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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: SEMIOLOGIA

37: 199-207, jul./dez. 2004 Capítulo II

DISPNÉIA

DYSPNEA

José Antônio Baddini Martinez1; Adriana Inacio de Padua2 & João Terra Filho1

1
Docente. 2 Médica Assistente. Pós-graduanda. Divisão de Pneumologia. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto - USP
CORRESPONDÊNCIA: José Antônio Baddini Martinez. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP
Av. Bandeirantes, 3900 - CEP: 14048-900 Ribeirão Preto, SP, Brasil - email: jabmarti@fmrp.usp.br

MARTINEZ JAB; PADUA AI & TERRA FILHO J. Dispnéia. Medicina, Ribeirão Preto, 37: 199-207, jul./dez.
2004.

RESUMO: Dispnéia é o termo usado para designar a sensação de dificuldade respiratória,


experimentada por pacientes acometidos por diversas moléstias, e indivíduos sadios, em con-
dições de exercício extremo. Ela é um sintoma muito comum na prática médica, sendo particular-
mente referida por indivíduos com moléstias dos aparelhos respiratório e cardiovascular. Esse
sintoma é o principal fator limitante da qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes
pneumopatas crônicos. Apesar de sua importância, os mecanismos envolvidos com seu surgi-
mento ainda não são completamente conhecidos. Neste artigo, os autores fazem uma pequena
revisão de aspectos clínicos e fisiopatológicos desse sintoma.

UNITERMOS: Dispnéia. Respiração. Sintomas. Fisiopatologia.

1- INTRODUÇÃO sensações qualitativamente distintas, variáveis


em sua intensidade. A experiência deriva de in-
A palavra dispnéia origina-se das raízes gregas terações entre múltiplos fatores fisiológicos, psi-
dys e pnoia podendo ser traduzida, literalmente, como cológicos, sociais e ambientais podendo induzir
respiração ruim(1). Na literatura médica, a definição respostas comportamentais e fisiológicas secun-
de dispnéia tem variado entre diferentes autores, mas, dárias” (2) .
geralmente, o termo diz respeito à experiência subjeti- Dispnéia é uma queixa comum em consultórios
va de sensações respiratórias desconfortáveis. Ape- médicos, tendo sido relatada sua ocorrência em até
sar do seu caráter subjetivo, algumas definições anti- 20% da população geral. Além de sua presença asso-
gas misturam o verdadeiro sintoma com a presença ciar-se a um aumento acentuado da mortalidade, esse
de sinais físicos, tais como batimento de asas do nariz sintoma está relacionado com grande morbidade e
ou elevações da freqüência respiratória. Entretanto, a grave limitação para o desenvolvimento de atividades
observação de sinais indicadores de dificuldade respi- físicas e sociais(1). Estudos têm demonstrado que a
ratória não pode nos transmitir o que realmente um dispnéia constitui-se no principal fator limitante da
determinado indivíduo está sentindo. qualidade de vida, relacionada à saúde de pacientes
De acordo com um painel de especialistas portadores de insuficiência respiratória crônica, seja
reunido pela American Thoracic Society para discu- ela de cunho obstrutivo ou restritivo(3,4). Devido a es-
tir o tema, dispnéia passou a ser definida como “um ses fatos, nos últimos anos, tem havido um renovado
termo usado para caracterizar a experiência sub- interesse na investigação dos aspectos fisiopatológi-
jetiva de desconforto respiratório que consiste de cos e terapêuticos do referido sintoma.

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Martinez JAB; Pádua AI & Terra Filho J

2- MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS co cerebral, para o ajuste da respiração e manuten-


