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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo

VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo


(Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010
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Porque não existe gênero jornalístico


interpretativo

Lia Seixas 1

Resumo: O objetivo deste artigo é explicar porque não acreditamos na existência de gênero
jornalístico interpretativo. Defendemos que qualquer ato linguístico contém o gesto da
interpretação e a necessidade, portanto, de se compreender bem o conceito de interpretação,
para, depois se afirmar a existência de “gênero interpretativo”. Apresentamos a compreensão de
interpretativo nos estudos de jornalismo no Brasil (BELTRÃO; MARQUES DE MELO;
ERBOLATO; MEDINA). Analisamos o gesto da interpretação dentro do fazer jornalístico,
comparando composições discursivas, como notícia e reportagem. Sugerimos uma compreensão
para o evento da significação, com níveis de interpretação para o tratamento dos objetos de
realidade, denter os quais objetos de acordo e desacordo. O trabalho se fundamenta
teoricamente na Nova Retórica (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA), em leitura da Teoria
da Argumentação (por GUERRA; GOMES), na Pragmática (AUSTIN; SEARLE) e na Análise
do Discurso (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU; ORLANDI).

Palavras-chave: gênero jornalístico; gênero interpretativo; interpretação; análise do discurso;


pragmática.

1. O que se chama de gênero interpretativo

Nos estudos do jornalismo brasileiro, os gêneros jornalísticos já foram divididos


em informativo e opinativo (MARQUES DE MELO, 1985); informativo, interpretativo
e opinativo (BELTRÃO, 1978); informativo, opinativo, educativo, de entretenimento
(autores que estudaram televisão e rádio); e mais recentemente, informativo, opinativo,
interpretativo, diversional e utilitário (MARQUES DE MELO, 2010). O gênero
1
Jornalista e professora de jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
Doutorado sobre gêneros jornalísticos pelo Pós-Com da UFBA. Mantém o blog
www.generosjornalisticos.com.
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VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
(Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010
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interpretativo que, para Marques de Melo, volta agora a aparecer nos veículos
jornalísticos, nasce na década de 70 com o New Journalism2, ganhando destaque
acadêmico com o livro “Jornalismo Interpretativo” de Luiz Beltrão em 1976.
Ainda hoje, para estudos de jornalismo, o “jornalismo interpretativo”3 é aquele
da reportagem, do livro-reportagem, do “relato ampliado”. Já foi também da
“reportagem em profundidade”, com antecedentes, projeção de futuro, prognóstico
informação íntegra e análise (BELTRÃO, 1976). Atualmente, concordando com o
trabalho de Dias at al (1998), Marques de Melo defende que as composições do
“jornalismo interpretativo” seriam: análise, perfil, enquete e cronologia, enquanto a
reportagem estaria no “gênero informativo”. Embora haja divergências quanto à
tipologia em “gênero interpretativo”, curiosamente há certo consenso quanto à definição
de “jornalismo interpretativo” ou do que seria a função de interpretar. O “jornalismo
interpretativo” é aquele que explica as causas de uma ocorrência, não factual a
princípio; tem vasta contextualização ou aprofundamento do contexto; humanização do
fato jornalístico, e indica as consequências desta ocorrência com diagnósticos e
prognósticos de fontes especializadas (ERBOLATO, 2002, p.34; MEDINA, 2003,
p.127). As palavras “contextualização”, “humanização”, “aprofundamento” e
“explicação” aparecem com frequência nas definições. Mas, como o objetivo principal
sempre é a taxonomia, as definições são cientificamente pobres, como concluem os
pesquisadores Lailton Costa e Janine Lucht em artigo que abrange grande parte da
literatura acadêmica sobre jornalismo “interpretativo”:

A primeira “vertente” [de Beltrão, Nava, Kinderman, Pereira Lima]


concentra as possibilidades interpretativas em torno da reportagem e merece
mais estudos para, quem sabe, desenvolver critérios mais sólidos de
classificação, para o formato e a definição de seus caracteres enquanto
gênero interpretativo, uma vez que nas classificações já legitimadas no
âmbito acadêmico a reportagem é fixada no gênero informativo. [...]
A outra “vertente”, presente em Dias et AL (1998) e Marques de Melo
(2006), amplia o número de formatos interpretativos, mas também não

