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O grotesco nos quadrinhos. Considerações sob um viés Bakhtiniano.

Fabio Luiz Carneiro Mourilhe Silva


Doutorando em comunicação – PPGCOM / UFF
Doutorando em filosofia – PPGF / IFCS / UFRJ

Introdução

Este trabalho trata do grotesco nos quadrinhos. Não apenas de uma hq que se caracterize
por algum aspecto grotesco, mas sim dos reflexos do conceito de grotesco indicado por
Bakhtin e confirmado por uma série de outros autores, que se aplica, em certos casos, nos
quadrinhos. Temos, neste contexto, transposições que se dão através das paródias em um
circuito que passa das manifestações diversas da cultura, mídia ou política – incluindo artes
sequenciais ou não – para os quadrinhos. Foram considerados, para a análise, os quadrinhos
que refletem este circuito.

Dentre os aspectos principais que confirmam o conceito de grotesco, temos o exagero, a


indicação ambígua de referências às “partes baixas” do ser humano – como algo repugnante
ou como símbolo da vida – e a crítica. Estes têm origem em uma cultura popular que pode
ser transposta e absorvida por uma outra cultura dominante, como percebeu Bakhtin na
transposição das festas populares e do carnaval para a obra de Rabelais e para a literatura
posterior.

Ao considerarmos o conceito de Bakhtin como referência para análises de outros materiais


de épocas distintas, devemos considerar também, contudo, as diferenças sócio-culturais que
implicam em mudanças de postura, deslocamento dos objetos da crítica ou mudanças no
processo como se dá sua articulação.

Inicialmente, foi considerado e avaliado o conceito de grotesco de Bakhtin, bem como sua
releitura por outros autores como Muniz Sodré e Umberto Eco. Foram determinadas
algumas de suas origens e antecedentes desde a antiguidade e a era clássica, passando pelas
festas populares e costumes da Idade Média, e sua inserção e transposição para uma cultura
elitizada através, inicialmente, de Rabelais. Foram considerados também o
antropomorfismo e a fisiognomia, bem como as relações entre grotesco, sátira e caricatura.
Posteriormente, foram avaliados certos quadrinhos que refletem o conceito de grotesco,
como “Yellow Kid”, “Li’l Abner” e trabalhos diversos de Wally Wood e Basil Wolverton.
Por fim, foram analisados como os aspectos cruciais do grotesco podem ser processados
nos quadrinhos e de que forma o conceito se articula e se faz presente junto à estética
própria dos quadrinhos.

Características gerais

Sodré & Paiva (2002, p.11-15), em suas exposições introdutórias sobre o grotesco, indicam
as características que lhe seriam inerentes, como o cômico, o feio, o monstruoso, as
palhaçadas, o ridículo, as aberrações, as deformidades, o rebaixamento e os aspectos
bizarros tanto do aspecto físico como do comportamento humano. Relacionado, em grande
parte, a episódios desmoralizantes e associações a um humor negro ou à burrice, o grotesco
tem como decorrência uma visão preconceituosa, o riso e a fragmentação dos valores (Ibid,
p.16-18) – no ato de sua exposição. Destas características, a definição de rebaixamento
talvez seja aquela que melhor explique em poucas palavras a visão dos autores sobre o
grotesco.

“...operado por uma combinação insólita e exasperada de elementos heterogêneos, com


referência freqüente a deslocamentos escandalosos de sentidos, situações absurdas,
animalidade, partes baixas do corpo, fezes e dejetos – por isso tida como fenômeno de
desarmonia do gosto ou disgusto – que atravessa as épocas e as diversas conformações
culturais, suscitando um mesmo padrão de reações: riso, horror, espanto e repulsa” (Ibid, p.
17).

Antecedentes

Os seres assustadores presentes nas narrativas do mundo greco-romano já traziam


elementos característicos do grotesco, considerando as combinações entre homens e
animais, como as sereias (combinações de mulheres com aves de rapina) (Figura 1) e o
minotauro (cabeça de touro sobre um corpo humano) (Figura 3). Antes, e como provável
influência, nas representações diversas da cultura egípcia, em suportes variados, também
temos misturas de animais com figuras humanas para retratar figuras místicas, como a
esfinge (rosto humano sobre corpo de leão) (Figura 2), ou alguns de seus deuses, como
Anúbis (homem com cabeça de chacal), Horus (homem com cabeça de falcão) ou Hathor
(mulher com cabeça de vaca), que ganharam releitura na obra de Bilal (Figura 4).

Figura 1- “Ulysses and the Sirens”. John William Waterhouse, 1891.


Fonte: Wikipedia. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:John_William_Waterhouse_-
_Ulysses_and_the_Sirens_%281891%29.jpg. Acessado em 15/01/2011.

Figura 2- “Grande esfinge de Giza”. Marek Kocjan, 2006.


Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em:
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Great_Sphinx_of_Giza_2.jpg, Acessado em 15/01/2011.
Figura 3- “Theseus Slaying Minotaur”. Antoine-Louis Barye, 1843.
Fonte: Wikipedia. Disponível em
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Theseus_Slaying_Minotaur_by_Barye.jpg, acessado em 15/01/2011.
Figura 4- Página 2 de “The Nikopol trilogy - The carnival of the immortals”. Enki Bilal, 1980.
Fonte: Bilal, Enki. The Nikopol trilogy - The carnival of the immortals. Hollywood: Humanoids
Publishing, 1999 (1980).
Monstruosidades, como portentos ou prodígios, foram registradas no mundo clássico em
livros que traziam anotados fatos prodigiosos. Eram vistos como sinais de desgraça
eminente. Podem ter servido de inspiração para certas manifestações pictóricas do grotesco.
Exemplos incluem resultantes de partos anômalos ou achados de explorações, crianças com
duplo sexo (no “Livro dos prodígios” de Ossequente em IV d.C.); hipogrifos, pássaros com
asas de folha de alface e minotauros (em “Uma historia verídica” de Luciano de Samôsata
em II d.C.); diversos monstros descritos em “Líber monstrorum de diversis generibus” entre
os séculos VII e IX (Figura 5); formas animais e simiescas estilizadas entre folhagens e
letras capitulares no “Livro de Kells” do século VIII (Figura 6); livros que interpretavam
moralmente os monstros, como o “Fisiólogo” nos séculos II e III e as enciclopédias
concebidas a partir da ”Historia natural” de Plínio; e “Physica curiosa” de 1662 com
animais novos descobertos, tidos como transformações de outros já existentes, abortos da
natureza e seres que de longe pareciam com monstros do bestiário (Figura 7)(Eco, 2007,
p.107, 111-116, 242).

Figura 5- “Man with a dog head”. Hartmann Schedel, 1493.


Fonte: Schedel, Hartmann. Nuremberg Chronical (Schedel'sche Weltchronik), page XIIr. 1493.
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Schedel%27sche_Weltchronik-Dog_head.jpg. Acessado
em 15/01/2011.
Figura 6- Seção de “Madonna and Child”. Book of Kells. Século VIII.
Fonte: Book of Kells, “Madonna and child”. Disponível em:
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:KellsFol007vMadonnaChild_V2.jpg, Acessado em 15/01/2011.
Figura 7- Capa de “Physica Curiosa”, Gaspar Schott, 1697.
Fonte: Schott’s Physica Curiosa. Disponível em:
http://www.johncoulthart.com/feuilleton/2010/01/19/schotts-physica-curiosa/, acessado em 15/01/2011.

Além destas diversas manifestações, temos a ocorrência destes monstros na arquitetura –


também denominados como grotesco nesta área – nos capitéis das igrejas a partir dos
séculos sucessivos (Figura 8). De acordo com São Bernardo (apud Eco, 2007, p. 113), os
fiéis se detinham com gosto excessivo sobre estas manifestações. “Podem ser vistos muitos
corpos sob uma única cabeça e, vice-versa, muitas cabeças sobre um único corpo... Mostra-
se tão grande e tão estranha a variedade de formas heterogêneas que se tem mais gosto em
ler os mármores do que os códices”.

Figura 8- Detalhe grotesco (gárgula) da arquitetura da Universidade de Chicago. Foto de Barbara


Hayo, 2009.
Fonte: Stone Spirits, Disponível em: http://guide.trustedtours.com/destinations/savannah/stone-spirits/,
acessado em 15/01/2011.

Mesmo na Bíblia, podem ser percebidas manifestações do grotesco, quando, em Ezequiel,


criaturas celestes são descritas sob a forma animal. Posteriormente, os três evangelistas são
representados com as figuras do boi, leão e águia (Figura 9) (Ibid, p.125). Na antiguidade e
renascimento também, os monstros – de forma semelhante – assumiram funções amigáveis
nas artes da memória, se relacionando com um gosto pelo maravilhoso.
Figura 9- “Christ in Majesty with Evangelists”. Mosáico do coro da Catedral de Westminster, Londres.
Foto de Lawrence Lew, 2008.
Fonte: Flickr. Disponível em: http://www.flickr.com/photos/paullew/2951294076/, acessado em
15/01/2011.

Bakhtin e a cultura popular da Idade Média

Bakhtin trata, em seu livro sobre Rabelais, das manifestações do grotesco na Idade Média e
sua transposição e transformação no Renascimento. Para ele, o grotesco envolve a
criatividade da cultura popular e o próprio povo. O carnaval, com suas regras opositoras à
cultura oficial, e o rebaixamento como duas constantes em seu realismo grotesco, com
independência da noção de obra-de-arte. Trata, portanto, de modos de expressão como
aqueles indicados por Baumgarten, que incluem afetações estéticas da vida social (Sodré &
Paiva, 2002, p.58), como a confusão, a desordem, a alegria em excesso e a exuberância das
formas. Balzac, de forma semelhante, colocava o carnaval como o centro da associação
entre humanidade e bestialismo, momento em que explodem paixões bestiais no homem.
Sob uma perspectiva bakhtiniana, contudo, devemos considerar também o aspecto crítico.
O grotesco se torna crítico na medida em que desafia. Assim o faz com o ridículo e o
cômico no espaço popular, conforme já percebera Bakhtin. É algo que ameaça
representações escritas ou visuais ou a idealização. “Pelo ridículo e pela estranheza, pode
fazer descer ao chão tudo aquilo que a idéia eleva alto demais” (Sodré & Paiva, 2002,
p.39).

Com o grotesco, passam a ser valorizados os orifícios, protuberâncias e partes baixas do


corpo. Alimentação, excreção, cópula, gravidez e parturição compõem constantes das
imagens grotescas. Bakhtin cita as descrições de Rabelais de narizes, pênis e orelhas
enormes. Diferente do corpo clássico definitivo e acabado, o corpo grotesco se presta à
metamorfose e à mistura (Figura 10)(Ibid, p.59). A tônica dos espetáculos de commedia
dell’arte no século XV na Itália e, depois por toda a Europa, também se fixava na mistura,
uma mistura do erudito com elementos fantasiosos das representações populares.

Figura 10- Ilustrações 87 e 88 para os livros de Rabelais relacionados à Pantagruel. Francois Desprez,
1565.
Fonte: Pantagruel I, Disponível em http://bibliodyssey.blogspot.com/2006/06/pantagruel-i.html,
acessado em 15/01/2011.
Festas populares na Idade Média

As festas populares envolviam paródias grotescas dos plebeus que se davam nas
manifestações carnavalescas. Prevaleciam as representações grotescas do corpo através das
máscaras, as paródias à cultura sacra, liberdade de expressão e linguagem blasfematória.
Estas festas eram uma reação popular contra tudo o que era normalmente proibido e contra
as festas religiosas oficiais. Nos carnavais, as ordens e hierarquias podiam ser questionadas.
Vingava-se do poder feudal e eclesiático (Eco, 2007, p.140).

