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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

O ELEMENTO SUBJETIVO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

PUC/SÃO PAULO – 2006


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LUIS FERNANDO CESAR LENCIONI

O ELEMENTO SUBJETIVO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

ESPECIALIZAÇÃO: Monografia apresentada à


Banca Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de ESPECIALISTA em
Direito Administrativo, sob a orientação da
Prof.ª Nilma Abe
3

À minha amada esposa Aparecida, e aos meus

filhos, Rafael e Karina, que sempre me apoiaram

e me deram alento para continuar seguindo em

frente pelas veredas desta vida, e sem os quais

teria me faltado forças para enfrentar todos os

desafios.
4

Agradeço aos meus pais por terem me

proporcionado um lar no qual pude aprender a

amar o bem e a educação. Agradeço meu

saudoso pai Ernesto que pelo exemplo despertou

meu interesse e gosto pelas artes, e o prazer do

cultivo do intelecto, bem com a todos os

professores que passaram, e, certamente, ainda

passarão pela minha vida enriquecendo a minha

humilde existência, em especial à minha querida

mãezinha, Therezinha, que foi minha primeira

professora e me alfabetizou com o carinho e a

competência que sempre a caracterizaram na

sua vida materna e profissional.


5

O ELEMENTO SUBJETIVO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Luis Fernando Cesar Lencioni

Aprovada em ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

CONCEITO FINAL: _____________________


6

SUMÁRIO

O ELEMENTO SUBJETIVO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Introdução, 2

1 O SENTIDO DA EXPRESSÃO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, 19

2 A NATUREZA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES

PÚBLICOS, 27

3 O ELEMENTO SUBJETIVO QUALIFICADO DA IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA, 35

4 DIREITO PUNITIVO E APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO

DIREITO PENAL, 65

CONCLUSÃO, 71

BIBLIOGRAFIA, 78
7

INTRODUÇÃO
8

Na esteira da promulgação da Carta Constitucional de 1988, como observa

Eurico Bitencourt Neto1, adveio uma “ampliação do espaço normativo dedicado à

probidade administrativa (...). Deve-se esclarecer que os atos atentatórios à

probidade administrativa, como princípio constitucional – derivado da moralidade

administrativa - , vale dizer, os atos que traduzam atuação desonesta e danosa à

Administração Pública, podem significar, nos termos do Direito Positivo,

responsabilidade civil, criminal, política ou administrativa”.

No caput do art. 37, da CF/88, foram elencados expressamente princípios de

Direito Administrativo de há muito identificados pela doutrina administrativista2 no

sistema normativo. Dentre estes se referiu o legislador constituinte ao princípio da

moralidade, o qual, via de conseqüência, como leciona o Prof. Celso Antonio

Bandeira de Mello3, “assumiu foros de pauta jurídica” possibilitando assim a

invalidação dos atos administrativos imorais por violação ao direito positivo.

A fim de instrumentalizar a invalidação dos atos administrativos agressores do

princípio da moralidade, esculpiu-se a actio populis no inciso LXXII, do art. 5º, da

CR/88, prelecionando que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação

popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o

Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio

histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas

judiciais e do ônus da sucumbência”.

1
BITENCOURT NETO, Eurico. Improbidade administrativa e violação de princípios. 1. ed. – Belo Horizonte :
Del Rey, 2005, p. 108.
2
Hely Lopes Meirelles in Direito administrativo brasileiro, 11. ed., 1985, p. 60, anota: “Os princípios básicos da
administração pública estão consubstanciados em quatro regras de observância permanente e obrigatória para o
bom administrador: legalidade, moralidade, finalidade e publicidade”.
3
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. – São Paulo : Malheiros,
1999, p. 73.
9

Por sua vez, estabeleceu o art. 15, da CF/88, que a perda ou suspensão dos

direitos políticos só se daria por força de cancelamento da naturalização por

sentença transitada em julgado, incapacidade civil absoluta, condenação criminal

transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, recusa de cumprir obrigação

a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII, ou por

improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

E o art. 37, § 4º, da CF/88, a seu turno, estatuiu que “os atos de improbidade

administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função

pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e

gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Finalmente, com o objetivo de regulamentar este dispositivo da Constituição

Federal veio a lume a Lei nº 8.429/92, também conhecida como Lei de Improbidade

Administrativa, para, como sublinhou Eurico Bitencourt Neto4, disciplinar a

“responsabilidade civil e política” pela prática do ato de improbidade,

instrumentalizando o Ministério Público e o Poder Judiciário para o combate à odiosa

corrupção que de há muito campeia na Administração Pública em nosso país.

É aqui, pois, no plano da normatização infraconstitucional do art. 37, § 4º, da

CF/88, que o problema do qual nos ocuparemos neste trabalho se apresenta.

Acontece que, por mais louvável que tenha sido a intenção do legislador

ordinário de agir em socorro da moralidade administrativa – e este indiscutivelmente

é um motivo de forte apelo –, nada justifica a falta de zelo pela aplicação da melhor

técnica legislativa na redação da chamada Lei de Improbidade Administrativa que

4
BITENCOURT NETO, Eurico. Op. cit. p. 109.
10

acabou por produzir um diploma legal no qual justamente o que viria a ser o seu

principal objeto, qual seja, o ato de improbidade administrativa, não foi alvo de

conceituação, sacrificando-se assim o sacrossanto princípio da segurança jurídica.

Ao deixar o legislador esta valiosa tarefa ao intérprete e executor da lei, a

despeito de todos os evidentes danos potenciais à segurança jurídica de que disto

poderia advir, mormente quando se tem em mente cuidar-se de matéria concernente

ao Direito Punitivo, e, além disso, de tão graves conseqüências para os acusados de

sua prática, abriu-se um campo enorme para a prática de abusos contra os

acusados.

Não fosse já bastante a insegurança jurídica causada pela ausência de

conceituação positivada do ato de improbidade administrativa, o legislador ordinário

ainda inseriu no caput do art. 11, da Lei de Improbidade, a previsão de constituir ato

de improbidade administrativa a violação a princípios da administração pública,

aumentando, com isso, a imprecisão normativa, uma vez que os princípios, por suas

próprias características e natureza, não descrevem as condutas vedadas ou

franqueadas pelo ordenamento jurídico de molde a dar a saber a todos

antecipadamente o que é permitido e o que não é, mas apenas fornecem – como

sempre forneceram – critérios genéricos para a correta interpretação e aplicação das

normas legais, inclusive das que, por exemplo, descrevem condutas vedadas –

aliás, nesse sentido é que se diz que a positivação dos princípios se desanuvia

irrelevante.

Em decorrência da inexistência de conceituação legal do ato de improbidade

administrativa, inúmeras ações civis públicas têm sido propostas pelo Ministério

Público contra agentes públicos sob a alegação exclusiva de ferimento ao princípio


11

da moralidade, tomando-se como ímprobo não um ato em confronto com a

moralidade administrativa positivada, e, por isso, eivado de má-fé, mas um ato

supostamente considerado imoral exclusivamente sob o ponto de vista da moral

individual ou social.

Da mesma forma, temos visto a proposição de ações de improbidade

administrativa pelo Ministério Público contra agentes públicos por ferimento ao

princípio da legalidade, apenas e tão-somente por desatenção a meras formalidades

legais.

Acreditamos que ao reverso do que afirma, v.g., Eurico Bitencourt Neto5 no

sentido de que mesmo sendo o Direito “por princípios, por essência, mais fluido e

aberto do que aquele pautado pelo formalismo de regras”, e, por isso, o seu manejo

exigiria um trabalho mais elaborado de interpretação e aplicação, mas que daí,

segundo o autor, não decorreria qualquer insegurança jurídica, em verdade o que se

vê na espécie é a inevitável equação resultante da maior ou menor precisão do texto

de uma norma positivada.

Há, como nos lembra Chaïm Perelman, uma relação inversa entre a precisão

conceitual de uma norma e o poder de aplicação dessa mesma norma pelos juízes,

“verbi gratia”:

“Os juristas bem sabem que existe uma relação inversa e complementar entre a clareza, a
precisão, e o poder de apreciação dos juizes que as devem aplicar. Quanto menos claros e
precisos os termos de uma norma, maior a liberdade concedida ao juiz, maior também a
flexibilidade da norma adaptável, pelo juiz, às circunstâncias e situações menos previsíveis.”6

5
Idem. p. 123.
6
PERELMAN, Chaïm. Ética e direito; tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira, 1. ed. – São Paulo :
Martins Fontes, 1996, p.p. 290-291.
12

Em se tratando de infração punida pela lei com extrema severidade como

ocorre com os atos de improbidade administrativa, indubitavelmente, esta

imprecisão é a chancela à palingenesia do pesadelo representado pelos regimes

fascistas do século passado sob o pálio, v.g., de uma pretensa e perigosa

moralidade pessoal ou social de conteúdo altamente subjetivo, e, portanto,

amoldável tanto às hipóteses e intenções mais justas e lícitas quanto às mais

inconfessáveis e injurídicas.

É primeva a seguinte lição Carlos de Secondat de la Brède, barão de

Montesquieu, verbatin:

“(...), a experiência eterna nos mostra que todo homem que tem poder é sempre tentado a
abusar dele; e assim irá seguindo, até que encontre limites" 7

Esta conhecidíssima lição do magistrado do ancient régime francês sintetiza

não apenas o comportamento humano diante do poder, mas também, e

principalmente, a importância num Estado Democrático de Direito da existência de

garantias aos administrados que lhes confiram a segurança necessária para poder

realizar seus negócios e desenvolver suas atividades ou funções, privadas ou

públicas, sem medo de sofrer abusos por quem quer que seja que detenha ou venha

a deter parcela do poder do Estado.

Verberar que o uso puro e simples de toda capacidade interpretativa e

aplicativa do executor da lei é garantia aos cidadãos contra o abuso é, para dizer o

menos, não paira laivo de incerteza, ingenuidade que renega a natureza humana e

sua inerente falibilidade, verbum ad verbo:

7
MONTESQUIEU. Do espírito das leis; tradução Jean Melville – São Paulo : Martin Claret, 2004, p. 164.
13

“Vê-se na história romana a que ponto um juiz pode abusar de seu poder. De que modo não
teria Ápio, em seu tribunal, desprezado as leis, uma vez que violou mesmo as que fez? Tito
Lívio nos relata a iníqua distinção do decênviro. Apresentou-se perante ele um homem que
reclamava Virgínia como sua escrava; os parentes de Virgínia pediram-lhe que, em virtude de
sua lei, ela lhes fosse confiada até o julgamento definitivo. Respondeu ele que essa lei havia
sido feita apenas em favor do pai, e, estando Virgínia ausente, essa lei não poderia ser aplicada
ao caso”8.

Não se pode fiar a segurança jurídica dos indivíduos na crença de que o

aplicador da lei se comportará de forma ideal, infalível e justa.

Montesquieu, já em 1748, anotava que a segurança dos cidadãos dependia

diretamente do grau de perfeição das leis, verbis:

“A liberdade política consiste na segurança, ou pelo menos na opinião que cada um tem de sua
segurança.
Essa segurança nunca é mais atacada que nas acusações públicas ou privadas. É, pois, da
excelência das leis criminais que depende principalmente a liberdade do cidadão.
As leis criminais não foram aperfeiçoadas de um momento para outro. Nos próprios lugares
onde mais se procurou liberdade, ela nem sempre foi encontrada. Aristóteles relata-nos que,
em Cumes, os pais do acusador podiam ser testemunhas. No tempo dos reis de Roma, a lei
era tão imperfeita que Sérvio Túlio pronuciou a sentença contra os filhos de Anco Márcio,
acusado de ter assassinado o rei, seu sogro. Na época dos primeiros reis francos, Clotário
estabeleceu uma lei pela qual um acusado não poderia ser condenado sem ser ouvido, o que
prova uma prática contrária em algum caso particular ou entre algum povo bárbaro. Foi
Charondas quem introduziu os julgamentos contra os falsos testemunhos. Quando a inocência
dos cidadãos não é assegurada, a liberdade também não o é”.9

Interessante notar que, embora Montesquieu falasse de um tempo no qual a

grande preocupação dos cidadãos fosse a imperfeição das leis penais e suas

repercussões no direito à liberdade, não deixa ele de gizar que a segurança nunca é

mais atacada do que nas acusações.

Por isto, como bem o sabemos hodiernamente (art. 5º, LV, CF/88), seja em que

campo do Direito for, não pode o acusado prescindir dos direitos e garantias

fundamentais que o resguardam do poder que o Estado confere aos seus agentes.

8
Idem. p. 93.
9
Idem. p. 197.
14

O princípio da legalidade desenhado no inciso II, do art. 5º, da CF/88, v.g., que

compõe o patrimônio de direitos e garantias fundamentais das pessoas no Brasil,

estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”, e tem por escopo colocá-las a salvo de punições abusivas

e casuísticas calcadas em elementos de natureza subjetiva, exatamente por ser a

história pródiga em casos de abusos desse jaez praticados pelos detentores do

poder do Estado.

