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A HISTÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL –

DO “SANITARISMO CAMPANHISTA” À CONSTRUÇÃO DO S.U.S

Luiz Carlos Hubner Moreira*

O primeiro modelo da saúde pública brasileira, o chamado Sanitarismo


Campanhista, desenvolvia campanhas de saúde pública destinadas ao
saneamento de corredores de circulação das exportações. Se caracterizava
por
ações de caráter autoritário e centralizado.
A origem da saúde pública brasileira confunde-se com a organização da
prática médica pública no estado moderno, portanto deriva daquilo que se
entendia como prática aceita nos paradigmas da Polícia Médica Alemã, da
Medicina Urbana Francesa, ou mesmo do Sanitarismo Inglês.
Se constituiu portanto como modelo articulado aos interesses
econômicos agro-exportadores, para o combate de epidemias e endemias
através
de campanhas sanitárias. Institucionalizou-se no embrião do Ministério da
Saúde
(Departamento Geral de Saúde Pública).
No Brasil, estas práticas médicas sanitárias podem ser identificadas nas
ações que celebrizaram Oswaldo Cruz, Emilio Ribas, entre outros sanitaristas

desta época. O desenvolvimento


saúde pública contemporânea
Parasitologia, a partir do final do século XIX.
conceitual, metodológico
resulta dos avanços da
e instrumental
Bacteriologia
da
e
Segundo AGUDELO S. F.,(1984):

“A corrente microbiológica oriunda da Europa do final do Século XIX,


forte nos Estados Unidos desde o início do Século XX, estendeu-se e impôsse
na América Latina. O Dr Oswaldo Cruz e seu discípulo, o especialista em
malária Dr Carlos Chagas, no Brasil, constituíram com o cubano Carlos J.
Finlay, claras expressões e fortes impulsos desse modelo, não apenas na
forma de conceber a doença, mas também de moldar a ação do estado para
enfrentá-la”.

Embora tenha sido Oswaldo Cruz o grande nome da saúde pública


brasileira no início do século XX, foi no estado de São Paulo onde surgiram as
primeiras medidas de higiene pública visando a manutenção da força de
trabalho.
Sanitaristas de destaque como Emílio Ribas que atuou na função de Inspetor
Sanitário do estado de São Paulo entre 1897 e 1918; Adolfo Lutz que dirigiu o
Instituto Bacteriológico; e Vital Brazil no Laboratório de Soros e Vacinas,
tiveram
papel de destaque no combate intensivo às epidemias (em especial a febre
amarela) e doenças endêmicas no estado.

*Odontólogo, Sanitarista, Mestre em Odontologia Social pela UFF; Professor do


Instituto de
Saúde da Comunidade da UFF; Coordenador de Área do Programa Médico de
Família de
Niterói.

A epidemia de febre amarela no final do século XIX no Rio de Janeiro talvez


tenha
sido a grande chave para o desenvolvimento da saúde pública brasileira.

“A virulência da enfermidade frente, principalmente, os trabalhadores que


migraram da Europa, e a discriminação dos portos brasileiros pelos grandes
mercados europeus, envergonhavam a nação e preocupavam os setores
burgueses ligados à agro-exportação cafeeira. Oswaldo Cruz uma vez lera
em uma embarcação em Paris: “Navegação direta para a república
Argentina, sem tocar nos focos de febre amarela” (Franco, O. História da
Febre Amarela no Brasil citado em COSTA, 1985)

Outra vertente da saúde pública que merece destaque neste período foi a
chamada VERTICAL PERMANENTE. De influência americana, e
acompanhando a rápida penetração do capital americano na economia
brasileira,

surgem os serviços sanitários da Fundação Rockfeller, já no início da década


de

20. A partir de sua experiência de controle de ancilistomíase e malária no sul


dos
Estados Unidos, esta Fundação sugeriu a criação de “Postos Sanitários
Permanentes” com a montagem de serviços que assegurassem ações
sanitárias
duradouras.
Baseava-se na proposta de Centros de Saúde difundida pela Fundação
Rockfeller, e no Brasil institucionalizaram-se nas redes estaduais e na
Fundação
Serviços de Saúde Pública (FSESP).