ção da homeostase acidobásica. Impulsos aferentes a
Para a maioria das pessoas, na maior parte do partir de receptores vagais também interferem no pa-
tempo, respirar é um fenômeno inconsciente. Algu- drão respiratório: receptores pulmonares de estiramento
mas vezes, entretanto, o referido ato torna-se uma ação são estimulados à medida que o pulmão se expande;
consciente, associada a desconforto. Os mecanismos receptores de irritação, localizados no nível do epitélio
que envolvem o último fenômeno ainda não são com- brônquico, são ativados pela estimulação mecânica da
pletamente conhecidos, muito embora acumulem-se mucosa brônquica, altas taxas de fluxo aéreo e eleva-
evidências de que estejam envolvidos processos neu- ções do tônus da musculatura brônquica; as chama-
rológicos variados. Contudo, ao contrário do que acon- das fibras C, localizadas no interstício pulmonar, em
tece, por exemplo, com a dor, cujos estímulos origi- proximidade aos alvéolos, respondem a elevações das
nam-se em terminações nervosas livres, até o momen- pressões intersticiais e capilares. Os músculos respi-
to, não foram descritos receptores especializados de ratórios também possuem receptores sensoriais: fu-
dispnéia. sos musculares são abundantes nos músculos inter-
Atualmente, alguns autores fazem uma distin- costais e estão envolvidos em reflexos no nível espinal
ção entre sensação e percepção respiratórias(2). En- e supra-espinal. O diafragma contém receptores ten-
quanto a primeira diz respeito à ativação neurológica, dinosos, que exercem atividade inibitória sobre a ativi-
resultante da estimulação de algum receptor periféri- dade respiratória central. Todos esses sinais aferentes,
co, a segunda envolve o resultado final do processa- gerados por mecanorreceptores pulmonares e toráci-
mento desse estímulo pelo sistema nervoso central e cos fornecem importantes informações relacionadas
as reações do indivíduo frente à referida sensação. à situação mecânica da bomba ventilatória, bem como
Fatores culturais, psicológicos e ambientais podem in- das mudanças no comprimento e força de contração
fluenciar o tipo de reação (percepção) de diferentes dos músculos respiratórios. Tais informações permi-
indivíduos frente a sensações semelhantes. Assim, por tem ajustes da atividade dos neurônios motores, respi-
exemplo, um indivíduo estóico pode negar sua dificul- ratórios, visando à adaptação frente à mudanças da
dade respiratória e mostrar menos limitações do que função dos músculos respiratórios ou da impedância
uma pessoa mais sensível a mensagens corporais(1,2,5). do sistema ventilatório.
A compreensão dos mecanismos relacionados A sensação de dispnéia parece surgir pela ati-
com a gênese da dispnéia envolve o conhecimento vação de sistemas sensoriais, envolvidos com a respi-
detalhado dos sistemas de controle da ventilação e ração(2,5). A informação sensorial, por sua vez, seria
das alterações da mecânica respiratória e das trocas enviada para centros cerebrais superiores, onde o pro-
gasosas observadas, tanto em condições fisiológicas cessamento dos sinais modularia a expressão da sen-
como em patológicas(1,2,5). Uma ilustração dos ele- sação evocada, sob a influência de fatores cognitivos
mentos constituintes de tais sistemas encontra-se na e comportamentais. Uma teoria geral para o surgi-
Figura 1. mento de dispnéia, comumente aceita, é a chamada
A atividade motora respiratória emana de gru- teoria da dissociação eferente-reaferente. Ela postula
pos de neurônios, localizados no bulbo. As descargas que a dispnéia resultaria de uma dissociação ou dese-
respiratórias eferentes ativam os músculos respirató- quilíbrio entre a atividade de neurônios motores, respi-
rios, que expandem a caixa torácica, inflam os pul- ratórios, localizados no sistema nervoso central e a
mões e levam à ventilação. Quimiorreceptores, locali- correspondente informação sensorial aferente, capta-
zados nos vasos e cérebro, bem como mecanorrecep- da pelos receptores especializados, localizados nas vias
tores, localizados nas vias aéreas, pulmões, caixa to- aéreas, pulmões e caixa torácica. O contínuo feedback
rácica e músculos respiratórios, estão envolvidos na aferente, a partir desses receptores sensoriais, permi-
regulação automática da respiração e também pare- tiria ao cérebro avaliar a efetividade da resposta aos
cem desempenhar um papel em promover as sensa- comandos neurológicos, motores, enviados para os
ções de dispnéia. Mudanças na PCO2 e PO2 são de- músculos respiratórios, sob a forma do surgimento de
tectadas pelos quimiorreceptores centrais, localizados fluxos, volumes e pressões, proporcionais ao estímulo
no bulbo, e pelos quimiorreceptores periféricos, locali- inicial. Quando as respostas aferentes não fossem
zados na carótida e aorta. Sinais originados nesses proporcionais aos estímulos motores iniciais, a respi-
quimiorreceptores são transmitidos de volta para o tron- ração tornar-se-ia consciente e desconfortável. Para

