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A Imagem de Deus e a Frustração do

Ateísmo Científico

Por: J. P. Moreland
Tradução: Eliel Vieira∗

Este ensaio é o segundo capítulo do livro Good is Great, God is God: Why Believing in
God is Reasonable and Responsible (IVP, 2009).

E Deus criou o homem a sua própria


imagem, na imagem de Deus ele o criou;
macho e fêmea ele os criou. Genesis 1:27

Um dos papéis mais importantes de uma cosmovisão é fornecer uma explicação


para os fatos e para a realidade, da maneira como ela verdadeiramente é. Na verdade,
cabe a uma cosmovisão explicar o que existe e o que não existe, de maneira coerente
com os comprometimentos explanatórios centrais desta cosmovisão. Neste sentido, nós
podemos considerar uma cosmovisão uma hipótese explicativa.

Das explicações de uma cosmovisão sobre fatos para a teorização científica que
objetiva explicar pequenas coisas em nosso dia a dia, todos nós nos engajamos bem de
forma apropriada em um raciocínio do tipo “se-então”, ou o que os filósofos chamam de
método hipotético-dedutivo: se a lua estivesse em tal e tal lugar, então a maré estaria
assim e assado. Mas a maré não está assim, então a lua não pode estar naquele local. Se
minha filha não veio direto para casa da escola, ela não teve tempo para arrumar seu
quarto. O quarto está uma bagunça, então é provável que ela não veio para casa logo
após sua aula terminar. E assim por diante. E se os fatos são da forma como nós
deduzimos que eles deveriam ser, dada nossa hipótese, então eles fornecem evidencias
convincentes de que nossa hipótese é verdadeira – a melhor explicação para os fatos.


Todos os direitos da tradução reservados.

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Uma teoria pode explicar muito bem alguns fatos, mas existem fatos
recalcitrantes que obstinadamente resistem em ser explicados por uma teoria. Não
importa o que o defensor de uma teoria faça, o fato recalcitrante simplesmente se
acomoda em seu canto e não é incorporado facilmente à teoria. Neste caso, o fato
recalcitrante fornece evidências falsificativas para a teoria e algum nível de confirmação
para as teorias rivais.

A Bíblia ensina que os seres humanos foram criados conforme a imagem de


Deus (Gn 1:27). Isto implica que existem coisas sobre nossa composição que são da
forma como Deus é. No início de suas Institutas à Religião Cristã, João Calvino
observa:

Nenhum homem consegue examinar a si mesmo sem imediatamente voltar seus


pensamentos para o Deus em quem ele vive e se movimenta; porque é
perfeitamente óbvio que os dons que nós temos não podem ter vindo de nós
mesmos.1

Como portadores da imagem de Deus, os seres humanos têm todos aqueles dons
necessários para representar e serem representantes de Deus, realizar as tarefas
designadas e exibir a relacionalidade existente colocado ante eles: dons da razão,
autodeterminação, ação moral, personalidade, formação relacional, etc. Neste sentido, a
imagem de Deus é diretamente fundamentada na natureza ou ontologia de Deus.

A natureza ontológica da imagem de Deus implica, entre outras coisas, que a


composição dos seres humanos deve fornecer um conjunto de fatos recalcitrantes para
outras cosmovisões. O raciocínio por trás desta afirmação é o seguinte:

(1) Se a fé cristã é verdadeira, então certos aspectos deveriam caracterizar os


seres humanos.
(2) Estes aspectos, de fato, caracterizam os seres humanos.
(3) Assim, estes aspectos fornecem um nível de confirmação para a fé cristã.
Estes aspectos caracterizam Deus e, além disto, vêm dele. Ele nos fez para
que os tivéssemos.

O cristão oferece, então, um desafio para as outras cosmovisões – em particular


o naturalismo científico: mostrar que você tem uma explicação melhor para estes

1
John Calvin, Institutes of the Christian Religion, 1.1.1.

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aspectos do que a explicação cristã (com sua doutrina da imagem de Deus), ou mostrar
que estes aspectos não são na verdade reais, mesmo que eles pareçam ser.

A natureza recalcitrante dos seres humanos para o naturalismo científico já foi


largamente observada. Desta forma, o filósofo de Berkley John Searle recentemente
observou,

Existe exatamente uma questão predominante na filosofia contemporânea. [...]


Como nós nos ajustamos? [...] Como nós podemos enquadrar esta
autoconcepção que temos de nós mesmos de agentes criadores de sentido,
livres, racionais, atentos, etc., com um universo que consiste inteiramente de
partículas brutas sem sentido, sem liberdade, sem razão e negligente?2

Para o naturalismo científico a resposta é “Não é bem assim”. Notáveis ateus


falharam em observar a dificuldade que o naturalismo científico encontra em prover
uma explicação para estes aspectos comuns dos seres humanos. Na verdade, a natureza
dos seres humanos levou alguns a abraçar o teísmo. No sísmico livro que narra a
aceitação do teísmo pelo famoso ateu Antony Flew – Deus Existe – Roy Abraham
Varghese observa que,

a racionalidade [consciência, liberdade de vontade e “eu”] que nós


inequivocamente experimentamos – que vai desde as leis da natureza até nosso
pensamento racional – não pode ser explicada se ela não tiver um fundamento
último, que não pode ser nada menos do que uma mente infinita.3