Imagens e episódios envolvendo jogos, batalhas, brigas, golpes, ridicularizações,


destronamentos, gritos, gestos obscenos, travestimentos e barulho eram tratados e
estilizados nestas festas populares. Eram, de acordo com Bakhtin (1977, p.189),
ambivalentes, pois a destruição e o destronamento estão associados ao renascimento e à
renovação.

Das festas populares, algumas estavam relacionadas à Igreja, como a “festa dos loucos”
(Figura 11), “festa do asno” ou festas dedicadas a certos santos como São Lázaro. Nestas
festas, um dos elementos primordiais era a fantasia e a permutação dos graus hierárquicos e
a ridicularização do sofrimento e do medo em paródias. O bufão, por exemplo, era o rei
sagrado durante a “festa dos loucos”.
Figura 11- “The festival of fools”. Pieter Bruegel, 1570.
Fonte: The Feast of Fools, Disponível em: http://www.art-
wallpaper.com/2684/Bruegel+Pieter/The+Feast+of+Fools?Width=1024&Height=768, acessado em:
15/01/2011.

Apesar do carnaval ter sobrevivido até os nossos dias, muitas das práticas ali executadas se
perderam e se transformaram a ponto de ficarem irreconhecíveis, porém é a manifestação
que mais conserva aspectos das festas populares da idade média. O carnaval nesta época
remota se referia a festas de origens diversas que ocorriam em datas diferentes do ano. Com
o desaparecimento destas festas, coube ao carnaval – festa anual – acolher seus rituais,
atributos, efígies e mascaramentos, um reservatório das festas que deixaram de existir (Ibid,
p.190).

O riso na Idade Média


Outro aspecto importante relacionado ao grotesco nestas festas era o riso. Ele “faz passar
tudo o que é ‘baixo’ para o ‘alto’, essas coisas situadas abaixo da cintura sobem para
invadir as partes nobres do corpo. O grotesco oblitera bruscamente o intelecto” (Jeudy apud
Sodré & Paiva, 2002, p.62). No grotesco, temos o riso se articulando com a crueldade, a
vulgaridade e a grosseria. “O riso demole as bases do pudor... e abala a segurança dos
protocolos” (Derrida apud Sodré & Paiva, Ibid).

Bakhtin (1977, p.61-62) indica a prática do riso no renascimento como determinada pelas
tradições da cultura popular da Idade Média, onde o riso tinha um caráter regenerador e
criador, com uma existência extra-oficial, com radicalidade e liberdade. Contudo, as
manifestações do riso e certas características grotescas também estavam presentes mesmo
nas festas populares associadas à Igreja.

“Ao proibir que o riso tivesse acesso a qualquer domínio oficial da vida e das idéias, a Idade
Média lhe conferiu, em compensação, privilégios excepcionais de licença e impunidade
fora desses limites: na praça pública, durante as festas, na literatura recreativa. E o riso
Medieval beneficiou-se com isso ampla e profundamente” (Ibid).

Durante o renascimento, um riso milenar se aliou a um saber humanista. Em Rabelais, a


palavra e a máscara do bufão medieval e as formas dos carnavais se associaram ao saber
humanista, à ciência e à prática médica.

Rabelais

A partir da sabedoria da cultura popular do simples e dos loucos, Rabelais constrói um


trabalho de difícil adequação aos cânones e regras da arte literária, com uma idiossincrasia
individual e aparentemente bizarra. Seu contato com a cultura popular se deu de forma
direta, nos espetáculos de rua (Figura 12).
Figura 12- Ilustração para versão inglesa de “The works of Rabelais”. Gustave Doré, 1894.
Fonte: Rabelais, François. The works of Rabelais. Derby: Moray Press, 1894.

No renascimento, a partir das publicações de “Gargântua” e “Pantagruel” 1 de Rabelais, a


obscenidade não aparece como característica plebéia, mas como linguagem e
comportamento da corte real. A festa carnavalesca, assim, passou para a esfera do universo
culto. Deixou de dizer respeito apenas de uma revolta anárquica popular para se tornar uma
revolução cultural. “Em uma sociedade que vai sustentar doravante a prevalência do
humano e do terrestre sobre o divino, o obsceno se transformou em orgulhosa afirmação
dos direitos do corpo”. Nos livros de Rabelais (Figura 13), os gigantes são disformes e
desproporcionais, mas sua deformidade se torna gloriosa (Eco, 2007, p.142). Assim, o
obsceno entrou em nova fase, onde a sexualidade deixou de ser motivo de escândalo, para
se transformar em elemento de beleza, passando por uma obscenidade asquerosa em Sade e
1
Começaram a ser publicados em 1532. Primeiro “Os horríveis e apavorantes feitos e proezas do mui
renomado Pantagruel, rei dos dipsodos, filho do grande gigante Gargântua” (Les horribles et épouvantables
faits et prouesses du très renommé Pantagruel Roi des Dipsodes, fils du Grand Géant Gargantua) e depois
“A vida muito horrível do grande Gargântua, pai de Pantagruel” (La vie très horrifique du grand Gargantua,
père de Pantagruel). Nas décadas seguintes, foram publicados também três livros em série numerados de três
a cinco, com o título semelhante “Livro dos feitos e ditos heróicos de Pantagruel”. Atualmente, existem no
mercado versões com todos os livros da série juntos condensados ou versões com romances separados.
adquirindo papel dominante em boa parte da literatura do final do século XIX e nas
vanguardas do século XX.

Figura 13- Página de título para versão inglesa de “The works of Rabelais”. Gustave Doré, 1894.
Fonte: Ibid.
Rabelais, as “partes baixas” e o excremento

Como metáfora de um rebaixamento diante de valores tradicionais – valores que incluem


consciência moral e sexualidade civilizada – temos a metáfora do excremento, o que
equivale a um “grau zero da condição humana” (Figura 14) (Sodré & Paiva, 2002, p.21-22).

Figura 14- Ilustração para versão inglesa de “The works of Rabelais”. Gustave Doré, 1894.
Fonte: Ibid.
Na sociedade ocidental, o homem se mostra incomodado por tudo aquilo que é
excrementício ou ligado ao sexo. Desde a Antiguidade, as referências ao pênis se investiam
de obscenidade, feiúra e comicidade (Figura 15). Tinham na figura de Príapo um símbolo
(Eco, 2007, p.131-132) do desfigurado pela prática sexual excessiva, expressão do desprezo
e da desconfiança do mundo feudal e eclesiático em relação ao camponês. “As
deformidades do aldeão eram apreciadas com sadismo e ria-se deles e não com eles” (Ibid,
p.137).

Figura 15- Ilustrações 6 e 7 para os livros de Rabelais relacionados à Pantagruel. Francois Desprez,
1565.
Fonte: Pantagruel I, Disponível em http://bibliodyssey.blogspot.com/2006/06/pantagruel-i.html,
acessado em 15/01/2011.

A referência às partes baixas, como o excremento, às tripas (entranhas que engolem e


devoram) ou à zona dos órgãos genitais, presente em “Gargantua” e “Pantagruel”, também
tem sua origem nas festas populares da Idade Média. Na “festa dos loucos”, utilizava-se
excremento no lugar do incenso e depois da festa, de charretes, jogava-se excremento no
povo, prática presente em certas representações visuais e literárias da Antiguidade
(Bakhtin, 1977, p.127; Eco, 2007, p.140).

Nas representações, a presença do excremento podia ser percebida. A expressão “bosta pra
ele”, por exemplo, era uma expressão muito popular na época de Rabelais, por ele incluído
no prólogo de “Gargantua”. Seu uso teria, segundo Bakhtin (1977, p.128), um significado
ambivalente, pois a zona dos órgãos genitais é onde se fecunda e dá a luz, e assim
conservava uma relação substancial com as noções de nascimento, fecundidade, renovação
e bem-estar. Trazia também a idéia de uma materialidade e corporalidade do homem e sua
ligação com a terra (Ibid, p.195). O ato de defecar sem controle, por outro lado, estaria
relacionado ao estado de pavor (Ibid, p.150).

A linguagem incorporada por Rabelais

Na obra de Rabelais, temos a incorporação de uma linguagem chula – conjunto de


impertinências, injúrias e grosserias – que também teria sua origem em praticas populares,
principalmente o carnaval. Além disso, a linguagem popular também indicava práticas de
uma linguagem com juramentos (juramentos a deus, festas ou santos – práticas
consideradas proibidas), pregações, charlatanices de camelôs e maldições, perfeitamente
legalizados nas festas populares.

Ao lado das injúrias, as cenas de carnificina e espancamento com enumerações de partes do


corpo também eram comumente encontradas na obra de Rabelais. Segundo Bakhtin (1977,
p.171-172), estas práticas constituíam atos simbólicos dirigidos principalmente contra o rei,
autoridade máxima. O rei, representado como bufão, era a figura mais atacada na festa.
Procedia-se de forma semelhante ao que se dá com a malhação de Judas em época
apropriada do ano. Outras figuras atacadas por Rabelais em suas cenas de pancadaria
incluíam os sacristãos, monges hipócritas e delatores. Rabelais os aniquila, despedaça,
golpeia, afugenta, maldiz, injuria e ridiculariza (Figura 16).
Figura 16- Ilustração para versão inglesa de “The works of Rabelais”. Gustave Doré, 1894.
Fonte: Rabelais, François. The works of Rabelais. Derby: Moray Press, 1894.

O grotesco, a sátira e a caricatura

Com Rabelais, o substrato material e corporal da imagem grotesca – alimento, vinho,


virilidade e órgãos do corpo – adquire um caráter positivo e triunfa através da exuberância
e do excesso. Uma tendência à abstração deforma esta imagem tendo em vista um sentido
moral, subordinando o substrato material a um aspecto negativo. Assim, o exagero se torna
caricatura. Imagens grotescas com uma tendência à abstração conservam uma natureza e
lógica próprias. “Ao nos fazer aceitar o excêntrico ou o grotesco, com uma escala de
valores em oposição a nossa escala normal, o autor cria pólos negativos e positivos. Entre
eles, brilha uma fagulha de ironia” (Worcester apud Berger, 1973, p.31). A utilização de
alimentos como hipérboles, por exemplo, tinha se dado em paralelo a antigas práticas de
aumento do ventre, boca e falo (Bakhtin, 1977, p.159).
Outra figura significativa presente na obra de Rabelais em termos de estética do grotesco é
o tamborim quebrado que, segundo Bakhtin (Ibid, p.178), teria um valor erótico. Bater o
tamborim nupcial significava realizar o ato sexual e o tamborineiro significava o amante,
relações bem populares na época de Rabelais. Os vocábulos “golpe”, “bater”, “golpear” e
“bastão” também tinham significados próximos aos indicados. Ao falo, se referia como o
“bastão de casamento” ou o “bastão de uma só ponta”. “Murros de bodas” também se
referia ao ato sexual.

Os ingredientes essenciais da sátira que ecoam no conceito de grotesco são a fantasia ou


absurdo e um objeto de ataque. A sátira assume as normas e padrões morais contra as
medidas do objeto de seu ataque. Frye (apud Berger, p.49-50) vê a sátira como um ato
moral. “Exige pelo menos um pouco de fantasia, um conteúdo que o leitor reconheça como
grotesco, e pelo menos um princípio moral padrão, sendo que este último seria essencial...
O humorista deve selecionar seus absurdos e o ato de seleção é um ato moral”. O humorista
deve assumir um compromisso sobre o que ele assume de positivo ou negativo na
sociedade. Assim, ele impõe sua visão através da sátira.