Celso Antonio Bandeira de Mello com sua costumeira precisão assenta que “o

princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, visceralmente, a quaisquer

tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as

formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as

manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O

princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico,

pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania”.10

Por este motivo no Direito Penal, em cuja seara está em jogo a liberdade do

indivíduo, para garantir maior segurança jurídica a todos, a lei evoluiu para

construção do princípio da estrita legalidade (art. 5º, XXXIX, da CR/88) exigindo-se

para o apenamento do agente, prevista em anterior norma positiva, descrição exata

do tipo penal – com o qual a conduta do agente deve se adequar perfeitamente – e

prescrição da pena correspondente.

A partir do princípio da legalidade evolveu-se também para o reconhecimento

de que os atos administrativos, os atos legislativos e até mesmo os judiciais devem

se conformar com o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade porque é

10
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit. p. 59.
15

intolerável a insensatez e o tratamento mais extenso e intenso do que justifica a

hipótese por destoarem da finalidade legal.

Por isto o Direito Penal em geral trata de maneira diferente os casos dolosos e

culposos, impingindo aos primeiros, nos quais o agente teve a intenção de praticar o

ilícito, um tratamento mais severo – como no caso do homicídio.

Márcio Cammarosano já inculcou a proporcionalidade entre a gradação do

repúdio da ordem jurídica e a intenção do agente, escrevendo: “o direito reage

diferentemente, quer ao estabelecer sanções, quer ao dispor a respeito dos meios

conducentes à sua eventual aplicação, em função deste ou daquele aspecto da

violação da ordem jurídica. É também certo que um dos aspectos, para esse efeito,

é o elemento subjetivo do agente, o que lhe move, sua intenção” 11.

E mais adiante, tratando especificamente da proporcionalidade entre o

tratamento legal da invalidade dos atos administrativos e o comportamento do

agente, sublinha o festejado autor: “(...) se se conjugam invalidade do ato e vontade

livre e consciente de violar a ordem jurídica, ou invalidade decorrente de intenção

viciada, além de ser o caso de anular-se o ato, o próprio agente deverá sofrer

sanções as mais severas em razão mesmo da maior gravidade de seu proceder”12.

É imperativo que haja, como obrigação voltada ao legislador, por força do

princípio da razoabilidade, uma relação direta de proporcionalidade entre a

gravidade da conduta objeto da vedação positivada e a justeza e rigor do tratamento

legal a ela dispensada, assim como ordena a razão que também deva haver uma

11
CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa.
São Paulo, 1997, [Tese de Doutorado – Puc/São Paulo]. p.117.
12
Ibidem.
16

relação diretamente proporcional entre o castigo, legal e eticamente admissível,

aplicado pelos pais aos seus filhos e a desobediência que lhe deu causa.

Todavia, o que se pretende aqui não é defender a idéia de que se deveria

aplicar o princípio da estrita legalidade aos atos de improbidade administrativa, como

pode parecer à primeira vista, mas apenas demonstrar que a maior ou menor rigidez

na tipificação de normas de caráter punitivo deve ser proporcional à gravidade da

conduta e ao grau de gravame que pode ser impingido ao acusado, pois a aplicação

de pena, ainda que de natureza civil, se nutre e se orienta pelos mesmos princípios

que informam o Direito Penal, e a falta de conceituação legal do que vem a ser o ato

de improbidade administrativa pela Lei nº 8.429/92, por sua inescusável

gravosidade, é efetivamente uma fonte geradora de insuportável insegurança

jurídica e de titânicas ignomínias, cuja solução, porém, está na aplicação dos

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e dos princípios que informam o

Direito Penal tomados em conformidade com o elemento teleológico da lei de molde

a garantir maior segurança jurídica aos acusados de sua prática, sob pena de,

embora agindo de boa-fé e sem malícia, quaisquer agentes públicos e pessoas

físicas ou jurídicas de direito privado se vejam injustamente enrodilhados em

aberrantes acusações esculturadas ações civis públicas.

Assim, salvo no caso da Lei de Improbidade Administrativa que numa escala de

gravidade das penas se situaria abaixo das leis penais, mas acima das disciplinares

e do exercício do poder de polícia, observamos que a existência de tipos abertos no

direito administrativo não se constitui por si só num grave perigo à segurança

jurídica dos agentes públicos ou dos administrados, porque embora a descrição da

conduta e da pena cabível não seja tão exata quanto nos tipos penais, ela é

suficiente para proporcionar ao aplicador da lei os parâmetros necessários para que


17

ele decida se houve ou não a infração, e assim, uma vez que reconheça ter havido,

possa aplicar a pena prevista.

Ocorre que as condutas infracionais descritas na Lei de Improbidade

Administrativa – como a que se refere à violação dos princípios que regem a

Administração Pública – podem em tese atingir desde uma simples violação a uma

formalidade legal até um crime contra a Administração Pública.

A amplitude na Lei de Improbidade Administrativa dos atos passiveis de serem

considerados ímprobos pode enredar em seu campo de atuação comportamentos

de potencial ofensivo tão ínfimo – como a publicação extemporânea por alguns dias

do extrato de um contrato administrativo – que no campo disciplinar podem chegar a

ser considerados meros pecadilhos sem qualquer repercussão para o bem jurídico

tutelado, e que, portanto, não cheguem nem mesmo a tipificar uma infração

disciplinar de grau leve, e, no entanto, incongruentemente, ao mesmo tempo,

poderão vir a ser considerados atos de improbidade administrativa, recebendo uma

penalização tão grave quanto aquele ato que no campo disciplinar levaria o seu

autor à demissão do serviço público, dês que uma das penalidades previstas na Lei

de Improbidade Administrativa, e que é aplicável em toda e qualquer hipótese – é

bom que se destaque –, é a perda da função pública, pois a gradação das

penalidades na Lei de Improbidade é quase que indiferente.

Isto ocorre porque como o alvo da Lei de Improbidade Administrativa é a

imoralidade administrativa, a corrupção, a desonestidade, a má-fé dos agentes

públicos, o seu campo de ação deveria ter sido delimitado pelo legislador com base

na própria etimologia da palavra improbidade. Mas não o foi, desprezando os

princípios que regem o Direito Punitivo.


18

Por esta razão defendemos a idéia de que, para que se garanta um mínimo de

segurança jurídica aos acusados, seja qual for a violação, dever-se-ia aplicar na

identificação da conduta ímproba os princípios do Direito Penal e considerar como

elementos essenciais do tipo, nos atos de improbidade administrativa, o dolo ou a

culpa (grave) qualificados pelo comportamento torpe, e assim se perscrutar o

elemento subjetivo da conduta do agente a fim de se verificar a existência de

desonestidade, de má-fé, os quais, uma vez comprovados, aí sim, teriam, como têm,

o condão de transformar o que antes era uma simples violação a uma formalidade

legal numa infração disciplinar grave passível de demissão, e, sobretudo, num ato

de improbidade administrativa propriamente dito.

Além do mais, não podemos nos desmemoriar, a responsabilidade por ato de

improbidade produz repercussões tanto no campo civil quanto no político, verbis:

“46. Em caso de atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível, o
servidor ficará sujeito à suspensão dos direitos políticos, perda da função pública,
indisponibilidade dos bens e ressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei (art.
37, § 4º), sendo imprescritível a ação de ressarcimento por ilícitos praticados por qualquer
agente que causa prejuízo ao erário (art. 37, § 5º)”.13

Ora, não existe em nosso ordenamento jurídico responsabilidade objetiva de

agente público, verbo pro verbum:

“96. Após estabelecer que “as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nesse qualidade,
causarem a terceiros (...)”, o art. 37, § 6º, conclui: (...) assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos caso de dolo ou culpa”.
Há, pois, expressa previsão de retorno da pessoa de Direito Público ou de Direito Privado
prestadora de serviço público contra o agente causador do dano uma vez ocorrentes os
seguintes requisitos:
a) tenham sido condenadas a indenizar terceiro por ato lesivo do agente:
b) o agente responsável haja se comportado com dolo ou culpa.
97. Ocorre perguntar se o terceiro lesado poderia mover ação de indenização diretamente
contra o agente, prescindindo de responsabilizar o Estado ou quem lhe faça as vezes, ou se
poderia buscar responsabilização solidária de ambos. É bem de ver que no primeiro caso o
13
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Op. cit. p. 198.
19

lesado estaria disputando a lide no campo de responsabilidade subjetiva, dado que o agente só
responderia na hipótese de dolo ou culpa”14.

Em virtude disto também, é comperto, não se pode admitir imputação de prática

de ato de improbidade como se estivéssemos a tratar de infração de mera conduta

ou de responsabilidade objetiva na espécie, máxime quando temos em mente a

própria natureza do ato.

A ausência de conceituação do ato de improbidade na lei é, seguramente,

concreto fator de insegurança jurídica, e, por isso, à falta de correção legislativa, não

pode prescindir de solução doutrinária e jurisprudencial.

Por certo, apresentar como fator garantidor de segurança jurídica a obrigação

que todo bom intérprete do Direito tem de se valer das regras da ciência

hermenêutica é esquecer que, como sempre lembra Adilson Abreu Dallari 15, o Direito

é controvérsia, e, se é assim, isto é, se a controvérsia é um fator intrínseco ao

próprio Direito, é inconcusso, quanto maior for o campo gelatinoso, acinzentado ou

ancípite no qual as quase certezas passam a dar lugar às incertezas somente, maior

será a insegurança jurídica diante da qual estaremos.

Mas o nosso ordenamento jurídico defere o direito à segurança a todos

indistintamente, como se pode extrair do desenho normativo do caput do art. 5º, da

CF/88, e, muito embora o conceito que os agentes políticos têm no seio da

sociedade seja ruim, não pode o Direito compactuar com tratamentos

preconceituosos e, portanto, maculadores de direitos e garantias fundamentais de

quem quer que seja.

14
Idem. p. 690.
15
DALLARI, Adilson Abreu. Seminário do Curso de Especialização em Direito Administrativo da PUC-SP. São
Paulo : PUC/SP. 2004. Notas de aula.
20

A concreta possibilidade de condenação de um inocente sequer, por conta da

colossal imprecisão da Lei de Improbidade Administrativa, impõe o afastamento da

abstrusa descrição legal das condutas ímprobas para a garantia da segurança

jurídica, fazendo-se o que deveria ter feito o legislador, ou seja, fixando-se o

elemento subjetivo qualificado essencial do tipo, cujo conceito tomamos emprestado

do conceito de posse com animus dommini da teoria de Savigny.

Anota José Joaquim Gomes Canotilho16 que o princípio da segurança jurídica

se constitui numa das vigas mestras da ordem jurídica.

De fato, parece não haver um fator mais importante ao homem para o seu

pleno desenvolvimento do que a segurança, eis que sem segurança não há

ambiente para o florescimento das habilidades e competências humanas, e,

conseqüentemente, para o progresso da sociedade.

Nosso propósito é fazer uma breve e singela demonstração de que a ausência

de conceituação na norma positiva do que é ato de improbidade administrativa

aliada à amplitude das condutas que podem ser consideradas como tal, de acordo

com a Lei de Improbidade Administrativa, se constituem em fatores ofensores do

sagrado princípio da segurança jurídica, logo devem ser deliridos, a despeito da

inexistência de conceituação legal, pela própria etimologia da palavra e pelo

elemento teleológico da norma que por si só definem os elementos subjetivos do

tipo, aplicando-se ao caso os princípios que informam o Direito Punitivo, de modo a

se restringir o seu campo de ação e restaurar a segurança jurídica.

16
CANOTILHO, J.J. GOMES, Direito Constitucional – Coimbra: Almedina, 1991, p.384.
21

Nesta hercúlea tarefa esperamos contar com o beneplácito de nossos mestres

para as nossas imprecisões e afoitezas próprias dos neófitos, mas, ao mesmo

tempo, com o reconhecimento de que, a despeito delas, laboramos com a paixão

pelo estudo do Direito que arde no coração dos iniciantes e o germe do ideal

científico dos grão-mestres, pois assim, ainda que não consigamos neste modesto

estudo atingir o nosso objeto, já nos terá valido todo e qualquer esforço nesse

sentido como um primeiro e modesto passo no campo da ciência jurídica.


22

1 O SENTIDO DA EXPRESSÃO

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
23

A significação da locução improbidade administrativa encontra solução

adequada na própria etimologia da palavra e na origem da formulação do princípio.

O vocábulo ímprobo provêm do latim improbus, e se refere àquilo que é

desonesto.

O termo improbidade, por sua vez, se origina do latim improbitas, que está

referido à noção de falta de probidade, de mau caráter, de desonestidade.

E o denominativo improbus administrator é a expressão latina que tem como

finalidade transmitir a idéia de administrador desonesto17.

A linguagem é um instrumento de comunicação inerente à própria inteligência

humana que tem como fito precípuo enviar ao interlocutor mensagens através de

sinais ou sons que correspondam da forma mais fiel possível à imagem mental cuja

idéia se pretende transmitir.

