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ROTARY CLUB DE VILA REAL

Um Olhar (atento) sobre Timor

Vila Real
2007
Título: Um Olhar (atento) sobre Timor
Autor: Manuel Cordeiro
Edição do Autor
Composição e Montagem: Manuel Cordeiro
ISBN: 978-972-669-811-1
Depósito Legal: 258173/07
Impressão: Serviços Gráficos da UTAD
PREFÁCIO
O Professor Manuel Cordeiro ensina em Timor. As suas visitas de trabalho
servem, também, para semear valores.
O Povo de Timor tem muitos valores, como demonstrou em mais de vinte
anos de Resistência, para não sucumbir como Povo, como Nação, como
comunidade cristã. E tem os seus mártires e heróis.
Mas, assim como houve um projecto antes de 1975, para justificar uma
invasão, guerra e anexação, houve, posteriormente, poderes e organizações
que revolveram as cinzas, de que Timor emergia, para incendiar nova
convulsão, talvez mais maléfica.
Como antes, 1975, houve ambições sobre os valores estratégicos e
energéticos, a cobiça foi espreitando oportunidades, e debilidades, no
decorrer da curta experiência de governo soberano.
Talvez, uma das oportunidades exploradas (entre outras também
tentadoras), tenha sido a manifestação de Abril de 2006, com certo tom
religioso, sensível são povo, com imagens e símbolos da sua crença.
Seguiram-se vários episódios de crescente violência que não mais pararam.
Se parece que os agentes do programa do caos para a morte da Nação
continuam activos e peritos, na sua estratégia, felizmente que também se
percebe que há quem persevere em manifestar esperança e coragem na
ajuda ao Povo de Timor, a aguentar esta crise de um ano, para não
desanimar de si mesmo, segurando o imenso tesouro obtido na vitória do
Referendo para a Independência.
O Professor Manuel Cordeiro é desses amigos que sente o novo drama do
Povo de Timor, e quer estar a seu lado, fomentando esperança, cultivando
valores, ensinando os jovens universitários timorenses.
Os acontecimentos que se foram dando em Timor, desde 1999, ano do
Referendo, até 2007, oferecem tumultuoso campo de estudo para
sociólogos, psicólogos e pastoralistas no aspecto religioso.
Sem dúvida que em cerca de 450 anos de contacto com Portugal, foram as
Missões Católicas que mais terão intentado contribuir para a transformação
da alma dos Povos de Timor, oferendo-lhe os maiores valores humanos
universais e bíblicos, em concreto o Evangelho de Jesus Cristo.
A Administração do Governo, embora lenta também não esteve inactiva.
Sem essa contribuição de 4 séculos, de certo, não teria aparecido Timor
como Nação soberana, em 2002.
No seu Diário de vida e ensino em Timor, o Professor Manuel Cordeiro
apercebeu-se, luminosamente, das lacunas na formação pessoal dos jovens,
a desordem, os movimentos organizados “semi-militarizados”, como ameaça
da ordem pública, igualmente com a brandura ou nulidade da autoridade em
impor a disciplina necessária para o trabalho, o desenvolvimento e o Bem
comum de um Povo soberano.
Assim, as coisas chegaram a uma situação – talvez objectivo dos sinistros
planos – em que a própria soberania corre perigo eminente.
Talvez que, se no final da manifestação do ano passado, tivesse havido um
“árbitro” atento, ele teria levantado o “cartão amarelo” (pelo menos), aos
actuantes em cena, para que os seus responsáveis máximos avaliassem os
perigos em que lançavam o futuro e a soberania do pais que a todos
pertence.
A dedicação dos Professores Portugueses, como o Professor Manuel Cordeiro
é, de certo, dos elementos de mais qualidade e lealdade que hoje o Povo de
Timor tem a seu lado. Certamente que estes professores representam o
Povo Português que, agora, como em Setembro de 1999, está em suspenso,
inquieto, mas solidário com o Povo Timorense.
Oxalá que os Povos de Timor, amando a Pátria acima de tudo, todos unidos
ultrapassem este drama, com o fizeram de 1975 a 1999.
Díli, 7 de Março de 2007-03-09 P. João Felgueiras, S.J.
ANO DE 2004

JANEIRO - FEVEREIRO
11 DE JANEIRO - Domingo
Depois de duas noites de viagem cheguei a Díli, pela quarta vez. Pelo
caminho ficaram muitas horas passadas nos aeroportos de Londres,
Singapura e Darwin. Sem dúvida que é uma viagem muito cansativa, mas
tudo se supera quando os motivos que nos levam a tomar certas atitudes na
nossa vida, são nobres, como os da solidariedade e da cooperação. Não
houvera tanta gente pelo mundo desprendida de muitas das regalias que
hoje se podem desfrutar, e não sei o que seria de povos que foram
atingidos pelo vírus da pouca sorte, não tendo os mais elementares recursos
para terem uma vida com dignidade. Timor está no rol desses países. É por
isso que a falta de comodidades que aqui encontramos e a que estamos
habituados em nossas casas, são superadas pela esperança de contribuir
para que alguma coisa na vida destes povos se altere no sentido de tornar
mais dignas as suas gentes.
Quando se aterra no aeroporto Presidente Nicolau Lobato, parece que
mudámos de mundo. O desenvolvimento que se observa nos países que se
tocam durante o trajecto, é um contraste completo com a pobreza das infra-
estruturas deste aeroporto. Acresce que ao aterrar, o nosso pensamento vai
sempre para a Indonésia, pois a arquitectura dos edifícios da gare não
permite qualquer dúvida. Trata-se de típicos edifícios em espiral parecendo
querer chegar ao céu.
O trajecto para casa lembra o estagnamento das estruturas viárias e da
construção civil. Tudo continua como na primeira vez que aqui cheguei em
Novembro de 2001. Todos fazemos votos para que tudo isto se transforme
para melhor, pois só assim se podem criar boas condições de vida às
pessoas.

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Na ausência da carrinha da missão portuguesa usámos o táxi que, em cerca
de 15 minutos percorre o trajecto passando por Comoro onde se pode ver o
antigo aeroporto no tempo de Portugal, embora para pequenas aeronaves.
Hoje é o Heliporto das Nações Unidas. A passagem pela avenida que passa
em frente ao Hotel Timor, Makota no tempo dos indonésios, mantém o seu
nome original, ou seja, Almirante Américo Tomás. Embora não exista
qualquer placa pode confirmar-se pela indicação da placa de um pequeno
hotel que se encontra quando se chega ao final da avenida.
Chegados a casa foram-nos distribuídos os quartos tendo-me tocado em
sortes um pertencente à casa nº 1.

12 DE JANEIRO – Segunda-feira
Devido à diferença de horas e apesar de ter passado duas noites quase sem
dormir, a noite foi muito curta para mim. Uma boa parte foi consumida
acordado. Bem cedo me levantei e me dirigi para a Universidade onde fiquei
a saber qual o horário que me foi destinado. Tenho aulas das 8 horas às 11
horas da manhã de segunda a sexta-feira, pois vou leccionar duas
disciplinas ao terceiro ano. Embora as aulas só comecem amanhã, alguns
dos alunos fizeram-me uma visita pela manhã. Como já sou seu docente
desde 2001, não é de admirar que a minha presença de novo, lhes causasse
algum contentamento. São muitos meses que levamos juntos. Posso dizer
que os conheço muito bem.
Desde sempre tenho batido em pontos que considero fundamentais para a
formação dos jovens de hoje, os adultos de amanhã: a responsabilidade, o
trabalho, o espírito de sacrifício, a vontade de progredir, etc. Confesso que
não é fácil incutir nestes jovens estes valores. Não creio que a culpa seja só
deles. Atribuo-a mais ao modo como cresceram, cultivando o facilitismo, o
deixa andar, o não faz mal, etc. Que parece terem sido apanágio da
educação que os indonésios lhes quiseram impor. Enfim da minha parte vou

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continuar a bater sempre no realce destes valores. Pode ser que alguma
coisa fique.
Depois do almoço fui ao supermercado abastecer-me. Aproveitei para,
atentamente, tentar descobrir algumas mudanças de tudo o que rodeia o
trajecto, feito sempre ao correr do mar, passando pelo complexo do
Sporting de Díli, depois em frente ao Palácio do Governo, e seguindo pelas
traseiras da antiga intendência. O sol abrasador alterna com a sombra
fresquinha dos gondãos ou gondoeiros que se alinham ao longo do passeio,
com os seus troncos de alguns metros de diâmetro.
O dia terminou com o habitual envio de mensagem via telemóvel a dar
conta de que mais um dia passou.

13 DE JANEIRO – Terça-feira
Comecei com as aulas de Instalações Eléctricas. Depois de saudar os alunos,
velhos conhecidos, e depois de fazer as recomendações habituais centradas
na assunção da responsabilidade, da pontualidade, da necessidade de
trabalhar e outras recomendações mais ou menos triviais, iniciei a
transmissão de conhecimentos, tarefa sempre muito árdua, principalmente
quando o alvo são estudantes que pouco compreendem a língua portuguesa
e pouca vontade manifestam em aprendê-la. Aliás esse é um tema que
devia concentrar as atenções não só dos cooperantes portugueses, mas
também dos governantes timorenses. A opção pela língua portuguesa como
língua oficial foi uma decisão ousada e de risco. Para ter consequência na
obtenção dos objectivos em vista vai ser necessário lutar muito para alterar
as mentalidades de quem foi “martelado” durante os anos de ocupação
indonésia com as virtualidades da língua indonésia e com os malefícios da
língua portuguesa. Acrescido a isto temos ainda o facto de o português ter
sido pura e simplesmente proibido a partir de certa altura.

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O dia foi normal. Muito quente e abafado como muitos outros que terei de
passar neste período clima que se faz sentir em Timor.

14 DE JANEIRO – Quarta-feira
Dia perfeitamente normal. Começou com as aulas desde as 8 horas às 11
horas. Seguiu-se o almoço, no restaurante da Dona Eugénia, atascado, mas
limpo e com comida de alguma qualidade. Os legumes que diariamente põe
à disposição dos comensais são de comer e chorar por mais. Pela tarde
descansei, como nos meus tempos de criança na bem transmontana aldeia
de Remondes, olhando de cima para o Rio Sabor que passa bem abaixo dos
olhos dos remondeses. Todos os dias me dirijo para o quarto logo após o
almoço a fim de retemperar as forças para enfrentar o calor que se faz
sentir. Como não podia deixar de ser houve a habitual deslocação ao
supermercado, com dois objectivos subjacentes: abastecimento de bens
alimentares e “matar” o tempo. Pela tarde fui fazer uma visita ao MAC –
Movimento de Adolescentes e Crianças da Irmâ Eliene, para lhe mostrar que
já estava em Díli, com todas as tarefas que tínhamos combinado
devidamente cumpridas. Fui recebido com muito carinho pela Irmã, pelo
senhor Jeremias, tocador de órgão e de viola que normalmente acompanha,
em regime de voluntariado, as canções que as meninas e os meninos
cantam e por toda a criançada.
Despedi-me com tudo combinado para na próxima segunda-feira
comparecer de novo para pormos todos os assuntos em dia. A viagem de
regresso foi já de noite sem que isso constituísse qualquer preocupação da
minha parte tal é a confiança que deposito nas pessoas com quem me cruzo
no trajecto.
Ao fim do dia ainda houve tempo para combinar com um dos guardas de
serviço às casas da cooperação portuguesa onde me encontro hospedado a
forma de receber pão pela manhã. Depois de algumas tentativas de

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entendimento entreguei-lhe 25 cêntimos para o pão, mas pouco convicto de
a tarefa de que ficou incumbido fosse cumprida.

15 DE JANEIRO – Quinta-feira
Apesar de não ter aulas, o meu dia começou pelas 7 horas da manhã.
Levantei-me bem cedinho até para confirmar se as minhas dúvidas sobre se
teria pão ou não ficavam desfeitas. Tal como eu previa não havia guarda
nem pão. Os problemas de comunicação são um dos maiores handicaps ao
bom entendimento entre nós e os timorenses. Sempre respondem que sim.
O que é certo é que se verifica que afinal não compreenderam nada do que
se lhe disse ou se lhe perguntou. Tal como eu previa foi muito fácil trazer
pão para casa. Ainda bem porque o pão, mesmo que não abençoado, é
indispensável à minha alimentação diária.
Hoje não tive aulas. Tinha-me sido dito ontem que assim seria. Os alunos
deslocaram-se à escola técnica de Hera a fim de proceder à escolha dos
seus representantes ao senado da universidade. Pacífico que assim fosse
pois é um dever num país democrático os estudantes participarem
activamente no governo dos órgãos dirigentes da instituição onde estudam.
O que não pode haver é exageros. Inicialmente estavam destinados dois
dias para cumprir este dever cívico. O primeiro dia seria dedicado à
campanha eleitoral e o segundo à votação. Com alguma persistência e
alguma habilidade à mistura foi possível cumprir tudo num só dia.
À noite dirigi-me para o Hotel Turismo a fim de participar na reunião do
Rotary Club de Díli. Em vão. As reuniões foram interrompidas até ao dia 28
porque muitos dos companheiros se encontram fora de Timor. Foi pena
porque levava um pedido do Governador do meu Distrito para seleccionar
um profissional para ir estagiar a Portugal Fica para uma próxima
oportunidade.

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16 DE JANEIRO – Sexta-feira
Bem cedo parti para a universidade para iniciar um novo dia em Díli. Depois
de passar pela sala dos professores, com uma tentativa falhada de imprimir
uma tabela de secções de condutores necessária para a aula que iria dar de
seguida, lá me dirigi para a sala. Ao contrário do que é costume já os meus
alunos se encontravam sentados na antecâmara do corredor que dá acesso
à sala de aulas. Com uma capacidade muito fraca para vencer a inércia, foi
preciso uma chamada de atenção para que todos, ordeiramente, se
dirigissem para a sala. Claro está que o tema da falta de responsabilidade foi
o primeiro que abordei nas primeiras palavras que lhes dirigi.
Como sempre tentei colocar-lhes um problema bem real para assim os
animar a trabalhar. Tratava-se do projecto de uma rede de distribuição de
energia eléctrica a várias casas pertencentes a alguns deles. É mais uma
alternativa de falarmos sobre as naturalidades de cada um deles. Penso que
eles gostam e sentem que o docente, embora tenha como finalidade
principal ensinar, também pode ser um amigo que se interessa pela vida de
cada um dos seus alunos.
Depois de grande expectativa pus em prática o plano de, pela primeira vez
desde há muitos anos, ir para a cozinha e fazer o meu jantar. A ideia já
vinha germinando desde que chegara. De passagem por um vendedor de
rua, comprei batatas e xuxus que preparei para o jantar. Não digo que
tivesse sido um sucesso até porque não convém pois muitas vezes dá jeito
não saber fazer, seja o que for, mas que foi um bom jantar lá isso foi. Até
penso repetir.

17 DE JANEIRO – Sábado
Mesmo não sendo dia de trabalho, às sete da manhã saltei fora da cama.
Depois de cumprir as várias etapas da higiene pessoal, saí para comprar o

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pão que não dispenso na ementa diária. É um hábito alimentar que me
acompanha desde os tempos de juventude.
Os planos que tinha traçado para este dia foram completamente alterados.
Deles fazia parte a caminhada em passo rápido até muito perto da praia da
areia branca. A dificuldade das comunicações via internet que experimentei
na tarde de ontem na sala que a FUP nos tem destinada, muito contribuiu
para a decisão de abandonar essa caminhada. É que tenho vários exames
de Portugal para receber e enquanto não os tiver em minha posse o stress
não me abandonará.
Em consequência dirigi-me à missão portuguesa onde, devido a
conhecimentos antigos, que advêm da minha primeira vinda a Timor
integrado neste projecto, entrei e fui directo à sala onde o acesso à internet
é permitido. Como cumprir horários não é apanágio de um timorense que se
preze, depressa constatei que o horário afixado na porta era pura ficção.
Rezava que esta deveria estar aberta entre as 9 e as 12 horas. Eram cerca
de 10H30m quando o funcionário, meu conhecido desde Novembro de 2001,
chegou com a calma própria de quem tem todo o tempo do mundo para
cumprir a tarefa que lhe está confiada, ou seja, a de abrir a porta. Meus
companheiros (as) de espera eram já muitos. Todos professores
portugueses a leccionar em Timor, no ensino secundário ou na formação de
professores timorenses. Uns vieram de Ailéu, outros do Suai, outros ainda
de terras bem distantes de Díli. Normalmente deslocam-se aqui a fim de se
abastecerem de bens alimentares ou para receberem o correio quer a
tradicional carta quer o actual prático e rápido email. Ou ainda para ler as
últimas notícias de Portugal e do mundo através da internet.
Face à alteração de planos passei o dia por casa, descansando, escrevendo
ou vendo televisão.

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18 DE JANEIRO – Domingo
A minha condição de católico praticante “fez-me” levantar bem cedo para
me deslocar à Igreja de Motael a fim de assistir à missa dominical que
começa às 8 horas da manhã. O modo como a missa se desenrola, a uma
cadência lenta mas segura, faz-nos recordar os tempos de miúdo em que a
sua extensão temporal nos fastidiava muito. Hoje isso já não acontece. A
lógica da necessidade de passar o tempo mentaliza-nos de que tanto faz
passá-lo de uma maneira como da outra. O que é preciso é ocupá-lo. Assim
a duração da missa não traz qualquer sentimento de fastídio. Antes pelo
contrário, retempera as forças de que necessitamos para vencer todas as
dificuldades que o desenrolar da vida nos vão pondo à nossa passagem pelo
tempo.
A concentração e a ordem com que as pessoas a ela assistem são dignas de
realce. Então o momento da comunhão é o mais significativo. Os dois
sacristães encarregados de conduzir a cerimónia colocam-se na ala central
dando indicação aos fiéis que chegou o momento de a sua fila avançar. A
um ritmo constante todos se vão encaminhando para receber a comunhão,
regressando pelas alas exteriores. É digno de se ver, sem dúvida. A missa
termina sempre com a caminhada do Senhor Padre e dos seus ajudantes,
descendo a igreja pela ala central e encaminhando-se para a sacristia.
Terminada a missa e depois de um retemperado pequeno-almoço, comecei
a caminhada de descontracção e consumo de energias excedentárias, que o
exercício faz falta ao corpo. Com um ritmo rápido como convém, aí vou pela
marginal acima a caminho da praia da areia branca. O objectivo da minha
caminhada fica um pouco antes, talvez um quilómetro.
Sucessivamente a passo firme, contemplo o mar calmo onde é possível ver
alguns barcos de pesca e o barco que serve de hotel, desde o ano de 2000,
logo após o referendo. Uma pequena paragem bem junto à água, permite
ver ao longe a igreja de Motael e o farol. Virando para o outro lado podemos
ver o monumento do Cristo Rei.

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Continuando atravesso uma ribeira com alguma água estagnada e com
vestígios de muito lixo doméstico, lançado pelos moradores que se
aglomeram ao longo do seu trajecto.
Mais adiante fica o cemitério de Santa Ana, datado de 1963, podendo ver-se
à esquerda um pequeno monumento e à direita a gruta de Santa Ana.
Continuando passo pelo restaurante Sagres Beach e por outros que se
encontram, de um e outro lado da estrada. Finalmente chego ao meu
destino, depois de passar pelo cruzamento que indica a Praia da Areia
branca, que se pode ver ao longe, bem junto aos pés do Cristo Rei, e
Baucau. Esta placa, como muitas outras coisas aqui existentes, são do
tempo da administração portuguesa. O regresso é feito com uma passada
mais lenta porque o cansaço já aperta e a idade não perdoa. Depois do
almoço, a tarde foi destinada ao descanso. E assim se passou mais um dia
na vida de um docente universitário em Timor.

19 DE JANEIRO – Segunda-feira
Durante a manhã tudo se passou dentro da normalidade, com as várias
tarefas a sucederem-se no tempo ao ritmo do costume: levantar, ir ao pão,
tomar o pequeno-almoço e ir para as aulas. Para quem nunca experimentou
leccionar num curso dado em português a alunos que pouco falam e
compreendem a nossa língua, não imagina a dificuldade de que essa simples
e nobre tarefa de ensinar, se reveste. Ao professor põem-se-lhe
constantemente problemas de como ensinar. A escolha da estratégia
correcta é tarefa hercúlea. Aquela que no momento pode parecer a mais
adequada deixa de o ser quando as circunstâncias se alteram. Ao professor
exige-se uma constante disponibilidade para alterar o modo como transmite
os conteúdos programáticos da disciplina que tem a cargo. E mesmo destes
é necessário extrair em cada instante aqueles que parecem mais adequados
ao interesse dos alunos e deixar outros que, embora importantes, não o são

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para estes alunos. Estou em crer que muitas das dificuldades de
aprendizagem que eles mostram são consequência do desconhecimento da
língua portuguesa. No entanto não se pense que os alunos timorenses são
pouco dotados. Não é o caso. Têm é hábitos de trabalho que não se
coadunam com o ritmo com que tudo hoje em dia se processa. É importante
insistir nas teclas da responsabilização e da necessidade de trabalhar.
Talvez fruto da dificuldade de comunicação entre docentes e alunos, há por
vezes alguns atritos que se torna necessário ultrapassar para bem de uns e
de outros.
A vida de um professor em Timor não é só leccionar. Paralelamente
desenvolvo uma actividade de carácter social que considero muito
importante especialmente para mim: ajuda-me a passar o tempo e dá-me a
satisfação de poder ajudar quem precisa, neste caso algumas crianças de
Timor. Por incumbência das senhoras do Rotary Clube de Vila Real, ao qual
pertenço, fui entregar um rádio, que previamente comprei numa loja de
aparelhos de som, à Irmã Eliene para que as suas crianças possam dar asas
à alegria que irradiam enquanto cantam e dançam. Foi uma tarde cheia de
muito significado para mim. Dar a mão ao próximo é o lema deste ano do
movimento rotário. Foi o que eu fiz. Por isso sinto-me feliz. Apresentei aos
meninos presentes o filme que tinha feito em Vila Real, na festa de Natal da
Escola dos Quinchosos. Foi muito lindo ver os meninos de Vila Real cantar
para os meninos de Timor. Entreguei também o donativo que reuni em Vila
Real, entre os amigos que disponibilizaram algum do seu dinheiro para
permitir que crianças necessitadas sorriam.

20 DE JANEIRO – Terça-feira
Aquele que poderia ser um dia como os outros, acabou por ser um dia com
alguma turbulência. Como todos os dias acontece tive aulas das oito às 11
horas. Tudo correu muito bem, até acima das minhas expectativas pois o

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desempenho dos alunos foi muito bom, o que me satisfez particularmente.
O tema que estou a tratar, redes de distribuição de energia eléctrica em
baixa tensão., com exemplos bem concretos do dia a dia timorense, foi
facilmente apreendido por eles. A areia no andamento da carruagem foi
introduzida por alguma inquietação dos alunos em relação ao funcionamento
de uma das disciplinas. Procedi como era aconselhado, ou seja, transmiti-
lhes a ideia de que tudo se resolve desde que as pessoas estejam
disponíveis para o diálogo. Em consequência deste problema os professores
de electrotecnia presentes em Timor, reunimo-nos pela tarde para trocar
experiências, para falarmos dos problemas inerentes à leccionação e para,
em conjunto, tentarmos arranjar as estratégias mais adequadas à
prossecução dos objectivos que todos temos em vista, honrar o nome das
universidades portugueses através de uma postura o mais exemplar
possível. Foi uma reunião muito interessante porque trocámos algumas
ideias e falámos de alguns factos menos agradáveis que por vezes
acontecem e que, embora marginais ao ensino, podem sobre ele ter alguma
influência na medida em que têm docentes como intervenientes. Como co-
responsável que sou pela licenciatura em Engenharia Electrotécnica,
comprometi-me a introduzir algumas alterações no curriculum das disciplinas
da área. Espero assim contribuir para facilitar a leccionação dos docentes
que delas forem responsáveis. Tudo o que possa ser feito para que as
pessoas se sintam bem em terras tão longínquas, deve ser feito.
O resto do dia correu dentro da normalidade que é possível para quem está
tão longe dos que nos são mais queridos.

21 DE JANEIRO – Quarta-feira
Na sequência da reunião de ontem meti mãos à obra e, depois de cumprir
os rituais normais, ir ao pão, tomar o pequeno almoço e caminhar, sempre a
pé ligeiro, para a universidade e ensinar durante três horas, “arrumei” os

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programas das várias disciplinas da área da electrotecnia, de modo a dar-
lhes uma sequência correcta no sentido de lógica e harmoniosa. Os assuntos
têm que deslizar pelas várias disciplinas de modo a que no final tenhamos
um produto que sirva os interesses dos alunos e os prepare para um futuro
que, em muitos casos, será difícil. Estou certo de que essa melhoria se vai
notar e, especialmente por parte dos docentes, terão os conteúdos
programáticos mais claros. Espero que todos fiquemos a ganhar; os alunos
porque têm uma sequência de assuntos mais natural e mais lógica; os
docentes porque lhes são apresentados com mais clareza os temas que têm
que tratar e eu porque cumpri a obrigação a que me comprometi de tudo
fazer para que o curso se desenrole com normalidade e o melhor possível.
Tive oportunidade de conversar com o Engº Inácio, Decano do curso de
Electrotecnia da UNTL, na companhia do representante da FUP, Dr. Ângelo
Ferreira a fim de conseguirmos sensibilizar colegas da indústria a colaborar
na leccionação do nosso curso. É muito importante que haja docentes que
tenham a experiência do mundo real do trabalho para transmitirem aos
alunos as suas experiências e servirem-lhes de exemplo e de incentivo a
estudarem ainda mais para um dia conseguirem ser como eles.
No regresso a casa ainda tive oportunidade de cumprimentar o senhor
Reitor, o Professor Benjamim Corte Real, que, com a sua natural afabilidade
e simpatia se congratulou por me ver uma vez mais em Timor a colaborar
com a sua universidade.

22 DE JANEIRO – Quinta-feira
As saudades começam a apertar. É natural que assim aconteça. Já são duas
semanas sem ver os que nos são mais queridos. Há que arranjar forças para
ultrapassar estes momentos de grande nostalgia. É por isso que tento estar
sempre ocupado. A ida à internet à missão portuguesa para ver o correio e
ler o jornal, faz parte de todos os meus dias aqui em Díli. No seguimento da

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reunião que tive com os docentes de electrotecnia e a que me referi na
terça-feira, encontrámo-nos hoje de novo para lhes transmitir as alterações
que introduzi nos curricula, depois de ter em conta as suas sugestões.
Durante a aula da manhã tive que ceder um pouco do tempo para que dois
docentes da UNTL tivessem uma reunião com os meus alunos, a fim de
tentar resolver o problema que os aflige e que respeita ao funcionamento de
um das disciplinas que lhes estão a ser ministradas neste trimestre. Espero
que tudo termine em bem, embora ficasse apreensivo pelo aparente
nervosismo dos alunos quando regressei à aula. No que respeita à disciplina
que estou a leccionar, Instalações Eléctricas I, para já, seguida por
Instalações Eléctricas II, tem corrido acima das minhas expectativas. Devo
confessar que os alunos me estão a surpreender positivamente. Já os
conheço quase há três anos e já sinto por eles alguma familiaridade que,
confesso, não é muito normal na minha já longa experiência de vinte e nove
anos de docência.
Hoje comecei a tratar da minha ida à Nova Zelândia no regresso a Portugal,
via Sidney. Estou com alguma expectativa em conhecer a Nova Zelândia.
A vida é feita de objectivos e para mim são estas visitas no regresso a casa
que me dão forças para vir aqui colaborar. Se não fosse a possibilidade que
tenho tido e que vou continuar a aproveitar de conhecer novos mundos,
decerto não viria aqui tantas vezes.

23 DE JANEIRO – Sexta-feira
O aproximar do fim-de-semana desperta sempre um mistura de
sentimentos. Alívio por um lado e expectativa de descanso por outro. Depois
de uma semana de trabalho é sempre bom descansar ao sexto e ao sétimo
dia. As aulas decorreram com normalidade apenas aligeiradas por uns
momentos de descontracção que permitiram aproximar-me ainda mais dos
alunos. Falei-lhes das minhas deambulações pelo mundo, mostrei-lhes

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excertos de um filme sobre Moçambique e o Parque Kruger e algumas fotos
de Vila Real. O relacionamento que tenho com eles já se pode considerar de
amigos. É claro que a autoridade natural do docente dentro da sala de aula,
sustentada no cumprimento absoluto dos seus deveres e no respeito pelos
alunos, nunca deve ser posta em causa. É o que acontece comigo. Desde
sempre tento cumprir a máxima que o meu pai me transmitiu desde muito
pequeno: sê sempre um bom funcionário e cumpre sempre as tuas
obrigações que, em consequência, serás sempre respeitado. Sem dúvida
que a sabedoria que se adquire ao longo de uma vida de muito trabalho e
muito sacrifício, é de muita utilidade para quem tem a sorte de ter alguém
que lhe dê tais conselhos.
Pela tarde integrei-me no funeral da mãe do Presidente Xanana Gusmão. A
cerimónia fúnebre decorreu na catedral e estiveram presentes os
representantes diplomáticos acreditados em Díli, muitos membros do
governo, representantes de instituições públicas e privadas, os familiares e
muita gente do povo. O Presidente Xanana, na sua simplicidade genuína,
orientava a organização do cortejo dando indicações para a colocação das
flores nos carros que acompanhavam o caixão e para alguns pormenores
relacionados com a colocação do caixão no carro que o havia de levar ao
cemitério.

24 DE JANEIRO – Sábado
Durante a manhã nada de importante se passou. Bem cedo saí de casa e fui
à procura da RNTL – Rádio Nacional de Timor Leste. Depois de deambular
por várias ruas e depois de perguntar a várias pessoas lá consegui chegar a
um edifício em frente ao Centro de Estudos Judiciários. Dirigi-me à recepção
e fiquei a saber que chegara ao local que pretendia. Pela tarde ali me
desloquei de novo a fim de assistir à gravação do programa de rádio do MAC
– Movimento de Adolescentes e Crianças. Às três da tarde em ponto estava

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a entrar para os estúdios onde, numa sala de pequenas dimensões,
antecedendo o estúdio de gravação, já se encontravam os microfones
devidamente colocados e o técnico que iria fazer a gravação do programa e
posterior mistura e composição, o Senhor Hélio, timorense bem simpático e
com um sorriso aberto próprio de quem se está a preparar para
desempenhar uma tarefa com gosto. Sem dúvida que esta minha presença
constituiu uma oportunidade óptima para reforçar a admiração que nutro
por pessoas que conduzem adolescentes e crianças a desempenhar com
tanto empenho e, diria mesmo, arte, face aos meios disponíveis que são
escassos, tarefas como esta de levar a bom termo a gravação de um
programa de rádio. Parabéns à Irmâ Eliene e a todas as pessoas que, por
todo o mundo, desempenham tarefas tão nobres.
Assisti à gravação de dois programas que foram da autoria da Estefânia e da
Paula. O tema foi, como é inevitável, os direitos das crianças e a amizade
que deve haver entre os familiares e em geral entre todos os elementos da
sociedade. O entusiasmo com que todos entravam em “cena” na respectiva
vez, aliado ao “profissionalismo” demonstrado, leva-me a acreditar que
todos “sentem” bem fundo o conteúdo das frases que, umas a seguir às
outras, vão debitando em frente aos microfones. Oxalá que quem os ouvir, o
faça com a atenção que eles merecem. Apoiar instituições que conduzem
tão seguramente ao objectivo da formação, da educação e do amor próprio
de cada um, deve ser motivo de orgulho para quem o faça. Estou
plenamente convicto de que assim é. Vim da rádio ciente de que a opção
que muitos daqueles que responderam ao apelo que lhes lancei para apoiar
este grupo de adolescentes e crianças, podem sentir-se orgulhosos porque
estão a contribuir para que muitos deles tenham acesso a uma vida melhor
num futuro incerto e, certamente difícil, que os espera.
No regresso passei em frente ao quartel onde se encontra o nosso Batalhão.
O movimento que presenciei leva-me a crer que havia preparativos para a
apresentação de boas vindas ao agrupamento Hotel que vem de Vila Real.

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Para a semana lá me dirigirei ao Comandante, Tenente Coronel Xavier de
Sousa para lhe apresentar cumprimentos e para com ele combinar a entrega
do equipamento que transportou e que foi entregue pelo Rotary Clube de
Vila Real.

25 DE JANEIRO – Domingo
Para não fugir à regra o dia começou às sete da manhã. Feitas as rotinas
diárias, dirigi-me para a igreja de Motael para assistir à missa. No final dei
uma volta pelas ruas envolventes e encaminhei-me para casa a fim de tomar
o pequeno-almoço. Como é costume preparei-me para o habitual passeio
dominical. Saí em direcção a Becora, mas seguindo a marginal. Parei várias
vezes para apreciar a paisagem que se alcança na direcção do mar. Lá está
a Ilha de Ataúro, tão perto, mas quando para ela nos dirigimos de barco ou
dela regressamos, parecendo uma distância enorme. Observei os
pescadores a retirar as suas redes do mar e alguns deles pescando à linha
sendo o carreto uma garrafa de água vazia. O improviso atinge, por vezes,
proporções inimagináveis.
Sendo um dia de descanso, é propício à observação de imagens
extraordinariamente bucólicas como sejam as cabras e respectivos filhos a
deambular pela rua, acompanhadas pelos búfalos, vacas, galinhas, porcos e
outros. Estas são imagens que nunca se varrerão da minha memória tal é a
raridade e o bucólico que elas representam. Chegado à ribeira, que neste
momento não tem pinga de água, virei à direita encaminhando-me, sempre
a seu lado, passando por debaixo de grandes gondões, de tronco enorme e
de envergadura de deixar qualquer pessoa boquiaberta de admiração, fui
avançando não sem que, de vez em quando, tivesse que limpar o rosto tal a
quantidade de água que por mim corria.
Neste trajecto pode ver-se a Escola Duque de Caxias, reabilitada pelos
militares brasileiros e, por isso, com este nome alusivo a uma importante

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personalidade brasileira. Com o andamento normal, rápido quase sempre,
fui vencendo a distância que me separava da casa, onde pretendia chegar
por volta do meio-dia. Passei pelo cemitério de Santa Cruz e depois pelo
dedicado aos cidadãos indonésios que, em tempos, foi motivo de forte
reclamação por parte da primeira Ministra Sukarno Putri, seguindo pela Rua
das Madres, com passagem pelo Seminário Menor de Balide e pelo Colégio
de S. José, chegando à igreja da paróquia de Balide. Como pretendia
localizar a casa dos Jesuítas, para em breve visitar o Padre João Felgueiras,
fiz uma inflexão no meu trajecto e virei em direcção a Dare, e depois à
esquerda para Becora. Depressa reconheci a casa que pretendia encontrar.
Feito o reconhecimento tomei o trajecto normal que me trouxe a casa. O
resto do dia foi normal, passado em casa a escrever, este e outros textos
que tenho em andamento.

26 DE JANEIRO – Segunda-feira
Pela manhã tive oportunidade de cumprimentar a delegação da FUP,
liderada pelo Professor Meira Soares. Encontrámo-nos casualmente na sala
dos professores. Vinham acompanhados do Reitor da UNTL, Professor
Benjamim Corte Real e do Engº Inácio, decano da faculdade de Engenharia.
Espero, tal como todos os restantes cooperantes, que a sua vinda cá sirva
para fortalecer o projecto e para criar melhores condições de
funcionamento, apesar de as actuais já serem bastante boas. Após o
almoço, hoje no restaurante City Garden, onde antigamente era o D. Aleixo,
fui para casa a fim de descansar. Liguei a televisão e, para meu
contentamento, estava a transmitir o jogo entre o Vitória de Guimarães e o
Benfica, já com a segunda parte a decorrer. O Benfica ganhou, mas tudo
terminou com uma grande tristeza, devido à morte do jogador Feher. Não é
o primeiro caso que acontece. Aliás já aconteceu por várias vezes. Não é

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fácil compreender como estas coisas acontecem a gente jovem e com uma
preparação física tão consistente como é a de um jogador de futebol.

27 DE JANEIRO – Terça-feira
A manhã foi igual aos outros dias, pelo menos até às onze horas. Tive as
aulas do costume, que correram bem. O esforço exigido para que haja êxito,
ou seja, para que os alunos compreendam os conceitos que lhe transmito, é
muito grande. Além das falhas na compreensão da língua portuguesa ainda
tem como handicap um ensino pré universitário muito permissivo e
deficiente. Com esforço, no entanto, lá vou conseguindo levar a água ao
moinho.
Às onze saí da universidade e encaminhei-me para China Rate/Taibesse a
fim de combinar com o Padre João Felgueiras a entrega do material escolar
aos alunos da sua Escola Nova de Santo Aleixo, a erguer em espaço
contíguo à casa onde estão sedeados os Jesuítas. O trajecto passa pelo
antigo Mercado Municipal, agora completamente recuperado, pela Igreja de
Balide, atravessa a ribeira e passado pouco tempo estava a falar com o
Padre Felgueiras. Recebeu-me com a simpatia que lhe é peculiar, tendo-me
desde logo reiterado o pedido de desculpas por não se ter deslocado a Vila
Real a fim de nos falar na sua experiência em Timor, já longa de trinta e
dois anos.
Transmiti-lhe as saudações do Rotary Clube de Vila Real e informei-o do
dinheiro que lhe vou entregar para ajudar à construção da sua escola. A
ligação entre esta e o jardim de sua casa, é feita por uma porta de metal
que, informou-me ele com um sorriso largo, ia ser por mim inaugurada pois
seria eu a primeira pessoa a utilizá-la. Mostrou-me o terreno com cerca de
2000 m2 e transmitiu-me as alterações de planos que teve que fazer. Como
o início da construção da escola está atrasado, começou por recuperar a
casa de habitação que lá se encontra, a fim de poder começar a utilizá-la

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para, nos quartos que serão salas, começar com as aulas, nomeadamente
de língua portuguesa, pois as solicitações para tal têm sido muitas. O
dinheiro que, em nome do meu clube lhe entregarei, servirá para acelerar
esta recuperação.
Ao fim do dia tive uma reunião com a equipa da FUP que aqui se encontra.
Estiveram presentes todos os docentes que neste segundo trimestre aqui
estão a leccionar. Trocámos algumas impressões e foram-lhes transmitidas
algumas preocupações para reflexão, para assim podermos melhorar a
prestação docente. O espírito de que nos encontramos imbuídos, augura
uma boa prestação de todos. Tive oportunidade de alertar para a
necessidade de as universidades estarem dentro do projecto. É preciso que
dêem garantias de que os seus docentes sejam recompensados, não
monetariamente, mas com algumas facilidades, por exemplo, nos horários
ou valorizando a sua participação neste projecto.
Após a reunião e no regresso a casa, foi-me confidenciado por um colega
alguma apreensão por situações de violência vividas na comemoração do
seu aniversário, na praia da Areia Branca, protagonizadas por alguns
timorenses, sobre malaios (brancos). Estes factos alertam-nos para a
necessidade de reforçar as cautelas e moderar as atitudes. É cada vez mais
necessário respeitar a cultura e as tradições deste povo. Festa na praia, com
música e bebidas, pode constituir uma provocação a costumes menos
exuberantes.

28 DE JANEIRO – Quarta-feira
Tudo normal. Apareceu na aula a delegação da FUP, acompanhada pelo
responsável da RDP Internacional em Timor, o jornalista António Veladas.
Foi um momento muito interessante que aproveitei para transmitir aos
ilustres visitantes, o progresso que os meus alunos têm tido desde que com
eles iniciei esta caminhada em direcção à obtenção de um grau superior, por

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que todos anseiam. É muito gratificante para um docente constatar o
progresso que os seus alunos vão tendo, à medida que os conhecimentos
lhes vão sendo transmitidos. Para eles foi motivo de orgulho o facto de eu
os ter apresentado um após outro, pelo nome e pela terra de onde são
naturais.
Durante a visita, muito breve, foi-me solicitado pelo António Veladas, a
minha colaboração no projecto que recentemente abraçou, de publicar
semanalmente um jornal de língua portuguesa a que pôs o título de
Semanário. Aceitei de imediato. Pediu-me para falar sobre os temas que
estava a versar na aula, ou seja, a energia eléctrica. Como é de calcular
esse é um campo onde me sinto muito bem. Vou fazer tudo para
corresponder à confiança que em mim depositou e espero contribuir para o
despertar de mentalidades para a importância do tema.
Após o almoço fui visitar o Comandante do agrupamento HOTEL. Confirmou-
se o que eu pensava. Embora já tivesse chegado há quinze dias, só ontem
chegaram os últimos. O material escolar que trazem, entregue pelo Rotary
Clube, ainda não chegou. Contactar-me á por telefone logo que chegue.