2
O New Journalism é um fenômeno influenciado pela imprensa underground de 60 nos EUA e se
configurou no fazer jornalístico que “mistura” jornalismo com literatura em função da linguagem. As
referências são autores como Gay Talese, Tom Wolfe, Normam Mailer, Hunter Thompson.
3
Os estudos também consideram “jornalismo interpretativo” como se existissem vários jornalismos.
Talvez trate-se de tipos de jornalismo ou ainda de gêneros do jornalismo. Seria um jornalismo com
função principal de interpretar, talvez.
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estabelece critérios bem definidos de conceituação e caracterização destes,


como é o caso da “análise” – na classificação de Dias et al – e do “dossiê” –
na classificação de Marques de Melo. (COSTA; LUCHT, 2010, p. 121) (grifo
nosso)

Pelo menos dois termos principais, portanto, parecem estar frequentemente


associados à definição de gênero interpretativo: interpretação, claramente; e
contextualização, muitas vezes denominada, em sentido lato, como “aprofundamento”
do contexto. A questão, na verdade, é que “interpretação” e “contextualização”
costumam ser tratadas como termos e não como conceitos, menos ainda com a
compreensão de que são categorias-chave para se compreender o fazer jornalístico. Este
é um dos grandes problemas dos estudos de gêneros jornalísticos: trabalhar com
conceitos com se fossem apenas termos, ou melhor, com categorias tratadas como tal
nos estudos de jornalismo. Se analisarmos os conceitos de interpretação - como, aliás, já
foi feito por Josenildo Guerra dentro dos estudos brasileiros – e contextualização,
certamente chegaremos à conclusão de que não existe gênero jornalístico interpretativo.
Claro, em se tratando de fazer jornalístico, com as competências de reconhecimento, de
procedimento e discursiva4.
Nos estudos de jornalismo, o “interpretativo” também quer dizer “função
interpretativa” ou “função de interpretar”. Convencionou-se dizer que cada composição
discursiva (texto, matéria) tem uma finalidade. Mas não se analisa os diversos atos
lingüísticos de uma composição jornalística; quais são as finalidades reconhecidas
socialmente para a instituição jornalística brasileira; qual a relação entre a função da
composição e a função da instituição, se existir uma relação; ou ainda, se não existe esta
relação, porque ela não existe. Os analistas do discurso têm reafirmado a existência de
várias finalidades, com a preponderância de uma finalidade5.
Todas as classificações brasileiras são, essencialmente, funcionalistas, ou seja,
consideram a função ou finalidade como o critério mais importante de separação entre
os textos, matérias, enfim, composições discursivas, como sugerimos nomear. Isso
significa dizer que, na análise das composições discursivas dos jornais, programas de

4
As competências mobilizadas no fazer jornalístico estão em leitura de Nelson Traquina dos autores
Ericson, Baranek e Chan (1987). (SEIXAS, 2009, p. 157).
5
Patrick Charaudeau é o autor que sugere esta relação entre as finalidades. (CHARAUDEAU, 2006).
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rádio e TV ou de produtos digitais jornalísticos, reúne-se aqueles que teriam a mesma


função principal, seja informar ou opinar ou interpretar. Estas funções, assim, seriam
reconhecidas socialmente. Com isso, o que se está afirmando é que há um dado
reconhecimento intersubjetivo pela sociedade brasileira sem que isso tenha sido
analisado.
Com o objetivo de não seguir a função como o “critério de saída” para uma
análise de gênero, mas um “critério de chegada”, exatamente porque esta análise ainda
não foi feita, temos sugerido, com a tese e com os últimos artigos apresentados em
20096, uma análise de elementos extra e intralingüísticos do ato comunicativo de uma
composição discursiva jornalística. Aqui, neste artigo, propormos uma análise da lógica
da interpretação no jornalismo, ou seja, o evento da significação na composição
discursiva jornalística. Para isso, faremos também uma comparação entre notícia e
reportagem, identificando os níveis de interpretação em composições discursivas
consideradas, respectivamente, dos gêneros informativo e interpretativo pelos estudos
de gêneros jornalísticos, apontando ainda elementos para a compreensão da categoria
“contextualização”.

2. A interpretação no fazer jornalístico

O gesto da interpretação trata-se da difícil dialética do evento e da significação.