Por se constituir num meio de transmissão de idéias essencial ao

relacionamento humano, como não poderia deixar de ser, a linguagem encontra

maior rigorismo e precisão na sua utilização pelas ciências, pois estas, se valem da

correção da linguagem para atingir seus objetivos, verbi gratia:

“INTERPRETAÇÃO – CARGA CONSTRUTIVA – EXTENSÃO. Se é certo que toda a


interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem
juridico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo
com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de
interpretar, descabe “inserir na regra de direito o próprio juízo – por mais sensato que seja –
sobre a finalidade que “conviria” fosse por ela perseguida” – Celso Antonio Bandeira de Mello –
em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este aquele.
CONSTITUIÇÃO – ALCENCE POLÍTICO – SENTIDO DOS VOCÁBULOS –
INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do
17
FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua portuguesa, 1. ed., 14. impr. – São Paulo : Nova
Fronteira, 1975, p. 749.
24

sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos


consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem,
possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam, conceito estabelecido
com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito,
pela atuação dos Pretórios.
SEGURIDADE SOCIAL – DISCIPLINA – ESPÉCIES – CONSTITUIÇÕES FEDERAIS –
DISTINÇÃO. Sob a égide das Constituições Federais de 1934, 1946 e 1967, bem como da
Emenda Constitucional n.º 1/69, teve-se previsão geral do tríplice custeio, ficando aberto
campo propício a que, por norma ordinária, ocorresse a regência das contribuições. A Carta da
República de 1988 inovou. Em preceitos exaustivos – incisos I, II e III do art. 195 – impôs
contribuições, dispondo que a lei poderia criar novas fontes destinadas a garantir a
manutenção ou expansão da seguridade social, obedecida a regra do art. 154, inciso I, nela
inserta (par. 4. do artigo 195 em comento).

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – TOMADOR DE SERVIÇOS – PAGAMENTOS A


ADMINISTRADORES E AUTÔNOMOS – REGÊNCIA. A relação jurídica mantida com
administradores e autônomos não resulta de contrato de trabalho e, portanto, de ajuste
formalizado à luz da Consolidação das Leis do Trabalho. Daí a impossibilidade de se dizer que
o tomador de serviços qualifica-se como empregador e que a satisfação do que devido ocorra
via folha de salários. Afastado o enquadramento no inciso I do artigo 195 da Constituição
Federal, exsurge a desvalia da norma ordinária disciplinadora da matéria. A referência contida
no par. 4. do artigo 195 da Constituição Federal ao inciso I do artigo 154 nela insculpido, impõe
a observância de veículo próprio – a lei complementar. Inconstitucionalidade do inciso I do
artigo 3. da Lei n. 7.787/89, no que abrangido o que pago a administradores e autônomos.
Declaração de inconstitucionalidade limitada pela controvérsia dos autos, no que não invalida o
pagamento aos avulsos.”18

Então, se não se pode ignorar o sentido das palavras no vernáculo, pois é das

palavras que se vale o legislador para exprimir as suas idéias – malgrado não se

poder ademais olvidar a natureza das coisas – , exceto se estivermos diante da

criação de um instituto novo pelo direito positivo mediante uma conceituação

particular e especial expressa no texto da lei, não se poderá entender a prática do

ato de improbidade administrativo previsto na Lei de Improbidade senão como um

ato eivado de má-fé, de comportamento desonesto em face da etimologia da palavra

e da acepção pública e notória da expressão.

Entendimento contrário fatalmente tornaria letra morta garantias típicas, tais

como a tipicidade e a legalidade, encontradiças implícita e explicitamente não só no

18
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Interpretação – Carga Construtiva – Extensão Constituição – Alcance
Político – Sentido Dos Vocábulos – Interpretação. Seguridade Social – Disciplina – Espécies – Constituições
Federais – Distinção. Contribuição Social – Tomador De Serviços – Pagamentos a Administradores e
Autônomos – Regência. RE-166772 / RS. Recorrente: Abastecedora Tonolli Ltda. e outros. Recorrido INSS.
Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 15 de maio de 1994. Disponível em. URL:<
http://gemini.stf.gov.br/cgibin/nphbrs?d=SJUR&n=julg&s1=INTERPRETA
%C7%C3O+e+CARGA+CONSTRUTIVA+e+EXTENs
%C3O+&l=20&u=http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/Jurisp.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=
PLURON&Sect6=SJURN&p=1&r=2&f=G >. Acesso em 22 mar. 2006.
25

Direito Punitivo como também na Constituição Federal e em todo o ordenamento

jurídico, dês que a admissão de atribuição a uma palavra ou locução de um

significado inteiramente contrário ou inusitado ao reportado no vernáculo poderiam

muito bem servir de fundamento bastante para afastá-las através de espúrias

operações intelectuais de conteúdo altamente subjetivo a fim de conferir valores e

conteúdos às palavras de um determinado texto legal inteiramente inéditos e

desconformes com a etimologia e com o seu uso publico e notório, levando à ruína o

edifício jurídico do país.

Vale a pena transcrever a decisão prolatada pelo Dr. Julio Berezoski

Schattshneider19, quando da apreciação de pedido de concessão de segurança com

pedido liminar, na qual faz ele referência a um voto lapidar do Min. Marco Aurélio de

Mello nos autos do RE-150.764-PE, o qual, por sua vez, faz remissão a um voto do

Ministro Luiz Gallotti que trata exatamente da importância da correta acepção dos

termos para a ciência jurídica, verbis:

“Ora, se o prefeito e os demais agentes políticos, para os efeitos da Lei Complementar n.


84/96, não podem ser equiparados a trabalhadores autônomos, muito menos poderiam ser
considerados empregados, cujo conceito, previsto no “caput” do artigo 3º, da CLT (considera-se
empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário), não lhes é extensível, até mesmo por força do
artigo 110 do Código Tributário Nacional. A contribuição incide sobre a folha de salários (inciso I
do artigo 195 da Constituição). Porém os agentes políticos não recebem salário, senão subsídio
(Emenda Constitucional n.º 19), além do que não há dependência ou hierarquia entre eles e o
Município, o pretenso empregador.
O Ministro MARCO AURÉLIO, em voto vencedor proferido no RE n. 150.764-PE – caso
FINSOCIAL (RTJ 147/1040) -, fez referência a voto do Ministro LUIZ GALLOTTI que vale a
pena transcrever:
Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se a lei pudesse chamar de compra o
que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é
exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na
Constituição.

19
BRASIL. Seção Judiciária de Santa Catarina. Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Chapecó. Contribuição
Social. Mandado de Segurança 98.60.01117-6. Impetrante: Município de Formosa do Sul-SC. Impetrado:
Gerente Regional de Arrecadação e Fiscalização do INSS em Chapecó-SC. Juiz Narciso Leandro Xavier Baez -
Chapecó, 07/07/1998. Disponível em: <http://sistemas.jfsc.gov.br/consultaProcessual/servlet/
ConsultaProcessual>. Acesso em: 22 de março de 2006.
26

Sua Excelência, brilhantemente, ainda tomou de empréstimo a frase atribuída a


NAPOLEÃO: “Tenho um amo implacável, que é a natureza das coisas”. De fato, se ao
legislador fosse facultado atribuir ao prefeito e aos vereadores a condição de
empregados para possibilitar que sobre suas remunerações incidissem as contribuições
previstas na Lei 8.212/91, de nada valeria o princípio da legalidade e a taxatividade dos
incisos do artigo 195 da Constituição”.

O sentido da palavra improbidade, desde os tempos da língua mater da última

flor do Lácio, está referida diretamente ao comportamento desonesto, e não ao

inapto, ao incapaz, razão pela qual, dada a ausência de conceituação legal do ato

de improbidade administrativa, não se pode chamar de inábil o que é sórdido

ignorando-se a natureza da qualidade a que se reporta a palavra e a sua própria

etimologia, corroborada, aliás, pelo sentido da expressão latina improbus

administrator.

Ensina Carlos Maximiliano que “verbum ex legibus, sic accipiendum est: tam ex

legum setentia, quam ex verbis – “O sentido das leis se deduz, tanto do espírito

como da letra respectiva”.20

A inteligência da lei, observa Carlos Maximiliano, resulta da análise de suas

partes com o todo e com as demais normas do sistema jurídico, e “a verdade inteira

resulta do contexto, e não de uma parte truncada, quiçá defeituosa, mal redigida;

examine-se a norma na íntegra (2), e mais ainda: o Direito todo, referente ao

assunto. Além de comparar o dispositivo com outros afins, que forma o mesmo

instituto jurídico, e com os referentes a institutos análogos; força é, também, afinal,

pôr tudo em relação com os princípios gerais, o conjunto do sistema em vigor (3)”.21

Desasna Eurico Bitencourt Neto que “obter finalidade pública, para o princípio

da moralidade, é, sobretudo, fazê-lo com lealdade, boa-fé, honestidade (...)”22.


20
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16 ed. – Rio de Janeiro : Forense, 1996. p. 111.
21
MAXIMILIANO, Carlos. Idem. p.p. 129-130.
22
BITENCOUR NETO, Eurico. Op. cit. p. 102.
27

Hely Lopes Meirelles, falando sobre as origens do princípio da moralidade,

enunciava que o agente administrativo “deve, necessariamente, distinguir o Bem do

Mal, o honesto do desonesto”23, e, no exercício de suas funções, não poderá se

descurar da ética em sua conduta.

Mais à frente acrescenta que “o velho e esquecido conceito do probus e do

improbus administrator foi reimplantado na nossa Administração pela legislação pós-

revoluvionária”24 a fim de punir a corrupção.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (apud Eurico Bitencourt Neto, 2005:102) entende

que a moralidade e a probidade administrativas são sinônimos e englobam valores

como a honestidade, lealdade, boa-fé e boa administração.

Celso Antonio Bandeira de Mello professora que estão compreendidos no

âmbito do princípio da moralidade “(...) como é evidente, os chamados princípios da

lealdade e boa-fé”25

A par de se discutir se a moralidade é espécie da probidade ou vice-versa, pois

essa discussão não parece ter nenhuma valia para o presente estudo, o certo é que

ambas se referem diretamente com o que é airoso, brioso, conveniente, correto,

decente, decoroso, digno, fiel, honesto, honrado, honroso, inatacável, inconcusso,

insuspeito, íntegro, leal, limpo, pudente, pundonoroso, puro, reto, ou virtuoso. E

nisso a doutrina parece estar de acordo.

23
MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 61.
24
Idem. p. 69.
25
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Op. cit. p. 72-73.
28

É preciso, portanto, não só em função da imagem mental transmitida pela

expressão em análise, mas também pelo próprio sentido que a doutrina atribui à

locução, mais do que apenas mera ineptidão para que tenhamos caracterizada a

prática de ato de improbidade administrativa. É imprescindível o comportamento

desonesto do administrador, porque esse é o sentido próprio da expressão.


29

2 A NATUREZA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE

DOS AGENTES PÚBLICOS

Em nosso Regime Jurídico Administrativo a responsabilização em geral do

agente público pela prática de ilícitos cíveis demanda a demonstração de ter ele

agido com culpa ou dolo, pois a responsabilidade de tais agentes é subjetiva como

entende Hely Lopes Meirelles, verbatin:


30

“A responsabilidade civil é a obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à


Administração, por culpa ou dolo no desempenho de suas funções. Não há, para o servidor,
responsabilidade objetiva ou sem culpa. A sua responsabilidade nasce com o ato culposo e
lesivo e se exaure com a indenização.”26

Nessa direção também se posiciona Celso Antonio Bandeira de Mello, verbis:

“96. Após estabelecer que “as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros (...)”, o art. 37, § 6º, conclui: (...) assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Há, pois, expressa previsão de retorno das pessoas de Direito Público ou de Direito Privado
prestadora de serviço público contra ao agente causador do dano uma vez ocorrentes os
seguintes requisitos:

(...)
b) o agente responsável haja se comportado com dolo ou culpa.”27

A jurisprudência também é remansosa nesse sentido.