Hoffman (apud Berger, p.49-50) enxerga este processo como paradoxo e Berger (1969,
p.133) considera as definições de caricatura de Kayser – o grotesco ou exagero ridículo,
distorção de partes ou características – como forma de aproximar os conceitos de caricatura
e grotesco.

“Enquanto a caricatura quebra o canon da beleza, deslocando os padrões normais


reconhecidos e deformando o mundo da proporção, aplicando um ato artístico subjetivo de
liberação, ela simultaneamente se vincula indissoluvelmente ao modelo que ela está
destronando. A caricatura, assim como todas as revoluções, é sustentada pelo sistema que
ela ataca” (Hoffman apud Berger, 1969, p.50).

Contudo, para Ernst Kris e Gombrich (apud Berger, 1969, p.133), algumas caricaturas são
apenas trocadilhos visuais. Estes, em “Li’l Abner”, como prática do grotesco, são
reforçados por comportamentos correspondentes, como ocorre com o personagem J.
Roaringham Fatback (Figura 17), que se parece com um porco e que age como tal, ao ser
ganancioso. Expõe-se, aqui, uma personalidade ou figura política ao ridículo através da
comparação de sua aparência com a de alguma forma ou criatura. A caricatura política
nasceu assim, com ênfase nas feições grotescas ou malignas, onde o adversário era tratado
como monstruoso.

Figura 17- J. Roaringham Fatback. Al Capp, 05/12/1948.


Fonte: Capp, Al. Li’l Abner meets the Shmoo. Princeton: Kitchen Sink Press, 1992 (1948), p.79.

Assim, a caricatura se presta como instrumento polêmico, a partir de exageros de algum


aspecto do corpo, em geral o rosto, denunciando algum defeito moral através de um defeito
físico. Quando distorce a norma, temos uma crítica à sociedade.
Temos, então, três níveis diferentes. Um criticismo formal às normas através do verbal e de
um discurso vernacular; do pictórico através da caricatura; e do grotesco através da
narrativa, que se utiliza das duas primeiras (Berger, 1969, p.134).

Berger (1973, p.200), contudo, aponta uma diferença de alcance entre a caricatura e o
grotesco. A primeira serviria para atacar um indivíduo, ao distorcer algum aspecto de uma
pessoa. O grotesco, por outro lado, seria um ataque à sociedade, simbolizando alguma
distorção moral criada pela própria sociedade.

Outras definições

Para Victor Hugo (apud Sodré & Paiva, 2002, p.31-32, 42, 46-47), em sintonia com o
pensamento de Rabelais, o grotesco existe na natureza e no mundo e oferece um caminho
de irrupção do pagão e do aberrante nas representações figurativas. O cômico e o estranho
provenientes da cultura popular seriam incorporados como estética culta também graças à
repercussão do texto de Hugo, fazendo com que o gosto clássico se rebaixasse ante a
genialidade do extravagante, do feio e do incongruente. Critica a instituição artística,
chocando e provocando um mal-estar, de modo a indicar a intenção de uma mudança, onde
deveriam ser enterradas as formas simbólicas do passado. Assim, o grotesco funciona para
ele como categoria estética, como re-interpretação culta da espontaneidade popular. Estava
em sintonia com o conceito de disgusto muito em voga em seu tempo, uma reação contra
doutrinas moralistas afins com a hegemonia política da burguesia.

Wolfgang Kayser (apud Sodré & Paiva, 2002, p.54-56) indica o grotesco como categoria
estética não legitimada pela teoria hegemônica da arte, capaz de criar um mundo
desarticulado e estranho, uma constante supratemporal de algo negativo e tragicômico que
se repete ao longo da história de formas diversas. Surge a partir de sonhos, devaneios ou
visões desencantadas da existência, apresentando-se como jogo de máscaras ou
representação caricatural. Pode assumir formas fantásticas, horríficas, satíricas ou
simplesmente absurdas, sempre com uma composição que tende ao monstruoso. Para ele, o
grotesco teria como resultado um estranhamento decorrente dos efeitos do medo ou riso
nervoso a partir do contato do espectador com a obra-de-arte ou espetáculo.

Adeptos de uma estética do grotesco se posicionam contra uma pureza da forma (conforme
Horácio na “Arte poética” de Aristóteles) e da proporção (conforme o arquiteto Vitrúvio no
século I, que na época já condenara toda as manifestações estéticas do grotesco que lhe
eram coevas2)(Sodré & Paiva, 2002, p.21). Vasari divulga o pensamento de Vitrúvio no
século XVI, atribuindo ao grotesco um caráter de aberração, um universo onírico próprio
dos pintores com dessemelhanças com tudo o que se tinha de familiar: pedaços de corpos
despedaçados, incoerentes e absurdos (membra disjecta). Assim, temos uma definição de
grotesco que passa pelo disforme (conexões imperfeitas) e pelo onírico (conexões irreais)
(Ibid, p.29-30).

Assim, temos uma aproximação a uma transgressão própria do barroco, em suas


contradições entre o matemático e os aspectos rebeldes e sensuais, que, como
heterogeneidades fortes, atingem um caráter chocante (Ibid, p.24). Para Deleuze (Ibid,
p.25), o barroco, da mesma forma que o grotesco, tem uma relação complexa e inseparável
com o corpo, onde ele encontra uma animalidade e uma humanidade cerebral, o que o
permitiria se elevar para além da matéria corporal. Porém o grotesco não consegue se
elevar, pois funciona por catástrofe. “Trata-se da mutação brusca, da quebra insólita de uma
forma canônica, de uma deformação inesperada” (Ibid, p.25).

Nietzsche em sua metafísica do corpo, sustentando a “universalidade do mau-gosto” no


livro “A Gaia Ciência”, valoriza as afecções corporais acima dos afetos espirituais,
salientando a realidade visceral do homem. Ao se concentrar em uma sensibilidade radical
que ultrapassa o campo normativo e cognitivo da obra de arte assim reconhecida, chega à
esfera da prática, na qual predominam a comunicabilidade generalizada dos afetos, os
conflitos, as desarmonias e os mascaramentos (Ibid, p.47-49).

2
Só a depravação do gosto pode dar preferência a “hastes terminadas por flores, de onde saem meias-figuras,
umas com rostos de homens, outras com cabeças de animais” (Vitrúvio apud Sodré & Paiva, 2002, p.29).
Antropomorfismo

A partir da mistura entre homens, animais e riso, percebe-se uma intenção bem específica
do grotesco como categoria estética, podendo derivar para a escatologia, excessos
corporais, atitudes ridículas, paródias e rebaixamento de valores (Sodré & Paiva, 2002,
p.62).

Combinações de vegetais e animais com figuras humanas nos ornamentos e motivos


encontrados no fim do século XV, nas escavações no porão do palácio romano de Nero em
frente ao Coliseu, subterrâneos das termas de Tito e outros pontos da Itália, passaram a ser
referidos como grotesco. No século XVI, estes motivos se espalharam pela Europa
Ocidental em tetos, colunas, gravuras, jóias, pratos e tecelagens (Figura 18) (Sodré &
Paiva, 2002, p.28-29).
Figura 18- Italian Renaissance Ceiling Painting. Heinrich Dolmetsch, 1887.
Fonte: BibliOdyssey, The Treasury of Ornament 3. Disponível em:
http://bibliodyssey.blogspot.com/2009_06_07_archive.html, acessado em 15/01/2011.
A fusão entre homens e animais, que em grande parte caracteriza o grotesco, pode ser
articulada a partir de enfoques diversos, incluindo Sloterdijk, para quem a domesticação
lenta do ser humano envolvia um processo de lenta extirpação dos chifres; e La Mettrie,
que acreditava inexistir qualquer distinção entre homens e animais, seja em termos
anatômicos ou de comportamento (Ibid, p.50-52). Nesta fantasia de reversibilidade entre
homem e animal, as funções relativas às partes baixas do corpo acabam por ser mais
presentes do que as elaborações intelectuais (Ibid, p.61). Ortega y Gasset, por sua vez,
explicita as diferenças entre ambos, com o animal dependente dos instintos e da
preservação da vida, e o homem, movido pelo desejo, ultrapassando os instintos pelas
pulsões (Ibid).

Em termos figurativos, temos estas junções entre homens e animais com antropomorfismos
gerando não algo necessariamente feio ou bonito, mas uma força de expressão que gera
efeitos diretos no contemplador. Contudo, temos efeitos intencionais dos fisiognomistas
que, em práticas comuns durante a idade média, trabalhavam em cima de analogias e
interpretação de humores e caráter (Ibid, p.22-23).

Fisiognomia

Pseudo-ciência de importância para o grotesco, a fisiognomia associa traços do rosto e


formatos de órgãos a características morais. Lavater em seu livro sobre a fisiognomia
(Physiognonomia) estabelece a semelhança como lógica primordial da criação, em uma
unidade que só seria possível ao considerarmos a multitude de seres de todas as regiões,
uma unidade na variedade e variedade na unidade (Lavater, 1772, p.1-2). Contudo,
considera o homem como a criatura mais perfeita, aquele que pode unir três tipo de vida, o
animal, o intelectual e o moral (Ibid, p.6).

A cabeça, principalmente a face, comparada a de outros animais, de acordo com Lavater


(Ibid, p.8), pode indicar qualidades específicas. Os olhos, o olhar, as bochechas, a boca e a
testa, consideradas em descanso ou em movimento, são os mais expressivos, os mais
convincentes das sensações, desejos, paixões, vontades e propriedades que exaltam a moral
(Figura 19).

Figura 19- Prancha 63 de “Essays on Physiognonomia”. Johann Lavater, 1772.


Fonte: Digital Clendening: Rare Text Images: Portraits: Lavater, 1772 Page 3, Disponível em:
http://clendening.kumc.edu/dc/rti/portrait_1772_lavater.html, acessado em 15/01/2011.
A fisiognomia (Physiognonomia), para Lavater (Ibid, p.11), se refere às superfícies e
exteriores do homem, em movimento ou parado, no original ou retratado. A ciência da
fisiognomia envolve uma correspondência entre o homem externo e interno, entre as
superfícies visíveis e o conteúdo invisível.

Apesar de se concentrar em especial na idéia de uma essência de todas as coisas, salientada


no começo de suas assertivas, Lavater (Ibid, p.13) se refere também à individualidade de
todos os seres e coisas, e expõe, como verdade, que existe uma analogia de receptáculo e
forma com as variedades mentais existentes. Existe, por exemplo, uma relação de causa e
efeito entre o ódio e os músculos protuberantes.

A ciência da fisiognomia se presta ao grotesco na medida em que, por analogia, podem ser
construídas metáforas que visam a crítica relacionada a algum aspecto moral, através de
animais antropomorfizados ou de personagens com alguma característica que indique o
exagero.

Ocorrências nos quadrinhos

No momento considerado como sopro inicial dos quadrinhos, nas tiras de jornal
Americanos no final do século XIX, podemos perceber algumas características bem
próprias ao grotesco. Em algumas tiras subseqüentes, este espírito persiste com mais força,
como nos trabalhos de Chester Gould e Al Capp.

A representação de líderes como Mussolini, Hitler e Tojo em caricaturas com exageros se


tornou prática perceptível nas revistas em quadrinhos da época da 2ª guerra mundial
(Figura 20), mostrando a ocorrência do espírito crítico do grotesco.
Figura 20- Capa de Batman #18. Jerry Robinson, 1943.
Fonte: Robinson, Jerry. Batman #18. New York: DC Comics, 1943.

