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Jurandir A. Barbosa responde

Qual a importância clínica da montagem


em articulador dos modelos de gesso
dos pacientes ortodônticos?
Dr. Danilo Furquim Siqueira
Editor da Revista Clínica Dental Press

...”não acreditamos que o homem seja produto do meio, mas sim que o meio é produto do homem.
Acreditamos que o homem que é produto do meio é homem com “h” minúsculo, e um meio digno se faz com Homens
com “H” maiúsculo. Nós acreditamos que devemos evoluir o homem...”

C. Charuri (Carta de Principios) 1980.

Introdução Recomendamos aos profissionais que sigam corre-


Os primeiros pesquisadores que perceberam a tamente as instruções do fabricante de cada aparelho,
importância da anatomia e fisiologia da ATM e dos seja ele parcial ou totalmente ajustável, pois muitos
movimentos mandibulares na oclusão, sentiram a insucessos na utilização destes aparelhos devem-se a
necessidade de criar um aparelho que pudesse simu- tentativa de “diversificação” por parte do profissional
lar as ATMs, posicionar os modelos e reproduzir os daquilo que foi preconizado pelo fabricante.
movimentos mandibulares essenciais a uma oclusão
satisfatória. Definindo conceitos
Assim surgiu o articulador, instrumento valioso Como diz McNeill5 a definição de R.C. está em
para o cirurgião-dentista que está preocupado com constante alteração na literatura.
a reconstrução de uma boa oclusão. Porém, não é Segundo Okeson6 o termo “Relação Cêntrica”
um instrumento mágico e infalível, sendo que as (RC), tem sido usado na odontologia há anos. Uma
suas possibilidades dependem de quem o manuseia posição articular ortopedicamente estável ideal só é
e trabalha. atingida quando os discos articulares estão correta-
Provavelmente a maior vantagem dos modelos de mente interpostos entre os côndilos e as fossas mandi-
estudo montados seja a possibilidade de se reproduzir bulares. Esta posição é considerada, portanto, a mais
os movimentos mandibulares sem a interferência do musculoesqueletalmente estável da mandíbula.
sistema neuromuscular. O conceito funcional que deve ser considerado é
Muitas vezes, clinicamente, um paciente pode nos que o sistema neuromuscular age de uma forma pro-
apresentar algum contato traumático. Os modelos tetora aos dentes que estão ameaçados por qualquer
de estudos ajudam no estabelecimento de um diag- contato irregular (prematuro, interferência). Quando
nóstico mais acurado. No entanto, a montagem deve existe este contato, conforme Okeson6, o controle
ser muito bem feita para não aparecerem contatos do sistema neuromuscular entra em ação mudando
que na verdade sejam inexistentes. o eixo de fechamento da mandíbula, levando para

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uma posição mais confortável possível de contatos Segundo Roth e Petrelli7, o articulador Panadent
dentais. é resultado de pesquisas feitas pelo Dr. Robert Lee3
Marassi4 em seu trabalho de monografia realiza- sobre a simulação dos movimentos mandibulares.
do na Faculdade de Odontologia de Bauru, sobre Barbosa 1 diz que nos modelos em R.C. podem
Diagnóstico Ortodôntico em R.C., concluiu que é ser detectadas situações não observadas nos mode-
importante verificar se os côndilos estão em relação los tradicionais, ou pela manipulação da mandíbula
cêntrica ou bem assentados na fossa articular antes durante o exame clínico.
de se diagnosticar o paciente candidato ao trata-
mento ortodôntico, e também que é importante que Localização da posição de relação cêntrica
se faça a montagem dos modelos em articulador e Posição ortopedicamente estável da mandíbula
a conversão do cefalograma para os pacientes que (R.C. não forçada)
apresentarem discrepâncias entre RC e MIH maior Muito tem se falado sobre relação cêntrica e uso
que 2mm, a fim de analisar melhor a má-oclusão de articuladores na prática ortodôntica.
do paciente. Importante definirmos o que realmente é aceito
McNeill5 diz que uma das vantagens dos modelos pela literatura atual quando falamos de RC.
montados em articulador é a capacidade dos sistemas de Não muito distante podemos encontrar na
articuladores (SAM, Denar, Panadent) de simular e quan- literatura o conceito de RC, como aquela relação
tificar a discrepância entre RC e MIC em nível condilar, ortopédica entre o crânio e a mandíbula, deter-
permitindo uma representação gráfica desta discrepância, minada muscularmente, na qual os côndilos se
proporcionando assim a possibilidade de se conseguir um encontram assentados na posição mais superior,
traçado cefalométrico em RC. anterior e medial da cavidade glenóide, em relação

FIGURA 1 - Conjunto côndilo-disco em contato com a parte posterior FIGURA 2 - Manipulação mandibular de Peter Dawson2.
da eminência.