Neste ensaio eu vou primeiro apresentar um breve esboço do naturalismo


científico contemporâneo e então comentar cinco aspectos dos seres humanos que
configuram evidência contra o naturalismo em favor do teísmo bíblico. Vou empregar
citações mais diretas do que o que é típico para um ensaio como este, e isto pode tornar
a leitura um pouco incômoda. Mas eu ajo assim para mostrar que minha representação
destes cinco aspectos é reconhecida pelos mais famosos ateus como problemas sérios
para o ateísmo e como fundamentos para a crença em Deus. Ao citar diretamente ateus
reconhecidos, será difícil me acusar de ter criado um espantalho do naturalismo
contemporâneo.

2
John Searle, Freedom & Neurobiology (New York: Columbia University Press, 2007), p. 4-5.
3
Antony Flew e Roy Abraham Varghese, Deus Existe (Ediouro, 2007). No contexto, apenas a
racionalidade é mencionada, mas em outras partes do livro, algumas referências são feitas à
consciência, livre-arbítrio e o “eu”.

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A NATUREZA DO NATURALISMO CIENTÍFICO

A fim de ter um maior insight sobre porque a consciência é tão problemática


para os naturalistas, será sensato analisar brevemente a natureza do naturalismo como
cosmovisão. Usualmente o naturalismo inclui:

• diferentes aspectos de um entendimento naturalista sobre o que constitui


conhecimento (por exemplo, uma rejeição da chamada “primeira filosofia”
junto com uma aceitação de um cientificismo forte ou fraco – a visão de que a
ciência é o paradigma da verdade e da racionalidade);4
• uma Grande História equivalente a um relato etiológico de como todas as
entidades, sejam elas quais forem, vieram a existir, explicada em termos de
uma historia evento-causal, descrita em termos científicos naturais, com um
papel central dado à teoria atômica da matéria e à biologia evolucionária;
• uma ontologia geral na qual as únicas entidades permitidas são aquelas que
ou (a) carregam uma similaridade relevante com aquelas que, acredita-se,
caracterizam uma forma completa de física ou (b) são dependentes a, ou
determinadas por, entidades físicas e que podem ser explicadas de acordo
com condições causais necessárias (isto é, dado uma organização “adequada”
da matéria, então a entidade emergente tem que surgir) nos termos da Grande
História e da atitude epistêmica naturalista.

O cientificismo constitui o coração do entendimento naturalista sobre o que


constitui o conhecimento, sua epistemologia. Wilfrid Sellars diz que “no que se refere à
descrição e explicação do mundo, a ciência é a medida de todas as coisas, sobre o que é
o que, e sobre o que não é.”5 Os naturalistas contemporâneos abraçam ou a forma fraca
ou a forma forte de cientificismo. De acordo com os primeiros, campos de pesquisa não-
científicos não são destituídos de valor ou não oferecem resultados intelectuais, mas
eles são vastamente inferiores à ciência em sua epistemologia e não merecem crédito.
De acordo com o segundo, valores cognitivos inválidos estão presentes na ciência e em
nada mais. De qualquer forma, naturalistas são extremamente céticos em relação a

4
A versão forte do cientificismo sustenta que a ciência nos dá a única base para o conhecimento; a
versão mais fraca afirma que a ciência nos fornece a base mais certa do conhecimento; mesmo se
outras disciplinas fornecerem justificações ou conhecimento mais fracas.
5
Wilfrid Sellars, Science, Perception, and Reality (London: Routledge & Kegan Paul, 1963), p. 173.

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afirmações sobre a realidade que não são justificadas pelos métodos científicos nas
ciências rígidas.

Como tenho usado esta frase, a “Grande História” é o relato naturalista da


criação. Toda a realidade – espaço, tempo e matéria – vieram do big bang. Muitos
corpos pesados foram desenvolvidos com a expansão do universo. Pelo menos na Terra,
algum cenário de sopa prebiótica explica como seres vivos vieram a existir a partir de
uma química sem vida. E os processos da evolução, entendidos em termos
neodarwinianos ou do equilíbrio pontuado, trouxeram à existência todas as formas de
vida que nós conhecemos, incluindo os seres humanos. Desta forma, todos os
organismos e suas partes existem e são o que são porque eles contribuíram (ou pelo
menos não atrapalharam) na luta pelo avanço reprodutivo, mais especificamente, porque
eles contribuíram com as tarefas de comer, lutar, fugir e reproduzir.