29 DE JANEIRO – Quinta-feira
Dando seguimento ao pedido feito pelo António Veladas, escrevi aquele que
será o primeiro texto que publicarei no Semanário de Timor, jornal de língua
portuguesa. É muito positivo que haja um jornal em língua portuguesa num
país onde o português é língua oficial a par do tetum. Pode ser um bom
instrumento de aprendizagem para muitos timorenses que pouco ou nada
falam ou compreendem português. Por vezes interrogo-me se não haverá
timorenses, em número significativo e numa faixa etária entre os 15 e os 35
anos, que fazem alguma obstrução à aprendizagem do português. Pode ser
apenas por preguiça, mas que se sente essa areia na engrenagem, lá isso
sente.

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O meu primeiro artigo sairá para a próxima semana pois nesta já não era
possível inclui-lo. Espero contribuir para o esclarecimento de algumas
pessoas para o tema da energia. Esse é o meu propósito. Se o conseguirei
ou não, mais tarde se verá.
Ao fim da tarde tive uma reunião com a delegação da FUP para tratar de
problemas existentes entre os alunos do 2º Ano e uma das docentes. Tudo
farei para contribuir para que tudo se resolva e as duas partes saiam com a
dignidade que lhes é devida.
Após a reunião fui para o Hotel Turismo a fim de assistir à reunião do Rotary
Clube de Díli. A reunião decorreu nos moldes habituais, embora bem
diferentes dos das nossas reuniões em Vila Real. Entreguei ao Presidente do
clube a carta do Governador do meu Distrito, companheiro Diamantino
Gomes, acompanhada por um resumo em inglês pois é esta a língua oficial
nestas reuniões. Pode parecer estranho, mas assim é. Durante a reunião foi
apresentado um projecto, já implementado, de entrega de uma ambulância
a Timor, incluindo formação técnica de alguns técnicos de saúde que a irão
utilizar, ao serviço das respectivas populações.
No final da reunião tive oportunidade de trocar impressões com um
companheiro australiano que, por coincidência, tinha estado na ilha de Jaco
com um colega docente. Foi muito interessante constatar a alegria com que
a mim se dirigiu e trocámos algumas ideias do dia a dia timorense. Isto é
uma das razões pela qual muito me agrada pertencer a este movimento. As
pessoas que se conhecem, a troca de conhecimentos que se pode fazer, é
um incentivo para continuar a levar à prática as recomendações do nosso
fundador, Paul Harris.

30 DE JANEIRO – Sexta-feira
Hoje a manhã foi diferente do habitual. Durante a aula fui visitado pelo
Professor Meira Soares e pelo Dr. Ângelo Ferreira. Vinham acompanhados

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pelo repórter da RTP, Pedro Valador. Filmaram durante algum tempo a aula,
com esta a decorrer com a normalidade com que decorre todos os dias.
Foram-me solicitados comentários sobre a minha experiência de ensino, aqui
em Timor. Faltaria à verdade se não dissesse que tem sido gratificante para
mim esta experiência, tão longe de quem me é mais querido, minha família
e os meus amigos. A evolução que os meus alunos mostram, em termos de
conhecimentos adquiridos e de postura perante os problemas do dia a dia,
são um incentivo para continuar com esta tarefa. Aproveitei para realçar as
virtualidades do projecto da FUP – Fundação das Universidades Portuguesas
que, espero eu, será um marco na implantação e no reforço da língua
portuguesa em Timor, bem como um impulso no reforço das relações entre
Portugal e Timor.
Espero também que a minha intervenção constitua, com muitas outras, uma
possibilidade de alguns portugueses se tranquilizarem pois o dinheiro que
Portugal está a gastar em Timor está a ser bem utilizado.
Após o almoço continuámos a reunião de ontem agora com a presença da
colega envolvida. A sua abertura para a resolução do problema, o modo
como escutou as recomendações que lhe foram feitas, auguram uma
resolução rápida para o problema. Espero que os alunos cumpram também
a sua parte. Só com empenho das duas partes é que o problema se pode
resolver.
À medida que o tempo passa, melhor conheço a realidade timorense. Por
exemplo fiquei a saber, através dos meus alunos, que Timor não é
homogéneo no que respeita aos processos de resolução dos problemas que,
com maior ou menor escala, aparecem. Em Maliana, Los Palos e Baucau,
dizia-me um aluno, os problemas não se resolvem com a cabeça, resolvem –
se pela violência. Isto faz-me reflectir sobre a nossa estadia aqui. Será que
estamos em segurança? E se este espírito de violência, intrínseco a muitos
timorenses, vem ao de cima? Como actuar numa situação destas? Será que

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estamos preparados? Enfim são muitas questões, com respostas incertas,
que se podem fazer.
A contrapor a estas preocupações, fiquei a saber que Los Palos quer dizer
“jardim do barco” em língua local. A jardim está associada a flor, que não
pressupõe violência. Então porque é que as pessoas o hão-de ser?
A leitura do site da TVI, deixou-me extraordinariamente emocionado. As
palavras da mãe do jogador húngaro morto há dias em Portugal, tão simples
e de um conteúdo tão profundo, trouxeram à minha mente o papel que as
mães representam na vida de todos nós. Dirigiu-se ao filho em conversa
natural como se ele a ouvisse. Repassou todas as recordações que ele lhe
trouxe à memória, desde o seu nascimento até à sua morte. Foi muito
bonito para mim.

31 DE JANEIRO - Sábado
Bem cedinho saí de casa para fazer exercício físico. A idade a isso aconselha
embora todo o cuidado seja pouco, tal é a quantidade de casos de
complicações surgidas na sequência de exercícios físicos feitos sem o
acompanhamento médico devido.
No que me respeita tento fazer tudo com moderação e com muito auto
controlo. O trajecto seguido é o mesmo de sempre: ir até muito perto da
praia da Areia Branca e regressar. Hoje dediquei alguns minutos à gruta de
Santa Ana em Bidau, situada no lado direito da estrada quando se caminha
no sentido do Cristo Rei. Detive-me por alguns minutos e subi ao cimo
podendo observar com mais detalhe a imagem e a placa descerrada
aquando da inauguração deste pequeno, mas muito interessante
monumento A simplicidade da sua construção segue o que se passa com
muitos outros monumentos que existem neste jovem país. Da lápide
respiguei o seguinte: Viva Mãe de Deus. Viva sem fim; São José, Santa Ana,
São Joaquim.

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Na minha ida à missão portuguesa, a fim de ler o correio electrónico,
mandar a minha correspondência e ler os jornais, aproveitei e passei pelo
Instituto Camões, situados no 2º Andar do edifício ACAIT – Associação
Comercial Agrícola e Industrial de Timor. Como não havia internet, sobrou-
me algum tempo até ao almoço que aproveitei para ver alguns livros antigos
sobre Timor. Desfolhei um onde se podem ver algumas dezenas de postais
antigos, desde o início do século XX até ao pós guerra. No texto introdutório
pude confirmar a informação que já tinha: durante a invasão japonesa, em
Díli, só ficaram de pé 10 edifícios. Tudo o resto foi arrasado. O mesmo se
passou em Ailéu, Maubisse, Ermera e outras cidades espalhadas por todo o
território de Timor. O contacto com este livro deu-me uma ideia que vou
tentar pôr em prática já na próxima semana, fotografar alguns dos edifícios
ou ruas que são retractados nos postais. Parece-me interessante, fazer o
confronto do Díli de então com o Díli de agora.

1 DE FEVEREIRO – Domingo
A missa na igreja de Motael, às 8 horas é o meu primeiro acto em cada
Domingo que passa. Pelo caminho fui surpreendido pela voz de alguém que
andava a fazer exercícios matinais, nada mais nada menos que dois militares
do agrupamento HOTEL que me disseram que já podia entregar o material
escolar enviado pelo Rotary Clube de Vila Real. O resto do dia foi o normal.
Ida à internet para pôr a escrita em dia e ler as notícias dos jornais
portugueses. Aproveitei a tarde para descansar pois o calor intenso
acompanhado por uma humidade muito elevada, exige muito esforço a
quem trabalha nestas condições. È preciso recarregar baterias para
enfrentar a próxima semana que, tal como todas as outras, são aproveitadas
por mim para cumprir o serviço docente que me está atribuído e ainda
preocupar-me com o andamento do curso, do qual sou co-responsável.

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2 DE FEVEREIRO – Segunda-feira
As aulas de hoje destinei-as à preparação do exame de amanhã. Penso que
os alunos estão bem preparados. Vamos ver se os resultados estarão de
acordo com aquilo que é o meu desejo.
Telefonei ao Padre João Felgueiras para combinar com ele a entrega do
material escolar à sua Escola. Na próxima Sexta Feira a partir das 11H20 m
lá estarei, assim espero, a fazer a entrega e ver a reacção dos alunos a esta
oferta. Lá estarão as senhoras professoras e eu irei acompanhado de alguns
colegas que manifestaram interesse em acompanhar-me e aproveitar a
oportunidade de conversar um pouco com o Padre Felgueiras. É uma
oportunidade de ouvir alguém que conhece Timor como poucos e cuja vida,
nos últimos trinta e dois anos, está intimamente ligada à trajectória que
Timor tem tido desde os tempos de colónia portuguesa até hoje, o mais
jovem país do mundo.
Vou manhã falar com o Comandante Xavier de Sousa para acertar os últimos
pormenores desta tarefa de que fui incumbido pelo meu clube.

3 DE FEVEREIRO – Terça-feira
Hoje os meus alunos fizeram o exame de Instalações Eléctricas I. O José
Vaz não compareceu por se encontrar doente. Não é a primeira vez que
algum dos meus alunos não comparece nas aulas por estar doente. É muito
frequente isso acontecer. Sem dúvida que há ainda muito a fazer na
prevenção da doença neste jovem país. Pareceu-me que todos enfrentaram
o exame com alguma confiança. Vamos ver os resultados.
Como já tinha mandado para Vila Real a crónica da energia e o texto sobre
Timor, a minha ida à internet foi feita com mais descontracção do que
nalguns dias. A obrigatoriedade que assumi com o jornal, aliada à minha
vontade de cumprir sempre os meus compromissos, não me deixa
alternativa. É necessário ter imaginação e empenho para, dia após dia, ir

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escrevendo textos que, assim o espero, sirvam para que alguns leitores
tenham alguns momentos de descontracção e de cultura. Logo após o
almoço lá fui combinar com os amigos militares o dia de sexta-feira. Fui
recebido com muita simpatia pelo Capitão Almeida que delegou no Sargento
Ajudante M Costa a tarefa de me acompanhar à saída e de me transportar o
equipamento escolar num jipe.
Continuei com a tarefa de marcar transporte para Camberra e hotel para
três noites. Ainda não foi hoje que aconteceu. Espero que o seja o mais
depressa possível porque o dia aproxima-se.

4 DE FEVEREIRO – Quarta-feira
Iniciei as aulas de Instalações Eléctricas II. Para já todos vão frequentar
esta disciplina. Embora tenham possibilidade de escolher entre as opções de
Sistema de Energia e Sistemas de Telecomunicações, não vai ser possível
funcionarem as duas por falta de docentes de telecomunicações. Vamos ver
como tudo vai decorrer.
Às onze saí da universidade e apanhei um taxi na direcção da casa das
Irmãs Dominicanas que aqui se encontram, a Irmã Eliene e a Irmã
Francisca. Já estavam à minha espera a Irmã Eliene e a Dulce, professora de
português em Timor, colocada aqui no âmbito da cooperação portuguesa. O
dia amanheceu com muita chuva, não tendo parado de cair durante toda a
manhã. Por isso foi necessário apanharmos um taxi pois íamos à Escola do
Paiol, do 1º Ciclo a funcionar desde 1982 e assim chamada por estar
construída no local onde, em tempos, era o paiol da pólvora do exército
português. Trata-se de uma escola construída pelos indonésios, com cerca
de 570 alunos e com 12 turmas a funcionar por turnos durante o dia. Tem
quinze professores sendo o seu Director o professor Salvador Vila Nova. A
razão da visita era conhecer os miúdos a quem vamos pagar o ensino que
custa seis dólares por ano a cada um. Possivelmente vão ser os alunos do

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4º Ano da Escola dos Quinchosos que vão ficar com essa responsabilidade.
Pelo menos para cerca de 20 já têm dinheiro que juntaram em colecta que
fizeram antes do Natal. Como choveu sem cessar, não foi possível fazer uma
foto com eles no exterior da escola pois, como pertencem a várias turmas,
só no exterior o podíamos fazer. Terminada a visita fomos almoçar
juntando-se a nós uma amiga da Irmã Eliene também brasileira, da Baía, e
que está em Timor acompanhando o marido que é funcionário das nações
unidas para os refugiados. Foi um almoço simples, mas muito bem
confeccionado pela funcionária timorense que está ao serviço das Irmãs. De
tarde regressei a casa e tudo decorreu dentro da normalidade sem nada que
merecesse realce.
Recebi um email do meu amigo chileno Valderrama que me deixou muito
contente. Dizia-me ele que tinha sido recebido em Vila Real muito bem,
como um amigo. Parabéns ao José Boaventura que se encarregou da
recepção.

5 DE FEVEREIRO – Quinta-feira
Pela tarde dirigi-me a casa do Alô Pereira, mais propriamente, ao seu
estúdio de gravação de CDs. Depois de perguntar a algumas pessoas lá
consegui chegar ao local. Passado pouco tempo passou um táxi de onde fui
chamado por alguns miúdos. Era a Irmã Eliene e alguns dos miúdos do
MAC. A deslocação destinava-se à gravação de um CD. Lá estava o Natalino,
a Mónica, a Estefânia, a Hermínia, a Jaque, a Suzete, e outros cujo nome
não me recordo. O senhor Alo Pereira já os esperava, embora estivesse a
ultimar um trabalho que nos obrigou a atrasar a gravação.
Por algum tempo gerou-se o pânico entre a Irmã e os cantantes. O órgão,
gentilmente emprestado pelo contingente militar brasileiro, tinha ficado na
mala do táxi que os tinha trazido desde o MAC. Desfez-se o acordo com a
Alô, os dólares regressaram à mão da Irmã Eliene e o momento tão

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esperado por todos, de gravar um disco, desmoronou-se como um castelo
de cartas. Por sugestão minha, escolhemos três miúdos, o Natalino, a
Mónica e a Estefânia e metemo-nos num táxi à procura do órgão. Descemos
a longa rua que parte perpendicularmente à ribeira em direcção ao centro.
Passámos pelo City Café, Missão portuguesa, universidade, hotel Timor, e
fomos em direcção ao aeroporto. As probabilidades de encontrar o táxi onde
aquele bem tão precioso, aumentaram quando todos concordaram que o
táxi era de cor branca. A partir desse momento toda a nossa atenção estava
concentrada nesses táxis. Já depois do heliporto, surge a sorte grande, ou
seja, o táxi com o órgão fora reconhecido pelos miúdos e circulava em
sentido contrário. O senhor Atai, assim se chamava o taxista que nos levava,
inverteu a marcha na primeira oportunidade. Devido ao muito transito, foi
muito difícil passar para a outra faixa. Entretanto estavam todos
concentrados no movimento do táxi alvo. Por sorte nossa parou um pouco
adiante num bakso, local onde servem comida indonésia. Aí chegados
depressa os três cantores saltaram do táxi e se dirigiram ao condutor do táxi
branco que, com um largo sorriso, lhes disse que ainda não tinha dado
conta do sucedido. Recuperado o “tesouro perdido” telefonei à Irmã Eliene a
dar a boa nova. Tudo se alterou. Regressámos ao estúdio, os dólares
passaram de novo para o Alô Pereira e deu-se início à gravação, agora com
alguns minutos, que pareceram dias, de atraso. Assisti à gravação da
primeira canção, cantada pela Hermínia e pelo Natalino. As suas vozes
suaves e doces, ecoaram pelo estúdio de dimensões reduzidas, sem meios
sofisticados, mas com um empenho muito grande por parte dos dois
técnicos, Alô Pereira e outro. Nestes momentos é que damos valor àquilo
que temos em excesso. Com meios tão reduzidos como se podem fazer
coisas com tanto valor! A canção era um hino a Timor e intitulava-se “Minha
querida Timor Lorosae”.

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Tudo terminou em beleza. Subi mais um degrau na consideração que estes
miúdos têm por mim. Não posso decepcioná-los. Tudo farei para que
acreditem em mim.
Abandonei os estúdios de gravação logo após esta primeira canção. Fui
descansar para casa e adiantar os textos que tenho que mandar para
Portugal.

6 DE FEVEREIRO – Sexta-feira
Este dia era por mim esperado com muita expectativa pois estava marcada,
há algum tempo, a tarefa de entregar o material escolar à Escola Nova de
Santo Aleixo, Amigos de Jesus, fundada pelo Padre João Felgueiras,
constituído por seis volumes e enviado pelo Rotary Clube de Vila Real.
Terminada a aula, já com a máquina a tiracolo, tomei um taxi e passados
cinco minutos estava à entrada do aquartelamento das tropas portuguesas.
Na minha companhia estavam uma colega e um colega que tinham
manifestado interesse em acompanhar-me. Feitas as formalidades à
entrada, lá me encaminhei, acompanhado do militar de nome Agudo, até ao
edifício do comando. Como civil que sou, compreendo muito bem as regras
que as instituições militares têm, principalmente no que à segurança
respeita. Assim, e depois de vir o chefe de viatura, Sargento-ajudante M.
Costa, natural de Chaves, mas a viver em Vila Real, de enorme e
espontânea simpatia, fomos em direcção a Taibesse. Aí já se encontrava o
Padre João Felgueiras acompanhado de algumas das senhoras professoras e
com os alunos nas respectivas salas, pois as aulas só terminam às 14H00.
De imediato os seis volumes do equipamento foram descarregados do jipe
militar e foram colocados numa das salas. Seguiu-se uma pequena
cerimónia, que foi grande no significado que teve paras as instituições
envolvidas: Escola, Rotary Clube de Vila Real e Agrupamento militar
português HOTEL. Foi colocado nos ombros de cada um de nós uma

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salenda, entregue a pessoas que os timorenses consideram importantes, ou
seja, de dignidade reconhecida.
O Rotary Clube de Vila Real e todos os seus membros e respectivas esposas,
estão de parabéns. Levaram a cabo uma tarefa que muito vai ajudar à
criação de condições para que muitas crianças timorenses tenham acesso ao
ensino. O Agrupamento HOTEL, mostrou que os militares não servem só
para fazer a guerra. Também são capazes de actuar em tempo de paz. A
eles, na pessoa do seu Comandante, Tenente-coronel Xavier de Sousa,
endosso os meus agradecimentos pessoais e os do meu clube, pois estou
certo de que esse é o sentimento do nosso Presidente, Luís Pizarro.
O Padre João Felgueiras fez questão de solenizar o momento e leu um texto
escrito do qual vou transcrever algumas passagens. Começou por dizer,
“vejo na vossa presença uma expressão de grande amizade. É mesmo essa
a grande oferta, o grande presente que nos fazeis”. Mais adiante expressou
o desejo de que “esta amizade entre nós perdure através dos anos, e nos
ligue como amigos. Criar amizade entre as pessoas, foi o plano de Deus”.
Referiu que esse é o objectivo da Comunidade Amigos de Jesus, por si
criada. Terminou a sua intervenção com um voto de que “a nossa amizade
vos tornará membros efectivos desta Comunidade Amigos de Jesus, agora e
para sempre”. No que a mim respeita, sem dúvida que essa amizade por um
homem da envergadura moral do Padre Felgueiras, pela sua obra, por tudo
quanto tem feito pelos timorenses mais frágeis, as crianças, tem vindo a
fortalecer-se.
De seguida fomos visitar o espaço onde vai ser construída a escola nova. Aí
fiz entrega do dinheiro que obtivemos, graças à generosidade dos membros
do nosso clube, no jantar de reis. O nosso clube contraiu mais
responsabilidades pois passou a fazer parte, por desejo do Padre Felgueiras,
do grupo da Comunidade dos Amigos de Jesus. Eu por mim aceito esta
responsabilidade e estou certo de que o mesmo se passa com todos quantos
ao clube estão ligados.

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7 DE FEVEREIRO – Sábado
A manhã foi normal. Saída bem cedo para fazer algum exercício físico e ida
à missão portuguesa a fim de “recolher” o correio electrónico. Com muitas
vezes acontece, e aqui no fim do mundo ainda com mais frequência, não me
foi possível “trazer” o correio. Assim sendo entrei no Instituto Camões e
aproveitei para requisitar o livro Postais Antigos e Outras Memórias de
Timor, da autoria de Luís Loureiro. Já anteriormente falara deste livro. Tem
uma introdução muito interessante onde relata os costumes dos habitantes
de Díli no início do século XX, referindo em especial a modo como decorria o
dia a dia dos habitantes de Lahane. Vai ser uma óptima ferramenta para
algumas ideias que tenho em mente e que pretendo levar a cabo muito em
breve.
Após o almoço fui ao quartel das nossas tropas, em Caicoli, por solicitação
de uma professora portuguesa de que já falei anteriormente, Dulce e que
vinha acompanhada da dona Arcília, senhora timorense. O objectivo era
pedir às nossas tropas ajuda para compor o acesso a uma escola onde a
Dona Ercília trabalha. Quando chove todo o espaço envolvente, incluindo o
peatonal, fica com lama, implicando que os miúdos e quem visite a escola
fiquem com o calçado sujo, arrastando lama para o interior da escola. Com
alguma sorte, ainda antes de fazer as formalidades que permitem a entrada
de pessoas estranhas à instituição, avistei o Senhor Comandante Tenente-
coronel Xavier de Sousa que, de imediato, me chamou. Feitas as
apresentações expliquei ao que ia tendo ele desde logo solicitado a presença
das senhoras que me acompanhavam. Com a amabilidade que o caracteriza,
pelo menos assim o diz a minha experiência, chamou o Capitão Almeida a
quem pediu que tomasse nota das solicitações que lhe estavam a ser feitas
e providenciasse no sentido de, o mais depressa possível, fossem feitas as
diligências necessárias à resolução dos problemas. Ao já referenciado
juntámos o da escola do Paiol, muito prejudicada pelas terras que se

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arrastam ao longo da encosta adjacente à escola pois esta está mesmo no
sopé do monte que lhe está contíguo.
Com mais propriedade posso hoje reforçar o que disse ontem: os militares
também sabem estar em tempo de paz. Estes e outros trabalhos têm sido
desenvolvidos pelos nossos militares aqui em Timor. Muitas escolas têm
bons acessos e condições mínimas de funcionamento por acção directa
destes homens. É necessário dignificar o seu trabalho. Não podemos pensar
neles só na guerra. Na paz são, também, muito úteis. Para completar o
“ramalhete” tudo correu bem. O Capitão Almeida é um lamecense de gema
e, como tal, o empurrãozinho a dar foi mais fácil. Tudo se conjuga para que
os trabalhos que referi sejam feitos muito depressa.

8 DE FEVEREIRO - Domingo
Domingo é dia de prestar contas a Deus. Comecei por assistir à missa e
regressar a casa pois queria assistir ao programa Comunidades onde ia dar
uma reportagem sobre o projecto FUP em Timor. Às onze horas já estava
em frente ao televisor pronto a disparar as duas máquinas de filmar, com
uma característica comum, ambas sony, mas separadas no tempo e nas
tecnologias utilizadas. Uma analógica e outra digital. Começado o programa,
e durante três minutos, em silêncio, ouvi e registei em filme a reportagem
feita pelo correspondente da RTP em Timor.
Os meios de comunicação audiovisual sem dúvida que constituem uma
prova de que o mundo é global, ou seja, é como se fosse uma só
comunidade, um só país, uma só cidade, enfim, uma aldeia. Passado alguns
instantes, recebi indicações de que tinha sido visto por familiares ou amigos,
na Europa e no Brasil.
Ao almoço, correspondendo a um convite feito por telefone, fui almoçar a
casa de um Juíz guineense, Luís Goia de seu nome, onde passei uns
momentos muito agradáveis. Deu para falarmos sobre muitos problemas, da

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Guiné e outros, e permitiu fazer mais uma amizade aqui tão longe da terra
onde nasci e onde, tão necessário é ter alguém com quem conversar.
Terminado o almoço regressei a casa. Pelo caminho passei no ACAIT onde
comprei o jornal Semanário que, pela primeira vez, traz um artigo feito por
mim, sobre a energia eléctrica. Fiquei muito satisfeito porque saiu muito
bem e pareceu-me que o enquadramento com que estava no jornal era o
mais adequado. Oxalá eu possa contribuir para que Timor construa um
futuro com paz e com progresso para que os anseios naturais de qualquer
ser humano, de viver melhor, possam ser atingidos, se não por todos, pelo
menos pela maior parte.

9 DE FEVEREIRO – Segunda-feira
Duas partes distintas neste dia: de manhã as aulas e de tarde visita ao
Centro Juvenil Padre António Vieira a fim de me encontrar com o Padre João
de Deus Pires, para ver a possibilidade de entregar algum dinheiro à sua
instituição. Trata-se do Orfanato de Santa Teresinha, sedeado em Quelicai,
na estrada Díli – Baucau, mas já muito perto desta. Nasceu em 1979 e,
desde então, tem acolhido muitas crianças que têm em comum o facto de
não ter pais. Como qualquer instituição deste tipo, tem tido momentos
difíceis pois como é sabido estas instituições vivem de donativos de
particulares ou de apoios estatais. Foi o que com esta sucedeu. Já foi
apoiada pela UNICEF, pelo governo indonésio e por alguns particulares. Em
conversa com o Padre João decidi pagar materiais de construção que vão
ser aplicados num quarto de banho que servirá para melhorar as condições
de todos quantos ali vivem. É a minha última tarefa no que respeita à
entrega de donativos a instituições timorenses. Neste caso particular trata-
se de dinheiro que foi conseguido na Escola Secundária de Mogadouro, em
venda de Natal levada a cabo por alguns docentes daquele estabelecimento
de ensino.

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A satisfação com que vou fazer esta entrega, é acrescida pelo facto de o
Padre João ser um transmontano bem do interior, mais propriamente de
Morais, concelho de Macedo de Cavaleiros. Sendo eu de Remondes depressa
começámos a conversar sobre coisas que são familiares a um e a outro.
Parte da sua família vive em Brunhoso, terra à qual estou ligado por laços
matrimoniais e mesmo familiares. Foi um momento muito agradável e de
são convívio. Já se encontra em Timor desde 1958, tendo visitado a nossa
terra há cerca de dois anos. Espero que, apesar de pequena, esta
contribuição sirva para minorar o dia a dia de muitas crianças que nada
fizeram para estar na situação em que estão.

10 DE FEVEREIRO – Terça-feira
Hoje foi o dia de conversar com o Engº Inácio, Decano do curso de
Engenharia Electrotécnica ministrado na UNTL. Foi uma conversa muito
agradável em especial pela sua simpatia. Na companhia do Dr. Ângelo,
representante da FUP em Timor, dirigimo-nos para a sala onde ele já se
encontrava. O objectivo da reunião era o de criar condições para haver
alguma colaboração de docentes da UNTL no de electrotecnia ministrado
pela FUP. Apesar da boa vontade e do empenho por si demonstrado
terminei a reunião com a convicção de que tal colaboração será muito difícil
de se concretizar.

11 DE FEVEREIRO – Quarta-feira
Os compromissos académicos foram cumpridos durante a manhã. As aulas
decorreram com normalidade. Os alunos reagiram como de costume, ou
seja, bastante positivamente. Os temas que estou a tratar podem ser
facilmente apreendidos desde que se use uma estratégia de transmissão de

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conhecimentos adequada. Estou convicto de que o caminho seguido está a
ser o mais correcto.
Ao fim da tarde, acedendo a um convite feito pela delegação da Assembleia
da Republica, liderada pelo Dr Mota Amaral, dirigi-me, acompanhado de
alguns colegas, para o Hotel Timor. Quando cheguei já aí se encontravam os
nossos deputados e muitos portugueses que aproveitaram para cavaquear
com concidadãos que aqui se encontram a cooperar nas mais variadas
áreas. Entre os presentes encontravam-se o Padre João Felgueiras, o
responsável pela nossa cooperação, o adido para a segurança, o
Comandante do nosso agrupamento militar, enfim, um sem número de
portugueses que dão parte do seu tempo à causa timorense.
Tive oportunidade de conversar com algumas destas pessoas,
nomeadamente com o Padre Felgueiras com quem combinei uma visita a
sua casa com alguns colegas para conversarmos um pouco sobre a sua
experiência em Timor.
O senhor Comandante do agrupamento HOTEL, informou-me de que as
obras de desassoreamento das escolas que lhe havia solicitado há alguns
dias, estão em andamento, o que me deixou muito satisfeito. Esta
informação foi-me, posteriormente, corroborada pelo capitão encarregado
da ligação do agrupamento com a sociedade civil.
Depois de algumas bebidas consumidas, com a moderação exigida pela
sociedade em que vivemos, e de algumas conversas, mais ou menos,
banais, terminou o convívio e regressei de novo a casa onde, com a
consciência tranquila do dever cumprido, dormi o sono dos justos. O dia
seguinte é um dia de trabalho. É preciso enfrentá-lo com determinação.

12 DE FEVEREIRO – Quinta-feira
Nos meus planos para este dia estava a participação na reunião do Rotary
Clube de Díli, que teve lugar, como habitualmente, no Hotel Turismo, por

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volta das 19H00. A manhã ocupei-a com as aulas e com a ida à internet. Pus
o correio em dia e as leituras dos jornais, com as últimas notícias, ainda bem
fresquinhas.
Às 18H45m saí de casa em direcção ao Hotel. Passado pouco tempo cheguei
e depressa me apercebi da presença de um timorense que ainda não tinha
visto nas reuniões anteriores. Como fala bem português estabeleci conversa
com ele e sentei-me a seu lado para participar na reunião. É funcionário do
Ministério dos Negócios Estrangeiros de Timor e já esteve por duas vezes
em Portugal, tendo visitado grande parte dos nossos monumentos, desde
Guimarães até Lisboa. Falou-me da sua prisão em cadeia indonésia, onde
cumpriu pena de seis anos, tendo saído em liberdade em 1989. Esteve na
montanha durante algum tempo e serve hoje o governo do país que o viu
nascer. Tem dez filhos e cinco sobrinhos cujos pais foram mortos pelos
invasores indonésios. A solidariedade entre membros da mesma família não
é palavra vã. Antes pelo contrário. È prática muito comum. Muitos e muitas
timorenses, sem pais, estão a viver com outros familiares que os acolhem
como se de filhos se tratasse.
Há quinze dias entreguei uma carta do meu Governador para que o Rotary
Clube de Díli seleccionasse um profissional para estagiar em Portugal. Falei
com o Presidente e, como eu já esperava, não tinha feito quaisquer
diligências nesse sentido. Solicitei-lhe permissão para falar com o
companheiro timorense para dar andamento à ideia. Obtida essa permissão
desde logo combinámos actuar. Assim, ele vai pôr-se em campo para não
perder esta óptima oportunidade como ele me confidenciou. Ainda bem que
assim é.

13 DE FEVEREIRO – Sexta-feira
Apesar de ser sexta-feira treze, nada de anormal aconteceu neste dia. As
aulas decorreram com normalidade. Os alunos continuam mostrando que

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vale a pena procurar sempre a melhor estratégia para lhes transmitir os
conhecimentos. É o que tento fazer sempre. Isso implica mais trabalho, mas
aumenta o grau de satisfação no final quando vemos os progressos que os
alunos têm.
Nos momentos de descontracção, essenciais para o bom andamento das
aulas, fiquei a saber que sábado vai haver futebol. Defrontam-se as equipas
de Ciências Agrárias e Electrotecnia. Da turma do 3º ano fazem parte cinco
dos futebolistas de Electrotecnia. Qual treinador coloquei no quadro os
respectivos nomes e as posições que cada um ia ocupar no terreno de jogo.
Prometi que passaria pelo campo, mas já perto do fim do jogo pois sábado é
necessário descansar um pouco. O trabalho desenvolvido durante a semana
assim o exige.
De tarde visitei a internet para retirar o correio da caixa que,
invariavelmente, se enche todos os dias de correio que pode considerar-se
“lixo”. É impressionante o que hoje se passa na sociedade em que vivemos.
Desde vendas ilegais de medicamentos, passando por diplomas
universitários, até à praga dos produtos associados ao viagra, tudo entra na
caixa do correio. Não compreendo como é possível assim acontecer. Pode
“fechar-se” a caixa, mas há sempre lixo que passa. Enfim cabe aos
investigadores da informática descobrir métodos eficazes de impedir que
este “lixo” circule e/ou encontrar os infractores de modo a terem o castigo
que as leis lhes destinam.
Já outras vezes escrevi sobre o serviço público de televisão. Quem está fora
do seu país sabe bem o que representa ter acesso todos os dias a notícias
da sua terra. É pena que as televisões sofram do mal do sensacionalismo.
Porque será que, quase sempre, no flash imediatamente antes do telejornal,
sempre se anunciam desgraças, quer sejam acidentes rodoviários,
ferroviários ou aéreos, casos de pedofilia, assassínios ou outros? Será só
pela preocupação de informar ou será para ter mais audiências?

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Vem isto a propósito da notícia sobre casos de abusos sexuais a menores
num lar de Vila Real, cidade onde desenvolvo a minha actividade de docente
universitário e onde vivo. Apesar de serem notícias de todos os dias,
deixam-me, como a muitos outros, extremamente preocupado. Como pode
a sociedade, feita por todos nós, cometer atrocidades destas sobre seres
indefesos? Não nos esqueçamos que nessas instituições estão pessoas a
quem tudo faltou na vida. São seres muito frágeis que estão à mercê,
muitas vezes, de pessoas sem formação adequada, quer técnica quer moral,
para trabalhar nesses locais. Oxalá as autoridades tomem as medidas mais
acertadas para resolver este e outros problemas.
Não se infira das minhas palavras que sou contra o acto de informar. Mas
será que informar é o que as nossas televisões fazem? Tenho muitas
dúvidas. Também sou de opinião que todos os problemas de que a
sociedade enferma devem ser passados à opinião pública, mas no momento
certo, com o realismo que elas exigem.

14 DE FEVEREIRO – Sábado
Dia muito especial, pois no calendário diz “Dia dos Namorados”. Há quem
diga, e eu comungo dessa opinião, que deve namorar-se durante toda a
vida. Se namorar quer significar cumplicidade entre duas pessoas, dedicação
mútua, troca de amor, apoio nos bons e nos maus momentos, etc, então
digam-me lá se não concordam com a intemporalidade do namoro. Mesmo
quando se está muito longe da pessoa que amamos este dia é um dia
especial. Ainda mais especial do que quando se está perto. É nestes
momentos que a saudade, sentimento tão próprio dos portugueses, mais
aperta e mais nos faz reflectir na nossa vida. Nestes momentos passamos
toda a nossa vida em revista, especialmente os bons momentos que, apesar
de serem do passado, estão sempre presentes no dia a dia. É o nascimento

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dos filhos, os êxitos dos familiares, o casamento dos filhos, enfim, um sem
número de pequenos acontecimentos que nos dão forças para vencer.
Como ontem escrevi, promessas são promessas, lá compareci no futebol.
Estive pouco tempo, mas deu para ficar a saber que Ciências Agrárias
estavam a ganhar a Electrotecnia por 1-0, que seria o resultado final,
segundo informações posteriores. Espero que todos tenham aproveitado
estes momentos de descontracção para relaxar do trabalho da semana e
prepararem-se para a semana seguinte.
Após o almoço fiquei por casa pois tenho deveres de escrita que não posso
descuidar. O texto para o Semanário, a Crónica da Energia e a
Correspondência de Timor que, mesmo sendo feitos com gosto, exigem
trabalho e tempo. Pela tarde lá enviei tudo pelo correio electrónico pois os
leitores exigem que por eles se tenha a maior das considerações.
Pelas notícias da noite confirmei aquilo que alguns analistas políticos andam
a dizer há muito tempo, o Dr Santana Lopes vive com o desejo de se
candidatar à Presidência da República.

15 DE FEVEREIRO – Domingo
Foi um dia sem nada que mereça relevo. Comecei por assistir à missa e fiz o
meu passeio habitual pela cidade de Díli. Assim passei a manhã. De tarde
descansei. È sempre bom aproveitar o domingo para relaxar com o objectivo
de recuperar as forças suficientes para enfrentar a semana seguinte.

16 DE FEVEREIRO – Segunda-feira
Saí bem cedo, como habitualmente, para a universidade. Hoje de diferente
apenas o facto de levar comigo a máquina fotográfica pois ficara de me
encontrar com o Padre João de Deus a fim de comprar alguns produtos para
o orfanato que dirige em Quelicai, para os lados de Baucau. Como os

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procedimentos não foram aqueles que, em minha opinião, são os que
garantem que os donativos chegam a quem se destinam, alterei os planos e
passei para o dia de amanhã a compra e entrega de outros produtos, agora
já devidamente documentados com a ajuda da máquina fotográfica e com a
minha presença. É necessário que tudo o que as pessoas de boa vontade
entregam a instituições que actuam no terreno tenham a garantia de que
chegou ao seu destino. Foi o que fiz com a concordância do meu ilustre
interlocutor.
O tema de garantir que as dádivas cheguem ao seu destino assume, hoje
em dia, uma importância enorme pois há cada vez mais pessoas
necessitadas, nas várias partes do mundo, e, felizmente, também há cada
vez mais pessoas e instituições privadas que querem apoiar. É do interesse
de todos, de quem dá e de quem recebe, estabelecer-se uma relação de
confiança mútua. Só assim o dador tem incentivo para dar mais e o receptor
tem o benefício dessa dádiva. Há, infelizmente, muitas pessoas que se
escudam no facto de se saber que há muitas dádivas que não chegam a
quem se destina, para não colaborar. A essas pessoas eu digo que o que é
necessário é criar mecanismos que aumentem as garantias de que o circuito
começa no dador e termina em quem necessita.

