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H
oje em dia muita gente já an- ensão intuitiva sobre o vôo.
dou de avião e muitos se per- A segunda descrição possível será David Anderson
Fermi National Accelerator
guntaram como é que um por nós chamada de descrição popular
Laboratory, Batavia
avião voa. A resposta que normalmen- e é baseada no princípio de Bernoulli. e-mail: dfa@fnal.gov
te se obtém ou é enganosa ou simples- A vantagem maior desta descrição é ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

mente errada. Esperamos que as res- que ela é fácil de ser entendida e tem Scott Eberhardt
postas encontradas neste artigo ajudem sido ensinada há anos. Devido a sua Boeing Company, Seatlle
a dirimir concepções alternativas acerca simplicidade, ela é usada na maioria Foi professor por longo tempo do
da sustentação de aviões bem como dos manuais de treinamento de vôo Departamento de Aeronáutica e
sejam adotadas como argumento para explicar a sustentação de uma Astronáutica da Universidade de
quando se tiver que explicar aos outros asa. Sua principal desvantagem é o Washington
e-mail: Scott.Eberhardt@boeing.com
o porquê dos aviões voarem. Mostra- fato de estar baseada no princípio dos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

remos aqui que é mais fácil explicar a tempos de trânsito iguais, ou ao menos Tradução e resumo: S.R. Dahmen
sustentação se partirmos das leis de na hipótese de que uma vez que o ar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Newton ao invés do princípio de Ber- tem um caminho maior para percor-


noulli. Mostraremos também que a ex- rer por cima da asa, ele tem que fazê-
plicação que mais comumente nos é lo mais rapidamente. Esta abordagem
ensinada é, no mínimo, enganosa e que é focada no formato da asa e impede
a sustentação é devido ao fato que a que se entendam vários fenômenos
asa desvia o ar para baixo. A maior par- importantes como o vôo invertido, a
te deste ar desviado é puxada da parte potência, o efeito-solo e a dependência
de cima da asa. da sustentação com
Comecemos por Muitos se perguntam como o ângulo de ataque
três descrições da é que um avião voa. Ao da asa.
sustentação de asas perguntar sobre isso, a A terceira ma-
que são normal- resposta que normalmente neira de descrever a
mente apresentadas se obtém ou é enganosa ou sustentação, reivin-
em livros-texto e simplesmente errada dicada neste artigo,
manuais de treina- é o que chamaremos
mento. Chamaremos a primeira de de descrição física. Ela é baseada essen-
descrição aerodinâmica matemática da cialmente nas três leis de Newton e em
sustentação, usada por engenheiros um fenômeno chamado de efeito
aeronáuticos. Esta abordagem usa Coanda. Esta descrição é a única capaz Há uma controvérsia sobre a causa da susten-
tação que permite a aviões se manterem no ar.
uma matemática complexa e/ou de explicar os fenômenos associados ao A explicação usualmente encontrada nos livros
simulações computacionais para vôo, permitindo que sejam entendidos. texto é aquela baseada no Princípio de Bernoulli
calcular a sustentação de uma asa. Ela Ela é útil para uma compreensão pre- e no princípio dos tempos de trânsito iguais.
usualmente faz uso de um conceito cisa de certas relações entre parâme- Neste artigo, D. Anderson e S. Eberhardt, além
de mostrarem que este último é incorreto, de-
matemático chamado circulação para tros de vôo, como o modo pelo qual a fendem que a sustentação pode ser entendida
com ele calcular a aceleração do ar potência aumenta com a carga ou a apenas em se considerando as leis de Newton
sobre a asa. A circulação é uma velocidade de estol aumenta com a al- aplicadas ao movimento do ar entorno da asa.
medida da rotação aparente do ar em titude1. Ela também serve para fazer No artigo seguinte, C.N. Eastlake argumenta
que tanto as explicações baseadas em Newton
torno da asa. Embora prático na hora cálculos simples (com lápis e papel) da e Bernoulli estão corretas, e seu uso é uma
de calcular a sustentação, esta des- sustentação. A descrição física da sus- questão de conveniência em função dos dados
crição não nos fornece uma compre- tentação também é de grande valia para disponíveis.

Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006 Uma descrição física do vôo 43


pilotos que precisam de uma intuição ciente. Pode-se inverter a questão e
a respeito da razão dos aviões voarem. perguntar qual deveria ser a diferença
mínima de caminhos para que se con-
A descrição popular da seguisse a sustentação necessária em
sustentação vôo lento? A resposta é 50%, o que
Aos estudantes de Física e aerodi- daria uma espessura de asa quase tão
nâmica é ensinado que o avião voa grande quanto o comprimento de sua
por causa do princípio de Bernoulli, corda.
que estabelece que se a velocidade do Mas quem disse que o ar que vai
ar aumenta, sua pressão diminui (na por cima tem que chegar ao bordo de Figura 1. Simulação do fluxo de ar por
verdade isto nem sempre é correto. O fuga ao mesmo tempo em que o ar uma asa em um túnel de vento com fu-
ar flui muito rapidamente ao lado do que vai por baixo? A Fig. 1 mostra o maça.
orifício da fuselagem onde fica o altí- fluxo de ar no entorno de uma asa
metro, mas mesmo assim este faz em uma simulação de túnel de vento. tação com esta explicação2. O proble-
uma leitura correta da altitude da Neste tipo de simulação, fumaça é ma é que falta um ponto crucial
aeronave). O argumento é que a asa periodicamente introduzida no túnel. quando aplicamos o princípio de Ber-
se sustenta porque o ar sobre ela flui O que se pode ver é que o ar que passa noulli. Podemos calcular as pressões
mais rapidamente, criando uma re- por cima da asa chega ao bordo de no lado de cima e de baixo da asa se
gião de baixa pressão. Esta explicação fuga consideravelmente antes que o soubermos a velocidade do ar nestas
satisfaz os curiosos e poucos questio- ar que vai por baixo. Isto quer dizer regiões, mas como medir a velocidade?
nam as conclusões. Alguns podem que o ar de cima tem uma aceleração Como veremos em breve, o ar é acele-
ficar imaginando o que faria o ar an- muito maior do que aquela prevista rado sobre a asa porque a pressão é
dar mais rapidamente por cima da pelo princípio dos tempos de trânsito menor, e não o contrário.
asa, e é justamente aí que a explicação iguais. Além disso, como uma análise Um outro problema fundamen-
popular desmorona. mais detalhada nos mostra, o ar que tal da descrição popular é que ela
Para poder explicar o porquê do passa pela parte de baixo da asa tem ignora o trabalho realizado. Susten-
ar fluir com maior velocidade por uma velocidade reduzida em relação tação requer potência (trabalho por
cima da asa, muitos recorrem a um àquela do ar que flui livremente (longe unidade de tempo). Como veremos, a
argumento geométrico segundo o das asas). O princípio dos tempos de potência é uma das chaves para se
qual a distância que o ar tem que trânsito iguais funciona apenas para compreender muitos dos interessantes
vencer está diretamente relacionada asas com sustentação zero. fenômenos associados à sustentação.
com a sua velocidade. A afirmação Decorre também da explicação
costumeira é que quando o ar se se- popular o fato de que vôos invertidos
As leis de Newton e a
para no bordo de ataque, a parte que são impossíveis. Ela certamente não sustentação
vai por cima da asa tem que chegar considera aviões de acrobacia, que têm Então, como é que uma asa gera
ao bordo de fuga no mesmo tempo asas simétricas (a parte superior e a sustentação? Para entender isto a pri-
que a parte do ar que foi por baixo. parte inferior da asa tem o mesmo meira e terceira leis de Newton (sobre
Isto é o chamado princípio dos tem- perfil) e muito menos como uma asa a segunda falaremos mais tarde)
pos de trânsito iguais. se ajusta às grandes devem ser relem-
A pergunta que fica é se os nú- variações de carga O argumento de que a asa bradas. A primeira
meros que são obtidos com a descrição quando sai de um se sustenta porque o ar lei de Newton afir-
realmente fazem sentido. Tomemos mergulho ou faz sobre ela flui mais ma que um corpo
um exemplo de um Cessna 172, que uma curva acen- rapidamente, criando uma em repouso perma-
é um avião muito popular de quatro tuada. região de baixa pressão, nece em repouso, ou
lugares e asa superior. As asas preci- A pergunta en- satisfaz os curiosos pouco um corpo em mo-
sam levantar uma carga máxima de tão é: por qual mo- atentos. Mas se tentarmos vimento continuará
vôo de 1.045 kg. O caminho percor- tivo a explicação imaginar o que faria o ar em movimento reti-
rido pelo ar que passa por cima da popular dominou andar mais rapidamente por líneo uniforme a
asa é aproximadamente 1,5% maior por tanto tempo? cima da asa, bem, não menos que uma
que o do caminho de baixo. Usando a Uma resposta é que encontraremos uma boa força externa atue
descrição popular, a asa criaria apenas o princípio de Ber- explicação... sobre ele. Ou seja, se
algo no entorno de 2% da susten- noulli é de fácil en- vemos o escoamen-
tação exigida a uma velocidade de tendimento. Não há nada errado com to se curvar ou se o ar, a princípio
104 km/h, um “vôo lento” para este o princípio ou com a afirmação de que parado, for repentinamente acelerado,
tipo de avião. Na verdade, os cálculos o ar flui mais rapidamente pela parte significa que há uma força atuando
mostram que seria necessária uma superior da asa. Porém, como a sobre ele. A terceira lei de Newton afir-
velocidade de no mínimo 640 km/h discussão acima sugere, não se pode ma que para cada ação há uma reação
para se conseguir sustentação sufi- compreender inteiramente a susten- igual em magnitude, mas no sentido