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Dispnéia

DISPNÉIA
Influências
Comportamentais e Descargas Corolárias
Condicionamentos Córtex
Eferências
Sensorial
Aferências Motoras
(-)
Sensoriais

Tronco Cerebral

Quimiorreceptores IX
PaO2, PaCO2
X Laringe
Corpos Carotídeos
PaO2, PaCO2 XI Faringe
Corpos Aórticos XII Trapézio
PaO2
C1
Vias Aéreas C2 Esternocleido
Fibras C mastóideo
Receptores de Irritação C3
Pressão Laríngea C4 Diafragma
Estiramento Escaleno
Traqueobrônquico C5
C6
Aferências Viscerais Latissimus Dorsalis
Esôfago C7
Peitoral Maior
Coração T1
Estômago
T2

Aferências Musculares .
Fusos Musculares Mesmos . Intercostais
Corpos Tendinosos nervos das
eferências .
Receptores Metabólicos musculares
T11
T12
L1

Figura 1: Fisiopatologia da Dispnéia. Baseada na referência 1.

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Martinez JAB; Pádua AI & Terra Filho J

tanto, descargas corolárias surgiriam a partir dos neu- vascular, refluxo gastroesofágico, falta de condicio-
rônios motores respiratórios e seriam enviadas para namento físico e quadros psicogênicos. A Tabela 1
áreas sensoriais superiores, ainda não identificadas. contém uma lista de causas selecionadas do sintoma.
Vale salientar que, recentemente, demonstrou-se a Na grande maioria das vezes, o paciente, referindo
ativação do córtex insular em resposta à dispnéia dispnéia, mostra outros sintomas e sinais sugestivos
provocada por elevações discretas da PaCO2 e bai- de uma condição específica. Dessa maneira, através
xos volumes correntes(6). Tal área do cérebro faz par- de uma história clínica e um exame físico bem feitos,
te do sistema límbico e costuma ser ativada por estí- o médico pode pedir exames subsidiários, dirigidos, que
mulos desconfortáveis, como dores e náuseas. permitam uma definição clara do diagnóstico. Entre-
Nos últimos anos, têm-se acumulado sugestões, tanto, numa porcentagem pequena dos casos, o diag-
na literatura inglesa, de que o termo dispnéia é usado nóstico poderá não ser tão óbvio, sendo necessária a
englobando sensações respiratórias qualitativamente indicação de exames subsidiários mais sofisticados,
distintas, que podem se apresentar isoladamente ou, tais como medidas de hiperreatividade brônquica ou
mais freqüentemente, associadas(2,5,7,8,9). Essas sen- testes de exercício cardiopulmonares. A discussão de
sações diversas, muito provavelmente, originam-se a protocolos de investigação para casos de dispnéia de
partir de diferentes mecanismos fisiopatológicos, exis- origem obscura foge dos objetivos desse capítulo. Ao
tindo investigações no sentido de se estabelecer tais invés disso, iremos discutir métodos de avaliação e
associações. Quando a dispnéia foi induzida, em indi- quantificação do sintoma em si.
víduos normais, por meio de estímulos diversos, os
voluntários selecionaram diferentes grupos de frases
Tabe la I - Algumas Condiçõe s As s ociadas ao Surgi-
para caracterizar as sensações surgidas com cada ta-
me nto de D is pné ia
refa. Em pacientes com dispnéia causada por diferen-
tes doenças cardíacas e respiratórias, doenças distin- C a rd í a c a s
tas associaram-se a combinações únicas de frases C ardiomiopatias
empregadas para descrever as características do des- Doença isquêmica
conforto respiratório. A partir desses estudos, algu- Doenças valvulares
mas correlações entre o caráter das sensações respi- Síndrome do marca- passo
ratórias e determinadas condições fisiopatológicas e P ul monares
clínicas começaram a ser traçadas. Como exemplo, DPO C
frases relacionadas à sensação de aumento do esfor- Asma
ço ou do trabalho da respiração são encontradas nor- Doenças intersticiais pulmonares
malmente, em condições caracterizadas por sobrecar- C âncer
gas da mecânica respiratória, como DPOC e doença
C a u sa s D i v e rsa s
intersticial pulmonar, bem como na presença de fra-
Refluxo gastroesofágico
queza neuromuscular. Exemplos de tais frases seriam: Ansiedade e hiperventilação
“Minha respiração é pesada” e “Parece que o ar não Descondicionamento físico
entra”. Indivíduos com asma costumam queixar-se de O besidade
“sufocação” e “aperto no peito”, enquanto pacientes Gravidez
com insuficiência cardíaca congestiva relatam sensa- Hipertensão arterial sistêmica
ção de “sufocação” ou de “urgência para respirar”. Hipertireoidismo
Ainda permanece a ser investigado se a caracteriza-
ção da dispnéia, como sensações diversas, também é
válida para indivíduos que não falem a língua inglesa. A investigação da queixa de dispnéia envolve
uma adequada caracterização do sintoma através da
3- AVALIAÇÃO CLÍNICA DA DISPNÉIA história clínica(1,2,5). Alguns elementos a serem inves-
tigados são: início: época e hora de aparecimento;
De acordo com Curley(1), 94% dos indivíduos modo de instalação: dispnéia de instalação súbita é
que procuram atendimento médico, com queixas de comum em processos de instalação aguda, como pneu-
dispnéia, podem ser enquadrados em alguma das se- motórax espontâneo ou embolia pulmonar; dispnéia de
guintes situações: doença pulmonar, doença cardio- instalação progressiva é característica de processos

