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Ricardo G. Borrmann
*
Bacharel em ciências sociais pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e mestre em ciência política pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
Introdução
O
presente trabalho pretende ser uma breve análise da con-
tribuição teórica do historiador alemão Reinhart Koselleck
(1923-2006). Daremos ênfase especial aos desdobramen-
tos metodológicos gerais em suas inter-relações com o período his-
tórico analisado.
A partir da ideia de “futuro passado”, Koselleck formula uma
análise das expectativas de futuro e dos diversos tempos históricos,
distante de qualquer marco analítico de uma teoria da história maior
do que ela própria, ou seja, fora dela mesma. Sua noção de futuro
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1 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janei-
ro: Contraponto/PUC-Rio, 2006, p. 23.
2 IDEM, p. 16.
3 BRAUDEL, Fernand. “A Longa duração”. In: História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença,
1990, p. 15.
4 O termo “gregoriano” possui, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, dois
significados: 1.) “relativo ao santo e papa Gregório I (c540-604), reformador do papado e da
liturgia da Igreja católica e arquiteto da sociedade cristã medieval, a quem se deve haver coligido
o repertório do cantochão”. 2.) “relativo ao papa Gregório XIII (regn. 1572-1585) e à reforma do
calendário por ele realizada”. Quando utilizamos o adjetivo gregoriano ao referir-nos ao tempo,
fazemos menção à segunda acepção, relacionada ao papa Gregório XIII, contudo, é interessante
frisar a pregnância das conotações cristãs no adjetivo citado, ambos referidos a papas de funda-
mental importância para a Igreja católica romana. O primeiro conhecido como “arquiteto da
sociedade cristã medieval” e o segundo (Gregório XIII), responsável pelo calendário vigente
atualmente pelo globo todo, bem como, ao lado de Paulo II, Júlio III, Paulo IV, Pio V e Sisto V,
um dos grandes orientadores da contra-reforma.
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5 MARX, Karl. “O método da Economia Política”. In: Contribuição à crítica da Economia Política. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 254.
6 IDEM.
7 KOSELLECK, op. cit., p. 24.
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16 IDEM, ibidem.
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20 JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996.
A referência ao texto de Jameson foi encontrada no capítulo “Individualismo fóbico” do texto de
Gisálio Cerqueira Filho Autoritarismo afetivo (In: Autoritarismo afetivo – a Prússia como sentimento.
São Paulo: Escuta, 2005, pp. 99-116).
21 KOSELLECK. Op. cit., p. 37.
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22 Do grego tópos, lugar. O Dicionário Houaiss da língua portuguesa também define como “motivo ou
tema tradicional; lugar-comum retórico; convenção ou fórmula literária.”
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26 IDEM, ibidem.
27 A ideia de uma “obsessão pela autonomia” foi retirada do texto de Gisálio Cerqueira Filho
“Euclides Cunha e a psicopatologia: um indício para abdução” (In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, v. 11, nº 3, setembro 2008. São Paulo: Escuta, 2008, pp. 380-391.).
28 KOSELLECK. Op. cit., p. 37.
Conclusão
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do’ e no caso dos racionalistas via razão, cujo fiador das ‘ideias
claras e distintas’ é Deus.30
Fechamos o círculo. O topos, lugar da história como mestra da
vida, fonte de exemplos e sabedoria é esvaziado, revelando uma
porta de entrada para a compreensão da gênese do Iluminismo
burguês. A essa história autônoma, possuidora de uma ordem pró-
pria se associa um tempo também específico, o do progresso. Essa
autonomia da história, dotada de um tempo próprio e uma ordem
interna, reclama para si a noção de uma essência (da história) e traz,
consequentemente, o ideal de perfeição. A onipotência divina é
reintroduzida pela via da autonomia da história, ainda que esta se
considere separada das intervenções da Igreja e do Estado.
A crítica que fazemos está focada na ideia de ‘essência’ ou ‘natu-
reza’, seja em qual esfera for (do homem, da História, da política).
