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Idiana Tomazelli
parte do mundo de alguém com deficiência, seja ela física ou mental. Também
integram a realidade dos familiares, que fundem seus sentimentos aos do filho,
irmão, primo dito “especial”. Neste cenário, um novo passo costuma ser a glória, e o
Daubermann, 49 anos, não tem como motivo sua deficiência, um retardo mental
moderado desde que nasceu. O que o aflige é a saúde do tio – a quem costuma
chamar de pai –, que no final de semana anterior passara muito mal e fora internado
no hospital já em coma. “Pensei que eu podia fazer alguma coisa, mas acho que
vida (mãe, avó, tia-avó) e preocupa sua irmã, a nutricionista Marlowa Jacques
Ourique de Paula, de 38 anos. Ela insiste para que Ciro não abdique de seu
necessidades especiais. “Enquanto tu não entrar, tu não vai ficar bem”, apela a irmã.
raras vezes desde sua entrada no programa – no início de 2009 – em que se viu
desânimo e pesar apontados em seu rosto. Ele é um fã declarado das aulas. “Foi a
que ocorrem às terças e quintas, das 16h45 às 18h30 – duas turmas com 45
minutos cada. As inscrições são gratuitas, mas há lista de espera. Até o momento,
são 12 pessoas que deixaram os dados para contato e uma ficha do aluno e estão
no aguardo de vaga – embora o número pudesse ser maior, caso não houvesse
imediato.
Enquanto seus filhos lutam por cada novo movimento, cada nova conquista,
pais e, na maioria, mães procuram transformar o tempo ocioso em lazer. Nas rodas
ambiente. Revistas com temáticas para donas de casa e sacos de pipoca doce
Daniela. O que não falta são mães orgulhosas, corujas e amorosas, de câmara em
ponto.
Ao toque do play, o grupo segue em frente de um até oito para então fazer a
meio da dança, o menino Henrique, que vive em uma das unidades do Núcleo de
empolgação e gosto pela coreografia o fazem atirar o boné no chão e recriar passos
diferentes a cada sessão do ensaio. Detentor de uma deficiência intelectual leve, ele
supera aos poucos suas limitações. Nos desenhos presenteados por ele, a
Educação Física, mostra os traços de um carro completo: quatro rodas, duas portas,
janelas, capô e a estrada. “Antes ele não sabia como desenhar isso”, conta.
Outros alunos do mesmo abrigo fazem parte do projeto de dança. Uma delas,
Para Gabriela Sanders, 15 anos, o gosto pela dança tem muito a ver com outra
paixão de sua vida: a música. A artesã Heralda Sanders, 39 anos, garante que a
filha escuta todos os gêneros, sem exceção. “Até ópera”, faz questão de ressaltar.
Ela, por outro lado, prefere música eletrônica. “Acho que a Gabriela me
Viamão, elas cumprem a longa jornada de ônibus há quase dois anos. Tudo para
que Heralda possa assistir à libertação da filha em meio ao salão. Segundo a mãe, a
do outro. “Já levei choque quando nasceu, então estava no embalo”, diz Heralda,
também tem deficiência mental moderada, conhecida tecnicamente como F71 (“As
ser percebidos quando a menina tinha um ano e meio. O período foi de superação e
A soma dos diagnósticos pesou para que o pai de Gabriela abandonasse a ela
e à mãe dois meses depois da confirmação de autismo. Ele nunca mais as procurou.
Quando nasceu, Pamela atingiu o nível zero na Escala de Apgar, que vai de
zero a dez e avalia os sinais cardíacos, respiratórios, tônus muscular, reflexos e cor
da pele do bebê nos primeiros minutos de vida. Era o indicativo de uma asfixia grave
voltar para casa com sua filha aninhada nos braços. Antes, o médico a advertiu que
Pamela deveria fazer fisioterapia. “Que remédio é esse? Onde é que compra?”,
para a automaticidade cotidiana, mas que emocionam aqueles que assistem à cena.
“Quase chorei quando vi isso pela primeira vez”, murmura Ivani, observando a
sempre busca com os olhos e parece ser sua preferida. Em casa, ela já aprendeu a
secar a parte de dentro das panelas. “Ela gosta de se sentir útil”, diz a mãe, que
admite, sob o olhar travesso da filha, que ela só enxuga as louças “quando tá afim”.
A psicóloga Yáskara Palma defende o estímulo dessas atividades, desde que
dentro das possibilidades. “A pessoa com deficiência não deve ser considerada com
positivos. “Ela sente que está contribuindo para algo, sente-se amada, responsável,
psíquico”.
anos leva em torno de 50 minutos para ir da Vila São José até o Parque Esportivo.
Ela cumpre o trajeto a pé e admite que alguns acessos são complicados em função
da cadeira de rodas. “Tem que ter prática”, descontrai. Na ida para a aula, quando o
Entretanto, a “boba e chorona” Rosimeri fica feliz com a alegria da filha e tenta
“Ô Ielma, a Kelly amanhã tem que ir pra PUC”. Ao ouvir a frase-chave, a dona
de casa Ielma Mattos Rodrigues, de 62 anos, já sabe o que a filha Kelly quer dizer.