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Dispnéia

evolutivos, tais como DPOC e fibrose pulmonar; du- utilizadas; durante a realização de testes de exercício,
ração: desde o início dos sintomas e duração das cri- ou quando se avalia a efetividade imediata de uma
ses; fatores desencadeantes: tipos de esforços, ex- medicação broncodilatadora, numa crise de asma. A
posições ambientais e ocupacionais, alterações climá- escala analogicovisual consiste de uma linha vertical
ticas, estresse, etc.; comparação: sensação de can- ou horizontal, geralmente de 10 cm, ancorada, numa
saço, esforço, sufocação, aperto no peito, etc; núme- extremidade, na ausência total de dispnéia e, na outra,
ro de crises e periodicidade: ao longo do dia, sema- pela pior sensação de dispnéia imaginada ou já senti-
nas e meses; intensidade: avaliada com emprego de da pelo paciente. Quando do momento da avaliação, o
escalas apropriadas e medidas de repercussão sobre paciente é orientado a marcar um ponto na escala, o
a qualidade de vida; fatores que acompanham: tos- grau do sintoma, posteriormente, sendo facilmente
se, chiado, edema, palpitações, etc.; fatores que me- medido pelo uso de uma régua milimetrada. A escala
lhoram: tipo de medicamentos, repouso, posições as- numérica segue o mesmo princípio, fornecendo, toda-
sumidas e relação com o decúbito. via, um número menor e pré-selecionado de graus de
A avaliação da intensidade da dispnéia é um opção. A escala de Borg foi desenvolvida, original-
elemento importante tanto em condições clínicas como mente, para a percepção do grau de esforço, realiza-
em experimentais. Ao longo dos últimos anos, inúme- do durante o exercício. Inicialmente descrita com uma
ras escalas têm sido desenvolvidas e propostas com pontuação variando entre 6 e 20, atualmente, é utiliza-
essa finalidade. Inicialmente, contudo, é necessário que da na forma modificada com escores entre 0 e 101.
se faça uma distinção entre os conceitos de dispnéia Essa escala permite uma correlação entre a intensi-
atual e dispnéia usual. A primeira condição reflete dade dos sintomas classificados em categorias e uma
as características do sintoma num momento preciso graduação numérica, desenhada para guardar propor-
como, por exemplo, durante ou após a corrida em es- cionalidade com a intensidade do esforço. Entretanto,
teira. A segunda diz respeito às limitações provoca- o grau de distinção entre as categorias é um tanto
das pelo sintoma na execução de atividades do cotidi- confuso, o que leva a uma difícil compreensão por
ano como, por exemplo, para subir escadas. boa parte dos pacientes.
Algumas escalas adequadamente validadas Mais freqüentemente, na prática clínica, esta-
para avaliação da dispnéia atual são a analogicovisual, mos interessados em medir a chamada dispnéia usual.
a numérica e a escala de Borg modificada(10,11,12) (Fi- Essa medida traduz não apenas o tipo e a intensidade
gura 2). Exemplos de condições onde elas podem ser da atividade que desencadeia a dispnéia, como, tam-

