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3º Curso Virtual de Teologia do Corpo – 2010 ____________________________________________________ 1

A Lei da Vida como Herança


Introdução químicos ou artificiais como moralmente válidos,
seguindo a tendência de outras denominações
1. Esse é o último ciclo de catequeses da Teologia cristãs evangélicas, que a partir de 1930, com a
do Corpo. Representa como que o fechamento, e Igreja Anglicana, quebraram uma unidade até
ao mesmo tempo o ápice de todo esse longo então existente sobre o tema dentro das diversas
processo de reflexão. Constitui-se de 21 igrejas cristãs.
catequeses proferidas nas audiências gerais entre
11 de julho e 28 de novembro de 1984. 5. Nesse contexto, o Papa Paulo VI reafirmou o
perene ensinamento da Igreja Católica de que a
2. No caminho até aqui percorrido, o Papa João contracepção deliberada não é moralmente
Paulo II desenvolveu uma ―antropologia correta. Observando os fatos históricos, vê-se que
adequada‖. Ele passou pela reflexão do esta Encíclica encontrou oposição mesmo dentro
―princípio‖ (Gênesis); depois, pelo ―homem de certa parte da Igreja, e ainda hoje muitas vezes
histórico‖ decaído pelo pecado, mas redimido por é desobedecida ou menosprezada. Na época, o
Cristo; e depois sobre o homem ―escatológico que próprio Papa Paulo VI pediu para que outros
viverá em comunhão com Deus na ―vida eterna‖. estudos fossem feitos no sentido de explicar
Por fim, a reflexão se dirigiu às vocações do melhor essa doutrina, que, como sempre, provou
celibato e do matrimônio. ser acertada, e inspirada pelo Espírito Santo.

3. O ciclo final da Teologia do Corpo está também 6. A esse apelo responde João Paulo II com a
diretamente ligado ao matrimônio, e se constitui Teologia do Corpo, que nos permite compreender
em uma reflexão e comentários sobre a Encíclica as razões profundas (antropológicas e teológicas)
―Humanae vitae‖: Esta Encíclica, segundo o Papa, da ilicitude moral da contracepção. O Cardeal
―responde à pergunta sobre o verdadeiro bem do Karol Woytila tinha sido um dos consultores na
ser humano como pessoa, enquanto homem e elaboração da Encíclica e já tinha escrito no início
mulher, acerca do que corresponde à dignidade da década de 60 um livro sobre este mesmo tema,
do homem e da mulhe, quando se trata do e que se tornou depois best seller: ―Amor e
importante problema da transmissão da vida na Responsabilidade‖. Este livro é tido pelos
convivência conjugal‖ (TdC 122). estudiosos como a ―semente inicial‖ da Teologia
do Corpo.
4. A Encíclica Humanae vitae (Sobre a Vida
Humana) foi publicada pelo Papa Paulo VI em 25
de julho de 1968.1 Na época, os anticoncepcionais
químicos tinham sido recentemente
disponibilizados no mercado farmacêutico, e a
chamada ―revolução sexual‖ já desafiava os
padrões e valores morais no campo cultural, social
e familiar. Existia uma certa ―pressão‖ para que a A partir de agora, o texto será constituído de transcrições de
trechos das catequeses do Papa João Paulo II.
Igreja Católica ―aceitasse‖ os anticoncepcionais

1
―Humanae Vitae‖ está disponível em português no
site do Vaticano:
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/
documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-
vitae_po.html

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10. As palavras acima citadas da Encíclica do


Um Problema Ético – A Norma Moral e a Papa Paulo VI dizem respeito ao momento na vida
Verdade da “Linguagem do Corpo” comum dos cônjuges em que ambos, unindo-se no
ato conjugal, se tornam, segundo a expressão
7. As reflexões, até agora desenvolvidas sobre o bíblica, "uma só carne" (Gen 2, 24). Precisamente
amor humano no plano divino, ficariam de algum neste momento tão rico e profundo de significado,
modo incompletas se não procurássemos ver nelas é também importante de modo particular que a
a aplicação concreta no âmbito da moral conjugal "linguagem do corpo" seja relida na verdade. Esta
e familiar. Queremos realizar este passo ulterior, leitura torna-se condição indispensável para agir
que nos levará à conclusão do nosso já longo na verdade, ou seja, para se comportar em
caminho, com base em um importante conformidade com o valor e a norma moral. (TdC
pronunciamento do Magistério recente: a 118)
Encíclica Humanae vitae (HV), que o Papa Paulo
VI publicou em julho de 1968. Iremos reler este 11. Deste modo, a "estrutura íntima" (ou seja,
significativo documento à luz das conclusões a natureza) do ato conjugal constitui a base
que chegamos quando examinamos o plano divino necessária para uma adequada leitura e
original e as palavras de Cristo, que a ele se descoberta dos significados, que devem transferir-
referem. (TdC 118) se para a consciência e para as decisões das
pessoas que agem, e também a base necessária
8. ―A Igreja ensina que qualquer ato matrimonial para estabelecer a adequada relação destes
deve permanecer [em si mesmo] aberto à significados, isto é, a sua inseparabilidade. Dado
transmissão da vida. Esta doutrina, muitas vezes que o "ato conjugal..." — ao mesmo tempo —
exposta pelo Magistério, está fundada sobre a "une profundamente os esposos", e, juntamente,
conexão inseparável que Deus quis e que o "os torna aptos para a geração de novas vidas", e
homem não pode alterar por sua iniciativa, entre tanto uma coisa como a outra acontecem "pela sua
os dois significados do ato conjugal: o estrutura íntima", daqui deriva que a pessoa
significado unitivo e o significado procriador.‖ humana (com a necessidade própria da razão, a
(HV 11-12) necessidade lógica) "deve" ler, de uma só vez e ao
mesmo tempo, os "dois significados do ato
conjugal" e também a "conexão inseparável entre
os dois significados do ato conjugal". Não se trata,
aqui, de outra coisa senão de ler na verdade a
"linguagem do corpo", como foi dito diversas
vezes nas precedentes análises bíblicas. A norma
moral, ensinada constantemente pela Igreja neste
âmbito, e recordada e reconfirmada por Paulo VI
na sua Encíclica, deriva da leitura da "linguagem
do corpo" na verdade. O que está em jogo, aqui, é
a verdade, primeiro na dimensão ontológica
("estrutura íntima") e, depois — como
conseqüência — na dimensão subjetiva e
psicológica ("significado"). O texto da Encíclica
salienta que, no caso em questão, estamos lidando
9. As considerações que me proponho fazer com uma norma da lei natural. (TdC 118)
referir-se-ão particularmente ao trecho da
Encíclica Humanae vitae que trata dos "dois
significados do ato conjugal" e da sua "conexão A Retidão da Norma e sua “Viabilidade”
inseparável". Não pretendo apresentar um
comentário à Encíclica inteira, mas, antes, 12. O Autor da Encíclica acentua que tal norma
explicar e aprofundar uma passagem. Sob o ponto pertence à "lei natural", quer dizer, que ela é
de vista da doutrina moral encerrada no citado conforme à razão como tal. A Igreja ensina esta
documento, essa passagem tem um significado norma, embora ela não seja expressa formalmente
central. Ao mesmo tempo, é um trecho que se (isto é, literalmente) na Sagrada Escritura; e ela o
relaciona intimamente com as nossas precedentes faz na convicção de que a interpretação dos
reflexões sobre o matrimônio na dimensão do preceitos da lei natural é da competência do
sinal (sacramental). (TdC 118) Magistério. Podemos, contudo, dizer mais.
Embora a norma moral, formulada deste modo na