No dia seguinte, as duas irão do Parque dos Maias, na zona norte da Capital, até o
Parque Esportivo da PUCRS para a aula de iniciação esportiva para pessoas com
necessidades especiais. A fala é assim mesmo, sem “eu” nem “mãe”. “Só me chama
de mãe quanto tem algum outro interesse”, garante Ielma, com uma pontinha de
desconfiança.
estampada, Kelly, no auge de seus 21 anos, corre, joga a bola, faz uma cesta atrás
da outra e se mostra bastante participativa. As limitações trazidas pela Síndrome de
Down vem sendo trabalhadas desde o início do ano, quando a menina entrou no
projeto. O progresso é visível, tanto na questão motora quanto social. “Não vou sair
com 12 na época. O parto foi de alto risco, e os médicos apontaram a idade como
um fator determinante para que a menina carregasse nos genes o distúrbio. Só com
a criança já nos braços é que Ielma viu que algo estava errado, que a filha parecia
ter uma “cabeça de porco roxa”, mas nunca imaginava se tratar de Down. Ela admite
que sua primeira reação foi entregá-la de volta ao médico. “Depois olhei de novo e
não larguei mais”, sorri. Com os olhos estreitos e o cenho franzido, ela relembra que
Além das complicações no parto, Kelly teve de ser submetida a uma cirurgia
aos quatro anos, devido a problemas no coração. Uma veia invertida e o diagnóstico
“Outra cesta!”
Apesar de a filha mais nova ter tido um início de vida conturbado, a dona de
casa tenta minimizar os problemas. “Eu não sou aquela mãe sofrida”, despista. Sua
convivência com Kelly é normal, como a de qualquer mãe e filha. Adoram dormir,
conversam sobre o que pretendem fazer e vão juntas à Igreja. Ielma ainda leva Kelly
todos os dias à Escola Estadual Especial Cristo Redentor, onde ela está aprendendo
Assim como outros colegas, Kelly adora música e, segundo a mãe, dança
muito bem. Tem preferência por música gaúcha, “chula, bater o pé”. Como
Pode também ser uma bela degustadora, já que é boa de garfo. “Come de tudo”,
entrega Ielma. Ao fundo, ouve-se uma gargalhada gostosa. Kelly fazia sua última
cesta da tarde. Ielma rende-se à felicidade da filha: “Viu por que ela gosta?”
freneticamente, mas não há tempo para retribuição, já que ela logo se ocupa em
aposentada Zilma Castro Wallmann, 62 anos, aprecia a dedicação da filha, que pelo
grupo de dança.
Márcia teve paralisia cerebral devido à asfixia sofrida na hora do parto. Tanto a
diagnóstico só foi feito no segundo ano de vida, após uma crise convulsiva. Na
época, ela e o marido, Luiz Antônio Wallmann, pensaram que a deficiência fosse
hereditária e decidiram não ter mais filhos. Quando descobriram que não tinha a ver
com genética, prepararam-se para receber Patrícia Castro, hoje com 30 anos. A
muita coisa”, avalia a mãe. “Cada conquista tem um gostinho especial”. As aulas
naquele mundinho dela”, conta Zilma. Agora, no dia em que sabe que tem projeto,
ela arruma a sacola com seus pertences já pela manhã. De certo, ao som dos
coração”, comemora com voz infantil e afetuosa. Provocada pelas outras mães, ela
defende seu professor de natação, por quem ela tem um carinho especial. “Ele não
é coisa feia. É lindão!” Depois de argumentar, ela finalmente encontra ali de pertinho
a repórter – a estranha que chamara sua atenção. O abraço dura poucos segundos,
- Tchau, amiga!
de rodas, a mãe abre um largo sorriso e salta para ajudá-la na troca de roupa.
Enquanto isso, ouve relatos minuciosos de todos os movimentos realizados na
contato com a água morna. A deficiência física decorre de uma paralisia cerebral
ocorrida após uma sucessão de problemas de saúde e que também deixou sequelas
na parte mental.
quatro meses e meio e acabou contraindo uma infecção hospitalar que atingiu os
“Ela nunca vai ser um médico como eu, ou uma advogada... Não vai
conseguir”, teria dito o médico que tratou a filha de Ivanete. A síndrome, que
provoca crises muito graves de epilepsia, não tem cura, mas pode ser controlada.
gente achava que era uma porta que batia, alguém que tivesse falado mais alto”,
conta a mãe. Só com um episódio mais agudo e com nova internação é que foi
detectado o problema.
Participa dos exercícios na piscina, é mais falante e está aprendendo a ler. “Acho
que ele (o médico) foi infeliz no que ele disse”, lamenta Ivanete.