Veja-se, pois, neste mesmíssimo norte, o seguinte acórdão do C. STJ, verbum

pro verbo:

“RECURSO ESPECIAL Nº 620.829 - MG (2003/0226644-0)


RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROCURADOR : WALTER SANTOS DA COSTA E OUTROS
RECORRIDO : CÍCERO DA SILVA
ADVOGADO : RIVA PASCHOIM DA SILVEIRA BORGES
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DE SERVIDOR.
DIREITO DE REGRESSO, ART. 70, III, DO CPC.
1. "A denunciação da lide só é obrigatória em relação ao denunciante que, não denunciando,
perderá o direito de regresso, mas não está obrigado o julgador a processá-la, se concluir que
a tramitação de duas ações em uma só onerará em demasia uma das partes, ferindo os
princípios da economia e da celeridade na prestação jurisdicional.
2. A denunciação da lide ao agente do Estado em ação fundada na responsabilidade prevista
no art. 37, § 6º, da CF/88 não é obrigatória, vez que a primeira relação jurídica funda-se na
culpa objetiva e a segunda na culpa subjetiva, fundamento novo não constante da lide
originária.
3. Não perde o Estado o direito de regresso se não denuncia a lide ao seu preposto
(precedentes jurisprudenciais)." (ERESP 313.886/RN)
4. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO

26
MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 414..
27
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Op. Cit. p. 690.
31

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do


Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco
Falcão
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 21 de outubro de 2004 (Data do Julgamento)”28

E em idêntico soar, verbis:

“RECURSO ESPECIAL Nº 489.511 - SP (2002/0148025-0)


RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROCURADOR : REGINA MARIA RODRIGUES DA SILVA E OUTROS
RECORRIDO : ADÃO ALVES DE CARVALHO E CÔNJUGE
ADVOGADO : JOÃO BAPTISTA PEIXOTO NETO
INTERES. : SÉGIO PEREIRA
ADVOGADO : JOSÉ JONASSON FILHO
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO -
EVENTO DANOSO CAUSADO POR ATO DE TABELIONATO NÃO OFICIALIZADO -
LEGITIMIDADE PASSIVA - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - AÇÃO DE REGRESSO - NEXO DE
CAUSALIDADE.
1. Provado nos autos que a fraudulenta alienação imobiliária só se realizou em face de
apresentação de falsa procuração pública, cabe ao Estado responder pela indenização por ato
ilícito do seu preposto.
2. Os tabelionatos são serventias judiciais e estão imbricadas na máquina estatal, mesmo
quando os servidores têm remuneração pelos rendimentos do próprio cartório e não dos cofres
públicos.
3. Embora seja o preposto estatal também legitimado para responder pelo dano, sendo
diferentes as suas responsabilidades, a do Estado objetiva e a do preposto subjetiva, caminhou
a jurisprudência por resolver em primeiro lugar a relação jurídica mais facilmente comprovável,
ressalvando-se a ação de regresso para apurar-se a responsabilidade subjetiva do preposto
estatal.
4. Nexo causal devidamente estabelecido pela perda de um negócio jurídico oneroso, só
praticado pela apresentação de uma procuração falsa.
5. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade,
com ressalva do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, negou provimento ao recurso, nos
termos do voto da Sra. Ministra-Relatora."Os Srs. Ministros Franciulli Netto, João Otávio de
Noronha e Castro Meira votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 22 de junho de 2004 (Data do Julgamento)”29

28
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual civil. Ação de indenização por danos morais.
Responsabilidade objetiva do estado. Denunciação da lide de servidor. Direito de regresso, art. 70, III, do CPC.
REsp-620.829 - MG (2003/0226644-0). Recorrente: Estado de Minas Gerais. Recorrido: Cícero da Silva.
Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, 21 de outubro de 2004.
29
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo e Processual Civil – Responsabilidade Civil do Estado -
Evento danoso causado por ato de tabelionato não oficializado - Legitimidade Passiva - Denunciação da lide -
Ação de regresso - Nexo de causalidade. REsp-489.511 - SP (2002/0148025-0). Recorrente: Fazenda do Estado
de São Paulo. Recorrido: Adão Alves de Carvalho e Cônjuge. Relatora: Min. Elena Calmon. Brasília, 22 de
junho de 2004.
32

A questão tem assento constitucional no § 6º, do art. 37, da CF/88, e

infraconstitucional nas disposições dos art. 43 e 186 do Código Civil e, é bem de se

ver, é bonançosa e não dá quase que nenhuma guarida às dissensões exatamente

por causa da maior precisão dos textos das normas de regência.

Em se cuidando, pois, de responsabilidade civil dos agentes públicos por danos

cabe ao autor o ônus da prova de ter o agente agido com culpa ou dolo – além da

prova do nexo causal e da ocorrência de dano, evidentemente.

Nesse pisar, comentando sobre o elemento subjetivo do tipo das condutas

previstas no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa, estampa Sérgio Monteiro

Medeiros, verbum pro verbo:

“Convém decalcar que, em casos que tais, as condutas censuradas são incompatíveis com
culpa. todas são qualificadas pelo dolo, pela vontade deliberada de realizar a infração com
vistas à obtenção de enriquecimento ilícito.
Qualquer conduta, para que possa ser caracterizada como ato de improbidade administrativa,
sendo por isso merecedora de sancionamento, deve ter certa repercussão nos mundos jurídico
(do Direito) e fenomênico (dos fatos).
O comportamento de uma funcionária do INSS que recebe um fraco de perfume por haver
viabilizado a concessão mais célere de um benefício devido, sem qualquer promessa de paga,
sem vislumbrar vantagem direta ou indireta, e, principalmente, sem preterição às normas legais
e regulamentares, não reclama providência sancionatória na esfera judicial, ainda que possa
sofrer penalidade administrativa. Nesse caso, carece o Ministério Público (bem como os co-
legitimados) de interesse de agir.
Mas o norte da exegese, diante de um caso em concreto, não pode ser o valor econômico
inerente ao comportamento objeto de censura, mas a situação em si. No caso acima cogitado,
a funcionária não age com dolo, com desonestidade, o que afasta o maior grau de reprovação
de sua conduta”.30

Nuclear é o comentário de Fábio Medina Osório no sentido de que não será

qualquer ilegalidade que poderá ensejar a configuração da improbidade

administrativa, sustentando o autor que "apenas os atos que, além de ilegais, se

mostrarem fruto da desonestidade ou inequívoca e intolerável incompetência do

agente público"31.
30
MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Ibidem. p. 52.
31
FÁBIO MEDINA OSÓRIO, in Improbidade Administrativa. Observações sobre a Lei nº8.429/92. 2 ed. ampl.
e atual – Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 114.
33

Quanto à incompetência inequívoca e intolerável a que se refere o autor,

devemos dizer que, salvo se com o adjetivo intolerável quis ele se referir à culpa

grave, isto é, contagiada pela má-fé, não vemos como se considerar ímprobo uma

violação á lei em razão de incompetência, de inabilidade do agente.

Não se pode levar às últimas conseqüências a interpretação do preceito legal

que cuida da violação ao princípio da legalidade, eis que, se assim o fosse, como

exemplifica o próprio Fábio Medina Osório32, toda ação de mandado de segurança

que fosse julgada procedente, por exemplo, acarretaria a conseqüente

responsabilização da autoridade coatora por prática de ato de improbidade

administrativa que atenta contra o princípio da legalidade, fato que redundaria em

grande descalabro para a administração pública, onde passaria a reinar a

insegurança jurídica com inestimável prejuízo aos próprios administrados.

Outrossim, seria de se acrescentar também os habeas corpi impetrados contra

autoridades judiciais ou policiais em virtude de constrangimento ilegal julgados

procedentes, os quais, se se considerasse ato ilegal – praticado por incompetência,

inabilidade, ou ainda por inexperiência, mas sem má-fé – sinônimo de ato de

improbidade, redundariam em responsabilização automática da autoridade

constrangedora por prática de ato de improbidade. O que seria, por certo, um

rematado absurdo.

Não se discute sobre a possibilidade de se considerar hígido um ato

desconforme com a norma reguladora independentemente de correção, dês que a

qualquer operador do Direito, em especial em seara de Direito Administrativo, tal

32
Idem. p. 129.
34

debate se constituiria numa heresia em face do princípio da legalidade, mas sim

sobre a ausência dos requisitos necessários à responsabilização por ato de

improbidade dos agentes públicos pela prática de um ato ilegal ou irregular. O que,

é bem diferente.

A falta de higidez de um ato praticado por um agente público no exercício de

suas funções, é de se destacar, não pode nos conduzir por conseqüência a

considerá-lo como eivado de improbidade administrativa, porque se assim fosse

inúmeras e inomináveis injustiças seriam praticadas sob tal pálio (inclusive,

remorda-se, contra juízes, promotores e autoridades policiais que tivessem seus

atos declarados ilegais em mandado de segurança ou habeas corpus).

Um vez que não há responsabilidade objetiva de agente público, é preciso que

não só tenha havido violação à lei e enquadramento nas condutas previstas nos 9º,

10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, como também esteja presente o nexo

psicológico que caracteriza o tipo, reclamando, por isso, a demonstração da

culpabilidade do agente.
35

3 O ELEMENTO SUBJETIVO QUALIFICADO DA

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O conceito de moralidade administrativa foi criado por Maurice Hauriou (apud

Hely Lopes Meirelles, 1985:61), em sua renomada obra Précis Élémentaire de Droit

Administratif para explicar porque alguns atos embora se ajustassem formalmente à

letra da lei eram ilegais, pois haviam sido praticados com abuso de poder ou desvio

de finalidade, destoando ideologicamente dela.


36

Lembrava ainda Hely Lopes Meirelles (1985:61) que não se tratava, como dizia

“Hariou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim da uma moral

jurídica, entendida como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina

interior da Administração””.

Muito embora defenda a autonomia do princípio da moralidade – com a qual

não concordamos, diga-se en passant, nos filiando ao entendimento esposado por

Márcio Cammarosano (1997:111) de que “essa referibilidade a valores juridicizados,

consubstanciados em normas e princípios, não nos permite reconhecer a

moralidade administrativa como princípio dotado de autonomia” –, ensina a

professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001:78-79) que a imoralidade

administrativa “(...) surgiu e se desenvolveu ligada à idéia de desvio de poder, pois

se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios

lícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares”, explicando que “a

imoralidade estaria na intenção do agente”33.

Discorrendo sobre o princípio da moralidade defende Márcio Cammarosano

(1997:113-114) não ser “(...) possível dissociar a idéia de moral – moral comum ou

jurídica – da idéia de liberdade, de consciência, de livre arbítrio. A ética diz respeito

ao comportamento humano apenas em razão mesmo dos atributos do homem, que

tem a faculdade de, controlando seus instintos, criar sua própria escala de valores,

determinando-se por ela. É essa liberdade decisória – sem embargo dos

condicionamentos individuais e sociais a que estamos todos sujeitos – que nos

permite censurar ou elogiar este ou aquele comportamento como sendo bom ou

mau. Se não há liberdade não há o que censurar ou aplaudir, não há como aplicar

sanções ou premiar. Não é por outra razão que, no direito penal, foram forjados os
33
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13ª ed. – São Paulo : Atlas, 2001, p.p. 78-79.
37

conceitos de imputabilidade (capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e

de agir de acordo com esse entendimento) e culpabilidade (reprovabilidade da

conduta), sendo aquela pressuposto desta”.

Se a imoralidade está na intenção do agente de livre e conscientemente agir de

uma forma que sabe ser contrária à moralidade administrativa, então, nos parece

realmente indissociável do ato de improbidade a noção de culpabilidade tecida pelo

Direito Penal, tal qual asseverado por Márcio Cammarosano, pois se o inculpado

não sabia ou não tinha como saber de antemão que aquela conduta era vedada pelo

ordenamento jurídico, bem como não pretendeu produzir ou não assumiu o risco de

produzir o resultado de sua ação ou omissão, não se pode atribuir a ele a culpa pela

prática do ilícito.

Assim, se a noção de improbidade administrativa está intimamente ligada à de

ação desonesta, eivada de má-fé, então todas e quaisquer condutas increpadas na

Lei de Improbidade Administrativa hão de ser qualificadas pelo comportamento do

agente, isto é, dependerá de comprovação do nexo psicológico, do dolo ou culpa na

modalidade grave por causa da qualificadora que caracteriza a improbidade, cuja

noção transladamos do conceito de posse com animus domini do Direito Civil na

teoria de Savigny.

Há, portanto, um indissociável elemento subjetivo qualificado no ato de

improbidade administrativa, sem o qual nenhuma das condutas admitidas pela Lei

de Improbidade Administrativa estará perfeitamente tipificada, e, conseqüentemente,

existirá improbidade.
38

Não fosse o bastante, cumpre lembrar não existir em nosso ordenamento

jurídico responsabilidade civil objetiva do agente público.

Na responsabilidade por ato de improbidade, do qual decorre também a

responsabilidade pela reparação dos danos, não é diferente.

Inclusive porque, para que fosse, mister houvesse previsão legal

expressamente declarada nesta direção.

Mas, o que há é, isto sim, disposição literal em rumo contrário, pois o próprio

art. 5º, da Lei de Improbidade Administrativa, é expresso nesse sentido, não

deixando margem para dúvida quanto à necessidade de comprovação da presença

do elemento subjetivo na conduta do agente, verbis:

“Art. 5º Ocorrendo lesão ao patrimônio publico por ação ou omissão, dolosa ou culposa,

do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”34.

