
cotidiano da IEI (sala de aula, parquinho, pátio, vídeo, refeitório,
biblioteca, brinquedoteca, etc);
valorizem a autonomia e a iniciativa da criança, não fazendo por ela
aquilo que for capaz de fazer sozinha,
ouçam as crianças;
promovam o diálogo entre as crianças e sejam mediadores na
resolução dos conflitos diários;
proponham situações de interação e troca entre crianças de
diferentes idades;
definam limites;
favoreçam a construção da autonomia pelas crianças;
estejam atentos às suas próprias atitudes para não reforçarem
preconceitos e discriminações em relação a gênero, classe social,
deficiências, etc.
incentivem as crianças a se autoorganizarem e a organizarem o
ambiente ;
criem espaços e situações que possibilitem a privacidade das crianças;
possibilitem que as crianças tenham momentos em que brinquem
sozinhas;
possibilitem que as crianças tenham momentos em que brinquem juntas,
construindo sua sociabilidade e fazendo amizades;
busquem conhecer as histórias individuais de cuidados recebidos até o
momento presente;
valorizem igualmente as opiniões das crianças, sem compará-las
saibam respeitar a timidez ou o silêncio das crianças;
tenham clareza da importância da linguagem falada ou gestual do
educador na construção da identidade das crianças.
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7. REFERÊNCIAS
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto
Alegre:
Artes Médicas, 2000.
CRAIDY & KAERCHER: Educação Infantil pra que te quero? Porto Alegre,
Artmed, 2001.
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MACÊDO, Lenilda Cordeiro de. DIAS, Adelaide Alves. O cuidado e a educação
enquanto práticas indissociáveis na Educação Infantil. 29ª Reunião Anual da
Anped,Caxambu, MG, 2006. Disponível em www.apend.org.br
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: Ética do humano, compaixão pela Terra, Vozes:
Petrópolis, 1999. 199p.
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FICHA TÉCNICA
PREFEITA MUNICIPAL
Marília Aparecida Campos
VICE – PREFEITO
Agostinho da Silveira
CONSULTORIA PEDAGÓGICA
Fátima Regina Teixeira de Salles Dias
Vitória Líbia Barreto de Faria
CO-AUTORES (AS)
Profissionais da Educação Infantil da Rede Municipal e da Rede Conveniada de Contagem
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