Uma prática de antropomorfização característica do grotesco caracterizou muitos dos


quadrinhos infantis, incluindo as criações provenientes das animações, quadrinhos da
Disney e os trabalhos de Walt Kelly. Em certos casos, como certas hqs pontuais de Carl
Barks, a extravagância e o exagero também estavam presentes de forma predominante.

A partir de 1948, Walt Kelly começou a publicar tiras diárias do personagem Pogo. Além
de trazerem personagens antropomorfizados como norma, personalidades públicas também
estiveram presentes nas tiras de Pogo com representações grotescas visando a crítica à
política Americana, incluindo “Simple J. Malarkey” para o senador Joseph McCarthy
(Figura 21) e o bode “Fido” para Fidel Castro.

Figura 21- Simple J. Malarkey. Walt Kelly, 1955.


Fonte: When Pogo Met Simple J. Malarkey, Jaime Weinman. Disponível em:
http://mightygodking.com/index.php/2010/02/16/when-pogo-met-simple-j-malarkey/, acessado em:
15/01/2011.

Como prática da distorção e do antropomorfismo, mais do que uma prática crítica, temos
Basil Wolverton, que se faz presente com uma estética predominantemente grotesca, com o
bizarro e o humor se articulando. A partir de 1946 ao vencer um concurso para o desenho
de “Lena Hyena” na tira de “Li’l Abner” e posteriormente em trabalhos para a revista
“Mad” (na qual colaborou esporadicamente) e “Plop” (na década de 70), temos exemplos
diversos desta tendência. Neste viés, também foram realizadas paródias, como aquela da
revista “Life” onde “Lena Hyena” está presente como escolhida para a “garota mais linda
do mês”.

Com os quadrinhos underground de Crumb, temos paródias do gênero infantil e um tipo de


acabamento e detalhamento formal que se assemelha ao trabalho de Wolverton - não só em
termos de personagens bizarros e deformados, mas também como referência estética em
articulação com novas tendências e preocupações sociais e políticas provenientes da década
de 1960, com questionamentos da vida e da cultura americana. Paródias incluíram anúncios
(Figura 22), logotipos e banners.

Figura 22- “Help build a better America”. Robert Crumb, 1968.


Fonte: Crumb, Robert. “Help build a better America”. In: Zap Comics #0. Apex Novelties, 1968.
Yellow Kid

O primeiro exemplo aqui enfocado indica um espaço a partir do qual emergiram as


primeiras tiras em quadrinhos. “Yellow Kid” surgiu em 7 de Julho de 1895 (Figura 23)
como parte de um esforço para aumentar a circulação de jornais. Os desenhos de Outcault
nesta época eram extremamente poluídos, podendo trazer representações de dezenas de
pessoas e animais de várias espécies, junto a cartazes, pôsteres, exclamações dos
personagens, um cenário detalhado e sem padrões sequenciais. A ação se dá em Hogan’s
Alley com personagens agressivos e crianças pouco infantis (podem fumar, trajar ternos ou
trazer barbas), representando o mundo da pobreza. “Rejeitam o sonho Americano e estão
contentes com o seu espaço... ou são incapazes de escapar...” (Berger, 1973, p.25).

Figura 23- “Yellow Kid” aparece pela primeira vez no alto da sacada em “The day after ‘the glorious
fourth’ down in Hogan’s Alley”. Richard Outcault, 7/7/1895.
Fonte: The Yellow Kid 1895, Disponível em: http://cartoons.osu.edu/yellowkid/1895/1895.htm, acessado
em 16/1/2011.
O personagem “Yellow Kid”, com seu camisolão, parece ter escapado de um asilo. Traz
expressões de alegria ou sarcasmo junto ao pânico perceptível de outros personagens (Ibid,
p.26), um humor que mascara um desespero. Por trás das situações absurdas, temos um
mundo de angústia e dor. Uma exuberância grotesca que é ao mesmo tempo cômica e
ameaçadora em um testemunho da inadequação de nossa sociedade.

Uma das pranchas de “Yellow Kid”, “Mickey and His Friends Hobnob with Royalty”
(1897), traz Yellow Kid no trono do rei da Inglaterra, bem aos moldes do que se realizava
nas festas populares da Idade Média, quando o rei era representado pelo bufão (Figura 24).
Além disso, funciona de forma semelhante à proposta de transposição dos trabalhos de
Rabelais, reconstruindo práticas populares na mídia impressa, com influências dos
Vaudevilles, espetáculos populares que posteriormente caíram nas graças das elites,
absorvidas ou transformadas em outras manifestações culturais. Práticas populares em
“Yellow Kid” também se dão, de uma forma geral, na representação da linguagem com
erros e adaptações ao que seria um dialeto próprio local.
Figura 24- “Mickey and His Friends Hobnob with Royalty. Around the World with the Yellow Kid”.
Richard Outcault e Rudolph Block, 31/1/1897.
Fonte: The Yellow Kid on the paper stage, disponível em:
http://xroads.virginia.edu/~ma04/wood/ykid/imagehtml/yk_england.htm, acessado em 16/1/2011.

Temos aqui críticas aos preconceitos da prefeitura de Nova York contra as manifestações
esportivas populares; à pobreza; à superpopulação; à arte elitizada dos museus; às
vestimentas sofisticadas da elite; à urbanização; à forma de vida da classe trabalhadora; ao
abandono de crianças etc.

“Dick Tracy” de Chester Gould

Com uma crítica social incisiva, como em “Yellow Kid”, temos a tira de jornal de “Dick
Tracy”, onde existe grande preponderância de uma representação do ser humano.

A grande depressão do final da década de 1920 propiciou o desenvolvimento de


circunstâncias favoráveis ao surgimento e glamourização de criminosos em uma mídia e
cultura populares, com heróis e super-heróis para proteger os paradigmas sociais. Em 1931,
surge a tira do “Dick Tracy”, tratando deste panorama social com o que era socialmente
prescrito como “guerra ao crime”. Seus enredos, protagonistas e antagonistas eram
exageros intencionais de fatos cotidianos, junto a uma mensagem de alta moralidade
(Roberts, 1993, p.1). Gould (apud Roberts, p.2) trabalhava com estórias de crime verídicas
para alcançar o realismo necessário, junto a um universo imaginativo. “Quando você
combina realismo com o fantástico, você sempre terá uma estória”.

A crítica de Gould estava direcionada às ações da imprensa popular sensacionalista, que


exploravam as personalidades do mundo dos gangsteres em chamadas nas capas dos
jornais, resultados indesejáveis ao sonho Americano (Figura 25). “Se os Vanderbilts,
Carnegies e Rockefellers da vida real e os heróis e heroínas das novelas de ficção do século
XIX de Horatio Alger podiam alcançar a felicidade através da fórmula prescrita pelo sonho
Americano (que inclui trabalho duro, thrift e boa moral) então os Capones e Dillingers da
vida real e os Big Boys e Boris Arsons de “Dick Tracy” (Figura 26) poderiam também
alcançar a felicidade através de uma perversão desta fórmula” (Ibid, p.4).
Figura 25- Capa da revista Time com Al Capone.
Fonte: The Ballad of Johnnie Dillinger. Disponível em:
http://www.dillingerthehiddentruth.freeservers.com/catalog.html, acessado em 16/1/2011.
Figura 26- Alphonse “Big Boy” Caprice. Chester Gould, 1931.
Fonte: Fabio Mourilhe sobre Chester Gould, 2011.

Nas descrições dos jornais, a vida dos gangsteres era maravilhosa, com muita saúde, jóias
exóticas e carros elegantes, legitimando o que antes eram tabus sociais, como o álcool
(durante a proibição), drogas e prostituição. O gangster se tornou um herói popular e
percebido como vencedor. Uma polícia corrupta também ganhou as manchetes como
contraponto às estórias de sucesso dos gangsteres. Assim, para aqueles impressionados com
o modelo carismático criado para os bandidos, os policiais seriam os verdadeiros vilões
(Ibid).

“Dick Tracy” emprega a violência para purgar a sociedade de suas impurezas. Grotesco e
crime são sinônimos na criação de Chester Gould. A junção de uma monstruosidade visual
à maldade não era novidade, porém não condizia com a glamourização dos gangsteres em
voga na época.

Os vários personagens estranhos que habitam a tira de “Dick Tracy” constroem, segundo
Berger (1973, p.121), um verdadeiro bestiário de monstruosidades criminais, demônios
representados graficamente para expor sua moral igualmente feia. O grotesco, segundo
Kayser (Ibid), existe nesta tentativa de invocar ou controlar os aspectos demoníacos do
mundo. Para Anderson (Ibid, p.122), os vilões incompreendidos também seriam
classificados como grotescos pela qualidade deformada de seu senso de verdade, sua visão
de mundo deformada. Exemplos de misturas antropomórficas em “Dick Tracy” incluem os
vilões “The Mole” (Figura 27), “Rhodent” e “Piggy”.
Figura 27- The Mole. Chester Gould, 1941.
Fonte: Ibid.

“Li’l Abner” de Al Capp

Ainda nas tiras em quadrinhos, temos o trabalho de Al Capp, que apresenta alguns aspectos
relevantes ao conceito de grotesco, como distorções, caricatura, exageros, incongruência,
artificialidade e feiúra. O que se percebe é que o grotesco em Capp, como ferramenta
estilística, contém uma crítica incorporada à sociedade, com tentativas conscientes em
direção à distorção, tanto nos desenhos dos personagens como em suas personalidades
(Berger, 1969, p.66).

Figuras grotescas estão presentes em “Li´l Abner”, como forma de protesto ao egoísmo e
conflitos que caracterizam o capitalismo em sua prática nos EUA. Estas figuras são
criações fantásticas – típicas do trabalho de Al Capp – que, pela virtude de alguma boa
qualidade, apresentam uma ameaça à sociedade 3. Os Kigmies (Figura 28), por exemplo,
são pequenos animais, parte pombos-correio, parte cachorro vira-lata, parte peixe, parte
balão e parte bola de futebol, que adoravam ser chutados. Após serem comprados milhões
de Kigmies, tendo em vista a diminuição da crueldade e dos conflitos do ser humano,
percebeu-se que só se atingiu o contrário. Assim, os Kigmies tiveram de ser isolados. Para
piorar, os Kigmes em sua reclusão descobrem o prazer de chutar, passando também a
chutar os seres humanos (Berger, 1969, p.16).

3
Para efetuar sua crítica, Capp se utiliza de paradoxos estabelecidos no nível verbal, como ocorre nos
anúncios na saga dos Shmoos: “Shmoos são ruins, pois eles são bons” (Berger, 1969, p.75).
Figura 28- Kigmies. Al Capp, 1949.
Fonte: Berger, Arthur Asa. Li’l Abner: a study in American satire. Jackson: University Press of
Mississipi, 1994 (1969), p. 18.

Das características físicas grotescas dos moradores de Brejo Seco (Dogpatch), temos
exageros gráficos, incluindo pés e mãos muito largos, corpos muito magros e altos ou
baixos e gordos; narizes largos, extensos, batatudos ou retorcidos; bocas muito largas, sem
dentes; lábios grossos ou carnudos; e mandíbulas protuberantes (Figura 29).
Figura 29- Personagens de Brejo Seco. Al Capp, 1949.
Fonte: Ibid, p. 141.