Para esta dialética, as respostas da Pragmática e da Análise do Discurso parecem, num
primeiro momento, opostas, mas, na verdade não são, porque se encontram na
“intersubjetividade”. É certo que a Análise do Discurso está mais preocupada com a
relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Os sentidos das
palavras seriam, para a AD, constituídos dentro das “formações discursivas”
(FOUCAULT, 1969) em suas relações. Interpretação seria um “ato de domínio
simbólico”:

6
O principal artigo neste sentido foi apresentado na Intercom 2009. SEIXAS, Lia. Gêneros Jornalísticos:
partindo do discurso para chegar à finalidade. XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
Curitiba, setembro de 2009. Disponível em: http://www.generosjornalisticos.com/p/artigos.html. Acesso
em julho de 2010.
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[...] A Análise do Discurso visa compreender como os objetos simbólicos


produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que
ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do
sentido. A Análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus
limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação.
Também não procura um sentido verdadeiro através de uma “chave” de
interpretação. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de
interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo,
deve ser capaz de compreender. (ORLANDI, 2001, p.26) (grifo nosso)

Diferentemente, a Pragmática trabalha com parâmetros de verdade, tendo como


fundamentação principal a hermenêutica. A Pragmática entende que o conteúdo
proposicional é determinado pelos dispositivos indicadores da força ilocucionária:

[...] As diferenças, por exemplo, entre um relato e uma predição envolvem o


fato de que a predição tem de tratar do passado e do presente. Essas
diferenças correspondem a diferenças quanto às condições do conteúdo
proposicional, como se explicou em Speech Acts. (SEARLE, 1995, p. 09)

Como o foco é o sucesso do ato, as proposições devem estar adequadas ao ato a


ser realizado. Estar adequada quer dizer também seguir convenções da linguagem
institucional, convenções estas que fariam parte do “saber social” (ISER, 1996). Os
parâmetros de verdade seriam, assim, aqueles da intersubjetividade, cujo equivalente,
para a AD, seria o interdiscurso. Intersubjetividade está associada a interconhecimento,
e o interconhecimento está ligado a compreensão. É a circularidade que envolve
compreensão e interpretação da experiência existencial humana, do círculo
hermenêutico:

[...] O ato de interpretar então é a operação dos significados dados na


compreensão, de modo que aquilo que se interpreta já é, de antemão,
antecipado pelas possibilidades inscritas na compreensão. O interpretar só
é possível, aliás, graças a essa antecipação na qual a compreensão
disponibiliza os sentidos construídos pela experiência das gerações
passadas. [...] (GUERRA, 2003, p. 168) (grifo nosso)

Esta compossibilidade que têm as coisas, ou seja, as possibilidades de relações


com outras, estão no saber social, operado pela intersubjetividade. Poderíamos dizer que
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a AD trabalha esta “compossibilidade” das coisas na dimensão da “formação


discursiva” (FOUCAULT, 1969), o que se traduz em “compossibilidade de sentidos”,
enquanto a Pragmática entende a “compossibilidade” das coisas na experiência das
gerações passadas. Está-se, então, na AD, no âmbito das “regularidades” que constituem
o conceito de “formação discursiva”:

No caso em que se pode descrever, entre um certo número de enunciados, um


sistema de dispersão semelhante, e no caso em que entre os objetos, os tipos
de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se definir uma
regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos,
transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação
discursiva – evitando, assim, palavras demasiado carregadas de condições e
consequências, inadequadas, aliás, para designar dispersão semelhante, tais
como “ciência”, ou “ideologia”, ou “teoria”, ou “domínio da objetividade”.
[...] (FOUCAULT, 1969, p. 53)

A lógica é das “regras de formação” de objetos, conceitos, modalidades


enunciativas e escolhas temáticas. É a compossibilidade inscrita no “regime dos
objetos” que possibilita a formação de um “objeto do discurso”. Considerando-se que
há formas de convivência entre a “compossibilidade das coisas” e uma
“compossibilidade dos sentidos” para dadas “formações discursivas”, essa convivência
na prática jornalística se dá pela relação estabelecida entre compromisso realizado
(atos lingüísticos) e objeto de realidade (realidade atual), mediante a compreensão do
saber social comum e, mais especificamente, dos tópicos jornalísticos.