A Grande História possui três aspectos-chave. Primeiro, existem duas teorias


fundamentais em seu centro: a teoria atômica da matéria e a teoria da evolução. Se
tomarmos John Searle como representante dos naturalistas aqui, isto vai significar que
as explicações causais são centrais para a (alegada) superioridade explanatória da
Grande História.6

Segundo, a Grande História expressa o monismo filosófico científico, de acordo


com o qual, qualquer coisa que existe ou acontece no mundo é suscetível a explicações
por métodos científicos naturais. À primeira vista, a maneira mais consistente de
entender o naturalismo neste ponto é enxergá-lo como carregando alguma versão forte
do fisicalismo: tudo o que existe é, fundamentalmente, matéria, mais provavelmente
“partículas” elementares (seja tomadas como pontos de potencialidade, centros de
massa/energia, unidades de matérias/ondas espacial, ou reduzidas a [ou eliminadas em
favor de] campos), organizadas de várias formas de acordo com as leis da natureza.
Nenhuma entidade não-física existe, incluindo entidades emergentes.7

Terceiro, a história do universo é uma história sobre revelar cadeias de eventos,


na qual pequenas partículas constantemente se reorganizam para formar conjuntos
maiores e mais complicados (por exemplo, átomos, moléculas, organismos, planetas).

6
John Searle, The Rediscovery of the Mind (Cambridge, MIT Press, 1992), pp. 83-93.
7
Mesmo quando os naturalistas se aventuram para longe do fisicalismo forte, eles ainda argumentam
que adições para uma ontologia fisicalista forte precisam ser representadas como fundamentas,
emergentes e dependentes de estados físicos e eventos da Grande História.

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Os únicos tipos de causas no universo são mecânicas/eficientes (do tipo que um efeito é
produzido) e materiais (o material do qual alguma coisa é feita). Não há propósito,
objetivos, causas finais ou teleologia irredutível. E não existem agentes livres com
poder ativo para serem as causas reais originárias de suas próprias ações, sem terem
sido antes determinados a agir pelas leis da natureza e fatores ambientais externos.

Na verdade, a Grande História é determinista em dois sentidos. Primeiro, através


do tempo o estado do universo (e tudo o que há nele) em qualquer momento particular,
juntamente com as leis da natureza, são suficientes para determinar ou estabelecer as
possibilidades do estado do universo no momento seguinte. Segundo, em um ponto no
tempo, as características e os comportamentos de objetos de tamanho comum como
pedras e seres vivos (incluindo seres humanos) são determinadas pelas características e
comportamentos de suas partes menores, de nível microfísico.

Em resumo, são três as restrições para desenvolver uma ontologia naturalista, e


alocar entidades nela:

• As entidades devem se sujeitar à epistemologia naturalista.


• As entidades devem se sujeitar à Grande História naturalista.
• As entidades devem carregar uma similaridade relevante a aquelas
encontradas na química e na física, ou serem demonstradas como
necessariamente dependentes de entidades químicas ou físicas.

CINCO ASPECTOS RECALCITRANTES DA IMAGEM DE DEUS

Uma vez que os aspectos metafísicos do teísmo são fundamentais em sua


existência – Deus, o Ser básico, é uma autoconsciência unificada com racionalidade,
livre arbítrio e valor intrínseco – dificilmente será surpresa que eles apareçam em outros
lugares na ordem criada, especialmente em associação com seres que alegam ter sido
criados para ser como Deus. Desta forma, o teísmo bíblico prediz que estes cinco
aspectos são aspectos irredutíveis e inelimináveis dos seres humanos, e que o fato deles
parecerem ser desta forma fornece confirmação do teísmo bíblico.

Mas as coisas não vão tão bem para o naturalismo científico. Ele ou ela não
começa com o Logos, mas com as partículas (cordas, ondas) que são brutas, mecânicas,

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inconscientes, irracionais, sem propósito, e servilmente sujeitas às leis e carentes de
valor. E então uma história é contada sobre como estas partículas continuam a se
reorganizar em agregações maiores e maiores do mesmo material. Nesta visão, os
organismos vivos – incluindo os seres humanos – são estruturas relacionais de partes
que foram ajuntadas por várias forças não unificadas e impessoais. Por sessenta anos ou
mais os naturalistas têm tentado reduzir ou eliminar estes cinco aspectos dos seres
humanos a fim de representá-los em vias naturais para uma cosmovisão científica
ateísta, dentro da estrutura de suas restrições. Rotular estes aspectos como “fenômenos
emergentes” é apenas nomear o problema que precisa ser resolvido, não uma solução (p.
ex., a consciência simplesmente emerge quando a matéria alcança uma forma de
complexidade apropriada). Como, por exemplo, elas podem ter emergido em primeiro
lugar? Mas os seres humanos têm resistido a tais esforços naturalistas – eles são fatos
recalcitrantes para os naturalistas – e isto é exatamente o que esperaríamos que
acontecesse caso o teísmo bíblico fosse verdadeiro. Não é o que seria esperado na
Grande História. Vamos investigar estas questões mais profundamente.

1. Consciência e estados mentais. Muitos acreditam que mentes finitas


constituem evidência para uma mente divina como sua criadora. Se nós limitarmos
nossas opções a teísmo e naturalismo, fica difícil entender como uma consciência finita
poderia ser o resultado da reorganização da matéria bruta; é muito mais fácil entender
como um Ser consciente poderia produzir consciências finitas.