Realizava prestação sistemática de serviços (controle de doenças


endêmicas, vacinações, puericultura, pré-natal, outras atividades de
prevenção). O
controle das grandes epidemias possibilitou a evidência dos problemas
endêmicos
(malária, ancilostomíase), e a percepção da necessidade de uma rede básica
de
serviços permanentes de saúde como opção as tradicionais e episódicas
campanhas sanitárias.
Estes Postos possuíam serviços de educação sanitária que visavam
mostrar à população os benefícios das ações de saúde e a necessidade de
observar regras básicas de higiene, além de ações de saneamento,
laboratórios
para exames de baixa complexidade, e dispensário para o tratamento de
parasitas
intestinais. Os Postos sanitários Permanentes estão sem dúvida na base do
surgimento dos Centros de Saúde no Brasil. Estes teriam características muito
semelhantes àqueles, só que orientados para as áreas urbanas.

“A influência americana mais decisiva de organização dos serviços de


saúde em nível local no Brasil foi o desenvolvimento dos Centros de Saúde
na capital federal”. (COSTA, 1985).

Ainda segundo o mesmo autor, os serviços de educação sanitária destes


centros contavam com a figura da Enfermeira Visitadora em ações e medidas
domiciliares preventivo-promocionais frente as famílias da capital.

Estas vertentes Campanhista e Vertical permanente, tiveram seu apogeu


nas décadas de 40 e 50. A partir da década de 60 não foram mais priorizadas
pela
política de financiamento.

No esgotamento do sanitarismo campanhista, emergiu o MODELO DA


ASSISTÊNCIA MÉDICA PREVIDENCIÁRIA, cujo embrião remonta à década
de
20, no esforço de atender as necessidades de assistência a trabalhadores
urbanos que se deslocavam do campo em busca de novas oportunidades de
trabalho em decorrência da crise da economia cafeeira.

“O contexto histórico em que vai se dar o surgimento da previdência


social brasileira está ligado ao “boom” da economia cafeeira na segunda
metade do século XIX (que estimulou a vinda de imigrantes do sul da
Europa), e sua grande crise que se inicia no final do mesmo século, que
criaram as condições para o crescimento urbano-industrial na região Centro-
Sul do Brasil (Rio e São Paulo)”. (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

Com a crise da economia cafeeira, começava então a surgir um pólo mais


significativo de concentração industrial naquela região, e com ela o que se
podia
chamar uma “classe operária no país’. Esta classe operária era composta, em
grande parte, por mão-de-obra estrangeira oriunda do programa de atração de
imigrantes do sul da Europa para o trabalho no campo, nas grandes
propriedades
cafeeiras. Com a crise do café, estes trabalhadores começaram a deslocar-se
para as cidades, formando assim o nascente proletariado fabril.

“Esta classe tem diante de si, uma classe de capitalistas a quem vende
sua força de trabalho. As relações no mercado de trabalho se estabeleciam
estritamente no campo privado, constituindo-se em contrato particular de
trabalho entre patrão e empregado, sem a interferência do estado. Pode-se
imaginar em que condições se estabeleciam tais contratos”. (IAMAMOTO,
1982).

A experiência política destes trabalhadores emigrantes oriundos de outro


contexto social (europeus com idéias anarquistas), contribuiu significativamente
para o rápido surgimento de uma certa organização desta massa trabalhadora
urbana enquanto classe organizada, que começava a reivindicar melhores
condições de vida. Já em 1917 e 1919 organizaram duas greves gerais em São
Paulo, além de inúmeras outras por categorias. Uma das preocupações destes
trabalhadores nas suas ações reivindicatórias era uma cobrança ao estado
para
que rompesse sua postura liberal frente a problemática trabalhista e social.

Apesar da clara posição liberal do estado frente a esta problemática


trabalhista e social, os trabalhadores acabaram conseguindo que o estado
regulamentasse alguns direitos dos trabalhadores. Nesta fase foi
regulamentado o
direito à aposentadoria, pensões e serviços de saúde previdenciário no Brasil,
através da Lei Elói Chaves de 1923, de grande importância para o capitalismo
agro-exportador.

Após a segunda guerra mundial, os Estados Unidos da América (USA), se

encontravam em processo de afirmação como potência mundial econômica e


militar, momento de afirmação do estilo americano de vida. Era este um
período
de prosperidade econômica, mas também marcado pela caça ao comunismo e
início da Guerra Fria.