17 DE FEVEREIRO – Terça-feira
Dando seguimento a um pedido de alguns colegas, marquei um encontro
com o Padre João Felgueiras para hoje. Por telefone informou-me, na
semana passada, que nos poderíamos encontrar hoje às 15H45m. Assim foi.
À hora marcada lá estávamos eu e mais quatro colegas. O Padre Felgueiras
já nos aguardava e de pronto nos dirigimos para o seu local de trabalho
onde nos sentámos e nos preparámos para o ouvir. Durante uma hora e
trinta minutos ouvimo-lo com grande atenção e com curiosidade pois
aguardávamos as suas palavras como crianças que se preparam para ouvir

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as histórias de que mais gostam. Fez-nos um relato completo que começou
na sua chegada a Soibada, há cerca de 33 anos até hoje. Historiou-nos a
chegada dos primeiros missionários a Timor, no século XVI, seguiu-se a
chegada dos jesuítas há mais de cem anos e a sua própria chegada em
1971, um pouco antes do 25 de Abril. Em Soibada e pouco anos depois em
Díli, o Padre Felgueiras, quis ir mais além das suas obrigações inerentes à
condição de padre e de missionário. Interrogou-se durante algum tempo
sobre o que poderia fazer para ser útil à comunidade timorense. Uma das
áreas que depressa lhe chamou à atenção foi o estado de quase escravidão
em que as mulheres viviam. Constatou que o papel que à mulher estava
reservado era pouco consentâneo com a dignidade do ser humano. Foi aí
que começou a sua acção, através da catequização de pessoas que
posteriormente iriam ensinar a catequese, mas sem perder de vista os
preceitos da igualdade e da dignidade.
Falou-nos sobre as mágoas que sente pelos mortos, assassinados, muitas
vezes por razões menores, desde o ano de 1975 até há pouco tempo atrás.
Os tempos difíceis, com muita violência e intolerância, vividos logo após
1975, marcaram-no profundamente, perdurando na sua memória muitas
imagens de terror que esses acontecimentos envolveram.
As suas visitas às várias prisões, a dar conforto moral aos presos, muitos
deles que com ele tinham convivido, a rezar a missa que servia de conforto
para as dificuldades que a vida numa prisão sempre envolve. Aí ouvia com
atenção os relatos de maus tratos a que alguns eram sujeitos, dando, em
troca uma palavra amiga que aliviava o sofrimento de quem estava preso.
A uma questão que lhe pusemos sobre qual era, em sua opinião, a razão ou
razões para que os timorenses, que no tempo da administração portuguesa,
eram, em pequeno número, seguidores da religião católica e após a invasão
indonésia, quase em bloco, se viraram para ela, o padre Felgueiras deu uma
resposta que corresponde à minha opinião sobre isso. Diz ele que qualquer
ser humano nos momentos de dificuldade, se “agarra” a tudo o que lhe dá

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segurança, atenção, protecção, apoio, etc. Concordo totalmente com esta
ideia. Com a invasão indonésia as pessoas viram os seus valores
ameaçados. A cultura timorense nada tem que ver com a cultura indonésia.
Os valores porque se regem os timorenses são diferentes dos indonésios. O
timorense, desde sempre, tem duas palavras a que dá um significado muito
profundo: maromak e lulik. A primeira quer dizer ente supremo, Deus e a
segunda quer dizer cerimónia, o que é sagrado, intocável. Foi isto que eles
viram na igreja e nos seus representantes, bispos e padres. Acresce a isto
um facto curioso que desconhecia. A indonésia obrigava a pôr no bilhete de
identidade a religião que cada um professava. Como atitude de rejeição do
invasor e demonstração de unidade todos ou quase, mandaram colocar a
religião católica no cartão que os identificava perante os amigos e os
invasores. Este facto teve o efeito contrário ao esperado pelos indonésios
que, por certo, não esperavam esta unanimidade para eles bem difícil de
digerir.
Para lá deste caso em que lhe saiu o tiro pela culatra, houve outras
situações dignas de registo, referidas na conversa. Assim, dizia o senhor
padre, as autoridades indonésias destacadas para Timor, tudo faziam para
cativar os timorenses. Alguns deles, autores de verdadeiras carnificinas,
enviavam aos senhores padres, dezenas de cálices e outros utensílios
usados nas missas. Também mandavam fazer obras nas igrejas, mesmo
sem haver necessidade, construíam monumentos e estátuas alusivas à
religião católica e não só, para “passar” para o seu lado as pessoas, mas o
resultado era precisamente o contrário, mais se afastavam deles. Foi com
este espírito que construíram a catedral, que seria inaugurada por Suarto,
no local ocupado pela empresa de construção civil Moniz da Maia, ao tempo,
em 1975, preparada para iniciar a construção de estradas que iriam rasgar
Timor de lés a lés.
O monumento ao Cristo Rei, inicialmente muito desejado pelos timorenses,
foi apadrinhado pelas autoridades locais representantes da indonésia que lhe

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impuseram uma marca que fica ligada para toda a vida a este monumento.
A sua altura é de 27 m, que simboliza aquela que a Indonésia queria que
fosse a sua 27ª província. Também a avenida que sai do aeroporto foi
baptizada de Avenida Suarto e o monumento, de cor branca, redondo,
guardado por anjos lançando água por um tubo, para uma estátua situada
ao centro, onde iria ser colocada uma senhora simbolizando a sua esposa,
se destinava a lembrar aos timorenses a sua condição de indonésios.
Uma das iniciativas que constituiu a sua actividade foi a concessão de bolsas
de estudo a rapazes e raparigas que assim puderem continuar os seus
estudos no ensino superior indonésio. Muitos dos timorenses a ele devem a
sua formação universitária. O contacto, através das entrevistas que fazia a
quem o procurava para pedir ajuda para prosseguir os estudos, permitiu-lhe
ter um conhecimento profundo das famílias timorenses. Em cada bolseiro
tem um amigo e um divulgador da sua acção. Fala com orgulho dos
encontros que tem com eles e da troca de correspondência que o põe a par
de todas as dificuldades e também dos seus anseios e das suas ilusões para
o futuro.
E sobre a implantação da língua portuguesa em Timor? O que pensa o Padre
João Felgueiras?
É sua opinião de que há forças organizadas em Timor que dificultam essa
implantação. Também a lei do menor esforço que impera na juventude.
Sabe tetum e alguns wasa e o esforço necessário à aprendizagem do
português, serve de dissuasor. Essencialmente atribui a este último factor a
dificuldade de introdução do português.

18 DE FEVEREIRO – Quarta-feira
Nada de relevante aconteceu neste dia, pelo menos na parte profissional, já
que fiquei a saber que em breve terei um novo elemento na família, ou seja,
terei um neto. Quis Deus que o primeiro fosse do sexo masculino. Se a

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vontade terrena tivesse alguma influência sobre o destino, possivelmente
seria menina. Cá o esperamos com todo o amor.
As aulas correram normalmente. Os mesmos alunos a chegarem atrasados,
os mesmos conselhos apelando à responsabilidade sobre os actos que cada
um pratica, etc. Assim se vão passando os dias aqui em Timor, bem longe
de Vila Real. Recebi um telefonema da Irmâ Eliene para combinar a sessão
de filme e de fotografias no MAC. Marcámos para o domingo, dia 22 pelas
quatro horas da tarde.

19 DE FEVEREIRO – Quinta-feira
Ainda não recebi o telefonema do companheiro rotário Caetano Guterres
sobre a bolsa que o Governador rotário pretende oferecer a alguém de
Timor que vá estagiar para Portugal. O tempo está a passar e estou em crer
que não vai ser possível concretizar este projecto. A maior dificuldade está
em que o candidato deverá ter menos de 35 anos e falar bem português.
Aqui está o problema. Nesta faixa etária não há muitos timorenses a falar
português. Esta é uma realidade que tem que ser encarada com muita
determinação pelas autoridades de um país que adoptou a língua
portuguesa como língua oficial, a par do tetum. Não sei como vai ser o
futuro de uma língua que, na faixa etária entre os 15 e os 40 anos, pouca
gente compreende quanto mais falar. Está nas mãos das autoridades
encontrar mecanismos que facilitem a aprendizagem desses timorenses.
Como novidade registo que esta é a última quinta-feira desta minha missão
a Timor.

20 DE FEVEREIRO – Sexta-feira
Chegou a última sexta-feira. Tudo correu dentro do esperado. Na sequência
de uma mensagem que recebi de Portugal, telefonei à Irmâ Eliene a

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combinar uma ida à Escola do Paiol para fotografar os miúdos que vão ser
apadrinhados pelos alunos da Escola dos Quinchosos. No seguimento desta
conversa, e devido à sua dificuldade em distribuir os afilhados pelos
padrinhos, vou ajudar nessa tarefa.
As notícias da nossa televisão sobre a justiça portuguesa mais uma vez me
deram razões para não acreditar nela. O tribunal que solta um preso que faz
a mala, é esperado pela família, ansiosa por tê-lo consigo, sai da cadeia e
dez segundos depois é de novo preso por ordem de um Juiz, deixa qualquer
mortal completamente estupefacto. Deus nos livre de cair nas mãos de uma
justiça assim. Concordo totalmente com o advogado, ainda por cima
acusador desse senhor, que vem dizer que tem vergonha de pertencer a um
país com esta justiça. É claro que nem todos procederão assim. Mas que,
para um leigo, é muita confusão, lá isso é.

21 DE FEVEREIRO - Sábado
De manhã encontrei-me com a Irmã Eliene para pôr em ordem a lista de
padrinhos e afilhados. Foi uma tarefa muito complicada pois dela constam
cerca de 110 afilhados e 35 a 40 padrinhos. À satisfação da Irmã
corresponde uma satisfação muito especial da minha parte. Considero muito
gratificante o trabalho que tenho desenvolvido de dinamização da procura
de apoio para estes miúdos que, estou convicto, tudo merecem. Tudo o que
se possa fazer por crianças e adolescentes cuja vida é cheia de sacrifícios e
de privações será recompensado por Deus na hora de prestar contas. Dizia-
me a Irmã que muitos deles só comem uma vez por dia e dormem no chão
ou sobre estreitas esteiras que a única coisa que poderão fazer é evitar que
estejam em contacto directo com o solo. Conforto é que não dão de certeza.
Qualquer timorense é portador de um certo orgulho que os obriga, por
exemplo, a esconder a realidade que é o seu dia a dia. Por exemplo é muito
difícil obter autorização para entrar no seu quarto, sem as mínimas

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condições quase sempre. A Irmã visitou alguns, pois tinha a incumbência de
fazer um levantamento das necessidades de algumas famílias para fazer a
entrega de colchões oferecidos pelo exército brasileiro. Teve muitas
dificuldades pois a autorização para tirar fotos que documentassem e
provassem as necessidades, era muito difícil de obter.
Da parte da tarde estive em casa a descansar e a pôr em ordem os
relatórios das disciplinas que estou a leccionar. Com algum método, tenho
tudo muito adiantado o que me permitirá cumprir a obrigação de deixar o
relatório feito quando o trimestre terminar.
À noite fui, tal como os portugueses que aqui se encontram, ao quartel do
agrupamento militar português em Caicoli, a convite do Comandante Xavier
de Sousa. Fomos muito bem recebidos pelos nossos militares. Também aí se
encontravam algumas personalidades timorenses, como o Presidente
Xanana Gusmão. É uma personalidade muito interessante, muito amável e
muito bem disposta. Tem sempre um sorriso no contacto que tem com os
outros. Aproveitei para tirar uma foto com ele e com outros colegas. Por
graça ele diz que por cada foto leva 10 dólares, mas aos professores
portugueses só leva 5. Claro que acabou por não nos cobrar nada. Foi um
prazer muito grande ter conversado com ele e ser fotografado a seu lado. O
convívio foi muito bom e proporcionou-me conhecer melhor alguns colegas e
encontrar vários militares oriundos da minha região, Trás-os-Montes. Desde
o chefe da cozinha, natural do Pinhão, passando por dois Majores, um de
Vila Real e outro de Vila Flor, continuando por outros de Chaves e de
Lagoaça, tudo serviu para conviver. Dizia eu por graça que nós,
transmontanos, estamos em todo o lado. No entanto por vezes creio que
isso significa que temos que abandonar as nossas terras para procurar
desenvolver as nossas actividades, por falta de oportunidades para o fazer
lá.
Conheci algumas das docentes que aqui se encontram a ensinar português,
interessando-me mais em conhecer as minhas conterrâneas. Entre elas

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encontrei uma que me transportou até aos meus tempos de estudante em
Bragança. Era filha de um antigo companheiro de estudo. Muito triste fiquei
quando me disse que tinha falecido há alguns anos vitima de cancro. É
sempre triste quando recebemos notícias destas.
Terminado o convívio regressei a casa para dormir pois no dia seguinte era
preciso levantar cedo para cumprir a obrigação de qualquer católico, ir à
missa ao Domingo.

22 DE FEVEREIRO – Domingo
De manhã tudo normal. Fui almoçar ao Hotel Timor, respondendo ao apelo
que me era feito pela ementa dominical, cozido à portuguesa. Longe da
terra onde vivemos, tudo o que nos permita matar saudades é bom. Apesar
de não ter sido um primor, serviu para isso mesmo, matar saudades.
De tarde fui ao MAC a fim de fazer as fotos aos afilhados para levar aos
padrinhos, em Portugal. Às 4 horas da tarde, acompanhado de um colega, lá
apareci. A azáfama já era grande. Os miúdos tinham preparado uma festa
para me receber. E que festa. Apesar de eu já saber muito bem do que
estes miúdos são capazes de fazer, fiquei, tal como o meu colega, siderado
pelo espectáculo por eles apresentado. Com uma qualidade muito grande e
com artistas de 5, 6, até 13 anos, compenetradíssimos do papel que lhes
estava reservado na peça, actuando como verdadeiros profissionais. Não há
palavras para descrever o que eles são capazes de fazer. Só assistindo.
Compareceram também o Luís, Juiz guineense, e a Dulce, professora de
português. Todos fomos unânimes em considerar o espectáculo de superior
qualidade. As danças e as canções, assim como as coreografias, foram da
autoria dos(as) mais crescidos. Os mais jovens saíram-se muito bem dos
papéis que lhes reservaram.
Tirei muitas fotos e filmei os momentos mais marcantes do espectáculo. Fui
obsequiado com duas salendas, que me foram colocadas pela Beth e pelo

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Natalino, em representação dos colegas. São estes momentos tão lindos,
consequência de sentimentos genuínos e espontâneos, que me dão alento
para continuar com estas actividades de índole social, feitas com sacrifício
do meu tempo de lazer e nunca com prejuízo do meu trabalho.
Tenho a certeza que os amigos que me confiaram as suas dádivas, ficarão
muito orgulhosos do trabalho que estes miúdos podem fazer. Podem estar
descansados que o vosso dinheiro dá frutos pois as árvores onde ele é
colocado são sãs e muito boas, apesar da falta de nutrientes para se
desenvolverem.
Tal como aconteceu das outras visitas que lhes fiz, tive que ter alguns
momentos de descontracção. A insistência foi tanta que todos tivemos que
dançar. Também me foi solicitado que desse umas palavras sobre a visita o
que fiz com muito gosto. Apenas levo uma mágoa que é a de que ficaram
10 miúdos sem padrinho. Vamos fazer um esforço suplementar para ver se
para o ano isso já não acontece.

23 DE FEVEREIRO – Segunda-feira
No seguimento da entrega do material escolar à Escola Amigos de Jesus do
Padre João Felgueiras, fui entregar um CD ao Agrupamento Hotel em
Caicoli, com as fotos alusivas ao acto. Feita a entrega fui convidado para
jantar com os nossos militares nessa noite. Foi um jantar em família pois
muitos dos militares são transmontanos como eu. O chefe da cozinha é do
Pinhão; o responsável pelas obras, Major Ferreira é de Vila Real; o Sargento
Ajudante, Manuel, das relações públicas é de Chaves; o 2º Comandante
Major Queijo, de Vila Flor; o responsável pelas relações públicas, Capitão
Almeida, de Lamego, etc.
No bar, antes do jantar, lá encontrei o Senhor Beça, português do tempo em
que Timor era colónia de Portugal. Regressou a Timor após a independência
e por ali passa os seus dias, muitos deles junto dos nossos militares. Após o

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jantar e depois de tomar um café no bar, regressei a casa para descansar e
dormir.

24 DE FEVEREIRO – Terça-feira
Apesar de ter ido despedir-me dos miúdos do MAC, nas suas instalações, fui
surpreendido pela vinda de muitos deles a casa para se despedir de mim.
Vinham acompanhados pela Irmã Eliene e passaram grande parte do dia
comigo. Aproveitei para lhes mostrar as fotos que tinham feito dias antes no
MAC e fiz mais algumas para trazer para os respectivos padrinhos. Foi uma
tarde muito bem passada e cheia de significado. Para mim foi uma
demonstração inequívoca da amizade que estes miúdos nutrem por mim. Já
lá vão quase 3 anos de troca de experiências e de encontros entre nós.
Para os receber comprei vários pacotes de bolachas que depressa “voaram”
pois contava que fossem poucos e apareceram mais de 70.
Ao fim da tarde, depois de os miúdos se terem ido embora, aproveitei ir
renovar o visto pois estava a caducar a validade do que me concedia
legalidade de estadia.
Pela tarde recebi um telefonema da irmã Eliene transmitindo-me a tristeza
de algumas das suas crianças por não lhes ter entregue as prendas que os
padrinhos lhes mandaram. Combinei com ela encontrar-me com elas
amanhã pela manhã.

25 DE FEVEREIRO – Quarta-feira
Antes de sair em direcção ao aeroporto, desloquei-me, como havia
prometido, ao MAC para fazer a entrega das lembranças que ontem não
entreguei. Ali chegado cumpri o prometido. Aproveitei e fiz as últimas fotos
que entregarei em Vila Real aos respectivos padrinhos.

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A partida está a chegar. Antes fui levantar o visto, papelinho mágico
indispensável para poder sair daqui. A ansiedade é muito grande pois
sempre foram dois meses de ausência de casa. As saudades já apertam. A
esposa e os filhos esperam por este dia, possivelmente com mais ansiedade
que eu.
Duas horas antes do horário de partida do avião, parti consciente de que
cumpri o meu dever que se pode resumir numa palavra, cooperação.
Regresso a Portugal com vontade de aqui voltar. Ainda posso fazer muito
mais por estes alunos que já considero meus amigos.

26 DE FEVEREIRO – Quinta-feira
Com escala em Darwin, cheguei a Sidney, com destino a Camberra. No
aeroporto tomei o comboio para o terminal de autocarros onde tomei um
para Camberra. Por momentos, pensei estar em Portugal. A algazarra em
português, feita por meia dúzia de trabalhadores portugueses que seguiam
para o mesmo destino, é prova de que os portugueses andam por todo o
lado.
Esta viagem foi muito atribulada. O excesso de zelo no cumprimento dos
horários, aliado a alguma falta de compreensão da língua inglesa, pela
minha parte, criou-me um sério problema. A paragem, que eu pensava ser
de dez minutos, teve apenas dois. Quando procurei o autocarro, só
encontrei o rasto. Havia-se posto a andar, como se diz em bom português.
Ao longe, com o mesmo problema, avistei uma cidadã das Filipinas, em
desespero, procurando boleia para Camberra. No que me diz respeito, não
me preocupei muito, apesar de ter deixado ir, além da mala, as máquinas de
filmar e fotografar. A sorte esteve do meu lado e beneficiou a colega de
infortúnio. Quando solicitava na caixa do pequeno mercado a vinda de um
táxi, alguém, providencialmente, se ofereceu para nos transportar até ao
destino. Depois de cerca de uma hora de uma tranquila viagem, chegámos

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ao terminal rodoviário de Camberra, situado à direita de quem entra na
cidade. Lá estava o motorista a quem me dirigi com alguma agressividade
própria de quem ficou plantado a meio de uma viagem, num país distante,
pensando que a razão lhe assistia. À minha interpelação sobre o que tinha
acontecido, recebi como resposta que “a paragem era de dois minutos”. Ao
que eu respondi perguntando “para que servem dois minutos numa
paragem a meio de uma viagem?”. A conversa terminou com “dois minutos
e mais nada”.
Em ocasiões como esta é bem melhor a nossa descontracção do que a
rigidez destes australianos.
Pela primeira vez, não marquei hotel com antecedência, o que me trouxe
alguns problemas. Como havia festas nesse fim-de-semana em Camberra,
tive que distribuir a minha estadia por três hotéis diferentes.

27 DE FEVEREIRO – Sexta-feira
Bem cedo saí do hotel para visitar a cidade, capital administrativa da
Austrália. Sendo uma cidade nova, as suas ruas são muito largas e muito
extensas. Visitei o Old Parliament, dos tempos em que a Austrália ainda era
uma colónia inglesa. Em frente pude ver um acampamento de aborígenes
que lutavam pelo reconhecimento dos seus direitos. Estes cidadãos podem
ver-se por todas as cidades australianas, vagueando pelas ruas, sentados
nos bancos e, muitas vezes, deitados na relva dos jardins, quase sempre
ébrios, com garrafas de vinho na mão. São cidadãos muito pacatos que não
se metem com ninguém.
Continuei a visita passando pelo novo Parlamento, de arquitectura moderna,
destacando uma grande parte do telhado que é, simplesmente, um relvado.
Daqui segui para o Memorial, recordando a 1º e a 2ª Guerra Mundial.
Estendendo-se por largas dezenas de metros, de e outro lado de uma longa
avenida, lá se encontram referências à Coreia, aos Boers Sul-africanos e

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muitos outros países que tiveram acção preponderante no desenrolar desses
dois trágicos acontecimentos que marcaram o século XX.
Ao cimo desta avenida encontra-se o Museu de Camberra que também
visitei. Considero-o o melhor museu temático sobre as duas guerras
mundiais que visitei até hoje. O realismo com que são tratados os vários
episódios dessas duas guerras fazem-nos reflectir sobre tais acontecimentos.
A guerra entre as tropas japonesas e as tropas australianas que teve como
palco Timor pode ver-se quer em imagens filmadas quer em fotos. Com
grande realismo podem ver-se imagens da actuação do submarino HMAS.
São imagens que nunca esquecerei.

28 DE FEVEREIRO – Sábado
Este dia dediquei-o a visitar o Camberra Show, responsável pelos problemas
que tive para arranjar hotel. Foi muito interessante e lá pude ver muitos
exemplares de animais que contribuem para a riqueza do grande país que é
a Austrália. Por lá almocei e pude divertir-me com as habilidades com que
alguns destes animais deliciaram todos os visitantes.

29 DE FEVEREIRO – Domingo
Regressei a Sidney, directamente para o aeroporto, em trânsito para
Portugal.

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ANO DE 2004

JUNHO - JULHO

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4 DE JUNHO – Sexta-feira
Dia da viagem para voltar a Timor para cumprir a 5ª deslocação a essa
longínqua terra, nos antípodas de Portugal.
A viagem a partir do Porto decorreu com normalidade ainda que com o
cansaço próprio de viagens aéreas de longo curso. Nada de anormal se
registou a não ser o atraso da partida de Frankfurt para Hong Kong. Este
atraso acabou por não ter quaisquer consequências pois a partido de Hong
Kong para Banguecoque era mais tarde do eu pensa e como tal não houve
problemas em apanhar o voo para Denpasar.
Foi a primeira que fiz o trajecto pela Indonésia. As formalidades
alfandegárias são bem mais ligeiras do que era de esperar em especial no
caso particular dos portugueses. Isso mesmo me confidenciava o colega que
entretanto encontrei. O seu trajecto havia sido diferente pois veio por
Londres. O trajecto de Hong Kong para Díli foi comum ainda que só nos
encontrássemos em Denpasar.

5 DE JUNHO – Sábado
Cheguei a Denpasar. O transporte para o hotel foi feito num jipe de um
particular a quem, certamente, o serviço foi encomendado. Com a simpatia
que já tinha constatado da primeira vez que visitei Bali em Dezembro de
2001 em viagem feita a partir de Díli, fomos para o hotel conversando com o
guia que depois das saudações normais, demonstrou uma afabilidade muito
grande quando lhe falamos da nossa condição de portugueses. Feitas as
formalidades de entrada no hotel dirigi-me para o meu quarto em edifício
separado muito típico em hotéis de Bali. Para chegar ao quarto fui

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acompanhado de um empregado que me transportou as malas. No trajecto
tive oportunidade de passar pela piscina onde, sem qualquer surpresa,
apenas ocidentais se encontravam aí.

6 DE JUNHO – Domingo
No regresso ao aeroporto, depois de tomar um bom pequeno almoço, ao
contrário do nosso guia que na saudação que nos fez nos interpelou sobre
esse primeiro acto de comer, tendo-nos dito que ele não tinha tomado o
pequeno almoço. Se não estivéssemos num país onde a fome é uma
realidade talvez essa informação nos tivesse parecido descabida. Na
conversa durante o trajecto falando como é inevitável sobre política,
depressa, para surpresa minha, ouvi a opinião do nosso acompanhante
dizendo que a vida está mal ao contrário do que acontecia no tempo do
ditador Suarto. Dizia ele que hoje em dia há muita instabilidade e muita
insegurança ao contrário do que então acontecia. Porque será que as
ditaduras tiveram sempre do lado delas o exercício mais consequente da
segurança dos bens e das pessoas?
Depois de cerca de duas horas de viagem cheguei ao aeroporto Nicolau
Lobato, agora pela costa norte.
A cena repetiu-se. Alguém estava à nossa espera, à saída do aeroporto. As
demarches alfandegárias foram feita pelos polícias timorenses e era vigiada
por polícias portugueses que aqui estão a cooperar com Timor. Fui
encaminhado para o Hotel Vila Verde tendo toda a programação que tinha
feito no que respeita à minha estadia ido por água a baixo. Não fiquei
aborrecido pois esta é uma situação que me permite maior independência,
mais privacidade e me dispensa de fazer algumas tarefas de índole caseira
para as quais a minha vocação e preparação é muito baixa. Pelo fim da
tarde fui fazer algumas das compras indispensáveis à minha estadia, isto

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depois de ter dormido algum tempo para recuperar as horas infindáveis que
tive que passar no avião.

7 DE JUNHO – Segunda-feira
Pela manhã saí do hotel onde fiquei hospedado e dirigi-me para a
universidade. Tive a minha primeira aula com os alunos do terceiro ano que
bem conheço pois já é a quinta vez que lhes vou dar aulas. Depois dos
cumprimentos habituais e da troca de algumas palavras amigas entre nós fiz
a apresentação do programa que lhes vou transmitir. Ao almoço dirigi-me ao
restaurante onde habitualmente almoço quando me encontro em Díli. Um
dia após a chegada deu para ver que se mudanças houve em Díli elas não
são visíveis, coisa que não é de estranhar sendo Timor um dos países mais
pobres do mundo. De tarde tive pela primeira vez aulas com os alunos do
segundo ano. Foi a primeira vez que estive perante eles. Devo confessar que
fiquei com muitas esperanças no sucesso da assimilação dos conteúdos
programáticos que lhes vou transmitir durante este trimestre. Oxalá que
estas minhas expectativas positivas se tornem realidade. Era sinal de que
teria havido êxito na relação professor-aluno que vamos manter durante
algumas semanas.
Depois da aula, já bem tarde, dirigi-me ao supermercado onde comprei
aqueles bens essenciais necessários à alimentação de qualquer ser humano.

8 DE JUNHO – Terça-feira
Mais um dia sem grandes motivos que justifiquem qualquer referência num
texto como este a não ser que fui ao quartel apresentar cumprimentos aos
nossos militares que em breve vão regressar a Portugal depois de alguns
meses de missão de cooperação em Timor.

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Como estava a decorrer uma reunião com um secretário de estado do
governo de Timor apenas cumprimentei e troquei breves palavras com o
segundo comandante que me convidou a almoçar no dia seguinte, convite
que de imediato aceitei por várias razões entre algumas óbvias decorrentes
do facto de me encontrar longe da minha terra e tudo o que substitua essa
falta é bem vindo.
Fui surpreendido ao fim da tarde pelo anúncio da morte do Professor Sousa
Franco. Não somos nada e podemos, sem que nada o faça prever,
deixarmos o mundo dos vivos para ingressarmos num outro onde, assim o
espero e acredito, aqueles que neste mundo cumpriram os preceitos de
moral, amizade e solidariedade sejam recompensados.
Esta notícia tive-a momentos antes de me dirigir para uma reunião com o
nosso adido para a defesa. Esta teve como objectivo transmitir-nos algumas
ideias e normas de segurança indispensáveis à criação de condições que
permitam que exerçamos a nossa actividade sem percalços e em segurança.
A maior parte das linhas mestras de uma boa conduta para ter uma
segurança efectiva já todos as conhecemos: máximo cuidado, não
frequentar locais muito isolados, principalmente à noite, evitar frequentar
locais de diversão nocturna onde tenham acontecido desacatos de origem
racista, etc.

9 DE JUNHO – Quarta-feira
Correspondendo a um convite da parte do Comandante do agrupamento
português Tenente Coronel Xavier de Sousa, fui almoçar a Caicoli. Lá
encontrei os vários militares que já conhecia desde Vila Real ou da
apresentação aos portugueses de Timor feita em Fevereiro último. Tive a
honra de ocupar um lugar na mesa do Comandante, ao seu lado, com a
assessora para o ministro da justiça, do outro.

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Durante o almoço tivemos oportunidade de ouvir as palavras serenas,
tranquilizadoras, ainda que muito sérias sobre aquilo que pode ser a vida em
Díli depois do regresso a Portugal dos nossos militares. É prudente pensar
nos mais variados cenários para aquilo que pode vir a acontecer. Se por um
lado há indicadores que permitem tranquilizar quem fica, por outro há
indícios que podem deixar-nos preocupados.
A falta de preparação da polícia timorense perante cenários de desordem
pública é quase uma realidade. Já se viu isso no último levantamento
popular em Dezembro de 2002. Creio residir aqui o maior foco de
preocupação da parte de quem cá está. Que o povo tem motivos para estar
insatisfeito lá isso tem. Não há trabalho e o que há tem em troca ordenados
extremamente baixos. O dia a dia é feito muito próximo do limiar da
pobreza.
Conjugando estes factos com a maneira de ser do timorense, raiando os
extremos da simpatia, da bondade, da disponibilidade para servir, com uma
agressividade muito forte, estão reunidas as condições para que toda a
gente esteja sempre em alerta para não ser surpreendido.
No dia de ontem os nossos militares entregaram as instalações de Bécora ao
governo de Timor. Ainda a operação de retirada de alguns equipamentos
estava a decorrer e já havia gente no seu interior a retirar tudo o que lhe
dava jeito em casa e outros para vender possivelmente, pois tanto quanto
se houve em surdina, receptadores não faltam. Neste caso, mais uma vez, a
acção da polícia foi de uma ineficácia a toda a prova. Não fora a pronta
entrada em acção de alguns dos nossos militares indo a casa das pessoas
recuperar os equipamentos e trazê-los de volta e mais uma vez a polícia era
ultrapassada.

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10 DE JUNHO – Quinta-feira
Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Nestes últimos três anos
faço parte destes últimos. Como habitualmente fomos convidados pelo
nosso embaixador para uma recepção nos jardins da sua residência. Trata-
se de um acontecimento social muito significativo e muito esperado por
todos os portugueses que aqui se encontram.
Entrados no jardim dirigimo-nos para os habituais cumprimentos ao senhor
embaixador e a outros elementos da cooperação portuguesa. Conhecendo já
o senhor embaixador há cerca de dois anos, conversámos uns momentos
que me permitiram confirmar a consideração que por mim tem sempre
demonstrado. Muito obrigado por isso.
Os jardins enchem-se de portugueses. Lá estavam o Tinoco com família em
Vila Real; o Padre João de Deus, de Morais, mas a viver em Quelicai há
quarenta e oito anos; o senhor Reitor da UNTL com quem conversei durante
algum tempo e a quem manifestei vontade de o ter em Vila Real no rotary
Clube aquando de uma das suas deslocações a Lisboa; o senhor Bessa,
vizinho do remondês João Gonçalves, homens que já aqui estavam muito
antes do 25 de Abril; as professoras de português sempre disponíveis para
uns dedos de conversa com a afabilidade que se lhe reconhece; o
representante da cooperação portuguesa, Engº Carlos Macedo, sempre
cordial e bem disposto; e muitos outros que tornariam este texto muito
longo, mas dos quais guardo boas recordações.
Antes de me dirigir à recepção do senhor embaixador apanhei um valente
susto. No regresso a casa, pela tarde, já depois de concluir a segunda aula
do dia, para fugir ao sol encostei-me demais à parede que acompanha a rua
que percorro todos os dias. Esta está protegida por arame farpado invadindo
uma parte do passeio. Fiz um grande rasgão na cabeça que provocou a
perda de abundante sangue. A solidariedade dos miúdos que entretanto
passavam foi notória. Eram de opinião que me devia dirigir ao hospital,
colidindo com a opinião que eu tinha que era de não ir. Eles diziam que eu

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podia morrer se não fosse. Eu pensava que poderia morrer se fosse. Enfim,
opiniões. Valeu-me a pronta intervenção de uma das colegas que, como é
apanágio das senhoras, estava prevenida com uma bolsa de primeiros
socorros.

11 DE JUNHO – Sexta-feira
O dia começou com a normalidade de outros dias. Pena foi que., quando me
dirigi à missão portuguesa para ver o correio electrónico, depressa recebi a
notícia que não esperava, tinha morrido o nosso antigo reitor e colega
professor Torres Pereira. Como é de calcular foi um choque muito grande
para mim. Não que eu não estivesse consciente do seu estado de saúde
débil desde que há cerca de 2 meses deu entrada no hospital de Vila Real.
De imediato enviei um email para lista geral da universidade prestando-lhe a
minha última homenagem. A sua contribuição para a minha carreira
académica foi de importância decisiva. As suas palavras de incentivo, as
suas provas de confiança na minha pessoa e no meu trabalho deram-me
forças para ir vencendo as várias etapas que constituem a carreira
académica universitária em qualquer universidade portuguesa. Daqui, bem
longe da terra que me viu crescer, envio uma palavra de esperança para os
seus familiares e amigos. Por mim peço a Deus que descanse em paz.

12 DE JUNHO – Sábado
Um pouco mais tarde do que acontece nos dias de trabalho que constituem
a semana, saí de casa para o habitual passeio de Sábado. Quando cheguei à
Embaixada fui surpreendido por uma música de muitos decibéis. Era a
comemoração que a RDP Timor, juntamente com outras instituições
portuguesas, promoveu tendo como tema a abertura do campeonato da
Europa de futebol, o também aqui popular EURO 2004. Por lá passaram

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alguns governantes timorenses, nomeadamente o Dr Ramos Horta e o
Primeiro-ministro Mari Alkatiri que demonstraram não ter a pontaria muito
afinada pois não conseguiram introduzir a bola nas aberturas, servindo de
baliza, feitas sobre um painel vertical. Detive-me alguns instantes tendo
aproveitado para fazer algumas fotos e trocar algumas impressões com um
dos organizadores.
Enquanto me encontrava assistindo ao desfilar das músicas e das
intervenções em forma de entrevista e pequenos concursos, tive o prazer de
conversar com um docente português do ensino secundário que, por
iniciativa sua, me interpelou para me falar do seu interesse pelos artigos
sobre energia eléctrica que venho publicando, desde há uns tempos a esta
parte, no jornal de língua portuguesa titulado de Semanário. Dizia-me ele
que compra o jornal muitas vezes de propósito para que os seus alunos
leiam os meus textos pois considera serem um bom veículo da língua
portuguesa e uma boa contribuição para a sua difusão e cimentação num
país que a adoptou como língua oficial.
Para completar e ainda me deixar mais feliz, disse-me que no teste que deu
aos seus alunos colocou um dos meus textos por constituir uma peça bem
escrita e bem demonstrativa da riqueza da nossa língua. Sem dúvida que
quando se diz que “o trabalho, a dedicação, a solidariedade, o bem fazer,
etc “ compensam o que hoje me aconteceu é disso um prova perfeita.
O dia correu em normalidade, apenas alterada pelo resultado de Portugal
com a Grécia. Aqui muita gente se deslocou para o Hotel Timor onde
assistiu, a partir da uma da manhã, ao jogo em directo. Eu por mim fiquei
pelo meu quarto na expectativa de ver o jogo mais comodamente. A
frustração que tive quando constatei que a RCTI não transmitia o jogo sem
ser a pagar foi muito grande. Como o hotel não pagou não vi o jogo.

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13 DE JUNHO – Domingo
Hoje é Domingo. Comecei por cumprir as minhas obrigações de católico
praticante. Após isso fui dar um passeio que acabou por ser bastante curto.
Aproveitei para comprar mais alguns mantimentos para a alimentação diária,
tendo ido almoçar ao City Café. Durante o almoço tive uma surpresa muito
agradável: a Mónica, uma das meninas do MAC, chamou-me e
cumprimentou-me. A sua alegria em ver-me foi a melhor prenda que
poderia ter. Também a Irmã Eliene e a Professora Dulce estavam no
restaurante. A irmã ofereceu-me um CD que combinámos eu pôr à venda na
sala dos professores. O resto do dia foi normal. Passado em casa a escrever
pois tenho compromissos a que não posso falhar.
Tive conhecimento do primeiro assalto a uma instituição bancária em toda a
história de Timor. Aconteceu na Caixa Geral de Depósitos. Porque será que
as más acções não têm fronteiras?

14 DE JUNHO – Segunda-feira
Foi um dia diferente de outros porque, depois de algumas hesitações,
comprei um electrodoméstico que se mostrou um desastre. Pensava eu que
aquecer leite era o mesmo que aquecer água. Rotunda mentira. A
experiência mostrou-se um fracasso. No entanto há que não desanimar. É
nestes momentos que tomamos consciência da nossa pequenês. Que falta
fazem as senhoras!!!.

15 DE JUNHO – Terça-feira
Depois das aulas fui ao MAC. Lá estava a Irmã Eliene e um número cada vez
maior de miúdos. O caminho para lá, apesar de não ser muito longo, não é
fácil de calcorrear principalmente em dias de calor como são os de Timor.
Pouco antes de passar a ribeira para vencer os últimos metros comecei a

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constatar que estava em casa. Muitas saudações de alguns dos miúdos que
se dirigiam para o MAC onde já se encontravam os seus colegas “lideres”
para os acompanhar. À chegada fui brindado com a canção de boas vindas
com que normalmente eles recebem os amigos que os visitam. Nestes
momentos damos graças a Deus por nos dar disponibilidade e vontade para
ajudar crianças como estas, com tantas necessidades e com tanto amor e
carinho para dar. É muito gratificante. Por eles agradeço do fundo do
coração a todos os meus familiares e amigos que, com a sua generosidade,
minoram as dificuldades destes miúdos e proporcionam-lhes as condições
necessárias à sua ida regularmente à escola. Esta primeira visita serviu para
trocar informações com a Irmão no sentido de organizar a entrega das
cartas e das prendas que trouxe para alguns dos afilhados. Também falámos
sobre o futuro do MAC. Em breve terei uma reunião com quem irá ficar no
lugar da Irmã Eliene, aquando do seu regresso ao Brasil. A organização que
a Irmã Eliene idealizou para o MAC, assente essencialmente na
responsabilidade e no trabalho dos mais jovens que estão preparados para
assumir o pesado fardo de dar formação a vários níveis aos mais jovens.
Quando se tem o privilégio de, como eu, observar in loco o modo como se
desenrolam as actividades no dia a dia em Timor decerto deixaria de pensar
que as pessoas com responsabilidades religiosas são ríspidas, com ideias
muito rígidas e que, muitas vezes, não sabem dar valor a quem dirigem, são
autoritárias, etc. Puro engano. O modo como os miúdos se entendem e
organizam, demonstra que têm toda a liberdade para o fazerem. Muito
bonito.

16 DE JUNHO – Quarta-feira
O dia de hoje foi um pouco diferente pois não houve energia eléctrica,
desde ontem à noite até às 15H20m. Costuma dizer-se que quem é pobre é
pobre em tudo. Imaginem o que seria se em Portugal falhasse a luz por um

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período tão longo. Cairia o Carmo e a Trindade. Pois aqui tudo é aceite com
resignação. As pessoas não reclamam ou pelo menos não exteriorizam o seu
descontentamento. Uma falha tão longa pode acarretar prejuízos muito
grandes nos produtos alimentares e outros. Mas tudo é aceite com a
normalidade de quem pouco ou nada tem. A sorte é que no hotel não
sentimos esse problema pois tem gerador eléctrico como acontece com
muitas outras instituições públicas ou privadas.
Na madrugada deste dia, à noite em Portugal, tive uma surpresa muito
agradável, ao ligar a televisão, cerca da 4 da manhã pois estava a começar
o jogo de futebol entre Portugal e a Rússia. Como devem imaginar foi muito
bom para mim. A surpresa resulta do facto de a televisão que deu este jogo
não ter dado o primeiro. Portugal ganhou e deixou-me muito satisfeito.
Sobre este acontecimento no nosso país devo dizer eu, a tantas milhas de
distância, asseguro que a organização do europeu foi uma aposta ganha por
Portugal. Basta ver as televisões estrangeiras para concordar com esta
opinião. Muito se tem falado sobre o nosso país, desde as praias, às
pousadas passando pelo turismo rural o turismo termal, os monumentos,
etc. A DW, a BBC World, a RCTI da Indonésia e muitas outras têm
percorrido Portugal de lés a lés divulgando a nossa gastronomia, a nossa
hospitalidade, os nossos monumentos e muito mais que nós temos e que
muito nos orgulha. Só é pena que a nossa RTPi não transmita os jogos da
nossa selecção. Muitos que estamos tão longe não compreendemos porque
isso acontece.

