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Ateísmo Científico
Por: J. P. Moreland
Tradução: Eliel Vieira∗
Este ensaio é o segundo capítulo do livro Good is Great, God is God: Why Believing in
God is Reasonable and Responsible (IVP, 2009).
Das explicações de uma cosmovisão sobre fatos para a teorização científica que
objetiva explicar pequenas coisas em nosso dia a dia, todos nós nos engajamos bem de
forma apropriada em um raciocínio do tipo “se-então”, ou o que os filósofos chamam de
método hipotético-dedutivo: se a lua estivesse em tal e tal lugar, então a maré estaria
assim e assado. Mas a maré não está assim, então a lua não pode estar naquele local. Se
minha filha não veio direto para casa da escola, ela não teve tempo para arrumar seu
quarto. O quarto está uma bagunça, então é provável que ela não veio para casa logo
após sua aula terminar. E assim por diante. E se os fatos são da forma como nós
deduzimos que eles deveriam ser, dada nossa hipótese, então eles fornecem evidencias
convincentes de que nossa hipótese é verdadeira – a melhor explicação para os fatos.
∗
Todos os direitos da tradução reservados.
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Uma teoria pode explicar muito bem alguns fatos, mas existem fatos
recalcitrantes que obstinadamente resistem em ser explicados por uma teoria. Não
importa o que o defensor de uma teoria faça, o fato recalcitrante simplesmente se
acomoda em seu canto e não é incorporado facilmente à teoria. Neste caso, o fato
recalcitrante fornece evidências falsificativas para a teoria e algum nível de confirmação
para as teorias rivais.
Como portadores da imagem de Deus, os seres humanos têm todos aqueles dons
necessários para representar e serem representantes de Deus, realizar as tarefas
designadas e exibir a relacionalidade existente colocado ante eles: dons da razão,
autodeterminação, ação moral, personalidade, formação relacional, etc. Neste sentido, a
imagem de Deus é diretamente fundamentada na natureza ou ontologia de Deus.
1
John Calvin, Institutes of the Christian Religion, 1.1.1.
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aspectos do que a explicação cristã (com sua doutrina da imagem de Deus), ou mostrar
que estes aspectos não são na verdade reais, mesmo que eles pareçam ser.
2
John Searle, Freedom & Neurobiology (New York: Columbia University Press, 2007), p. 4-5.
3
Antony Flew e Roy Abraham Varghese, Deus Existe (Ediouro, 2007). No contexto, apenas a
racionalidade é mencionada, mas em outras partes do livro, algumas referências são feitas à
consciência, livre-arbítrio e o “eu”.
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A NATUREZA DO NATURALISMO CIENTÍFICO
4
A versão forte do cientificismo sustenta que a ciência nos dá a única base para o conhecimento; a
versão mais fraca afirma que a ciência nos fornece a base mais certa do conhecimento; mesmo se
outras disciplinas fornecerem justificações ou conhecimento mais fracas.
5
Wilfrid Sellars, Science, Perception, and Reality (London: Routledge & Kegan Paul, 1963), p. 173.
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afirmações sobre a realidade que não são justificadas pelos métodos científicos nas
ciências rígidas.
6
John Searle, The Rediscovery of the Mind (Cambridge, MIT Press, 1992), pp. 83-93.
7
Mesmo quando os naturalistas se aventuram para longe do fisicalismo forte, eles ainda argumentam
que adições para uma ontologia fisicalista forte precisam ser representadas como fundamentas,
emergentes e dependentes de estados físicos e eventos da Grande História.
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Os únicos tipos de causas no universo são mecânicas/eficientes (do tipo que um efeito é
produzido) e materiais (o material do qual alguma coisa é feita). Não há propósito,
objetivos, causas finais ou teleologia irredutível. E não existem agentes livres com
poder ativo para serem as causas reais originárias de suas próprias ações, sem terem
sido antes determinados a agir pelas leis da natureza e fatores ambientais externos.