Fruto desta influência assistimos neste período a consolidação do modelo


baseado em Flexner, que se formatou a partir da realização das
recomendações
do famoso Relatório Flexner, financiado pela Fundação Carnegie, e publicado
nos
EUA em 1910, que influenciou a formação médica e a organização de serviços
de
saúde em toda a América latina a partir da década de 40.

“A realização do paradigma levou também progressivamente a que se


criassem necessidades novas: grandes centros hospitalares, universitários
e de pesquisas com crescente consumo de fornecimento, equipamento
tecnológico de custo e complexidade cada vez maiores, medicamentos e
compostos químicos que originaram uma das mais prósperas e poderosas
indústrias da sociedade capitalista. A prática médica transformou-se em
atendimento médico individualizado com forte dependência tecnológica, e
altos custos, ou em práticas coletivas que consistem em atividades
individuais multiplicadas”. AGUDELO S. F., (1984).

ZANETTI, (1993) nos lembra que:

“A influência do paradigma Flexneriano na prática das instituições


médico-assistenciais previdenciárias ao se tornarem hegemônicas no país,
talvez tenham promovido uma perda da memória das soluções gerenciais
implementadas no Brasil pela reforma Carlos Chagas, como as ações das
visitadoras sanitárias no âmbito das famílias brasileiras, gerando a nosso
ver, um atraso programático, que talvez esteja sendo resgatado, somente
agora nos anos 90, com a construção da estratégia de saúde da família no
país. Talvez tenham sido aqueles os primeiros momentos daquilo que hoje
reconhecemos como Programa de Saúde da Família (PSF). (...).

Como conseqüência desta influência vamos assistir a partir de 1940, a


expansão da rede hospitalar ligada aos IAP’s, através da construção de
hospitais
estaduais, alguns municipais, e hospitais de universidades públicas.
(concepção
flexneriana de assistência médica).

Embora já se observasse uma tendência de privilegiamento da política de


financiamento à medicina assistencial previdenciária, neste período a
assistência
era oferecida quase totalmente pelos serviços dos próprios institutos, que
foram
enormemente ampliados até meados dos anos 50.

“Este privilegiamento da medicina previdenciária assistencialista e


especializada indicavam uma clara articulação do estado com os interesses
do capital internacional que se expande entre nós com a penetração da
indústria farmacêutica e de equipamentos hospitalares. Tal estratégia

propiciou a criação de um forte complexo médico-industrial na área de


produção de medicamentos e equipamentos”.(OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

Com o golpe Militar de 1964, e a criação do INPS em 1966, assistimos a


consolidação do modelo da assistência médica previdenciária, mas sob um
novo
enfoque, que caracterizou o modelo MÉDICO ASSISTENCIAL PRIVATISTA,
através de uma enorme expansão da rede de serviços hospitalares, mas agora
sob o enfoque da privatização da assistência médica para a população
previdenciária brasileira.

“O espaço privado explodiu, induzido pela postura ideológica dos


“cardeais do IAPI” que levou à política de terceirização da medicina
previdenciária por meio da compra de serviços a prestadores privados
lucrativos e não-lucrativos. Por força desse movimento, os leitos privados
que eram 74.543 em 1969 chegam a 3348.255 no final dos anos 70”.
(MENDES, 1998)

Em 1968, quando o governo federal lança o Plano Nacional de Saúde


(PNS) deixa claro o papel reservado à iniciativa privada:

“As atividades de assistência médica devem ser de natureza


primordialmente privada, sem prejuízo do estímulo, coordenação e custeio
parcial do poder público”.(OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

Para concretizar esta política o governo cria o financiamento para a


construção de hospitais privados, com recursos públicos, e o credenciamento
para
a compra de serviços e os convênios com empresas.

“Um grande número de hospitais da rede privada acabou sendo


construído e/ou ampliado com recursos provenientes dos cofres públicos, e
a fundo perdido. Levantamento realizado pelo INAMPS em 1977 comprova
que do total de propostas de financiamento apresentados à CEF, 73.8%,
referiam-se a criação ou expansão de hospitais privados com fins lucrativos.
63% destas propostas provinham ainda das regiões sudeste e sul do país”.
(IDEM, 1985).

O credenciamento para a compra de serviços médicos foi uma outra forma


de articulação da previdência com o setor privado. Os serviços privados
passam a
ser credenciados pelo INPS para atenderem pacientes segurados. De 1969 a
1975 a percentagem de serviços comprados a terceiros representou cerca de
90%
em média da despesa geral do INPS.