17 DE JUNHO – Quinta-feira
A exemplo do que acontece todos os trimestres, os docentes do projecto
FUP foram convidados do Senhor Reitor para um convívio que mais não é do
que uma apresentação de todos nós aos colegas do UNTL e destes a nós
próprios. È sempre agradável participar nestes convívios pois o Senhor

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Reitor é um grande amigo de Portugal não seja ele descendente do Régulo
de Ainaro, D. Aleixo Corte Real. Mais uma vez aproveitou para agradecer às
universidades portugueses o quanto têm ajudado os timorenses na área do
ensino universitário, pois ele considera que os cursos ministrados são uma
referência a nível de Timor. É sempre bom ouvir palavras destas quando se
faz um sacrifício muito grande para se estar deslocado durante cerca de dois
meses e ausente dos que nos são mais queridos.

18 DE JUNHO – Sexta-feira
Foi muito interessante o dia de aulas, especialmente a parte da tarde onde
conversei bastante com os meus alunos que iam, na companhia de um
docente, passar o fim de semana a Jaco. Dos oito que iam apenas um já
tinha estado naquelas paragens, talvez pelo facto de ter nascido perto de
Tutuala.
O fim do dia foi muito calmo pois quase todos os colegas foram passar o
fim-de-semana à linda e despoluída ilha de Jaco, bem perto de Tutuala.
Como já a visitei uma vez, não fui. Fiquei por aqui por Díli.

19 DE JUNHO – Sábado
Hoje é Sábado. Uma boa oportunidade para descansar. Aqui em Timor o
cansaço apodera-se muito facilmente de nós. O facto de os alunos não
compreenderem muito bem a língua portuguesas obriga o docente a um
maior esforço para se fazer compreender. Também o clima com muito calor,
contribui para que duas aulas em Timor cansem muito mais do que 4 ou 5
em Portugal.
Como é dia de descanso, resolvi, pela primeira vez, fazer o meu passeio pelo
trajecto habitual, mas de bicicleta. Sem dúvida que os 8 ou 9 kilómetros são
vencidos com bastante menos esforço e mais rapidamente. Parei nas bancas

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das conchas do mar, mas como não havia nenhuma que fosse novidade
para mim, não comprei. Foi um passeio muito agradável embora deixasse
algumas mossas pois já há muitos anos que eu não me deslocava de
bicicleta.
Depois de almoço, o dia foi normal. Passei-o no quarto do hotel a escrever
os vários textos com que me comprometo. Como sejam o texto para o
Semanário, para A Voz de Trás-os-Montes e ainda os textos sobre a história
do movimento rotário.

20 DE JUNHO - Domingo
Dia do Senhor. Bem cedo, pois a missa em português é em Motael às 8
horas da manhã, saí da cama para me preparar para a missa e para o resto
do dia.
Hoje foi um dia muito especial para mim. Fui ao MAC entregar as cartas e as
prendas que os padrinhos em Portugal mandaram aos seus afilhados. Como
combinado, lá estavam a Joana, a Suzete, a Odete, a Vinígia, o Natalino, a
Ludugarda, a Jaqueline e tantos outros cujo nome já conheço muito bem.
Depois de a Irmã lhes explicar que alguns padrinhos não mandaram prendas
porque não têm contactos frequentes comigo, comecei a entregar as cartas,
as T Shirts e o dinheiro. Em cada caso tirei uma foto que entregarei aos
padrinhos quando chegar a Portugal. O interesse que os miúdos põem
nestes actos tão simples, mas de significado tão profundo, deixam-me com
muito mais alento para continuar com este projecto que, cada vez mais, é o
projecto que mais contribui para o meu bem estar espiritual. Além do mais,
dá-me forças para passar o tempo em alegria e paz, longe da família, mas
sempre com ela no meu pensamento.
Quando se lida com crianças é necessário ter muito cuidado para não ferir
os seus pensamentos. É por isso que coloco um cuidado muito grande
quando se trata de lhes entregar coisas.

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21 DE JUNHO – Segunda-feira
Tudo correu com normalidade. Apenas as obrigações decorrentes do facto
de prestar colaboração a alguns jornais, é que alteraram a monotonia
própria dos dias sem novidades. Leccionei pela manhã e pela tarde como é
costume. Fui ver o correio à missão portuguesa onde encontrei uma
professora de Bragança que já havia conhecido em Fevereiro. Aliás, como
estão em tempos de concursos e no final do ano lectivo é normal
encontrarem-se muitas das professoras e muitos dos professores do
secundário que aqui se encontra na pesada tarefa de ajudar a preservar a
língua portuguesa e de a tornar útil no dia a dia dos timorenses pois apesar
de ser língua oficial, tenho muitas reservas sobre o seu futuro.

22 DE JUNHO – Terça-feira
Hoje na aula da manhã fiquei com muitas dúvidas sobre o futuro de Timor,
no que respeita às duas línguas oficiais. Sobre o português já falei várias
vezes, mas esta é a primeira que falo sobre o tétum. Na disciplina de
Projecto estou a transmitir aos alunos, num total de quatro, os
conhecimentos suficientes e necessários para elaborar um projecto de uma
instalação eléctrica seja de que tipo for. Como em Timor não há
regulamentação, sirvo-me do Regulamento português, explicando-lhes que o
que é necessário é saber interpretar o regulamento pois de uma maneira
geral têm uma estrutura comum. Para dar mais força a esta ideia pedi a um
dos alunos que me trouxesse o regulamento indonésio. Assim aconteceu.
Com a sua ajuda depressa concluímos aquilo que para mim era óbvio, os
regulamentos têm muitas partes iguais e depois têm algumas adaptações
conforme o país onde são aplicados. No entanto onde eu queria chegar não
era aqui. Servi-me deste pretexto para lhes dizer aquilo que constatei na
aula. Disse -lhes que, atendendo a que o português e o tétum são as línguas
oficiais, a memória descritiva dos projectos teria que ser feita numa delas.

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Para meu espanto todos me disseram que se tinham dificuldade em
português o mesmo se passava com o tétum, ou seja, o que eles
efectivamente sabiam era o Wasa, língua indonésia. Por aqui podemos
imaginar quão difíceis vão ser os caminhos desta duas línguas em Timor. Ao
contrário do que pensava, nas suas conversas normais, os alunos e,
certamente, as pessoas em geral, falam wasa e não tétum que, aliás, é uma
língua muito pobre. Recorre muitas vezes a palavras portuguesas para se
complementar.

23 DE JUNHO – Quarta-feira
Em dias como o de hoje as saudades da casa aumentam. Quem não
gostaria de estar junto dos seus no dia de São João? Este ano ainda não
pode ser. A minha disponibilidade para cooperar com Timor continua bem
viva e por isso cá estou de novo este trimestre. Vamos ver quanto mais
tempo durará. Hoje foi noticiado que, pela primeira vez, a recém formada
polícia timorense foi posta à prova em dois acontecimentos de confrontação
violenta entre grupos rivais de artes marciais, para os lados de Ermera. Não
sei como a polícia se saiu desta primeira provação. O que preocupa é o grau
de violência que estes grupos põem nos seus confrontos. Nestes dois
confrontos morreram quatro pessoas e vinte e três ficaram feridas, o que
comprova que são confrontos com um grau de violência a que não estamos
habituados. É claro que esta refrega foi entre timorenses e bem longe de Díli
o que tranquiliza quem aqui vive. E se estes grupos resolvem confrontar-se
em Díli? Como reagirá a polícia? Será que consegue manter a ordem? Vamos
continuar a dar o benefício da dúvida no que respeita à calma com que
ainda se vive em Díli. No que me diz respeito vou continuar a ter o máximo
de cuidado, para não dar trunfos aos que fazem da violência o seu modo de
vida. Vou fazer uma avaliação muito rigorosa durante o período em que vou
estar aqui, até ao dia 27 de Julho. Se a minha análise me permitir concluir

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que continua a haver segurança que me permita desenvolver a minha
actividade de docência, sem pôr em causa a minha segurança, continuarei
nesta labuta para contribuir para o desenvolvimento deste jovem país e para
a preservação da língua portuguesa como língua efectiva do dia a dia dos
timorenses.

24 DE JUNHO – Quinta-feira
É meu hábito, pela tarde, no sossego do meu quarto, enquanto vou
cumprindo as várias metas de trabalho que trago quando venho para Timor,
estar atento às notícias e a alguns programas da RTTL – Rádio Televisão de
Timor Leste. Hoje fui surpreendido por um programa que me deixou muito
satisfeito e com o meu orgulho de português mais forte. O exemplo de
alguns timorenses durante a ocupação de Timor pelos japoneses durante a
segunda guerra mundial deixa qualquer português, não digo envergonhado,
mas ciente de que o sentimento de nacionalidade pode e deve ser aqui
muito profundo. O exemplo dado pelo Régulo de Ainaro, Dom Aleixo Corte
Real que, com o padre Norberto e Dom Boaventura, resistiram até à morte
ao desafio de traição à pátria portuguesa lançado pelas tropas japoneses
que os prenderam em Ainaro. Com eles morreram vários elementos da
família de Dom Aleixo. É muito gratificante e até surpreendente assistir ao
cantar do hino nacional português em evocação a esses momentos de
grande violência e que se traduziram na morte de muito timorenses e da
destruição da quase totalidade das casas de Díli, Maliana, Ainaro, etc. è de
elementar justiça relembrar também o Régulo de Maubisse Fonseca
Benevides que também foi assassinado por não trair o seu sentimento de
português. Enfim, tantos e tantos timorenses que morreram na sequência de
uma invasão japonesa sem qualquer sentido e com um grande sentimento
de culpa, hoje bem demonstrado pelo modo como prestam colaboração ao
povo timorense, quase que a redimirem-se do mal que lhes causaram.

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Hoje é dia de jogo de Portugal. Cá bem longe estou ansioso pela hora do
pontapé de saída. Oxalá que os nossos jogadores saibam honrar as
camisolas que vestem. Honrem todos aqueles que aqui bem longe sentem,
como ninguém, o amor à nossa pátria.

25 DE JUNHO – Sexta-feira
A sexta-feira é o dia da semana que faz a ligação entre os dias de trabalho e
o fim de semana. Pode dizer-se que é um dia especial pois já cheira a fim de
semana. Pode parecer mentira, mas é verdade que o sábado e o domingo
são os dias que, apesar de permitirem descansar depois de uma semana de
trabalho, são dias que custam muito a passar. Como não há a ocupação
laboral, é necessário arranjar maneiras de passar o tempo. É por isso que
normalmente me dedico a dar longos passeios. Espraia-se o espírito e
recuperam-se forças para iniciar a próxima semana. Mas isso é só a partir de
amanhã. Hoje ainda é sexta-feira e, como tal, tudo decorreu dentro da
normalidade de quem tem que leccionar duas disciplinas, uma pela manhã e
outra pela tarde. Pela manhã apenas tive dois dos quatro alunos que
compõem a turma. Um deles aproveitou para se deslocar a Los Palos a fim
de se recensear, pois em Timor está a decorrer o Sensus 2004. Para um país
tão jovem como Timor é imprescindível saber quantos são os cidadãos que
aqui vivem, onde vivem e como vivem. Todos os dias, na televisão, as
pessoas são chamadas à atenção para as vantagens que o sensus tem na
definição de políticas, quer de carácter social quer noutra área qualquer,
para criar melhores condições de modo a que o nível de vida das pessoas
melhore.
As notícias que chegam da possível ida do nosso Primeiro Ministro para
Bruxelas faz-me pensar e concluir que, de facto, os políticos portugueses
têm em comum a falta de capacidade para cumprir as suas obrigações até

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ao fim. É pena pois os portugueses merecíamos ter melhores políticos do
que aqueles que temos.

26 DE JUNHO – Sábado
Por vezes é muito difícil quebrar a rotina. No entanto vou tentando criar
condições para que este tempo em que estou afastado da família passe da
melhor maneira sem perder de vista que, em primeiro lugar, é necessário
dar cumprimento à obrigação inerente à função de professor. Sendo hoje
sábado exige-se um pouco mais de imaginação para que não se repitam as
palavras e as ideias que, dia após dia, vou vertendo para estes textos. Pela
manhã fui ao Instituto Camões onde aproveitei para enviar correio
electrónico. As minhas obrigações de professor não se confinam a Timor.
Em Vila Real na universidade onde lecciono, tenho os meus alunos ansiosos
pela chegada dos resultados dos exames respeitantes às disciplinas de que
sou responsável. Em simultâneo dei uma vista de olhos pelos vários livros
que se encontram nas prateleiras à espera que alguém os folheie. Quase
todos são de história de Portugal, incluindo, como é lógico, as antigas
colónias hoje denominados países de língua oficial portuguesas (PALOP).
Tendo eu um gosto muito grande por tudo o que é passado histórico, é fácil
compreender que faça visitas sucessivas àquele espaço no segundo andar
da nossa embaixada. A história de Timor, desde os tempos de ocupação
portuguesa até hoje, está muito bem documentada.
Tenho vibrado muito, a exemplo do que acontece com os demais
portugueses que aqui se encontram no desempenho das mais variadas
tarefas, com a onda de patriotismo que se criou em redor do EURO 2004 e,
principalmente, da prestação da equipa portuguesa. Nós os portugueses
somos capazes de tudo. Quantos acreditavam na nossa selecção nos meses
anteriores ao início do campeonato? Muito poucos, estou certo. Mas ainda

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bem que tudo mudou. Vamos lá ver se mantemos este espírito patriótico
para lá de EURO.
Hoje houve um momento na televisão que me chamou a atenção. Dizia o
nosso treinador, brasileiro de nascimento, que os portugueses são muito
reservados parecendo que têm vergonha de exteriorizar os momentos de
felicidade que vivem, ao contrário dos brasileiros muito expansivos nesses
momentos chegando por vezes a ser contagiantes. Talvez ele tenha razão.
Mas Deus assim nos criou e não vai ser fácil mudar.

27 DE JUNHO – Domingo
Mais um domingo que passou. Pela manhã, servindo-me da bicicleta de um
colega, saí do hotel para o habitual passeio matutino dominical. Em ritmo
próprio de quem poucas vezes se desloca neste meio de locomoção,
acrescentado as dificuldades inerentes à condução pela esquerda, lá fui
vencendo os vários quilómetros que separam o hotel da Praia Branca. Pelo
caminho o cenário é sempre o mesmo. As bancas das conchas, o vendedor
ambulante, os animais a atravessar a estrada ou a comer pachorrentamente
e com a descontracção de quem considera esse espaço como seu. Há
também os habituais desportistas que se arrastam pela estrada com ar de
quem é muito infeliz, parecendo que estão carregando um fardo muito
pesado. Enfim, as mesmas vistas do mar, do vendedor de cocos, do peixe
colocado nas bancas sempre com o sistema de abanico para enxotar as
moscas que, teimosamente, sobre eles tentam “aterrar”. Lá está o velho
cemitério, a placa indicadora da ida para a Praia Branca e para Baucau.
Tudo rigorosamente o mesmo, semana após semana.
Não se pense, no entanto, que o que acabo de dizer é pura monotonia.
Nada disso. Por exemplo, hoje, resolvi ir, pela primeira vez, ao Cristo Rei.
Chegado à praia situada bem debaixo do morro onde o Cristo foi feito,
chamada de Cristo Rei, encontrei dois colegas, deixando a bicicleta à sua

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guarda. De seguida dirigi-me com muita vontade e com o passo apressado
que caracteriza os meus passeios, para as escadas que conduzem lá acima
ao monumento. Pelo caminho lá está a via sacra que de patamar em
patamar nos conduz a um largo ao fundo do qual se encontra um altar.
Presumo que será aqui que são rezadas as missas nos dias solenes ou nos
dias de romaria ao local. Mais três ou quatro lanços de escadas e a
paisagem começa a ser deslumbrante. Chegado ao cimo, junto aos pés do
Cristo Rei, foi necessário sentar-me durante algum tempo. Não foi para
recuperar do deslumbramento da paisagem, mas sim para recuperar do
enorme esforço que fiz para lá chegar. É de louvar quem teve a iniciativa de
aqui instalar este monumento. Não há palavras, com força suficiente, para
transmitir a beleza que dali se observa. Pode acompanhar-se a estrada
sempre bem junto à borda do mar, desde o Cristo Rei até Díli. A água
límpida e transparente que se vê lá do alto, mesmo na vertical, assim como
quando olhamos para a ponta do sapato, não deixa ninguém indiferente. È
uma vista simplesmente fantástica.
Terminada a visita regressei cá abaixo, tarefa bem mais fácil que a subida. A
descer até os “calhaus” rodam, dizem na minha terra e com todo o
propósito. Montado de novo na bicicleta regressei ao hotel onde o resto do
dia foi passado da maneira habitual, vendo televisão e escrevendo.

28 DE JUNHO – Segunda-feira
Sem futebol e sem novidades, assim se passou este dia. Tudo normal. As
aulas decorreram sem problemas e os alunos vão dando saltinhos de pardal
na caminhada para a aprendizagem das leis da electricidade que tão
importantes são para o bom uso da energia eléctrica. Cá longe vou
acompanhando o problema da construção da barragem no Rio Sabor. Se
algumas dúvidas houvesse sobre a importância que o tema da energia tem
no momento actual, aqui está um bom exemplo para as desfazer. Sem

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dúvida que é um problema que hoje em dia temos que resolver. A
preservação do ambiente é uma preocupação que qualquer pessoa tem. Mas
não podemos pugnar por uma vida com qualidade se não tivermos
disponível a energia eléctrica suficiente ao bom funcionamento de qualquer
equipamento criador de um ambiente de calor ou de frio conforme
estejamos no Inverno ou no Verão. Se queremos bem estar não podemos
ser deliberadamente contra a instalação de centrais hidroeléctricas que,
como qualquer outro meio de produção de energia eléctrica, causa
problemas ao ambiente. Assim sendo é necessário termos uma atitude
pragmática que consiste em conviver com as duas, ou seja, preservar o
ambiente e produzir energia eléctrica. Temos visto que os naturais da região
transmontana são favoráveis à construção da barragem pois, além de
produzir energia eléctrica pode potenciar o turismo numa região com
belezas naturais evidentes, mas com falta de infra-estruturas de lazer. A
regularização do caudal do Rio Douro é um objectivo que não pode ser
conseguido se não forem construídas barragens nos seus afluentes. Tenho
visto, em Invernos rigorosos, a água passar em turbilhão, com um
andamento muito apressado e sem controlo, por sobre o tabuleiro da ponte
de Remondes. Quando toda essa água chega ao Douro não há qualquer
hipótese de a amansar de modo a não causar inundações que, quase
sempre, causam a morte de pessoas e prejuízos os materiais importantes. A
construção desta barragem vai trazer prejuízos para o meio ambiente?.
Vamos então pesar as vantagens que traz para a região que são, sem
dúvidas de qualquer espécie, muito superiores.

29 DE JUNHO – Terça-feira
Confirmou-se a ida do nosso Primeiro Ministro para a Comissão europeia.
Sem dúvida que é uma honra para Portugal que a Comissão Europeia seja
presidida por um português. Estou certo de que neste ponto estamos todos

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de acordo. Já as consequências a nível da política interna me parecem que
podem ser um desastre para Portugal. Vamos assistir ao derrimir de opiniões
que andarão durante algum tempo ao redor da ideia de haver ou não
eleições antecipadas. É claro que, como se sabe, em política tudo muda de
um momento para o outro. Quem está no poder vai bater-se para aí
continuar e quem está na oposição vai fazer tudo para que haja eleições
antecipadas. Escusado será dizer que as opiniões seriam as mesmas mas
com os protagonistas trocados caso quem está no governo estivesse na
oposição e quem estivesse na oposição estivesse no governo. Vou esperar
para ver como este tema vai evoluir.
Em Timor tudo o que se passa a nível de manifestação cultural, junta todos
os portugueses que aqui se encontram. Acontece assim invariavelmente.
Hoje não foi excepção. O CNEFP – Centro Nacional de Emprego e Formação
Profissional na dependência do nosso Ministério do Emprego e Solidariedade
Social vem desenvolvendo um conjunto de actividades na área da formação
profissional que muito devem orgulhar os portugueses. Num país em que a
mão de obra é, quase sempre, não especializada, todas as acções que
tenham como objectivo a formação profissional dos seus trabalhadores tem
um alcance social muito grande. O que se passou hoje ao fim do dia no
anfiteatro da UNTL – Universidade Nacional de Timor Leste é um óptimo
exemplo de como um país pequeno como Portugal tem a capacidade e o
engenho para pôr ao serviço dos que lhe são queridos, todas as capacidades
e o empenho dos seus profissionais. A cerimónia a que assisti encheu-me de
orgulho e satisfação pessoal. Constou na apresentação de um livro de apoio
à aprendizagem de trabalhadores timorenses no âmbito da sua formação
profissional, com o título “A Língua Portuguesa e as Profissões”, sendo a
autora a Professora Otília Oliveira. Já conhecia o trabalho desenvolvido por
esta cooperante portuguesa, a desenvolver a sua actividade há já alguns
anos. Exemplos como o dela muito contribuem para tornar Portugal um país
grande. Só a sua abnegação, o seu empenho, a sua dedicação e o seu amor

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ao próximo, podem justificar o trabalho que vem desenvolvendo aqui. No
seu percurso já esteve na Guiné Bissau onde a bondade e a disponibilidade
das suas gentes e a sua permanente necessidade de procurar terras mais
longínquas e mais apelativas, a conduziram até esta terra do sol nascente,
do sândalo e do pico mais alto daquele que foi o império português, o Pico
do Ramelau. Com pessoas como a Professora Otília, a palavra cooperação
assume toda a sua plenitude, a sua força, o seu significado profundo.
Cooperar é disponibilizar ao próximo todas as nossas capacidades. Pô-las ao
serviço de quem mais precisa, quer ao nível do saber quer ao nível das
necessidades básicas. Pelo mundo há muitos milhões de pessoas que
vegetam, não vivem. Em Timor possivelmente também haverá casos desses.
Tudo o que fizermos para alterar essa situação é bom. Portugal, já o disse
mais vezes, tem tido um comportamento que considero exemplar no que
respeita à cooperação Timo. O CNEFP é um bom exemplo do que acabo de
dizer.
A apresentação do livro foi feita pelo Reitor da UNTL, Professor Doutor
Benjamim Corte Real, linguista de profissão e conhecedor profundo da
língua portuguesa. Na sua apresentação realçou o valor intrínseco do livro,
enquanto peça escrita e o muito valor que tem para a formação dos
timorenses trabalhadores. Aborda várias profissões, apresentando
conversações temáticas sobre cada uma delas. A cerimónia teve momentos
de declamação de poesia e várias canções entoadas pelo grupo de
formandos, em número superior a trinta, que acompanharam toda a
cerimónia tendo sido intervenientes activos na fase seguinte à intervenção
da autora.

30 DE JUNHO – Quarta-feira
Como é natural todos estamos ansiosos porque chegue o momento do jogo
entre Portugal e Holanda. Em jeito de brincadeira eu e os meus alunos

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fizemos, no início do campeonato, um prognóstico sobre quem ganharia o
Europeu Foram todos saindo. Neste momento muitos já estão fora de jogo
pois só cinco é que apostámos em Portugal.
A encarregada de negócios de Portugal convidou a comunidade portuguesa
para assistirmos ao jogo nos jardins da nossa embaixada. Prometi a mim
mesmo que só irei lá para assistir ao jogo da final. A minha fé na capacidade
da equipa portuguesa é muito grande, pelo que espero que hoje ganhemos
para depois ir assistir à final. Por hoje vou ficar, como tenho feito nos jogos
anteriores, pelo sossego do meu quarto onde assisto ao jogo, com mais
liberdade, podendo fazer zapping quando me apetecer.

1 DE JULHO – Quinta-feira
O dia começou com uma grande alegria, a vitória de Portugal sobre a
Holanda. Aqui em Díli o jogo é às 4 da manhã do dia seguinte ao de
Portugal, pelo eu quando me dirigi à Liliana Shop para cumprir o ritual de
todos os dias, ir pelo pão, lá estava o senhor timorense, homem para os
seus sessenta anos, falando perfeitamente português, a cumprimentar-me
efusivamente e a dar-me os parabéns pela vitória de Portugal Esta saudação
tem-se repetido sempre que Portugal tem ganho. Nas aulas os meus alunos
também se manifestaram muito entusiasmados com o jogo dos portugueses,
mesmo aqueles que não apostaram na nossa selecção. O entusiasmo que se
apodera de muitos timorenses quando Portugal ganha, deixa-nos muito
contentes pois é demonstrativo da empatia que têm por tudo quanto seja
português. Penso mesmo que Portugal é um país que está no coração de
muitos dos que aqui vivem. Dos portugueses que aqui estamos nem é
necessário falar. Para quem está longe da pátria todos os motivos para se
juntar com os seus concidadãos são importantes. O papel da televisão é
decisivo na criação deste sentimento de unidade que se apodera de todos
nós.

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2 DE JULHO – Sexta-feira
Leccionar em Timor é um desafio à capacidade de, a qualquer momento, o
docente adaptar-se ao andamento da aprendizagem dos alunos. Quando
cheguei, tinha a incumbência de leccionar um programa que estava
previamente destinado à disciplina que me foi entregue. Por dificuldades de
cumprimento dos programas das disciplinas anteriores devidas por um lado
ao andamento muito lento da aprendizagem, mas por outro à falta de
capacidade por parte de alguns docentes de decidir quais as partes dos
programas das disciplinas que mais interesse têm para o futuro dos alunos.
Se a aprendizagem fosse feita a um ritmo normal, estes problemas não se
punham. Em consequência tive que alterar os conteúdos programáticos que
me estavam destinados. Assim sendo só hoje comecei a dar os assuntos
com que deveria ter começado o semestre. A dificuldade de recrutamento
de docentes em algumas áreas, nomeadamente a da electrotecnia, obriga
ao recurso a docentes que, embora completamente capacitados, não têm a
experiência suficiente para tirar todo o proveito possível da sua actividade
de docência. Aliás todo este tema de recrutamento de docentes tem que ver
também com a parte financeira. O nosso país que, como se sabe, não é rico,
disponibiliza verbas que obrigam quem gere o programa a optar muitas
vezes pelas soluções que não são as mais apropriadas. Apesar de tudo sou
de opinião que com muita força de vontade e alguma arte todos os
participantes neste programa de cooperação têm contribuído para que este
represente uma contribuição importante para a formação de quadros médios
– superiores de um país que muita necessidade deles tem.

3 DE JULHO – Sábado
Um Sábado diferente de outros. De manhã a habitual ida à Internet para pôr
o correio em dia e dar uma vista de olhos pelas edições online dos jornais
portugueses. A parte da tarde foi plena de cultura e de acontecimentos

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marcantes para mim. Comecei por assistir nas instalações do Ex CNRT,
agora Instituto de Formação Contínua, a uma peça de teatro declamado, em
que os actores foram os alunos do 1º ano de Electrotecnia e de Economia.
Tratou-se de u momento cheio de significado cultural, intitulado Fragmentos
extraídos da autobiografia de Xanana Gusmão, Timor Leste Um Povo Uma
Pátria. A vida de Xanana e o que ele significa para o povo timorense é
conhecido de todos. Não é pois de espantar que a assistência tivesse
seguido com grande concentração a actuação dos jovens actores que
desfilavam pelo palco com uma cadência bem ritmada, e com uma
coreografia bem original. Foi uma iniciativa da FUP e do Centro Cultural
Português que deram as mãos e, mais uma vez, contribuíram para a
aprendizagem e treino da língua portuguesa por parte dos alunos do
projecto da FUP e inseriu-se nas actividades extracurriculares integradas nas
aulas de língua portuguesa destes alunos. Sem dúvida que é com iniciativas
destas que se dão passos seguros no sentido de cimentar a utilização da
língua portuguesa no dia a dia dos timorenses. No final do teatro dirigi-me
para o Jardim de Infância Agrupamento HOTEL construído de raiz pelos
nossos militares. Pelo caminho ainda houve tempo para entrar na casa das
Madres de Balide onde se encontra a Irmã Guilhermina e onde se dá abrigo
a muitas crianças timorenses na sua maior parte órfãos e, essencialmente,
do sexo feminino. Conhecer instituições que têm como objectivo principal
retirar da miséria as crianças que não pediram para nascer, e dar-lhes uma
vida com a dignidade que qualquer ser humano merece, funciona como um
tónico que dá forças para nos dedicarmos ainda com mais convicção a
causas que permitem minorar os problemas com que milhares de crianças
vivem diariamente. Nos poucos minutos que aí estive tive oportunidade de
ver imagens da Santa Bachita que os timorenses veneram com muita
convicção. A minha ida ao jardim-de-infância foi para mim um momento que
me deixou muito emocionado. Só após alguns dias de ter chegado a Timor
pala quinta vez, é que soube que a escola que os nossos militares

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construíram foi aquela para quem eu, a pedido da dona Ercília e da
Professora Dulce, solicitou os bom ofícios do Comandante do Agrupamento
HOTEL que havia conhecido em Vila Real nos contactos que então
estabelecemos entre o Rotary Club e o Quartel militar. A Dona Ercília, em
agradecimento à minha atitude de ajuda na resolução dos problemas de
lama no Inverno e de pó no resto do ano do espaço defronte da sua escola,
fez uma pequena cerimónia com os alunos presentes num total de cerca de
45, com idades compreendidas entre os 2 e os 4 anos. Foi muito lindo e
tocou-me profundamente. Anteriormente a escola funcionava debaixo da
varanda da Dona Ercília e agora é uma escola, ainda que pequena, digna de
se ver. É formada por uma sala equipada com os equipamentos necessários
ao funcionamento normal de uma escola, mas com comodidades a que em
países como Timor não estamos habituados a ver. Só por ter contribuído
para a execução desta obra já valeu a pena pertencer a um clube rotário. Se
não tivesse entrado para este movimento de solidariedade que é o
movimento rotário certamente não teria contribuído para esta obra e para
muitas outras às quais tenho dedicado muito do meu tempo. A cerimónia
teve como momento mais significativo, do meu ponto de vista, a colocação
da salenda ao meu pescoço por cinco das crianças todas elas de palmo e
meio. Pode imaginar-se a sua dificuldade em levar a cabo tal tarefa. De
seguida um aluno de uma escola que funciona perto leu um pequeno texto
de agradecimento que passo a transcrever: Nós, as crianças desta
comunidade, agradecemos ao Senhor Professor Manuel pela ajuda que nos
deu através do pedido ao nosso Comandante do Batalhão de Exercito
Português, para ajudar a construir a nossa escola. E agora a nossa escola já
está erguida. Nós as crianças e os nossos pais, não temos nada a oferecer
ao senhor Professor, a não ser um pano tradicional como um símbolo de
amizade entre nós as crianças e o senhor Professor. Depois de lerem este
pequeno discurso estou certo de que ficam a compreender o orgulho com
que fiquei quando abandonei a escola e a tranquilidade de consciência que

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transmite o dever cumprido. A Dona Ercília mostrou-me com muita
satisfação e vaidade, porque não dizê-lo, o diploma que o Agrupamento
HOTEL lhe entregou assinado pelo senhor Ministro da Educação de Timor,
Dr Armindo Maia, por D. Januário Torgal Ferreira, Bispo das Forças Armadas
Portuguesas e pelo Comandante do Agrupamento HOTEL, Tenente Coronel
Xavier de Sousa. Mostrou-me também as fotografias que os nossos militares
fizeram retratando todas as fases da construção, assim como as fotografias
e respectivas moradas de todos os que trabalharam para que a escola fosse
uma realidade. O discurso que fez no acto da inauguração, muito simples,
mas muito rigoroso, aludia ao dia 5 de Fevereiro, dia em que eu, ela e a
Professora Dulce fomos fazer o pedido ao Comandante. O regresso ao hotel,
com o meu ego muito mais forte do que antes, culminou este dia que nunca
mais esquecerei.

4 DE JULHO – Domingo
Este fim-de-semana foi preenchido a cem por cento com iniciativas de
carácter social. Já há vários dias que a Drª Otília, do Centro de Emprego e
Formação Profissional me convidara para fazer uma visita à escola que está
a construir para os lados de Baucau e à qual ela, com muito carinho, chama
“a minha escola”. Hoje concretizou-se essa visita. Bem cedo, logo após a ida
à missa, partimos, na companhia de uma sua amigo vietnamita e outra
amiga portuguesa, em direcção a Uai Lacama, assim se chama a terra onde
fica a escola. A beleza da estrada, sempre junto ao mar e com curvas
apertadas, já eu conhecia de idas anteriores para aquelas bandas. O trajecto
foi feito sem paragens, com a promessa de no regresso termos
oportunidade de fazer fotos nos locais de maior beleza. Chegado a Uai
Lacama, fomos procurar a Professora Neide que depressa apareceu pois
mora junto à estrada onde tem também um “posto” de venda gasolina e
outros produtos. Pessoa afável e simpática dirigiu-se connosco para a

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escola, implantada em terreno cedido pela diocese e feita com dinheiros
angariados em Portugal pela Doutora Otília. O tamanho do terreno permite,
haja dinheiro, fazer espaços de lazer para lá dos espaços destinados à
escola. As três salas que a compõem, duas para um lado do L e outra para o
outro, ligadas por uma pequena, mas funcional sala de professoras que
serve também de biblioteca. Já com duas das três salas mobiladas, com a
terceira em vias de o ser, estão criadas as condições para ser feita a sua
inauguração oficial no próximo dia dezassete. Para chegar a esta fase muitas
canseiras e muitas dores de cabeça passou a sua promotora. A cultura dos
povos é muito diferente conforme o continente em que nos encontremos.
Por exemplo o conceito de fazer bem varia muito. Não tem nada a ver aquilo
que para nós é uma parede bem pintada ou o que ela é para um timorense.
Por isso é preciso uma paciência muito grande e uma força moral ainda
maior para levar uma obra destas até ao fim. Mas parece que isso está
prestes a acontecer. Em frente à escola, do outro lado da estrada, em
Beloki, podem ver-se as paredes daquela que foi uma escola de grandes
tradições em Timor tendo nela estudado o Bispo D. Ximenes Belo. Para
ultimar os detalhes da festa da inauguração, dirigimo-nos a Baucau, com o
objectivo imediato de falar com o senhor Bispo. Como estava doente não
nos recebeu, mas deixámos recado. A sua residência, com uma localização
sobre o mar, dá força, no bom sentido, aos privilégios em que vivem, quase
sem excepção, as autoridades eclesiásticas. Dali saídos, fomos almoçar à
Pousada de Baucau. Lindo lugar, onde se podem passar momentos
relaxantes que bem podem ajudar a esquecer os momentos menos bons
que a vida nos reserva. Fomos almoçar ao Restaurante Monte Perdido, por
certo assim chamado em homenagem ao monte que fica perto de Baucau,
no sentido de Viqueque. O local é magnífico e o ambiente acolhedor.
Terminado o almoço, feitas as fotografias habituais fomos para o centro
onde se pode admirar o mercado, edifício do tempo de administração
portuguesa em forma de U, encimado pelo escudo português com as suas

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cinco quinas. Que pena não ser cuidado! A continuar assim não, os
visitantes de Baucau, no futuro, não vão ter o prazer de dele desfrutar. Após
o almoço regressámos a Díli com paragem em Manatuto para subir ao
monumento a Santo António. As vistas deste ponto são lindas a valer. Os
arrozais, Manatuto com a maior parte das suas casas ainda destruídas, a
planície terminada pela serra e o mar são uma enchente para os olhos de
qualquer um. O monumento data de 1992 e foi inaugurado pelo bispo D.
Ximenes Belo. O regresso a Timor fez-se com o andamento próprio de
Timor, muito devagar. Para um percurso de cerca de oitenta quilómetros
gastam-se, seguramente, três horas. Por aqui se percebe a razão pela qual
em Timor as distâncias são em horas e não em quilómetros. À noite todos
os portugueses estávamos convidados para assistir, a partir da meia noite,
em casa do embaixador, à final do Europeu. Foi o que fiz e muitos outros
portugueses fizeram. À meia noite lá nos dirigimos de táxi para passando
pela avenida do farol e chegando ao local combinado à hora certa.

5 DE JULHO – Segunda-feira
A encarregada de negócios de Portugal em Timor recebeu-nos com muita
simpatia e com uma festa que foi mais um pretexto para conviver.
Dia sem acontecimentos dignos de nota. Apenas que era necessário puxar
por todo o fair play necessário para digerir uma derrota com a Grécia, que
não estava na previsão de qualquer português. Assim teve que ser. O
totobola que fiz com os meus alunos não teve vencedores. Nenhum de nós
apostou na Grécia. Ainda bem. Assim nenhum se ficou a rir. O tema do
futebol e das tendências de apoio de cada um dos timorenses tem algumas
nuances que são difíceis de compreender. Não sei se pela irreverência
própria dos jovens, à qual os timorenses não são excepção, se pela
tendência da geração que cresceu durante a ocupação indonésia, fui
brindado com vivas à Grécia quando, ainda meio a dormir, passava em

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frente ao antigo liceu Sousa Machado em direcção à universidade. Às vais
respondi com um sorriso. Não me era permitida outra atitude. Nos
momentos maus é que temos que mostrar que somos mais fortes que os
outros. Esta atitude contrastava com a tristeza dos meus alunos quando
entrei na sala, tanto de manhã como de tarde. O fenómeno do jogo merece
um estudo bem mais profundo do que estamos habituados a fazer. O
timorense, como asiático que é, tem entranhado o vício do jogo. Houve
pessoas que perderam carros, motas e dinheiro. A descontracção com que
aceitam o resultado das suas apostas, muitas vezes com consequências
desastrosas para a sua vida, deixa-nos estupefactos. Tudo se pode explicar
pelas diferentes culturas dos diferentes povos.

6 DE JULHO – Terça-feira
Dia normal, o que quer dizer que não houve nada digno de realce, a não ser
o que se passou na aula do 3º ano, de manhã. Um dos alunos chegou com
um problema na mão direita, apresentando um inchaço bem visível e
queixando-se de que tinha algumas dores e que pretendia autorização para
ir ao hospital. Entrados na sala, outro aluno prontificou-se a fazer um
tratamento convicto de que o problema desapareceria. Puxou de um
pequeno caderno que tinha na pasta e desfolhou algumas folhas detendo-se
numa delas com uma atenção muito grande. De imediato pensei que se
preparava para fazer uma reza para acabar com as dores do colega. Não foi
isso que aconteceu. Segurando na mão do colega fez deslizar os seus dedos
sobre a zona dorida e, depois de várias fricções, com movimentos suaves
mas convictos, terminou a sua intervenção. À pergunta natural se as dores
estavam a passar, a resposta afirmativa do doente não deixava dúvidas.
Soube depois que já desde os vinte anos, tem agora vinte e sete, que se
dedica a esta actividade. Perguntando-lhe o que tinha no livrinho,
respondeu-me que se tratava de um livro de Jesus Cristo e que nele tinha

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anotado todas as possíveis intervenções, conforme o problema que fosse
necessário tratar. A naturalidade com que respondeu à minha questão
mostra bem a convicção com que faz o bem a quem dele necessita.
Conhecer os alunos para lá das aulas é muito importante para a actividade
docente. Conhecer os seus problemas, os seus anseios, as suas convicções,
as suas dificuldades, enfim, conhecer com alguma profundidade o modo
como vivem, ajuda o docente na tarefa de ensinar. Dos quatro alunos do
terceiro ano já todos se recensearam e responderam ao sensus 2004 a
decorrer em Timor. As autoridades querem saber quantos são, como vivem
e onde vivem todos os cidadãos timorenses. Um deles teve que deslocar-se
a Los Palos e os outros ficaram por Díli. A televisão tem feito uma campanha
muito interessante sobre a necessidade de as pessoas se recensearem e
responderem aos sensos.