Os tópicos funcionam como os objetos de acordo (PERELMAN), pois


constituem o saber social sobre objetos, idéias, opiniões. Conhecer o sentido de uma
palavra seria saber quais “lugares comuns” (topoï) estão fundamentalmente associados a
eles (Teoria da Argumentação). São essas crenças comuns de uma comunidade
discursiva que asseguram o encadeamento dos enunciados7. A noção de topoï, portanto,
7
“[...] O que a retórica antiga chamaria topoï, lugares, é hoje estudada por diversas disciplinas que se
equilibra sobre as configurações verbais do saber comum, dos topoï da pragmática integrada ao
estereótipo nestas acepções variantes. Além disso, a análise do discurso e os estudos literários
privilegiaram, sob as denominações do “discurso social”, “interdiscurso”, “intertexto”, o espaço
discursivo global no qual se articulam as opiniões dominantes e as representações coletivas. Ligar-se-á
então a noção de “doxa” ou opinião comum, de uma parte, àqueles conjuntos discursivos – discurso social
e interdiscurso – que a sustentam, de outra parte, às formas (lógica) discursivas particulares – topoï
(lugares comuns) de todos os tipos, idéias recebidas, estereótipos, etc. - onde ela emerge de maneira
concreta.” (AMOSSY, 2006, p. 99-100)
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aparece na AD sustentada por conceitos como intertextualidade e interdiscurso,


herdeiros da noção de dialogismo de Bakhtin. De outro lado, os tópicos, trabalhados
pela nova retórica de PERELMAN (1996) e pela pragmática integrada de Anscombre e
Ducrot (1983), vêm da herança aristotélica, que dividia os lugares comuns e os lugares
específicos. Os lugares comuns, para Aristóteles, se referiam às opiniões validadas
consideradas como dotadas de um grau máximo de generalidade. Os lugares específicos
eram as opiniões validadas relativas a um dos três tipos discursivos da retórica:
judiciário, deliberativo e epidítico. Para a análise das lógicas enunciativas do discurso
jornalístico e compreensão de seus objetos de realidade, trabalhamos, com duas noções
que parecem opostas, mas que, para nós, se completam: os lugares comuns como
premissas de ordem geral que permitem fundar valores e hierarquias (PERELMAN,
1996); e a noção de opinião comum compartilhada, que pode relevar opiniões validadas
e aceitas por um determinado período.

O objeto de realidade é a matéria-prima do fazer jornalístico: unidades da


realidade atual. Defendemos que a realidade é composta de diversos objetos, dentre os
quais os fatos. Existe uma primeira diferença, em geral, não desconhecida entre fato e
acontecimento. O fato é algo que passou, ocorrido. O que caracteriza o fato, portanto, é
o resultado de uma ação, passada. Já o acontecimento é fenômeno em processo que se
apresenta na atualidade, ou algo que tem determinado grau de probabilidade de ocorrer.
Um incidente no metrô é um fato, mas este fato está relacionado a vários
acontecimentos como o processo de investigação sobre o que provocou o incidente. Os
acontecimentos podem estar em ocorrência ou terem um dado grau de probabilidade de
ocorrer, ou seja, acontecimentos prováveis, previsíveis (porque convencionados) e
possíveis também são objeto de conhecimento do jornalismo. Existe, inclusive, uma
série de tipos de objetos de difícil delimitação e, inclusive, nomeação pela linguagem. A
realidade inclui desde o que é verificável pela simples observação, os chamados
“objetos de acordo” de fácil comprovação, como fatos passíveis de constatação
intersubjetiva pela simples presença, “objetos de acordo” que não são passíveis de
verificação, como “verdades” de saberes científicos, até intenções de declarações,
objetos abstratos impossíveis de se verificar e mesmo de se alcançar acordo. A partir
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dos “objetos de acordo”, sistematizados por PERELMAN e Olbrechts-Tyteca