Esta modalidade de compra de serviços acabou sendo denunciada como


“fator incontrolável de corrupção”.

“Estratégias como multiplicação e desdobramento de atos médicos, a


preferência por internações mais caras e a ênfase em procedimentos
cirúrgicos de alto custo, começaram, pela falta de fiscalização, a serem

denunciados como estratégias fraudulentas destes estabelecimentos de


saúde na busca de maiores lucros. As dificuldades de controle das contas
hospitalares levou a tal nível de corrupção que em 1976 o próprio INAMPS
denunciava a existência de contas fantasmas e muitas outras incorreções,
que geraram 600.000 (seiscentos mil) internações desnecessárias”. (IDEM,
1985)

Segundo SILVA JR, (1996), “o modelo de Medicina Científica ou


Flexneriana entra em crise na década de 70 devido a problemas relativos à
ineficiência, ineficácia e desigualdade na distribuição de seus progressos”.

Um marco deste período, que ESCOREL (1998) chamou de autoritário


burocrático, foi a clara divisão de trabalho entre a Previdência Social que
cuidava
da atenção médica individual, contratada a prestadores privados, por meio do
INAMPS, e as ações do complexo Ministério da Saúde/Secretarias Estaduais e
Municipais que exercitavam as ações de atenção primária seletiva, e algumas
campanhas de saúde pública para os socialmente excluídos. Observamos no
período, um decréscimo no orçamento do M.S., e um crescente orçamento da
previdência social.

Segundo MENDES, (1999) ainda neste período, ampliou-se também o acesso


aos “não-integrados socialmente” por meio da MEDICINA SIMPLIFICADA,
que se deu a partir do acirramento da crise da Previdência Social brasileira, e
das
novas propostas da Medicina Comunitária difundidas pela OMS a partir da
Conferência de Alma-Ata, na URSS em 1978.

“Na área da saúde discutia-se novas propostas difundidas pela Organização


Mundial de Saúde (OMS), que ganharam destaque em todo o mundo após
serem
aprovadas pela Conferência de Alma Ata (URSS, 1978). A meta traçada de
“Saúde
para todos no ano 2000” apontava como estratégias a estruturação de serviços
de
atenção primária, com a participação da comunidade. Eram as propostas da
Medicina Comunitária”. (SILVA JR., 1996).

Apesar de controverso, pode-se considerar que os pressupostos da


Medicina Comunitária derivam das idéias de Bertrand Dawson, médico inglês,
que
em 1920 fez a crítica do modelo Flexneriano e propôs a reestruturação dos
serviços de saúde ingleses. O Plano Dawson teve influência no sistema de
saúde
da Rússia após a Revolução de 1917. Depois da Segunda Guerra Mundial, foi
seguido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e pela própria
Inglaterra, no Serviço Nacional de Saúde em 1948, a partir do plano Beveridge.

Este modelo proposto por Dawson, passou a ser o centro do programa de


saúde na Inglaterra, sendo depois levado a outros países como Cuba e o
Canadá
no final dos anos 60. Estes países podem ser considerados berços das
experiências em medicina familiar no mundo.

Estas propostas chegaram à América Latina, financiadas pela OPAS, e


Instituições filantrópicas como a W. F. K. Kellog, entre outras. Através de
seminários patrocinados por organismos internacionais, estimulou-se nas

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Faculdades de Medicina a criação de espaços onde se pudesse demonstrar a
correção da nova abordagem de formação médica: Os Departamentos de
Medicina Preventiva (DMPs).

Algumas dessas experiências se materializaram em forma de projetos-piloto de


universidades, como o de Paulínea/USP, ou de projetos de estruturação de
serviços municipais com integração docente assistencial como os de Campinas
(SP), Londrina (PR), Montes Claros (MG) e Niterói (RJ) no final da década de
70.

Segundo AROUCA, citado em ESCOREL (1999), nos EUA, o movimento


preventivista foi um movimento ideológico que tinha como projeto a mudança
da
prática médica através de um profissional médico que fosse imbuído de uma
nova
atitude. Como projeto de mudança da prática médica, a medicina preventivista
representou uma leitura liberal e civil dos problemas do crescente custo da
atenção médica nos EUA e uma proposta alternativa à intervenção estatal,
mantendo a organização liberal da prática médica e o poder médico.

O ideário preventivista, pretendia demonstrar que mudanças de


comportamento poderiam alterar os níveis de saúde.