7 DE JULHO – Quarta-feira
Exercer a actividade de docência em Timor exige um grande esforço a
qualquer um. O calor, que aperta todos os dias, é um inimigo muito difícil de
vencer pois a sua acção faz com que seja muito mais difícil desenvolver esta
e qualquer outra actividade. O facto de se estar longe da terra e da família
cria em todos nós um stress muito grande que alguns, por vezes, não são
capazes de aguentar. Algumas atitudes tomadas por alguns colegas são
disso um bom exemplo. Vir para Timor pode ser muito bom, mas também
pode ser muito mau. Aqui não há cinema ou teatro para onde uma pessoa
vá descarregar esse stress. Não há quaisquer condições para ultrapassar os
problemas que dia a dia se apoderam de cada um. Por isso há sempre
alguns colegas que descarregam sobre quem com eles priva todos os seus
problemas que, muitas vezes, vão acumulando dia após dia. Para quem
esteja sereno, bem com a sua vida, calmo e sem problemas que o aflijam,
esta terra pode ser o paraíso. A selecção das pessoas, tanto civis como

86
militares, que vêm para missões de cooperação para países como Timor
devia ser muito rigorosa no exame emocional de cada concorrente. Talvez
assim se conseguissem melhores resultados com a cooperação.

8 DE JULHO – Quinta-feira
O trimestre está a avançar e é necessário proceder à avaliação intermédia
dos alunos. Foi o que aconteceu hoje com a disciplina de Electrotecnia II, do
2º ano de Electrotecnia. Tudo correu dentro da normalidade. Vamos esperar
pelos resultados e concluir se os alunos apreenderam os conteúdos
programáticos que, com muito esforço, lhes tenho transmitido ao longo das
últimas semanas. Tudo o resto foi rotineiro. Almocei, como tenho feito nos
últimos dias, no restaurante Metro acompanhado de um colega da
Universidade do Minho, da área da formação pedagógica dos professores
timorenses. Os almoços têm sido momentos importantes na troca de
opiniões com este colega. Muito tenho aprendido com ele e espero que ele
também tenha aprendido alguma coisa comigo. A troca de opiniões é, por
vezes, muito rica em informações. Só assim podemos estar a par dos vários
acontecimentos que vão ocorrendo. Como neste trimestre há muitos colegas
de Vila Real, ligados à UTAD, quer na condição de docentes quer na
condição de ex-alunos, combinámos um almoço para a próxima terça feira.
Vai ser, assim espero, um bom momento de descontracção e manifestação
de camaradagem entre colegas unidos pelo “amor” que têm à cidade de Vila
Real.

9 DE JULHO – Sexta-feira
Embora já fosse esperado, depois das notícias de ontem, foi com alguma
mágoa que tomei conhecimento da morte de Henrique Mendes. Era sem
dúvida um profissional competente, um homem afável e um cavalheiro,

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como alguns dos seus amigos o apelidaram neste dia em que deixa o mundo
dos vivos. Paz à sua alma. Oferecido pelo colega a que ontem me referi,
recebi um pequeno livro com textos de vários dos docentes timorenses que
tiveram a sua fase de formação, ao nível do estágio, durante este trimestre.
Apesar de simples na forma, revelou-se, como eu esperava, um manancial
de conhecimentos que muito contribuirão para aumentar o conhecimento
que tenho de Timor, ao fim de vários meses de estadia. Conhecer e dar a
conhecer Timor Leste, assim se chama o livro. Trata-se de um bom exemplo
do que pode e deve ser feito ao nível da cooperação de Portugal com Timor.
Não nos esqueçamos de que a preservação da cultura timorense e um
melhor conhecimento da realidade timorense por parte dos nossos
cooperantes, pode ser uma boa ajuda ao êxito dessa cooperação. No
prefácio, da autoria do Lino Moreira, dinamizador e orientador desta
publicação, pode ler-se que “é importante que cada vez mais se valorizem
nas aulas os textos sobre a realidade timorense”. Estou totalmente de
acordo. É muito diferente serem autores estrangeiros a falar sobre a
realidade de um povo ou um país, ou serem os próprios a falarem. Quem
melhor do que os timorenses conhece os costumes, as receitas culinárias, os
pontos de interesse turístico, etc. Desfolhando o livro pode ver-se a
descrição do ilhéu de Jaco, ponto mais oriental de Timor com muita riqueza
natural, ao nível da fauna e da flora. Aliás pode afirmar-se que não há
estrangeiro que visite Timor que não faça uma visita a Jaco.
O papel da RTP internacional é muito importante no dia a dia de qualquer
português que esteja, por períodos mais ou menos longos, fora de Portugal.
Hoje, pela manhã, assisti a um programa do Professor Hermano Saraiva
sobre a vida e obra de Trindade Coelho. Como é sabido este licenciado em
direito, por profissão, mas escritor por paixão, nasceu em Mogadouro, bem
no centro da vila, ao lado do Convento de São Francisco, numa casa que fica
ao fundo da praça central quando caminhamos no sentido do castelo. A sua
casa confina mesmo com as duas ruas paralelas que dão acesso à zona do

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castelo. Homens como Trindade Coelho não há muitos, infelizmente. A sua
capacidade de trabalho aliado ao seu amor por tudo o que fazia em prol da
justiça, no âmbito da sua actividade de Magistrado do Ministério Público, são
dignas de realce e de admiração. O seu desapego aos lugares do poder
levaram-no a não aceitar o lugar de deputado pois, dizia ele, que justiça e
política não eram compatíveis. Seguindo o seu caminho escreveu mesmo um
livro onde criticava, com veemência, os partidos políticos e os seus
membros. Dizia ele que, comum a todos, havia uma coisa muito má que era
a corrupção. No seguimento da publicação deste livro foi convidado a
abandonar a carreira, que muitos consideravam promissora, de magistrado
público. Rejeitou mesmo a ida para Juiz. Caso aceitasse seria o mais jovem
Juiz português até então. Poucos hoje como então, são capazes de tomar
atitudes como as que ele tomou, com prejuízo evidente para a sua vida à
qual poria termo passado muito pouco tempo de abandonar a sua profissão

10 DE JULHO – Sábado
Para fugir à regra, hoje foi um dia diferente dos outros sábados. Pela manhã
fui ao Instituto Camões onde naveguei pela Internet, sem ser incomodado
pois durante toda a manhã não houve concorrentes e assim pude dedicar
toda a manhã a ver as notícias dos jornais portugueses e ver o correio
electrónico. A noite, passeia com muita ansiedade pois deveria ser avô,
durante o dia em Portugal, durante a noite em Timor. Parece que o rebento
se está atrasar pelo que durante todo o dia tenho ansiado por uma
mensagem de telemóvel anunciando a sua chegada. A tarde passei-a todo
no quarto do hotel pondo a escrita em dia. Assumir compromissos tem
custos. É necessário cumprir com o que nos comprometemos. É isso o tento
fazer sempre.

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11 DE JULHO – Domingo
O Domingo tinha que começar pela missa em Motael. De diferente teve o
facto de o senhor padre não ser o habitual. Por esta altura do ano vem um
senhor padre timorense, bastante jovem, que se encontra em Roma a
leccionar na Faculdade de Teologia da Universidade Gregoriana de Roma. Se
alguma dúvida houvesse sobre sua a categoria intelectual, é professor
catedrático daquela faculdade. Representa sempre uma lufada de cultura,
pois já é a terceira vez que assisto a missas ditas por ele. Após a missa fui
dar uma volta de bicicleta. Segui pela marginal em direcção à praia dos
coqueiros, em direcção contrária à da praia da areia branca. É um passeio
diferente e também muito bonito. Passa-se pelo monumento ao Engº Canto
de Resende, português deportado pelos japoneses para a ilha de Calabor,
em frente à marginal, ao lado esquerdo de Ataúro. Seguem-se alguns
restaurantes típicos, a embaixada brasileira, a casa do nosso embaixador e a
futura embaixada dos Estrados Unidos. Sobre a praia podem ver-se os
vestígios dos bares improvisados que funcionam todas as noites, onde se
pode comer vários petiscos timorenses. A marginal termina sendo necessário
virar à esquerda na direcção da estrada que conduz ao aeroporto. De
interessante, ainda que estranho, é o facto de Timor, um país jovem e dos
mais pobres do mundo, ter, para além da universidade pública, cerca de
catorze ou quinze universidades privadas. Tudo isto vem a propósito de ter
passado em frente de uma delas, o IOB – Institute Of Business. É um
fenómeno que não é fácil de compreender, mas provavelmente terá alguma
explicação que me falha. De seguida fui até à rotunda que dá acesso ao
aeroporto. O objectivo era visitar o monumento que os indonésios ergueram
nesta rotunda e que constituía uma homenagem à esposa do presidente
Suarto. Hoje foi alterado tendo-lhe sido retirados os símbolos que o
identificavam com ela, nomeadamente uma imagem feminina colocada bem
lá no alto para onde jorravam água alguns anjos colocados em volta da base
do monumento. O resto da dia foi normal apenas perturbado pela falta de

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notícias sobre o novo elemento da minha família que se negou a nascer
adiando por alguns dias a vinda a este mundo que é o nosso.

12 DE JULHO – Segunda-feira
Mais uma semana que começou. A rotina diária regressa. Pela manhã a aula
de Projecto e pela tarde a de Electrotecnia II. Entre elas a ida à Internet e
depois o almoço. Terminado este, regresso ao hotel para o descanso diário.
As aulas decorreram como de costume. A paciência é uma virtude que aqui
em Timor faz muito jeito. A dificuldade que os alunos têm na compreensão
da língua portuguesa e na expressão torna a nossa vida muito complicada.
Exige muito mais esforço do que em Portugal. No entanto não deixa de ser
muito aliciante o desafio que se nos põe, todos os dias, na procura de
estratégias de transmissão de conhecimentos consentâneas com a matéria
prima que temos em presença, os alunos.

13 DE JULHO – Terça-feira
Não havendo nada de especial a registar, vou reflectir um pouco sobre os
meios de transporte em Díli. As populares microletes percorrem as ruas de
Díli sempre metendo e descarregando passageiros com uma cadência muito
acelerada. O cobrador funciona também como angariador de clientes. Antes,
durante e após as várias paragens faz gala de uma grande capacidade de
malabarismo para desempenhar as suas tarefas com eficiência. Este meio de
transporte, guiado por motoristas com muita habilidade percorrem as ruas
de Díli dando-lhe um ar pitoresco que tem a ver com as garridas cores e as
alusões à religião e aos seus agentes, que ostentam, na maior parte dos
casos na parte da frente.

91
Neste dia fiz uma visita ao Senhor Caetano com vista a concretizar a ideia de
trazermos um professor timorense, do ensino básico, a estagiário em
Portugal, com bolsa do Distrito rotário 1970.

14 DE JULHO – Quarta-feira
O dia de hoje foi um dia diferente pois foi um dia de confraternização entre
os docentes que, de algum modo, estejam ligados à cidade de Vila Real.
Fomos todos jantar ao restaurante timorense de nome Maubere. Trata-se de
um restaurante com instalações bastante boas, muito arejadas e bastante
limpas. Como é costume pois o frio aqui não aparece, tem apenas a
cobertura sendo desprovido de paredes laterais. O serviço foi bastante bom,
tendo o jantar constado de camarões grelhados de entrada seguidos de uma
caldeirada de peixe. Tudo estava muito bom. Lá estávamos os docentes da
UTAD e alguns docentes que ali estudaram e fizeram o seu curso. Estes
momentos de camaradagem são muito importantes para quem está longe
de casa. Permitem que nos conheçamos melhor e, por vezes, constituem até
verdadeiras surpresas, agradáveis normalmente. O regresso ao hotel foi
feito em cima de uma carrinha gentilmente cedida pelo dono do restaurante.
Foi um jantar que ficará, estou certo, sempre na retina de todos os que nele
participaram.

15 DE JULHO – Quinta-feira
Além da correcção dos testes de recurso de SEE II e de Máquinas Eléctricas,
dos meus alunos de Vila Real, resolvi escrever um texto para o Semanário
falando sobre o curso de Engenharia Electrotécnica e da importância que
pode ter no futuro de Timor. Pareceu-me importante aproveitar a
oportunidade que representa o facto de ser cronista permanente, já lá vão
24 textos, sem interrupção, para realçar o papel que as universidades

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portuguesas têm tido no desenvolvimento do curso. Não fossem as nossas
universidades cederem os seus docentes e não seria possível tê-los em
funcionamento. Reflecti um pouco sobre as políticas energéticas que me
parecem mais adequadas para o futuro de Timor e qual o papel que os
primeiros licenciados em electrotecnia podem representar para a sua
definição. Não basta definir políticas é preciso que sejam sustentadas e
sustentáveis. Também é muito importante quem as vai executar. É aqui que
os nossos alunos entram. Os primeiros vão ser formadas antes de Natal.
Espera-os um país dos mais pobres do mundo e onde tudo está por fazer.
Faço votos parta que os ensinamentos que os vários docentes que tiveram,
sejam aplicados no exercício da sua profissão.

16 DE JULHO – Sexta-feira
Após a visita que, na terça-feira, fiz ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,
voltei hoje a encontrar-me com o Senhor Caetano. Trata-se de um
timorense que viveu intensamente a turbulência por que passou Timor
desde os longínquos tempo0s de 2005 até hoje. Esteve preso e vive em Díli.
Trabalha no Ministério onde apoia o Ministro Ramos Horta. É membro do
Rotary Club de Díli e conhece as dificuldades e as provações por que passou
o povo timorense. >Tenho0 tido oportunidade de com ele conversar sobre
rotary e sobre Timor e no seu povo.
Neste dia fiz uma curta visita ao MAC para rever a criançada e preparar a
despedida que, em breve, vai acontecer.

17 DE JULHO – Sábado
A correspondência de Timor, textos que escrevo para a Voz de Trás-os-
Montes, ocupa uma parte dos sábados. Foi o que hoje aconteceu. No texto
desta semana escrevi sobre a importância que tem a cooperação portuguesa

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no desenvolvimento de Timor. Falei sobre um livro lançado pelo CNEFP
português, chamado “A Língua Portuguesa e as Profissões” destinado aos
trabalhadores timorenses que se encontram a fazer formação profissional.
Este pode ser um instrumento importante para que o português seja falado
por todos os timorenses já que é uma das línguas oficiais, a par do tetum,
desde jovem país. A autora pertence ao Centro de Emprego e tem
desenvolvido uma actividade muito positiva na formação profissional aqui
em Timor. Já aqui se encontra há cerca de três anos. Este livro é o fruto de
uma dedicação, sem desfalecimentos, à cooperação com Timor. Oxalá os
timorenses saibam aproveitar este e outros contributos da nossa
cooperação. O resto do dia aproveitei-o para rever fotografias da família e
das anteriores vindas a Timor. È necessário ocupar o tempo que aqui anda
pachorrentamente, a passo de caracol.

18 DE JULHO – Domingo
Ao contrário do que tem sido habitual, hoje fui à missa à Igreja de Balide.
Houve duas razões para que alterasse este meu hábito. Uma delas foi a
possibilidade de me levantar um pouco mais tarde. A outra foi a esperança
de encontrar o Padre João Felgueiras, pois tinha a informação que ele
celebra a missa dominical nesta igreja, às nove horas. À hora adequada
dirigi-me para Balide, um pouco mais longe do que a de Motael. Passa-se
pela Rádio de Timor Leste, pelas instalações de Caicoli onde os nossos
militares estiveram aquartelados e finalmente chega-se à rotunda que fica
junto ao estádio de Díli e junto ao ponto de encontro das microletes que
saem para fora da cidade. Virando à direita falta vencer cerca de uma
centena e meia de metros e damos com a linda igreja, centrada no interior
de um jardim, acedendo às escadas principais através de uma ala com
monumentos evocativos de anteriores párocos, com a particularidade de um
deles ter sido oferecido pelo último governador Abílio Soares. Simples

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casualidade, direi que acabou de ser julgado em Jacarta e condenado a três
anos de prisão a cumprir em Cipinang, onde esteve o Presidente Xanana
Gusmão. Esta condenação provavelmente será para mostrar que a justiça
funcionou. É, estou certo, apenas uma condenação de fachada para
esconder outros que serão os verdadeiros culpados das atrocidades que
foram praticadas em Timor. Na missa encontrei vários meninos e meninas a
quem estamos a pagar os estudos. É indescritível a alegria que se apodera
de mim quando sou saudado por eles com sorrisos largos, naturais,
verdadeiros. Só por isso já vale a pena o trabalho que tenho tido para dar
conta do recado nesta empreitada de bem fazer que abracei desde que
entrei para a vida de rotário. Aqui a missa termina com os senhores padres
a descer a igreja, acompanhados pelos jovens ajudantes da missa, entrando
na sacristia. O ritual que se segue é a entrada de muitos dos assistentes à
missa na sacristia para pedir a bênção aos senhores padres. Este hábito já
há muitos anos está afastado do domingo dos portugueses. Entrei e
cumprimentei, com um apertado abraço, o senhor padre. A alegria em me
ver foi muito grande. Vejo nestes gestos uma amizade que considero sincera
e que, como já escrevi noutras ocasiões, tem vindo a crescer. É de realçar a
lucidez e a jovialidade que manifesta. Fiquei a saber que este ano não irá a
Portugal o que me deixou triste e contente. Triste porque assim não poderá
ir a Vila Real falar-nos sobre a sua vida em Timor. Contente porque a
deslocação, a fazer-se, sê-lo-ia por razões de falta de saúde.

19 DE JULHO – Segunda-feira
Um dia que podia considerar-se normal não fossem os problemas que
surgiram ao fim do dia. Um grupo de ex combatentes da FRETILIN,
liderados por um antigo comandante, conhecido por L-7, manifestou-se
junto ao palácio do governo, exigindo que este se demitisse. Estas
reivindicações já vêm desde há algum tempo a esta parte, quando estes

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mesmos ex-guerrilheiros foram recebidos pelo comandante das forças
armadas. Trata-se de antigos combatentes que foram excluídos das forças
armadas regulares e que exigem condições de vida, a que pensam ter
direito pelos muitos anos que combateram, concretamente o ex guerrilheiro
L-7 durante cerca de 24 anos. A reinserção de ex combatentes na sociedade
civil é um problema que qualquer país que tenha passado por um guerra
como Timor, tem. Veja-se o que se passou em Angola, em Moçambique, na
Guiné e em tantos outros. São problemas muito difíceis de resolver e que
podem criar muitos problemas ao normal funcionamento das instituições
democraticamente instituídas. Este tipo de acontecimentos traz sempre
alguma apreensão a quem se encontra tão longe de casa como é o meu
caso e o de muitos colegas que aqui estamos em cooperação na área do
ensino superior. Pode dizer-se, no entanto, que nestes momentos difíceis
somos objecto de solidariedade pronta tanto das autoridades que aqui
representam o nosso país, como das autoridades locais. Destaco a atitude
do Senhor Reitor da UNTL que se deslocou, propositadamente à sala que
nós ocupamos para avisar que iria haver uma manifestação contra o
governo e que era mais seguro não nos deslocarmos à sala onde
habitualmente vamos “recolher” o correio electrónico. Foi o que fizemos.
Ficámos em cavaqueira no hotel onde estive esperando o tempo passar e
desejando que nada de mal acontecesse.

20 DE JULHO – Terça-feira
Depois dos acontecimentos da noite de ontem, a expectativa pelo que se
poderia passar hoje era grande. Chegado à universidade depressa vi que a
movimentação de pessoas estranhas era notória. Na sala fui informado que
a movimentação da noite anterior ia continuar. Os manifestantes investiram
para a entrada do palácio onde os esperava a polícia que usou de todos os
meios para impedir que perturbassem o normal funcionamento das

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instituições eleitas, governo e parlamento. Utilizou gases lacrimogéneos e
balas de borracha para os dissuadir de levarem em frente os seus intentos.
Foram presos alguns dos manifestantes e os restantes dispersaram. É claro
que estes acontecimentos criaram um nervosismo justificável em muitos
alunos e docentes. Algumas das aulas não funcionaram e outras decorreram
com a anormalidade própria de casos como este. De manhã dirigi-me ao
jornal Semanário para que me fossem entregues os exemplares que saíram
no período em que não estive em Timor. Fui, com o seu director, o jornalista
António Veladas, à redacção onde os recolhi. Pelo caminho foi fácil ver que
as pessoas do povo pressentem, com muita facilidade, as consequências
negativas que daí podem vir. Os estabelecimentos comerciais estavam
quase todos com as portas cerradas. Parecia uma cidade em pânico, mas
com todas as pessoas recolhidas em suas casas. Ao fim de algum tempo o
regresso à normalidade aconteceu e pela tarde já foi possível fazer uma
visita de estudo às instalações da central eléctrica da EDTL, localizada em
Comoro. Sem dúvida que foi um visita muito proveitosa e que serviu para
que os alunos sentissem o trabalhar dos geradores, os equipamentos vitais à
produção, ao transporte e à distribuição da energia que aqui se consome no
dia a dia. A visita havia sido programada para ser feita nas aulas de
Máquinas Eléctricas e de Electrotecnia II. Em boa hora isso aconteceu. O
Engenheiro Hélio Ximenes recebeu-nos com uma simpatia que é de realçar e
disponibilizou o seu tempo para explicar pormenorizadamente aos alunos
quer o funcionamento dos vários equipamentos quer as questões de índole
mais geral no que se refere às condições de exploração da central. Entre os
vários equipamentos que foram vistos e “sentidos” pelos alunos estão os
isoladores de cerâmica, os transformadores, os disjuntores, os postes, os
motores, etc. Com a abertura das instituições como a EDTL, públicas ou
privadas, às instituições de ensino superior ficam a ganhar umas e outras.
As primeiras, porque dão a conhecer o seu funcionamento, as suas
dificuldades, o alcance social dos seus serviços. As segundas, porque os

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alunos têm contacto com a realidade que vão encontrar quando um dia
ingressarem no mercado de trabalho. Foi manifesto o interesse de todos os
alunos na visita. Tiraram apontamentos e colocaram questões resultantes
dos conhecimentos teóricos que já têm, ministrados nas disciplinas referidas
e noutras que já frequentaram. Também aproveitei a oportunidade para
tomar conhecimento de alguns dados que me interessam para fundamentar
melhor os conteúdos programáticos que transmito aos meus alunos. Entre
eles está a potência da central de 17 MW que alimenta a cidade de Díli e o
corredor que se estende até Maubara, passando por Liquiçá, assim como o
que se estende até Metinaro, passando por Hera. A linha de transporte é
trifásica de 20 kV. Este nível de tensão é mais de distribuição do que de
transporte, se falarmos com rigor. A explicação do Engenheiro Hélio foi
bastante longa. Em nome de todos os alunos de Electrotecnia do curso FUP
– UNTL, de todos os docentes e dos representantes da FUP em Timor, na
minha qualidade de coordenador do curso, agradeço à EDTL, na pessoa do
seu responsável Eng.º Carvalho Rodrigues as facilidades que nos concedeu
para que a visita se fizesse. Estes agradecimentos estendem-se também ao
Eng.º Hélio, que tão bem nos atendeu e tão bem explicou aos nossos alunos
todos os pontos importantes de uma instalação deste tipo. Estou certo que
os nossos alunos saíram de lá muito mais conhecedores do tema da energia
eléctrica. Esse era o nosso objectivo que considero ter sido plenamente
atingido.

21 DE JULHO – Quarta-feira
Foi dia de confraternização entre todos os docentes que aqui se encontram
no programa de cooperação das universidades portuguesas e da UNTL –
Universi9dade Nacional de Timor Leste. Foi uma boa oportunidade para
conviver e degustar algumas iguarias confeccionadas por alguns colegas.
Tudo correu dentro da normalidade e sem exageros.

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22 DE JULHO – Quinta-feira
Hoje, durante a aula, num momento de descontração, fiz, com os meus
alunos, uma reflexão sobre o momento político timorense. Todos se
expressaram e, com maior ou menor clareza, assumiram as suas tendências
políticas que, como é óbvio e as circunstâncias exigem, não as vou divulgar.

23 DE JULHO – Sexta-feira
Hoje é o último dia de aulas. No final despedi-me dos alunos chamando-lhes
à atenção para aquilo que deve ser a sua postura perante o futuro que os
espera. Formulei desejos de que o futuro lhes sorria.

24 DE JULHO – Sábado
Um Sábado um pouco diferente do normal. Pela manhã saí do hotel em
direcção ao Instituto Camões para “ver” o correio electrónico e dar uma
vista de olhos pelos jornais “on line”. Esta é a única hipótese que temos de
ler a imprensa nacional. Devo dizer que é uma das grandes faltas a quem
está longe. A notícia em “papel” é muito mais marcante do que a online.
Sentir o papel na mão é uma sensação diferente que aqui tão longe não é
possível ter. Como não estava o responsável pela Internet não pude
consultá-la. Como a Dona Jacinta também faltou ao trabalho fiquei sem
possibilidades de actualizar o correio e as notícias. Em alternativa, e a
exemplo do que tenho feito muitas outras vezes, procurei na biblioteca do
instituto alguns livros que falassem da história de Timor, especialmente
sobre o período da 2ª guerra mundial, aquando da invasão dos japoneses. A
procura foi muito produtiva pois encontrei um livro intitulado “ Timor entre
Invasores, 1941 – 1945”. Trata-se de um trabalho final de mestrado de,
……, orientado pelo dr Medeiros Ferreira, antigo Ministro português dos
Negócios Estrangeiros. Havia já muito tempo que procurava alguma menção

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ao Padre Alberto Gonçalves, padre Jesuíta, natural da minha aldeia,
Remondes, em Trás-os-Montes. Finalmente isso hoje aconteceu. Nesse livro
refere-se o seu trajecto e a sua acção em Timor durante cerca de quarenta
anos que aqui esteve. Quando veio para Timor trouxe consigo dois irmãos.
Um deles regressou a Portugal passado algum tempo, mas o outro por aqui
continuou, constituiu aqui família e aqui passou quase toda a sua vida.
Assentou arraiais perto de Maubara, onde viveu sempre, dedicando-se à
produção de café do qual, com muita amizade e consideração, levava aos
meus pais alguns pacotes. Era, sem dúvida, um bom café com um aroma
inconfundível. Recordo com muita saudade o tempo em que era jovem,
quando ajudava a minha mãe a moer os grãos de café que ele nos oferecia.
Bons tempos esses. Este conterrâneo de que estou a falar foi um dos
fundadores da ACAIT – Associação Comercial Agrícola e Industrial de Timor.
Visitando o edifício que foi e creio que ainda é a sede desta associação,
pode ver-se uma placa onde estão gravados os nomes dos seus fundadores,
o senhor João do Nascimento Gonçalves incluído. Tive também oportunidade
de ver como aconteceu o massacre de Aileu. Ao contrário do que pensava,
foram os naturais de Timor, de um e de outro lado, que massacraram os
portugueses que ali se encontravam. Claro está que foram instigados pelos
invasores japoneses a fazê-lo.
Após terminar a segunda guerra mundial, os japoneses, a exemplo do que
ainda hoje acontece, indemnizaram os portugueses a quem tinham
destruído casas, plantações e outros bens. Ouvi muitas vezes a minha dizer
que este meu conterrâneo visitou a nossa terra poucos anos após essa data,
mostrando alguns sinais exteriores de riqueza, resultante das indemnizações
que lhe couberam.
O Padre Alberto Gonçalves regressou, nos meados dos anos cinquenta, à
sua terra natal onde foi pároco até à sua morte.
Do Instituto Camões segui para casa da Irmã Eliene a fim de combinar com
ela um encontro com alguns dos meninos e meninas do MAC, pois ainda não

100
fiz entrega de todas as encomendas que me entregaram em Portugal. Como
quero ser um “carteiro” eficiente vou Terça-feira, fazer a última entrega.
Como a Irmã Eliene regressa ao Brasil no final do ano, conversei com a
pessoa que a irá substituir. É a Drª Maria Jardim, de origem sul-africana,
casada com um colega madeirense. Foi muito bom conversarmos pois
alinhavámos algumas ideias para continuarmos com esta colaboração entre
o Rotary Club de Vila Real e o MAC. Estou certo de que vamos continuar a
ajudar muitas crianças que, de outro modo, não poderiam estudar.

25 DE JULHO – Domingo
Fui à missa a Balide, pois queria despedir-me do Padre João Felgueiras. Fi-lo
no final da missa, convicto de que regressaria de novo a esta terra.
A missa em Balide, rezada pelos Padres Felgueiras José Martins, tem uma
particularidade muito interessante que é a de a homilia e outras partes da
missa, serem feitas em Tétum e Português. Para quem como eu que poucas
palavras sei em Tétum, é muito bom. Permite-me uma assistência mais
efectiva.
De tarde fiz o meu último passeio de bicicleta à praia da Areia Branca, com
subida ao Cristo Rei para desfrutar das fantásticas vistas sobre o mar e
sobre Díli.

26 DE JULHO – Segunda-feira
Termino aqui este meu diário. Com ele pretendo deixar o meu testemunho
sobre esta terra e estas gentes que terão, para sempre, um espaço no meu
coração

101
JUNHO/JULHO - 2002
CORRESPONDÊNCIA DE TIMOR
INÍCIO DA MINHA COOPERAÇÃO COM TIMOR
Acedendo a um convite que me foi feito pela FUP – Fundação das
Universidades Portugueses, encontro-me em Timor para leccionar uma
disciplina do Curso em Engenharia Electrotécnica que começou a ser
ministrado na Universidade Nacional de Timor Lestei. Cheguei Sábado pelas
oito horas locais, depois de uma viagem de vinte e duas horas de avião, e,
as minhas primeiras impressões sobre Timor e as suas gentes são
francamente positivas. Sem dúvida que as estruturas básicas estão bastante
degradadas não só pela falta de manutenção e melhoramentos desde Abril
de 1975, mas também pelos estragos feitos durante os últimos meses de
guerra civil que ocorreu antes da realização do referendo que,
inequivocamente, demonstrou que os timorenses queriam ser um país
independente e não uma província indonésia. Há, no entanto, uma
constatação que facilmente salta à vista; a amabilidade com que os
cooperantes são recebidos por todos. Sem dúvida que é gratificante para
quem vem de tão longe ser recebido assim. O primeiro acto oficial em que
estive envolvido foi a inauguração dos cursos de Engenharias (foto dos
primeiros alunos). Estiveram presentes o Senhor Ministro da Educação e
Desportos, o Senhor Embaixador de Portugal, o Chefe da missão portuguesa
e o Senhor Reitor. A cerimónia foi feita ao ar livre no espaço fronteiro à
Universidade. Foi uma cerimónia simples que começou, a exemplo de outras
cerimónias oficiais, por uma oração de agradecimento a Deus por ter
tornado realidade o significado daquele acto. Intervieram as personalidades
referidas, sendo de realçar a informação dada pelo nosso Embaixador de

105
que foi a Câmara de Lisboa que financiou a recuperação das instalações da
Universidade.
O Senhor Ministro referiu a alegria de ver iniciarem-se as actividades
escolares no Ensino Superior tendo contribuído para tal as Universidades
portuguesas, estando nelas incluída a nossa UTAD. Realçou, em comum com
o Senhor Reitor, a presença dos docentes portugueses a quem saudou e
agradeceu o empenhamento, que já demonstraram ao estarem aqui
presentes, que espera se materialize no bom aproveitamento dos estudantes
que agora vão iniciar esta nova e decisiva etapa da sua vida. Aos alunos
incentivou-os a empenharem-se nos estudos de modo a que o esforço feito
pelo Governo de Timor e pelas Universidades portuguesas não seja em vão.

Fazendo o paralelo do que está a ser a cooperação de Portugal no âmbito do


ensino superior com o que se passou com Moçambique, a minha opinião é
de que aqui sim Portugal está com uma política de cooperação correcta e
eficaz. Além do esforço que as nossas Universidades estão a fazer, sabendo
todos nós quão apertados são os seus orçamentos, também o Governo
português tem sido bastante eficaz nessa política. Há bem poucos dias

106
saíram daqui cerca de trezentos e quarenta estudantes timorenses que irão
fazer os seus estudos nas universidades portuguesas. Em Moçambique,
durante um período bastante largo, que acabou com o desmoronamento da
União Soviética, a maior parte dos Engenheiros moçambicanos fizeram os
seus cursos aí ou em países da sua esfera de influência política. É muito
importante que os cidadãos dos novos países de língua portuguesa não
percam os laços que os unem a nós. Sem dúvida que, no futuro, constituirão
um pólo de divulgação da nossa língua e da nossa cultura. No caso de Timor
ainda há muito a fazer pois há muitos timorenses para quem a língua
portuguesa não é muito familiar. Com a iniciativa que agora se inicia muito
se espera. O curso de Língua Portuguesa destinado, em especial, a
professores do ensino básico pode constituir o início de uma nova etapa no
fim da qual se espera que, pela acção dos novos licenciados, a língua
portuguesa passe a ser mais um elo de ligação entre portugueses e
timorenses.

TIMOR – 12º ANIVERSÁRIO DO MASSACRE DE SANTA CRUZ


Quis o destino que me encontrasse em Díli no dia 12 de Novembro, dia das
comemorações do 10º Aniversário do massacre de Díli, ocorrido, como bem
se lembram, no dia 12 de Novembro de 1991. Levantei-me bem cedo e
segui, caminhando, em direcção à residência do Bispo D. Ximenes Belo. Não
foi difícil escolher o trajecto tal era a avalanche de pessoas que para lá se
dirigiam. Aí chegado, as primeiras imagens que me vieram à mente foram as
que as televisões de todo o mundo passaram aquando dos acontecimentos
sangrentos que aconteceram antes do referendo que conduziu à
independência de Timor Loro Sae.
É sem dúvida fácil constatar a importância que o Bispo D. Ximenes Belo tem
para o povo timorense. Estando este país numa zona onde a influência
muçulmana é por demais evidente, mais valor temos que dar às opções

107
religiosas tomadas pela grande maioria das pessoas que aqui residem. Cerca
de 95% dos timorenses professam a religião católica. Sem dúvida que a
acção dos representantes da Igreja católica, Bispos, Sacerdotes e todos os
leigos que com eles colaboram, muito contribuíram para que isso assim
fosse.

Pelas imagens televisivas que chegavam a Portugal, tenho presente a


ansiedade com que as pessoas esperavam pelas palavras de confiança que
estes lhes transmitiam. A exemplo do que acontece todos os Domingos, a
missa decorreu nos jardins da residência episcopal. O espaço é grande e
tranquilo. Após a missa, o povo dirigiu-se para o cemitério de Santa Cruz,
onde se encontraram com aqueles que fizeram o trajecto a partir da Igreja
de Motael. Seguiu-se uma cerimónia que teve como objectivo comemorar o
12º aniversário da morte de vários timorenses que ali se deslocaram nesse
dia a homenagear os seus familiares já falecidos. Estiveram presentes as
várias personalidades timorenses que intervieram lembrando esse dia e o
seu significado para o povo de Timor. De entre as várias intervenções
destacaram-se as de Xanana Gusmão que, a partir de um cartaz colocado à
entrada de cemitério teve palavras de esperança para todos os presentes,
saudou os familiares das vítimas e exortou, em especial os mais jovens, a

108
manterem-se unidos em torno dos ideais que presidiram à criação deste
ainda jovem País. Incentivou-os a praticarem a tolerância e a reconciliação
para com todos aqueles que não trilham os seus ideais. O Senhor Ministro
da Educação, Armindo Maia, dirigiu-se em especial aos jovens,
considerando-os como o futuro de Timor. Na ausência do Chefe da missão
da Onu, Sérgio Vieira de Melo, interveio o seu representante que historiou a
evolução do caso de Timor, referindo as várias resoluções aprovadas pelas
Nações Unidas até esse dia, sem qualquer consequência positiva para Timor.
Considerou os acontecimentos do dia 12 de Novembro de 1991 como um
marco importante e definitivo na alteração da posição da comunidade
internacional para o que aqui se passava. Foi a partir daqui que o rumo de
Timor se alterou no sentido de dar origem a um novo País, que hoje
caminha com as dificuldades inerentes a um jovem com pouco tempo de
vida, mas já com passos dados com firmeza que lhe auguram um futuro
risonho. Sem dúvida que os timorenses merecem que assim seja. A
solidariedade dos países amigos, com Portugal à cabeça, é indispensável
para criar as condições necessárias para que todos tenham uma vida com
dignidade ainda que com as dificuldades que fazem parte da vida de
qualquer país e, consequentemente, de todos os seus cidadãos. Timor vai
consegui-lo assim todos os timorenses o queiram e os países amigos lhe
sejam solidários. Portugal tem cumprido de um modo exemplar. Ainda hoje
o Ministro Mari Alkatiri realçou os acordos que fez em Lisboa para por em
funcionamento a rádio e a televisão de Timor. Dois meios de comunicação
indispensáveis ao desenvolvimento de qualquer país.

VISITA A BAUCAU
Díli estende-se por uma extensa planície encurralada pela montanha e pelo
mar. Partindo do centro temos duas alternativas: caminhar em direcção a
Becora ou em direcção a Comoro, onde se encontra situado o aeroporto,

109
cujas infra-estruturas foram completamente destruídas após o referendo.
Em direcção a Becora podemos constatar o grande número de escolas que
Díli tem à disposição dos seus alunos. Nem todas estas escolas são públicas.
Encontram-se algumas de propriedade privada nomeadamente de
instituições religiosas. Se continuarmos o passeio acompanhando a
montanha passamos por ruas com frondosas árvores que nos permitem um
contacto muito íntimo com a natureza. No trajecto temos oportunidade de
parar no monumento aos soldados portugueses da Brigada Montada mortos
durante a ocupação dos japoneses, na parte final da 2ª Guerra Mundial.
Trata-se de um monumento com um significado tão grande quanto a sua
simplicidade. Sim, porque em Timor tudo é muito simples e sóbrio. O
próximo ponto de paragem é o complexo religioso da Paróquia de Balide.

Metida no meio de um grande e lindo jardim, encontramos a Igreja em


forma de cruz, muito sóbria e espaçosa. Contíguo, encontramos o Centro
Paroquial onde se desenvolvem as actividades paralelas que fazem parte da
vida de qualquer instituição católica. Em frente à entrada principal da Igreja
podemos observar como a Administração indonésia no território de Timor

110
tudo fazia para conquistar a confiança dos timorenses; trata-se de um
pequeno monumento evocativo da 50º aniversário do Pároco de Balide,
oferecido pelo então Administrador Abílio Osório. Nem mesmo com estas
acções de persuasão, os indonésios conseguiram essa confiança. Antes de
chegarmos a Balide virando à esquerda, alguns metros adiante,
encontramos o antigo Palácio do Governador. Neste momento está sem
ocupação pois necessita de uma completa recuperação; apenas as paredes
se encontram de pé. No entanto facilmente se imagina a beleza que tinha
no tempo em que teve utilização plena. De seguida encontramos o Estádio
Municipal de Díli, construído ainda no tempo da Administração portuguesa.
O futebol é bastante popular aqui em Timor. Recentemente foi criada a
Federação de Futebol de Timor. A outros níveis a cooperação de Portugal
continua activa. Há alguns dias, com a visita do Ministro da Juventude e
Desportos, Engº José Lelo, foi inaugurado o Centro Cultural Padre António
Vieira e assinados dois protocolos na área da formação desportiva.. No que
respeita ao futebol há vários clubes que apenas necessitam de ter existência
jurídica pois na realidade estão em actividade. Só em Díli há cerca de trinta
e cinco, segundo informações do Senhor Ávila, funcionário do Hotel Dom
Aleixo, onde estive hospedado durante o primeiro mês de estadia em Díli.
Não sendo uma área prioritária para o Governo Transitório, vai decorrer
algum tempo até que o futebol e outros desportos ocupem o lugar que lhes
pertence por direito. Depois desta volta estamos de novo no ponto de
partida. Vamos agora caminhar em sentido contrário, ou seja, em direcção a
Comoro. Passamos pelo actual heliporto, outrora funcionando como um
pequeno aeroporto. De passagem encontramos as embaixadas da Austrália
e da Indonésia. É por esta saída que me desloquei à terceira cidade de
Timor, Maliana de que mais tarde lhes falarei. Hoje convido-os a sair pela
primeira vez de Díli. Vamos visitar a cidade Baucau (foto do mercado), a
cerca de duas horas de distância. A distância aqui mede-se em horas de
duração da viagem pois, salvo raras excepções, as velocidades conseguidas

111
são muito baixas pelo que é mais seguro falar em horas do que kilómetros.
A estrada segue, durante grande parte do trajecto, junto ao mar parecendo
por vezes que nele vamos mergulhar. Logo à saída encontramos, salpicando
os montes, eucaliptos autóctones que, pelo branco dos seus troncos, lhes
conferem grande beleza. A primeira localidade é Metinaro. Segue-se
Manatuto que, como todas as localidades timorenses, se encontra bastante
danificada. O monumento a Santo António, bem no alto de um pequeno
monte à saída para Baucau, é um ponto de paragem obrigatória. Ali se
chega por uma estreita e íngreme estrada de terra batida, numa extensão
de cerca de duzentos metros. Não é propriamente o monumento que
justifica esta paragem, mas sim a beleza de tudo o que dali podemos, com a
vista, alcançar. Seguindo viagem entramos numa zona com grandes
extensões de palmeiras que se estendem por alguns kilómetros ao longo de
quase todo o trajecto. Seguindo viagem encontramos Laleia que tem como
cartaz principal o facto de ser a terra de onde é natural o Comandante
Xanana Gusmão. Só por isso já se justifica uma breve paragem. A próxima
cidade é Baucau que, como acima referi, é o destino do nosso passeio. A
sua importância é agora maior pois é a segunda Diocese de Díli, presidida
pelo Bispo D. Basílio. Tem características que a distinguem de Díli como seja
o facto de não ser uma cidade assente numa planície. As ruas são inclinadas
e de traçado bastante irregular, especialmente na zona baixa da cidade. O
antigo mercado, pela sua arquitectura, é um ponto onde se deve parar.
Vamos fazer uma pequena incursão, de cerca de quarenta e cinco minutos,
caminhando em direcção a Viqueque. Detenhamos um pouco em Venilale,
antigamente designado o Reino de Venilale, onde vale a pena visitar a casa
de Santa Maria Mozarello e respectiva igreja, assim como uma Escola, de
cores bem visíveis à distância, que foi completamente recuperada pela
fábrica de relógios Swatch. Alguns minutos adiante podem ver-se os
terraços de produção de arroz, fazendo lembrar as típicas paisagens do
Vietnam. Daqui já se pode observar a imponência do monte “O Mundo

112
Perdido”, assim chamado por ser um local de abrigo de portugueses e
timorenses aquando da invasão da ilha pelos japoneses. Devido à existência
permanente de nevoeiro foi-lhes possível sobreviver à sua investida. Por
hoje terminamos a nossa conversa e na próxima quinta-feira cá estarei de
novo.