Há quase cinco anos inscrita no projeto, a filha agora cobra frequência maior
nas aulas. “Eu quero ir mais vezes”, pede. Quem a viu no início, tímida e calada,
talvez não imagine o sorriso estampado em seu rosto e o abano insistente para a
mãe, que não faz o tipo cobrona. Alegra-se com as conquistas que a filha puder lhe
ficou feliz mesmo quando Nathálya lhe fez uma declaração às avessas, em meio à
sabia exatamente o que queria: trabalhar com pessoas com algum tipo de
necessidade especial. O interesse tem a ver com um caso na família, do tio que
“Eu nasci e cresci nesse ambiente, então foi uma trajetória natural”, conclui a
e formou o primeiro grupo de alunos. A expansão veio ao longo dos anos, grande
parte pela gratuidade do programa, mas também pelas indicações de pais cujos
número de vagas. Por serem atividades ministradas por estagiários, alunos do curso
há turmas com um grupo reduzido de inscritos, mas dispara em seguida: “Eu primo
Assim que aparece na quadra, no salão ou na piscina, pais e alunos se voltam a ela,
seja para conversar sobre algum problema ou simplesmente para soltar um efusivo
“Oi, professora Dani!”. Ela destaca a confiança dos pais como uma condição
essencial para que o trabalho possa ser desenvolvido com sucesso. Contudo, além
pessoa com deficiência, há pais que não entendem as etapas superadas como algo
significativo. “Alguns vibram com a mínima conquista dos filhos. Mas, para outros, é
uma ação pequena, muito pequena. Então, eles não visualizam isso como uma
diferença em uma criança deficiente que é estimulada e outra que não é”, diz.
emocionar-se com cada novo movimento. Conta com um sorriso nos lábios sobre o
caso de um aluno que não conseguia fechar a mão e agarrar uma bolinha de
relembra. Ver os alunos avançando passo a passo, para ela, é uma grande
especiais tem uma relevância muito grande para as práticas cotidianas. Saltar com
os dois pés pode ser algo custoso de se aprender, mas acaba sendo útil em um dia
de chuva, por exemplo, quando houver uma poça d’água em frente e for necessário
pular para não molhar os pés. Segundo Daniela, fazer com que o aluno assimile o
que queria voltar seu trabalho para pessoas com necessidades especiais, ela
reconhece que tal determinação não é tão comum. Muito menos antes de ingressar
na universidade, “A maioria desperta esse interesse na faculdade, quando eles têm
Sempre com um sorriso nos lábios e o brilho nos olhos, a paulista Ivani Labres,
programa. Da mesma maneira que ensina aos alunos, ela também aprende. Entrou
olhos na sala, cuja expectativa é mostrar um novo passo, exibir um largo sorriso ou
para futuros trabalhos. O contato com os alunos que possuem deficiência já lhe diz
como eles são inseridos nas atividades cotidianas. “A diferença está relacionada à
vivência”, reflete.
afetivas e comportamentais. “Os pais depois nos contam que seus filhos chegam
futuro, ele acredita que estará preparado para lidar, auxiliar e orientar pessoas com
deficiência em atividades físicas, caso haja oportunidade. “Não vai ser uma
surpresa”, presume.
Yáskara Palma explica que os pais se sentem culpados pela deficiência dos filhos e,
por isso, eternamente responsáveis por eles. “Isso gera um grande sofrimento”,
Aparecida Gomes de Almeida opina que esse sentimento é comum, já que há uma
uma deficiência.
identificando pelos problemas vividos por cada um. Isso permite que as angústias,
Amigos dos Excepcionais (APAE) em Feliz, na região do Vale do Caí, Rio Grande do
Sul. A experiência lhe proporcionou muito mais do que conhecimento científico. “Lá
eu pude perceber como o engajamento da família no tratamento da pessoa com
assim como de momentos de lazer. “A atenção volta-se para o deficiente, mas não
deve ser assim”, questiona. O “cuidador”, como ela titula, precisa estar bem consigo
mesmo para poder passar isso ao filho. Por isso, muitas vezes o trabalho do
psicólogo acaba se estendendo para questões pessoais que não têm a ver com as
ainda que difícil. “Se filho ‘dito normal’ não se cria sozinha, deficiente muito menos”,
famílias no campo da sociologia não são muito comuns – o tema costuma ser
algo muito recente se comparado a outros assuntos já com uma bibliografia mais
vasta e variada.
Para ajudar a preencher essa lacuna, Maria Aparecida está desenvolvendo sua
gênero, ela busca entender e analisar como é a reação e os cuidados quando chega
horário, havia as aulas do Projeto Borboleta, promovido pela instituição com foco em
pôde observar que na maioria dos casos eram as mães que acompanhavam os
pequenos à aula. Bastou uma simples pergunta para lançar-se a faísca do estudo.
“Por quê?”.
a temática social (e não tanto na área clínica, como se poderia pensar), ainda é
campo, ela pôde notar que quem manifesta a deficiência no corpo tem muito menos
chances de inclusão social do que quem não aparenta. O efeito desse tipo de
leva em conta que essa definição é muito relativa e que, em outras épocas, já teve
na nossa sociedade, em outra pode ser algo completamente estranho, que vai
resposta, mas cruzar os braços ante o desprezo sofrido por algumas pessoas com
seriam os termos ideais para guiar a conduta social. Yáskara, porém, lamenta que
isso não tenha se concretizado até agora. “Mesmo estando no século XXI, ainda