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Encíclica Humanae vitae, não se encontre resposta proporcionalmente ponderada e


literalmente na Sagrada Escritura, não obstante o profunda. (TdC 120)
fato de que está contida na Tradição e — como
escreve o Papa Paulo VI — foi "muitas vezes 16. Paulo VI sempre teve em mente os seres
exposta pelo Magistério" (HV 12) aos fiéis, humanos concretos. A seguinte passagem, entre
resulta que esta norma corresponde ao conjunto outras, é uma expressão dessa preocupação
da doutrina revelada contida nas fontes bíblicas [pastoral]: ―A doutrina da Igreja sobre a
(ver HV 4). (...) Torna-se evidente que a regulação dos nascimentos, que promulga a lei
mencionada norma moral faz parte não só da lei divina, parecerá, aos olhos de muitos, de difícil,
moral natural, mas também da ordem moral ou mesmo de impossível atuação. Certamente que,
revelada por Deus (TdC 119) como todas as realidades grandiosas e benéficas,
ela exige um empenho sério e muitos esforços,
13. Parece ser inteiramente razoável procurar individuais, familiares e sociais. Mais ainda: ela
precisamente na "teologia do corpo" o fundamento não seria de fato viável sem o auxílio de Deus,
da verdade das normas que dizem respeito à que apóia e corrobora a boa vontade dos homens.
problemática tão fundamental do homem Mas, para quem refletir bem, não poderá deixar
enquanto "corpo": "Os dois serão uma só carne" de aparecer como evidente que tais esforços
(Gen 2, 24). (TdC 119) enobrecem o homem, e são benéficos para a
comunidade humana.(HV 20). (TdC 120)
14. A norma da lei natural, baseada neste ethos da
redenção do corpo, encontra não só uma nova 17. O contexto bíblico denominado "teologia do
expressão, mas também um mais pleno corpo" nos oferece, ainda que indiretamente, a
fundamento antropológico e ético quer na palavra confirmação da verdade da norma moral contida
do Evangelho, quer na ação purificadora e na Humanae vitae, e nos prepara para considerar
corroborante do Espírito Santo. (TdC 119) mais a fundo os aspectos práticos e pastorais do
problema no seu conjunto. (...) Quem julga que o
Concílio e a Encíclica não levam suficientemente
em conta as dificuldades presentes na vida
concreta não compreende a preocupação pastoral
que deu origem a esses Documentos. Preocupação
pastoral significa buscar o verdadeiro bem do
homem, a descoberta cada vez mais clara do
desígnio de Deus sobre o amor humano, na
certeza de que o único e verdadeiro bem da
pessoa humana consiste em colocar este plano
divino em ação. (TdC 120)

Paternidade Responsável

18. Paulo VI procura explicar o conceito de


Paternidade Responsável partindo dos seus vários
15. A Encíclica Humanae vitae quer ser, de fato, aspectos e excluindo previamente a sua redução a
uma resposta às questões do homem e mulher um dos aspectos "parciais", como fazem aqueles
contemporâneos. Há questões de caráter que falam exclusivamente de controle de
demográfico e, por conseguinte, de natureza natalidade. Desde o início, de fato, Paulo VI é
sócio-econômica e política, com relação com o guiado na sua argumentação por uma concepção
aumento da população no globo terrestre. São mais integral do homem (ver HV 7) e pelo amor
questões que vêm do campo das ciências conjugal (ver HV 8-9).
particulares e, ao mesmo tempo, são questões dos Pode-se falar de responsabilidade no exercício da
moralistas contemporâneos (teólogos da moral). função paterna e materna sob diversos aspectos.
São, antes de tudo, questões dos cônjuges, que já Assim, ele escreve: "em relação com os processos
se encontram no centro da atenção da biológicos, paternidade responsável significa
Constituição conciliar Gaudium et Spes, e que a conhecimento e respeito pelas suas funções: a
Encíclica retoma com toda a precisão desejável. inteligência descobre, no poder de dar a vida, leis
(...). A importância dessas questões pede uma biológicas que fazem parte da pessoa humana"
(HV 10). Quando, depois, se trata da dimensão

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psicológica das "tendências do instinto e das realização, ou também durante o desenvolvimento


paixões, a paternidade responsável significa o das suas conseqüências naturais, se proponha,
necessário domínio que a razão e a vontade devem como fim ou como meio, tornar impossível a
exercer sobre elas" (HV 10). procriação" (HV 14), por conseguinte, todos os
Considerando como dados os aspectos meios anticoncepcionais. Moralmente lícito, pelo
intrapessoais mencionados acima, e unindo a eles contrário, é "o recurso aos períodos inférteis"
"as condições econômicas e sociais", é preciso (HV 16). "Se, portanto, existem motivos sérios
reconhecer que "a paternidade responsável se para distanciar os nascimentos, que derivem ou
exerce tanto com a deliberação ponderada e das condições físicas ou psicológicas dos
generosa de fazer crescer uma família numerosa, cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja
como com a decisão, tomada por motivos graves e ensina que então é lícito ter em conta os ritmos
com respeito pela lei moral, de evitar naturais imanentes às funções geradoras, para usar
temporariamente, ou mesmo por tempo do matrimônio só nos períodos infecundos e, deste
indeterminado, um novo nascimento" (HV 10). modo, regular a natalidade, sem ofender os
Daqui, resulta que na concepção da "paternidade princípios morais..." (HV 16).
responsável" está contida a disposição não só de A Encíclica acentua, de modo particular, que
evitar "um novo nascimento", mas também de "entre os dois casos existe uma diferença
fazer crescer a família segundo os critérios da essencial", ou seja, uma diferença de natureza
prudência. (TdC 121) ética: "no primeiro [ou seja, ―uso dos períodos
inférteis‖], os cônjuges usufruem legitimamente
de uma disposição natural; enquanto que no
segundo [ou seja, ―uso de meios que diretamente
evitam a concepção‖], eles impedem o
desenvolvimento dos processos naturais" (HV 16).
(TdC 122)