44 Uma descrição física do vôo Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006


massa. Uma outra maneira de expres- a estreita coluna de ar atrás de uma
sar a lei de Newton é dizendo: a hélice, um ventilador caseiro ou sob
sustentação de uma asa é proporcio- os rotores de um helicóptero. Todos
nal à quantidade de ar sendo desviado são exemplos de asas giratórias. Se o
para baixo multiplicado pela velo- ar saísse das pás com certo ângulo,
Figura 2. Representação muito comum do cidade vertical da mesma3. Simples ele produziria mais um cone de vento
fluxo de ar por uma asa. A asa não tem assim. Para conseguir um empuxo do que uma coluna estreita. A asa
qualquer sustentação. maior, a asa ou tem que deslocar mais desenvolve a sustentação transferindo
ar para baixo (massa) ou aumentar a momento para o ar. Para um vôo
contrário. Por exemplo, um objeto velocidade vertical. A componente nivelado em linha reta, este momento
sobre uma mesa exerce uma força so- vertical da velocidade do ar atrás da eventualmente acaba atingindo o
bre ela, e a mesa exerce uma força asa é a componente vertical do down- chão. Se um avião pudesse voar sobre
contrária que o mantém no lugar. A wash. A Fig. 4 mostra como o piloto uma balança gigante, a balança
fim de criar sustentação, a asa precisa vê o downwash (ou como o vemos em conseguiria pesá-lo.
fazer algo com o ar. Aquilo que a asa um túnel de vento). A figura mostra Façamos agora um cálculo sim-
faz com o ar é a ação, enquanto a também como uma pessoa no chão ples para ver quanto de ar uma asa
sustentação representa a reação. vê o downwash à medida que a asa pode separar. Tomemos por exemplo
Comparemos duas figuras para passa por ela. Para o piloto, o ar sai o Cessna 172 com uma massa de
ver as linhas de corrente de ar pela pelo bordo de fuga da asa com um aproximadamente 1.045 kg. Com
asa. Na Fig. 2 o ar vem direto em dire- ângulo aproximadamente igual ao uma velocidade de cruzeiro de
ção à asa, a contorna e sai direto pela ângulo de ataque e com uma veloci- 220 km/h e supondo um ângulo de
parte de trás da mesma. Todos já vi- dade aproximada- ataque efetivo de 5°,
mos figuras semelhantes a esta. mente igual à velo- A sustentação de uma asa é obtemos uma velo-
Porém o ar atrás que sai da asa está cidade da aeronave. igual à variação do cidade vertical do ar
exatamente igual a quando ele estava Para um observa- momento do ar que ela está de aproximada-
na frente da asa. Não há uma ação dor no solo, se ela desviando para baixo. De mente 18 km/h à
resultante sobre o ar e, portanto não ou ele pudessem ver outra maneira, podemos direita da asa. Se su-
pode haver sustentação! o ar, o veriam sain- dizer que ela é proporcional pusermos que a
A Fig. 3 mostra as linhas de cor- do do bordo de fuga à quantidade de ar sendo velocidade vertical
rente como elas realmente deveriam quase que na verti- desviado para baixo média do ar des-
ser desenhadas. O ar passa pela asa e cal com uma velo- multiplicado pela velocidade viado é metade deste
é encurvado para baixo. A primeira cidade relativamen- vertical da mesma valor, podemos cal-
lei de Newton diz que deve haver uma te baixa. Quanto cular da segunda lei
força sobre o ar para encurvá-lo (a maior o ângulo de ataque da asa de Newton que a quantidade de ar
ação). A terceira lei de Newton diz que maior a velocidade vertical do ar. Do desviado é da ordem de 5 ton/s.
deve haver uma força igual, mas em mesmo modo, para um ângulo de Assim, um Cessna 172 em velocidade
sentido contrário (para cima) sobre a ataque fixo, quando maior a velo- de cruzeiro está desviando aproxima-
asa (reação). Para poder criar uma cidade da aeronave maior a velocidade damente uma quantidade de massa
sustentação, a asa precisa desviar uma vertical do ar. Tanto o aumento do de ar 5 vezes maior que a sua própria
grande quantidade de ar para baixo. ângulo de ataque quanto o aumento massa a fim de produzir uma susten-
A sustentação de uma asa é igual da velocidade do avião fazem aumen- tação. Imagine quanto de ar é desvia-
à variação do momento do ar que ela tar o comprimento da componente do por um Boeing 777 de 250 tonela-
está desviando para baixo. O momen- vertical para baixo da velocidade. É das durante a decolagem.
to é o produto da massa pela veloci- esta velocidade vertical que dá à asa Desviar tanto ar assim para baixo
dade (mv). A forma mais comum de sua sustentação. é um forte argumento contra a idéia
expressar a segunda lei de Newton é Como já dito, um observador em de que a sustentação é apenas um
F = ma, ou seja, força é igual à massa terra veria o ar atrás da asa saindo efeito da superfície da asa (quer dizer,
vezes aceleração. Nesta formulação a quase que diretamente para baixo. apenas uma pequena quantidade de
lei nos diz qual a força necessária para Isto pode ser visto quando se observa ar no entorno da asa contribui para a
acelerar um objeto com uma certa