Por isto, por ser a responsabilidade do agente público de natureza subjetiva, a

responsabilização por prática de ato de improbidade exige a presença do nexo de

causalidade e do nexo psicológico com a demonstração de ter o agente querido o

resultado ou assumido grosseiramente o risco de produzi-lo. Mas não só isto,

demanda também a comprovação de um plus ao elemento subjetivo, qual seja, a

existência de um comportamento desonesto, indigno, sem caráter, indecente,

amoral, que caracteriza o tipo, sem o qual não haverá se excogitar de improbidade,

verbis:

34
BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos
casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública
direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: https://www.presidencia.gov.br/. Acesso
em: 24 de março de 2006.
39

“Entende-se por ato de improbidade má qualidade, imoralidade, malícia. Juridicamente,


lega-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau
caráter.
(...) Desse modo, improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por
não ser honesto, que age indignamente, por não Ter caráter, que não atua com decência, por
ser amoral" - De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico pág. 431. Assim, improbidade é a
qualidade do ímprobo. E ímprobo é o mal moralmente, é o incorreto, o transgressor das regras
da lei e da moral. Moral derivada do latim moralis no sentido de assinalar o que é honesto e
virtuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios de humanidade...”35

E acrescenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, verbatin:

“o enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo
quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um
mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto”.36

Francisco Octávio de Almeida Prado, no entanto, entende que “(...) a

modalidade culposa é extremamente questionável tratando-se de atos de

improbidade administrativa, que, em matéria de elementos subjetivo, situam-se,

fundamentalmente, no plano das condutas dolosas”37.

A seu tempo sublinha Eurico Bitencourt Neto que “(...) importante ressaltar a

necessidade de presença do elemento subjetivo da conduta para a configuração de

ato de improbidade administrativa, em qualquer das três espécies instituídas”,

acrescentando que ”neste ponto, não há consenso na doutrina. Cite-se breve

exemplo de posições divergentes: Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que, a

despeito de somente os atos de improbidade administrativa que causam lesão ao

erário admitirem forma culposa na Lei n. 8.429/92, todas as espécies podem

configurar-se por dolo ou culpa. De outro lado, Emerson Garcia e Rogério Pacheco

Alves apontam a necessidade do dolo em casos de enriquecimento ilícito e atentado

a princípios”38.
35
FERRACINI, Luiz Alberto. Improbidade administrativa – Campinas : Julex, 1997. p. 16
36
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 676.
37
ALMEIDA PRADO, Francisco Octávio de. Improbidade administrativa – São Paulo : 2001. p. 97.
38
BITENCOURT NETO, Eurico. Op. cit. p. 113.
40

Aqui cabe, pois, uma observação. Embora seja controvertida na doutrina a

possibilidade da existência de ato de improbidade por culpa ou por dolo, há pouco

desacordo quanto à exigência de estar o ato acoimado trespassado pela marca da

desonestidade para que esteja caracterizada a improbidade.

Eurico Bitencourt Neto lembra que é “(...) fundamental tenha dolo, já que o que

a norma tem em vista é a desonestidade, a deslealdade, a má-fé do agente público

para com os valores essenciais do sistema jurídico. A violação dos deveres

fundamentais, para que cause dano ao patrimônio moral do Estado, deve ter

consigo o comportamento desonesto do administrador publico. Desonestidade

pressupõe intenção”.39

E desposando o mesmo posicionamento assenta Francisco Octávio de Almeida

Prado que “os princípios indicados na disposição objeto de especial proteção da Lei

de Improbidade estão referidos como deveres e são, respectivamente, os da

honestidade, da imparcialidade, da legalidade e da lealdade às instituições”40.

É por isto, ou seja, pela necessidade da presença desse plus para que haja

improbidade, e também pelas repercussões, que a doutrina e a jurisprudência vêm

considerando a responsabilidade por ato de improbidade uma espécie nova no

gênero responsabilidade dos agentes públicos, in verbis:

“A lei 8.429/92 está voltada à responsabilização do agente público por danos causados à
coisa pública, tema que até bem pouco tempo não era recorrente nos assuntos próprios do
direito administrativo. Este ramo do direito se dedicou ao desenvolvimento da teoria objetiva da
responsabilidade, pouco considerando sobre a forma como o Estado recobra os danos de seus
agentes. Também foi objeto de longas linhas pelos estudiosos o tema da responsabilidade
disciplinar e da responsabilidade penal dos agentes públicos, mas nenhuma das considerações
39
Idem. p. 114.
40
ALMEIDA PRADO, Francisco Octávio de. Op. cit. p. 126.
41

lá desenvolvidas serve para o estudo do ato de improbidade, cujo regime constitucional,


normatizado na lei 8.429/92, é bastante peculiar e recente. A novidade está em estudar o tema
da responsabilidade dos agentes públicos a partir do prisma da improbidade administrativa,
sendo este o diferenciados na matéria.”41

Luminar, quanto à exigência de um plus para a caracterização do ato de

improbidade administrativa, é o voto-mérito proferido pela Exma. Sra. Ministra do E.

STJ, ELIANA CALMON, nos autos do Recurso Especial nº 269.683 – SC, o qual,

indubitavelmente, vale a pena trazer à colação, verbum pro verbo:

“VOTO-MÉRITO
EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Srs. Ministros, entendo que, na realidade,
existe uma irregularidade administrativa na cessão feita pelo servidor, por ser comissionado, ao
Ministério a que estava vinculado o réu Stepanenko. Entretanto, essa irregularidade, no campo
administrativo, não pode ser taxada de ato de improbidade. O ato de improbidade é a
irregularidade administrativa com um plus que leva a um comportamento ilícito, irregular. Se
assim não fosse, não precisaríamos instaurar uma nova instância de apuração para o ato de
improbidade. Teríamos na esfera administrativa todo o iter que levaria à punição; por isso
mesmo, o servidor público, hoje, está jungido a três esferas de exame: a esfera penal, a
administrativa e esta esfera, dita de ato de improbidade, que ainda hoje o Poder Judiciário não
definiu bem qual é a natureza jurídica. Daí ainda questionarmos o próprio foro de investigação
para julgamento de algumas autoridades que têm foro especial. Vê-se, então, que o ato de
improbidade não pode ser confundido com o ato de irregularidade administrativa.
Peço vênia à Sra. Ministra-Relatora, que se houve com uma retidão absoluta no sentido
de fazer o enquadramento específico, dos fatos à norma, para dela divergir e, desta forma, dar
provimento ao recurso, seguindo, no particular, o voto divergente do Sr. Ministro Paulo
Medina”.42

No artigo escrito por Vera Scarpinella Bueno, do qual se transcreveu o trecho

acima, a tema da discussão é o mesmo, pois o que se debate é se a realização de

publicidade em desacordo com o disposto no § 1º do art. 37, da CF/88, seria o

bastante para ensejar a aplicação das graves penalidades prelecionadas na Lei de

Improbidade Administrativa, isto é, se a constatação apenas de ilegalidade, ou seja,

de uma irregularidade administrativa na prática de um ato administrativo permeada

41
BUENO, Vera Scarpinella. O art. 37, § 1º, da Constituição Federal, e a Lei de Improbidade Administrativa.
Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 6, setembro, 2001. Disponível
em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 25 de julho de 2005.
42
BRASIL Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Improbidade administrativa. Cessão de empregado de
Empresa estatal. Ônus para a empresa cedente. Possibilidade. Decreto N. 99.955/90. Verbas indenizatórias.
Mudança de domicílio. Percepção Por servidor da união ou por nomeado para cargo em comissão ou Função
pública. Legalidade. Lesão ao erário. Inexistência. REsp 269683 / SC (2000/0076618-6). Recorrente: Alexis
Stepanenko. Recorrido: os mesmos. Relator: Min. João Otávio de Noronha. Brasília, 6 de agosto de 2002.
Disponível em : <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=269 683+&b=ACOR>. Acesso
em: 22 de março de 2006.
42

de boa-fé seria o bastante para caracterizá-lo como ato de improbidade, escrevendo

inicialmente a autora, verbis:

“A questão proposta para este estudo é a seguinte: a violação, por administrador público,
do art. 37, § 1º, da Constituição Federal, configura, por si só, ato administrativo de improbidade,
com a conseqüente aplicação das sanções previstas no art. 37, § 4º, da CF,1 e na lei nº
8.429/92?
Responder a indagação significa enfrentar outra: o que é, afinal, um ato de improbidade
administrativa?2 É dizer: ato de improbidade é sinônimo de ato ilegal?
A regra constitucional do art. 37, § 1º, é clara: “A publicidade dos atos, programas, obras,
serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem
promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”
Põe-se, então, o problema: a realização de publicidade fora da moldura do art. 37, § 1º,
mesmo quando não causar dano material aos cofres públicos, leva à aplicação das severas
penas previstas no § 4º, do mesmo dispositivo, e disciplinadas na lei 8.429/92?” 43

A disceptação se apresenta iterativamente porque, como já se disse uti supra,

não teve o legislador o cuidado de conceituar o ato de improbidade, criando, à

semelhança do que ocorre no Direito Penal, norma em branco, abrindo espaço para

interpretações abusivas, e obrigando a doutrina e a jurisprudência a aclarar o seu

verdadeiro significado em função de todo o sistema jurídico com vistas a afastar

inomináveis injustiças violadoras dos princípios da proporcionalidade e da

segurança jurídica, verbis:

“Sucede, que o legislador não foi feliz quando estabeleceu uma "lei aberta" e sem a
definição do que venha a ser ato de improbidade administrativa. Esta inconcebível omissão
legislativa é capaz de confundir ato ilegal, sem o elemento subjetivo do tipo, o dolo, com o ato
construído pela má-fé, este sim composto pela devassidão.
É lamentável que uma lei tão importante para a sociedade brasileira não diga o que
venha a ser ato ímprobo de agente público, assemelhando-se a norma penal em branco, por
possuir conteúdo incompleto,(1) e cujo "aperfeiçoamento" fica por conta de quem interpreta a
lei de improbidade administrativa. A definição de improbidade administrativa não pode ser um
"cheque em branco" ou um "recipiente vazio", (2) pois a segurança jurídica que permeia um
Estado Democrático de Direito como o nosso não permite essa indefinição jurídica.(3)
Ora, o Estado-segurança (Sicherheitsstaat)(4) se preocupa com a estabilidade das
relações jurídicas, estabelecendo o dever da Lei identificar, com clareza e precisão, os
elementos definidores da conduta delituosa.(5) Estipular apenas os tipos da improbidade, sem
definir o que a lei entende como ato ímprobo, gera uma interpretação dúbia, nem sempre fiel
aos fatos que norteiam o caso posto ao debate jurídico.
É lamentável esta omissão legislativa, pois ela é capaz de estabelecer, em um primeiro
momento, uma falsa imagem de um ato ilegal e desastrado praticado sem o dolo, que possa vir
a ser enquadrado na Lei nº 8.429/92.
Os três tipos da improbidade administrativa (enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou
atos que afrontam aos princípios da Administração Pública), sem a definição legal clara e

43
BUENO, Vera Scarpinella. Op. cit.
43

precisa ("conteúdo descritivo")(6) do que venha a ser ato ímprobo, gera muitas injustiças, com
a possibilidade de manejo indevido da correspondente ação.”44

Marcelo Figueiredo45 chama atenção para o fato de haver uma premência no

estabelecimento pela doutrina de um conceito jurídico de ato improbidade

administrativa, fixando-se as suas estritas estremaduras, já que, estas, por

infortúnio, foram olvidadas pelo legislador.

A apoquentação se agiganta quando constatamos que a Lei de Improbidade

não diz exatamente quais são os atos de improbidade, estabelecendo nos três tipos

de improbidade administrativa nela previstos apenas alguns exemplos genéricos de

comportamento, e que, em face da falta de definição legal do que vem a ser ato de

improbidade, acabam abrindo campo para interpretações viciadas tais, como por

exemplo, de que bastaria a ocorrência de fato de qualquer dos comportamentos

nela previstos para que estivéssemos diante de um ato de improbidade – e a

generalidade das hipóteses é tamanha que mesmo o menor deslize, a menor

irregularidade, ou mesmo um simples erro que não encontraria tipificação nem

mesmo na seara disciplinar, contraditoriamente, por certo encontraria

enquadramento nos diversos casos elencados na lei por tipificação aberta, em séria

demonstração de desacordo com o princípio da proporcionalidade e da

razoabilidade.