Capp (Berger, 1969, p.67) aponta seus objetivos com a tira, de criar suspeita e desrespeito
pelas instituições e seus valores, o que Berger (Ibid) especifica como uma crítica à
hipocrisia burguesa, através de uma visão cínica da natureza humana. Em “Li’l Abner”,
temos a representação de um conflito de classes – entre ricos e pobres – e um conflito
setorial – entre o urbano e o agrário. A classe dominante é uma elite superpoderosa que só
pode ser impedida por Chulipa (Mammy Yokun) (Figura 30), uma super-mulher com força e
bondade sobre-humanas e poderes mágicos utilizados para alcançar a justiça social (Ibid,
p.102).
Figura 30- Chulipa (Mammy Yokun). Al Capp, 1949.
Fonte: Ibid.
Como crítica aos padrões de beleza instituídos pela mídia, Capp propôs em 1946 um
concurso entre os leitores, para que estes desenhassem a mulher mais feia do mundo, “Lena
Hyena”. Foram enviados milhares de desenhos e a versão de Wolverton ganhou o concurso
(Figura 31). Por outro lado, a opulência sexual também é enfatizada na tira, pois temos a
presença de uma sucessão de mulheres glamourosas com grandes seios e decotes, podendo
soar como confirmação de um padrão de beleza ou uma crítica.

Figura 31- Lena Hyena. Al Capp e Basil Wolverton, 1946.


Fonte: Basil Wolverton. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Basil_Wolverton, acessado em
16/1/2011.

Assim, temos um panorama da estética grotesca de Al Capp, onde junto à representação de


personagens ingênuos ou estúpidos se quebram com as convenções da mídia Americana,
segundo a qual a opulência da elite é universal.

Basil Wolverton

Apesar de ter tido sua inserção de forma inusitada nas tiras em quadrinhos, Wolverton é um
artista de suma importância para as revistas em quadrinhos, por ditar de antemão uma
estética própria desde sua fase inicial. Suas hqs com “Spacehawk” (Figura 32), por
exemplo, foram publicadas entre 1938 e 1949 na “Circus Comics” e “Target Comics”. Já
traziam um aspecto que auxilia na construção de uma estética própria e do grotesco, as
fusões estranhas entre homens com aspectos animalescos ou máquinas, incluindo quadros
com conteúdos que parecem ter saído de um quadro de Bosch (Figura 33).
Figura 32- Página 1 de “Spacehawk and the Creeping Death From Neptune”. Basil Wolverton, 1940.
Fonte: Wolverton, Basil. “Spacehawk and the Creeping Death From Neptune”. In: Target Comics #5,
New York: Novelty Press, 1940.
Figura 33- Quadro de “SpaceHawk”. Basil Wolverton, 1940.
Fonte: Wolverton, Basil. “Spacehawk”. In: Target Comics #6, New York: Novelty Press, 1940.

No primeiro número de “Powerhouse Pepper” de 1943, na hq “The face from space”, no


primeiro quadro, temos a presença de extraterrestres que criticam a aparência humana
(Figura 34). No final da década de 1940, em outro número de “Powerhouse Pepper”, na hq
“A nightmare scare”, Wolverton continuou a desenvolver sua estética grotesca com
personagens bizarros em uma hq e época em que a narrativa e personagens convencionais
seriam a norma. Tanto que a mesma hq figura na edição número 1 da 2ª série da revista
“Raw”. Aqui, temos a fragmentação do corpo humano em mínimas partes, deformações
diversas de partes do corpo, misturas de homens e animais (Figura 35), e cartazes com
anúncios fictícios (Figura 36).
Figura 34- Primeiro quadro da hq “The face from space”. Basil Wolverton, 1943.
Fonte: Wolverton, Basil. Powerhouse Pepper #1. New York: Timely Comics, 1940.
Figura 35- “A nightmare scare”. Basil Wolverton, 1994.
Fonte: Wolverton, Basil. Basil Wolverton’s Powerhouse Pepper. Lake City: Fantagraphics, 1994. p. 25.
Figura 36- Ibid.
Fonte: Ibid, p. 26.

Apesar de ter iniciado e continuado sua carreira de desenhista nas revistas em quadrinhos,
Wolverton teve sua inserção nas tiras em quadrinhos quando ganhou o concurso promovido
por Al Capp para “Li’l Abner”. Após o sucesso de “Lena Hyena”, motivo do concurso,
Wolverton foi contratado para desenvolver diversas caricaturas, onde pode colocar em
prática suas distorções bizarras (Figura 37).
Figura 37- “Miss Flentney Bunt”. Basil Wolverton, 1955.
Fonte: Basil Wolverton’s Miss Flentney Bunt. Disponível em
http://manishtama.blogspot.com/2009/12/basil-wolvwertons-miss-flentney-bunt.html, acessado em
16/1/2011.
Nas aventuras de ficção científicas por ele desenvolvidas, como “The eye of doom” da
revista “Mystic” #6, da editora Atlas, de 1951, a estética bizarra também persiste, com a
deformação de partes humanas, neste caso o olho, em destaque do corpo (Figura 38); e
monstruosidades com fusões e transformações de homens em animais em “Swamp
Monster” da revista “Weird Mysteries” #5 de 1953 (Figura 39).

Figura 38- Página inicial de “The eye of doom”. Basil Wolverton, 1951.
Fonte: Wolverton, Basil. “The eye of doom”. In: Mystic #6, New York: Atlas, 1951.
Figura 39- Página inicial de “Swamp Monster”. Basil Wolverton, 1953.
Fonte: Wolverton, Basil. “Swamp Monster”. In: Weird Mysteries #5. Mamaroneck: Archie Comics,
1953.
Na revista “Mad”, Wolverton teve espaço para publicar suas distorções em estado bruto,
como em “The Mad reader” (Figura 40) e na paródia da capa da revista “Life” (Figura 41).
Seu estilo, nesta publicação e nas outras, influenciou não só Robert Crumb, mas os
quadrinhos underground de uma forma geral, tanto que sua “Gjdrkzlxcbwq Comics”
(Figura 42), lançado em 1973, – da mesma forma que a hq “A nightmare scare” – parece
ser um trabalho realizado na época, quando traz, na verdade, trabalhos realizados
anteriormente.

Figura 40- “The Mad Reader”. Basil Wolverton, 1954.


Fonte: Wolverton, Basil. “The Mad Reader”. In: Mad #11. New York: Educational Comics, 1954.
Figura 41- Capa da revista “Mad” #11, Basil Wolverton, 1954.
Fonte: Ibid.
Figura 42- Capa da revista “Gjdrkzlxcbwq”, Basil Wolverton, 1973.
Fonte: Wolverton, Basil. Gjdrkzlxcbwq. Sylmar: Glen Bray, 1973.

Na mesma linha de personagem com aspecto monstruoso e cômico de Wolverton, temos


“Rat Fink” de Ed Roth (Figura 43), que partindo dos quadrinhos underground, se
populariza na mídia através de apropriações, de forma semelhante ao que ocorreu com
certos desenhos e personagens de Crumb.

Figura 43- Capa de Rat Fink Comix #4, Sloane, 1991.


Fonte: Roth, Ed. Rat Fink #4. Seattle: Starhead Comics, 1991.

Na Inglaterra, temos influências diretas das figuras monstruosas de Wolverton – na mesma


época da revista “Plop” – no trabalho de Ken Reid, artista inglês. Na revista “Shiver and
Shake”, ele publicou suas “Creepy Creations” em 1973 (Figura 44) e na revista
“Whoopee”, em 1974, “Wanted Posters” e “World Wide Wierdies”. Essas monstruosidades
tinham como fonte de inspiração sugestões de leitores, que também recebiam prêmios por
suas colaborações (Hansen, 2004).

Figura 44- “Creepy Creations”. Ken Reid, 1973.


Fonte: Ken Reid Comic Artist. Disponivel em
http://www.comicsuk.co.uk/Interviews/KenReid/KenReidOverview.asp, acessado em 16/1/2011.
Wallace wood

Seguindo uma proposta estética semelhante a de Wolverton, porém com um viés crítico
mais perceptível, temos Wallace Wood. Ele foi assistente de George Wunder em “Terry
and the pirates” e de Will Eisner em “Spirit”. Como um dos artistas regulares da EC
Comics, na revista “Mad”, utilizou uma técnica pela qual ficou famoso, de preencher todos
os espaços com pequenas gags – piadas interpoladas na forma de desenho (Figura 45). A
prática do excesso já figurara anteriormente em outros de seus trabalhos, como “The
Shangai Chicken” da revista “Inside Crime” #3 de 1950 (Figura 46).

Figura 45- Seção da Primeira página de “Smilin' Melvin!”. Wallace Wood, 1952.
Fonte: Wood, Wallace. “Smilin' Melvin!” In: Mad #7. New York: Educational Comics, 1953.
Figura 46- “The Shangai Chicken”. Wallace Wood, 1950.
Fonte: Wood, Wallace. “The Shangai Chicken”. In: Inside Crime #3, New York: Fox Comics, 1950.

Não só pelo excesso em simultaneidade em sua obra – também em termos de estilos


diversos –, mas pelas paródias e postura crítica em que está inserido, e pela prática de
antropomorfismo – como no anúncio para a Alka-Seltzer (Figura 47) – e pela referência
constante às “partes baixas” do ser humano, o trabalho de Wally Wood reflete o conceito de
grotesco indicado por Bakhtin em relação à obra de Rabelais e à cultura popular da Idade
Média.
Figura 47- Propaganda para Alka-Seltzer. Wallace Wood, 1967.
Fonte: The animated Wally Wood. Disponível em
http://potrzebie.blogspot.com/2007_08_01_archive.html, acessado em 16/1/2011.

Das primeiras paródias da Mad, muitas eram referências a gêneros diversos de hq, como
terror e ficção científica da EC (Figura 48) ou tiras em que o próprio Wood trabalhou,
como “Terry and the Pirates” (Figura 49) e “Príncipe Valente” 4; encontros de diversos
personagens das hqs, como na revista “Mad” #56, “The Mad Comic Opera” (Figura 50); e
problemáticas que concernem à área dos quadrinhos, como “Superduperman” (Figura 51),
que tratou do processo aberto pela DC Comics contra a Fawcett em função da semelhança
do personagem “Capitão Marvel” com o “Super-homem”. Outras de suas paródias da época
incluíram adaptações como “O corvo” de Edgar Allan Poe. Mais tarde, a sua prática da
paródia se ampliou para todas as manifestações da mídia, cultura, atualidades e política,
incluindo as telenovelas e o cinema (Geissman, 2003, p.115-122).

Figura 48- Primeira página de “Gookum!” Wallace Wood, 1952.


Fonte: Wood, Wallace. “Gookum!” In: Mad #2. New York: Educational Comics, 1952.

4
Wood trabalhou apenas em uma prancha de “Príncipe Valente” – a de número 1762 de 1970 (Geissman,
2003, p.117).
Figura 49- Página de “Teddy and the pirates!” Wallace Wood, 1953.
Fonte: Wood, Wallace. “Teddy and the pirates!” In: Mad #6. New York: Educational Comics, 1953.
Figura 50- Quadros de “The 'Mad' Comic Opera”. Wallace Wood, 1960.
Fonte: Wood, Wallace. “The 'Mad' Comic Opera” In: Mad #56. New York: Educational Comics, 1960.
Figura 51- Página de “Superduperman!” Wallace Wood, 1953.
Fonte: Wood, Wallace. “Superduperman!” In: Mad #4. New York: Educational Comics, 1953.

Seguindo a mesma linha de Wolverton, entre 1965 e 1976, Wood também criou uma série
de monstros para figurinhas de chicletes, cartões, pôsteres e adesivos para a Topps, como
“Ugly Stickers” (Figura 52) e “Crazy cards”. Neste contexto, também foram realizadas
paródias de personagens de hqs, como “Prince Violet”, “The meekly Thase”, “The
Incridible Hunk” e “Blunder Woman”.

Figura 52- “Ugly Stickers”. Wallace Wood, 1973.