Este argumento presume o entendimento comum de estados de consciência,


como sensações, pensamentos, crenças, desejos e volições. Desta forma, estados
mentais implícitos não são, em nenhum sentido, físicos, uma vez que eles possuem
quatro aspectos que não são propriedades de estados físicos:

• Existe um sentimento qualitativo cru ou um “como é isto” para ter um estado


mental tal como uma dor.
• Muitos estados mentais possuem intencionalidade direcionada a um objeto.
(p. ex., um pensamento é sobre a lua).
• Estados mentais são internos, particulares e imediatos ao indivíduo que os
têm.

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• Estados mentais falham em ter aspectos cruciais (p. ex., extensão especial,
localização) que caracterizam estados físicos e, em geral, não podem ser
descritos usando linguagem física.

Uma vez que estados mentais são imateriais e não físicos, ao menos duas razões
foram oferecidas sobre porque não pode haver nenhuma explicação científica natural
para a existência de estados mentais.

Primeiro, algo surgindo do nada. Antes de a consciência aparecer, o universo


não continha nada além de agregações de partículas/ondas em campos de forças. A
história naturalista da evolução do cosmo envolve a reorganização das partes atômicas
em estruturas cada vez mais complexas de acordo com a lei natural. A matéria é bruta,
mecânica, física. A emergência da consciência parece ser um caso de alguma coisa
surgindo do nada.

Em geral, reações físico-químicas não geram consciência. Alguns dizem que


elas geram sim, no cérebro, ainda que o cérebro pareça similar a outras partes do
organismo (p. ex., ambos são coleções de células, totalmente descritas em termos
físicos). Como causas similares podem produzir efeitos tão radicalmente diferentes? O
surgimento da mente é completamente imprevisível e inexplicável. Esta
descontinuidade radical parece ser uma ruptura no mundo natural.

Segundo, a inadequação das explicações evolucionárias. Os naturalistas


afirmam que as explicações evolucionárias podem ser oferecidas para o surgimento de
todos os organismos e suas partes. A princípio, um relato evolucionário pode ser
apresentado para o aumento progressivo de complexidade nas estruturas físicas que
constituem diferentes organismos. Entretanto, organismos são como caixas-pretas, na
medida em que a evolução é levada em conta.

Conquanto que um organismo, quando recebe certos inputs, gere os outputs


comportamentais corretos, em concordância com as exigências feitas pela vantagem
reprodutiva, o organismo irá sobreviver. O que acontece dentro do organismo é
irrelevante. Ele se torna significante para o processo evolutivo apenas quando um output
é produzido. Estritamente falando, é o output, não o que o causou, que suporta a luta
pela vantagem reprodutiva. Além do mais, as funções que os organismos executam
conscientemente poderiam também ser feitas inconscientemente. Desta forma, tanto a

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existência simples de estados conscientes quanto o conteúdo mental preciso que os
constitui estão fora dos limites da explicação evolucionária.

As explicações evolucionárias não fazem o suficiente para que possamos afirmar


que a consciência simplesmente emergiu da matéria quando ela alcançou certo nível de
complexidade. “Emergência” não é uma explicação para o fenômeno que precisa ser
explicado. É simplesmente uma indicação.

2. Livre arbítrio. É amplamente aceito que o entendimento comum e espontâneo


sobre livre arbítrio humano que as pessoas em geral têm, é o que os filósofos chamam
de liberdade libertária: a ação de alguém é livre se esta ação não tiver sido determinada
– direta ou indiretamente – por forças externas ao controle deste alguém, e este alguém
deve ter sido livre para agir ou não agir como agiu; a escolha desta pessoa deve ser
“espontânea”, sendo originada com o agente, e apenas com ele.

Não é meu objetivo argumentar em favor do libertarianismo. Eu simplesmente


ofereço duas observações razoavelmente óbvias.

De um lado, como John Searle recentemente observou, a experiência da


liberdade libertária é tão convincente, mas tão convincente na verdade, que as pessoas
não podem agir pensando que esta experiência é uma ilusão, mesmo se fosse.8 Ele nos
lembra que quando o garçom nos apresenta uma escolha entre carne de porco ou vitela,
nós não respondemos, “Olha, eu sou um determinista. Eu vou apenas esperar e ver o
que acontece!”

De acordo com o entendimento majoritário no cristianismo, Deus tem liberdade


libertária e Ele criou os seres humanos para possuir esta liberdade. Em contraste, a
maioria dos filósofos concorda que a liberdade libertária e a teoria do agente que ela
implica são incompatíveis com a representação geralmente aceita do naturalismo,
apresenta há pouco. John Searle diz que “nossa concepção da realidade física
simplesmente não nos permite a liberdade radical [libertária].”9 E se a responsabilidade
moral (e intelectual) tem esta liberdade como condição necessária, então reconciliar as
perspectivas éticas e naturais é impossível.

8
John Searle, Freedom & Neurobiology (New York: Columbia University Press, 2007).
9
John Searle, Minds, Brains, and Science (Cambridge, Mass: Havard University Press, 1984), p. 98.