Escala Analógica Visual Escala de Borg Modificada


0 Nenhuma
0.5 Muito, muito, leve
100 mm 1 Muito leve
2 Leve
Nenhuma Máxima
3 Moderada
4 Um pouco forte
5 Forte
6
Escala Numérica 7 Muito forte
8
9 Muito, muito, forte
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 10 Máxima
Nenhuma Máxima
Figura 2: Algumas escalas usadas na avaliação da dispnéia.

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Martinez JAB; Pádua AI & Terra Filho J

bém, costuma refletir os efeitos do sintoma sobre a aliviado, parcial ou totalmente, com a elevação da por-
qualidade de vida dos pacientes. Inúmeras escalas têm ção superior do tórax pelo uso de um número maior de
sido empregadas nesse sentido, entre elas(13,14,15): a) travesseiros ou pela elevação da cabeceira da cama.
Conselho Britânico de Pesquisas Médicas Modifica- Classicamente, surge em pacientes portadores de in-
da (MRC); b) Diagrama de Custo do Oxigênio (OCD); suficiência cardíaca esquerda e é associada com o
c) Índice Basal de Dispnéia (BDI) e Índice estabelecimento de congestão pulmonar. Nessas con-
Transicional de Dispnéia (TDI) de Mahler; d) Questi- dições, a presença de congestão pulmonar leva a rápi-
onário de Dispnéia da Universidade da Califórnia em das alterações da complacência pulmonar, promoven-
San Diego (UCSDQ); e) Componente referente à do aumento do trabalho dos músculos respiratórios, com
dispnéia do Questionário da Doença Respiratória Crô- conseqüente surgimento de dispnéia. A queda da com-
nica de Guyatt (CRQ). Uma discussão detalhada de placência pulmonar é atribuída a elevações da pres-
todas as escalas acima não seria viável em um capítu- são hidrostática intravascular (coluna de sangue situa-
lo como este, entretanto a escala MRC encontra-se da abaixo do nível cardíaco) nas regiões dependentes
ilustrada na Tabela II. do pulmão, que acabam por ocupar áreas mais exten-
sas, quando a posição deitada é assumida(16). Embora
Ta b e l a I I - E s c a l a d o C o n s e l h o B ri t â n i c o d e
mais freqüente em cardíacos, a ortopnéia também pode
Pe s quis as M é dicas M odificada* ser observada em pacientes com asma ou DPOC. Ela
também é uma queixa característica de indivíduos por-
Grau Descrição tadores de fraqueza da musculatura diafragmática
como, por exemplo, pacientes com doenças neuromus-
S e m d isp né ia , a nã o se r d ura nte e xe rc íc io s
0 culares. Nessa situação, o decúbito dorsal leva à ele-
extenuantes.
vação das vísceras abdominais, que acabam por se
Dispnéia correndo no plano ou subindo uma opor às incursões inspiratórias diafragmáticas.
1
inclinação leve. Dispnéia paroxística noturna - É o nome dado
De vid o à d isp né ia , c a minha no p la no ma is à situação na qual o paciente tem seu sono interrompi-
va ga ro s a me nte d o q ue p e s s o a s d a me s ma do por uma dramática sensação de falta de ar, levan-
2 idade ou, quando andando no plano em seu do-o a sentar-se no leito, ou mesmo levantar-se e pro-
próprio ritmo, tem que interromper a marcha curar uma área da casa mais ventilada, visando obter
para respirar. alívio da súbita sensação de sufocação(16). Pode estar
presente ainda sudorese profusa. Dispnéia paroxística
I nt e r r o mp e a ma r c ha p a r a r e s p ir a r a p ó s
noturna é uma condição comum em pacientes porta-
3 c a minha r e m to rno d e 1 0 0 me tro s o u a p ó s
dores de insuficiência cardíaca esquerda. Nesses ca-
andar poucos minutos no plano.
sos, admite-se que, durante o sono, a reabsorção do
A d is p n é ia imp e d e a s a íd a d e c a s a o u edema periférico leve à hipervolemia sistêmica e pul-
4
apresenta dispnéia ao vestir- se ou despir- se. monar, com conseqüente agravamento da congestão
pulmonar. As sobrecargas hemodinâmicas, que ocor-
*Baseada na referência 1
rem em uma fase particular do sono, chamada de fase
dos movimentos rápidos dos olhos (REM), podem con-
4- DISPNÉIA: DENOMINAÇÕES ESPECIAIS tribuir para o agravamento da congestão pulmonar e
facilitar o surgimento desse tipo de dispnéia. No sono
No manuseio de pacientes com dispnéia, fre- REM, documenta-se grande estimulação dos nervos
qüentemente, são utilizados termos descritivos de con- simpáticos sobre o sistema cardiovascular.
dições específicas Asma cardíaca - É um termo inapropriado, usa-
Dispnéia de Esforço - É o nome dado ao surgi- do para designar a queixa de chiado no peito e a pre-
mento ou agravamento da sensação de dispnéia por sença de sibilos em pacientes com insuficiência car-
atividades físicas. É uma queixa bastante comum e díaca esquerda e sintomas de dispnéia. Habitualmen-
inespecífica entre portadores de pneumo e cardiopatias. te, tais achados são encontrados em indivíduos com
Ortopnéia - É a denominação dada ao surgi- ortopnéia e dispnéia paroxística noturna. Admite-se que
mento ou agravamento da sensação de dispnéia com o estreitamento das pequenas vias aéreas por edema
a adoção da posição horizontal. O sintoma tende a ser da mucosa e reflexos gerados a partir de receptores