Fonte: Ugly Stickers 1965-1976. Disponível em: http://www.bubblegumcards.org/Ugly_Stickers.html,
acessado em 16/1/2011.

Uma crítica com uma predominância temática das “partes baixas” perpassou diversos de
seus trabalhos, principalmente aqueles do pré-underground e no próprio underground, como
“Pipsqueak Papers” (Figura 53), em que é travada uma guerra psicológica dos sexos em um
clima de conto-de-fada, “Dizzyland” na Zap #1, “Heroes Inc.” ou “Sally Forth”. Digno de
nota, contudo, é a presença de insinuações eróticas em outros trabalhos anteriores onde
normalmente não haveria espaço para este tipo de inflexão, como “The ogre of Paris” em
“Bold Stories” de 1950, “Six-gun Smith” em “Western Crime Busters” #7 de 1951 ou “The
Mad Horror Primer” na revista “Mad” #49 em 1959 (Figura 54).

Figura 53- Rascunhos para “Pipsqueak Papers”. Wallace Wood, 1967.


Fonte: Hooray for Wally Wood. Disponível em
http://wallywoodart.blogspot.com/2010_03_01_archive.html, acessado em 16/1/2011.
Figura 54- Página de "The mad Horror primer". Wallace Wood, 1959.
Fonte: Wood, Wallace. "The mad Horror primer". In: Mad #49. New York: Educational Comics, 1959.

Anúncios fictícios semelhantes aqueles presentes em “Yellow Kid” também tiveram espaço
na revista “Mad”, como aqueles realizados por Wood na série “If comic-strip characters
answered those little ads” (Figura 55).
Figura 55- “If comic-strip characters answered those little ads”. Wallace Wood, 1957.
Fonte: Fonte: Wood, Wallace. “If comic-strip characters answered those little ads”. In: Mad #35. New
York: Educational Comics, 1957.

Com sua revista “Witzend” #1 (Figura 56), fica clara sua postura em relação aos editores e
aos quadrinhos. Não deseja se adequar a estilos específicos e sim desenvolver um veículo
onde pudessem ser desenvolvidas hqs sem se prender a tendências específicas ou limites de
qualquer espécie, um espaço para veiculação de qualquer idéia relacionada aos quadrinhos
(Figura 57). Propõe fusões, como se vê de fato ao longo de seu trabalho, fusões que
redundam em algo de grotesco.

Figura 56- Capa da revista Witzend #1. Wallace Wood, 1966.


Fonte: Wood, Wallace. Witzend #1. Bill Pearson, 1966.
Figura 57- “Statement of no policy”. Wallace Wood, 1966.
Fonte: Ibid.

“O negócio da beleza” de Carl Barks

Das hqs de Barks com animais antropomorfizados da Disney, uma delas se destaca como
paródia dos costumes e da elite, de forma semelhante ao que se deu anteriormente na
revista “Mad”, nas tiras em hq aqui supracitadas e em “Yellow Kid”.

De acordo com Andrae (2006, p.257), Barks em “The beauty business” (Figura 58) (1966)
reage contra o controle de marketing editorial que visava uma adequação ao público,
conforme pesquisas realizadas. Ficou constatado que a revista “Walt Disney’s Comics and
Stories” teria um grande número de meninas como leitoras, que exigiam a presença mais
preponderante da personagem Margarida, com atualizações de figurino e maquiagem.
Assim, esta hq em questão é uma reação de Barks, onde a inclusão da personagem e um
enredo com vestidos e maquiagem foram permeados com uma proposta grotesca com
ênfase no deboche.
Figura 58- Quadro de “The Beauty business”. Carl Barks, 1966.
Fonte: Barks, Carl. “The Beauty Business”. In: Walt Disney's Comics and Stories #308. New York:
Gold Key, 1966.

Para manter as aparências perante as amigas, Margarida se preocupa com uma profissão
que conferisse status a Donald, diferente das profissões que ele assumiu nas últimas hqs
anteriores escritas por Barks, como carteiro ou gerente de hotel (Figura 59) (Ibid, p.259).
Na hq, até mesmo Donald está obcecado com o glamour.

Figura 59- Tira de “The Beauty business”. Carl Barks, 1966.


Fonte: Ibid
A transformação da horrível Ms. Dryskin (Figura 60) mostra o funcionamento da área
cosmética. Donald tem de cobrí-la com cimento e pintá-la para modificar sua face. Como
resultado, Barks desenha-lhe nova cabeça e corpo. Apesar da confiança de Dryskin, Donald
aconselha que ela não cante com tanto vigor, pois sua cara pode cair.

Figura 60- Tiras de “The Beauty business”. Carl Barks, 1966.


Fonte: Ibid

Margarida resiste em se maquiar, o que seria uma exceção na cidade. Contudo, o que se vê,
a medida em que ela anda pela rua, é que ela é a única normal e todas as outras com belezas
sofisticadas são grotescas (Figura 61). Quando Margarida resolve se maquiar ocorre uma
transformação que chama a atenção para a linha tênue entre beleza e monstruosidade.
Figura 61- Quadro de “The Beauty business”. Carl Barks, 1966.
Fonte: Ibid

Alto-evolucionário

O recurso da antropomorfização – não só como comparação da índole de um personagem


conforme se dá em “Dick Tracy” ou conforme a naturalização presente em Walt Disney –
aparece também como um resultado que se teme a partir de experiências genéticas no
século XX.

A partir de 1966, Har Khorana, Robert Holley e Marshell Nirenberg decifraram um


mecanismo que permite ao DNA ser traduzido em proteínas; depois, em 1972, tem início a
engenharia genética de fato, com a combinação de DNAs a partir do trabalho de Paul Berg,
que combina o DNA do vírus SV40 com o DNA de Escherichia coli; e também a
modificação genética, em 1973, da bactéria Escherichia Coli por Stanley Cohen e Herbert
Boyer.

Sua possibilidade factível – muito além do que foi atingido na realidade – começa a ser
endereçada por Stan Lee em 1966, na revista Thor #134 (Figura 62). Temos aqui,
contudo, um reflexo de um futuro que se teme por parte da sociedade, que atinge graus
catastróficos com o personagem “Superfera” (Man Beast ou Super Beast) (Figura 63),
que “representa o fim da evolução... A melhor fera, combinada com o melhor homem”.
Figura 62- Capa de Thor #134. Jack Kirby, 1966.
Fonte: Lee, Stan. Kirby, Jack. Thor #134. New York: Marvel Comics, 1966.
Figura 63- Capa de Thor #135. Jack Kirby, 1966.
Fonte: Lee, Stan. Kirby, Jack. Thor #135. New York: Marvel Comics, 1966.
Antes disso, temos hqs de Stan Lee que tem a monstruosidade como tema, incluindo aquele
personagem que se pauta pelas transformações abruptas, “O incrível Hulk”, com críticas à
irresponsabilidade associada aos testes radioativos (Figura 64).

Figura 64- Quadros da revista Hulk #1. Jack Kirby, 1962.


Fonte: Lee, Stan. Kirby, Jack. Hulk #1. New York: Marvel Comics, 1962.
Quadrinhos underground

Nos quadrinhos underground, temos a estética do grotesco com grande presença, com uma
postura crítica muito mais incisiva do que ocorria nas hqs da Marvel Comics que lhe eram
coevas. Seus objetivos críticos são explícitos. Relaciona-se às manifestações sociais que
ganharam força na década de 1960. Defende-se, neste contexto, direitos a culturas próprias
com a naturalização de uma série de práticas antes consideradas proscritas, como o uso de
drogas e uma sexualização exacerbada. Com isso, os valores tradicionais são colocados em
cheque e, na prática do grotesco, o sexo deixa de ter um papel predominante no objetivo de
representação de desconforto, se acoplando à violência e ao humor.

Na chamada para a revista “Hydrogen Bomb Funnies #1” de Gilbert Shelton de 1970
(Figura 65), existe a nudez e a insinuação sexual no centro do quadro, porém, ao redor,
existem cartazes com propostas de ativismo político em um pólo e no outro, revistas em
quadrinhos e drogas. Em um quadro redondo inferior, temos uma mensagem do chefe da
policia secreta, condenando os quadrinhos. Todos os personagens aqui presentes trazem
feições com traços caricatos, como os Freak Brothers com suas feições características e
estilização hippie, e o chefe da policia representado com banhas excessivas na face.
Figura 65- Página de Hydrogen Bomb Funnies #1. Gilbert Shelton, 1970.
Fonte: Shelton, Gilbert. Hydrogen Bomb Funnies #1. São Francisco: Rip Off Press, 1970.
Seguindo a mesma tradição de Wolverton e Walt Kelly em termos de sombreamento
rachurado e características dos personagens, Robert Crumb traz, em seus trabalhos, críticas
a questões raciais. Ao transformar Angelfood McSpade, negra que vive nua com grandes
seios a mostra, em uma loura vestida – após transformação que envolveu mudança de
roupas, clareamento de pele e estudos da língua culta –, temos a clara insatisfação de seus
jovens amantes (Figura 66) (“Yellow Dog Comix” #13, 1969).

Figura 66- Tiras de Yellow Dog Comix #13 e 14. Robert Crumb, 1969.
Fonte: Crumb, Robert. Yellow Dog Comix #13 e 14. São Francisco: Print Mint, 1969

Uma verdade particular exposta ao se utilizar a estética do grotesco, proposta como


justificativa para vilões como aqueles presentes nas tiras de Dick Tracy, na hq de Crumb da
“Big Ass Comics #2” de 1971 parecem também justificar-lhe a conduta, uma conduta
paranóica e agressiva que parece não ter como alvo ninguém ou talvez então o mundo
inteiro. (Figura 67).
Figura 67- Página de Big Ass Comics #2. Robert Crumb, 1971.
Fonte: Crumb, Robert. Big Ass Comics #2. São Francisco: Rip Off Press, 1971.
A transposição do sexo de forma grotesca para uma violência exacerbada se dá no trabalho
de Clay Wilson. Em Zap Comix #5, o sexo explícito não garante mais um estranhamento.
Cortar os seios fora, talvez. (Figura 68)

Figura 68- Página de “Ruby, the dyke meets the weedman”. Clay Wilson, 1970.
Fonte: Wilson, Clay. “Ruby, the dyke meets the weedman”. In: Zap #5. São Francisco: Apex Novelties,
1970.

Uma exploração do corpo em sua essência grotesca na representação está presente em “All
Meat Comics” na “Big Ass Comics #1” de 1969 - com fezes e distorções assumidas -
(Figura 69) ou na orgia que se transformou em campeonato internacional em “Snatch
Comics #1” de 1968 de Robert Crumb.
Figura 69- “All meat comics”. Robert Crumb, 1969.
Fonte: Fonte: Crumb, Robert. Big Ass Comics #1. São Francisco: Rip Off Press, 1969.
Outra sátira sexual relevante é aquela envolvendo “Wonder Wart-Hog” de Gilbert Shelton
em Zap Comix #4 (Figura 70). Trata-se de uma paródia de super-heróis – seres totalmente
assexuados -, em uma hq em que o personagem aparece pelado com um pênis microscópico
e um nariz gigante capaz de substituir a falta do pênis.

Figura 70- “Wonde Wart-Hog breaks up the muthalode Smut Ring”. Gilbert Shelton, 1970.
Fonte: Shelton, Gilbert. “Wonde Wart-Hog breaks up the muthalode Smut Ring”. In: Zap #5. São
Francisco: Apex Novelties, 1970.
Em alguns momentos, os quadrinhos underground parecem se posicionar na defesa de
certas causas e posicionamentos polêmicos para as gerações anteriores, como a questão da
virgindade, exposta na revista “Bakersfield Kountry Komics” de Larry Weltz de 1973
(Figura 71). Em outros, como em “A Word to you feminist womem” da revista “Big Ass
Comics” #2 de Robert Crumb (Figura 72), fica claro que não existe uma intenção em
assumir compromisso com movimento algum nem com nenhuma causa.

