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Rafael D. Oliveira
com avidez.
John Bright1
John Brigh, entretanto, não fala dos operários, de maneira generalizada. Em sua
específico: a mulher. Este pequeno texto pretende lançar mão de breves reflexões sobre
antecedem as revoluções de 1848. Dessa forma, localizamos nossa análise nas questões
1
apud HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p.
287.
2
Maneira pela qual Hobsbawm caracteriza os processos desencadeados pela Revolução Industrial
Inglesa e a Revolução Francesa, que segundo ele são responsáveis por gestar as especificidades políticas,
econômicas e sociais do séc. XIX.
1
Debruçaremo-nos sobre os escritos de Jules Michelet, mais precisamente em um
trecho da introdução de sua obra “A Mulher” intitulado A Operária, e que oferece uma
preocupam com as questões políticas, estão habituados. Michelet (1798-1874) faz parte
grande palco onde Michelet travava seus debates, muitas vezes considerados pelos seus
sucessores como altamente controversos. Não é nossa intenção realizar uma análise
apurada da obra de Michelet, mas como necessidade de situar nossas discussões em sua
obra, cabe destacar o fato de Michelet ser considerado um dos memorialistas da História
de França, e durante algum tempo, um ícone da História de seu povo. A obra que
naturalismos. ….
que suas últimas obras estavam abandonando o campo da História e estavam mais
publicação da obra que precede A Mulher, intitulada O Amor. A relação entre os dois
livros é evidente: em O Amor, Michelet demonstra que as mulheres não ficaram alheias
3
MOREAU, Thérèse. “A Bela é a fera”. Prefácio. In MICHELET, Jules. A Mulher. São Paulo: Martins
Fontes, 1995, p. XVII
2
à batalha política; muitas delas haviam participado dos acontecimentos de 1848. O
historiador tece suas reflexões analisando a ideia que move o “homem de sociedade”,
remédio para os males sociais, sobretudo para o fracasso de 1848. Como possibilidade
de oferecer sentido prático às suas teses, Michelet apresenta A Mulher como uma
Fica bem claro ao leitor de A Mulher, que sua obra se transmuta em uma
meditação sobre a educação das mulheres e sobre a necessidade de uma literatura para o
povo. Daí a escolha de um trecho deste seu livro para se pensar a mulher operária no
século XIX. Mais do que isso, perceber a construção de um discurso que não enxerga
sua realidade. O autor da caracterização da palavra operária como uma palavra “ímpia”
e “sórdida”4 é pessimista ao idealizar o futuro feito por mulheres que trabalham nas
fábricas como o futuro de um mundo desprovido de qualquer coisa que seja boa. Não é
que a mulher deva ficar ociosa. Ela pode, ao contrário, trabalhar muito, “mas variando a
atitude, como faz em sua casa, indo e vindo. Cumpre que tenha uma casa. Cumpre que
da mulher do núcleo familiar e sua inserção no mundo industrial. Sua resposta não
ultrapassa aquela que concentra suas atenções na lógica do capitalismo, qual seja aquela
da ambição:
4
A Mulher, p. 14
5
A Mulher, p. 23
3
Quando os fabricantes ingleses, imensamente enriquecidos pelas máquinas
estamos ganhando o suficiente!”, e ele deu uma resposta pavorosa que pesa
contra a sua memória: “pegai as crianças.” Quão mais culpáveis ainda são
Para Michelet, foi a ambição de enriquecer que fez com que os patrões
A máquina, criada para render o máximo, acabou por tirar a mulher de dentro de
casa, incorporando-a ao seio da classe operária. Como diz Marx em O Capital (Vol.1),
capitalista da maquinaria.7
classe trabalhadora. A chegada da mulher causa uma baixa salarial gigantesca, já que
6
A Mulher, p. 14
7
Marx, O Capital, Vol. 1, cap. 13.
4
exploração, é também explorada. E como fruto deste processo, pode-se perceber a
comportamento social”:
humilhação.8
diferença é que o historiador do XIX encarava o fato como uma necessidade imposta à
mulher. Hosbawm enxerga isso como “fuga”. Seja qual for a mais próxima da
necessária para suprir o vazio que nela deixava. Nas famílias trabalhadoras, esse vazio
era concreto e dramático: quem se encarregria das tarefas domésticas? Quem tomaria
conta das crianças pequenas? Quem, ora, faria o papel de mãe? Ao homem do séc. XIX
essas eram questões que se colocavam, e que estão também presentes em Michelet. A
mulher é pura graça, é pura alegria, e dentre muitas funções, a principal é exercer o
papel de mãe, mãe daquele que será antes de seu filho, o futuro “homem da sociedade”.
8
HOBSBAWM, ibidem, p. 284-285.
5
Ela é produtora de homens, do Homem, aquele a quem tudo deve convergir. O filho-
alicerdada. Por isso “a mãe ensina ao filho apenas o que o filho deve ter-lhe ensinado
primeiro”.9
estes dois seres devem ir para a fábrica. Observemos o caso inglês, segundo Thompson.
O trabalho infantil não era algo novo para o industrialismo. Entretanto ele é
reconfigurado após o crescimento das indústrias. Estas, porém, irão repetir a prática de
as piores feições do sistema doméstico”10. Assim, eram nas atividades têxteis que as
crianças viviam sua infância. Fiar e costurar, inclusive, eram atividades que foram
costurar. Para Michelet, as meninas deveriam ser educadas para tornarem-se fiandeiras e
costureiras: eis a boa moça, e futuramente a boa esposa. Entretanto, agora que deixava
estava fadada a tornar-se um ser falido, com a saúde debilitada, dona de abortos. Como
como o “domingo do homem”, isto é, sua propriedade e, portanto, seu momento de fuga
deve estar em casa, cuidando de seu corpo e de sua saúde, que para ele, é frágil por
9
A Mulher, p. 63
10
THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa II. São Paulo: Paz e Terra, 1988, p. 207
6
natureza “graças” à dádiva da menstruação. Em contrapartida, a realidade econômica,
como foi exposto através de Marx e dos historiadores Hobsbawm e Thompson, impele a
realidade, e utiliza sua obra como um veículo de transformação das mentalidades de sua
Seja como for, fica claro que Michelet como um importante historiador do seu
tempo, é também responsável por certa visão discriminatória da mulher como operária,
contribuição que um estudo sobre este assunto pode ter para uma reformulação do
século XIX como matriz de análise, qual seja uma reformulação que ofereça espaços de
atuação para outros personagens políticos, que até então, estavam à margem da História.
7
Fonte analisada:
MICHELET, Jules. “A Operária” In _______. A Mulher. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 14-25.
Referências Bibliográficas
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977
THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa II. São Paulo: Paz e Terra, 1988