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Dispnéia

nervosos, localizados no interstício pulmonar, com con- terações do padrão do ritmo respiratório (Figura 3).
seqüente broncoespasmo, estejam envolvidos na gê- Muito embora o surgimento de tais alterações não
nese de tais fenômenos. implique obrigatoriamente na presença de sintomas de
Platipnéia - É o nome dado à sensação de disp- desconforto respiratório e, portanto, na ocorrência de
néia, que surge ou se agrava com a adoção da posi- dispnéia, é conveniente comentá-las devido à seme-
ção ortostática, particularmente em pé. Classicamen- lhança de muitos termos. Além disso, tais alterações
te, esse fenômeno ocorre em pacientes com quadros podem associar-se com distúrbios fisiopatológicos,
de pericardite ou na presença de shunts direito-es- específicos e receber denominações especiais.
querdos. Nesta situação, pode vir acompanhada de Taquipnéia - É o aumento do número de incur-
ortodeoxia, ou seja, queda acentuada da saturação sões respiratórias na unidade de tempo (Figura 3). Em
arterial de oxigênio com a posição em pé. Platipnéia e condições fisiológicas de repouso, esse número, habi-
ortodeoxia são achados clássicos da síndrome hepato- tualmente, gira entre 12 e 20. A denominação taquip-
pulmonar, que se estabelece secundariamente à pre- néia, normalmente, implica também na redução da
sença de dilatações vasculares intrapulmonares. amplitude das incursões respiratórias (volume corren-
Trepopnéia - É a sensação de dispnéia, que te). Diversas condições podem cursar com taquipnéia,
surge ou piora em uma posição lateral, e desaparece tais como síndromes restritivas pulmonares (derrames
ou melhora com o decúbito lateral oposto. É uma quei- pleurais, doenças intersticiais, edema pulmonar), fe-
xa não específica, que pode surgir em qualquer doen- bre, ansiedade, etc.
ça, comprometendo um pulmão mais intensamente do Hiperpnéia - É um termo, geralmente, usado
que o outro. Exemplos dessa condição seriam a ocor- para designar a elevação da ventilação alveolar se-
rência de derrame pleural unilateral ou paralisia cundária, não apenas ao aumento da freqüência res-
diafragmática unilateral. piratória, como, também, ao aumento da amplitude dos
movimentos respiratórios. Pode estar presente em di-
5- RITMOS RESPIRATÓRIOS ferentes situações tais como acidose metabólica, fe-
bre, ansiedade, etc.
A observação atenta dos pacientes, durante o Bradipnéia - Designa a redução do número dos
exame físico do tórax, pode revelar a presença de al- movimentos respiratórios, geralmente abaixo de oito