Figura 71- Quadro de “Bakersfield Kountry Komics” #1. Larry Weltz, 1973.
Fonte: Weltz, Larry. “Bakersfield Kountry Komics” #1. São Francisco: Last Gasp, Inc., 1973
Figura 72- “A Word to you feminist womem”. Robert Crumb, 1971.
Fonte: Crumb, Robert. “A Word to you feminist womem”. In: Big Ass Comics #2. São Francisco: Rip
Off Press, 1971.

Os quadrinhos underground fazem parte da contracultura e estão, em certos casos,


associados a políticas radicais e diversos movimentos que rejeitam o sistema de valores
básicos e estilo de vida da classe média Americana. As atitudes extremas presentes neste
tipo de quadrinhos em termos de sexo, violência, drogas e política seriam formas de lidar
com um sistema de valores fechado, da mesma forma que se deu nas festas populares da
Idade Média em relação ao poder instituído do rei e da igreja.

Quadrinhos italianos

A emergência dos movimentos sociais na década de 1960 foi um fenômeno mundial, bem
como os quadrinhos que se articularam em torno de uma perspectiva política mais
combativa. Os quadrinhos italianos se inserem neste contexto, como se percebe nos
exemplos aqui apresentados.
A hq de Filippo Scòzzari “Un buon impiego” (Figura 73) se passa em um futuro não muito
distante na cidade Italiana de Bologna, quando a Itália passou a ser um estado de polícia
controlado pelo partido comunista. Temos aqui uma sátira carnavalesca do partido e o
presidente do partido comunista da Bologna, “Renato Zangheri”, tratado com sarcasmo. A
Bologna tinha sediado na época um dos protestos pivôs da ala alternativa esquerdista de
1977 e como conseqüência foi palco de um dos episódios de repressão policial mais brutais
da época, com uma mobilização de tanques – autorizada pelo chefe da policia – para conter
os tumultos (Castaldi, 2010, p.3-4).
Figura 73- Página de “Un buon impiego”. Filippo Scòzzari, 1977.
Fonte: Scòzzari, Filippo. “Un buon impiego”. In: Alter Alter #10. Milão: Milano Libri, 1977.
Castaldi (Ibid, p.5) indica as tomadas que favorecem à distorção como efeitos grotescos,
que estão presentes na hq como anatomias deformadas, e respingos de pincel que parecem
salientar uma “estética de lixo” (impression of filth) utilizada em diversos recursos gráficos
incluindo a tipografia e os balões (Figura 74).

Figura 74- Tira de “Un buon impiego”. Filippo Scòzzari, 1977.


Fonte: Ibid.

Na hq de Guido Buzelli “I Labirinti” (1970) (Figura 75), o mundo é dominado por


cirurgiões e o personagem principal perde o controle de seus membros que o abandonam
para satisfazer seus desejos próprios. Os personagens da hq antropomorfizados,
esteticamente, têm semelhança com o universo proposto por Stan Lee em torno do Alto-
evolucionário.

Figura 75- Quadro de “I Labirinti”. Guido Buzzelli, 1970.


Fonte: Castaldi, Simone. Drawn and Dangerous: Italian comics of the 1970s and 1980s. Jackson: The
University Press of Mississipi, 2010, p. 28.
“Maus” de Art Spiegelman

A antropomorfização utilizada na graphic novel “Maus” (1986) (Figura 76) também


assumiu um caráter de crítica política na ênfase da relação entre gatos (nazistas) e ratos
(judeus).

Figura 76- Capa de Maus. Art Spiegelman, 1986.


Fonte: Spiegelman, Art. Maus. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2006 (1986)
Em “Maus”, temos uma dissonância explícita que começa com o fato dos quadrinhos com
bichos antropomorfizados estarem geralmente associados ao público infantil, o que se
naturaliza após a imersão na narrativa. Refletem a proposição de Hitler de que os judeus
são uma raça, porém não são seres humanos. Ao incluir fotos dos personagens reais (Figura
77), quebra com a ilusão deste mundo imaginativo, indicando que se tratam na verdade não
de animais, mas de seres humanos (Cioffi, 2001, p.117).

Figura 77- Foto de Vladek. Art Spiegelman, 1986.


Fonte: Ibid.
Para Witek (apud Cioffi, 2001, p.118), “Maus” pode parecer uma degradação grotesca do
Holocausto que satiriza com o sofrimento catastrófico de milhões de seres humanos,
representados como roedores de desenho animado, porém, de acordo com Gopnik (Ibid),
“Maus” sugere não apenas as condições de seres humanos forçados a viver como animais,
mas também a impressão de que esta história é horrível demais para ser contada sem uma
máscara.

Marcatti

Na década seguinte, temos a emergência do grande expoente do grotesco nos quadrinhos


brasileiros independentes modernos, Marcatti.

Em 1988, no gibi “Ventosa”, Marcatti assume sua influência direta, Wolverton, e apresenta
um alfabeto com letras formadas por faces deformadas no mesmo espírito de certos
trabalhos publicados no renascimento (Figura 78).

Figura 78- Comentário sobre Wolverton e “Meu Alfabeto”. Marcatti, 1988.


Fonte: Marcatti. Ventosa. São Paulo: Editora Pro-C, 1988.
De forma semelhante ao posicionamento de Crumb, Marcatti parece desenvolver um
trabalho desvinculado de uma crítica associada a grandes causas políticas e ideológicas, e
sim a uma expressão vinculada a uma prática artística em si, com a naturalização de
práticas sexuais. Existe sim, também no mesmo espírito de Crumb, um questionamento de
valores tradicionais, como se percebe na hq “Liberô geral” de 1986, publicada na revista
“Naftalina”, inspirada na hq de Crumb “Joe Blow”.

Na década de 2000, na hq “Arte viva”, publicada na revista “Frauzio” #1, temos toda a
escatologia Marcattiana sendo utilizada para questionar o papel da obra de arte – todos os
lixos, degetos e substâncias derivadas de suas “partes baixas” foram incluídas em suas
pinturas – e também o discurso do artista como “papo furado, papo metido, arrogância,
presunção, prepotência, egocentrismo...” (Figura 79).
Figura 79- Página 13 de “Arte viva”. marcatti, 2001.
Fonte: Marcatti. Frauzio #1. São Paulo: Editora Escala, 2001.
“La discriminación en México” de Daniel Manrique

Na década de 1990, temos um exemplo de hq que se destaca como manifestação crítica


com um caráter grotesco em termos de prática fisionômica. A hq do artista Mexicano
Daniel Manrique, “La discriminación en México” (Figura 80), de 1999, foram criados após
uma situação delicada no México, onde o Ejército Zapatista de Liberación Nacional
(EZLN) iniciou uma insurreição armada contra a ordem oficial em Janeiro de 1994. A
oposição indígena – entre outras frentes Mexicanas – e um posicionamento antineoliberal
ganharam expressão (Campbell, 2009, p.15).
Figura 80- “La discriminación en México”. Daniel Manrique, 1999.
Fonte: Campbell, Bruce. ¡Viva la historieta! Mexican Comics, NAFTA, and the Politics of
Globalization. Jackson: University Press of Mississippi, 2009, p. 112.
Antes disso, quando o México ainda era dominado pelo Partido Revolucionário
Institucional (PRI), na década de 1980, as organizações de bairros já tinham desenvolvido
uma relação orgânica com os artistas visuais locais, onde muitas imagens identitárias eram
geradas, auxiliando na ação política. Assim, foram criados murais de rua, panfletos,
pôsteres e quadrinhos. Manrique foi um destes artistas, que trabalhou junto à comunidade
de Santo Domingo em 1999 (Campbell, 2009, p.95).

O trabalho de Manrique serviu para trazer ao leitor uma visão de realidade, história e
perspectiva social. Trazia 28 páginas com temas sociais de relevância para os descendentes
de Índios, saindo de uma perspectiva crítica oficial, sem um controle oficial. Utilizou uma
estética popular e uma metáfora sexual para descrever criticamente a interação entre a
globalização cultural e econômica nas vidas dos Mexicanos. Enfatiza duas dimensões da
experiência social que estão muito próximas: o corpo humano e a resistência. Indica a
situação política atual como resultante de um longo processo histórico, em que o Índio
perdeu sua identidade e foi subjulgado pelos espanhóis, avançando até a era atual quando o
líder Zapatista Subcomandante Marcos defendeu os direitos dos Índios e se colocou contra
o Neoliberalismo. Esta hq serviu como fomentador de uma discussão pública sobre as
atitudes descriminatórias contra a população indígena (Campbell, 2009, p.98-99, 108).

Temos na hq, uma inflexão que muito se assemelha aquela que se deu nas festas populares
da Idade Media, onde a nobreza e o clero eram criticados em paródias, com uma estética
que prevalecia na ênfase grotesca da figuração do corpo, no que Bakhtin define como
“funções baixas”. Temos, aqui, uma subjulgação destas funções corporais baixas no
domínio simbólico do rosto e da face. O corpo grotesco é evocado nos desenhos de
Manrique através da face com nariz fálico conferido ao poder oficial. Em um discurso
visual, as faces com nariz de pênis dos colonialistas mostram a referência Bakhtiniana
como estratégia de deboche, denunciando o domínio Europeu. A autoridade oficial é
reduzida àquela que fecunda e a penetração política e cultural do estrangeiro toma ares
característicos de uma violação sexual.
Conclusão

O grotesco se pauta, de acordo com uma ótica Bakhtiniana, pelo cômico e por um
rebaixamento ou perda dos comportamentos considerados como normais, uma comicidade
relacionada a algum tipo de deformação ou obscenidade, quando se diverte às custas de
alguém que se despreza ou como ato libertador em relação a algum opressor.

Das características primordiais do conceito de grotesco, o humor é aquele que,


provavelmente, melhor se expressa nos quadrinhos, tanto por sua nomenclatura original em
língua Inglesa, “comic-strip” ou “comic-book”, como por sua natureza original nas tiras em
quadrinhos, veículos quase exclusivos de piadas e gags.

Assim, apesar dos gêneros outros com os quais os quadrinhos se alinhavaram, os comics
trazem em sua essência o cômico. Dos exemplos aqui analisados, as hqs com o “Alto-
Evolucionário” talvez sejam aquelas em que o humor esteja menos presente, apesar de
veicularem animais antropomorfisados, o que por si só – tendo em vista as práticas das
festas populares que vigoraram desde a Idade Média – já indicam um caráter cômico.

O ato de rir como forma de demolir as bases do pudor é uma estratégia da cultura popular
que também caracteriza com precisão alguns dos exemplos aqui enfocados. Em “Yellow
Kid”, o riso permite a articulação de uma crítica relacionada a um ato de desespero que se
dá na prática de uma série de ações caóticas inseridas no ambiente urbano. Temos aqui uma
ridicularização do sofrimento e do medo em paródias, com uma transposição de práticas
humorísticas do Vaudeville (Figura 81).
Figura 81- “The residents of Hogan's Alley visit Coney Island”. Richard Outcault, 1896.
Fonte: The Yellow Kid 1896. Disponível em http://cartoons.osu.edu/yellowkid/1896/1896.htm, acessado
em: 18/1/2011.