(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.77), organizamos uma lista de objetos
de realidade mais frequentes no discurso jornalístico:
Objeto de Realidade Definição
Declaração Geralmente, a declaração vem com aspas.
1. de autoridade (perfomativa, A declaração de autoridade se constitui numa ação pela fala e
quando faz ao dizer); implica uma mudança na realidade, uma (re)ação de atores sociais
do mesmo campo social de quem emitiu a declaração.
2.de conhecimento (especialista); A declaração de conhecimento é fala de um especialista sobre, e
somente sobre algo ligado à sua área de conhecimento.
3.de testemunho. A declaração de testemunho é uma fala de um ator social (pessoa)
que presenciou algo, participou de algo que está sendo noticiado.
A autoridade de ser uma fonte vem do fato de ter testemunhado
Fato dado: O fato passível de constatação é aquela ocorrência que pode ser
constatada por simples observação intersubjetiva. Veja que
1. passível de constatação; constatar é diferente de verificar. Nem tudo que pode ser
verificado, com documentos, por exemplo, é constatável.
2. passado recente ou histórico. Fato de passado recente é uma ocorrência anterior ao fato
principal (da notícia). Geralmente faz parte do que se chama de
contextualização fato recente pode ou não ser comprovado e ser
ou não já conhecido da sociedade.
“Verdades” “Verdades” são afirmações que uma sociedade tem como saber
1. saberes tidos como verdadeiros; verdadeiro por que já é conhecido de todos e se cristalizou
(senso comum) culturalmente. (EX: O álcool é um produto que serve para fazer
assepsia das mãos, de instrumentos cirúrgicos).
2. sistemas complexos de ligações Os sistemas de verdades são aqueles provindos de teorias, como
entre fatos como objeto de acordo, por exemplo a teoria de evolução de Darwin.
relativo não só a teorias científicas, Dados podem ser estatísticos ou não, mas devem ser resultado de
mas a saberes compartilhados e pesquisa e estarem enunciados desta maneira no texto. Não é
estabilizados pela experiência, mas qualquer número ou dado, mas aquele resultante de um saber
que transcendem as experiências e científico, que exigiu ou sondagem ou pesquisa. Por terem sido
estão em constante atualização gerados no campo científico, esses dados são tratados como
verdades inquestionáveis. Esses dados têm essa força.
3.Dados, estatísticas com estatuto de
verdade resultante de saber científico
Dados de saber especializado Os dados de saber especializado não são necessariamente
provindos de pesquisa, podem ser dados enunciados por alguma
fonte especializada, dados que podem ser comprovados por
documentos, dados até que podem ser verificados.
Regras: Trata-se de qualquer norma ou regra de um campo social. Ex: A
1. normas e regras conhecidas por regra geral para se aprovar um projeto de lei ordinária é a maioria
uma sociedade simples de votos, que corresponde ao número devotos favoráveis
2. normas e regras de saberes superior ao número devotos contrários.
especializados
Comportamento de ator social Trata-se de uma maneira de agir, um comportamento enunciado
no texto geralmente de forma descritiva.
Estado psicológico de pessoas O estado psicológico trata do que pensa, sente um ator social. É
um objeto impossível de verificar, mas é enunciado porque se fez
uma apuração com ações, comportamentos recentes.
“Opinião pública” São opiniões da sociedade em acordo num momento determinado.
É opinião que parece consensual num determinado contexto para
uma determinada sociedade.
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Esta lista, certamente, não pretende esgotar unidades de eventos da realidade,


mas mostrar: 1) como são variados os objetos com os quais o fazer jornalístico precisa
lidar e; 2) como, na relação com compromisso e tópicos, os objetos são re-construídos
frequentemente como fatos dados, constatáveis (aqueles sob os quais não se tem
dúvidas). Daí a compreensão consensual de que jornalismo trata de fatos.

Os compromissos de um ato de linguagem constituem o propósito reconhecido


do fazer linguístico, ação efetivamente realizada ao se proferir algo9. O compromisso se
dá na e pela realização do ato linguístico. O assertivo, ato linguístico mais frequente do
discurso jornalístico da grande imprensa, teria como propósito comprometer o
enunciador com a adequação da proposição à realidade. Ainda que o enunciador não
tenha a intenção ou propósito de asserir, se ele realizar uma asserção, estará
comprometido com a “verdade da proposição”, nas palavras da pragmática, ou com a
adequação do enunciado à realidade, nas palavras da AD.

Na realização de qualquer ato linguístico (assertivo, opinativo, expressivo,


diretivo) existe gesto de interpretação10. As proposições formadas de acordo com a
compossibilidade dos sentidos são resultado de interpretação. No caso do fazer
jornalístico, trata-se de interpretação da realidade atual. As proposições se constituem
em compromissos assumidos, portanto, de responsabilidade de sujeitos, sejam estes
indivíduos e/ou organizações. A partir do momento em que se relaciona mais de um
objeto de realidade, está-se interpretando. Talvez aquilo que se chama de
“aprofundamento” ou “aprofundamento de contexto” em estudos de jornalismo, possa
ser compreendido como níveis de interpretação. Vejamos.