Segundo ESCOREL (1999), o processo começou com as discussões para


promover a extensão da cobertura e melhorar a saúde das populações rurais, e
culminou com a declaração de Alma Ata em 1978, em que os governos se
propuseram a conseguir alcançar “Saúde para todos no ano 2000”, por meio da
estratégia de atenção primária. Estes programas eram de baixo custo,
simplificados, contavam com a participação da comunidade e baseavam-se,
fundamentalmente, nas experiências dos médicos pés descalços da China.

Este movimento preventivista começou a ser questionado no interior dos


próprios DMPs, constituídos para o seu ensino.

“A construção da abordagem histórico-estrutural dos problemas de


saúde foi feito no interior dos DMPs, em um processo de crítica à medicina
preventiva e sua base filosófica, as ciências sociais positivistas. Foi durante

o período mais repressivo do autoritarismo no Brasil – final dos anos 60 e


início dos anos 70 – que se transformou a abordagem dos problemas de
saúde e se constituiu a base teórica e ideológica de um pensamento médico-
social”. ESCOREL (1999).
Esta teoria social da medicina tinha como conceitos básicos, a determinação
social da doença, a historicidade do conceito de saúde-doença, o processo e
trabalho, o poder médico e a medicalização. Como conceitos estratégicos, a
abordagem médico-social adotaria a prática política e a consciência sanitária
como parte da consciência social, buscando a partir dessa prática, uma
transformação social.
Segundo SILVA JR, (1996) os frutos dessas experiências vieram a construir
um movimento por mudanças na política de saúde nacional, no bojo da luta
pela
redemocratização da sociedade Brasileira: A Reforma Sanitária.

As palavras de ESCOREL, (1998), reforçam a compreensão de Silva Jr. sob as


bases do pensamento do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira:

“Foi esse desenvolvimento teórico que deu sustentação ao Movimento


Sanitário. Quando a estratégia de distensão dos anos Geisel abriu o cenário
político, o movimento sanitário foi ocupá-lo conscientemente, com propostas
concretas, transformadoras, reflexos na prática de que a construção de um
saber
já havia sido desenvolvida. O processo ocorrido nas Universidades, de 1960
até
1974, foi a base do marco teórico referencial e também o início da constituição

ainda que limitada – das bases institucionais do movimento, representadas
naquela época pelos Departamentos de Medicina Preventiva (DMPs)”.

As mudanças políticas e econômicas que se originaram da crise orgânica do


estado brasileiro, levaram ao fim do modelo médico assistencial-privatista e à
instituição,
pela Constituição Federal de 1988 do SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS), sob
o
enfoque de um novo paradigma, os SISTEMAS LOCAIS DE SAÚDE (SILOS),
cujo marco conceitual foi apresentado na XXII Conferência Sanitária Pan-
Americana em
1986, sendo ratificado pela OPAS em 1988 e recomendava:

“Um sistema local de saúde deve contemplar a estrutura políticoadministrativa


de um país, definir-se a um espaço populacional
determinado, ter em conta todos os recursos existentes para saúde e
desenvolvimento social neste espaço, responder aos processos de
descentralização do estado e do setor saúde, às necessidades da
população e à estruturação da rede de serviços de saúde, e organizar-se
para facilitar a condução integral das ações” (OPS, 1990).

Na construção do SUS, alguns municípios brasileiros buscaram implementar


seus projetos de saúde de base municipalista, que lhes permitisse planejar
seus
serviços a partir do seu perfil epidemiológico, e com participação da população
neste processo. Em perfeita sintonia com as propostas SILOS, várias
municípios
relataram ricas experiências a partir dos anos 80.

SILVA JR. (1996), destacou como exemplo propostas como a dos


municípios de Santos(SP) e Bauru (SP); o Núcleo de Estudos de Saúde
Comunitária do Estados Paraná e Minas Gerais (NESCO-PR e NESCON-MG);
Os
Departamentos de Medicina Preventiva das Escolas de Medicina da USP,
UFBA e
UNICAMP; e o Projeto Niterói-RJ.