21. O documento admite que, embora também


aqueles que fazem uso dos meios
anticoncepcionais possam ser inspirados por
"razões plausíveis", todavia isto não muda a
qualificação moral que se funda na estrutura
mesma do ato conjugal como tal. (...) Poder-se-ia
19. Os esposos cumprem, neste âmbito, "os observar, neste ponto, que os cônjuges que
próprios deveres para com Deus, para consigo recorrem à regulação natural da fertilidade,
próprios, para com a família e para com a poderiam não ter os motivos válidos, de que antes
sociedade, numa justa hierarquia de valores" (HV se falou. (TdC 122)
10). Não se pode, por conseguinte, falar aqui de
"procederem a seu próprio bel-prazer". Pelo
contrário, os esposos devem "conformar o seu agir A Verdade da “Linguagem do Corpo”
com a intenção criadora de Deus" (HV 10). (TdC
e o Mal da Contracepção
121)
22. Devemos deter-nos na interpretação do
20. Já dissemos precedentemente que o princípio
conteúdo da Encíclica. Para este fim, é preciso ver
da moral conjugal ensinado pela Igreja (Concílio
esse conteúdo, esse conjunto normativo-pastoral à
Vaticano II, Paulo VI), é o critério da fidelidade
luz da teologia do corpo, como ela emerge da
ao plano divino.
análise dos textos bíblicos. A teologia do corpo
Em conformidade com este princípio, a Encíclica
não é tanto uma teoria quanto, antes, uma
Humanae vitae distingue rigorosamente entre o
pedagogia do corpo específica, evangélica e cristã.
que constitui o método moralmente ilícito de
Isto deriva do caráter da Bíblia e, sobretudo, do
regulação dos nascimentos ou, com mais precisão,
Evangelho que, como mensagem salvífica, revela
de regulação da fertilidade, e o que constitui um
o que é o verdadeiro bem do homem, a fim de
método moralmente correto.
modelar —à medida deste bem— a vida sobre a
Em primeiro lugar, os seguintes são moralmente
terra na perspectiva da esperança na vida futura.
ilícitos: "a interrupção direta do processo
(TdC 122)
generativo já iniciado" ("aborto" – HV 14), a
"esterilização direta" e "toda a ação que, ou em
23. Qual é a essência da doutrina da Igreja acerca
previsão do ato conjugal, ou durante a sua
da transmissão da vida na comunidade conjugal,

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da doutrina que nos foi recordada pela O homem e a mulher conduzem na "linguagem do
Constituição pastoral do Concílio Gaudium et corpo" aquele diálogo que —segundo o Gênesis 2,
spes e pela Encíclica Humanae vitae do Papa 24-25 — teve início no dia da criação.
Paulo VI? Precisamente no nível dessa "linguagem do
O problema consiste em manter a adequada corpo" — que é algo mais do que a mera
relação entre o que é definido como "domínio... reatividade sexual, e que, como autêntica
das forças da natureza" (HV 2) e o "domínio de linguagem das pessoas, está subordinada às
si" (HV 21), que é indispensável à pessoa exigências da verdade, isto é, a normas morais
humana. O homem contemporâneo manifesta a objetivas — o homem e a mulher expressam
tendência de transferir os métodos próprios do reciprocamente a si mesmos no modo mais pleno
primeiro âmbito para os do segundo. "O homem e mais profundo que lhes é possível pela própria
fez progressos admiráveis no domínio e na dimensão somática de sua masculinidade e
organização racional das forças da natureza — feminilidade: o homem e a mulher expressam a si
lemos na Encíclica —, de tal maneira que tende mesmos na medida da verdade plena de suas
estender essa dominação ao seu próprio ser pessoas.
global: ao corpo, à vida psíquica, à vida social e
até mesmo às leis que regulam a transmissão da
vida" (HV 2).
Essa extensão da esfera dos meios de "domínio...
das forças da natureza", ameaça a pessoa humana,
para a qual o método do "auto-domínio" é e
permanece específico. Ele — o auto-domínio —,
de fato, corresponde à constituição fundamental
da pessoa: é um método perfeitamente "natural".
Pelo contrário, a transposição dos "meios
artificiais" quebra a dimensão constitutiva da
pessoa, priva o homem da subjetividade que lhe é
própria e torna-o um objeto de manipulação. 25. O homem é pessoa precisamente porque
O corpo humano não é apenas o campo de reações possui a si mesmo e tem domínio sobre si mesmo.
de caráter sexual, mas é, ao mesmo tempo, o meio De fato, na medida em que é senhor de si mesmo
de expressão do homem integral, da pessoa, que pode "dar-se" ao outro. E é esta dimensão — a
se revela a si mesma através da "linguagem do dimensão da liberdade do dom — que se torna
corpo". Esta "linguagem" tem um importante essencial e decisiva para a "linguagem do corpo",
significado interpessoal, de modo especial quando em que o homem e a mulher se exprimem
se trata das relações recíprocas entre o homem e a reciprocamente na união conjugal. Dado que essa
mulher. Além disso, as nossas análises união é uma comunhão de pessoas, a "linguagem
precedentes mostram que, neste caso, a do corpo" deve ser considerada segundo o critério
"linguagem do corpo" deve expressar, num da verdade. Esse é exatamente o critério que a
determinado nível, a verdade do sacramento. Encíclica Humanae vitae recorda, como
Participando no eterno Plano de Amor confirmam as passagens citadas antes.
("Sacramentum absconditum in Deo" – mistério Segundo o critério desta verdade, que deve
escondido em Deus), a "linguagem do corpo" exprimir-se na "linguagem do corpo", o ato
torna-se, de fato, diria, um "profetismo do corpo". conjugal "significa" não só o amor, mas também a
(TdC 123) fecundidade potencial e, portanto, não pode ser
privado do seu pleno e adequado significado
24. Como ministros de um sacramento que é mediante intervenções artificiais. No ato conjugal
constituído mediante o consentimento e não é lícito separar artificialmente o significado
aperfeiçoado pela união conjugal, o homem e a unitivo do significado procriador, porque ambos
mulher são chamados a expressar a misteriosa pertencem à verdade íntima do ato conjugal:
"linguagem" dos seus corpos em toda a verdade realizam-se juntamente um com o outro e, em
que lhe é própria. Por meio de gestos e reações, certo sentido, através um do outro. Isso é o que
por meio de todo o dinamismo reciprocamente ensina a Encíclica (ver HV 12). Por conseguinte,
condicionado da tensão e do prazer — cuja fonte em tal caso, quando o ato conjugal se encontra
direta é o corpo na sua masculinidade e destituído da sua verdade interior por estar
feminilidade, o corpo na sua ação e interação —, privado artificialmente da sua capacidade
através de tudo isto o homem, a pessoa, ―fala‖. procriadora, ele deixa também de ser um ato de
amor.