3. A lógica enunciativa do discurso jornalístico


8
O quadro foi originalmente criado na tese de doutorado e reformulado em 2009 para a disciplina Teorias
do Jornalismo da UFBA.
9
Compromisso inevitável do emissor na e pela realização do ato linguístico. (SEARLE, 1995).
10
É importante afirmar que essa expressão “gesto da interpretação” (PÊCHEUX, 1969) destaca o nível
simbólico do ato linguístico, ou seja, ato de um sujeito, marcado pela relação com o silêncio, ideologia,
história (ORLANDI, 1996, p.18).
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Existe um mútuo condicionamento entre os atos de linguagem e os objetos de


realidade no discurso jornalístico (para a AD, “estratégias discursivas”).
Frequentemente nas composições denominadas notícia, o objeto se realiza como fato
passível de constatação no ato de linguagem. Na verdade, é um resultado de saber
produzido pela atividade de apuração e discursiva jornalística. Uma ocorrência de
natureza constatável por simples observação ou ainda verificável, ainda que não tenha
sido constatada pelo fazer jornalístico, vai se realizar com fato exatamente pelo saber
social quanto a esse tipo de ocorrência. Este é o caso de manifestações, crimes,
acidentes, enfim, incidentes que podem ser intersubjetivamente constatados pela
presença, mas não o foram pelo fazer jornalístico. Com exemplo:

“O goleiro Bruno, do Flamengo, não compareceu novamente ao depoimento


marcado para esta terça-feira (20) na Delegacia de Atendimento à Mulher
(Deam) de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. O atleta é acusado pela ex-
namorada, Eliza Samudio, de sequestro, ameaça e agressão”11.

O primeiro período de uma webnotícia do G1, quase um ano antes do


desaparecimento da ex-namorada, é uma asserção sobre uma ocorrência não constatada
pelo fazer jornalístico, mas verificada e que, naturalmente, segundo a compossibilidade
das coisas, tem a possibilidade de ser verificada e comprovada. Diz-se, assim que se
trata de um fato, pois se realiza como tal no discurso, estando este último adequado à
realidade. Consequentemente, o objeto de realidade se configura com um objeto de
acordo.

Em exemplos como este, a interpretação do fazer jornalístico passa


desapercebida, como se não existisse. A asserção não só trata de um objeto de realidade
verificável, como não o relaciona, explicitamente, com nenhum outro objeto de
realidade. O segundo período, entretanto, contextualiza ou, pode-se dizer, explica12 o
11
GOLEIRO DO FLA NÃO PRESTA DEPOIMENTO PELA SEGUNDA VEZ. G1, no Rio. O portal de
Notícias da Globo. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1348131-5606,00-
GOLEIRO+DO+FLA+NAO+PRESTA+DEPOIMENTO+PELA+SEGUNDA+VEZ.html. Acesso em julho de
2010.
12
É interessante citar aqui que Marques de Melo reivindica o sentido de “interpretativo” como aquele do
inglês, em que interpretar seria próximo do explicar em português. “Interpret […] verb 1 to translate a
speaker’s words, while he or she is speaking, into the language of his or her hearers […]; 2 to explain the
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motivo pelo qual ele foi convocado à Delegacia de Atendimento à Mulher. A ligação
operada pela simples sucessão de proposições, melhor, de asserções, estabelece relações
entre objetos de realidade que podem ser de causa, efeito ou temporais. Mas, como são
dois objetos de acordo, o nível de interpretação operado pelo fazer jornalístico nos
parece baixo, quase inexistente (lembrando que duas competências foram praticadas
aqui: seleção e hierarquização). Poder-se-ia dizer: “Trata-se de estratégia discursiva”.
Mas vai além disso, pois a chave está na mútua influência entre objeto de realidade e
compromisso linguístico:

[...] o objeto de realidade reconhecido também é um elemento de


configuração do ato de linguagem. O objeto de realidade reconhecido é
aquele que se configura no ato da troca comunicativa. O objeto de realidade
se constitui no e pelo ato de linguagem. O compromisso que o caracteriza,
por sua vez, se firma na relação entre objeto de realidade reconhecido
segundo os tópicos universais e os tópicos jornalísticos. (SEIXAS, 2009,
p.185)