Taquipnéia
Ritmo de Cantani

Dispnéia Suspirosa
Ritmo de Kussmaul

Ritmo de Biot
Ritmo de Cheyne-Stokes

Figura 3: Ritmos Respiratórios

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Martinez JAB; Pádua AI & Terra Filho J

incursões por minuto. Pode surgir em inúmeras situa- que a acidose metabólica agrava-se, raramente pode
ções, tais como presença de lesões neurológicas, de- haver o surgimento do ritmo de Kussmaul, traduzi-
pressão dos centros respiratórios por drogas (opióides, do pela alternância seqüencial de apnéias inspirató-
diazepínicos), precedendo a parada respiratória em rias e expiratórias. (Figura 3)
casos de fadiga dos músculos respiratórios, etc. Ritmo de Biot - É o nome dado a um ritmo
Apnéia - É a interrupção dos movimentos res- respiratório totalmente irregular, no tocante à ampli-
piratórios por um período de tempo prolongado. As- tude das incursões respiratórias e à freqüência. (Fi-
sim, por exemplo, pacientes com diagnóstico de sín- gura 3) Aparece em pacientes com hipertensão intra-
drome da apnéia do sono podem permanecer sem res- craniana e lesões do sistema nervoso central.
pirar durante minutos, cursando com hipoxemia acen- Ritmo de Cheynes-Stockes - Caracteriza-
tuada e significantes riscos do surgimento de arritmias se pela alternância de períodos de apnéia, seguidos
cardíacas e morte. Evidentemente, indivíduos em por hiperpnéia crescente e decrescente, até a instala-
apnéia necessitam de suporte respiratório ou então ção de nova apnéia, e, assim, sucessivamente. (Figu-
progredirão para óbito. ra 3) Esse ritmo respiratório ocorre mais comumente
Dispnéia suspirosa - Consiste na presença em pacientes com insuficiência cardíaca, congestiva,
de inspirações profundas, esporádicas, em meio a um grave, podendo também estar presente em vigência
ritmo respiratório normal.(Figura 3) Costuma apare- de lesões do sistema nervoso central e hipertensão
cer em indivíduos com distúrbios psicológicos ou pela intracraniana. Nos casos de insuficiência cardíaca, sua
simples emoção. gênese é explicada pelo aumento do retardo circula-
Ritmo de Cantani - Caracteriza-se pelo au- tório dos pulmões para o cérebro. Nessa situação,
mento da amplitude dos movimentos respiratórios, de ocorre uma dissociação entre os valores de pH e
modo regular, secundariamente à presença de acidose PaCO2 no nível pulmonar e no nível dos quimiorre-
metabólica, encontrada, por exemplo, na cetoacidose ceptores centrais, levando ao surgimento da respira-
diabética ou insuficiência renal. (Figura 3) À medida ção periódica.

MARTINEZ JAB; PADUA AI & TERRA FILHO J. Dyspnea. Medicina, Ribeirão Preto 37: 199-207, july/dec.
2004.

ABSTRACT: Dyspnea is a word used to define a sensation of breathing difficulty experimented


by patients with different diseases, and healthy individuals during extreme exercise. It is a very
common symptom in medical practice, and a particularly frequent complain among subjects with
respiratory and cardiac conditions. Dyspnea is the most important symptom affecting health
related quality of life of patients with chronic respiratory disorders. The mechanisms responsible
for the development of dyspnea are still greatly unknown, despite of its importance. In the present
article the authors do a brief review of clinical and physiopathological aspects related to the
symptom.

UNITERMS: Dyspnea. Symptoms. Respiration. Physiopathology.

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