Essa crítica se revela tanto no âmbito metodológico quanto no pe-
ríodo analisado – o Iluminismo. Na metodologia reconstruímos
de forma bastante sucinta o percurso magistralmente seguido por
Koselleck na sua história dos conceitos, que vai de encontro à pers-
pectiva de longa duração sugerida por Marx e desenvolvida pela
Escola dos Annales. No âmbito temático, buscamos compreender a
forma como o Iluminismo se (re)apropria da noção de essência na
esteira dessa incessante busca por autonomia. Autonomia esta que
pressupõe um ideal de ordem. Por mais que não se apresente como
perfeita, pressupõe a perfeição a imanência de uma forma superior
de ordem. Tais características remetem, na nossa visão, inevitavel-
mente, a um ideal divino.
Koselleck desenvolve a tese de que a maneira como o tempo é
percebido pelos agentes históricos varia com a passagem do pró-
prio tempo, com as mudanças sociais e com a capacidade a um só
30 Descartes, na sua Meditação terceira, afirma: “...é preciso necessariamente concluir de tudo o que
disse anteriormente que Deus existe; pois, ainda que a ideia da substância esteja em mim, pelo
próprio fato de eu ser uma substância, eu não teria, contudo, a ideia de uma substância que fosse
verdadeiramente infinita. [...] Como seria possível que eu pudesse conhecer que duvido e que
desejo, ou seja, que me falta algo e que não sou totalmente perfeito, se não tivesse em mim nenhu-
ma ideia de um ente mais perfeito de que o meu, por comparação ao qual eu conheceria os defeitos
de minha natureza?” (DESCARTES, René. Meditações metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
pp. 72-73.) Deus não apenas existe como é fiador das “ideias perfeitas” de nosso intelecto.
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31 CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Édipo e Excesso – Reflexões sobre Lei e Política. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2002, p. 22.
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Resumo Abstract
O presente trabalho tem por objetivo vi- The present paper wishes to visit the work of
sitar a obra do historiador alemão the German historian Reinhart Koselleck
Reinhart Koselleck (1923-2006), buscan- (1923-2006), searching in his analysis both
do em sua análise ferramentas teórico- theoretical and methodological tools that may
metodológicas, que descortinem novos unfold new analytical horizons for the Latin
horizontes de análise para a realidade la- American reality. His contribution has two
tino-americana. Sua contribuição caminha interrelated directions: one related to a
em duas direções inter-relacionadas: uma methodological approach and another one to
metodológica e outra temática. A partir da the theme itself. Through the idea of Future
sua ideia de Futuro Passado, Koselleck nos Past, Koselleck opens the possibility of an
descortina a possibilidade de uma leitura understanding of history inside history itself,
da história por dentro dela mesma, des- deconstructing a philosophy of history that
montando uma pretensa filosofia da his- transcends history. On one hand and moving
tória transcendente ao próprio tempo within the history of concepts
histórico. Se movimentando dentro do [Begriffsgeschichte], Koselleck postulates the
campo da história dos conceitos need to realise the inscription of concepts in the
[Begriffsgeschichte], Koselleck postula a historical process itself. On another hand, his
necessidade de percebermos a inscrição focus is the period of genesis of the bourgeoise
dos conceitos no próprio processo histó- order. Therefore, his analysis enables a critical
rico. Por outro lado, sua temática é o perí- perspective towards the enlightened approach
odo de gênese da modernidade burguesa, and to the notion of essence inscribed both in a
promovendo com suas análises uma críti- non-historical method and in the conception of
ca profunda à reflexão iluminista e a pró- history of the bourgeoise Enlightment.
pria noção de essência, tanto inscrita numa
metodologia a-histórica, quanto na concep- Key words
ção de história do Iluminismo burguês.
History of concepts – Enlightment – Historic
time -– Reinhart Koselleck
Palavras-chave
História dos conceitos – Iluminismo –
tempo histórico – Reinhart Koselleck
E-mail:
ricbormann@gmail.com