FIGURA 3 - Conjunto côndilo/disco/eminência estável. FIGURA 4 - Conjunto côndilo/disco/eminência estável.

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FIGURA 6 - Boca aberta.

FIGURA 5 - Guiando a mandíbula.

à vertente posterior de eminência temporal, e com o


disco interposto em sua posição central, mais delgada
e vascular, conforme a figura 1.
Para conseguir transferir esta posição para o articu-
lador, Peter Dawson2 preconizava uma manipulação
bilateral da mandíbula com pressão para cima na região
do ângulo goníaco e para baixo na região da sínfise,
como mostra a figura 2. Desta forma conseguia-se a FIGURA 7 - Boca Fechada - côndilo para baixo e para frente (contato
posição de RC. prematuro).
Esta posição com este tipo de manipulação registra
uma posição de RC forçada, e desta forma não está anos com experiência na filosofia do Dr. Roth, que
se respeitando a posição ortopedicamente estável da preconiza o uso de articuladores em todos os casos,
mandíbula, que é individual para cada paciente. podemos concluir o seguinte:
O respeito por esta posição individual significa que Para poder entender e discutir qualquer filosofia,
o côndilo poderá estar centrado na fossa mandibular antes de tudo, temos que aplicá-la e assim por alguns
ou um pouco acima, abaixo, à frente ou atrás desta po- anos montamos todos os casos no articulador. Esta
sição centrada e mesmo assim estar confortavelmente experiência foi fantástica, pois descobrimos detalhes
posicionada para aquele indivíduo (Fig. 3-4). até antes não observados e quais foram os motivos
Desta forma a vigorosa manipulação mandibular para muitos casos não terem sido terminados como
deve ser revista, pois guiar a mandíbula, respeitando a planejamos até então.
situação individual do paciente é mais aceita (Fig. 5). Com a experiência acumulada nesses anos, nosso
Acreditamos que devemos proporcionar uma censo de observação foi melhorando e com o passar
oclusão que se adapte ao paciente e não o paciente se do tempo, observamos que a montagem em todos os
adaptar à nova oclusão. casos não era totalmente necessária. Passamos a ser
mais seletivos na escolha dos casos e hoje podemos
Montagem no articulador afirmar que somente em casos que apresentam com
Diagnóstico uma grande diferença entre RC e OC conforme
Após quase 30 anos como ortodontista, com mostramos na ressonância magnética (Fig. 6-7), e
formação inicial Tweediana, passando por Ricketts, pacientes com sinais e sintomas de DTMs é feita
Straight Wire de Andrews, McLaughlin, e há 12 a montagem em articulador.

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Caso Clínico 1

A B
FIGURA 8A-B - Vista lateral inicial direita e esquerda.

C D
FIGURA 8C-D - Vista lateral da placa estabilizadora.

E F
FIGURA 8E-F - Vista lateral pós-placa direita e esquerda.

G
FIGURA 8G - Trespasse pós-placa.

Deve ser esclarecido que não abandonamos a idéia Vale lembrar o que Morton Amsterdam disse a mui-
de encontrarmos sempre a posição estável da mandí- to tempo “Existem várias maneiras de tratamento, po-
bula, conforme dois casos clínicos que se segue com rem apenas um diagnóstico correto”, mas para isso não
mudança da posição mandibular inicial após o uso necessariamente temos necessidade de montar todos os
de placa estabilizadora (Fig. 8-9). casos em articulador para fazermos o diagnóstico.

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Caso Clínico 2

A B
FIGURA 9A-B - Vista frontal e do trespasse inicial

C D
FIGURA 9C-D - Vista lateral inicial direita e esquerda.

E F
FIGURA 9E-F - Vista lateral pós-placa direita e esquerda.

G H
FIGURA 9G-H - Desvio e toque prematuro.

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I J
FIGURA 9I-J - Trespasse antes e pós-placa.