Quando os objetos de realidade não são objetos de acordo, ou seja, não são
objetos com parâmetros intersubjetivos de verificação, comprovação, compreensão, fica
mais claro o gesto da interpretação. O nível da interpretação parece aumentar em função
das conexões operadas pelo fazer jornalístico. Outro exemplo do mesmo caso, agora em
2010:

“Num ambiente em que traição, orgias e sexo irresponsável são


considerados “muito comuns” – como declarou o goleiro do Flamengo,
Bruno Fernandes a VEJA – é certo que algo vai dar errado. Muitas vezes já
deu. Mas, a acreditar na tese da polícia, o desaparecimento da jovem Eliza
Samudio supera em gravidade quaisquer aventuras dessas com um pé na
bandidagem e outro na sordidez, que certos astros do futebol, nacional já
protagonizaram. ‘Tudo indica que Eliza foi assassinada. E Bruno é o
primeiro e único suspeito da nossa lista”, afirma Edson Moreira, delegado-
chefe do Departamento de Homicídio e proteção à pessoa de Minas
Gerais”13.

meaning of […]; 3 to show or bring out the meaning of in one’s performance of it […]”. PASSWORD:
ENGLISH DICTIONARY FOR SPEAKERS OF PORTUGUESE. Tradução e edição de John Parker e
Monica Stahel da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
13
GASPAR, Malu; ROGAR, Silvia; SEGALLA, Vinícius. O suspeito número 1. Revista Veja. Edição
de 7 de julho de 2010, p. 80.
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A primeira proposição do primeiro parágrafo de reportagem da Veja trata da


relação entre um evento e suas consequências. Embora seja quase um senso comum,
esta conexão entre objetos de realidade verificável e outros indefinidos se realiza como
um objeto de desacordo. Não se encontra parâmetros exatos a ponto de torná-lo, no
saber social, um objeto de acordo. Como a adequação entre enunciado e realidade não
parece verossímil segundo os tópicos, o parâmetro de verossimilhança é transferido para
a subjetividade do(s) enunciador(es). O lugar social, a competência e o poder do
enunciador neste momento vão servir de parâmetro para aqueles objetos sob os quais
não se tem saber social prévio, sob os quais não se tem acordo social ou sob os quais se
faz julgamento de valor. Transfere-se a responsabilidade para a subjetividade, a ponto
de se poder compreender um nível tão alto de interpretação que o ato linguístico se
realiza como opinativo. Neste não há adequação do enunciado à realidade, mas
adequação da crença do enunciador à realidade. Por isso, implica-se a linha editorial da
organização jornalística (enunciador) e a “opinião” dos jornalistas (assinam e editam a
reportagem).

O saber social contém a crença de que todo objeto tratado pela atividade
jornalística tem a qualidade de verificação (QV), ou seja, pode ser verificado por
parâmetros do saber comum ou dos saberes científicos. Cada objeto de realidade tem
uma espécie de coeficiente de verificação (CV). O coeficiente de verificação de um
objeto de realidade é medido pelos tópicos universais e pelos tópicos jornalísticos. Essa
dinâmica tem ainda um elemento importante do saber jornalístico: o nível de
necessidade de verificação (NV) em determinado contexto para determinada ocorrência
noticiosa. O objeto pode ser passível de verificação, mas não haver necessidade de
verificação. Quanto maior for coeficiente de verificação de um objeto de realidade,
maior o grau de verossimilhança e, consequentemente, mais próximo de uma evidência
está. Se há necessidade de verificação, mas o objeto de realidade não pode ser
verificado por parâmetros intersubjetivos (de campos sociais diversos), então a
tendência é que o ato linguístico se realize como “opinativo”.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
(Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010
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4. Apontamentos finais

Conclusão possível: os tipos de objetos de realidade e as conexões entre estes


objetos de realidade são responsáveis pelas diferenças de nível de interpretação em
diferentes composições, como notícia e reportagem. Quanto mais objetos de desacordo,
mais facilmente se constituem opinativos. Quanto mais conexões entre diferentes
objetos de realidade, maior o nível de interpretação. Quanto maior o nível de
interpretação, mais contextualizado ou “aprofundado” é um assunto. Um fato de
passado histórico trazido numa reportagem não é, senão, contextualização:

“Assediado por clubes europeus como Milan e Porto, o goleiro Bruno, de 25


anos, ídolo e capitão do Flamengo, seguiu o percurso clássico do menino
talentoso que saiu da pobreza para o estrelato. Sem completar o ensino
básico, assinou seu primeiro contrato como jogador profissional aos 18
anos, com o Atlético Mineiro. Dois anos depois, estreava no Flamengo, onde
recebe hoje 200.000 reais por mês. Sua ascensão precoce veio acompanhada
do pacote que costumam usufruir os craques do esporte: fama, dinheiro e,
claro, amantes. [...]”14.