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No que talvez seja a melhor tentativa naturalista de efetuar tal reconciliação,
John Bishop francamente admite que

a ideia de um agente responsável, com a habilidade “originativa” de iniciar


eventos no mundo natural, não se adéqua facilmente com a ideia de [um agente
como] um organismo natural [...]. Nosso entendimento científico do
comportamento humano parece estar em tensão com a pressuposição da posição
ética que nós adotamos para este comportamento.10

Existem muitas razões pelas quais os ateístas admitem que o livre arbítrio é
incompatível com o naturalismo científico. Mas aqui vai a principal delas. Todas as
coisas particulares e seus comportamentos na ordem naturalista são nomológicas e,
portanto, submissas às mesmas leis da natureza.11 Além disto, uma ação livre envolve
um exercício de poder ativo por um primeiro motor, uma causa não causada, um agente
não determinado. Em contraste, uma vez que todos os eventos na ontologia naturalista
são acontecimentos passivos, todos eles são exemplos de motores movidos. Alguma
coisa tem que acontecer primeiro com um objeto – um evento que desencadeia seus
poderes causais passivos – antes que ele possa gerar qualquer acontecimento. Neste
sentido, toda causação naturalista envolve alteradores alterados. Mas um primeiro motor
pode ativamente produzir uma mudança sem ter sido mudado primeiro.

Deve ser óbvio porque tal agente não é um objeto que pode ser localizado na
ontologia natural. Motores não movidos com poder ativo são quintessencialmente não
naturais! De fato, neste ponto eles são exatamente como o Deus da Bíblia.

3. Racionalidade. De acordo com o cristianismo, Deus – o ser fundamental – é


racional e criou os seres que carregam sua imagem com equipamentos mentais que
apresentam racionalidade e que são aptos para apreender a verdade e seus vários
ambientes. Mas racionalidade é uma entidade bizarra em um mundo cientificamente
naturalista. O filósofo cristão Victor Reppert concorda: “As condições necessárias para

10
John Bishop, Natural Agency (Cambridge: Cambridge University Press, 1989), p. 1.
11
De fato, todos eles estão sujeitos ao determinismo sincrônico e diacrônico neste sentido: Em relação
ao determinismo sincrônico, em certo tempo t, as condições físicas são suficientes para determinar ou
estabelecer as chances do próximo evento envolvendo o objeto e seu meio. Em relação ao
determinismo diacrônico, em certo tempo t, os estados e os movimentos do objeto são determinados
ou têm suas chances estabelecidas pelos estados microscópios do objeto e do seu meio. Esta
determinação posterior é da essência ao topo.

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a racionalidade não existem em um universo naturalista.”12 De acordo com o naturalista
Thomas Nagel:

O problema então não será como, se participamos dela, a razão pode ser
validada, mas como, se ela for universalmente válida, nós podemos participar
dela. Não existem muitos candidatos a esta questão. Provavelmente a resposta
não-subjetivista mais popular atualmente é um naturalismo evolucionista: Nós
podemos raciocinar desta forma porque isto é uma consequência de uma
capacidade mais primitiva de formação de crenças que teve valor de
sobrevivência durante o período em que o cérebro humano estava evoluindo.
Esta explicação sempre me pareceu ser ridiculamente inadequada. [...] A outra
resposta bem conhecida é a religiosa. O universo é inteligível a nós porque ele e
nossa mente foram feitos um para o outro.13

Existem pelo menos duas razões para acreditarmos que os seres humanos não
podem ser agentes racionais em uma cosmovisão cientificamente naturalista, e que são
preditos de ser do jeito que são em uma cosmovisão bíblica: (1) a necessidade do “eu”
racional e contínuo e (2) a necessidade de um espaço para fatores teleológicos (objetivo-
direção) durante o processo.

É preciso não apenas um “eu” unificado em cada tempo em uma sequência


deliberada, mas também um “eu” idêntico que permanece durante o ato racional.
Considere o argumento de A. C. Ewing:

Para compreender a verdade de qualquer proposição ou mesmo entretê-la como


algum com sentido, o mesmo ser precisa estar ciente de seus elementos
constituintes. Para estar ciente da validade de um argumento, o mesmo ser
precisa entreter premissas e conclusão; para comparar duas coisas, o mesmo ser
precisa, pelo menos na memória, estar ciente de ambos simultaneamente; e uma
vez que todos estes processos acontecem durante algum tempo, a existência,
literalmente, continuada mesma entidade é exigida. Nestes casos, um evento
que consista em refletir sobre A, seguido por outro evento que consiste em
refletir sobre B, não é suficiente. Eles precisam ser eventos de reflexão que
ocorrem no mesmo ser. Se um ser pensar em lobos, outro pensar em “comer” e
outro pensar em cordeiros, certamente isto não significaria que uma pessoa
refletiu na proposição “lobos comendo cordeiros”. [...] É necessário que exista

12
Victor Reppert, C. S. Lewis’s Dangerous Idea (Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 2003), p. 70.
13
Thomas Nagel, The Last Word (New York: Oxford University Press, 1997), p. 75.

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um único mesmo ser, que persista sobre todo o processo, para apreender uma
proposição ou uma inferência como um todo.14

A deliberação racional e a responsabilidade intelectual parecem pressupor um


“eu” persistente. Mas na visão naturalista, eu sou uma coleção de partes da forma que,
se eu ganhar ou perder partes, eu literalmente sou um ajuntamento diferente de um
momento para outro. Desta forma, não existe tal “eu” contínuo que possa servir como
unificador do pensamento racional em uma visão naturalista.