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Pode-se dizer que no caso de uma separação mais elevado. Requer um esforço contínuo, mas,
artificial destes dois significados, no ato conjugal graças à sua influência benéfica, marido e mulher
realiza-se uma real união corpórea, mas ela não desenvolvem plenamente suas personalidades,
corresponde à verdade interior nem à dignidade da enriquecendo-se de valores espirituais..." (HV 21).
comunhão pessoal: communio personarum. Tal (TdC 124)
comunhão demanda, de fato, que a "linguagem do
corpo" seja expressa reciprocamente na verdade 27. Ao nos prepararmos para empreender uma
integral do seu significado. Se faltar esta verdade, análise mais aprofundada deste problema,
não se pode falar nem da verdade do dom devemos ter em mente toda a doutrina sobre a
recíproco de si nem da aceitação recíproca de si pureza entendida como ―vida segundo o Espírito‖
pela pessoa. Tal violação da ordem interior da (ver Gal 5, 25), que já consideramos previamente
comunhão conjugal, uma comunhão que planta as [TdC 51-57], a fim de compreender, assim, as
suas raízes na própria ordem da pessoa, constitui o afirmações relevantes da Encíclica sobre o tema
mal essencial do ato contraceptivo. da "continência periódica". A doutrina permanece,
A interpretação acima referida da doutrina moral de fato, a verdadeira razão, nos termos da qual o
exposta na Encíclica Humanae vitae, situa-se no ensinamento de Paulo VI define a regulação da
vasto quadro das reflexões relativas à teologia do natalidade e a paternidade e maternidade
corpo. Especialmente válidas para esta responsável eticamente corretas.
interpretação são as reflexões sobre o tema do Embora o caráter ―periódico‖ da continência seja,
―sinal‖ em conexão com o matrimônio neste caso, aplicada aos chamados "ritmos
compreendido como sacramento. E a essência da naturais" (HV 16), todavia, a própria continência
violação que perturba a ordem interior do ato é uma atitude moral determinada e permanente, é
conjugal não pode ser compreendida de modo uma virtude, e, por isso, todo o modo de
teologicamente adequado sem a reflexão sobre o comportar-se, guiado por ela, adquire caráter
tópico da "concupiscência da carne". (TdC 123) virtuoso. A Encíclica salienta bastante claramente
que aqui não se trata só de uma determinada
"técnica", mas da ética, no sentido estrito do
Regulação Ética da Fertilidade termo, como moralidade de um certo
(O Primado da Virtude) comportamento. (TdC 124)

26. A Encíclica Humanae vitae, demonstrando o


mal moral da contracepção, ao mesmo tempo
aprova plenamente a regulação natural da
fertilidade e, neste sentido, aprova a paternidade
e a maternidade responsáveis. Aqui deve-se
refutar a aplicação do termo ―responsável‖, do
ponto de vista ético, à paternidade na uqal se faz
recurso à contracepção a fim de regular a
fertilidade. O verdadeiro conceito de "paternidade
e maternidade responsáveis" está ligado, antes, à
regulação da fertilidade que é honrável sob o
ponto de vista ético. 28. Desse ponto de vista, a redução à mera
Lemos a esse respeito: "A prática honorável de regularidade biológica, separada da "ordem da
regular a taxa de natalidade demanda natureza", isto é, do "plano do Criador", deforma
primeiramente e acima de tudo que marido e o autêntico pensamento da Encíclica Humanae
mulher adquiram e possuam sólidas convicções vitae (ver HV 14).
acerca dos verdadeiros valores da vida e da O documento certamente pressupõe aquela
família, e que se esforcem para adquirir um regularidade biológica; mais ainda, exorta as
perfeito auto-domínio. O domínio dos impulsos pessoas competentes a estudá-la e a aplicá-la de
através da razão e do livre-arbítrio, requer, modo ainda mais aprofundado, mas entende
indubitavelmente, uma ascese, de tal modo que as sempre tal regularidade como a expressão da
manifestações afetivas da vida conjugal sejam "ordem da natureza", isto é, do providencial
possam observar a ordem reta, em particular com Plano do Criador, na realização fiel daquilo que
relação à observância da continência periódica. consiste o verdadeiro bem da pessoa humana.
Mas, esta disciplina, própria da pureza dos (TdC 124)
esposos, longe de prejudicar o amor conjugal,
confere-lhe pelo contrário um valor humano bem

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integral das pessoas e ao mesmo tempo completa


Regulação Ética da Fertilidade: essa maturidade. (TdC 125)
Pessoa, Natureza e Método