Todas estas experiências, com pequenas diferenças, em função do quadro


local e político em que se inseriam, foram orientadas pelos mesmos princípios
e
diretrizes -as propostas da saúde coletiva -e contemplavam uma nova
concepção do processo saúde e doença. A saúde compreendida de forma mais

integral, onde se correlacionavam as dimensões biológicas, ecológicas, e


processos sócio-econômicos. Propunham serviços organizados a partir de
unidades básicas funcionando como porta de entrada, onde deveria se dar o
vínculo entre população, profissionais de saúde e serviços. Estes serviços se
responsabilizariam por uma determinada área de abrangência, e adscreveriam
esta população. Um Sistema de Referência e Contra-referência garantiria a
“circulação” destes usuários aos níveis mais complexos do Sistema Único de
Saúde.

O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

Como vimos, no campo das políticas públicas muito se discutiu e se propôs


neste período. Mas, segundo o próprio Ministério da Saúde:

“Este conjunto de proposições não foi suficiente para incrementar no


coração do sistema de saúde as transformações necessárias para melhorar
qualitativa e irreversivelmente os serviços de saúde, o que coloca ainda
hoje, a saúde na proa das demandas sociais. (...) Uma situação no mínimo
paradoxal onde avanços na mobilização social, na cultura administrativa e
na prática gerencial não se traduziram no dia a dia com melhores serviços”.
(BRASIL, M. S., 1996).

A Reforma Sanitária, bandeira de um período que já se contava por mais de


uma década, mostrava que essas conquistas foram fundamentais, mas que
não
ainda suficientes.

“O setor saúde avançou bastante no componente reforma, mas não o


suficiente para impactar o quadro sanitário. (IDEM, 1996).

MOYSÉS,(2002), nos afirma que este modelo piramidal, hierarquizado,


inegavelmente avança na interpretação social dos problemas e necessidades
da
população, bem como na promoção da saúde, nos instrumentos de
planejamento
e diagnóstico comunitário, mas pouco altera a lógica biomédica dominante no
espaço da clínica.

Não se tratava de acreditar que, como num passe de mágica, a simples


publicação de novas leis seriam a garantia de um novo Sistema de Saúde,
construído na lógica de uma verdadeira política de Bem Estar Social. Sabe-se
que
transformação social de tal monta encontra muitos e poderosos opositores; e
que
estes seriam verdadeiros entraves na implementação dos ideais da reforma.

O próprio M.S. (IDEM, 1996) destaca alguns destes opositores:

-A estratégia de governo, principalmente no período pós-64, que financiou com


investimento público a criação de uma vasta e poderosa rede privada, que
historicamente constitui grupos que se alimentaram -e ainda se alimentam -
(grifo

nosso), neste modelo de compra de serviços, e certamente queriam a sua


perpetuação.

-O modelo de formação profissional centrado na especialização, que é no


mínimo extemporâneo às necessidades deste novo modelo de saúde, cujos
currículos não acompanharam o processo de mudança.

Destacamos ainda:

-O histórico corporativismo de parcelas do funcionalismo público brasileiro, que


se
relaciona com os serviços públicos e a população, se pautando apenas em
suas
disponibilidades e conveniências, e não optando por uma forma de prestação
de
serviços que valorize o vínculo com o serviço e com a população, que se
integrem no sistema local de saúde, que assuma responsabilidades. É preciso
modernizala, reforma-la, antes que tome corpo por toda parte a proposta
neoliberal de
substituir o estado pelo mercado.

-Mendes (1998) destaca ainda o fato da prestação de serviços do SUS ser


realizada por um mix estatal/privado, que embora financiado totalmente pelo
estado, 70% de sua atenção hospitalar, e aproximadamente 50% da atenção
ambulatorial são privadas. Como se não bastasse a dimensão dessa rede
privada:

“Este Segmento privado, representado por instituições lucrativas e


não lucrativas, continua a funcionar sob controle estatal meramente ritual,
dada a debilidade reguladora do estado. E mesmo sua fração estatal está
fortemente privatizada pela penetração nela, de interesses clientelistas e
corporativos e pela fragilidade reguladora. ”
-Não podemos também desconsiderar a influência das agências internacionais
na
definição da agenda social brasileira nos anos 80 e 90. Collins, 1992; Walt,
1994,
citados em COSTA, (1998) destacam que os estudos sobre políticas públicas
convergem para a idéia que os governos nacionais estão cada vez mais
afetados
pelos procedimentos de políticas supra-nacionais. Um aspecto relevante deste
consenso é a compreensão do papel das organizações internacionais e de sua
influência na definição das agendas políticas nacionais.