Os fatos do passado do goleiro Bruno trazidos no segundo período do segundo


parágrafo da reportagem da Veja são plenamente verificáveis e, portanto, o
compromisso linguístico assumido é de adequação do enunciado à realidade. Já no
terceiro período, como o objeto de realidade se aproxima do senso comum, o
compromisso pode se realizar como assertivo ou opinativo, dependendo do leitor-
participante. Há, portanto, um limite muito tênue entre os dois atos linguísticos,
enquanto interpretação é a operação chave para qualquer composição jornalística. Para
Wilson Gomes, na dimensão da própria apreensão de um fato:
[...], apreender um fato significa interpretá-lo, mas interpretar
significa reagir diante do fato entendido como mundo; a interpretação, de
qualquer sorte, como diz Umberto Eco, não é produzida pela estrutura da
mente humana, mas pela realidade construída pela semiose. (GOMES, 2009,
p.62)

14
GASPAR, Malu; ROGAR, Silvia; SEGALLA, Vinícius. O suspeito número 1. Revista Veja. Edição
de 7 de julho de 2010, p. 81.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
(Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010
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Os atos linguísticos nos chamados “gêneros informativos” constituem, assim, na


origem, interpretação. Sem a conexão, sem relacionar os diversos eventos, fatos,
acontecimentos, enfim, objetos de realidade, não há fazer jornalístico. Não há como se
dimensionar uma ocorrência como notícia (qualidade de noticiabilidade) sem a operar
seleções e conexões, ainda que apareçam na composição discursiva por sucessão.
Portanto, outra conclusão possível é: a diferença de nível não equivale a
diferença de ação. Tem-se interpretação tanto em notícia como em reportagem, perfil ou
cronologia. Se na notícia é comum a sucessão para marcar causa, no perfil é comum a
descrição do personagem. Enquanto na primeira composição parece não haver
interpretação, na segunda, a interpretação é explícita. Motivo: a descrição trabalha com
objetos de desacordo, como comportamento social, estado psicológico, gestos
constatados, observados, “sentidos” pelos indivíduos-jornalistas.
É possível dizer que uma reportagem contém desde assertivos a opinativos,
enquanto notícias contêm mais de 90% de assertivos (como observado na tese 15). Caso
uma pesquisa quantitativa de atos linguísticos seja feita em reportagens e esta revele que
51% dos atos se realizam como opinativos, será que se poderá dizer que a função é
opinativa e a reportagem seria uma composição do “gênero opinativo”? Isso seria o
mesmo que dizer que a função principal é mensurada pela quantidade de atos
linguísticos. Mas, a quantidade de atos lingüísticos realizados não é apenas um
elemento a se considerar na genericidade de composições discursivas. Há a questão da
relação entre os compromissos destes atos lingüísticos e a função da instituição
jornalística, que deve ser reconhecida por dada sociedade. Na sociedade brasileira, quais
funções sociais tem uma instituição jornalística? Uma vez que se identifiquem as
funções aceitas, é preciso conhecer as relações entre estas e as composições, entre as
composições e os compromissos linguísticos assumidos nas composições.
Chegando à finalidade, depois de investigar o conceito de interpretação, pode-se
sugerir: para se afirmar que existe gênero interpretativo é preciso que a interpretação
constitua – de acordo com o que se tem consensual na literatura acadêmica hoje –
função principal de dada composição discursiva. Com isso, deve-se provar que cada
15
(SEIXAS, 2009)
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
(Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010
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composição discursiva tem funções que integram parte de um sistema em


funcionamento do campo jornalístico. Deve-se ainda compreender a relação entre
função de composição discursiva com função de instituição social e como essa função
de interpretar se relaciona com os atos lingüísticos assertivos e opinativos. Por fim,
deve-se desenvolver uma definição de interpretação que explique a dialética do evento e
da significação.

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