Em “Li’l Abner”, existe uma intenção clara em abalar os protocolos através do riso, o que
aqui se dá na forma da materialização de personagens grotescos que colocam em cheque os
valores institucionais e capitalistas (Figura 82). Esta estratégia, tendo em vista outros
objetivos críticos, também é utilizada em outros exemplos, como na revista “Mad”,
quadrinhos underground e a hq de Daniel Manrique.

Figura 82- Quadro da tira de “Li’l Abner”. Al Capp, 23/9/1948.


Fonte: Capp, Al. Li’l Abner meets the Shmoo. Princeton: Kitchen Sink Press, 1992 (1948), p.137.

Outra das características do grotesco, a feiúra, se faz presente nos quadrinhos como
representação de algo que se critica, tanto como objeto pelo qual se luta em defender –
como a população pobre em “Yellow Kid” (Figura 83) –, como objeto que se busca
depreciar – como o colonizador espanhol no trabalho de Daniel Manrique (Figura 84). Dos
exemplos enfocados, todos tratam, de uma forma ou de outra, do que seria feio. Nos
quadrinhos underground, contudo, temos um feio que seria socialmente construído, que
pode ser considerado feio segundo os valores tradicionais, como o hippie, o junkie ou os
hell’s angels. A feiúra, por outro lado, graças às imposições e prazos exigidos pelo nascente
mercado de gibis, caracterizou muitos dos trabalhos realizados na época, nos trabalhos
feitos às pressas e, por isso, sem muito cuidado com proporção e acabamento. Induz-se,
assim, a um tipo de estética própria que pode ser articulada em termos de sublime ou de
monstruoso.
Figura 83- Trecho de “A secret society initiation in Hogan’s Alley”. Richard Outcault, 1896.
Fonte: THe Yellow Kid 1896. Disponível em http://cartoons.osu.edu/yellowkid/1896/1896.htm, acessado
em: 18/1/2011.
Figura 84- Seção de “La discriminación en México”. Daniel Manrique, 1999.
Fonte: Campbell, Bruce. ¡Viva la historieta! Mexican Comics, NAFTA, and the Politics of
Globalization. Jackson: University Press of Mississippi, 2009, p. 112.

O caráter de monstruosidade do grotesco está presente como prática social explosiva em


“Yellow Kid”, nos moradores de Brejo Seco (Dogpatch) e políticos de “Li’l Abner”, nos
criminosos de “Dick Tracy”, nas criaturas de Wolverton, Wallace Wood e Marcatti, na
beleza glamourizada da hq de Carl Barks ou nas aberrações grotescas da Marvel Comics.

Apesar de ser uma constante nos exemplos aqui analisados, as aberrações não são uma
marca constante em todos os tipos de hq. As hqs infantis, por exemplo, se apresentam como
tendência purificada de qualquer tipo de aberração e, por outro lado, em pólo oposto, os
gibis de terror da EC Comics, bem como os outros gibis de terror, parecem tratar
exclusivamente de aberrações.

As aberrações resultantes de antropomorfismos, da mesma forma que o erotismo, passaram


a ser naturalizadas nos quadrinhos, naturalização que também ocorre com os animais
antropomorfizados do universo das hqs infantis.

Estas aberrações e monstruosidade podem ser colocadas em contextos onde uma idéia ou
intenção de ridicularização pode ser enfatizada, junto a rebaixamentos – objetivo certo
desta ridicularização. Em “Yellow Kid”, por exemplo, são ridicularizados costumes e a
cultura da elite, o que também ocorre de forma semelhante em “Li’l Abner”, nos costumes
herdados das práticas capitalistas incorporadas pelos habitantes de Brejo Seco. Por outro
lado, pode-se ridicularizar também o inimigo com uma caracterização bizarra ou com
alguma antropomorfização, como ocorre nos vilões de “Dick Tracy” ou na representação
do colonizador espanhol na hq de Daniel Manrique.

Uma evidência das “partes baixas” nos quadrinhos se dá no gênero erótico. Uma inflexão
deste tipo de representação em direção ao grotesco está presente nos exemplos citados, no
trabalho de Daniel Manrique e em certas hqs underground como as de “Wonder Wart-hog”,
onde o nariz assume o papel de falo.

Uma representação e referência direta ao excremento e ao ânus se dá nos quadrinhos de


Marcatti, seja nas fezes de bebês (Figura 85) ou nas aventuras de um ânus que ganha vida
própria (Figura 86). Marcatti se articula tendo em vista uma prática que caracterizou o
grotesco, porém nem sempre com um objetivo crítico.
Figura 85- Figura - Página de “Doces sabores da infância”. Marcatti, 2001.
Fonte: Marcatti. Frauzio #2. São Paulo: Editora Escala, 2001.
Figura 86- Página de “O melhor amigo do homem”. Marcatti, 1986.
Fonte: Marcatti. Mijo #1. São Paulo: Editora Pro-C, 1986.
Os quadrinhos eróticos italianos também devem ser considerados como relevantes neste
contexto, pois temos em muitos exemplos uma animalização do ser humano, com ênfase no
“substrato material da imagem grotesca” (Figura 87).

Figura 87- Quadro de “A metamorfose de Lucius”. Milo Manara, 2006.


Fonte: Manara, Milo. "A metamorfose de Lucius". São Paulo: Editora Pixel, 2006.

A inclusão de aspectos eruditos nos quadrinhos – mídia com um caráter essencialmente


popular – se deu em seus primeiros anos onde a experimentação gráfica parecia prefigurar
certas práticas das vanguardas artísticas e do cinema (Figura 88); e em graphic novels
recentes. Questionamentos sobre o valor dos quadrinhos como obra-de-arte foram
levantados a partir da utilização de quadros ampliados ou de técnicas dos quadrinhos, como
a retícula, em meio a pinturas (Figura 89), junto à emergência de um mercado que
valorizava a comercialização de originais de páginas de revistas ou tiras.

Figura 88- Quadros de “Poly and her pals”. Cliff Sterret, 1927.
Fonte: Blackbeard, Bill. Williams, Martin. The Smithsonian Collection of Newspaper Comics. New
York: Harry N. Abrams, 1966.
Figura 89- Crack. Roy Lichtenstein, 1963.
Fonte: Roy Lichtenstein 1923-1997, Disponível em http://www.artfacts.net/en/artist/roy-lichtenstein-
1892/artwork/crack-10656.html, acessado em 18/1/2011.

Os quadrinhos passaram a servir como elo de ligação entre uma cultura popular e outra
erudita, tanto pelo interesse suscitado – graças ao material diverso veiculado,
principalmente em revistas mensais ou semanários – como pela presença de artistas de
áreas diversas. A revista italiana Cannibale trouxe neste sentido uma imagem significativa
de um jovem que se devora com garfo e faca, os quadrinhos com uma estratégia meta-
discursiva e a cultura iconográfica pop (Figura 90) (Castaldi, 2010, p.7).
Figura 90- Capa da revista Cannibale. Liberatore, 1977.
Fonte: Cannibale magazine. Disponível em http://www.jahsonic.com/Cannibale.html, acessado em
18/1/2011.

Representações nos quadrinhos com uma mistura entre arte popular e erudita que envolva
um caráter grotesco, contudo, tende a possuir um caráter pontual, em casos como aquele
onde “Yellow Kid” é inserido em um museu e critica a noção de obra-de-arte (Figura 91),
onde temos também referências à commedia dell’arte e à noção carnavalesca de grotesco –
em termos de excesso, espontaneidade e chacota com a realeza (Figura 24).
Figura 91- “In the Louvre - The Yellow Kid Takes in the Masterpieces of Art”. Richard Outcault, 1897.

Fonte: The Yellow Kid 1897. Disponível em http://cartoons.osu.edu/yellowkid/1897/1897.htm, acessado


em 18/1/2011.

“Yellow Kid” traz de fato também uma referência às balbúrdias das festas populares, o que
se pode perceber também nas grandes concentrações de elementos e conflitos grotescos
veiculados na revista “Mad” e em certos trabalhos do underground, como aqueles de Clay
Wilson, Robert Willians e Victor Moscoso. Estes dois últimos são autores que também
contribuíram para aproximar os quadrinhos das artes plásticas e design.

A liberdade de expressão e a linguagem blasfematória aparentemente afins com “Yellow


Kid” ganharam de fato um espaço com os quadrinhos underground, sem os limites de um
compromisso estético e moral com a tradição.
A incorporação de uma linguagem popular ou dialetos e construções lingüísticas próprias
que caracterizaram determinadas tiras – como “Yellow Kid”, “Krazy Kat” e “Li’l Abner” –
fazem eco nas transposições realizadas por Rabelais.

Seguindo esta prática da transposição rabelaisiana, podemos perceber também a presença


de representações de uma violência das ruas nas hqs underground de Spain e Clay Wilson.
O primeiro assumiu um caráter político extremista (Figura 92).
Figura 92- “Trashman, Agent of the 6th International”. Spain Rodriguez, 1989.
Fonte: Rodriguez, Spain. Backwash, Algernon. “Trashman, Agent of the 6th International”. In: Zap
#11. São Francisco: Zap Comix, 1989.

Dos exemplos aqui enfocados, podemos perceber uma concentração na fantasia ou no


absurdo junto a um objeto de ataque que em geral está claro. Contudo, não existe um
princípio moral padrão e sim posturas éticas distintas que podem buscar tanto a defesa de
uma classe como de um povo, indo contra o sistema ou a favor do sistema, defendendo
valores tradicionais ou combatendo-o.
Critica-se aqui a própria beleza ou o direito de se possuir uma beleza. Critica-se os próprios
quadrinhos, questionando sua existência, questionando os seus conflitos, deformando
proporções de um universo pictórico que já apresenta certo desalinho gráfico inerente.
Assim, podemos pensar em uma hq grotesca como aquela onde se dispõe uma distorção e
um valor moral em extremos de um eixo que é articulado através do humor.

Apesar da relevância de certos quadrinhos veiculados na revista “Mad” com uma


autocrítica grotesca, as hqs já surgiram como proposta com forte tendência grotesca, que se
autonutri dentro desta perspectiva. Podem ser considerados como manifestação popular a
ser incorporada posteriormente a uma estética culta ou como estética não legitimada e
extravagante que se articula diretamente com uma arte hegemônica, porém sem nunca
perder algumas das características que os definem.

Contudo, este não é um objetivo e determinação gerais de quadrinistas e teóricos


relacionados aos quadrinhos. Jules Feiffer, por exemplo, prefere conceber os quadrinhos
como “arte do lixo” – estética do despreciosismo – talvez por ter se cansado de se valer de
discursos enobrecedores e enaltecedores para defender os quadrinhos ou por ter passado a
assumir os desenhos feitos às pressas como estética própria e característica – como aqueles
da época do surgimento dos gibis.

Neste momento do surgimento dos gibis, podemos contar com trabalhos como os de
Wolverton, que apontam para uma estética do grotesco em meio a esta “arte do lixo”,
ajudando a compor, desta forma, um panorama estético dos quadrinhos, juntando o tosco ao
monstruoso, se posicionando contra a pureza da forma e da proporção.

Conforme se deu com a cultura popular da Idade Média, os quadrinhos – principalmente os


gibis – durante muito tempo figuraram como filhos bastardos da cultura oficial, se
estabelecendo como práticas marginais da arte e literatura. Apesar disso, sua articulação
com uma estética hegemônica, em um processo de trocas contínuas, não pode ser negada.
Contudo, sua essência popular em algumas frentes permanece intocável com uma ênfase no
grotesco, se estabelecendo com uma postura combativa contra valores tradicionais de uma
elite que, seja na instituição ou na mídia que for, promove articulações visando seus
interesses.

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