Mas as coisas não vão tão bem para o naturalismo científico. Ele ou ela não
começa com o Logos, mas com as partículas (cordas, ondas) que são brutas, mecânicas,
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inconscientes, irracionais, sem propósito, e servilmente sujeitas às leis e carentes de
valor. E então uma história é contada sobre como estas partículas continuam a se
reorganizar em agregações maiores e maiores do mesmo material. Nesta visão, os
organismos vivos – incluindo os seres humanos – são estruturas relacionais de partes
que foram ajuntadas por várias forças não unificadas e impessoais. Por sessenta anos ou
mais os naturalistas têm tentado reduzir ou eliminar estes cinco aspectos dos seres
humanos a fim de representá-los em vias naturais para uma cosmovisão científica
ateísta, dentro da estrutura de suas restrições. Rotular estes aspectos como “fenômenos
emergentes” é apenas nomear o problema que precisa ser resolvido, não uma solução (p.
ex., a consciência simplesmente emerge quando a matéria alcança uma forma de
complexidade apropriada). Como, por exemplo, elas podem ter emergido em primeiro
lugar? Mas os seres humanos têm resistido a tais esforços naturalistas – eles são fatos
recalcitrantes para os naturalistas – e isto é exatamente o que esperaríamos que
acontecesse caso o teísmo bíblico fosse verdadeiro. Não é o que seria esperado na
Grande História. Vamos investigar estas questões mais profundamente.
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• Estados mentais falham em ter aspectos cruciais (p. ex., extensão especial,
localização) que caracterizam estados físicos e, em geral, não podem ser
descritos usando linguagem física.
Uma vez que estados mentais são imateriais e não físicos, ao menos duas razões
foram oferecidas sobre porque não pode haver nenhuma explicação científica natural
para a existência de estados mentais.
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existência simples de estados conscientes quanto o conteúdo mental preciso que os
constitui estão fora dos limites da explicação evolucionária.
8
John Searle, Freedom & Neurobiology (New York: Columbia University Press, 2007).
9
John Searle, Minds, Brains, and Science (Cambridge, Mass: Havard University Press, 1984), p. 98.
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No que talvez seja a melhor tentativa naturalista de efetuar tal reconciliação,
John Bishop francamente admite que
Existem muitas razões pelas quais os ateístas admitem que o livre arbítrio é
incompatível com o naturalismo científico. Mas aqui vai a principal delas. Todas as
coisas particulares e seus comportamentos na ordem naturalista são nomológicas e,
portanto, submissas às mesmas leis da natureza.11 Além disto, uma ação livre envolve
um exercício de poder ativo por um primeiro motor, uma causa não causada, um agente
não determinado. Em contraste, uma vez que todos os eventos na ontologia naturalista
são acontecimentos passivos, todos eles são exemplos de motores movidos. Alguma
coisa tem que acontecer primeiro com um objeto – um evento que desencadeia seus
poderes causais passivos – antes que ele possa gerar qualquer acontecimento. Neste
sentido, toda causação naturalista envolve alteradores alterados. Mas um primeiro motor
pode ativamente produzir uma mudança sem ter sido mudado primeiro.
Deve ser óbvio porque tal agente não é um objeto que pode ser localizado na
ontologia natural. Motores não movidos com poder ativo são quintessencialmente não
naturais! De fato, neste ponto eles são exatamente como o Deus da Bíblia.
10
John Bishop, Natural Agency (Cambridge: Cambridge University Press, 1989), p. 1.
11
De fato, todos eles estão sujeitos ao determinismo sincrônico e diacrônico neste sentido: Em relação
ao determinismo sincrônico, em certo tempo t, as condições físicas são suficientes para determinar ou
estabelecer as chances do próximo evento envolvendo o objeto e seu meio. Em relação ao
determinismo diacrônico, em certo tempo t, os estados e os movimentos do objeto são determinados
ou têm suas chances estabelecidas pelos estados microscópios do objeto e do seu meio. Esta
determinação posterior é da essência ao topo.
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a racionalidade não existem em um universo naturalista.”12 De acordo com o naturalista
Thomas Nagel:
O problema então não será como, se participamos dela, a razão pode ser
validada, mas como, se ela for universalmente válida, nós podemos participar
dela. Não existem muitos candidatos a esta questão. Provavelmente a resposta
não-subjetivista mais popular atualmente é um naturalismo evolucionista: Nós
podemos raciocinar desta forma porque isto é uma consequência de uma
capacidade mais primitiva de formação de crenças que teve valor de
sobrevivência durante o período em que o cérebro humano estava evoluindo.