Ocorre que o simples ajustamento às condutas desenhadas na Lei de

Improbidade não é o suficiente para que reconheçamos estar diante de um ato de

improbidade não só porque, reprise-se, a teor do § 6º, do art. 37, da CR/88, e dos

44
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Inexistência de improbidade administrativa para o agente público
responsável pela ordem tributária se não houver crédito constituído e se não ficar demonstrado a posteriori ato de
má-fé. Universo Jurídico, Disponível em: <http://www.uj.com.br>. Acesso em: 25 de julho de 2005.
45
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa. Comentários à Lei nº 8.429/92 e legislação
complementar. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998. p.p. 59-61.
44

art. 43 e 186 do Código Civil, não existe no ordenamento jurídico brasileiro

responsabilidade objetiva de agente público, como também porque as condutas

previstas na Lei de Improbidade tratam, não por acaso, repetidamente de

comportamentos dos sujeitos envolvidos manchados pela má-fé, pela deslealdade

ou pela desonestidade em contraposição à presunção de legalidade dos atos

administrativos, a demonstrar sistematicamente que não só não basta a ilegalidade

para que se esteja em face de um ato de improbidade, como também não é

suficiente que o ato se enquadre numa das hipóteses escultadas na lei. É preciso

que, além de tais requisitos, haja um requisito a mais para a perfeita caracterização

do ato de improbidade, qual seja, o comportamento subjetivo do agente

conspurcado pela má-fé, pela desonestidade, verbatin:

“De fato, a lei de improbidade não diz quais atos administrativos são de improbidade. O que a
norma faz é estabelecer alguns parâmetros casuísticos para auxiliar na identificação da
improbidade de um ato jurídico. Para tal finalidade, limita-se a descrever comportamentos em
seus arts. 9º, 10 e 11, os quais não se confundem entre si, e que podem ser concretizados por
uma infinidade de atos e omissões administrativas. O que se questiona é se basta a ocorrência
fática desses comportamentos para que haja um ato de improbidade. Mais: quais os elementos
que concorrem para a existência deste específico tipo de ato administrativo, de forma a
possibilitar a aplicação das conseqüências sancionatórias previstas na lei.
Em primeiro lugar, o ato deve ser ilegal e importar em violação de alguma das modalidades dos
arts. 9º, 10 e 11 da lei, para que possa ser rotulado de ato administrativo de improbidade. É
dizer, são modalidades de improbidade: (a) uma ilegalidade que importe em enriquecimento
ilícito (art. 9º); (b) uma ilegalidade que importe em lesão ao erário e desde que haja benefício
de alguém (art. 10); ou (c) atentar contra os princípios da administração pública, entre eles a
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade (art.11).
Em segundo lugar, além desta ilegalidade “qualificada” acima referida, deve ser analisada a
conduta do agente, tendo em vista cada uma das modalidades da lei. Isto porque o nosso
ordenamento jurídico não admite a “responsabilização objetiva” dos agentes públicos. Não
apenas porque a lei 8.429/92 refere-se em vários momentos à conduta dos sujeitos envolvidos,
valorando negativamente as que estão impregnadas pela má-fé, pela deslealdade e pela
desonestidade, contrapondo estes atos à presunção de legalidade dos atos estatais. Mas,
também, porque a regra no direito público brasileiro com relação à responsabilidade dos
agentes públicos é a de que ela deve ser apurada subjetivamente, impondo-se a análise do
comportamento do agente responsável. Há um caso onde a regra é diversa porque há previsão
expressa: quando se tratar de responsabilidade do Estado. Neste caso, aplica-se a
responsabilidade objetiva do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
O objetivo da lei de improbidade é a responsabilização do agente público. Por isso é que, para
a aplicação das sanções da lei, passa a ser relevante um estudo sobre a teoria dos vícios da
vontade, pois a violação do ordenamento que a lei de improbidade visa reprimir deve ser
apurada de forma subjetiva. O fator diferenciador entre um ato ilegal e um ato de improbidade
está, pois, na conduta do agente na prática do ato ilegal, e não na ilegalidade objetiva do ato.”46

46
BUENO, Vera Scarpinella. Op. cit. p. 3
45

Assim, quer me parecer três sejam os requisitos para a ocorrência de

improbidade administrativa:

a) violação à lei;

b) enquadramento nas condutas previstas nos art. 9º, 10 e 11 da Lei de

Improbidade Administrativa; e

c) culpa ou dolo qualificados por um comportamento desonesto, malicioso – daí

só se poder falar em culpa grave.

É preciso, então, em qualquer hipótese, sindicar a conduta do agente quando

se cuida de apuração de prática de ato de improbidade, de molde a se aferir se se

encontra presente o plus da desonestidade, da indignidade, da indecência, ao lado

da ilegalidade e da tipicidade objetiva.

Este, louve-se, tem sido também o entendimento esposado reiteradamente

pelos nossos Tribunais.

Neste azimute, pois, o seguinte r. decisório (verdadeiro leading case sobre a

matéria) do E. STJ, verbo pro verbum:

“RECURSO ESPECIAL Nº 213.994 - MINAS GERAIS (99/0041561-2)


RELATOR : MIN. GARCIA VIEIRA
RECTE : MINISTERIO PUSLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RECDO : NOEL CUSTODIO PEREIRA
ADVOGADO : JOAO ALFREDO UNES TICLE

EMENTA

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE DE PREFEITO CONTRATACÃO DE PESSOAL


SEM CONCURSO PÚBLICO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade
do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92.
A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil.
Recurso improvido.

ACÓRDÃO
46

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmºs. Srs. Ministros da


Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Votaram com o Relator os Exmos. Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros,
Milton Luiz Pereira e José Delgado.
Brasília, 17 de agosto de 1.999 (data do julgamento)”. 47

E, seguindo os mesmos passos do precedente encimado, também esta

decisão proferida pelo E. STJ, nos autos do REsp nº 269.683-SC, verbi gratia:

“RECURSO ESPECIAL Nº 269.683 - SC (2000/0076618-6)


RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO PAULO MEDINA
RECORRENTE : ALEXIS STEPANENKO E OUTROS
ADVOGADO : ARTHUR PEREIRA DE CASTILHO NETO E OUTROS
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : OS MESMOS
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : CENTRAIS ELÉTRICAS DO SUL DO BRASIL S/A - ELETROSUL
ADVOGADO : JOSÉ VOLNEI INÁCIO E OUTROS
EMENTA
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CESSÃO DE EMPREGADO DE
EMPRESA ESTATAL. ÔNUS PARA A EMPRESA CEDENTE. POSSIBILIDADE. DECRETO N.
99.955/90. VERBAS INDENIZATÓRIAS. MUDANÇA DE DOMICÍLIO. PERCEPÇÃO POR
SERVIDOR DA UNIÃO OU POR NOMEADO PARA CARGO EM COMISSÃO OU FUNÇÃO
PÚBLICA. LEGALIDADE. LESÃO AO ERÁRIO. INEXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
I - A qualificação jurídica das condutas reputadas ímprobas, ou seja, a subsunção dos atos
praticados à norma de regência, Lei n. 8.429/92, constitui questão de direito, viabilizadora da
análise do recurso especial. Inaplicabilidade da Súmula 07/STJ.
II - Lei n. 8.429/92. Fixação do âmbito de aplicação. Perspectiva teleológica. Artigos 15, inc. V e
37, § 4º, da CF. O ato de improbidade, a ensejar a aplicação da Lei n. 8.429/92, não pode ser
identificado tão somente com o ato ilegal. A incidência das sanções previstas na lei carece de
um plus, traduzido no evidente propósito de auferir vantagem, causando dano ao erário, pela
prática de ato desonesto, dissociado da moralidade e dos deveres de boa administração,
lealdade e boa-fé.
III - A ocupação de cargo efetivo não constitui requisito para a cessão. Possível a cessão de
empregado público, com ônus para a entidade cedente, nos termos do art. 1º e § 2º, do Decreto
n. 99.955/90.
IV - Ajuda de custo, despesas de transporte pessoal e de dependentes, despesas com
transporte de mobiliário. Previsão legal. Lei Federal n. 8.112/90, artigos 53 e 56; DEcreto n.
1.445/95, art. 3º; Decreto n. 4.004/01. Percepção das verbas indenizatórias tanto por servidor
federal que passa a ter exercício em nova sede, quanto por aquele, que não sendo servidor, for
nomeado para cargo em comissão, com mudança de domicílio. V – Lesão ao erário inexistente.
Contraprestação ao esforço laboral edificado pelo funcionário cedido.
VI - Não configuração do dissídio. Hipóteses diversas. Descabimento do recurso pela alínea c.
VII - Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo-se no
47
Brasil, Superior Tribunal de Justiça. Administrativo - Responsabilidade de Prefeito - Contratação de pessoal
sem concurso público - Ausência de prejuízo. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário
municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92. A lei alcança
o administrador desonesto, não o inábil. REsp 213994 / MG
(1999/0041561-2). Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Recorrido: Noel Custódio
Pereira. Relator: Min. Garcia Vieira. Brasília, 17 de agosto de 1999. Disponível em:
http:<//www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?
livre=213994+&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=10>.Pesquisa: (213994) Acesso em: 25 de julho de 2005.
47

julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Medina, por maioria, vencida a Sra.
Ministra-Relatora, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro
Paulo Medina, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Paulo Medina os Srs.
Ministros Francisco Peçanha Martins, Eliana Calmon e Franciulli Netto.
Brasília (DF), 6 de agosto de 2002(Data do Julgamento).
MINISTRA ELIANA CALMON
Presidente
MINISTRO PAULO MEDINA
Relator”.48

Importante ainda por olhos na íntegra do elucidativo voto-vista do Ministro

Relator para o acórdão do transunto recurso uti supra, verbatin:

“VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA:

Acrescento que a fixação do âmbito de aplicação da Lei 8.429/92, numa perspectiva


teleológica, dos fins efetivamente visados pelos dispositivos constitucionais que a mesma veio
a regular (art. 15, V, e art. 37, parágrafo 4o), conduz à pretensão de repressão e punição de
condutas qualificadas pela desonestidade, pela evidente violação aos princípios de lealdade e
boa-fé, pela imoralidade administrativa.
Assevera Marcelo Figueiredo sobre o tema:
1. Do Latim improbitate. Desonestidade. (...). Assim, genericamente, comete maus-tratos à
probidade o agente público ou o particular que infringe a moralidade administrativa. (...)
Entendemos que a probidade é espécie do gênero ´moralidade administrativa a que alude, v.g,,
o art. 37, caput e seu § 4o, da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio
maior da moralidade administrativa; verdadeiro norte à Administração em todas as suas
manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina
do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatórios à
moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao
contrário, a probidade é peculiar e específico aspecto da moralidade administrativa. Assim,
ofensas aos princípios da lealdade, da boa-fé, da boa administração, estão igualmente contidas
na lei, ao lado das situações lá descritas como ensejadoras de punição. É dizer, a lei, quando
alude à probidade, determina ao intérprete sacar seu conteúdo da Constituição e da lei."
(Probidade Administrativa, Malheiros Editores, 4a ed., São Paulo: 2000, p. 23).
Conclui o mencionado autor que:
"(...)...Diante de um caso concreto, deverá o juiz ou administrador sindicar exaustivamente o
comportamento da Administração. Caso haja quebra de confiança, de lealdade, de ética,
haverá maus – tratos à moralidade administrativa.
(...) Nessa direção, não nos parece crível punir o agente público, ou equiparado, quando o ato
acoimado de improbidade é, na verdade, fruto de inabilidade, de gestão imperfeita, ausente o
elemento de ´desonestidade, ou de improbidade propriamente dita. " (op. cit., p. 23).
O ensinamento transcrito encontra reflexo na jurisprudência desta eg. Corte que, no julgamento
do REsp 213.994/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 27.09.99, firmou o seguinte
posicionamento:
"ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE DE PREFEITO - CONTRATAÇÃO DE PESSOAL
SEM CONCURSO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.

48
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Improbidade administrativa. Cessão de empregado de
empresa estatal. Ônus para a empresa cedente. Possibilidade. Decreto n. 99.955/90. Verbas indenizatórias.
Mudança de domicílio. Percepção por servidor da união ou por nomeado para cargo em comissão ou função
pública. Legalidade. Lesão ao erário. Inexistência. Resp-269.683 - SC (2000/0076618-6). Recorrente: Alexis
Stepanenko e Outros. Recorrente: União. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília, 6 de agosto de 2002.
Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/index.jsp. Acesso em: 25 de julho de 2005.
48

Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do
administrador, não cabem as punições previstas na Lei n. 8.429/92. A lei alcança o
administrador desonesto, não o inábil.
Recurso improvido."49

Do voto do relator extrai-se o seguinte excerto:

"De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e
desastrado. Com razão, o aresto guerreado ao sustentar que: '... a improbidade administrativa,
no ato contra a legalidade, deve dizer necessariamente, com a falta de boa-fé, com a
desonestidade, com a conduta tipo do ilícito. Ora, o requerente não agiu com má-fé. Não foi
desonesto, não recebeu nenhuma vantagem ilícita e não causou qualquer prejuízo aos cofres
do Município. Penso da mesma forma que o Eminente Desembargador Monteiro de Barros.
Sustenta Sua Excelência (fls. 871) que:
(...) É certo que a Lei n. 8.429/92, além de coibir o dano material advindo da prática de atos
desonestos, busca também punir a lesividade à moral positivada. Destarte, é imprescindível,
para a aplicação das penalidades mais severas, que a atuação do administrador destoe nítida e
manifestamente das pautas morais básicas, transgredindo assim, os deveres de retidão e
lealdade ao interesse público.
Tais características não vislumbro nas contratações efetuadas imediatamente após a entrada
em vigor da novel Carta Magna, por um Município onde reina a pobreza, companheira da
desinformação.'A punição deve ser do administrador desonesto que aufere vantagens e causa
prejuízos aos cofres públicos, com o ato ilegal. Este, além de ilegal, deve ser lesivo."
Nesse diapasão, tem-se que o ato de improbidade, a ensejar a aplicação da Lei 8.429/92, não
pode ser identificado tão somente com aquele que inobserva algum ditame legal. A incidência
das sanções previstas na lei mencionada carece de um plus, traduzido no evidente propósito de
auferir vantagem, causando dano ao erário, pela prática de ato desonesto, dissociado da
moralidade e dos deveres de boa administração, lealdade e boa-fé. É ainda Marcelo
Figueiredo, em comentários ao art. 11 da Lei de Improbidade, que ensina:
"Deveras, novamente a lei peca por excesso ao equiparar o ato ilegal ao ato de improbidade;
ou, por outra, o legislador, invertendo a dicção constitucional, acaba por dizer que ato de
improbidade pode ser decodificado como toda e qualquer conduta atentatória à legalidade,
lealdade, imparcialidade etc. Como se fosse possível, de uma penada, equiparar coisas,
valores e conceitos distintos. O resultado é o arbítrio. Em síntese, não pode o legislador dizer
que tudo é improbidade.
Será necessário esforço doutrinário para trazer aos seus limites o conceito de improbidade
administrativa. O art. 11, caput, tal como redigido, afirma o que constitui ato de improbidade: é
ato de improbidade praticar ações ou omissões que violem a ... legalidade.
Assim, temos que, em princípio (segundo a lei), improbidade=violação à legalidade. Não é
correta a lei, e destoa dos conceitos constitucionais. Ademais, não pode o legislador, a pretexto
de dar cumprimento à Constituição, juridicizar e equiparar legalidade a improbidade.
Novamente a preocupação nada tem de acadêmica, porquanto, dentre tantos problemas, os
resultados e conseqüências da ação ilegal e da ação por ato de improbidade são radicalmente
diversos. Esses últimos, segundo a lei, acarretam as sanções do art. 12, III (perda da função,
ressarcimento, suspensão dos direitos políticos etc.). (...) O resultado será a injustiça flagrante,
se tomada a lei ao pé da letra.
(...)
Para nós, o agente público que atende aos deveres de honestidade e lealdade acata o princípio
da moralidade administrativa. É dizer, honestidade e lealdade são conceitos jurídicos
complementares ou faces da mesma moeda." (op. cit., p. 104)
No caso, como demonstrado à saciedade, inexistiu o propósito violador da moral administrativa,
o deliberado intento de auferir vantagem em detrimento do erário, não sendo a conduta punível
no âmbito da Lei 8.429/92”.50

49
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Ibidem.
50
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ibidem.
49

A ilegalidade, como já se deduziu, é apenas uma das características do ato de

improbidade. A desconformidade com a lei e o enquadramento numa ou mais

condutas previstas na Lei de Improbidade não prescindem da má-fé, da malícia,

para que um ato possa ser considerado ímprobo, posto que se assim fosse

imperaria a injustiça, a desproporcionalidade, a punição ilógica, desconforme com a

razão, verbis:

“RECURSO ESPECIAL Nº 480.387 - SP (2002/0149825-2)


RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : ANTÔNIO DE LUCCA FILHO
ADVOGADO : NÍVEA RODRIGUES SANT'ANA CERQUEIRA ZAMPIERI E OUTRO
RECORRENTE : MARIDITE CRISTÓVÃO GOMES DE OLIVEIRA
ADVOGADO : ROGÉRIO LICASTRO TORRES DE MELLO E OUTRO
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTERES. : MAURO LEITE LEOCÁDIO
EMENTA
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR
PÚBLICO.
1. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, §
4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em
atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que
causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da
Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade
administrativa.
2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida norma, é mister o
alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados pela norma especial.
3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas,
porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas
condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé
do administrador público e preservada a moralidade administrativa.
4. In casu, evidencia-se que os atos praticados pelos agentes públicos, consubstanciados na
alienação de remédios ao Município vizinho em estado de calamidade, sem prévia autorização
legal, descaracterizam a improbidade strictu senso, uma vez que ausentes o enriquecimento
ilícito dos agentes municipais e a lesividade ao erário. A conduta fática não configura a
improbidade.
5. É que comprovou-se nos autos que os recorrentes, agentes políticos da Prefeitura de
Diadema, agiram de boa-fé na tentativa de ajudar o município vizinho de Avanhandava a
solucionar um problema iminente de saúde pública gerado por contaminação na merenda
escolar, que culminou no surto epidêmico de diarréia na população carente e que o estado de
calamidade pública dispensa a prática de formalidades licitatórias que venha a colocar em risco
a vida, a integridade das pessoas, bens e serviços, ante o retardamento da prestação
necessária.
6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só
adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais
da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade
administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a
desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no
acórdão recorrido, calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito.
7. É de sabença que a alienação da res publica reclama, em regra, licitação, à luz do sistema
de imposições legais que condicionam e delimitam a atuação daqueles que lidam com o
patrimônio e com o interesse públicos. Todavia, o art. 17, I, "b", da lei 8.666/93 dispensa a
licitação para a alienação de bens da Administração Pública, quando exsurge o interesse
público e desde que haja valoração da oportunidade e conveniência, conceitos estes inerentes
ao mérito administrativo, insindicável, portanto, pelo Judiciário.
50

8. In casu, raciocínio diverso esbarraria no art. 196 da Constituição Federal, que assim dispõe:
"A saúde é considerada dever do Estado, o qual deverá garanti-la através do desenvolvimento
de políticas sociais e econômicas ou pelo acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.", dispositivo que recebeu como influxo os
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da promoção do bem
comum e erradicação de desigualdades e do direito à vida (art. 5º, caput), cânones que
remontam às mais antigas Declarações Universais dos Direitos do Homem.
9. A atuação do Ministério Público, pro populo, nas ações difusas, justificam, ao ângulo da
lógica jurídica, sua dispensa em suportar os ônus sucumbenciais, acaso inacolhida a ação civil
pública.
10. Consectariamente, o Ministério Público não deve ser condenado ao pagamento de
honorários advocatícios e despesas processuais, salvo se comprovada má-fé.
11. Recursos especiais providos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, dar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator.
Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Sustentou oralmente o Dr. Luís Justiniano de Arantes Fernandes, por Maridite Cristovão Gomes
de Oliveira (recorrente).
Brasília (DF), 16 de março de 2004(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIZ FUX
Presidente e Relator”51

É por isso que, mesmo presente uma culpa de grau leve, não se poderia ainda

falar em improbidade administrativa, uma vez que, nesse caso, faltaria a malícia, a

desonestidade que distingue a responsabilidade dos agentes públicos por ato de

improbidade de uma mera irregularidade, ou seja, o nexo psicológico do tipo, verbi

exempli:

“35. Fiel a essa doutrina, o então Juiz de Direito de São Paulo, e saudoso Ministro do STF,
Rodrigues Alkmin decidiu, com integral confirmação do Tribunal de Justiça do Estado, que ‘o
ato praticado por uma autoridade (Prefeito), principalmente em matéria que depende de
julgamento, embora reconhecido ilegítimo pelos Tribunais, se não se macula de má-fé, de
corrupção, de culpa de maior monta, não deve acarretar a responsabilidade pessoal da
autoridade’ (RT 205/213)”.52

Há quem defenda até mesmo, como Ivan Barbosa Rigolin, que somente se

poderia falar em improbidade administrativa quando o ato houvesse sido praticado

com dolo, verbi exempli:


51
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Ação de improbidade administrativa. Ausência de má-fé do
administrador público.. Resp- 480.387 - SP (2002/0149825-2). Recorrente : Antônio De Lucca Filho. Recorrido:
Ministério Publico. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, 16 de março de 2004. Disponível em:
<https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200201498252&dt_publicacao=24/05/2004>Aces-so
em: 25 de julho de 2005.
52
MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de improbidade administrativa : Comentários e anotações jurisprudenciais.
– São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 44.
51

“Improbidade administrativa quer dizer desonestidade, imoralidade, prática de atos ímprobos,


com vista a vantagem pessoal ou de correlato do autor, sempre com interesse para o agente. A
improbidade é sempre ato doloso, ou seja, praticado intencionalmente, ou cujo risco é
inteiramente assumido. Não existe improbidade culposa, que seria aquela praticada apenas
com imprudência, negligência, ou imperícia, porque ninguém poderia ser ímprobo, desonesto,
só por ter sido imprudente, ou imperito, ou mesmo negligente. Improbidade é conduta com
efeitos necessariamente assumidos pelo agente, que sabe estar sendo desonesto, desleal,
imoral, corrupto. Chama-se improbidade administrativa aquela havida ou praticada no seio da
Administração, já que pode haver improbidade na esfera civil, na vida particular, ou na
militância comercial de qualquer pessoa; apenas por referir-se a situações ou fatos ligados à
Administração, dentro dela, a Lei n° 8.112, a exemplo de outras leis, denominou aquela
improbidade de administrativa.”53

Porém, assim não entendemos, desde que se o agente houver agido

culposamente e com má-fé, isto é, com culpa grave, ajustada estará a conduta ao

tipo.

Este é também o entendimento de Fábio Medina Osório, verbis:

“A culpa grave pode fundamentar a responsabilização de Parlamentares, Magistrados e


membros do Ministério Público que, no desempenho de suas atribuições, causem,
injustificadamente, por manifesto e desproporcional despreparo funcional, lesão ao erário,
violando os princípios básicos que regem a Administração Pública, v.g., moralidade e
ilegalidade”. 54

De qualquer forma, parece lógico que em razão da própria exigência da

presença de um comportamento desonesto, malicioso, por parte do agente, jamais

se poderia inculpar alguém pela prática de ato de improbidade administrativa

quando este não houvesse se havido com culpa de maior monta.

Destarte, o sentido da expressão improbidade administrativa e a

responsabilidade objetiva dos agentes públicos fazem com que não baste para a

tipificação do ato de improbidade administrativa a simples violação à lei e o

53
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. 4 ed. – São Paulo :
Saraiva, 1995, p.p. 229-230.
54
OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit. p. 114.
52

enquadramento nas condutas previstas nos art. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade

Administrativa, mas demanda a presença de um elemento subjetivo qualificado, qual

seja, a culpa ou dolo qualificados por um comportamento desonesto, ímprobo,

excluindo do alcance da lei os defeitos formais exclusivos e os casos de culpa leve

ou levíssima.

4 Direito Punitivo e aplicação subsidiária

dos princípios gerais de Direito Penal


53

A dição pena tem como acepção55 o castigo, a punição imposta pelo Estado

tanto ao delinqüente ou contraventor, e, portanto de natureza penal, quanto aos

administrados quando lhes aplica sanções, pecuniárias ou não, de caráter civil,

fiscal ou administrativo.

Mas, é de se acrescentar, também quando impõe restrições aos direitos

políticos dos cidadãos, está o Estado impingindo uma punição, aplicando uma pena

em virtude de uma infração que tem o fito comum a todas as punições, ou seja,

tanto de punir o seu autor para que ele não mais a pratique, como, pelo exemplo,

sejam o demais dissuadidos de praticá-la.

55
FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua portuguesa. Op. cit. p. 1061.
54

A aplicação de pena, então, ainda que de natureza civil, se nutre e se orienta

pelos mesmos princípios que informam o Direito Penal, tal qual doutrina José

Armando da Costa, verbo ad verbum:

“Os princípios gerais do Direito são as mais gerais abstrações que se extraem do estudo da
matéria que constitui o objeto do conhecimento jurídico.

Informam com especialidade o fenômeno processual disciplinar os princípios jurídicos setoriais


que se alocam no âmbito do Direito Administrativo, do Direito Processual Penal e do Direito
Processual Civil.”56

Esse também o magistério do professor Léo da Silva Alves, in verbis:

“DIREITO PENAL
O Direito Penal tem lugar de destaque no conjunto de um processo disciplinar. É verdade que
isso assusta a muitos, que não admitem a interferência desse ramo do Direito nas relações
administrativas. Com as de sapiência, costumam dizer que são esferas distintas; ou que o
Código Penal é instrumento a ser usado nas delegacias de polícia e no foro criminal, Permissa
vênia, não lhes assiste razão.
O Direito Disciplinar tem suas bases solidamente fixadas no Direito Penal. Nelson Hungria,
referência na doutrina penal no Brasil, divide o Direito Penal em dois seguimentos:

- Direito Penal comum, que trata de crimes e contravenções; e


- Direito Penal Administrativo, que cuida das sanções aplicadas no universo da
Administração Pública.

