You are on page 1of 6

(Un)Reality Shows (2009)

por: Leandro Villela de Azevedo


Doutor em História Social (USP) – Professor de História e Atualidades no Ensino
Fundamental e Médio em São Paulo

Por Leandro Villela de Azevedo

Não é difícil perceber o sucesso dos Reality Shows mundo a fora. O Big Brother
Brasil, por exemplo, além de bater recordes de IBOPE na TV, também parece
ter conquistado cada palmo livre deste país, seja um boteco da esquina, seja
uma mesa de reuniões de uma multinacional, seja uma mesa na sala dos
professores. Para escrever o presente artigo acessei um site de vídeos chamado
youtube (www.youtube.com.br) e procurei o último vídeo postado do chamado
BBB, percebi que ele tinha sido postado há 1 hora e meia e tinha 57.450
visualizações. Na verdade aprofundando a pesquisa vi que o tema BBB tinha
tido neste vídeo a maior visualização do dia, outro vídeo semelhante a maior
visualização da semana, com 2.842.480 visualizações. Isso mesmo, quase três
milhões de visualizações em uma semana, e vale lembrar que o youtube tem
um sistema que dificulta a contagem dobrada de visualizações de uma mesma
pessoa vê o mesmo vídeo repetidas vezes. Ao mesmo tempo, na categoria
educação, excetuando-se os vídeos postados em categoria errada (como final
do campeonato de futebol) o mais visto do mês tinha 636 visualizações e trava-
se de uma receita de ovo de páscoa (e notemos que estamos há 3 semanas
desta).

Na última final do BBB mais de 29 milhões de ligações foram efetuadas para


contabilizar os votos, de modo que somente em ligações, tirando contratos com
payperview, propagandas, etc, os produtores lucraram mais de 8 milhões, mais
do que o prêmio dado ao primeiro colocado. Que poder mágico será que os
reality shows exercem sobre as pessoas? A moda, no Brasil, começou em 2002,
com o SBT criando o Casa dos Artistas, juntando vários artistas que andavam
meio sumidos da mídia, com o objetivo de apenas “viverem suas vidas normais”
durante alguns meses, a emissora conseguiu Record de audiência, incentivando
outras redes de televisão a trazer o mesmo formato de programa ao Brasil, que
já era sucesso em países da Europa e nos Estados Unidos.

Temos diversas versões, da SuperNany, que mostra como famílias normais


lidam com as dificuldades de educação dos filhos, o Grande Perdedor, onde o
dia a dia de pessoas que querem emagrecer é mostrado, O Aprendiz em que
pessoas disputam uma vaga executiva em uma empresa, e hoje em dia até
mesmo pode-se entrar em uma banda de sucesso, virar modelo, inventor, ou
dezenas de outras “profissões” entrando em um reality show.

O pretenso sucesso de tais programas seria que pela primeira vez a vida de
pessoas normais estaria sendo levada às telas, que até então estavam
acostumadas com roteiros pré-determinados e mostrando a vida de grande
heróis, astros de música ou do esporte, épocas passadas ou de um futuro
distante de ficção científica. E agora, o “Show da Realidade” mostraria o dia a
dia de uma pessoa comum, e por essa identificação pessoal, os programas se
popularizariam.

Mas que realidade é essa?

Vamos analisar primeiramente a atual versão do BBB (a oitava)

- Idade da Pessoa mais nova 21 anos, da pessoa mais velha 31 – Qual o motivo
de uma faixa específica de 10 anos de distância? Por que motivo a idade
mínima 21? Por que motivo a idade máxima 31?
- Vamos analisar as profissões dos participantes? Modelo – 4 / Produtora de
Moda / Gerente de Contas / Estudante - 4 / Psiquiatra / Professora / Atriz –
Será que 30% dos brasileiros são modelo? Será que nessa faixa etária em
nosso país realmente estão todos estudando ou formados em alguma
faculdade? De que forma essa seleção poderia ser chamada de Show da
Realidade?

- Vamos analisar o passado declarado dos participantes? Uma já participou de


um Big Brother na França, duas já participaram de novelas de Globo. Será que
isso indica alguma coisa?

- Vamos analisar a questão étnica? – 13 Brancos – 1 Negro . Realmente isso


deve demonstrar claramente nossa população. Ah sim, o já foi eliminado.

- Vamos analisar mais a fundo? Pois ainda poderíamos dizer que na verdade a
Globo fez uma seleção específica para “aumentar o IBOPE” mas ainda assim
que o nome Show da Realidade poderia ser ainda mantido pois cada um age de
acordo com sua vontade. Entretanto, e quanto às propagandas? Uma empresa
de celular entrega um aparelho que tira fotos e com isso deixa os participantes
extasiados. Realmente deve ser muito raro um celular destes para tais
participantes da classe mais humilde, como já verificamos acima, não é
mesmo? E como se não bastasse isso por horas a fio tudo o que se fala é sobre
o tal celular, a definição de sua imagem, a facilidade de o utilizar, e a
“animação” realmente envolve todos os participantes de forma mágica. Ah,
tudo o que eu precisava para ser feliz como essas pessoas comuns de um
mundo real é ter um celular destes, não é mesmo?