Esta explicação sempre me pareceu ser ridiculamente inadequada. [...] A outra
resposta bem conhecida é a religiosa. O universo é inteligível a nós porque ele e
nossa mente foram feitos um para o outro.13
Existem pelo menos duas razões para acreditarmos que os seres humanos não
podem ser agentes racionais em uma cosmovisão cientificamente naturalista, e que são
preditos de ser do jeito que são em uma cosmovisão bíblica: (1) a necessidade do “eu”
racional e contínuo e (2) a necessidade de um espaço para fatores teleológicos (objetivo-
direção) durante o processo.
12
Victor Reppert, C. S. Lewis’s Dangerous Idea (Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 2003), p. 70.
13
Thomas Nagel, The Last Word (New York: Oxford University Press, 1997), p. 75.
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um único mesmo ser, que persista sobre todo o processo, para apreender uma
proposição ou uma inferência como um todo.14
14
A. C. Ewing, Value and Reality (London: George Allen and Unwin, 1973), p. 84.
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Existem duas razões básicas para acreditarmos que uma alma simples e
individual não é uma opção para o naturalista. Primeiro, o naturalista está
comprometido com o fechamento físico. Todos os eventos físicos que possuem causas
possuem apenas causas físicas; quando alguém for traçar as causas antecedentes de um
evento físico, este alguém não precisa – e, na verdade, não pode – sair do campo da
física. Se por algum tipo de mágica uma alma simples pudesse ser uma entidade
emergente, então a alma não seria uma entidade com poderes causais. Entretanto, a
maioria dos naturalistas bane de sua ontologia entidades que não tenham poderes
causais, desta forma uma alma sem poderes causais é equivalente é uma entidade não-
existente. Jaegwon Kim fala pela maioria dos naturalistas quando diz que:
Se a mente imaterial vai fazer um neurônio emitir um sinal, [...] então ela vai de
alguma forma intervir neste processo eletroquímico. Mas como isto pode
acontecer? Na própria interface entre mente e física, onde uma interação mente-
corpo acontece direta e imediatamente, a mente não-física precisa de alguma
forma influenciar o estado de algumas moléculas, talvez gerando descargas
elétricas nelas ou as cutucando de uma forma ou de outra. Isto é realmente
concebível? [...] Mesmo que a ideia de uma alma influenciando o movimento de
uma molécula [...] fosse coerente, a postulação de um agente causal não
pareceria nem necessária nem útil à compreensão dos motivos pelos quais e
como nossos membros se movem.15
Segundo, dado a Grande História, aparte da simplicidade atômica (se existir tal
coisa), todos os maiores conjuntos (como cérebros e corpos) são agregações de partes
substanciais separáveis que se colocam em várias relações externas umas com as outras.
Em tal ontologia, macrosubstâncias são trocadas por estruturas constituídas por miríades
de partes separadas. Não existe um “eu” unificado e substancial conectado ao corpo.
Daniel Dennett diz, “Nós agora entendemos que a mente não está [...] em comunicação
com o cérebro de alguma forma milagrosa; é o cérebro, ou, mais especificamente, um
sistema ou organização interior ao cérebro.”16 E Carl Sagan terminantemente disse: “Eu
sou uma coleção de água, cálcio e moléculas orgânicas chamado Carl Sagan. Você é
15
Jaegwon Kim, Philosophy of Mind (Boulder, Co.: Westview, 1996), pp. 131-132. “A maioria dos
Fisicalistas […] aceitam o fechamento causal físico não apenas como uma doutrina metafísica
fundamental, mas como uma pressuposição metodológica indispensável para as ciências físicas” (PP.
147-148).
16
Daniel C. Dennett, Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon (New York: Viking Press,
2006), p. 107.