Heleno Fragoso, também brilhante penalista pátrio, refere-se na sua respeitável obra, a
sanções penais judiciais e a sanções penais administrativas. Logo, o que pratica a nível de
Direito Disciplinar é expediente que pertence à natureza do Direito Penal.
Em 1935, o alemão Gerhard Hubernagel já defendia a existência do que chamava de Direito
Penal Não Criminal. Aqui estão:

- Direito Penal Administrativo, que se exercita em processos nos quais a Administração


Pública aplica, por exemplo, sanções de ordem contratual (multa, rescisão de contrato), ou no
exercício do seu poder de polícia.
- Direito Penal Disciplinar, que se refere às sanções aplicadas a agentes públicos
submetidos a processo específico no seio da Administração Pública.”57

Decerto, o preceito que conduz à aplicação analógica das normas de Direito

Penal e de Direito Processual Penal nas hipóteses em que houver lacuna na lei de

regência, seja qual for o campo do Direito a que ela pertença, se constitui em

verdadeira regra de hermenêutica, tal qual de há muito reconhecido pelo

magnificente Carlos Maximiliano, verbo ad verbum:

56
COSTA, José Armando da. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 4. ed. – Brasília: Brasília
Jurídica, 2002. p. 50.
57
ALVES, Léo da Silva. Prática de processo disciplinar – Brasília : Brasília Jurídica, 2001. p. 28.
55

“395 – A rubrica – Leis Penais, aposta a este capítulo, compreende todas as normas que
impõem penalidades, e não somente as que alvejam delinqüentes e se enquadram em Códigos
Criminais. Assim é que se aplicam as mesmas regras de exegese para os regulamentos
policiais, as posturas municipais e as leis de finanças, quanto à disposições cominadoras de
multas e outras medidas repressivas de descuidos culposos, imprudências ou abusos, bem
como em relação às castigadoras dos retardatários no cumprimento das prescrições legais. Os
preceitos mencionados regem, também, disposições de Direito Privado, de caráter punitivo: as
relativas à indignidade do sucessor, por exemplo, e diversas concernentes à falência. Toda
norma imperativa ou proibitiva e de ordem pública admite só interpretação estrita (1).”58

Inube de dúvida, pois, a aplicação subsidiária e analógica das normas e

princípios que regem o Direito Penal adjetivo e substantivo aos atos de improbidade

e à Lei de Improbidade Administrativa, demandando, assim, não só a verificação do

ajustamento da conduta ao tipo infracional, como também a busca de verdade real.

Não pode, pois, o inquérito civil público se tornar um simulacro de investigação

para se transformar num mero instrumento de produção de provas indiciárias

destinadas apenas a fundamentar a propositura de uma ação de improbidade

administrativa sem a preocupação real e sincera de esclarecer os fatos descendo à

obrigatória análise do nexo psicológico da conduta, violando assim o due process of

law.

Em virtude da inarredável incidência dos princípios gerais de Direito na

execução da Lei de Improbidade Administrativa, em especial os concernentes ao

Direito Penal, tais como a tipicidade e legalidade, referidos diretamente ao princípio

da segurança jurídica, o reconhecimento de que as infrações constitutivas de ato de

improbidade não podem deslembrar do elemento subjetivo qualificado que as

caracterizam é imperioso para a garantia dos direitos dos acusados.

58
MAXIMILIANO, Op. cit. p.p. 327-328.
56

Não se pode, por exemplo, ignorar o elemento subjetivo qualificado da conduta

típica do ato de improbidade e exigir de um agente público que atue com diligência

acima do normal, acima da média encontradiça no homem comum, e, portanto,

perlavada de culpa.

Nesse espírito observa Sérgio Monteiro Medeiros, verbatin:

“quando se fala em culpa, deve-se ter em vista a culpa grave, porque não se pode esperar
senão o dever de cuidado exigível do homem comum. Não se espera que as entidades
mencionadas no art. 1º encontrem pessoas dotadas de capacidades excepcionais para integrar
os seus quadros. é de natureza humana a falibilidade”.59

Em qualquer campo da responsabilidade, seja ela de natureza civil, penal,

administrativa, disciplinar, fiscal e até mesmo política, não se pode exigir daqueles

que venham a integrar os quadros da administração pública, ou com ela se

relacionar, capacidades extraordinárias se a diligência que se pode esperar dos

homens comuns não é outra senão aquela observada na média dos homens, e, com

base nessa exigência desproporcional e desarrazoada aplicar-lhes punição

justamente por serem eles iguais aos seus semelhantes, comuns.

É o que ocorre quando se desmemoria da aplicação dos princípios da

tipicidade e da legalidade na identificação dos atos de improbidade administrativa

obliterando-se dos seus elementos constitutivos o seu principal, qual seja, o

elemento subjetivo qualificado consistente na desonestidade, na má-fé, na malícia

que distingue o ato de improbidade administrativa dos demais atos infracionais

passíveis de serem praticados no âmbito da Administração Pública.

59
MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Op. cit. p. 52.
57

CONCLUSÃO
58

A ausência de conceituação do ato de improbidade administrativa na Lei n.

8.429/92, aliada ao fato de que não se aplica em sua seara – cujas penalidades têm

repercussões no campo da responsabilidade civil e política –, o princípio da estrita

legalidade encontradiço no Direito Penal, e, ainda, ao aspecto de serem as condutas

descritas, no apontado diploma legal, de tipo objetivo aberto, conferiu à lei em

questão uma flexibilidade para se adaptar a circunstâncias e situações

imprevisíveis, a toda evidência, inaceitável em normas de caráter punitivo de

tamanha gravidade, trazendo com isso, em seu bojo, inconcussa amplitude e

intolerável violação ao princípio da segurança jurídica.


59

Entretanto, apesar da ausência de tal conceituação na norma positivada, o

sistema jurídico, por ser perfeito, dá por si só, como acreditamos, a solução para a

atecnia legislativa através da ciência hermenêutica e da aplicação dos princípios

gerais de Direito.

A própria etimologia da palavra improbidade, tal qual atrás discorrido, conduz à

conclusão de que quando a Lei de Improbidade Administrativa descreve as

condutas que se constituem em improbidade administrativa está ela se reportando

ao proceder desonesto, vil, malicioso, eivado de má-fé, pondo, conseqüentemente,

limites no alcance da norma.

É uma absurdidade se considerar ímprobo um ato que de boa-fé houvesse

violado uma mera formalidade legal perfeitamente convalidável sem que de tal

violação tivesse decorrido qualquer prejuízo à moralidade administrativa.

Ora, como registra Carlos Maximiliano, “ad impossibilia nemo tenetur:

“ninguém está obrigado ao impossível. Não se interpreta um texto de modo que

resulte fato irrealizável, deliberação em desacordo com a lei, dever superior às

possibilidades humanas comuns”60. E acrescenta que “evidente a impossibilidade do

cumprimento cessa a obrigação respectiva”61.

A exigência de uma diligência sobre-humana dos agentes públicos ou daqueles

que com a Administração Pública se relacionam, como se se tratasse de uma

categoria de humanos infalíveis, é contrária ao Direito e contém um vício in re ipsa,

resultando a norma assim infectada inválida e ineficaz para obrigar e impor condutas

e penalidades pelo seu descumprimento.


60
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Op. cit. p. 259.
61
Ibidem.
60

Só um comportamento desonesto pode justificar a aplicação de penalidades

tão graves quanto as previstas na Lei de Improbidade quando se estiver diante de

uma aparente mera violação formal da lei, porque o ator ímprobo, neste caso, age

tendo em sua consciência uma finalidade que agride a moral administrativa

produzindo, então, um dano à moralidade, a despeito da pequenez objetiva da

irregularidade

O atraso deliberado na publicação de um ato legislativo ou administrativo de

molde a dar tempo a que alguém possa praticar determinado ato que viria a ser

proibido pela norma a ser publicada é, indubitavelmente, repugnante à moralidade

administrativa, e, por isso, merece punição severa.

Mas o atraso no envio do ato ao jornal oficial para publicação por mero

esquecimento, excesso de serviço, erro escusável, ou por caso fortuito ou força

maior, mesmo podendo, no primeiro caso, configurar uma falta funcional, não resta

dúvida, jamais poderá servir de fundamento para imputação de prática de

improbidade administrativa.

A interpretação e aplicação equivocada da lei, da mesmíssima forma, salvo

quando estiver trespassada pela má-fé – ainda que esta seja de difícil comprovação

–, jamais poderá servir de esteio à aplicação das penalidades estabelecidas na Lei

de Improbidade Administrativa, dês que, se assim não entendermos, então,

deveríamos concordar que toda vez que tivéssemos um mandado de segurança ou

um hábeas corpus julgado procedente por decisão transitada em julgado seria de se

imputar à autoridade alvo do remédio constitucional a prática de improbidade


61

administrativa. O que, tendo-se em conta a lição de Adilson Abreu Dallari62, seria,

por certo, um deslavado disparate.

Outrossim, não se pode colocar de lado em nenhum momento o fato de que

em nosso ordenamento jurídico não se admite responsabilidade objetiva a não ser

para a Administração Pública e para as pessoas jurídicas de direito privado

prestadoras de serviços públicos, eis que não há no direito pátrio responsabilidade

objetiva nem para os agentes públicos nem para as pessoas de direito privado não

delegatárias de serviços públicos.

Por conta disto, salvo quando se estivesse a tratar de pessoas jurídicas de

direito público ou de direito privado prestadoras de serviços públicos, nunca se

poderia falar em responsabilização por improbidade administrativa de quem quer

que seja sem se curar do elemento subjetivo do ato.

Há, pois, que se ocupar do nexo psicológico na aferição da conduta do

acusado de prática de ato de improbidade administrativa por conta da própria

natureza da responsabilidade por improbidade que inclui a responsabilização civil e

a política do agente.

Por esse prisma, como se vê, é impreterível que se determine com precisão

qual o elemento subjetivo que caracteriza a conduta ímproba, bem como se tal

elemento contém algum comportamento que o distinga dos demais.

Esta operação expõe o elemento subjetivo do tipo e determina quais atos são

alcançados pela norma, aclarando os seus limites e a sua inteligência.


62
DALLARI, Adilson Abreu. loc. cit.
62

O alcance da norma, como cediço, está delimitado pelo seu campo de atuação,

pela sua finalidade. Assim, se a norma se destina a atuar sobre a improbidade na

Administração Pública, e o sentido desse vocábulo é a desonestidade, a má-fé, o

comportamento vil, torpe, então, seu foco está endereçado às ações infectadas por

tais nexos subjetivos, está voltado àqueles atos que produzem danos à moralidade

interna da Administração pela malícia com que são praticados.

É por isto que não se pode dissociar de nenhuma das condutas descritas pela

Lei de Improbidade Administrativa o elemento subjetivo qualificado essencial que

compõe o ato de improbidade administrativa.

Não pode a segurança jurídica ser vilipendiada simplesmente por não ter o

legislador atuado de maneira consentânea com o ordenamento jurídico, e, assim,

produzido um diploma legislativo corrompido pela atecnia legislativa; mormente

quando se tem em mente exatamente o mesmíssimo princípio que impede a

exigência de forças superiores às humanas para o cumprimento das normas legais,

sem se levar em conta a falibilidade e as limitações inerentes ao homem, e os

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A evolução das ciências jurídicas trouxe em sua cauda a certeza de que todo

poder deve encontrar limites. Para tanto, ao longo da história, foram se

desenvolvendo instrumentos para a garantia dos direitos das pessoas contra o

abuso do poder conferido pelo Estado aos seus agentes, dês que a segurança,

coletiva e individual, ao lado da paz – mantida pela força (pax romana) ou não –

sempre foram em todo o desenrolar da história da humanidade commodities

preciosas para o desenvolvimento das sociedades humanas.


63

Assim, pois, como a maior expressão do poder do Estado se encontrava, como

ainda se encontra, na capacidade que têm os detentores do dever-poder63 estatal de

impor penalidades aos administrados, e muitas arbitrariedades foram praticadas sob

o pálio da legalidade, as primeiras garantias contra esses abusos se desenvolveram

no campo do Direito Penal – como, v.g., o habeas corpus que pode ser encontrado

já em 1215 na Magna Charta Libertatum de João Sem-Terra.

Dentre tais garantias encontramos os princípios gerais de Direito Penal,

aplicáveis às normas de Direito Punitivo em geral, como os princípios da legalidade

e da tipicidade.

Por impor a Lei de Improbidade severas penalidades de caráter civil e político,

situa-se tal diploma normativo no âmbito do Direito Punitivo, e. como tal, recebe os

influxos pertinentes a esse campo do Direito, submetendo-se, por conseguinte, aos

princípios que o informam.

Na definição do tipo infracional que se consubstancia no ato de improbidade

administrativa não se poderá, pois, por força dos princípios da tipicidade e da

legalidade, dessaber do elemento subjetivo qualificado que o caracteriza, como se

estivéssemos a renegar o campo de atuação e o elemento teleológico da lei.

Embora não se possa falar em princípio da estrita legalidade na espécie,

ordenam os princípios da segurança jurídica e da legalidade que se identifique o

elemento subjetivo do ato de improbidade, o qual está definido pelo sentido da

expressão improbidade e pelo alvo da norma, qual seja, o ato desonesto, vil, torpe,

63
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antonio. Op. cit. p. 31.
64

de má-fé praticado contra a moralidade interna da Administração Pública, entendida

como a decorrente das normas positivas que regulam a atividade estatal.

Temos, aqui, conseqüentemente, um tipo constituído por um elemento

subjetivo qualificado pela desonestidade, pela malícia, pela má-fé.

Em assim sendo, a tipificação e aplicação das penalidades previstas na Lei de

Improbidade Administrativa depende da comprovação de ter se havido o agente

com dolo ou culpa grave, não se admitindo a culpa leve ou levíssima exatamente

por força da qualificadora que reclama má-fé, descabendo, então, se excogitar de

improbidade administrativa na ausência do elemento subjetivo qualificado da

desonestidade.

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