29. Como ser racional e livre, o ser humano pode Delineando uma Espiritualidade Conjugal
reler o ritmo biológico e se deixar modelar a ele a – Os Poderes que Fluem da
fim de exercitar a ―maternidade e paternidade “Consagração” Sacramental
responsável‖. O conceito de uma regulação da
fertilidade moralmente correta nada mais é do que 31. “Os esposos cristãos, portanto, dóceis à sua
reler a ―linguagem do corpo‖ na verdade. voz, lembrem-se de que a sua vocação cristã,
O uso de ―períodos inférteis‖ na vida conjugal em iniciada com o Batismo, se especificou
comum pode se tornar uma fonte de abuso se o ulteriormente e se reforçou com o sacramento do
casal assim tentar fugir da procriação sem razões Matrimônio. Por ele os cônjuges são fortalecidos
justas, limitando a procriação a níveis inferiores e como que consagrados para o cumprimento fiel
ao nível moralmente justo de nascimentos em sua dos próprios deveres e para a atuação da própria
família. Este nível justo deve ser definido levando vocação para a perfeição e para o testemunho
em conta não apenas o bem da família e o estado cristão próprio deles, que têm de dar frente ao
de saúde e os meios dos esposos, mas também o mundo.(32) Foi a eles que o Senhor confiou a
bem da sociedade à qual pertencem, o bem da missão de tornarem visível aos homens a
Igreja, e mesmo o bem da humanidade como um santidade e a suavidade da lei que une o amor
todo. mútuo dos esposos com a sua cooperação com o
A Humanae vitae apresenta a ―paternidade amor de Deus, autor da vida humana.” (HV 25)
responsável‖ como uma expressão de alto valor
ético. De modo algum se limita unilateralmente
em limitar, ou mesmo excluir, os filhos; mas
significa também a disponibilidade em acolher um
número maior de filhos.
A Encíclica coloca a dimensão ética do problema
no primeiro plano, sublinhando o papel da virtude
da temperança, corretamente compreendida. Na
área dessa dimensão, há também um ―método‖
adequado de agir. No modo comum de pensar,
acontece muitas vezes que o ―método‖, separado
da dimensão ética que lhe é própria, é aplicado em
um modo meramente funcional ou mesmo
utilitário. Quando se separa o ―método natural‖ da 32. Mostrando o mal moral do ato contraceptivo, e
dimensão ética, não se pode mais ver a diferença delineando, ao mesmo tempo, tão completo
entre este e outros ―métodos‖ (meios artificiais), e quanto possível, um quadro da prática "honorável"
acaba se falando sobre ele como se fosse apenas da regulação da fertilidade, ou seja, da paternidade
outra forma de contracepção. (TdC 125) e da maternidade responsáveis, a Encíclica
Humanae vitae cria as premissas que permitem
30. No contexto da presente análise, devemos traçar as grandes linhas da espiritualidade cristã
voltar nossa atenção principalmente para o que a da vocação e da vida conjugal, e, de igual modo,
Encíclica diz a respeito do tópico do auto-domínio da espiritualidade dos pais e da família. (TdC
e da continência. Sem uma interpretação profunda 126)
desse tópico não atingiremos o coração da
verdade moral nem o coração da verdade 33. Decerto releria e interpretaria de modo errado
antropológica do problema. Dissemos a Encíclica Humanae vitae aquele que visse nela
anteriormente que as raízes desse problema apenas a redução da "paternidade e da
encontram-se na teologia do corpo: é essa teologia maternidade responsáveis" exclusivamente aos
que na verdade constitui o ―método‖ honorável de meros "ritmos biológicos de fecundidade". O
regulação de natalidade compreendido no sentido Autor da Encíclica desaprova e contesta com
mais profundo e completo. (...) Essa prática firmeza toda a forma de interpretação redutiva (e,
honorável, como se pode ver, não é apenas uma em tal sentido, "parcial"), e propõe com
―maneira de se comportar‖ em certo campo, mas insistência a compreensão integral. A paternidade-
uma atitude que constrói a maturidade moral maternidade responsável, entendida
integralmente, nada mais é que uma importante

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componente de toda a espiritualidade conjugal e Análise da Virtude da Continência


familiar, isto é, daquela vocação de que fala o
citado texto da Humanae vitae, quando afirma que 36. A força do amor — autêntica no sentido
os cônjuges devem realizar a "própria vocação teológico e ético — exprime-se no sentido que o
para a perfeição" (HV 25). É o sacramento do amor une corretamente "os dois significados do
Matrimônio que os fortalece e como que os ato conjugal", excluindo não só na teoria, mas
consagra para atingir tal perfeição. (TdC 126) sobretudo na prática, a "contradição" que poderia
verificar-se neste campo. Tal "contradição" é o
34. Esse é o ―poder‖ essencial e fundamental: o mais freqüente motivo de objeção à Encíclica
amor infundido no coração ("derramado nos Humanae vitae e ao ensinamento da Igreja. É
corações") pelo Espírito Santo. Em seguida, a necessária uma análise bem aprofundada, e não só
Encíclica indica que os cônjuges devem implorar teológica mas também antropológica (procuramos
tal "poder" essencial e todo o "auxílio divino" com fazê-la em toda a presente reflexão), para
a oração; que devem alcançar graça e amor da demonstrar que não se deve falar aqui de
fonte sempre viva da Eucaristia; que devem "contradição", mas apenas de "dificuldade". Pois
vencer "com perseverança humilde" as próprias bem, a Encíclica mesma salienta tal "dificuldade"
faltas e os próprios pecados no sacramento da em várias passagens.
Penitência. Estes são os meios — infalíveis e E esta dificuldade deriva do fato de que a força do
indispensáveis — para formar a espiritualidade amor é inserida no homem ameaçado pela
cristã da vida conjugal e familiar. Com sua ajuda, concupiscência: nos sujeitos humanos, o amor
aquele essencial e espiritualmente criativo luta contra a tríplice concupiscência (ver 1 Jo 2,
"poder" do amor chega aos corações humanos e, 16), e, em particular, com a concupiscência da
ao mesmo tempo, aos corpos humanos na sua carne, que deforma a verdade da "linguagem do
subjetiva masculinidade e feminilidade. Este corpo". E, portanto, também o amor não está em
amor, de fato, permite estabelecer toda a condições de se realizar na verdade da "linguagem
convivência dos cônjuges segundo a "verdade do do corpo", senão mediante o domínio sobre a
sinal", mediante a qual é construído o matrimônio concupiscência.
na sua dignidade sacramental, como revela o Se o elemento chave da espiritualidade dos
ponto central da Encíclica (HV 12). (TdC 126) cônjuges e dos pais — aquele ―poder‖ ou ―força‖
essencial que os cônjuges devem continuamente
receber da "consagração" sacramental — é o
amor, este amor, como esclarece o texto da
Encíclica (ver HV 20), está por sua natureza
ligado à castidade que, por sua vez, se manifesta
como auto-domínio ou continência: em particular,
como continência periódica. Na linguagem
bíblica, o Autor da Epístola aos Efésios parece
aludir a isso, quando, no seu "clássico" texto,
exorta os esposos a "sujeitarem-se uns aos outros
no temor de Cristo" (Ef 5, 21).
35. Se as forças da concupiscência tentam afastar Pode-se dizer que a Encíclica Humanae vitae
a "linguagem do corpo" da verdade, isto é, tentam constitui exatamente o desenvolvimento desta
falsificá-la, o poder do amor, pelo contrário, verdade bíblica sobre a espiritualidade cristã
fortalece-a sempre de novo naquela verdade, de conjugal e familiar. Todavia, para o tornar ainda
modo que o mistério da redenção do corpo pode mais evidente é necessária uma análise mais
frutificar nela. profunda da virtude da continência e do seu
O mesmo amor, que torna possível e faz com que particular significado para a verdade da mútua
o diálogo conjugal se realize segundo a verdade "linguagem do corpo" na convivência conjugal e
plena da vida dos esposos, é, ao mesmo tempo, um (indiretamente) na ampla esfera das recíprocas
poder, ou capacidade de caráter moral orientada relações entre o homem e a mulher. (TdC 127)
ativamente para a plenitude do bem e, por isto
mesmo, para todo o bem verdadeiro. E, portanto, a 37. A ―continência‖, que é parte da virtude mais
sua tarefa consiste em salvaguardar a unidade geral da temperança, consiste na habilidade de
inseparável dos "dois significados do ato dominar, controlar e orientar os impulsos sexuais
conjugal", de que trata a Encíclica. (TdC 127) (concupiscência da carne) e suas conseqüências na
subjetividade psicossomática dos seres humanos.