Mas tem mais. Considere o argumento a seguir:

(1) Se o naturalismo for verdade, não existe teleologia irredutível.


(2) A deliberação racional exibe teleologia irredutível
(3) Portanto o naturalismo é falso.

O naturalismo científico evita completamente a teleologia irredutível.


Entretanto, a teleologia é essencial para razões-explicações. Para enxergar isto, observe
as duas sentenças a seguir:

• O copo quebrou porque uma pedra o acertou.


• Eu levantei minha mão porque eu queria votar.

Parece claro que a primeira sentença oferece uma razão-explicação e a segunda


não. “O copo quebrou porque uma pedra o acertou” cita uma causa eficiente (mecânica)
após o “porque” (uma pedra acertou o copo). Mas “Eu levantei minha mão porque eu
queria votar” é muito diferente. Ela cita um objetivo teleológico ou fim (satisfazer
minha vontade de votar, para fazer a diferença na cultura, etc.) para o motivo pelo qual
a pessoa levantou sua mão.

4. “Eu” unificado. O naturalismo não pode aprovar um “eu” mental, contínuo e


substancial (o que talvez nós possamos chamar de mente ou alma imaterial). Se alguém
começar com partes físicas separadas, e simplesmente as reorganizar de acordo com leis
naturais em novas estruturas relacionais constituídas por relações externas, então na
categoria “indivíduo”, a ontologia deste alguém terá o que o chamamos de simplicidade
atômica.

14
A. C. Ewing, Value and Reality (London: George Allen and Unwin, 1973), p. 84.

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Existem duas razões básicas para acreditarmos que uma alma simples e
individual não é uma opção para o naturalista. Primeiro, o naturalista está
comprometido com o fechamento físico. Todos os eventos físicos que possuem causas
possuem apenas causas físicas; quando alguém for traçar as causas antecedentes de um
evento físico, este alguém não precisa – e, na verdade, não pode – sair do campo da
física. Se por algum tipo de mágica uma alma simples pudesse ser uma entidade
emergente, então a alma não seria uma entidade com poderes causais. Entretanto, a
maioria dos naturalistas bane de sua ontologia entidades que não tenham poderes
causais, desta forma uma alma sem poderes causais é equivalente é uma entidade não-
existente. Jaegwon Kim fala pela maioria dos naturalistas quando diz que:

Se a mente imaterial vai fazer um neurônio emitir um sinal, [...] então ela vai de
alguma forma intervir neste processo eletroquímico. Mas como isto pode
acontecer? Na própria interface entre mente e física, onde uma interação mente-
corpo acontece direta e imediatamente, a mente não-física precisa de alguma
forma influenciar o estado de algumas moléculas, talvez gerando descargas
elétricas nelas ou as cutucando de uma forma ou de outra. Isto é realmente
concebível? [...] Mesmo que a ideia de uma alma influenciando o movimento de
uma molécula [...] fosse coerente, a postulação de um agente causal não
pareceria nem necessária nem útil à compreensão dos motivos pelos quais e
como nossos membros se movem.15

Segundo, dado a Grande História, aparte da simplicidade atômica (se existir tal
coisa), todos os maiores conjuntos (como cérebros e corpos) são agregações de partes
substanciais separáveis que se colocam em várias relações externas umas com as outras.
Em tal ontologia, macrosubstâncias são trocadas por estruturas constituídas por miríades
de partes separadas. Não existe um “eu” unificado e substancial conectado ao corpo.
Daniel Dennett diz, “Nós agora entendemos que a mente não está [...] em comunicação
com o cérebro de alguma forma milagrosa; é o cérebro, ou, mais especificamente, um
sistema ou organização interior ao cérebro.”16 E Carl Sagan terminantemente disse: “Eu
sou uma coleção de água, cálcio e moléculas orgânicas chamado Carl Sagan. Você é

15
Jaegwon Kim, Philosophy of Mind (Boulder, Co.: Westview, 1996), pp. 131-132. “A maioria dos
Fisicalistas […] aceitam o fechamento causal físico não apenas como uma doutrina metafísica
fundamental, mas como uma pressuposição metodológica indispensável para as ciências físicas” (PP.
147-148).
16
Daniel C. Dennett, Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon (New York: Viking Press,
2006), p. 107.

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uma coleção de moléculas quase idênticas, com um selo diferente.”17 Os termos
configuração, sistema, organização e coleção capturam muito bem a natureza relacional
não-substancial de tais agregações. Em contraste ao naturalismo científico, o Ser
fundamental do cristianismo é um espírito unificado e substancial, bem como aqueles
que foram feitos à imagem deste Ser.

5. Valor igual intrínseco e direitos. Na visão cristã Deus, o ser fundamental,


possui valor intrínseco, e seu amor constitui a fonte de obrigação moral objetiva para os
seres humanos. Além disto, uma vez que todos os seres humanos compartilham a
imagem de Deus igualmente, todos eles têm igualmente alto valor e também direitos,
simplesmente por terem a imagem de Deus. Desta forma, uma cosmovisão cristã possui
naturalmente um lugar para (e provê uma), explicação sobre (1) a existência de valor
intrínseco, (2) a realidade de obrigação moral objetiva e (3) alto valor igual e direitos
para todos os seres humanos. Mas estes três pontos não podem ser explicados
adequadamente pelo naturalismo científico.

