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Lia Seixas 1
Resumo: O objetivo deste artigo é explicar porque não acreditamos na existência de gênero
jornalístico interpretativo. Defendemos que qualquer ato linguístico contém o gesto da
interpretação e a necessidade, portanto, de se compreender bem o conceito de interpretação,
para, depois se afirmar a existência de “gênero interpretativo”. Apresentamos a compreensão de
interpretativo nos estudos de jornalismo no Brasil (BELTRÃO; MARQUES DE MELO;
ERBOLATO; MEDINA). Analisamos o gesto da interpretação dentro do fazer jornalístico,
comparando composições discursivas, como notícia e reportagem. Sugerimos uma compreensão
para o evento da significação, com níveis de interpretação para o tratamento dos objetos de
realidade, denter os quais objetos de acordo e desacordo. O trabalho se fundamenta
teoricamente na Nova Retórica (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA), em leitura da Teoria
da Argumentação (por GUERRA; GOMES), na Pragmática (AUSTIN; SEARLE) e na Análise
do Discurso (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU; ORLANDI).
interpretativo que, para Marques de Melo, volta agora a aparecer nos veículos
jornalísticos, nasce na década de 70 com o New Journalism2, ganhando destaque
acadêmico com o livro “Jornalismo Interpretativo” de Luiz Beltrão em 1976.
Ainda hoje, para estudos de jornalismo, o “jornalismo interpretativo”3 é aquele
da reportagem, do livro-reportagem, do “relato ampliado”. Já foi também da
“reportagem em profundidade”, com antecedentes, projeção de futuro, prognóstico
informação íntegra e análise (BELTRÃO, 1976). Atualmente, concordando com o
trabalho de Dias at al (1998), Marques de Melo defende que as composições do
“jornalismo interpretativo” seriam: análise, perfil, enquete e cronologia, enquanto a
reportagem estaria no “gênero informativo”. Embora haja divergências quanto à
tipologia em “gênero interpretativo”, curiosamente há certo consenso quanto à definição
de “jornalismo interpretativo” ou do que seria a função de interpretar. O “jornalismo
interpretativo” é aquele que explica as causas de uma ocorrência, não factual a
princípio; tem vasta contextualização ou aprofundamento do contexto; humanização do
fato jornalístico, e indica as consequências desta ocorrência com diagnósticos e
prognósticos de fontes especializadas (ERBOLATO, 2002, p.34; MEDINA, 2003,
p.127). As palavras “contextualização”, “humanização”, “aprofundamento” e
“explicação” aparecem com frequência nas definições. Mas, como o objetivo principal
sempre é a taxonomia, as definições são cientificamente pobres, como concluem os
pesquisadores Lailton Costa e Janine Lucht em artigo que abrange grande parte da
literatura acadêmica sobre jornalismo “interpretativo”:
2
O New Journalism é um fenômeno influenciado pela imprensa underground de 60 nos EUA e se
configurou no fazer jornalístico que “mistura” jornalismo com literatura em função da linguagem. As
referências são autores como Gay Talese, Tom Wolfe, Normam Mailer, Hunter Thompson.
3
Os estudos também consideram “jornalismo interpretativo” como se existissem vários jornalismos.
Talvez trate-se de tipos de jornalismo ou ainda de gêneros do jornalismo. Seria um jornalismo com
função principal de interpretar, talvez.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
(Universidade Federal do Maranhão, São Luís), novembro de 2010
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As competências mobilizadas no fazer jornalístico estão em leitura de Nelson Traquina dos autores
Ericson, Baranek e Chan (1987). (SEIXAS, 2009, p. 157).
5
Patrick Charaudeau é o autor que sugere esta relação entre as finalidades. (CHARAUDEAU, 2006).
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O principal artigo neste sentido foi apresentado na Intercom 2009. SEIXAS, Lia. Gêneros Jornalísticos:
partindo do discurso para chegar à finalidade. XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
Curitiba, setembro de 2009. Disponível em: http://www.generosjornalisticos.com/p/artigos.html. Acesso
em julho de 2010.
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VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
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(SEIXAS, 2009)8
motivo pelo qual ele foi convocado à Delegacia de Atendimento à Mulher. A ligação
operada pela simples sucessão de proposições, melhor, de asserções, estabelece relações
entre objetos de realidade que podem ser de causa, efeito ou temporais. Mas, como são
dois objetos de acordo, o nível de interpretação operado pelo fazer jornalístico nos
parece baixo, quase inexistente (lembrando que duas competências foram praticadas
aqui: seleção e hierarquização). Poder-se-ia dizer: “Trata-se de estratégia discursiva”.
Mas vai além disso, pois a chave está na mútua influência entre objeto de realidade e
compromisso linguístico:
Quando os objetos de realidade não são objetos de acordo, ou seja, não são
objetos com parâmetros intersubjetivos de verificação, comprovação, compreensão, fica
mais claro o gesto da interpretação. O nível da interpretação parece aumentar em função
das conexões operadas pelo fazer jornalístico. Outro exemplo do mesmo caso, agora em
2010:
meaning of […]; 3 to show or bring out the meaning of in one’s performance of it […]”. PASSWORD:
ENGLISH DICTIONARY FOR SPEAKERS OF PORTUGUESE. Tradução e edição de John Parker e
Monica Stahel da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
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GASPAR, Malu; ROGAR, Silvia; SEGALLA, Vinícius. O suspeito número 1. Revista Veja. Edição
de 7 de julho de 2010, p. 80.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
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O saber social contém a crença de que todo objeto tratado pela atividade
jornalística tem a qualidade de verificação (QV), ou seja, pode ser verificado por
parâmetros do saber comum ou dos saberes científicos. Cada objeto de realidade tem
uma espécie de coeficiente de verificação (CV). O coeficiente de verificação de um
objeto de realidade é medido pelos tópicos universais e pelos tópicos jornalísticos. Essa
dinâmica tem ainda um elemento importante do saber jornalístico: o nível de
necessidade de verificação (NV) em determinado contexto para determinada ocorrência
noticiosa. O objeto pode ser passível de verificação, mas não haver necessidade de
verificação. Quanto maior for coeficiente de verificação de um objeto de realidade,
maior o grau de verossimilhança e, consequentemente, mais próximo de uma evidência
está. Se há necessidade de verificação, mas o objeto de realidade não pode ser
verificado por parâmetros intersubjetivos (de campos sociais diversos), então a
tendência é que o ato linguístico se realize como “opinativo”.
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4. Apontamentos finais
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GASPAR, Malu; ROGAR, Silvia; SEGALLA, Vinícius. O suspeito número 1. Revista Veja. Edição
de 7 de julho de 2010, p. 81.
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Referências