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Enquanto contante disposição da vontade, tal resistir à concupiscência da carne, ela


habilidade merece ser chamada de virtude. subseqüentemente se revela como uma singular
Sabemos, pelas precedentes análises, que a habilidade de perceber, amar e pôr em prática
concupiscência da carne, e o relativo "desejo" de aqueles significados da "linguagem do corpo"
caráter sexual por ela suscitado, se exprime com que permanecem inteiramente desconhecidos à
um específico estímulo na esfera da reatividade própria concupiscência e que progressivamente
somática e, além disso, com uma excitação psico- enriquecem o diálogo esponsal dos cônjuges,
emotiva do impulso sexual. purificando-o, aprofundando-o e, ao mesmo
O sujeito pessoal, para chegar a dominar tal tempo, simplificando-o.
estímulo e tal excitação, deve empenhar-se numa Por essa razão, a ascese da continência, de que
progressiva educação no autocontrole da vontade, fala a Encíclica (ver HV 21), não empobrece as
dos sentimentos, das emoções, que deve "manifestações afetivas", pelo contrário, torna-
desenvolver-se a partir dos gestos mais simples, as mais intensas espiritualmente, e, por
nos quais é relativamente fácil traduzir em ação a conseguinte, enriquece-as.
decisão interior. Quando analisamos a continência desse modo, na
Isto é muito importante para uma adequada dinâmica (antropológica, ética e teológica) própria
compreensão da virtude da continência e, em desta virtude, damo-nos conta que a aparente
particular, da chamada "continência periódica", de "contradição" – comumente apresentada como
que trata a Encíclica Humanae vitae. A convicção objeção à Encíclica Humanae vitae e à doutrina da
de que a virtude da continência "se opõe" à Igreja sobre a moral conjugal – desaparece. (TdC
concupiscência da carne é correta, mas não é 128)
totalmente completa. Não é completa, de modo
especial, quando consideramos o fato de que esta
virtude não aparece e não atua abstratamente e,
portanto, isoladamente, mas sempre em
conexão com as outras virtudes, por conseguinte
em conexão com a prudência, a justiça, a fortaleza
e, sobretudo, com o amor.
À luz destas considerações, é fácil compreender
que a continência não se limita a opor resistência
à concupiscência da carne, mas, mediante esta
resistência, abre-se igualmente àqueles valores,
mais profundos e mais maduros, que são parte do
significado esponsal do corpo na sua feminilidade
e masculinidade, como também à autêntica 38. De acordo com a experiência e a tradição, a
liberdade do dom na recíproca relação das Encíclica salienta que o ato conjugal é também
pessoas. Na medida em eu procura primeiramente uma "manifestação de afeto" (HV 16), mas uma
o prazer carnal e sensual, a concupiscência da "manifestação de afeto" particular, porque, ao
carne torna o homem, em certo sentido, cego e mesmo tempo tem um significado potencialmente
insensível aos valores mais profundos que brotam procriador. Por conseguinte, é orientado para
do amor e que, ao mesmo tempo, constituem o exprimir a união pessoal, mas não só esta união.
amor na verdade interior que lhe é própria. Ao mesmo tempo, a Encíclica, seja embora de
Deste modo, o caráter essencial da castidade modo indireto, indica muitas "manifestações de
conjugal também se torna claro no seu vínculo afeto" que são exclusivamente uma expressão da
orgânico com o "poder" do amor, que é infundido união pessoal dos cônjuges.
nos corações dos esposos juntamente com a A tarefa da castidade conjugal e, ainda mais
"consagração" do sacramento do matrimônio. precisamente, a da continência, não consiste só
Torna-se, além disso, evidente que o convite em proteger a importância e a dignidade do ato
dirigido aos cônjuges para que "se sujeitem uns conjugal em relação ao seu significado
aos outros no temor de Cristo" (Ef 5, 21), parece potencialmente procriador, mas também em
abrir o espaço interior no qual ambos se tornam salvaguardar a importância e a dignidade próprias
cada vez mais sensíveis aos valores mais do ato conjugal na medida em que ele expressa a
profundos e mais maduros, que estão relacionados união interpessoal, desvelando à consciência e à
com o significado esponsal do corpo e com a experiência dos cônjuges todas as outras possíveis
verdadeira liberdade do dom. "manifestações de afeto", que exprimam sua
Se a castidade conjugal (e a castidade em geral) comunhão profunda. (TdC 128)
se manifesta primeiro como habilidade de