Vamos olhar primeiro a existência de valor intrínseco e a existência de uma lei


moral objetiva. O evolucionista naturalista Michael Ruse observa que,

moralidade é uma adaptação biológica, não menos que mãos, pés e dentes.
Considerada como uma justificação racional para afirmações que objetivam
algo, a ética é ilusória. Eu aprecio quando alguém diz “Ame seu próximo como
a ti mesmo” e se refira a alguém coisa além dela própria. Contudo, tal referência
na verdade não tem fundamento algum. Moralidade é apenas um auxílio para a
sobrevivência e reprodução [...] e qualquer sentido mais profundo é ilusório.18

Dado o naturalismo científico, fica difícil entender como poderia existir valor
intrínseco e ordem moral objetiva ou porque esta ordem teria alguma coisa a ver com os
seres humanos. Além disto, os processos combinatórios da Grande História não podem
explicar o surgimento de valor intrínseco simples; assim sua existência conta contra o
naturalismo e a favor do teísmo cristão. Como o ateu J. L. Mackie reconhece:
“Propriedades morais constituem um grupo tão bizarro de propriedades e relações que é

17
Carl Sagan, Cosmos (New York: Randon House, 1980), p. 105.
18
Michael Ruse, “Evolutionary Theory and Christian Ethics”, in The Darwinian Paradigm (London:
Routlegde, 1989), pp. 262-269.

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muito improvável que elas tenham surgido no curso ordinário dos eventos sem um deus
todo-poderoso que os tenha criado.”19

Em adição ao valor intrínseco e uma ordem moral objetiva, o naturalismo


científico não pode explicar o valor igual e intrínseco e os direitos dos seres humanos,
simplesmente pelo que são. Os naturalistas Peter Singer e Helga Kuhse reconhecem que
a melhor, talvez única, maneira de justificar a crença de que todos os seres humanos
possuem o mesmo valor único é à luz do fundamento metafísico da doutrina judaico-
cristã da imagem de Deus.20 Esta afirmação de Singer e Kuhse foi reconhecida por um
grande número de pensadores durante algum tempo. Por exemplo, no início dos anos
60, Joel Feinberg, indiscutivelmente o maior filósofo político e legal daquele tempo,
apresentou o argumento abaixo.21

De acordo com Feinberg, um direito natural é um direito humano inalterável,


incondicional e que possua certas propriedades epistemológicas (p. ex., seja percebido
pela intuição racional direta) e metafísicas. Se os direitos humanos são direitos naturais
que se aplicam a toda humanidade igualmente, então eles pressupõem o valor humano
igual, não o mérito equivalente. O mérito humano (p. ex., talentos, dons, caráter,
personalidade, várias habilidades) é classificado, mas o valor humano não. Os direitos
iguais são revertidos aos indivíduos independentemente de seus méritos classificados.

A questão cética a seguir, Feinberg acredita, nunca foi respondida de forma


adequada: por que deveríamos tratar todas as pessoas igualmente em qualquer área em
face das desigualdades existentes ou dos méritos entre eles? A resposta simples “Porque
nós simplesmente temos tal valor” não responde à pergunta do cético. Se o “valor
humano” é real e genérico, diz Feinberg, então ele deve sobrevir a alguma base (1) que
todos nós temos em comum e (2) não-trivial e de valor moral supremo. Trabalhando
dentro do campo naturalista, Feinberg considera várias tentativas de delinear tal base, e
ele julga todas elas falhas porque elas:

• exigem uma entidade como a “inestimaveidade”, para a qual nós não temos
nenhuma resposta sobre de onde ela vêm e ainda com relação a qual seria

19
J. L. Mackie, The Miracle of Theism (Oxford: Clarendon, 1982), p. 115. Cf. J. P. Moreland and Kai
Nielsen, Does God Exist? (Buffalo, N.Y.: Prometheus, 1993), chaps. 8-10.
20
Helga Kuhse and Peter Singer, Should the Baby Live? (Oxford University Press, 1985), pp; 118-139.
21
Joel Feinberg, Social Philosophy (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1973), pp. 84-97.

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preciso postular-se uma faculdade intuitiva de consciência direta, misteriosa e
problemática como tal entidade;
• são fundamentadas em graus de propriedade (alguém que possui, para um
grau maior ou menor) tanto quanto a racionalidade (Feinberg toma a
potencialidade para a racionalidade como na forma de graus) tem, não
podendo, portanto, fazer o trabalho de fundamentar o valor igual a todos;
• simplesmente dá nome ao problema a ser resolvido e não fornece uma
explicação para o próprio problema.

Ao fim do dia Feinberg reconhece que as noções de valor igual e de direitos a


todos os seres humanos não têm fundamento e talvez simplesmente expressem uma
atitude, não-cognitiva e não-justificada, de respeito pela humanidade presente em cada
pessoa.