VISITA A MAUBISSE
Sair em passeio para fora de Díli implica ter de decidir entre alternativas
com um denominador comum: a beleza da paisagem timorense e a sua
diversidade. Seja qual for o trajecto escolhido teremos sempre à disposição
uma paisagem de um verde carregado e uma floresta constituída por lindas
e frondosas árvores. Podemos admirar a madre cacau assim chamada por
proteger os cafezeiros das intempéries do tempo. Das palmeiras, da teka e
dos eucaliptos autóctones já lhes falei em conversa anterior. O nosso
passeio de hoje vai ser a Maubisse, de passagem por Ailéu. Logo no início
da viagem é necessário prepararmo-nos para subir a serra que circunda Díli,
por uma estrada que faz lembrar a travessia do Marão pela estrada antiga.
O panorama que se avista do ponto mais alto é sem dúvida deslumbrante.
Pode observar-se Díli em toda a extensão e ainda o grau de destruição de
que a cidade foi alvo por parte dos indonésios quando, depois de derrotados
no referendo, abandonaram Timor. Depois de ultrapassar a montanha
desce-se e entra-se numa zona pouco acidentada. Pelo caminho podem ver-
se os melhoramentos que a Brigada de Engenheiros do Bangladesh(!) tem
feito na estrada de modo a evitar desmoronamentos de terras. Antes de
chegar a Maubisse passamos por Ailéu onde paramos para, à saída,
visitarmos um monumento muito interessante e de grande significado
histórico. Presta homenagem aos “massacrados de Ailéu em 1942”. De
seguida seguimos para Maubisse onde desde logo se avista a Pousada.
Trata-se um edifício de rés-do-chão situado no cume de um pequeno monte.

113
Serviu de instalação para o posto administrativo no tempo em que Portugal
administrou os destinos de Timor. Dos seus jardins avista-se para qualquer
lado um monte verde e salpicado de casas harmoniosamente distribuídas. É
sem dúvida um ponto de visita obrigatória. Para quem queira descansar das
agruras da vida é um lugar a recomendar pois o ar puro e o silêncio de que
se desfruta ajudam a relaxar, permitindo esquecer os momentos menos
bons que a vida nos reserva.
À pousada chega-se por uma estrada de terra batida e de difícil acesso para
um veículo que não seja de todo o terreno. No desvio para esta estrada
encontra-se o monumento ao Régulo Benavides morto pelos japoneses
durante a 2ª Guerra Mundial. Na lápide que o homenageia pode ler-se: por
Portugal contra o invasor. São palavras de um patriotismo exagerado, no
dizer de alguns, mas que traduzem a oposição que os timorenses fizeram à
invasão japonesa, sem dúvida, de consequências muito trágicas para os
timorenses. Muitos foram mortos e Díli ficou quase despovoada. Talvez por
isso o governo japonês está muito empenhado em cooperar na reconstrução
de Timor.

114
Em Maubisse visitei o aquartelamento português. Em conversa com militares
ali colocados logo ressaltou que alguns deles, quando vêm cumprir a missão
de ajudar na reconstrução em Timor, não estão bem informados sobre as
condições que os espera. É necessário, já o disse noutras ocasiões, ter não
só um pouco de aventureiro mas também possuir capacidade anímica e
moral elevada para desenvolver, seja que actividade for, em terras onde não
há cinemas, cafés, restaurantes, telefones, correios, ginásios, etc. É nestas
condições que os militares e os professores desenvolvem a sua actividade.
Por essas e por muitas outras razões tenho uma grande admiração pelo(a)s
jovens, especialmente os professores, que de Portugal vieram para terras
tão distantes das respectivas famílias, privando-se de tudo o que teriam se
não abraçassem estas causas. O seu trabalho é reconhecido pelo Ministro da
Educação através da mensagem que enviou a cada um deles por ocasião do
Natal. Com a oferta do livro “Rostos de Esperança” da autoria de José Revez
e legendado por José Jorge Letria, uma homenagem a Timor através de
fotografias de crianças timorenses, veio a seguinte mensagem: “neste Natal,
com novas perplexidades e angústias mas, simultaneamente, com renovada
esperança na vitória dos valores universais do humanismo e da
solidariedade entre os povos, é-nos muito grato saudar o grupo de
professores portugueses que em terras de Timor-Leste se empenham na
nobre e exaltante acção de difusãp da língua portuguesa e reforço dos laços
afectivos entre os dois povos irmãos. Separados pela distância que os
nossos corações unem, importa nesta quadra expressar-vos o grande
orgulho que sentimos pelo exemplo de dedicação, profissionalismo e espírito
de missão que estais a dar ao mundo. Numa quadra caracterizada pela
partilha de sentimentos como a fraternidade e a amizade, queremos, em
nome da comunidade nacional, endereçar-vos um forte abraço de estima e
reconhecimento, incentivando-vos a prosseguirem, com renovado empenho,
na construção dos alicerces duma união duradoura entre o povo português e

115
o povo de Timor-Leste, através da utilização comum da língua e dos valores
da lusofonia”.
Em Maubisse os professores vivem paredes meias com os nossos militares.
As vantagens são evidentes; têm segurança garantida e refeições fornecidas
pelo aquartelamento. Trata-se sem dúvida de uma vivência em comunidade
muito interessante. O esforço que Portugal está a fazer é de facto muito
grande. Timor não deixará de o reconhecer. A aprovação recente pela
Assembleia Constituinte da Língua Portuguesa como língua oficial, é uma
demonstração clara e inequívoca desse reconhecimento. As instalações da
Embaixada de Portugal, gentilmente cedidas pelo Governo de Transição são
outra prova. Trata-se de instalações na zona mais nobre de Díli, no Jardim
Infante D. Henrique, do lado oposto ao da antiga Intendência e junto à
antiga fazenda, ao Palácio do Governo, onde hoje funciona a UNTAET e à
ACAIT – Associação Comercial e Agrícola de Timor, onde funciona a Missão
Portuguesa, embaixada incluída.

FALANDO DE DÍLI
Díli é uma cidade situada entre duas fronteiras naturais; por um lado a
montanha, que é necessário vencer por estradas com muitas curvas e
desenhadas por entre uma vegetação bastante densa, fazendo lembrar as
curvas da antiga estrada do Marão, que tão familiar nos é a nós
transmontanos; pelo outro o mar. Iniciemos o nosso passeio partindo do
edifício onde se encontra a Missão portuguesa, no Largo Infante D.
Henrique. Logo em frente encontra-se o mar onde o navio Timor acostava
nas suas longas e rotineiras viagens entre Portugal e a então colónia
portuguesa de Timor. Como não fiz tropa não tive a possibilidade de um dia
fazer essa viagem que se prolongava por dois longos meses, com paragens
em Luanda, Lourenço Marques, agora Maputo e Beira. O navio Timor e as
suas viagens, adquiriram uma importância tal que, à época, destronaram o

116
dia, o mês e até o ano, na contagem do tempo de estada dos militares
portugueses de então, no cumprimento da sua comissão militar. Como o
Timor demorava cerca de dois meses a percorrer o trajecto Portugal-Timor,
que se repetia no regresso, a comissão militar tinha a duração de seis
barcos, o equivalente a dois longos anos. A estadia do Timor em Díli
representava uma revolução completa na cidade. Nesses dias a ACAIP, o
Palácio do Governo, contíguo, iluminavam-se, assim como a marginal e as
ruas circundantes, beneficiando da energia produzida pelos geradores do
barco.
Em frente ao local de acostagem encontra-se a sede da ACAIP – Associação
Comercial, Agrícola e Industrial de Timor, fundada em 1952. É-me muito
grato ler a placa comemorativa da sua inauguração, que se pode ver quando
se sobem as escadas que dão acesso ao primeiro andar. Da lista dos
fundadores consta um meu conterrâneo, João do Nascimento Gonçalves,
que aqui esteve durante muitos anos desenvolvendo a sua actividade
agrícola, na localidade de Maubara, dedicada à produção de café (foto).
Seguindo a marginal, para um lado encontramos, depois de percorrer
algumas centenas de metros, a igreja de Motael, nome muito popular pois
está muito ligada a tudo quanto aconteceu durante a ocupação dos
indonésios e, por um facto muito positivo e que nos deixa muito satisfeitos,
que é o de a missa ser dita em português. Se caminharmos em sentido
contrário encontramos adiante a casa do Bispo D. Ximenes Belo onde, todos
os Domingos, muita gente se junta para dar cumprimento às suas
obrigações de católico. Mais adiante, visível desde muito longe, encontra-se
o monumento ao Cristo Rei, feito pelo governo indonésio possivelmente com
o objectivo de acalmar os timorenses que, em grande maioria, professam a
religião católica.
Em Timor todos os edifícios, públicos ou privados, ligados a interesses
indonésios, foram destruídos. Esta acção destruidora deve-se, por um lado
aos militares indonésios e às milícias e por outro àqueles cidadãos

117
indonésios que nunca conseguiram identificar-se com o povo timorense e a
sua cultura tendo, em consequência, regressado às suas terras de origem, a
Ilha de Java na maior parte dos casos. Quando passei pela primeira vez
junto ao Hotel Makota, onde apenas as paredes se mantêm de pé, pois todo
o seu interior foi destruído, vieram-me à memória as terríveis imagens de
violência extrema, que ali ocorreram, perante a passividade das autoridades
indonésias, e que nos chegaram através das cadeias de televisão. Podia falar
de outros locais onde homens praticaram actos de extrema violência que
nos obrigam a reflectir. Os homens muitas vezes têm comportamentos que
não se podem admitir. É necessário que todos contribuamos para que não
voltem a acontecer, em Timor ou em qualquer outra parte do mundo.

O povo timorense, simpático e hospitaleiro, merece que lhe sejam dadas


condições que lhe permitam caminhar para o futuro com a dignidade devida
a qualquer ser humano. Aqueles que, de algum modo, contribuem para isso,

118
ou seja, que convivem com realidades como as de Timor, passam a dar
muito mais valor às comodidades de que dispõem quando confrontados com
situações de grande precariedade. Basta falar com timorenses ligados à
igreja ou a outras instituições de carácter humanitário para se concluir que
aquilo que nós consideramos falta de condições, não são nada quando
comparadas com a realidade da vida de um povo como o de Timor.
Como já referi, no edifício da ACAIP, em frente à antiga manutenção militar,
funciona a Missão portuguesa, o Instituto Camões, a Embaixada e os Adidos
de Portugal em Timor. Os docentes da FUP, onde eu me incluo, também
partilham estas instalações. É aqui que preparamos a nossa actividade
docente e daqui partimos para ministrar as aulas na Universidade, localizada
muito perto. Todos os dias cumprimos o mesmo ritual.
Se me permitem vou aproveitar esta conversa que tenho com os leitores
para falar da actividade paralela, que sempre desempenho com muito
prazer, que me é devida pelo facto de ter o privilégio e a honra de pertencer
ao Rotary Clube de Vila Real. A exemplo do que tenho feito quando me
desloco no âmbito da minha actividade profissional, uma das primeiras
acções que desenvolvi quando aqui cheguei foi saber se haveria algum
Clube Rotary em Díli. Até à data todas as indicações que tenho conduzem a
que não haja. No entanto já tive a oportunidade de ver uma carrinha com o
símbolo da Rotary International Foundation. Este facto deixou-me muito
satisfeito porque significa que os Clubes Rotários de todo o mundo estão a
contribuir para que o futuro do povo de Timor seja melhor. Na última quinta
feira esteve de visita ao Rotary Clube de Vila Real o nosso Governador. Sei
que tudo correu muito bem. Está de parabéns o nosso Clube. Aproveito
para, daqui bem longe, saudar todos os companheiros, na pessoa do nosso
Presidente, companheiro Manuel Sanfins. Aproveito também para lembrar a
todos os leitores que, a exemplo do que tem ocorrido nos últimos anos, o
Rotary Clube de Vila Real, através das esposas dos seus membros, está na
FERVIR, que decorre até ao dia 9, sensibilizando os visitantes da feira a

119
serem solidários para com aqueles que necessitam de ajuda lembrando a
todos o lema do rotário: dar de si antes de pensar em si. Os fundos
recolhidos destinam-se à APAV – Associação de Apoio à Vítima, à APPC –
Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral e à Liga dos Amigos do
Hospital, todas elas instituições que desenvolvem a sua actividade em Vila
Real. Estou confiante em que os leitores não ficarão indiferentes.

REGRESSO A TIMOR
Cá me encontro de novo em Timor a dar a minha contribuição ao país mais
jovem do Mundo. Mesmo sendo uma viagem longa, com paragens em
Londres, Singapura e Darwin, a expectativa de ver a evolução que houve
desde fins de Dezembro até hoje, ameniza todos os incómodos que essas
paragens constituem. Como primeiras impressões vê-se que alguma coisa
aconteceu durante estes seis meses. As ruas e avenidas de Díli foram
melhoradas. Em todas elas foi colocada uma camada de alcatrão que
reduziu consideravelmente o número de buracos e fez com que a circulação
automóvel se faça com mais segurança. O Hotel Makota(foto), destruído no
período de guerra civil após o referendo, foi recuperado e aí está de novo
pronto a receber quem visitar Timor. A restauração foi alargada com o
aparecimento de novos restaurantes permitindo assim uma maior e mais
seleccionada escolha. Os efectivos das Nações Unidas diminuíram num
número apreciável e restituíram à situação de desempregados alguns
milhares de timorenses. As consequências de carácter social que esta
situação implica, facilmente se podem avaliar. São de um alcance dramático
em países com o nível de pobreza como Timor. Muitas famílias que durante
os últimos 2 anos tiveram um nível de vida ainda que baixo no conceito
ocidental, elevado no contexto da região e ainda mais no contexto
timorense, vêem-se privadas do garante da sua sobrevivência. As
autoridades timorenses sabem que este e outros problemas necessitam de

120
resolução rápida e, estou certo, têm competência para procurar soluções
que amenizem o seu impacto. Estes são apenas alguns dos problemas com
que inevitavelmente serão confrontados durante o tempo que demorarão a
percorrer o caminho que os levará à condição de um país que saiba
dignificar os seus cidadãos. Foi para mim muito gratificante rever os alunos
do Curso de Engenharia Electrotécnica com que iniciei a minha experiência
de colaboração docente com Timor. O domínio que neste momento já têm
da língua portuguesa permite que o diálogo nas aulas já seja possível sem a
presença de intérprete. Este facto é resultante da conjugação do esforço
que os alunos fizeram nos últimos meses para se tornarem autónomos ao
nível da língua e da actuação dos professores de português muito bem
“comandados” pela Adida para a Educação, Drª Maria José. Portugal deve
orgulhar-se daquilo que tem feito para que Timor se consolide como país
livre e justo que, certamente, os seus governantes pretendem que venha a
ser no futuro.

Estar longe não é estar ausente. As novas tecnologias permitem que o


longe se torne perto. Para que isso aconteça é decisiva a contribuição da
televisão. A circunstância de me encontrar tão longe de casa obriga-me,
enquanto cidadão responsável, a dizer algumas palavras sobre um tema

121
que constitui uma preocupação de todos os portugueses, quer se
encontrem dentro quer fora do país. O serviço público de televisão. A RTP
Internacional constitui para os portugueses que estão fora, um elo de
ligação muito forte com a cultura e o desenrolar do dia a dia no nosso país.
Tudo o que seja feito para a preservar e até alargar, em termos de
programação, a sua intervenção, nunca é demais. Espero que os nossos
governantes saibam encontrar soluções que tenham em conta a nossa
cultura, a nossa identidade, a nossa história, os nossos costumes, etc. Se
assim for estou certo de que terão o reconhecimento de todos os que,
dentro ou fora de Portugal, a consideram indispensável ao desenrolar das
suas vidas. Acresce a isto o facto de servir de veículo de propagação da
nossa língua nos países de língua oficial portuguesa. Em Timor, onde os
representantes dos governantes indonésios tudo fizeram para a erradicar,
ainda mais importante se torna. Termino esperando que a nossa selecção
no próximo jogo com a Coreia tenha um comportamento positivo para dar
alegrias a todos nós que muito vibramos com os seus feitos.

VISITA À COSTA LESTE


O passar do tempo faz aumentar as saudades. Para amenizar as suas
consequências não há nada melhor que estar ocupado em permanência. É
isso que eu faço. O dia começa sempre pelas oito horas da manhã e
desenrola-se ininterruptamente: são as aulas, os elementos de estudo para
os alunos, as crónicas da energia, os muitos e variados trabalhos que me
impus fazer enquanto estou por cá, etc. O que resta á aproveitado para
conhecer melhor Timor e as suas gentes. Fiz, no fim-de-semana, uma
deslocação ao extremo nordeste, concretamente à Ilha de Jaco. Trata-se de
uma pequena ilha não habitada mas com praias de grande qualidade, com
a água límpida e as areias muito finas, onde se podem encontrar conchas
que são autenticas obras primas da natureza quer pela sua raridade quer

122
pela sua beleza. O acesso à ilha é feito por barco demorando cerca de 10
minutos para percorrer a distância entre a praia, a 8 quilómetros de
Tutuala, e a ilha. É um lugar que recomendo vivamente a quem tiver o
privilégio de aqui se deslocar, quer a gozar férias quer em missão de
cooperação com Timor. Os amantes do mergulho têm aqui em Timor locais
magníficos para fazerem aquilo que muito, certamente, gostam: mergulhar
em águas puras e com uma variedade grande de peixes, espécies raras
algumas delas, exóticos e coloridos quase todos. Desde Díli a Tutuala são
cerca de cinco horas de distância. A estrada até Baucau é bastante boa. O
mesmo acontece na grande parte do trajecto até Los Palos. A estrada
acompanha o mar durante grande parte do trajecto e está em qualidade
aceitável. A vegetação é linda e variada. Cabras e búfalos, uns e outros
indispensáveis à vida dos timorenses, podem observar-se em grande
quantidade.
Neste trimestre há uma contribuição extra e muito importante na ocupação
do tempo: o futebol. Apesar da desgraça que foi a nossa participação no
mundial, tem sido uma ajuda suplementar para que o tempo voe. Assisti,
com vários colegas cooperantes, primeiro no Restaurante D. Aleixo e depois
no recuperado Hotel Makota, agora Hotel Timor, aos jogos de Portugal.
Tudo começou com uma desilusão, passou por um momento de euforia e
terminou com uma grande fracasso. Refiro-me aos três jogos de Portugal:
derrota com os Estados Unidos, vitória com a Polónia e derrota com a
Coreia. Como em cada um de nós há um treinador, direi que não
compreendo como é que uma equipa com a categoria e as aspirações da
nossa, começa o jogo remetendo-se à defesa. Assim não se podem ganhar
jogos. Assim não se dão alegrias aos portugueses que tanto orgulho têm na
sua selecção.
Antes do jogo com a Polónia comparecemos à recepção oferecida pelo
nosso Embaixador nos jardins da embaixada. Foi um momento muito
agradável. Grande parte dos cooperantes portugueses estiveram presentes

123
o que permitiu trocar impressões com muitos deles, rever alguns que já não
via há algum tempo e conhecer outros que entretanto vão chegando. Como
convidados especiais estava o Presidente da República de Timor, Xanana
Gusmão e outras individualidades timorenses. O nosso embaixador usou da
palavra para lembrar a todos o significado que o dia 10 de Junho tem na
história de Portugal. Interveio também Xanana Gusmão para realçar o
orgulho que representou para ele associar-se às comemorações deste dia e
agradecer a Portugal tudo o que tem feito para que Timor construa com
segurança o seu futuro. Como bom desportista que é, fez votos para que,
no jogo a que todos a seguir íamos assistir, a nossa equipa nos desse uma
grande alegria para assim culminarem em beleza as comemorações do dia
de Portugal. Terminada a recepção, de imediato todos desapareceram.
Inevitavelmente todos se dirigiram para os locais onde habitualmente se
encontram os cooperantes e que já referi acima. Em qualquer destes locais
se vibrou com as peripécias do jogo. Os nossos jogadores portaram-se
muito bem. Embora não fazendo um grande jogo, souberam aproveitar as
oportunidades que tiveram e brindaram-se com uma vitória expressiva. Não
podíamos terminar melhor o dia 10 de Junho.

GERTIL: O SEU PAPEL NA RECONSTRUÇÃO DE TIMOR


Decorre a terceira semana de permanência em Timor. Afastada a nossa
selecção, o interesse pelo mundial diminuiu. Continua, no entanto, a ser
parte importante na ocupação do tempo. A circunstância de a nossa
selecção estar ausente permite ver os jogos com a isenção necessária e
suficiente para desfrutar da beleza que o futebol encerra. A participação em
actividades de carácter cultural e técnico são uma boa oportunidade para se
tomar conhecimento da realidade de Timor. Dando sequência a esta ideia,
assisti a duas palestras apresentadas pelo GERTIL – Grupo de Estudos para
a Reconstrução de Timor Leste, em que foram apresentadas algumas das

124
ideias que este grupo pensou para Timor. A primeira, aliás muito
interessante, versou o tema “Do trabalho ao salário”. Embora seja um tema
sem sentido para nós, para países como Timor, onde nem sempre a
trabalho está associado salário, é uma realidade. É premente criar
condições para que esta situação se altere para que a trabalho esteja
sempre associado um salário. Em Timor cerca de 75% das pessoas vivem
em condições de extrema pobreza. Dessas, cerca de 80%, sobrevivem com
cerca de meio dólar por dia. Há então que procurar soluções que
aproveitem o saber e as ferramentas existentes para que, muito
rapidamente e sem grandes investimentos, se possa dar a quem trabalha o
justo salário. É necessário quebrar o ciclo vicioso da pobreza – baixo
rendimento, baixa poupança, baixa produtividade, baixo investimento.
Aumentar a produtividade pode constituir uma boa solução para quebrar
este ciclo e passar para o ciclo de desenvolvimento. Como Timor está a
nascer como país independente, aquilo que são grandes desvantagens
podem transformar-se em vantagens importantes. Parte do zero. Com
pequenas medidas de gestão, sem recorrer à formação profissional, podem
ser criadas condições que melhorem a produtividade e consequentemente o
rendimento das pessoas que implicará um incremento na sua qualidade de
vida. A associação entre vários artesãos é uma hipótese que pode ajudar a
consegui-lo. Pode tirar-se partido daquilo que foram os erros cometidos por
outros nas mesmas condições. Como ilustração o GERTIL apresentou o
desenho de uma cadeira e uma mesa para salas de aula. Seguindo uma
estratégia muito interessante e original, para mim a mais adequada, a
cadeia e a mesa foram o resultado de contactos com os carpinteiros de
Baucau, durante cerca de um mês. Foi tido em conta o saber, as
ferramentas utilizadas e o ritmo de trabalho de cada um. Além disso, este
estudo teve outra vertente muito importante: alertar para o facto de ser
necessário preservar a floresta, altamente debilitada, e sugerir formas de
trabalho em associação.

125
No seguimento desta, realizou-se outra sobre “Os recursos naturais de
Timor”. No que aos produtos agrícolas diz respeito, existem aqui óptimas
condições para fazer culturas biológicas pois o uso fertilizantes e/ou
herbicidas é praticamente nulo. Esta circunstância pode aumentar
significativamente o rendimento dos timorenses e, em consequência, o do
estado, que assim terá mais recursos para investir em infra-estruturas que
tão necessárias são. Torna-se necessário tomar medidas no sentido de
melhorar as sementes utilizadas para que a qualidade dos produtos
aumente. Mais uma vez Portugal está a prestar uma ajuda preciosa. A
quinta Portugal, em Ailéu, está a desenvolver um trabalho experimental,
digno de realce. Várias espécies agrícolas e florestais estão a ser estudadas
no sentido de melhorar a qualidade dos produtos e dar indicações sobre os
métodos mais apropriados para o conseguir.

Os recursos energéticos foram também objecto de análise. Sendo uma área


que me é muito querida, fiz uma pequena intervenção onde dei a minha
opinião sobre aquilo que poderá ser o futuro energético de Timor. A solução
actual, recurso aos geradores alimentados a gasóleo, é uma má solução por
dois motivos: polui o ambiente e desequilibra a balança de pagamentos do
país. É um facto que as alternativas não são muitas: a hidroelectricidade
poderia ser uma delas. Tem, no entanto, dois inconvenientes – 1º o

126
assoreamento das barragens que é extremamente rápido, devido à
constituição do solo; 2º a orografia do terreno que dificultaria muito o
traçado das linhas de transmissão de energia. Outra pode ser a energia
solar. Há radiação solar suficiente. O consumidor não é muito exigente em
termos de consumo, ou seja, a potência a instalar em cada habitação seria
de valor muito baixo. Poderia ser instalado um painel solar com a respectiva
bateria de acumulação de energia, em cada uma. Quanto à energia eólica
seria necessário primeiro um estudo de medição da velocidade do vento.
Locais com condições parece que há. No entanto esbarra-se aqui com o
problema da dificuldade no estabelecimento do traçado das linhas. Esta
dificuldade “empurra-nos” para soluções que contemplem abastecimento à
muito pequena escala ou então individual. Há que agir depressa e procurar
a/as solução (ões) mais adequadas. Os governantes certamente que o
farão.

ACTIVIDADE CULTURAL EM DÍLI


A actividade cultural em Díli é muito intensa e variada. Nos últimos dias
decorreram duas conferências organizadas, uma pela Universidade de Díli
“Os Descobrimentos portugueses e a história de Timor” proferida pelo
Professor José Matoso, historiador português bem conhecido.
Uma das ideias que retive foi aquela de que os “descobrimentos não são
sinónimo de colonialismo”. Mais uma vez aqui se constata que as ideias e os
actos muitas vezes são aproveitados para fins que não têm nada a ver com
os fins que quem os idealizou e levou à prática tinha em vista. Sem dúvida
que quando se associa o colonialismo aos descobrimentos se está a cometer
grande injustiça a quem, certamente, nunca teve o colonialismo como meta.
No entanto muitos se aproveitaram das facilidades concedidas pelo
conhecimento de novas terras, novas gentes e, muito importante, novas
matérias primas.

127
Novo evento cultural aconteceu 24 e 25 no Centro Juvenil Padre António
Vieira, inaugurado em Dezembro pelo então Ministro José Lelo. O tema
principal era “Ao timorense meu amigo – Ruy Cinatti e Timor”.
Assisti ao primeiro mas ao segundo apenas assisti à parte final. As aulas e o
teste de avaliação da disciplina de que me responsabilizei não me
permitiram assistir a toda a conferência, com muita pena minha. No entanto,
pelo relato feito por quem esteve presente, pelos textos que foram
distribuídos e pelo período de tempo em que estive presente, é-me possível
transmitir aos leitores alguns dos episódios relatados por pessoas que, de
algum modo, a ele estiveram ligadas.

Rui Cinatti foi “uma personalidade fascinante e autor obra de vulto no


panorama da cultura portuguesa contemporânea”, palavras que um dos
oradores da conferência, o Padre Peter Stilwell escreveu na sua tese de
doutoramento que intitulou “A condição Humana de Rui Cinatti”. Relatou
alguns episódios da vida de Cinatti e realçou a sua personalidade,
temperamental mas de grande generosidade, que lhe permitiu ganhar a
consideração e a amizade de muitos timorenses. Na sua intervenção ficou-

128
me na retina o seguinte: a forma arredondada das casas, encimadas por
telhado de colo, parte da tradição e cultura dos timorenses, foram
substituídas, indiscriminadamente, por casas com telhado em chapa de
zinco. Esta atitude é reveladora do desprezo a que os governantes
indonésios votaram Timor e as suas gentes.
Cinatti dizia que se tinha apaixonado por Timor, “Timor prendeu-me com
cadeias de ferro”. Sem dúvida que o seu legado é a prova real de que foi
uma paixão por si assumida em todas as suas consequências.
Outro dos oradores foi Jacinto Tinoco(foto), filho do antigo Administrador
Tinoco, que falou sobre as relações entre o seu pai e Rui Cinatti. Recordou
as longas conversas que mantiveram, fruto de uma sólida amizade que
desenvolveram entre si durante os vários anos de convivência. Muitas
dessas conversas tinham por tema a censura, – Rui Cinatti convictamente
contra e o Administrador Tinoco, em situação difícil devido à sua condição
de funcionário do estado, sempre desculpando e minimizando os seus
efeitos. Um dia, ao serão, o Jacinto escutou, de ouvido encostado à porta,
uma conversa entre o pai e Cinatti em que este dizia em tom solene –
desculpas a censura mas por causa dela não podes ler o Crime do Padre
Amaro, do Eça de Queiroz, autor de que tu tanto gostas. No dia seguinte o
Jacinto foi à biblioteca do liceu procurar o livro. Tendo-o encontrado, levou-o
consigo. Descoberto o “roubo” seguiu-se a sentença natural – a expulsão do
Liceu. Um dado muito interessante que lhes posso dar é que parte da família
do Jacinto Tinoco vive na nossa cidade de Vila Real. Tive oportunidade de
conhecê-lo na minha primeira vinda, tendo-me oferecido um exemplar do
Boletim editado pela Associação Cultural de que faz parte. Nesta minha
segunda vinda já tive oportunidade de com ele trocar algumas impressões
numa das conferências de que falei na semana passada. Estas breves
referências a ele e a seu pai, são uma pequena homenagem que eu lhe
presto, pois, com a sua atenuação exemplar, dignifica também a terra dos
seus antepassados.

129
ENCONTRO COM O REITOR DA UNTL
Do programa da estadia dos docentes da FUP em Timor, neste quarto
trimestre, fez parte uma reunião com o Reitor da UNTL – Universidade
Nacional de Timor Lorosae, Professor Doutor Benjamim Corte Real, com os
decanos de departamento e com o representante da FUP, Dr. Ângelo
Ferreira. Tratou-se de uma reunião informal onde, além de ser uma boa
oportunidade para conhecer o representante máximo da UNTL, os docentes
tiveram também a oportunidade de relatar as suas experiências de
leccionação em Timor. As dificuldades apresentadas pelos alunos e
realçadas pelos docentes são muito parecidas com as que os alunos das
nossas universidades têm. Acresce, contudo, o facto de se tratar de alunos
para quem a língua mãe é outra que não a portuguesa. Sem dúvida que
este facto constitui o maior handicap para estes alunos.

As aulas de português que, em paralelo tem havido, são, sem qualquer


dúvida, importantes ainda que não suficientes para colmatar essa falha.
Talvez uma maior adequabilidade, do programa de língua portuguesa que

130
lhes é ensinado, às circunstâncias de se tratar de alunos para quem esta é
uma língua nova, seja suficiente para ultrapassar este problema. A edição de
um manual de língua portuguesa adaptado à realidade timorense, feito por
alguém que conheça a realidade cultural de Timor, pode constituir uma boa
solução. O Senhor Reitor interveio várias vezes, quase sempre no sentido de
procurar as soluções mais adequadas para que os problemas se vão
esbatendo e os alunos possam sair bem formados quer técnica quer
culturalmente para assim poderem ajudar a sua terra a caminhar no sentido
do progresso sem descurar o aspecto cultural e humano. No final seguiu-se
um jantar convívio que serviu para todos nós saborearmos alguns dos pratos
da cozinha timorense. Sem dúvida que esta iniciativa constituiu uma
oportunidade única para cimentar o bom relacionamento que,
inequivocamente, existe entre a UNTL, na pessoa do seu Reitor e Decanos
de Departamento, e a FUP. A este encontro sucedeu um outro evento onde
a cultura foi rainha. Refiro-me à festa que decorreu no dia 1 de Julho,
intitulada “Festa dos Sentidos: palavra, música & dança”, organizada pelo
curso de Formação de Professores de Português, sob a responsabilidade da
Drº Maia Elisa, professora da Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico do Porto, com o apoio do Instituto Camões, da UNTL e da FUP.
Sem dúvida que as vedetas da festa foram os alunos que, juntamente com
alguns docentes, declamaram poemas de autores bem conhecidos entre os
quais destacaria Fernando Sylvan, Jorge Lautem, João Pedro Mésseder,
Álvaro Magalhães, Vinicius de Morais, Manuel Rui e Sofia de Mello Breiner
Andresen. Sem dúvida que cantando e declamando também se aprende a
falar português. Foi muito interessante ver como é que os timorenses se
empenham para aprenderem a língua que querem que seja também sua.
No Domingo, dia 30, participei com alguns colegas portugueses numa festa
popular que decorreu na magnífica praia de Liquiçá. Assistimos à exibição de
grupos de danças tradicionais. Em algumas delas era fácil reconhecer a
influência do nosso folclore, nomeadamente o algarvio. As danças tiveram

131
como palco a terra e como tecto as folhas de uma enorme árvore que
pendiam dos seus longos ramos. De entre as várias danças destaco a
“Dança de emancipação das mulheres” de Baucau. Não podendo manifestar-
se por palavras contra a opressão que os maridos sobre elas exerciam,
faziam-no utilizando a dança e o batuque. Foi muito lindo de se ver. A festa
terminou com um almoço típico: água de coco, arroz em canas de bambu,
cabrito no espeto, etc. Esta festa teve lugar de destaque, cerca de dez
minutos, nas notícias da televisão local.
Pergunto-me se não deveria ter começado por falar na motivação principal
da minha ida a esta festa. Não tem que ver com lazer mas tem que ver, isso
sim, com acontecimentos tristes, mesmo dramáticos, que vi e muitos de vós
também viram, na televisão. Tratou-se do massacre da igreja de Liquiçá. No
seu interior, onde se tinham refugiado, fugindo da actuação de pessoas de
maus instintos, foram assassinados dezenas de homens, mulheres e crianças
timorenses que tinham em comum o amor à sua terra, aos seus costumes, à
sua cultura, à sua religião. Li há dias no Diário de Notícias um relato sobre o
julgamento de pessoas ligadas a este acontecimento. O Procurador concluiu
que houve a participação de pelo menos doze soldados e dois polícias. Já
que não é possível trazer à vida os que então morreram, ao menos que se
faça justiça e se punam os responsáveis.

VISITA AO PADRE JOÃO FELGUEIRAS


O encontro com o Padre Jesuíta João Felgueiras, natural das Caldas das
Taipas, Guimarães, estava marcado para as 16 horas na nova residência dos
Jesuítas em Díli. A expectativa era grande pois constituía a oportunidade de
me encontrar com uma pessoa que já conhecia dos meios de comunicação
social portugueses, intimamente ligado à evolução de Timor desde 1974.
Aqui chegou em 1971 e hoje, com os seus 81 anos, mostra uma boa forma
física e uma capacidade intelectual dignas de realce. Feitas as apresentações

132
de circunstância, o Padre Felgueiras relatou-nos alguns acontecimentos
trágicos, acontecidos após as eleições, como seja o assassínio de dois
sacerdotes jesuítas, um de origem alemã e outro de origem indonésia.
Personalidade culta, de um jesuíta não é de esperar outra coisa,
apresentando um grande vigor físico e uma pujança intelectual digna de
registo, correspondeu à imagem que dele tinha, depois de ter ouvido alguns
dos seus pensamentos expressos na televisão e rádio em Portugal
O convite teve como objectivo participarmos num encontro com mais de 20
senhoras timorenses que ensinavam nas escolas primárias em Díli e em
outros pontos de Timor.

O Padre Felgueiras interveio explicando qual a importância que a nossa


presença na reunião poderia ter no sentido de cimentar as relações entre
uns e outros de modo a rentabilizar a nossa presença em Timor. A sua
intervenção, simples mas de grande alcance, permitiu-nos imaginar o
quanto pessoas como ele, são responsáveis pela dignificação de povos que,
como o de Timor, tanto têm sofrido, não só fisicamente mas também
culturalmente. Retive uma afirmação sua que considero de um alcance

133
muito grande: “a cultura triplica o valor humano de qualquer pessoa”. Ora o
que aconteceu durante a invasão indonésia foi, entre outras coisas, a
aculturação dos timorenses quer não lhes dando condições de acederem à
cultura quer proibindo-os de exteriorizar os seus sentimentos e os seus
hábitos culturais.
Dando consequência ao espírito evangelizador e à capacidade que os
Jesuítas têm para espalhar cultura, o Padre Felgueiras pôs em marcha, em
1988-89 uma iniciativa que, pelas suas palavras, ultrapassa hoje as
expectativas de então. Trata-se de um FACSI – Fundo de Ajuda Caritativa
Social da Companhia de Jesus – COMUNIDADE AMIGOS DE JESUS. Estes
projectos são uma forma de o Superior Geral da Companhia de Jesus
atender e ajudar alguns trabalhos especiais, quase sempre orientados por
Jesuítas. O que ele orienta tem tido como objectivo principal a formação de
jovens timorenses. Desde a sua fundação já beneficiaram deste fundo cerca
de 3000 jovens o que, num universo como o de Timor, assume um
significado muito grande. Neste momento há jovens licenciados, oriundos de
todas as partes de Timor, que beneficiaram de bolsas que cobriam, muitas
vezes, a totalidade das despesas nas instituições de Ensino Superior ou
Politécnico. Do ponto de vista histórico é interessante recordar que, um
século atrás, os Jesuítas tiveram um projecto de desenvolvimento para as
missões de Timor, sedeado em Soibada, interior de Timor Leste. A obra do
Padre Felgueiras tem ainda em funcionamento uma escola do ensino básico,
frequentada por cerca de 450 alunos com 35 professoras. A constatação,
depois destes cerca de 10 anos de acção, é de que o ambiente de
familiaridade criado entre a obra e os seus beneficiários ultrapassa muito
aquilo que era à partida um sonho. Criou-se uma sincera e salutar amizade
entre centenas de jovens e crianças.
Foi muito gratificante participar neste encontro com as voluntárias da
Comunidade Amigos de Jesus do Padre Felgueiras. Deu-se a feliz
coincidência de, durante o nosso encontro, se fazer a despedida da

134
professora Liliana, natural de Barcelos, que terminava um curso de
Formação às professoras da Comunidade. Não foi para mim qualquer
surpresa o grau de profunda amizade que transpareceu no momento em
que se fez a despedida. Acontece com muita frequência, fruto, em minha
opinião, da grande afinidade que o povo timorense tem com o povo
português. Não creio que entre professores de outras nacionalidades e os
timorenses isso aconteça. Como homenagem ao Padre Felgueiras e à
amizade entre a Liliana e as senhoras professoras da Comunidade,
apresento um excerto de um poema escrito e lido pela professora Maria
Luísa Corte-Real. Reza assim: professora diz-me porque deixaste a tua terra
natal, deixaste a tua escola, diz-me professora porquê; professora diz-me
porque deixaste os teus queridos pais para vires para Timor, diz-me
professora porquê; eu sei professora eu sei porquê. Vieste com uma nobre
missão ao serviço de um país irmão. Já sei professora, já sei porquê; porque
um dever te chama porque o teu coração palpita por uns irmãos que
sofreram a guerra, por um Timor que por ti grita”. Assim termino.