O debate sobre as políticas governamentais na área social tem sido


condicionado pela difusão da pauta do “ajuste estrutural” orientado para o
mercado, que expressa as orientações normativas para a economia de um
conjunto de forças internacionais onde incluímos o FMI, e o Banco Mundial,
entre
outros.

No centro do debate sobre políticas públicas está a reforma do estado.

“A expressão ajuste estrutural compreende um elenco de políticas


“ortodoxas” que incluem estabilização macroeconômica, com normalização
da política monetária e fiscal, liberalização dos mercados de bens e capitais

mediante desregulamentação e privatização de empresas estatais. COSTA,


(1998)

As mudanças econômicas, ideológicas e políticas definidas pelos


especialistas do Banco Mundial apontam para a diminuição do papel do estado
e
para o fortalecimento do mercado para financiar e oferecer cuidados à saúde.

O documento do Banco Mundial -Brazil Water Supply and Sewerage Sector


project -de 1993, citado em Costa (1998) advoga claramente a ação do estado
na
provisão de um pacote básico de serviços clínicos e de saúde pública. Prioriza
o
controle de doenças infecciosas e a instituição de programas de saúde
baseados
em custo-efetividade. Sugere ainda excluir do menu dos serviços sociais
públicos
os procedimentos de alto custo que caberiam ser comprados no mercado.

Com todas estas contradições, muito tínhamos ainda que caminhar na


construção deste novo modelo. Apesar de todos os avanços, chegávamos em
meados dos anos 90 sem perceber um sistema de saúde equânime, que
incorporasse aquela parcela da população, que historicamente viveu à margem
da
sociedade, e poucas vezes teve acesso aos serviços de saúde. Apesar de toda
a
nossa capacidade propositiva, a saúde continuava ainda na proa das
demandas
sociais.

Segundo CAMPOS (1992), o dilema central do Movimento Sanitário Brasileiro


é que ele é uma inteligência a procura de um corpo que lhe dê capacidade real
de
movimento.

“O OLHO DO FURACÃO AINDA ESTAVA PARA SER CONQUISTADO”.


(BRASIL, M. S. 1996).

Na busca de construção deste novo modelo de atenção organizado em


consonância com os ideais da Reforma Sanitária Brasileira, municípios que
sempre estiveram na vanguarda do movimento, como Niterói (RJ), Curitiba
(PR), e
Porto Alegre (RS), foram buscar em países como Cuba, Inglaterra e Canadá,
inspiração para construção de seus modelos de atenção, as experiências de
medicina familiar daqueles países. Buscavam organizar serviços sob este novo
paradigma, o que não se conseguira até então nas experiências municipais
implementadas a partir dos anos 80, apesar de todo o esforço propositivo do
movimento Sanitário Brasileiro. Estes municípios relatam algum êxito a partir
desta
estratégia.

A partir destas experiências, em 1994, o Ministério da Saúde passa a


incentivar a implantação do Programa de Saúde da Família, financiado pelo
Banco Mundial, como estratégia de reorganização do modelo de Atenção em
todo o país.

Para se ter uma idéia da abrangência do PSF no Brasil, segundo o M.S. em


Janeiro de 2002 estavam constituídas 13.168 equipes de Saúde da Família,

distribuídas por 3.684 municípios brasileiros. (Revista Brasileira de Saúde da


Família – Ano II nº4, Jan.2002).

A CEBES, nº21 – Dez. 2000 – é toda dedicada ao Programa, onde em seu


editorial afirma:

“O PSF é a ponta de lança das ações ministeriais e carro chefe da


proposta de transformação, pela base, da atenção à saúde da população
brasileira, protagonizada pela interação entre a equipe de saúde da família e
os habitantes das localidades, seja em seus domicílios, seja na unidade de
saúde das família”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUDELO, S. F. Saúde e Imperialismo: A ação Antimalárica na América
Latina e a Fundação Rocksfeller. in Textos de Apoio – Ciências Sociais 2 –
PEC/ENSP -ABRASCO. Rio de Janeiro, jul 1984.
BERTOLLI FILHO, C. História da Saúde Pública no Brasil. Série História em
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BOTAZZO, C. e FREITAS, S. F. T. (Org.). Ciências Sociais e Saúde Bucal


Questões e Perspectivas 1. ed. São Paulo : Fundação Editora da UNESP e
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BRAGA, J. C. S. & PAULA, S. G. Saúde e Previdência: Estudos de Política


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