Meu objetivo ao mencionar Feinberg não é de avaliar suas afirmações, mas


simplesmente ilustrar o quão difícil será justificar o valor igual e os direitos de todos os
seres humanos se alguém tomar o rumo do naturalismo.

A teoria evolucionária também tornou difícil justificar o valor igual e os direitos.


David Hull – talvez o maior maior filósofo da teoria evolucionária no século XX – faz a
seguinte observação:

As implicações para espécies que se movem da categoria metafísica que podem


apropriadamente serem caracterizadas em termos “naturais” para uma categoria
para a qual tais caracterizações são inapropriadas, são extensivas e
fundamentais. Se as espécies se evoluíram de alguma forma parecida com a
forma como Darwin imaginou que elas evoluíram, então elas não podem ter o
tipo de natureza que os filósofos tradicionais afirmavam que elas tinham. Se as
espécies em geral carecem de naturezas, o mesmo acontece com os Homo
sapiens, como espécies biológicas. Se o Homo sapiens carece de uma natureza,
então nenhuma referência à biologia pode ser feita para suportar as afirmações
de alguém sobre a “natureza humana”. Talvez todas as pessoas que são pessoas
compartilham “personalidade”, etc., mas tal afirmação precisa ser explicada e
defendida sem referências à biologia. Porque muitas teorias políticas, morais e
éticas dependem de alguma noção ou algo parecido da natureza humana, e a
teoria de Darwin trouxe à questão todas estas teorias. As implicações não estão

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vinculadas. Alguém sempre pode desassociar “Homo sapiens” de “seres
humanos”, mas o resultado é uma posição muito menos plausível.22

De forma similar o ateu James Rachels afirma que a abordagem darwinista para
a origem dos seres humanos, embora não implique a falsidade destas noções, ainda
assim fornece um invalidador interno para a ideia de que os seres humanos são feitos à
imagem de Deus e que os seres humanos tem dignidade intrínseca e valor como seres.
De fato, de acordo com Rachels, o darwinismo é o solvente universal que dissolve
qualquer tentativa de defender a noção de dignidade humana intrínseca:

Os suportes tradicionais para a ideia de dignidade humana morreram. Eles não


sobreviveram à colossal mudança de perspectiva trazida à tona pela teoria de
Darwin. Pode-se pensar que este resultado não precisa ser devastador para a
ideia da dignidade humana, porque mesmo se os suportes tradicionais tiverem
de fato morrido, ainda assim a ideia precisará ser defendida em algumas outras
bases. Novamente, entretanto, uma perspectiva evolucionária torna alguém
cético. A doutrina da dignidade humana diz que o ser humano merece um nível
de cuidado moral completamente diferente daquele reconhecido aos simples
animais; se isto for verdade, deveria existir algum tipo de diferença moral
significante entre eles. Portanto, qualquer defesa adequada da dignidade
humana vai exigir algum conceito sobre os seres humanos que seja radicalmente
diferente do conceito dos outros animais. Mas isto é precisamente o que a teoria
evolucionária traz à questão. Ela nos deixa suspeitos em relação a qualquer
doutrina que enxergue grandes hiatos de qualquer tipo entre os seres humanos e
todas as outras criaturas. Sendo assim, um darwinista pode concluir que uma
defesa bem sucedida da dignidade humana é muito improvável.23

CONCLUSÃO

Eu argumentei que na cosmovisão cristã, Deus, o ser fundamental, possui e


compartilha com as criaturas criadas conforme sua imagem (1) consciência, (2) livre
arbítrio libertário, (3) racionalidade, (4) um “eu” unificado (e, como Trindade, três
“eus” unificados) e (5) valor intrínseco. Em contraste, dadas as restrições

22
David Hull, The Metaphysics of Evolution (Albany: State University of New York, 1989), pp. 74-75.
23
James Rachels, Created from Animals (Oxford: Oxford University Press, 1990), pp. 171-172. Cf. pp. 93,
97, 171.

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epistemológicas e a Grande História da ontologia naturalista científica, nenhum destes
cinco pontos se adapta naturalmente de forma que não constitua ad hoc.

Os naturalistas não podem apelar para a “emergência” para solucionar seus


problemas porque (1) este é apenas um nome dado para o problema a ser resolvido, e
não uma solução real e (2) faz petição de princípio contra o teísmo cristão da forma
mais escandalosa possível. Parece, então, que os aspectos importantes que nos
caracterizam como seres humanos fornecem evidência de que existe um Deus Criador
que nos criou. E isto é exatamente o que alguém iria esperar encontrar, caso o ensino
bíblico da imagem de Deus fosse correto.

PARA LEITURA ADICIONAL

Moreland, J. P. Consciousness and the Existence of God. London: Routledge, 2008.

_________. The Recalcitrant Imago Dei: Human Persons and the Failure of
Naturalism. London: SCM Press, 2009.

Reppert, Victor. C. S. Lewis’s Dangerous Idea. Downers Grove, Ill: InterVarsity Press,
2003.

Swinburne, Richard. The Evolution of the Soul, rev. ed. Oxford University Press, 1996.

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