O PADRE ALBERTO RICARDO


No âmbito da disciplina de Cultura e Línguas Timorenses, do Curso de
Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas, ministrado na Universidade de Díli
em parceria com o Instituto Camões, assisti a uma conferência do Padre
Alberto Ricardo, antigo pároco de Motael (foto) e actual Reitor do Seminário
Maior de Fatumeta – Díli. Em boa hora resolvi deslocar-me ao antigo Liceu
Francisco Machado, pois esta conferência constituiu um dos momentos mais
importantes da minha estadia, permitindo-me incrementar os meus
conhecimentos sobre a grandeza e a importância que a língua tetum, a par
da língua portuguesa, teve na união de um povo em torno da sua história.
O Padre Alberto Ricardo foi um grande resistente aos intentos dos
indonésios que passavam por introduzir a língua indonésia nos hábitos

135
religiosos dos timorenses. Sempre se opôs a esta pretensão lutando sempre
para que a missa fosse rezada em tetum e não em língua indonésia. Em
1989 era pároco de Motael e todos os comandantes militares indonésios o
conheciam bem – faziam-lhe frequentes visitas para comprovar se de facto a
língua utilizada na missa era a indonésia ou a tetum. É claro que esta
posição contrária aos interesses indonésios lhe trouxe alguns dissabores.
Considerou que o tetum é a língua materna do povo timorense pelo que
tudo o que seja feito para a expandir e divulgar deve ser apoiado. O tetum
já vem de há longos anos. Já em 1885 a 1889 um missionário português fez
um catecismo e um dicionário em tetum. Muito interessante é a opinião do
orador de que tanto a língua tetum como o povo timorense têm uma origem
da qual pouco se sabe. Apenas se sabe que já em 1970 o Bispo D. José
Rebelo, com a ajuda de seminaristas timorenses em Fátima, tentaram
traduzir a bíblia de português para tetum. Foi então que se rezaram as
primeiras missas em tetum. No entanto, com a revolução em Portugal, todo
o cenário que se começava a construir no sentido de dar a esta língua o
relevo que ela merecia, foi posto em causa.

Em 1975 passou-se a uma nova realidade política, com a invasão de Timor


pela Indonésia, seguida da imposição do wasa como língua oficial. A partir

136
daqui o tetum passou a estar em risco de desaparecer. Ciente do seu dever,
a igreja decidiu fazer frente ao invasor e a todas as consequências que essa
sua posição acarretou. Tudo fez para desenvolver o tetum, havendo mesmo
um grupo de sacerdotes timorenses que dedicaram parte do seu tempo a
fazer um missal para rezar a missa, acção aprovada pelo Vaticano. Viria a
ser a igreja a ter um papel decisivo na resistência e posterior incremento
desta língua que hoje, a par do português, é língua oficial de Timor.
Na segunda visita a Díli, na década de 80, o Núncio Apostólico de Jacarta,
participou, com alguns padres timorenses, incluindo o Padre Alberto Ricardo,
numa missa em Díli. Minutos antes de dar início à cerimónia, virou-se para o
Padre Ricardo e disse-lhe: Padre Ricardo, em Timor a missa tem que ser
rezada em tetum quer as autoridades indonésias gostem quer não gostem.
Assim aconteceu. perante a estupefacção dos indonésios presentes e o
regozijo dos timorenses. A partir deste dia o tetum passou a ser considerado
como língua oficial da igreja timorense.
Aquando da visita do Papa, muitos portugueses criticaram a sua atitude de
não beijar o solo timorense, considerando-se assim como uma atitude de
reconhecimento da soberania de Timor Leste pela Indonésia. Isso não
acontece com os timorenses. A “contrapartida” que dele receberam teve,
para eles, um valor e um significado muito superior. Na preparação da visita
papal os representantes oficiais indonésios querem que a missa seja rezada
em wasa, língua oficial indonésia. Os timorenses querem que seja rezada
em tetum. Um mês antes da visita, a Irmã Domingas, de Ermera, deslocou-
se a Roma, a pedido do Papa, onde lhe deu aulas de tetum. A expectativa
era grande aquando da primeira missa que rezou em Timor Leste, em
Tacitolo, perto de Díli. Para alegria dos timorenses o Papa iniciou a missa em
tetum perfeito. Foi o delírio de todos os timorenses presentes. Foi uma
espécie de declaração deste como língua oficial da liturgia católica em
Timor. Durante os 24 anos de resistência depressa suplantou a língua

137
indonésia, ensinada à força. O resultado desta política está à vista. De um
modo geral os timorenses não morrem de amores pelos indonésios.
No dizer do Padre Ricardo, a língua é a rampa de lançamento para
desenvolver entre as pessoas outros laços de amizade. “É preciso convencer
as pessoas de que o tetum é a sua língua, Timor Leste é dos timorenses e a
independência também. Que identifica o verdadeiro timorense. Em boa hora
o governo decidiu que as línguas oficiais são o português e o tetum. É
imperioso aperfeiçoar estas duas línguas”.
No final falou o Professor Doutor Benjamim Corte ReaL, Reitor da
Universidade de Díli. Considerou o orador como um prestigiado estudioso e
um homem com uma visão de futuro sobre Timor. Curiosa foi a afirmação
de que, em sua opinião, se tratou de uma “aula de estratégia militar em que
a igreja desempenhou o papel do General, comandando os timorenses na
defesa do tetum, na identidade de Timor e na resistência ao invasor”

DE NOVO EM FATUMACA
A exemplo do que aconteceu na primeira vez que aqui estive, desloquei-me
a Fatumaca, a uma das casas dos salesianos em Timor. Trata-se de uma
instituição que, por certo, todos conhecem, desenvolvendo a sua actividade
nos vários cantos do mundo. Para lá chegar passa-se por Baucau e, alguns
quilómetros depois, na estrada para Viqueque, em desvio para a direita,
chega-se a Fatumaca. Local aprazível, com grande actividade, onde funciona
uma escola técnica, muito bem apetrechada, um seminário e uma casa de
noviciado. Na estrada que dá acesso às instalações pode ver-se, à direita, a
gruta com Nossa Senhora e à esquerda, o monumento oferecido pelos
antigos salesianos de Portugal(foto). Além de matar saudades, levava como
incumbência uma proposta para a entrada da escola numa rede de escolas
técnicas de língua portuguesa.

138
Oxalá se concretize esta pretensão, encomendada pelo meu amigo Eng.
Castro Vide, relações internacionais do INEGI, Porto. Na impossibilidade de
deslocação do Decano de Electrotecnia, Eng. Inácio, fui acompanhado por
três jovens colegas da UNTL, os Eng.ºs Constâncio, Gabriel e Adalfredo. Foi
uma viagem muito agradável e, acima de tudo, muito importante para mim
pois permitiu-me conhecer algumas peripécias que aconteceram desde o dia
12 de Novembro de 1999, relatadas por alguns dos principais protagonistas,
os meus colegas de viagem. Ao Engº Constâncio já lhe conhecia a sua veia
de homem extremamente empenhado na causa de Timor. A admiração e
estima que por ele nutria incrementaram-se significativamente. Foi ele que,
sete dias após o 12 de Novembro, massacre de Santa Cruz, organizou, a 19,
a primeira manifestação de timorenses a estudar nas universidades
indonésias. Não foi fácil, pois partilhava a residência universitária com vários
estudantes indonésios. Para evitar que estes soubessem o que se passava,
comunicavam em Tetum e aumentavam o volume do seu transístor.
Reuniram cerca de 70 estudantes naquele que foi o primeiro abanão na
política de Suharto para Timor Leste. Conseguiu escapar à polícia indonésia,
o mesmo não acontecendo com os restantes, que foram condenados por
períodos que foram de 15 dias a 10 anos. A esta manifestação seguiram-se
outras das quais sempre escapava, pois tinha um feeling no momento certo
que lhe dizia para fugir. Invariavelmente, passados alguns instantes, a
polícia aparecia. Dizia ele que era o São Gabriel Arcanjo que o protegia e o
levava debaixo das suas asas. Nunca foi preso, estando no entanto, sempre
na linha da frente. A vida destes três colegas e companheiros de viagem
começou no longínquo ano de 1975, logo após a invasão de Timor pela
Indonésia.
A exemplo do que aconteceu com muita gente, alguns relativamente jovens,
como é o seu caso, fugiram para as montanhas para esclarecer,
politicamente, s pessoas. O local de paragem variava muito. Durante cerca
de quatro anos, até 1979, aí se mantiveram. Abandonaram a montanha na

139
convicção de que as pessoas a partir daí estavam preparadas para resistir,
em todos os aspectos, à investida dos indonésios. Pelo presente parece-me
que a sua tarefa foi coroada de êxito. Típico de regimes de ditadura é o
facto de serem banidos dos cargos públicos, ou ser vedado o acesso a eles,
a pessoas com determinados apelidos. Qualquer timorense de apelido Belo,
Gusmão ou Lobato era eliminado em qualquer concurso de instituições do
estado. É claro que, astuto como é, e na ausência de bilhete de identidade,
o povo timorense depressa se encarregou de eliminar esses apelidos.

Em Fatumaca tive o prazer de rever o Diácono Baltazar, natural de Genísio,


Miranda do Douro, a passar férias em Portugal. Está em Timor há cerca de
trinta e um anos.
Tive também oportunidade de cumprimentar o Irmão Carlo Gambina,
italiano de Torino, bem como o Irmão Marçal Lopes. No regresso a Díli
passámos pela terra natal do Bispo Ximenes Belo, Bukoli, onde ainda se
pode ver a estrutura de um antigo colégio onde ensinou seu pai. Era
também natural desta terra Vicente Reis Sáhe, professor de Xanana Gusmão
e que, certamente, teve influência na sua formação, vincadamente
democrata e humanista. Em jeito de ilustração relato um pequeno mas
significativo episódio, bem demonstrativo da grandeza que caracteriza o

140
Presidente Xanana. Na companhia de um colega cruzámo-nos com ele
quando saía da casa onde se vai instalar a sede da Associação dos Antigos
resistentes. Ao entrar para a viatura esboçou um sorriso franco e familiar
parecendo que éramos amigos de longa data.

VISITA A AINARO E AO RAMELAU


Foi aquilo a que se chama um fim-de-semana bem passado. Sábado pela
manhã saímos de Díli, tendo como destino final o Monte Ramelau. Aileu foi a
primeira paragem. O monumento aos mártires do massacre perpetrado
pelos militares japoneses aquando da invasão de Timor na 2ª Guerra
Mundial, constituiu o primeiro momento de descontracção. Trata-se de um
monumento recentemente restaurado pelas tropas portuguesas a prestar
serviço em Timor. É formado por várias campas dedicadas a militares e civis
portugueses que então aí se encontravam. Seguindo em direcção ao destino
traçado surgiu, uma hora depois, Maubisse, onde é obrigatória uma
paragem na praça principal para visitar o monumento de homenagem ao
Régulo Fonseca Benevides também sacrificado pelo amor a Portugal,
claramente traduzido pela placa aí colocada aí colocada e onde se pode ler:
por Portugal contra o invasor. Uma subida à Pousada tem que fazer parte de
qualquer roteiro turístico que englobe esta cidade. Trata-se de uma
estrutura hoteleira instalada num antigo posto administrativo do tempo da
administração portuguesa. De lá pode ver-se, a toda a volta, a encosta
serpenteada por casas típicas timorenses metidas entre as árvores de várias
espécies. É sem dúvida um local onde se pode descansar e onde se sente
uma paz interior dificilmente traduzível por palavras. Como é costume, e
pela segunda vez, inscrevi o meu nome no livro posto à disposição dos
visitantes. Foi aberto pelo representante das Nações Unidas, Sérgio Vieira de
Melo, e nele muitas pessoas famosas, como o jornalista australiano Max
Stall, deixaram a sua mensagem que, maioritariamente, destacam a beleza e

141
a sua privilegiada localização. A curiosidade natural levou-me a desfolhar o
livro. Ocupando uma folha inteira e, possivelmente impulsionado pela raiva
que lhe ia no seu interior, alguém escreveu: ao meu pai barbaramente
assassinado neste local no ano de 1975.
A viagem seguiu em direcção a Ainaro. A exemplo do que acontece com
quase todas as localidades timorenses, fica numa planície com montes em
volta. Sem dúvida que é das localidades de que mais gostei. As razões não
serão devido à sua beleza natural ou ao facto de ser bem arejada e com as
ruas bem desenhadas e enquadradas. Foi aqui que nasceu o Régulo Aleixo
Corte Real, sem dúvida uma das pessoas mais importantes e carismáticas de
Timor. Foi executado pelos japoneses, com vários elementos da sua família
e com outros cidadãos portugueses, entre os quais dois padres católicos. A
não abdicação do estatuto de cidadão português e a recusa de submissão ao
exército japonês foram os pecados que justificaram a sua execução.
Portugal prestou-lhe uma justa e merecida homenagem erigindo um
monumento em sua memória, instalado na zona central da cidade

142
Ainaro é uma cidade em crescimento, beneficiando da existência do Pré
Seminário São Luís Gonzaga, onde os candidatos a padres começam a sua
preparação. Muito interessante é a capela dedicada a Nossa Senhora de
Fátima (foto), construída em 1951, aquando da visita a Timor, da sua
imagem.
A paisagem desde Maubisse até Ainaro é deslumbrante. Lembra muito as
paisagens da Suiça ou Áustria. A estrada, a exemplo de quase todas as
outras de Timor, é bastante sinuosa e tem que ser percorrida com a máxima
atenção. A beleza compensa o esforço e os abanões a que se está sujeito.
Antes de chegar a Maubisse, vindo de Ainaro, é necessário virar à esquerda,
seguindo por uma estrada por onde só de jipe se pode circular. Os cerca de
18 km até à pousada de Hato Builico, demoram uma hora e trinta minutos o
que dá uma média de 2,5 km por hora. A estrada desenvolve-se toda em
altitudes entre 1850 m e 2100 m. Passa por várias aldeias onde a actividade
agrícola é muito favorecida pelas qualidades naturais do solo e pela
abundante água que corre pelos vários ribeiros existentes. A subida ao pico
do Ramelau deve ser feita à noite, com consequente dormida lá no alto, ou
então muito cedo. A ideia é assistir ao nascer do sol, a cerca de 2880 m. O
local de estacionamento do jipe está a cerca de 650m do pico. Antes de
começar a subida parece uma tarefa muito fácil. Ao fim de uma hora de
caminhada muitos daqueles que, como eu, não dedicam parte do seu tempo
ao exercício físico, depressa chegam à conclusão que a tarefa da subida
afinal é muito difícil e complicada. A mim só me restou a opção de desistir e
fazer, num futuro próximo e depois de uns tempos de treino, uma nova
tentativa. Mesmo assim pude desfrutar de uma panorâmica simplesmente
deslumbrante que a vista alcança. O meu insucesso foi compensado pelas
novas tecnologias que me “puseram” no alto mesmo sem lá chegar.

143
JUNHO/JULHO – 2003
CORRESPONDÊNCIA DE TIMOR
REUNIÃO NO ROTARY CLUB DE DÍLI
Como é que os nossos antepassados conseguiram chegar a terras tão
longínquas como Timor? Faz todo o sentido pôr esta questão e render
homenagem a mais este feito dos portugueses. Com os meios de transporte
de que hoje dispomos são cerca de 22 a 23 horas de permanência no
interior do avião. Se juntarmos o tempo passado no aeroporto podemos
contar que de 27 a 28 horas não nos livramos. A tudo isto acresce a
diferença de fusos horários e a viagem percorre duas noites. Saindo Sexta
ao princípio da tarde chegar-se-á a Díli, na hipótese mais rápida, no
Domingo pelas 9 ou 10 horas da manhã. Como a minha viagem foi feita por
Sidney teve o acréscimo de mais 8 horas no interior do avião.
Chegado a Díli, depois dos procedimentos alfandegários normais, com a
novidade do pagamento de um visto, passei, sem grandes demoras, os
vários passos legais e depressa me encontrei no hall fronteiro à porta de
saída.
Dili não mudou muito desde há um ano para cá. As diferenças situam-se,
essencialmente, nos edifícios que foram destruídos em Dezembro passado.
De resto está tudo na mesma. Nota-se um ambiente muito calmo, indiciador
de que se pode desenvolver a actividade da docência com calma e com
confiança de que tudo correrá bem.
Neste primeiro contacto, para lá destas primeiras impressões, vou dedicar a
minha atenção à minha qualidade de elemento do Rotary Clube de Vila Real.
Mandam os preceitos rotários que qualquer membro de um clube pode
(deve?) comparecer às reuniões de outro clube em qualquer país do mundo
onde se encontre. Sabedor, desde há algum tempo, da formação do clube
de Díli, depressa tentei saber onde eram feitas as reuniões semanais. Depois

147
de consultar o hotel Timor dirigi-me, por indicação de alguém deste, ao
hotel Turismo, junto à marginal e logo depois da casa do Bispo D. Ximenes
Belo, quando caminhamos do centro de Dili em direcção ao Cristo Rei.

Pelas 18H30m cheguei ao hotel onde, desde logo, notei a presença de um


companheiro brasileiro que, depois de com ele entabular conversa, soube
ser do Rotary Clube de Ipanema, Rio de Janeiro, Osvaldo Raimundo de seu
nome. Como a língua preponderante era o inglês facilmente me familiarizei
com ele e com o companheiro Câncio, um dos três timorenses do clube. A
reunião foi muito interessante e decorreu, apesar de se tratar de um clube
jovem, de acordo com as normas próprias do movimento rotário. É muito
gratificante constatar que pertencer a este movimento ajuda a transpor
muitas barreiras. O espírito de solidariedade torna-se muito importante, diria
que, muitas vezes, decisivo, para nos ajudar a vencer a saudade de todos os
que nos são queridos. Ocupei um lugar entre os dois companheiros de
língua portuguesa, o brasileiro e o timorense, muito perto da companheira
que presidiu à reunião, a vice-presidente em substituição do presidente,
ausente em Sidney, na Convenção Rotária Mundial. Após a apresentação
rotária foi-me oferecida uma flâmula do Rotary Clube de Díli que, no meu
regresso, entregarei ao presidente do meu clube. O companheiro Osvaldo

148
Raimundo, com o calor humano que caracteriza qualquer cidadão do país
irmão, entregou-me, como homenagem ao nosso encontro e ao Clube de
Vila Real, um poema que a seguir transcrevo:
Timor, Timor, quando voltarei
Se nem sei se irei ou se voltarei....
Longe de tudo, perto de ti, cá estou Timor.
Vivendo tua vida, de novo, teu povo, os gemidos, heróicos gemidos, de teus
mortos da resistência e o canto lindo, lindo canto de teus filhos cantantes e
amigos.
Timor, Timor quanto tempo demorei para conhecer-te e o mundo estava
inerte e omisso diante da tua dor e do teu chorar distante.
Agora cantas ó Timor, enquanto ouvindo o teu canto, curto uma saudade
imensa do meu Brasil e a tristeza antecipada, já agora, por te deixar mais
uma vez, chorando por ti Timor, Timor, Timor, por te deixar Timor!
A transcrição deste poema é, também, uma homenagem, bem merecida,
que eu presto ao Rotary Clube de Ipanema, na pessoa do Óscar. Termino
com satisfação acrescida pelo facto de ter recebido a visita de alguns
companheiros de Portugal, entre os quais o companheiro Manuel Cardona e
esposa. A minha presença no aeroporto foi, para eles, motivo de grande
alegria. O movimento rotário permite estes encontros em terras tão
distantes mas que muito dizem a todos nós portugueses.

O ROTARY CLUB DE JARNAC EM VILA REAL


Fui surpreendido, já em Timor, pela realização de um cerimónia realizada no
passado dia 30 de Maio no Rotary Clube de Vila Real, aquando da visita do
Clube de Jarnac, França, Clube gémeo do de Vila Real. Como nessa ocasião
fui alvo de uma homenagem gostava de, com a permissão de quem me lê, a
ela dedicar alguns parágrafos desta minha escrita semanal e feita de tão
longe.

149
Logo após a minha entrada no movimento rotário, já lá vão 3 anos, tive a
sorte de ser incumbido da tarefa de fazer a ligação com o Clube de Jarnac
no sentido de levar a cabo a realização de um projecto, muito interessante e
ambicioso, que consistia na implementação de infra-estruturas para práticas
desportivas num bairro de Maputo, na paróquia do Bom Pastor, em terreno
cedido pelos Salesianos. Os primeiros contactos a partir de Jarnac foram
feitos por um companheiro, Bruno Martin, que desde logo vi tratar-se de
uma pessoa muito dinâmica, determinada, persistente e de trato
extremamente correcto e afável. Como devem imaginar a minha tarefa ficou
desde logo facilitada. A pedido do Bruno Martin fiz os primeiros contactos
em Maputo com a Veronique, cooperante francesa de uma organização não
governamental, no sentido de o clube de Maputo ser nosso parceiro local.
Por impossibilidade deste, escolhemos o Clube da Matola, que logo agarrou
a ideia com toda a determinação.

A sua aprovação pela Rotary Foundation, há cerca de um mês, deixou-nos a


todos muito satisfeitos, por podermos dar consequência aos objectivos do
movimento rotário, ser solidário e ajudar quem precisa. Com este projecto,
que o companheiro Bruno Martin gostaria que estivesse pronto antes da
época das chuvas em Moçambique, muitos jovens passam a ter condições

150
mínimas para praticar desporto e assim ocuparem os seus tempos livres da
melhor maneira.
Para nós, Rotary Clube de Vila Real, este projecto é ainda mais gratificante
porque a pessoa de contacto em Maputo é o Padre José Duro, natural do
concelho de Vila Real.
A sua implementação só é possível graças ao empenho de outros clubes
portugueses (Algés, Póvoa de Varzim, Vila da Feira, Guimarães, Figueira da
Foz) e de França (Angouleme, Jonzac, Nord-Blayais L’Isle Jourdain).
Por cumprir, na opinião do meu companheiro e, porque não, amigo, Bruno
Martin, os meus deveres de rotário, fui feito Membre d’Honeur do seu clube,
Rotary Clube de Jarnac. Esta distinção dá-me mais força para me empenhar
ainda mais naquilo que tenho feito. Tudo farei para honrá-la.
Daqui para o futuro, tudo o que fizer, sê-lo-á, também, em nome deste que
passará também a ser o meu clube. Espero que todos os companheiros de
Jarnac se tenham sentido em Vila Real como em sua casa. Tive muita pena
não estar presente. A presença da minha esposa foi, certamente, uma
demonstração do meu respeito e da minha gratidão por este acto. Em seu
nome e em meu próprio, agradeço a todos esta homenagem, sobre a qual
falo porque a considero também como homenagem ao Rotary Clube de Vil
Real, que tem vindo a dar passos firmes no sentido de, por um lado, honrar
o seu passado e por outro, tornar-se cada vez mais útil aos mais
desfavorecidos, através das acções que tem levado a cabo ano após ano.
Daqui de longe dou os meus parabéns a todos quantos fazem parte deste
clube, na pessoa do seu Presidente, Fernando Martins. O crescente
dinamismo que tem caracterizado a actuação do clube nos últimos anos,
demonstra que tem havido uma correcta filosofia de admissão de novos
membros e, ao mesmo tempo, um melhor aproveitamento das capacidades
de cada um.

151
RAÍZES DE TIMOR – EVENTO CULTURAL EM DÍLI
No dia 25 de Junho, a RDP – Rádio Difusão Portuguesa, secção de Díli,
organizou, em conjunto com a INDE – Intercooperaçao e Desenvolvimento,
um evento cultural que denominou de “Raízes de Timor”. A RDP tem
desempenhado um papel muito importante no consolidar da cooperação que
Portugal tem tido com Timor. Se há quem duvide da importância do estatuto
de serviço publico que lhe é atribuído, que venha a Timor e acompanhe tudo
o que nesta linda e longínqua terra tem feito. Tenho tido o privilégio de
acompanhar os seus passos, firmes e convictos, desde Novembro de 2001,
ainda que com grandes intervalos pelo meio, e posso testemunhar quão
importante é para quem está longe da sua casa e dos que lhe são mais
queridos, existir um elo de ligação como a RDP tem sido aqui. Aproveitando
a estadia de muitos professores portugueses tem, desde há algum tempo,
um programa diário, das 10H00 às 12H00, de Segunda a Sexta Feira, com o
sugestivo e forte título de “Conversas em Português”, da autoria das
Professoras Ana Olívia e Selma Silva. Todos os dias estas cooperantes
portuguesas dão parte do seu tempo à causa da divulgação da língua, da
música e dos costumes portugueses. Exemplos destes devem ser divulgados
e reconhecer-lhe, dando-lhe consequência, o papel importantíssimo que têm
na ajuda aos timorenses para aprender, relembrar ou melhorar a língua que,
a par do Tetum, é a língua oficial deste jovem e sofrido país. Não esqueço
que uma das várias pessoas que foram entrevistadas durante o evento,
Ângela Carrascalão, considerou mesmo que “a língua portuguesa deve ser o
veículo que conduzirá os timorenses ao progresso”. António Veladas,
conhecedor do Timor profundo e sentido, responsável pela delegação da
RDP em Díli e a quem se deve tudo o que esta aqui tem feito,
confidenciava-me, com grande alegria, convicção e esperança, que é
necessário que “a língua timorense e a língua portuguesa caminhem lado a
lado, de mãos dadas”. Assim darão mais força ao povo de Timor para atingir
o progresso e o bem-estar.

152
Também é de realçar o papel que as ONG – Organizações Não
Governamentais Portuguesas, têm tido no implementar da política de
cooperação, em meu entender exemplar, que o Estado português tem
delineado para Timor, país que hoje está tão perto de nós ao contrário do
que acontecia em tempos longínquos. A atestar isto está a observação que
há dias uma cidadã australiana, ligada à Caritas, me fez quando, passando
pelo City Café, lhe disse que era ali que muitos portugueses se encontram
para conversar e matar saudades de Portugal. Secamente disse-me que
agora se vêem muitos, ao contrário de outros tempos. Mais vale tarde que
nunca. Hoje a cooperação que Portugal está a desenvolver deve orgulhar
qualquer português. Dando consequência aos objectivos que tem em vista, a
INDE tem desenvolvido vários trabalhos em Timor sendo este, divulgação do
folclore timorense, um deles.

As actuações dos grupos folclóricos começaram bem cedo, pelas oito horas,
no hall exterior da sede de Díli da RDP. Vieram de várias localidades
timorenses, Bobonaro, Los Palos, Liquiçá e Maubara. Das várias canções e
danças a que assisti, durante cerca de quatro horas, juntamente com muitas
outras pessoas, com o mesmo entusiasmo desde o início até ao fim, vou
destacar algumas ainda que esta escolha seja uma tarefa difícil.

153
O grupo de Los Palos cantou e dançou duas canções de um significado
profundo para um povo que dá os primeiros passos no sentido da
consolidação da independência, do caminho do progresso e da criação de
condições de vida digna de todos os seus cidadãos. Uma intitulava-se
“canção da independência” e transmitia a mensagem de que “Timor já é um
país independente e vamos todos trabalhar para que o seja para sempre”. A
outra, “canção da bandeira”, dizia que “a bandeira de Timor já está içada.
Vamos todos respeitá-la e vamos olhar para ela com honra e admiração”.
Da actuação do grupo de Liquiçá merecem destaque duas canções: boas
vindas ao Governador e tarabando. A primeira, talvez aquela que mais fundo
me tocou, relata a visita do Governador português de Timor ao Suco
(freguesia) e a maneira calorosa como era recebido. As prendas mais
variadas eram-lhe oferecidas. A mama, massa que se faz na boca
mastigando folhas de betel, um pedaço de areca e um pouco de cal, tinha
presença assegurada.
A outra canção, tarabando, é um chamamento à conservação do meio
ambiente. Fala da proibição de colher frutos fora de tempo e da necessidade
de tratar bem todas as árvores e plantas.
A cultura e o folclore de Timor são tão ricos que continuaríamos desfilando
canções e danças em páginas sucessivas de palavras, mais ou menos
rebuscadas, sem esgotarmos o rol. Vou terminar por hoje referindo uma
outra dança do grupo de Los Palos que muito nos diz, a nós, rotários
portugueses. Trata-se de uma canção sobre a construção das casas
tradicionais de Los Palos. Nela se apela à unidade, pois cantando se junta
gente e em conjunto se fazem mais e melhores casas. Um fio azul ao qual
todos se agarram, simboliza a união de todos na prossecução do objectivo
que é a construção da casa. Para os meus leitores direi que o movimento
rotário português, no dia 7 de Junho, inaugurou duas destas casas
tradicionais completamente recuperadas com dinheiro angariado em
Portugal.

154
PRIMEIRA VISITA AO MAC – MOVIMENTO DE ADOLESCENTES E
CRIANÇAS
Plante sementes de amor é o lema do movimento rotário para este ano. Tão
importante como plantar sementes é criar condições para que aquelas que
já nasceram germinem com vigor suficiente para enfrentar as dificuldades
que a vida lhes colocará no dia a dia. Vem isto a propósito do trabalho que
as Irmãs Elliene e Francisca, brasileiras de nascimento, tem desenvolvido em
Timor desde há dois anos e meio para cá. Ambas pertencem à Congregação
das Irmãs Dominicanas de Nossa Senhora do Rosário de Monteils. São
trabalhos em áreas distintas: formação profissional de técnicos timorenses e
ocupação dos tempos livres das crianças. Aquando do nosso encontro no
Rotary Clube de Díli, o companheiro de Ipanema Osvaldo teve a feliz ideia
de me sugerir que me inteirasse do trabalho que elas estão a desenvolver.
Foi o que fiz. Numa primeira visita de imediato vislumbrei o alcance enorme,
do ponto de vista social, do trabalho que as Irmãs desenvolvem. Visitei as
instalações onde a Irmã Francisca pretende pôr em prática as suas ideias:
ministrar em simultâneo 4 cursos de formação profissional, com a duração
de cinco meses cada um. As áreas cobertas são a panificação, a costura, a
computação e a electricidade. Dar mais dignidade à vida de algumas famílias
é o principal objectivo destes cursos. Que imaginação é necessário ter para,
num espaço tão pequeno, implementar ideias de alcance social tão grande.
O trabalho desenvolvido pela Irmã Elliene tem como principal objectivo
ocupar os tempos livres das crianças e dar-lhes voz para poderem fazer
ouvir os seus anseios e as suas mágoas, entre outras o não reconhecimento
dos seus direitos. MAC – Grupo Crianças Unidas, Movimento de Adolescentes
e Crianças, assim se chama o movimento por ela liderado.
Em segunda visita que fiz ao MAC, fui acompanhado da minha amiga Bia,
vila-realense tal como eu, que me confessou ter ficado deslumbrada e
positivamente surpreendida com a alegria e o entusiasmo com que fomos
recebidos por todas as crianças. Depois de uma canção de boas vindas, a

155
Irmã Elliene deu a palavra às crianças que, com um ritmo bem célere, nos
comunicaram o constante atropelo e o não reconhecimento dos seus
direitos. Sem excepção, todas elas exteriorizaram a mágoa que sentem por
isso. A começar pelos pais e a acabar nos professores timorenses, todos
contribuem para que elas não tenham o tratamento que lhes é devido.

A Clarisse que “quer um Timor melhor, que todos os timorenses sejam


unidos e dêem as mãos”; o Natalino que diz que os professores “batem para
educar e pergunta se nós concordamos com este tipo de educação”; a
Suzete que falou do problema que por vezes invade as famílias quando os
pais são de partidos políticos diferentes, situação que se passa em sua
casa”; a Paula que pede “para que o governo olhe para as crianças que
trabalham na rua, na venda de produtor vários, que ponha as escolas
gratuitas para todos”; a Jaquelina que se diz “muito contente com a
conquista da independência mas muito triste pela situação de fome que se
está a viver, pelas crianças que não vão à escola porque precisam de
trabalhar”; a Solange e a Hermínia que falaram do “programa de rádio que
todos fazem para a Rádio Timor Leste onde cantam, dançam, fazem
entrevistas, etc.”; a Augusta que diz que “as crianças lutam pelos seus

156
direitos e que os adultos não as respeitam”; a Mónica que fala na “carta dos
seus direitos e que os professores timorenses os castigam por no programa
de rádio chamarem à atenção da violência que é exercida sobre eles”; o
Maximino que agradeceu, em nome de todos, a nossa presença, frisando
que “quer aprender connosco e, (porque não?) ensinar-nos tudo o que ele
sabe” da vida difícil e madrasta que muitas crianças têm em muitas partes
do mundo. A Estefânia, a Júlia, o Avelino e tantos outros que, diariamente,
comparecem voluntariamente, com a alegria de quem vai para um local
onde os seus direitos lhe são reconhecidos, podem fazer ouvir a sua voz e
onde eles são o pólo de todas as atenções da Irmã Elliene e da Cármen,
professora portuguesa a trabalhar para o Instituto Camões que, do tempo
que rouba aos seus tempos livres, dá apoio na tarefa de ocupar e ensinar a
língua portuguesa a todas estas crianças.
Tudo isto que lhes estou a contar deve-se à minha condição de membro do
Rotary Clube de Vila Real. É nisto que entronca a grandeza destes
movimentos. Fazer bem sem olhar a quem, é lema do movimento rotário
que tem um alcance universal. Nesse espírito vamos procurar boas vontades
no sentido de arranjar padrinhos para estas crianças. As responsabilidades
são as inerentes ao papel de padrinho nomeadamente assegurar a
frequência da escola. A contrapartida é enorme: o amor de crianças que
muito têm para dar.

VISITA À ESCOLA AMIGOS DE JESUS


A Escola de Santo Inácio, Amigos de Jesus, não dirá muito aqueles que me
lêem. No entanto se lhes disser que se trata da escola do Padre João
Felgueiras a situação, por certo, se altera. Quem não conhece este padre
jesuíta que, apesar dos seus oitenta e tal anos de idade, mantém uma
lucidez de espírito e uma fluência no pensamento que provoca inveja a
muitos? E a sua obra em Timor? Desde há 32 anos, começando em Soibada,

157
luta pela dignificação dos timorenses, dando-lhes oportunidades de se
apetrecharem cultural e tecnicamente, através da criação de bolsas que já
permitiram que, sem exagero, alguns milhares de rapazes e raparigas
estudassem, para assim poderem ter melhores condições de vida na
companhia dos seus familiares.
Com muito gosto visitei esta escola, cuja existência conhecia desde o ano
passado. Trata-se de instalações provisórias que, tão depressa quanto o
Padre Felgueiras consiga reunir os meios financeiros necessários, passará a
funcionar em terreno contíguo à casa dos jesuítas, já adquirido para o efeito
e com projecto de arquitectura aprovado. A minha visita, na companhia da
colega Fátima, bem conhecedora das iniciativas do Padre Joao Felgueiras,
provocou, naturalmente, o alvoroço de toda a pequenada. Comentava a
minha colega que “os miúdos são iguais em todo o lado”: a mesmo
vivacidade, o mesmo entusiasmo, o mesmo olhar penetrante e denunciador
das privacidades que muitos passam, mas também da esperança num futuro
melhor.
A escola actual é composta por 6 salas, construídas em madeira, abertas
lateralmente, com todos os inconvenientes que isso implica a começar pela
falta de privacidade de alunos e professoras. Em cada turma há entre 30 e
40 alunos que vêm, diariamente, dos vários bairros de Díli. O terreno é
cedido gratuitamente por um cidadão a viver na Austrália. Num país onde o
ensino não é ainda gratuito, muitas destas crianças não teriam a
oportunidade de aprender a ler e a escrever se não existissem escolas como
esta. Além da tarefa de ensinar, aqui aprendem os seus direitos que, como
já mais de uma vez escrevi, são constantemente atropelados.
Tem 20 Professoras, 12 a trabalhar exclusivamente aqui, num regime
denominado de voluntariado, e 9 são professoras do estado. A directora é a
Professora Maria de Fátima Corte Real, professora do Ensino Oficial. Este é
um requisito a que as escolas particulares têm que obedecer para poderem
funcionar: a Directora tem que ser professora do Ensino Oficial.

158
Está estabelecido um funcionamento por turnos, um entre as 7H30m e as
10H30m, para o 1º e 2º Ciclo, outro entre as 7H30m e as 12H30m, para o
6º Ano e, finalmente, um terceiro entre as 10H30m e as 15H00m

As Senhoras Professoras contavam-nos, com a satisfação do dever cumprido


bem estampada no rosto, que os seus alunos, nas provas finais já
realizadas, obtiveram muito boas classificações destacando-se o Português e
a Religião e Moral. Aliás o Português foi a disciplina onde os resultados
foram melhores ao nível das várias escolas de Díli. A escola de Santo Inácio
representa a capacidade empreendedora das instituições religiosas que, a
par de outras, substituem o estado, mais vezes que o desejável, naquilo que
é uma obrigação deste, consequência do direito que todos os cidadãos têm
a levar uma vida com dignidade. Aquando da visita tive oportunidade de ver
as várias salas de aula onde decorriam algumas actividades, próprias de um
final de ano lectivo e, portanto, já desenvolvidas com a descompressão
natural de quem cumpriu o seu dever. Assim, não espanta que numa das
salas os alunos estivessem cantando uma canção que, por me parecer

159
interessante, a seguir transcrevo: A escola tem mais encanto; Na hora da
despedida; E por lhe queremos tanto; Nunca mais será esquecida
Só restam dela saudades; E as doces recordações; E esta tão grande
amizade; Cá dentro dos corações
Assim termino esta conversa convosco. Desde aqui bem longe de Portugal,
onde o Padre Felgueiras se encontra a recuperar forças, lhe envio uma
saudação muito especial pois, conhecendo tudo o que tem feito por Timor e
pela preservação da língua portuguesa nestas paragens, nunca é demais
felicitá-lo embora saiba que tudo o que ele faz por Timor o faz com alegria e
prazer.

160
JANEIRO/FEVEREIRO – 2006
CORRESPONDÊNCIA DE TIMOR
CORRESPONDÊNCIA DE TIMOR
Mais uma vez me encontro em Timor a falar com os leitores de A Voz de
Trás-os-Montes. Depois de uma viagem atribulada que começou com um
atraso de um dia, na partida do Porto, devido a avaria no avião e culminou
com o atraso das malas, aqui me encontro de novo num espírito de missão.
Pode parecer excessivo, nos tempos em que o egoísmo faz parte do dia a
dia de muitos, chamar missão a esta minha colaboração. No entanto devo
dizer que assim é. Timor e os timorenses precisam muito da cooperação de
todos, muito em especial dos portugueses. Não nos esqueçamos que a
nossa presença nestas terras do sol nascente vem de há algumas centenas
de anos. É certo que deixámos algumas marcas da nossa presença, mas é
legítimo questionar-nos se teríamos feito tudo o que era nossa obrigação.
Sendo Timor uma nação que tem tanto de jovem como de pobre, é com
muito agrado que leio nos jornais locais e ouço na televisão o regozijo das
autoridades timorenses no acordo que estabeleceram com a Austrália no
que ao petróleo diz respeito. Oxalá Deus ilumine a consciência dos actuais e
futuros governantes para que sejam todo os timorenses a beneficiar dessa
riqueza natural com que Ele próprio os brindou. Experiências noutros países
não são muito encorajadoras no que a essas expectativas respeita.
Infelizmente há muitos exemplos, maus no meu ponto de vista, que
aconselham muita prudência. Faço votos que em Timor sejam todos a tirar
proveito dessa riqueza de modo a que a qualidade de vida dos timorenses
melhore significativamente para podermos ver as pessoas a viverem com a
dignidade a que qualquer ser humano tem direito.
Acabado de chegar já deu para notar alguma diferença. O edifício na
esquina da praceta João Soares, bem junto à universidade, foi objecto de

163
uma intervenção e está agora ocupado pelo Museu da Resistência. Logo
que o visite reservar-lhe-ei algumas palavras num próximo texto.