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39. Pensa-se, freqüentemente, que a continência função poderia ser definida como "negativa". Mas
provoca tensões interiores, das quais o homem existe também outra função (que podemos chamar
deve libertar-se. À luz das análises feitas, a "positiva") do domínio de si: e é a habilidade de
continência, entendida integralmente, é, antes, orientar as respectivas reações, seja quanto ao seu
o único caminho para libertar o homem de tais conteúdo, seja quanto ao seu caráter.
tensões. A continência significa nada mais que o
esforço espiritual direcionado a expressar a
"linguagem do corpo" não só na verdade, mas
também na autêntica riqueza das "manifestações
de afeto". (TdC 129)

A Continência entre a
“Excitação” e a “Emoção”

40. É possível este esforço? Com outras palavras


(e sob outro aspecto) volta aqui a questão sobre a
"viabilidade da norma moral", recordada e
confirmada pela Humanae vitae. É uma das
questões mais essenciais (e, atualmente, também 42. A continência, como capacidade de dirigir a
uma das mais urgentes) no âmbito da "excitação" e a "emoção" na esfera influência
espiritualidade conjugal. (TdC 129) recíproca da masculinidade e da feminilidade, tem
a tarefa essencial de manter o equilíbrio entre a
41. Uma atenta análise da psicologia humana (que comunhão em que os cônjuges desejam exprimir
é, ao mesmo tempo, uma auto-análise subjetiva, e reciprocamente apenas a sua união íntima e a
em seguida se torna análise de um "objeto" comunhão em que (pelo menos implicitamente)
acessível à ciência humana), permite chegar a aceitam a paternidade responsável. De fato, a
algumas afirmações essenciais. De fato, nas "excitação" e a "emoção" podem determinar, por
relações interpessoais em que se expressa a parte do sujeito, a orientação e o caráter da
influência recíproca da masculinidade e da recíproca "linguagem do corpo".
feminilidade, o que é liberado no sujeito psico- A excitação procura, antes de tudo, exprimir-se na
emotivo, no "eu" humano, não é somente uma forma do prazer sensual e corpóreo, ou seja, tende
reação que pode ser qualificada como ―excitação‖, para o ato conjugal que (dependendo dos "ritmos
mas também outra reação que pode e deve ser naturais de fecundidade") traz consigo a
chamada "emoção". Embora estes dois tipos de possibilidade de procriação. Em contraste, a
reações apareçam juntos, é possível distingui-los emoção provocada por outro ser humano como
pela experiência, e "diferenciá-los" a respeito do pessoa, mesmo que no seu conteúdo emotivo seja
conteúdo, ou pelo seu "objeto". condicionada pela feminilidade ou pela
A diferença objetiva entre um tipo e outro de masculinidade do "outro", não tende de per si para
reações consiste no fato de que a excitação é, o ato conjugal, mas limita-se a outras
antes de tudo, "corpórea" e, neste sentido, "manifestações de afeto", nas quais o significado
"sexual"; a emoção, em contraste — embora esponsal do corpo se expressa, e que, todavia, não
suscitada pela recíproca reação da masculinidade incluem o seu significado (potencialmente)
e da feminilidade —, refere-se, sobretudo, à outra procriador.
pessoa entendida na sua "integralidade". Pode-se É fácil compreender quais as conseqüências que
dizer que esta é uma "emoção causada pela daqui derivam quanto ao problema da paternidade
pessoa", em relação à sua masculinidade ou e da maternidade responsáveis. Estas
feminilidade. conseqüências são de natureza moral. (TdC 129)
O que estamos dizendo aqui sobre a psicologia
das reações recíprocas da masculinidade e da 43. No ato conjugal, a união íntima deve trazer
feminilidade ajuda a compreender a função da consigo uma particular intensificação da emoção,
virtude da continência, da qual falamos antes. A e ainda mais, uma profunda ligação emocional
continência não é apenas — e nem sequer com a outra pessoa. Isso está contido também na
principalmente — a capacidade de "abster-se", Epístola aos Efésios, sob a forma de exortação,
isto é, o domínio das muitas reações que se dirigida aos cônjuges: "Sujeitai-vos uns aos outros
entrelaçam na influência recíproca da no temor de Cristo" (Ef 5, 21).
masculinidade e da feminilidade: esse tipo de

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A distinção entre "excitação" e "emoção" aspecto "puro" do significado esponsal do corpo.
salientada nesta análise, comprova apenas a Deste modo, a continência desenvolve a
riqueza reativo-emotiva subjetiva do "eu" comunhão pessoal do homem e da mulher, uma
humano; esta riqueza exclui qualquer redução comunhão que não pode se formar e de se
unilateral e faz com que a virtude da continência desenvolver na plena verdade das suas
possa ser praticada como capacidade de dirigir a possibilidades unicamente no terreno da
manifestação quer da excitação quer da emoção, concupiscência. Exatamente isto afirma a
suscitadas pela recíproca reatividade da Encíclica Humanae vitae. (TdC 130)
masculinidade e da feminilidade.
A virtude da continência, entendida deste modo,
tem uma função essencial para manter o equilíbrio O Dom da Reverência
interior entre os dois significados, o unitivo e o
procriador, do ato conjugal (ver HV 12), em vista 45. À luz da Encíclica Humanae vitae, o elemento
de uma paternidade e maternidade fundamental da espiritualidade conjugal é o amor
verdadeiramente responsáveis. (TdC 130) infundido no coração dos esposos como dom do
Espírito Santo (ver Rom 5, 5). Os esposos
recebem este dom no sacramento, com uma
particular "consagração". O amor está unido à
castidade conjugal, que, manifestando-se como
continência, realiza a ordem interior da
convivência conjugal.
Castidade significa viver na ordenação do
coração. Esta ordem permite o desenvolvimento
das "manifestações afetivas" na proporção e no
significado que lhes são próprios. Deste modo, é
confirmada também a castidade conjugal como
"vida no Espírito" (ver Gal 5, 25), segundo a
44. O correto modo de entender e praticar a expressão de São Paulo. O Apóstolo tinha em
continência periódica como virtude (ou seja, mente não só as energias interiores do espírito
segundo a Humanae vitae, n. 21, o "auto- humano, mas, sobretudo, a influência santificante
domínio") também é essencialmente decisivo para do Espírito Santo e de seus dons particulares.
a "naturalidade" do método, denominado também No centro da espiritualidade conjugal, está, pois,
ele "método natural": esta é "naturalidade" a nível a castidade, não só como virtude moral (formada
da pessoa. Não se pode, portanto, pensar numa pelo amor), mas igualmente como virtude ligada
aplicação mecânica das leis biológicas. Por si aos dons do Espírito Santo — antes de tudo, com
mesmo, o conhecimento dos "ritmos de o dom da reverência peloque vem de Deus—
fecundidade" — embora indispensável — não cria ("donum pietatis"). Este dom está no pensamento
ainda aquela liberdade interior do dom, que é do Autor da Epístola aos Efésios, quando exorta
explicitamente espiritual em sua natureza, e os cônjuges a "sujeitarem-se uns aos outros no
depende da maturidade do homem interior. Essa temor de Cristo" (Ef 5, 21). Assim, por
liberdade pressupõe que a pessoa seja capaz de conseguinte, a ordem interior da convivência
direcionar as reações sensuais e emotivas de modo conjugal, que permite às "manifestações afetivas"
a permitir o ―dom‖ de si para o outro ―eu‖ com desenvolverem-se segundo a sua justa proporção e
base na posse amadurecida do próprio "eu" na sua significado, é fruto não só da virtude em que os
subjetividade corpórea e emotiva. cônjuges se exercitam, mas também dos dons do
Como sabemos, pelas análises bíblicas e Espírito Santo com os quais colaboram. (TdC
teológicas feitas anteriormente, o corpo humano, 131)
na sua masculinidade e feminilidade, é
interiormente ordenado para a comunhão das 46. Aqueles "dois", que — segundo a expressão
pessoas (communio personarum). Nisto consiste o mais antiga da Bíblia — "serão uma só carne"
seu significado esponsal. (Gen 2, 24), não podem realizar tal união no nível
Precisamente o significado esponsal do corpo foi próprio das pessoas (communio personarum),
deformado, quase em suas próprias bases, pela senão mediante as forças provenientes do espírito
concupiscência (em particular, pela e, precisamente, do Espírito Santo que purifica,
concupiscência da carne, no âmbito da "tríplice vivifica, fortalece e aperfeiçoa as forças do
concupiscência"). A virtude da continência na, sua espírito humano. "O Espírito é que dá a vida, a
forma amadurecida, revela gradualmente o carne não serve para nada" (Jo 6, 63). (TdC 131)