Tudo isso era apenas introdução ao texto verdadeiro. Onde está a questão da
verdade no mundo de hoje? As pessoas estão acostumadas a verem todas as
informações, e toneladas delas, sem processar absolutamente nada.
Simplesmente aceitam tudo o que lhes é falado, especialmente se vier de um
jornal, especialmente de uma emissora respeitada, especialmente de um
apresentador respeitado. Não importa o quão ridícula a mensagem possa
parecer, a tendência é que ela seja engolida por muitos. Enquanto alguns sites
se dedicam a buscar trechos secretos de filmes atrás de uma pretensa
mensagem subliminar, as mensagem clara e aparente não é percebida. Um
antigo pensador já havia definido isso como “filtram um cisco mas deixam
passar um camelo”

A mídia em geral cria demônios e os caça, cria ídolos e os idolatra. Pessoas


podem seguir com sua consciência tranqüila que contribuíram para salvar o
planeta contra o aquecimento global simplesmente porque reutilizaram o
copinho de plástico. A mídia fala de riqueza, promete riqueza, seja através de
técnicas pretensamente científicas, como mentalizar uma montanha de ouro
para ficar rico ou imaginar-se dirigindo um carro para o receber, até entregar
todas as suas posses nas mãos de um líder religioso na esperança de Deus
restituir tudo com juros e correção monetária muito acima da poupança.

Será que tudo isso é exagero? Digamos, qual a porcentagem de suas ações
diárias são influenciadas pelas pessoas à sua volta, seja um grupo de amigos,
família ou televisão? E qual a porcentagem das atitudes que você toma por
escolha própria e consciente? Você se acha independente? Mas diga, a começar
pela própria língua que você fala, ela não é produto da cultura social? E mesmo
o fato de você usar roupas, lembre-se, há povos que não usam roupas, povos
onde homens usam uma espécie de saia.

Será que você realmente escolheu seu time de futebol, ou “sempre” gostou de
determinado time por influencia da família ou de amigos? E se você escolheu
seu time, diga, por que motivo será que a escolha foi de um time de futebol e
não de um lutador de sumo para se torcer? E ainda assim, de onde será que
surgiu a idéia de que se deveria torcer por alguma pessoa ou time em uma
competição esportiva?

Mas se as suas atitudes realmente sofrem influência, então por que motivo há
diversidade? Por que motivo dentro de uma sociedade de pessoas que gostam
de café há um que resolve inventar o leite achocolatado? De onde é que surge
o novo, uma idéia completamente nova e que passará a influenciar as outras
pessoas?

Qual será a diferença entre simplesmente copiar, reproduzir um padrão e


compreendê-lo criticamente e fazer uma escolha? Será que se alguém lhe
oferece a escola entre a opção A e a B, mas não lhe diz o que elas são, será
que você é realmente livre para escolher? Ou será que só podemos escolher
baseado em um julgamento após termos informações sobre a escolha?

Será que todos esses questionamentos são apenas perguntas que mostram
conflitos de gerações? Será que apenas os velhos estão se negando a aceitar o
pensamento dos novos, mas que essa mudança é sempre normal? Quando
inventaram a televisão isso escandalizou muita gente, quando inventaram o
rock também. Até hoje há grupos que não aceitam que mulheres usem calça,
por considerar isso roupa de homem, outros nem mesmo permitem que elas
cortem o cabelo ou saiam de casa sem véu. Será que a preocupação
apresentada acima é apenas um reflexo de uma pessoa indisposta a aceitar a
mudança natural de uma sociedade?

Então, deixo-te aqui, leitor, com algo que parece incomum nos dias de hoje,
uma situação de resposta não pronta. Onde não há apenas a necessidade de
ligar para escolher entre uma e outra opção, mas onde você é totalmente livre
para refletir e dar a sua opinião.
E apenas para terminar. No primeiro ano que comecei a dar aula de filosofia
tinha uma aluna com dificuldades sérias de aprendizado, tentando lhe ensinar
como era possível escrever um texto sem que eu o ditasse, bastava que ela
pensasse e escolhesse palavras que ela conhecesse, esta virou para mim e
disse: Professor, sua aula parece o Big Brother. Sem entender o motivo lhe
questionei. E ela respondeu. É que quando passa o Big Brother minha mãe
senta comigo e pensamos juntos em quem vamos votar para ser eliminado, dá
muito trabalho pensar pois temos de ver o que gostamos e o que não gostamos
nos dois, e só depois é que vamos votar.

Espantado com a resposta, por nunca imaginar que o Big Brother poderia
auxiliar alguém a entender o significado de reflexão, e ainda mais triste do que
espantado, por descobrir que aquele momento era a única situação onde mãe e
filha sentavam e conversavam ponderando sobre uma decisão. E foi assim que
terminei meu primeiro dia de aula de filosofia, pensando no Big Brother.

You might also like