A FUP - Fundação das Universidades Portuguesas, em parceria com a UNTL


– Universidade Nacional de Timor Leste, arrancou este ano lectivo com o
curso de Direito. A exemplo do que se passa com os outros cursos já no
terreno, este é leccionado por docentes vindos de Portugal e decorre no
âmbito da cooperação portuguesa. O seu arranque deu-se no dia 16 pela
manhã, pelo que não tive oportunidade de assistir à sessão solene de
abertura. Tive muito pena porque teria sido uma óptima oportunidade para
conviver com algumas das personalidades timorenses mais conhecidas,
incluindo ministros, secretários de estado, o Presidente Xanana Gusmão e
muitos outros ilustres timorenses incluindo o Professor Benjamim Corte
Real, actual Reitor e pessoa com quem tenho um relacionamento bastante
cordial. Devo dizer que se tratou de um acontecimento muito badalado aqui
em Timor. Se lhes disser que entre os alunos se encontram várias
personalidades do meio político e social de Timor, como um ministro, o
presidente da Assembleia Nacional e muitos outros, facilmente
compreendem que este acto tivesse despertado tanta atenção. O que

164
moverá tais pessoas a “correr” para um curso superior de direito? Estou
certo de que muitas delas pensam apenas na sua valorização pessoal e na
possibilidade de ter novas oportunidades a outros níveis, que agora não
têm. A ser assim aplaudo a sua decisão pela coragem e determinação
demonstrada pois não é fácil, com a vida mais ou menos estável, tomar
decisões destas.
Uma informação da qual já tinha conhecimento e que confirmei quando
cheguei foi a de que 200 estudantes timorenses foram estudar medicina
para Cuba, onde permanecerão sete anos, pelo menos. Oxalá tudo corra
bem e de acordo com as expectativas que eles e as respectivas famílias
têm. Oxalá nunca se arrependam desta decisão, que me parece de risco
elevado. Na próxima semana prometo regressar ao vosso convívio.

RTP INTERNACIONAL
Um dos hobies temporários que tenho enquanto estou em Timor é ver a
RTP internacional. Os programas que transmite são, em grande parte,
programas da RTP 2, o que dá, desde logo, alguma garantia de que têm
algum conteúdo. Há, no entanto, alguns programas que são exclusivos para
os portugueses espalhados pelo mundo. É interessante ver o que os nossos
antepassados, do século XX e dos finais do século XIX, representaram no
contexto do desenvolvimento de alguns países. Vem isto a propósito do
Hawai, onde eu não imaginaria o quão importante foi a emigração de
portugueses, predominantemente madeirenses e açorianos, nos finais do
século XIX, para trabalhar nas plantações da cana do açúcar. Tudo
começou quando, o então rei, quis implementar a plantação da cana do
açúcar e não tinha trabalhadores especializados para o fazer. Sabedor de
que na Madeira já se dominava a técnica da produção do açúcar de cana,
resolveu mandar lá um seu enviado para observar como os madeirenses já
conseguiam produzir açúcar de cana em qualidade e quantidade. Não foi

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difícil convencer uns tantos a mudarem-se, muitas vezes com a família, para
terras havaianas. Por norma iam com contractos de três anos, com viagem
e estadia pagas. Aí se encontravam com japoneses, filipinos e outros. De
realçar que os portugueses tinham um estatuto mais elevado que todos os
outros, pois eram considerados especialistas e eram pagos e tratados como
tal. As escolas funcionavam com miúdos de origens várias, mas eram dadas
em inglês o que fazia com que em casa eles fossem os professores dos
pais, de modo a minorar o grande inconveniente de não falarem todos a
mesma língua. Como consequência da presença de tantos portugueses há
hoje muitos pratos portugueses que são muito populares no Hawai, assim
como os enchidos como a morcela e a linguiça, sem esquecer o pão doce. O
facto de muitos destes emigrantes serem católicos fez com que se
construíssem igrejas nas localidades onde existiam as plantações o que fez
com que passassem a comemorar-se as festas do Espírito Santo. Também
na música há muitas influências da nossa presença. A música tradicional
hawaiana tem como acompanhamento a braguinha e o cavaquinho, ainda
que adaptados à sonoridade e melodia da canção do Hawai que parece ser
muito parecida com a nossa. Muitos dos descendentes destes emigrantes
vivem hoje no Hawai, perfeitamente integrados na vida do país que acolheu
os seus antepassados.
Não é por falta de assunto que lhes estou a falar de Timor sobre o Hawai.
Apenas lhes quis mostrar como é importante a presença da nossa televisão
nas casas dos portugueses espalhados pelo mundo. Aqui em Timor a tarefa
de manter viva a língua portuguesa é de todos os dias. A nossa cooperação,
com a ajuda do Instituto Camões e da RTP, desenvolve acções que me
parecem apropriadas à obtenção desse objectivo. Na RTTL – Rádio e
Televisão de Timor-leste passa um programa muito interessante chamado
“Conversas em português”. Exemplifica conversas em português retratando
situações do dia a dia dos timorenses. Há também o Jornal da Noite,
notícias de Timor em língua portuguesa, embora com duração muito curta.

166
Parece-me, no entanto, que é um bom ponto de partida para notícias cada
vez mais alargadas, com o passar do tempo.
A cooperação com países do terceiro mundo como é Timor, é muito
baseada em problemas económicos. Se custar dinheiro ao erário público,
vingará aquela que menos custar. Vem isto a propósito do que se está a
passar com a saúde. Neste momento há algumas centenas de médicos
cubanos a exercer a sua actividade em Timor. À parte a competência que
seguramente terão, há o problema da língua que, embora parecida, não é a
mesma. Em entrevista, em português, ao Jornal Diário, dizia o Vice-Ministro
da Saúde(foto) que a cada médico cubano Timor paga 100 dólares. Se for
de um outro país terão que pagar-lhe entre dois mil e quatro mil dólares.
Resulta evidente para onde “cai” a decisão.

A influência cubana estende-se também ao ensino. Parece que virão


algumas centenas de professores cubanos a alfabetizar os timorenses.
Sendo o português uma língua oficial, a par do tétum, a tarefa desses
professores parece-me difícil pois vão ensinar uma língua que não é a deles.
No entanto, as autoridades timorenses estão muito confiantes no êxito

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desta iniciativa pois o Presidente do Parlamento disse, ao Jornal da Noite,
que aprovou a proposta pois conhece bem o método cubano de
alfabetização e está optimista de que esses professores porão todos os
timorenses a falar português em três anos. Ainda que me seja difícil
concordar, cá estarei, se Deus quiser, daqui a três anos para ver os
resultados.
Até para a semana, a partir do país do sol nascente.

O PALÁCIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Em quase todas as conversas que tenho com quem me lê, o tema da
cooperação está presente. Eu próprio me encontro aqui em Timor no
âmbito de um programa de cooperação, neste caso, das universidades
portuguesas com a Universidade pública de Timor, da qual já tive
oportunidade de falar em conversas anteriores. Para lá da cooperação
institucional do governo português, há várias instituições portuguesas que
se têm distinguido no apoio a este jovem país. A Câmara Municipal de
Lisboa é uma dessas instituições. O resultado da cooperação que, desde
2001 tem tido com Timor, é bem visível quando nos deslocamos pela plana
e muito extensa cidade de Díli. A primeira grande intervenção que levou a
cabo foi a recuperação do antigo Liceu Francisco Sousa Machado, onde hoje
funcionam as Ciências da Educação da UNTL – Universidade nacional de
Timor-leste. É um edifício emblemático de Díli, situado bem no centro da
cidade e na sua zona nobre. A presença de calceteiros de calçada à
portuguesa para ensinar timorenses nessa importante e difícil arte de
embelezar espaços públicos, é uma consequência do empenho que os
vários presidentes têm posto na ajuda a Timor. Neste momento está em
curso aquela que será a intervenção com mais significado político.
Trata-se da recuperação do antigo Palácio do Governador, onde residia até
ao 25 de Abril o Governador de Timor, autoridade máxima da então

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província portuguesa de Timor. Em relação ao edifício original há algumas
alterações nomeadamente no seu interior. A parte que então era uma
residência, hoje vai ser um amplo salão para recepções. Tive oportunidade

de o visitar hoje, pois englobei-o na rota do meu passeio de Sábado. Saí


bem cedo do hotel onde me encontro instalado, em direcção à montanha, a
caminho de Ailéu. Passei pelo antigo matadouro, pelas instalações da
UNOTIL – United Nations Office in Timor Leste, pela igreja de Balide
seguindo em direcção Lahane, zona muito privilegiada pelo clima, onde
antigamente vivia a nata da sociedade timorense e onde estava instalado o
hospital de Díli, hoje apenas maternidade. Chegado ao palácio solicitei uma
visita às instalações, prontamente concedida e guiada pelo Eng.º Luís
Carvalho, responsável pela obra e pelo Arquitecto João Guimarães autor do
projecto. Em relação ao primitivo edifício, a intervenção da Câmara de
Lisboa vai materializar-se na construção de uma habitação contígua para
residência oficial do Presidente da república de Timor-leste, ficando o antigo
edifício para as recepções oficiais. Não tenho quaisquer dúvidas em afirmar
que se trata de mais um resultado da cooperação portuguesa, que muito

169
nos deve honrar. Devo acrescentar que o branco, cor original das paredes
do edifício, foi substituído pelo rosa, bem lisboeta e bem portuguesa.
A exemplo do que tem acontecido em estadias anteriores, o Reitor da
UNTL, Professor Benjamim Corte Real, organizou um jantar de
confraternização entre todos os que colaboram com a sua universidade. Lá
estivemos todos os docentes da FUP – Fundação das Universidades
Portuguesas, os docentes do Instituto Camões e uma representação da
Universidade do Minho que aqui se encontrava no âmbito de outro projecto
de cooperação. O contingente português era o maior, logo seguido pelo
brasileiro, o cubano, o neozelandês e o japonês. É muito interessante
constatar a orientação de cada país no que respeita à cooperação. Assim, o
Japão está neste momento muito ligado aos cursos de engenharias a
funcionar em Hera em instalações destruídas pelos indonésios e
reconstruídas por eles. Cuba concentra as suas energias na área da saúde e
do ensino. O Brasil tem a sua maior concentração, tal como nós, no ensino
da língua portuguesa. A acção de todas estas comunidades tem sido
relevante no objectivo de libertar os governantes timorenses para outras
tarefas da governação.
No exercício diário da medicina feito pelos médicos cubanos, tenho tido
referências muito elogiosas em relação ao seu trabalho. A primeira página
do jornal em língua portuguesa “Semanário” é disso um exemplo bem
elucidativo, ao dizer que “os médicos cubanos trouxeram aos timorenses
cuidados de saúde e carinho”. Uma boa contribuição para que o seu
trabalho seja reconhecido

TRÊS MISSIONÁRIOS COM OBRA FEITA


Já por mais de uma vez realcei o papel que os portugueses desempenharam
pelas várias paragens dos quatro cantos do mundo. Hoje vou falar sobre
três deles cujo denominador comum é o facto de serem missionários.

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O padre João de Deus Pires (foto) é transmontano, da freguesia de Morais,
concelho de Macedo de Cavaleiros. Estudou no Seminário de Mogofores,
seguindo depois o trajecto normal de qualquer rapaz que decida ser padre
salesiano. É neto de Maria Joaquina Cordeiro e de José Joaquim Pires e está
há cerca de quarenta e sete em Timor-Leste, para onde veio passados
poucos anos de ser ordenado padre. Tem desenvolvido a sua actividade no
apoio aos mais desfavorecidos, especialmente as crianças órfãs da diocese
de Baucau, onde tem em actividade o Orfanato de Santa Teresinha, na

localidade de Quelicai e outro em Baguia. Estou particularmente à vontade e


feliz por estar a falar-vos sobre este transmontano, por duas razões: a
primeira porque o nosso clube, Rotary Club de Vila Real, apoiou o Orfanato
de Quelicai com a entrega de um gerador eléctrico e de géneros alimentícios
há dois anos; a segunda razão prende-se com os laços familiares que nos
unem.
O Padre José Martins, é salesiano e está em Timor-Leste desde o longínquo
ano de 1975 e tem feito todo o seu percurso por estas terras, lado a lado
com o Padre João Felgueiras, bem conhecido de todos vós, pois já várias
vezes escrevi sobre ele. Os Padres João de Deus e José Martins foram

171
condecorados pelo Presidente da República Portuguesa com as insígnias da
Comenda da Ordem de Mérito, em cerimónia realizada na nossa Embaixada
em Díli, no passado dia 10 de Fevereiro e presidida pelo nosso Embaixador
João Ramos Pinto. Estas condecorações tinham sido atribuídas no passado
dia 10 de Junho e foram justificadas pelos serviços que os dois religiosos
prestaram "como cidadãos portugueses, a Portugal e ao povo de Timor-
Leste, no exercício de funções ao serviço da Igreja, do ensino e da
assistência social".
O terceiro missionário de que vos vou falar é o Padre José Afonso Moreira.
Foi ordenado sacerdote a 23 de Dezembro de 1950, em Braga, era
Missionário Espiritano e foi assassinado em Angola, no Bailundo, na terra
que considerava sua e junto das pessoas a quem dedicou mais de quarenta
anos da sua vida. Falo no Padre Moreira porque era natural de Vila Real, era
irmão do Dr Armando Moreira, antigo presidente da Câmara e Governador
Civil e tio do meu colega e amigo Professor Nuno Moreira. Além disso,
apesar de não o conhecer pessoalmente, tive oportunidade de conhecer a
sua obra, numa reunião de aniversário do Lions Club de Vila Real, onde foi
apresentado um projecto seu, muito interessante e muito útil para as
famílias do Bailundo. Tratava-se da angariação de fundos para a compra de
enxadas para serem entregues a essas famílias, para melhor poderem tratar
das suas pequenas hortas. Ideias tão simples com um alcance social tão
grande. Nos países em guerra o dia a dia de muitas pessoas faz-se com
pequenos passos como este. O Padre Toni Neves, porta-voz da congregação
espiritana lamentou a sua e afirmou que “ o Padre Afonso Moreira era uma
referência para todos os que viviam no Bailundo”.
A zona onde o Padre Moreira desenvolvia a sua actividade pastoral foi palco
dos grandes combates durante a guerra civil angolana que culminaram com
a tomada do Andulo e do Bailundo. Nas palavras do director da Rádio
Eclesia “era um padre muito amado pelas populações rurais”. Era o pastor
de uma comunidade católica de cerca de 58 000 pessoas que muito o

172
orgulhava. Após ter terminado a guerra nessa zona, aquando da visita do
Embaixador português, já tinha esquecido todas as dificuldades porque tinha
passado e apenas pediu canetas, lápis e outro material escolar para os seus
alunos. Para os professores pediu um livro de leitura.
Com este texto presto a minha homenagem a estes três portugueses cujo
trabalho desenvolvido muito nos orgulha a todos nós.
À família do Padre Moreira, em especial ao Dr. Armando Moreira e ao
Professor Nuno, apresento os meus sentidos pêsames. Que Deus o tenha
em descanso.

HOMENAGEM AO PROFESSOR AGOSTINHO DA SILVA


No dia do centenário do nascimento do Professor Agostinho da Silva teve
lugar no Auditório do antigo Liceu Francisco Sousa Machado, uma sessão
comemorativa organizada pelo Professor José Carlos Oliveira e pelo Dr.
António Borges, ambos docentes da FUP – Fundação das Universidades
Portuguesas e pela Drª Isabel Gaspar, do Instituto Camões, e que foi
apoiada por estas instituições e pela UNTL - Universidade Nacional de Timor
Leste. Foram oradores o Padre Apolinário Guterres, a Drª Flávia Ba,
Directora do Instituto Camões, em Timor e o Dr. António Borges. O primeiro
falou sobre o período em que privou com o professor no Vale do Jamor
onde, então, prestava apoio aos refugiados timorenses que ali se
encontrava, resultado da guerra civil que se instalou em Timor após o 25 de
Abril, seguida da invasão levada a cabo pela Indonésia. A Drª Flávia Ba, fez
um resumo do curriculum do Professor Agostinho da Silva que nasceu a 16
de Fevereiro de 1906 e faleceu a 3 de Abril de 1994. O Dr. António Borges
falou sobre a missão de Portugal nas mensagens de Fernando Pessoa e
Agostinho da Silva.
Em 1929 doutorou-se em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras do
Porto, com a tese “O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas”, após o

173
qual partiu para Paris, como bolseiro, para estudar na Sorbonne e no
Collége de France. Tratando-se de uma pessoa amante da liberdade em
toda a sua extensão, foi afastado de ensino público e obrigado a emigrar
para o Brasil, em 1944, tendo estado também no Uruguai e na Argentina.
Em 1947 regressa ao Brasil para leccionar na Faculdade Fluminense de
Filosofia. Posteriormente vai para docente da Universidade de Paraíba,
ajudando a fundar a Universidade de Santa Catarina, onde criou o Centro de
estudos Afro-Orientais. Em 1962 colaborou activamente na fundação da
Universidade de Brasília e na criação do Centro de Estudos Portugueses.
Timor e Macau cruzaram-se com ele no ano de 1963, após uma visita como
bolseiro da UNESCO ao Japão.

No contacto directo que com ele manteve o Padre Apolinário, o professor


revelou-se uma pessoa simples, conversadora, transparente e amigo.
Apresentava o seu pensamento com uma visão ampla e projectada para o
futuro. Era um poço de sabedoria no dizer do Padre Barros, de Same.
Escrevia regularmente cartas para Timor onde partilhava as suas ideias e os
seus pensamentos. O Padre Apolinário formou, em Lisboa, um Centro de

174
Cultura timorense, para apoiar e dar oportunidade aos timorenses para
conviveram e manterem vivas as suas tradições. O professor Agostinho da
Silva solicitou a entrada para o centro, tornando-se seu membro efectivo.
Dizia ele que assim já tinha um local onde podia falar e ouvir falar sobre
Timor. Como idealista que era, o optimismo fazia parte do seu dia a dia. Já
então falava de Timor como se fosse uma nação livre e independente. Na
sua opinião Timor seria um ponto de convergência onde se encontrariam os
falantes da língua portuguesa e castelhana. No dizer do Padre Apolinário,
olhando para a realidade timorense de hoje, o professor tinha razão sobre
aquilo que ele achava que seria o futuro de Timor.
Faleceu sem concretizar um desejo de sempre: regressar um dia a Timor, ir
viver para Tutuala e por lá morrer. Acabou por falecer em Lisboa e não na
terra que ele tinha eleito como a sua última morada. O Padre Apolinário
oficiou o seu funeral para o cemitério do alto de São João.
Dele disse Gilberto Gil, cantor e actual Ministro da Cultura do Brasil, que
“sonhava pelo pensamento e pensava pelo sonho”. Era uma personalidade
muito controversa pelas suas opiniões e, por isso, amado por muitos, mas
criticado por outros. Uma sua antiga aluna, no documentário que sobre ele
apresentou a RTP internacional, dizia que nas aulas do professor, eram
tratados todos os temas, sem excepção e, muitas vezes, ficavam para trás
os temas da disciplina em questão.
Com este texto presto a minha homenagem ao professor Agostinho da
Silva, que apenas recordo das “Conversas Vadias” que ele protagonizou na
Televisão e que tinham como singularidade o facto de não serem objecto de
qualquer programação prévia, ou seja, eram feitas de improviso e com
temas aleatórios. Para terminar aqui fica um poema seu: Eu não quero ter
poder; Mas apenas liberdade; De falar aos do poder; Do que entenda ser
verdade.

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VISITA DO DR. JORGE SAMPAIO A TIMOR
O texto de hoje vai ser dedicado à visita do nosso Presidente da República,
Dr. Jorge Sampaio. Coincidência ou não, no seu segundo dia em Timor,
realizou-se o iudicium académico, uma cerimónia de preparação para a
graduação dos alunos, ou seja, para a concessão do grau de licenciado. O
Professor Doutor Benjamim Corte Real, Reitor da UNTL – Universidade
Nacional de Timor Losae, realçou o papel de Jorge Sampaio no processo
que conduziu à independência de Timor e aproveitando a sua presença
destacou o papel da nossa cooperação na área do ensino superior
consubstanciada na graduação de mais de cem alunos dos cursos
ministrados pela FUP – Fundação das Universidades Portuguesas.
O Dr. Jorge Sampaio agradeceu à UNTL o convite que lhe foi dirigido para
estar presente numa cerimónia com grande significado para Timor pois é a
primeira que se realizou desde que Timor se tornou independente. Mostrou-
se muito sensibilizado pelas palavras que lhe dirigiu o Reitor e mostrou
satisfação pelo apoio que a FUP e o Instituto Camões têm prestado na
divulgação do português. A recente constituição da Faculdade de Direito da
UNTL que arrancou com o curso de Direito ministrado pela FUP no âmbito
da cooperação portuguesa, é mais um exemplo do empenho que Portugal
tem posto no apoio a Timor. A criação deste curso deu-lhe um prazer a
dobrar pelo facto de ser jurista e pelo papel que a aplicação da justiça tem
na evolução de qualquer país. Manifestou o seu apreço a todos os
portugueses que, com o seu trabalho, têm assegurado o ensino da língua
portuguesa
Ele que sempre lutou pela instalação da democracia pluralista em Portugal,
chamou a atenção de todos para as dificuldades acrescidas na consolidação
dos organismos democráticos. Fez um voto de confiança na instalação da
democracia em Timor e referiu o papel da comunidade internacional que
sempre reconheceu aos timorenses o direito à independência. Disse que
Portugal não tem qualquer interesse material nem imperialista em relação a

176
Timor. Os timorenses devem decidir livremente o seu destino. É nisso que
Portugal se empenha. Aconselhou os responsáveis políticos timorenses a
evitar os escolhos provocados pelos conflitos e pela instabilidade
consequência, quase sempre, da existência de governos não transparentes.

Enfatizou algumas ideias que podem servir de orientação para a definição


das políticas correctas que conduzam à criação de condições que permitam
uma vida condigna a todos. É preciso não esquecer que assim como a
riqueza gera mais riqueza também a pobreza gera mais pobreza. Também o
conceito de desenvolvimento deve estar presente no momento da tomada
de decisões que não se resume ao crescimento económico, embora este
seja fundamental, mas com instrução e respeito pelas normas da
democracia e dos direitos humanos. Aproximam-se tempos de grandes
exigências, mas com sabedoria e sentido de responsabilidade as
autoridades timorenses saberão ultrapassá-los. A cerimónia terminou com a
imposição das insígnias do Grau de Comendador da Ordem de Mérito ao
Professor Benjamin Corte Real pela defesa e empenho que tem posto na
implantação da língua portuguesa em Timor.

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Da parte da tarde seguiu-se a visita à Escola Portuguesa, após uma
passagem pelo cemitério de Santa Cruz onde o Presidente Sampaio depôs
uma coroa de flores em homenagem aos mortos de 12 de Novembro de
1999. A Escola portuguesa tem quatro anos de existência, tem vinte e
quatro professores portugueses e é frequentada por cerca de quatrocentos
alunos, a maioria dos quais é timorense. Tem dado uma grande
contribuição para a introdução e consolidação da língua portuguesa em
Timor sendo, alas, um dos 3 pilares da cooperação portuguesa. O seu êxito
deve-se à dedicação do seu corpo docente e da Subdirectora, a professora
Ana Maria Ferreira. Jorge Sampaio considerou-a mesmo um
estabelecimento exemplar e felicitou a comunidade educativa que ali exerce
a sua actividade docente pela qualidade do trabalho desenvolvido e o
esforço que têm posto na implantação da língua portuguesa. Na ocasião o
Dr. José Revez, responsável pela cooperação portuguesa em Timor e
responsável da Escola Portuguesa, foi agraciado com Grau de Comendador
da Ordem de Mérito, premiando o modo como tem desempenhado as
tarefas inerentes ao lugar que ocupa. No final da visita houve uma reunião
informal com os vários docentes a leccionar em Timor, tendo o Presidente
Sampaio aproveitado o momento para realçar publicamente o trabalho que
todos têm desenvolvido em Timor em prol da consolidação da língua
portuguesa.
A visita terminou com uma recepção no Hotel Timor.

DOUTORAMENTO HONORIS CAUSA DE XANANA GUSMÃO


A atribuição de doutoramento honoris causa ao Presidente de Timor Leste,
Kay Rala Xanana Gusmão foi, pode dizer-se, um acontecimento de âmbito
nacional. A presença das autoridades civis, militares e eclesiásticas é disso
prova inequívoca. Foi a primeira vez que uma cerimónia destas se realizou
neste jovem país, pelo que a importância de que se revestiu foi ainda maior.

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Foi uma cerimónia simples, mas de grande significado para a UNTL –
Universidade Nacional de Timor Leste. Apenas estiveram presentes, para lá
do laureado, os reitores das duas universidades, a de Takushoku, que
concedeu o grau e a UNTL. O Professor Benjamin Corte Real agradeceu a
presença de todos num “momento importante para todos os timorenses em
geral e para o mundo académico em particular”. O reitor da universidade de
Takushoku justificou a atribuição deste elevado grau académico a Xanana
Gusmão porque “com a sua liderança destacada conseguiu levar Timor à
independência e contribuiu muito para a estabilização da Ásia e para a paz
mundial. É imensamente respeitado e estimado em muitos países e
contribuiu bastante para o estabelecimento de relações diplomáticas entre o
Japão e Timor Leste e promoveu as relações amistosas entre os dois
países”. A universidade de Takushoku, já centenária, tem tido sempre como
preocupação “formar pessoas capazes de se dedicarem à causa da paz e
prosperidade das sociedades internacionais” pelo que o seu reitor referiu “a
grande honra em conferir o título de doutor honoris causa a personalidade
tão ilustre, homenageando as suas actividades altamente meritórias”
estando certo de que com este título “ se tornarão cada vez mais fortes os
laços de amizade entre o Japão e Timor”.
O Presidente Xanana deu à sua dissertação de doutoramento o título “
Timor-Leste, um jovem estado – o peso do passado e os desafios do
futuro”. Começou por realçar que “a construção física de qualquer país
depende essencialmente de três factores: um plano concreto e claro de
desenvolvimento; recursos humanos habilitados e muito dinheiro”. Quem
conhece Timor facilmente conclui da dificuldade imensa que os seus
governantes têm tido e continuarão a ter no futuro. Pelo menos os dois
últimos factores Timor ainda não tem. O primeiro pode ser que sim.
Na opinião de Xanana “a edificação dos pilares da Nação já pressupõe o
compromisso político sobre valores democráticos e a participação consciente
da sociedade e do povo”. Disse também que “há que perceber o sentimento

179
e a reacção da colectividade ou parte dela, há que estudar o pensamento e
as atitudes da sociedade ou parte dela, inseridos num contexto temporal
capaz, que permita fundamentos lógicos de análise”. Para transmitir as suas
ideias, leu a sua dissertação em português e em tétum o que demonstra a
importância que dá à língua portuguesa como língua oficial de Timor, e
dividiu-a em três partes: a história, a liderança e o poder, a sociedade e o
futuro.

Da longa dissertação permito-me destacar alguns pontos que considero os


mais importantes. O primeiro é o de que “o estado de Timor é um estado de
direito democrático e tem que ser baseado na vontade popular e respeitar a
dignidade humana”. A determinada altura referiu-se à confusão que muitos
fazem entre ditadura e comunismo que muitas vezes não têm nada em
comum. Deu como exemplo o ex-Presidente da Indonésia Suharto que tinha
tanto de ditador como de anticomunista. Advertiu para a tentação que
muitos têm de “considerarem o partido como algo de sacrossanto que não
se pode ofender”. Em Timor, de certo modo, isso passou-se quando esteve
sob o domínio indonésio e era, então, considerada a sua 27ª província.

180
Alguns que recebiam benesses do partido do poder, veneravam-no e
impunham os seus próprios interesses em prejuízo dos interesses do povo.
No final da sua intervenção referiu-se ao facto de “a democracia ser um
processo mais lento ou menos lento, dependendo isso do esforço de todos”.
Oxalá, acrescento eu, que os timorenses saibam canalizar muito do seu
saber e do seu trabalho para que Timor se torne um exemplo de um jovem
país que atingiu a democracia pelo seu próprio pé.
A cerimónia, muito diferente das cerimónias do mesmo tipo a que estamos
habituados a ver em Portugal, terminou com a actuação de um grupo
musical local que cantou poemas de Xanana, dos quais destacaria o
seguinte: Pudesse eu Sentir nos dedos O beijo da espuma e ouvir risos De
crianças.
Concluída a cerimónia seguiram-se as felicitações ao novo doutor, por todos
os presentes. A simplicidade, a simpatia e a boa disposição do Presidente
Xanana ficaram aqui bem patentes. Sem dúvida que é um presidente muito
querido pelo seu povo.

5º ANIVERSÁRIO DO MAC – CRIANÇAS UNIDAS


No passado dia 27 de Fevereiro o MAC – Crianças Unidas completou cinco
anos de vida. A Irmã Eliene Damasceno, Dominicana brasileira, lançou as
sementes do que hoje é um movimento com provas dadas no
acompanhamento de adolescentes e crianças, com predominância
originárias de Taibessi, Balide e Bécora. O trabalho desenvolvido por este
movimento tem sido muito importante na ocupação dos tempos livres de
algumas centenas de adolescentes que, de outro modo, estariam à mercê
de muitas solicitações que, muitas vezes, os levam a desviarem-se daqueles
que são considerados comportamentos normais.
A fundadora do movimento, por razões que têm a ver com as regras de
funcionamento da instituição a que pertence, teve que regressar ao Brasil o

181
que trouxe, como consequência, a necessidade de fazer alguns ajustes na
sua organização e funcionamento. Neste momento asseguram o regular
funcionamento algumas pessoas de boa vontade entre as quais destacaria a
Professora portuguesa Dulce Barão.

Correspondendo ao convite que me foi formulado, lá compareci nas actuais


instalações, na companhia de um colega, também docente da FUP –
Fundação das Universidades Portuguesas. A azáfama dos intervenientes da
festa já era grande e pressupunha que iríamos assistir a uma festa com a
qualidade das que já assistíramos anteriormente. Entre os presentes
estavam vários elementos da cooperação do Brasil destacando-se o
responsável por essa cooperação, acompanhado da esposa e de outras
pessoas que, de um ou de outro modo, colaboram nas actividades do MAC,
destacando-se, entre todos, o António Osório, Procurador em Baucau e
esposa.
A festa teve como apresentadores o Natalino e a Estefânia que, mesmo sem
serem profissionais, tudo fizeram para que tudo decorresse como o
previsto. O Natalino começou por saudar todos os presentes fazendo, de
seguida, um historial do que foi o movimento desde o seu nascimento até

182
hoje. Realçou o facto de tudo ter começado só com a Irmã Eliene,
alargando-se o número de colaboradores à medida que o trabalho
desenvolvido ia dando frutos. As actividades desenvolvidas têm sido as mais
variadas destacando-se a dança a psicologia, a rádio, a capoeira, a
ginástica, as artes plásticas, o desenho, a pintura e outras.
Em nome dos colaboradores falou o António Osório que destacou o papel
que o MAC tem desempenhado no acompanhamento de todos os jovens
que a ele pertencem. A mim foi-me pedido que falasse em nome dos
padrinhos de Portugal e do Rotary Club de Vila Real, que muito os têm
ajudado. Destaquei o modo como a Irmã Eliene incutiu nos jovens o espírito
de responsabilidade e liderança. Sem dúvida que bastava assistir a esta
festa para ver como todos são responsáveis e cientes de que o se
desempenho e postura são indispensáveis à credibilização do seu
movimento. Em nome dos pais falou a Senhora Filomena, mãe da Suzete
que agradeceu a todos os que têm ajudado o MAC, mas destacou a
importância que a Irmã Eliene teve na educação e formação de todos os
jovens que o frequentaram desde a sua fundação até agora.
O Hino nacional de Timor foi a canção que abriu a festa. Seguiram-se
outras das quais destacaria duas: a primeira que serviu para homenagear a
Irmã Eliene e a segunda para homenagear a Joana que faleceu no passado
dia 27 de Dezembro, afogada numa vala a cerca de cem metros de sua
casa. Foram dois momentos de grande significado para todos os presentes
em especial para a Irmã Eliene e para a mãe da Joana. As duas
homenagens tiveram em comum a emoção que se instalou nos presentes,
em especial nos que interpretavam as canções. Com um retrato da Irmã
Eliene bem agarrado ao coração e à vista de todos cantaram uma canção
brasileira das muitas que ela lhes ensinou. No caso da Joana, a canção
“Amigos para sempre”, serviu para todos mostrarem que, ainda que
ausente fisicamente, a Joana está presente no pensamento de todos. Para
mim constituiu um momento de profunda tristeza pois conhecia a Joana

183
desde a primeira visita que fiz ao MAC, em Junho de 2002 e era uma das
minhas afilhadas.
Terminada a intervenção do grupo de danças e cantares seguiu-se um
pequeno lanche para todos os presentes.
O MAC tem sido um movimento que muito tem feito pela dignificação dos
jovens de Díli. Tem desenvolvido actividades que vão desde actuações de
dança e música até à gravação de dois DVDs de música. Durante algum
tempo tiveram também um programa na Rádio Nacional de Timor Leste
onde os direitos das crianças eram o assunto principal. Trata-se de um
movimento que deve ser ajudado, mesmo pelas autoridades nacionais
timorenses, pois a sua acção muito ajuda as instituições públicas a apoiar
os jovens no seu desenvolvimento.
A presença do Presidente Xanana na parte final da festa pode considerar-se
como o reconhecimento da importância do movimento. Todos os que
contribuem com o seu esforço diário para que tudo corra bem, agradecem a
sua presença. Termino transcrevendo as palavras que o Presidente deixou
no livro de honra: “Muito satisfeito por vir hoje ao Centro do MAC e muito
impressionado com as actividades desenvolvidas aqui pelas crianças e pelos
pais e Conselheiros que têm participado num regime voluntário e generoso.
Dou os parabéns pelo 5º Aniversário do MAC – Crianças Unidas e faço votos
de muito boas realizações no futuro. Não me esquecerei de explorar as vias
que se apresentarem para dar um apoio mais concreto a esta magnífica
iniciativa”.

APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE PAULO BRAGA


No dia 2 de Março, às 18H00,no auditório da Fundação Oriente, foi
apresentado o livro de José Paulo de Oliveira Braga sobre os anos que
passou em Timor, nos já longínquos anos de 1930 a 1932. O meu interesse
na publicação deste texto é acrescido pelo facto de o autor ter nascido em

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Vila Real, no dia 29 de Junho de 1905. Frequentou o Liceu Camilo Castelo
Branco tendo prosseguido os estudos na Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Ainda muito novo, em 1931, foi deportado, por
razões políticas, pois defendia ideais socialistas, para a então província
ultramarina de Timor, onde permaneceu até 1933. Durante a sua estadia
forçada em Timor, para conseguir proventos para a sua subsistência,
exerceu a profissão de professor do ensino particular. Tratando-se de uma
pessoa com cultura acima da média, podendo considerar-se um erudito,
facilmente se compreende que a realidade timorense lhe não passasse
despercebida. Teve sempre uma atenção especial ao modo de vida e aos
costumes dos timorenses pelo que, após o seu regresso a Portugal, entre
1935 e 1937, publicou vários textos a que chamou “Cadernos Coloniais”
onde versou vários temas alusivos a Timor destacando-se os aspectos
económicos, os políticos e os sociais. Em consequência do seu ideal
socialista todos estes textos tiveram que ver com o desenvolvimento de
Timor, com o bem estar dos timorenses, pugnando por uma distribuição da
riqueza mais justa e equitativa, e pela chamada de atenção para a
observância dos direitos políticos de cada um. Nos seus escritos esteve
sempre presente a crítica às instituições oficiais e à política administrativa
que então vigorava em Timor.
O título do livro, da responsabilidade do editor, é bem demonstrativo daquilo
que ele pensa sobre Timor. Nada melhor que “País de Sonho e
Encantamento” para traduzir o que pensam muitos dos que aqui chegam,
em passeio ou em trabalho. Quem aqui vem dificilmente deixará de
regressar tal é o chamamento e a atracção que estas paisagens exercem
sobre todos.
O livro é dividido em cinco capítulos, cada um correspondendo a um
Caderno. No primeiro fala sobre “a terra, a gente e os costumes”. Na
introdução que fez a este Caderno fala sobre “a mais distante e
desconhecida colónia de Portugal”. Os aspectos da vida indígena de então, o

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contraste entre a vida calma e descontraída que aqui se tem quando
comparada com a vida ruidosa e conturbada de Portugal. A descrição que
faz sobre os bazares (mercados), umas vezes instalados em edifícios, alguns
monumentais como é o caso do de Baucau, outras vezes à volta dos
gondoeiros(foto), enormes árvores com uma copa com um diâmetro de
muitos metros, é bem demonstrativa da importância que tinham no
desenrolar da vida dos timorenses. Ainda hoje isso acontece. Basta passar
pela marginal de Díli, em frente à antiga intendência em direcção à areia
branca, para constatar que ainda hoje se transaccionas as mais diversas
mercadorias à sombra dessa árvores.

No Capítulo segundo faz uma síntese da vida timorense. No Capítulo


terceiro, a que chamou “nos antípodas” fala sobre as mulheres timorenses,
a sua vida, o casamento e o divórcio, as lutas de galos e as árvores que
povoam o território.
No Capítulo quarto fala da “ilha dos homens nus”, conhecida por Atauro e,
também, ilha das cabras.

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O Capítulo quinto dedica-o à descrição da vida e paisagem de Timor, em
particular sobre Ermera, terra onde se produz o melhor café de Timor.
Terra entre montanhas de onde se avista o pico do Ramelau. Para quem se
interessa por Timor tem aqui um bom meio de conhecer mais sobre este
jovem país e sobre as suas gentes.
O editor desta obra é o Dr. Rui Fonseca que tem dedicado muitos dos seus
anos a Timor onde tem desenvolvido uma actividade de cooperação digna
de realce. Conheci-o na minha primeira vinda a Timor, em Novembro de
2001. Foi ele que me deu as primeiras informações sobre estas terras,
sempre tão longe de Portugal. Talvez por isso quase sempre esquecidas pelo
poder instituído em Portugal. A sua atenção permanente e atenta a tudo o
que nestas terras se passa, fez com que o Dr. Rui Fonseca tenha editado até
hoje vários livros sobre a vida e a história de Timor. O facto de ter estado
aqui como militar português nos tempos de administração portuguesa dá-lhe
uma visão privilegiada sobre tudo o que aqui se passa. A ele o meu muito
obrigado pela oferta que me fez de um exemplar deste livro.

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AGRADECIMENTOS

Com este livro pretendo homenagear o povo de Timor. Desde


Novembro de 2001 tenho dedicado parte da minha vida a
leccionar em Timor. Tenho-o feito com muito empenho e com
a convicção de que é minha obrigação, enquanto cidadão
responsável, contribuir para que Timor e os timorenses
caminhem com segurança em direcção ao futuro, tanto deles
próprios como do seu país.
Espero que o meu testemunho e o olhar atento com que sempre
vi Timor e os timorenses, contribua para despertar noutros o
interesse por esta terra e estas gentes.
Agradeço ao CRUP – FUP – Conselho de Reitores das
Universidades Portuguesas - Fundação das Universidades
Portuguesas a oportunidade que me deu para leccionar e
coordenar o curso de Electrotecnia.
O meu agradecimento vai também para todos os que têm
contribuído para o sucesso deste projecto, em que tenho estado
inserido, assim como para todas as pessoas e instituições que
permitiram que este livro fosse publicado.

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