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50. A Encíclica Humanae vitae permite-nos
47. A reverência dos dois significados do ato delinear uma espiritualidade conjugal. Este é o
conjugal só pode desenvolver-se plenamente com clima humano e sobrenatural em que — tendo em
base numa profunda orientação à dignidade conta a ordem "biológica" e, ao mesmo tempo,
pessoal daquilo que na pessoa humana é com base na castidade sustentada pelo donum
intrínseco à masculinidade e à feminilidade, e pietatis— se forma a harmonia interior do
inseparavelmente em referência à dignidade matrimônio, com respeito ao que a que a Encíclica
pessoal da nova vida, que pode nascer da união chama de "duplo significado do ato conjugal" (HV
conjugal do homem e da mulher. O dom da 12). Esta harmonia significa que os cônjuges
reverência pelo que é criado por Deus exprime-se, convivem juntos na verdade interior da
precisamente, em tal orientação. (TdC 131) "linguagem do corpo". A Encíclica Humanae
vitae proclama a inseparabilidade da conexão
48. Toda a prática da honorável regulação da entre esta "verdade" e o amor. (TdC 132)
fertilidade, tão estreitamente unida à paternidade e
à maternidade responsáveis, é parte da
espiritualidade conjugal e familiar cristã; e só __________________________________
vivendo "segundo o Espírito" se torna
interiormente verdadeira e autêntica. (TdC 131) Perguntas para aprofundamento

1. O que você entende do ensinamento da Igreja


Conclusão na área do amor matrimonial e da abertura à
vida? Os filhos são a única expressão da
49. A paternidade e a maternidade responsáveis “fecundidade” do matrimônio? O casal deve
implicam a apreciação espiritual —conforme a estar sempre aberto a receber os filhos?
verdade — do ato conjugal na consciência e na
vontade de ambos os cônjuges, que nesta 2. A maioria das pessoas olha para a
"manifestação de afeto", depois de terem contracepção como simples meio de não
considerado as circunstâncias interiores e engravidar. Quais são algumas das
exteriores, em particular as biológicas, exprimem conseqüências não-intencionais da contracepção
a sua madura disponibilidade para a paternidade e para a sociedade e para o matrimônio?
a maternidade.
A reverência pela obra de Deus contribui para 3. Como a abstenção das relações no período
fazer com que o ato conjugal não seja fértil (“Método Natural”) difere moralmente do
desvalorizado nem privado da interioridade no uso de contraceptivos?
conjunto da convivência conjugal — que não se
torne "rotina"— e que nele se exprima uma 4. Muitos insistem que a Igreja não deveria “se
adequada plenitude de conteúdos pessoais e meter na minha vida privada” e que deveria “se
éticos, e também de conteúdos religiosos, isto é, a atualizar aos tempos modernos”. Quais as raízes
veneração à majestade do Criador, único e último destes sentimentos, e como a Teologia do Corpo
depositário da fonte da vida, e ao amor esponsal nos ajuda a ir até aqueles que se sentem dessa
do Redentor. Tudo isto cria e alarga, por assim maneira com relação à Igreja?
dizer, o espaço interior da mútua liberdade do
dom, em que se manifesta plenamente o 5. Cristo veio não para condenar, mas para
significado esponsal da masculinidade e da salvar (ver Jo 3, 17). Como, então, o ensinamento
feminilidade. da Igreja sobre a moral sexual pode ser visto
O obstáculo a esta liberdade é apresentado pela como uma mensagem de salvação?
constrição interior da concupiscência, dirigida
(Sugere-se enviar as respostas para daniel@teologiadocorpo.com.br)
para o outro "eu" como objeto de prazer. A ____________________________________________
reverência por aquilo que Deus criou liberta desta
constrição, liberta de tudo o que reduz o outro © Texto elaborado pela equipe Teologia do Corpo - Brasil
"eu" a mero objeto: fortalece a liberdade interior exclusivamente para fins didáticos, contendo trechos das
do dom. catequeses do Papa. As citações das catequeses TdC seguem
a numeração de Michael Waldstein (ver quadro de referência
Isto só se pode realizar mediante uma profunda em separado) As citações bíblicas são da tradução da CNBB.
compreensão da dignidade pessoal, quer do "eu"
feminino, quer do masculino, na recíproca
convivência de uma vida compartilhada.

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