Utilidade do articulador semi-ajustável Um caso totalmente diferente pode ocorrer em certas


no diagnóstico da classe II Classes II, onde a análise dos modelos articulados revela
Em todo caso Classe II é importante avaliar as contatos intermaxilares do tipo cúspide-fossa. Esta si-
características dos contatos dentários em RC, já que, tuação nos coloca frente a um problema de solução
geralmente, o problema sagital está exacerbado pe- mais difícil, já que a má-oclusão será de etiologia mais
los contatos de cúspide a cúspide, ou de cúspide a esquelética que dentária, o que, evidentemente, dificulta
planos inclinados, os quais aumentam a dimensão o tratamento.
vertical, com a conseqüente rotação da mandíbula A denominada “pseudo Classe II” corresponde a
para baixo e para trás. A correção dos contatos para um tipo de má-oclusão que, analisada por vestibular,
uma relação de cúspide a fossa, facilita a auto-rota- apresenta os primeiros molares superiores em uma re-
ção da mandíbula em sentido contrário, para cima lação de Classe II. No entanto, ao observar a oclusão
e para frente, podendo originar uma importante por lingual, constata-se uma relação de Classe I, já que
redução do problema sagital e vertical da Classe II. a cúspide mésio-palatina do primeiro molar superior
Com efeito, às vezes esta auto-rotação se realiza com articula-se com a fossa central do primeiro molar in-
um arco de fechamento, que projeta anteriormente ferior. Na realidade, estamos frente a uma falsa Classe II
o arco dentário inferior, diminuindo e mesmo cor- em que, a relação molar observada por vestibular, é
rigindo a disto-oclusão. Encontramo-nos, nestes produto da rotação mésio-lingual dos primeiros mola-
casos, frente a uma Classe II de tipo vertical, deno- res superiores. Geralmente, a pseudo Classe II tem um
minada assim, já que a correção do problema verti- prognóstico favorável, já que bastará girar os molares
cal reduzirá a anomalia sagital. Lamentavelmente, disto-lingualmente, para obter-se uma relação molar
isto não acontece em todos os casos, quer dizer, em do tipo Classe I de Angle.
alguns pacientes o arco de fechamento mandibular
se fará tão somente, em sentido vertical, sem uma Finalização do tratamento
projeção anterior do arco dentário inferior. Nestes A montagem no articulador nessa fase do trata-
pacientes, a correção vertical alcançada, ao coorde- mento é incrivelmente reveladora. Pequenos detalhes
nar adequadamente os arcos dentários superior e bastante sutis, como um ponto prematuro, prin-
inferior, não melhorará a Classe II nem a sobressa- cipalmente em vertente de cúspide, nos permitem
liência aumentada; tratar-se-á então, de uma Classe fazer a correção com algum ajuste nos próprios fios
II do tipo sagital, que necessitará de um tratamento de finalização, alguma recolagem ou até um pequeno
adequado. ajuste oclusal.
Todos esses fenômenos poderão estar sendo guiados
Como prever se a classe II é vertical ou pelo sistema neuromuscular e levando a mandíbula a
sagital? uma posição desviada, mesmo que em pouca quanti-
Mediante um desgaste seletivo nos modelos articu- dade. Portanto nesse momento o uso da montagem no
lados ou realizando a técnica dos modelos seccionados, articulador é muito importante, pois aqueles detalhes,
poderemos ver quanto se reduz a sobressaliência ao eli- só vistos no articulador, poderão estar garantindo a
minar o problema vertical. estabilidade do caso.

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REFERÊNCIAS
1. BARBOSA, J. A. Diagnóstico ortodôntico em R. C. In: INTER- 5. McNEILL, C. Ciência e prática da oclusão. 1. ed. São Paulo: Quin-
LANDI, S. (Coord.). Ortodontia: bases para a iniciação. 4. ed. São tessence, 2000. p. 311; 335.
Paulo: Artes Médicas, 1997. cap. 16, p. 269. 6. OKESON, J. P. Tratamento das desordens temporomandibulares e
2. DAWSON, P. E. Avaliação, diagnóstico e tratamento dos proble- oclusão. 4. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2000. p. 88-89; 208-209.
mas oclusais. 2. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1993. p. 51. 7. ROTH, R. H.; PETRELLI, E. (Coord.). Ortodontia contemporâ-
3. LEE, R. L. Panadent instructional manual for advanced articula- nea. São Paulo: Servier. 1988. cap. 11, p. 147.
tor system. [S.l.], Panadent 1988.
4. MARASSI, C. Diagnóstico ortodôntico em RC. 1997. Monografia
(Especialização em Ortodontia) - Universidade de São Paulo, Bauru,
1997.

Prof. Dr. Jurandir A. Barbosa


- Mestre em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
- Prof. Coordenador do Curso de Especialização em Ortodontia
da ACDC – Campinas
- Prof. nos Cursos de Especialização em Ortodontia da:
- São Leopoldo Mandic – Campinas
- UNIGRANRIO – Rio de Janeiro
- ABO – São Luiz do Maranhão
- Presidente do Grupo Brasileiro de Estudos de Ortodontia pela
Técnica Straight Wire - Brasil

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