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uma coleção de moléculas quase idênticas, com um selo diferente.”17 Os termos
configuração, sistema, organização e coleção capturam muito bem a natureza relacional
não-substancial de tais agregações. Em contraste ao naturalismo científico, o Ser
fundamental do cristianismo é um espírito unificado e substancial, bem como aqueles
que foram feitos à imagem deste Ser.
moralidade é uma adaptação biológica, não menos que mãos, pés e dentes.
Considerada como uma justificação racional para afirmações que objetivam
algo, a ética é ilusória. Eu aprecio quando alguém diz “Ame seu próximo como
a ti mesmo” e se refira a alguém coisa além dela própria. Contudo, tal referência
na verdade não tem fundamento algum. Moralidade é apenas um auxílio para a
sobrevivência e reprodução [...] e qualquer sentido mais profundo é ilusório.18
Dado o naturalismo científico, fica difícil entender como poderia existir valor
intrínseco e ordem moral objetiva ou porque esta ordem teria alguma coisa a ver com os
seres humanos. Além disto, os processos combinatórios da Grande História não podem
explicar o surgimento de valor intrínseco simples; assim sua existência conta contra o
naturalismo e a favor do teísmo cristão. Como o ateu J. L. Mackie reconhece:
“Propriedades morais constituem um grupo tão bizarro de propriedades e relações que é
17
Carl Sagan, Cosmos (New York: Randon House, 1980), p. 105.
18
Michael Ruse, “Evolutionary Theory and Christian Ethics”, in The Darwinian Paradigm (London:
Routlegde, 1989), pp. 262-269.
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muito improvável que elas tenham surgido no curso ordinário dos eventos sem um deus
todo-poderoso que os tenha criado.”19
• exigem uma entidade como a “inestimaveidade”, para a qual nós não temos
nenhuma resposta sobre de onde ela vêm e ainda com relação a qual seria
19
J. L. Mackie, The Miracle of Theism (Oxford: Clarendon, 1982), p. 115. Cf. J. P. Moreland and Kai
Nielsen, Does God Exist? (Buffalo, N.Y.: Prometheus, 1993), chaps. 8-10.
20
Helga Kuhse and Peter Singer, Should the Baby Live? (Oxford University Press, 1985), pp; 118-139.
21
Joel Feinberg, Social Philosophy (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1973), pp. 84-97.
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preciso postular-se uma faculdade intuitiva de consciência direta, misteriosa e
problemática como tal entidade;
• são fundamentadas em graus de propriedade (alguém que possui, para um
grau maior ou menor) tanto quanto a racionalidade (Feinberg toma a
potencialidade para a racionalidade como na forma de graus) tem, não
podendo, portanto, fazer o trabalho de fundamentar o valor igual a todos;
• simplesmente dá nome ao problema a ser resolvido e não fornece uma
explicação para o próprio problema.
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vinculadas. Alguém sempre pode desassociar “Homo sapiens” de “seres
humanos”, mas o resultado é uma posição muito menos plausível.22
De forma similar o ateu James Rachels afirma que a abordagem darwinista para
a origem dos seres humanos, embora não implique a falsidade destas noções, ainda
assim fornece um invalidador interno para a ideia de que os seres humanos são feitos à
imagem de Deus e que os seres humanos tem dignidade intrínseca e valor como seres.
De fato, de acordo com Rachels, o darwinismo é o solvente universal que dissolve
qualquer tentativa de defender a noção de dignidade humana intrínseca:
CONCLUSÃO
22
David Hull, The Metaphysics of Evolution (Albany: State University of New York, 1989), pp. 74-75.
23
James Rachels, Created from Animals (Oxford: Oxford University Press, 1990), pp. 171-172. Cf. pp. 93,
97, 171.
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epistemológicas e a Grande História da ontologia naturalista científica, nenhum destes
cinco pontos se adapta naturalmente de forma que não constitua ad hoc.
_________. The Recalcitrant Imago Dei: Human Persons and the Failure of
Naturalism. London: SCM Press, 2009.
Reppert, Victor. C. S. Lewis’s Dangerous Idea. Downers Grove, Ill: InterVarsity Press,
2003.
Swinburne, Richard. The Evolution of the Soul, rev. ed. Oxford University Press, 1996.
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