Figura 3. Fluxo de ar verdadeiro pela asa,


mostrando o upwash e o downwash. Figura 4. Como o downwash é visto pelo piloto e por um observador em terra.

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Costuma-se olhar para o fluxo de
ar do ponto de vista do referencial da
asa. Em outras palavras, para um
piloto, é o ar que se move e a asa que
está parada. Já afirmamos que uma
pessoa em terra veria o ar saindo do
bordo de fuga da asa quase na verti-
cal. Mas o que faz o ar embaixo da Figura 6. Direção do movimento do ar em
asa? Na Fig. 6 mostramos uma foto torno de uma asa como vista por um
instantânea de como as moléculas do observador em terra.
ar se deslocam à medida que a asa
Figura 5. Downwash e vórtices de asas na passa pelo observador. Lembre-se que mais importante. Por este motivo,
neblina. (Paul Bowen, cortesia da Cessna nesta figura o ar está inicialmente em aviões podem carregar coisas sob as
Aircraft Co.). repouso e a asa é que se move. A seta asas, como tanques descartáveis ou
1 vira a seta 2 e assim por diante. À compartimentos de armazenamento,
sustentação), como se deduz da frente do bordo de ataque o ar se move mas não em seu topo, onde elas
explicação popular. Pois, para poder para cima (upwash). No bordo de interfeririam na sustentação. É por
desviar 5 ton/s, a asa do Cessna 172 fuga, o ar desloca-se para baixo isso que struts4 sob as asas são co-
teria que acelerar todo o ar dentro de (downwash). Sobre a asa o ar é acele- muns, mas as mesmas sobre as asas
uma distância de 7,3 m acima da asa. rado em direção ao bordo de fuga. são historicamente raras. Um strut ou
Não nos esqueçamos de que a densi- Embaixo, o ar é levemente acelerado qualquer obstrução sobre o topo da
dade do ar no nível do mar é de aproxi- para frente. asa interferiria na sustentação da
madamente 1 kg/m³. A Fig. 5 mostra Porque o ar acompanha este pa- mesma.
o efeito do ar sendo jogado para baixo drão? Primeiro nos lembremos que o
pela asa. Surge um enorme buraco na ar é considerado um fluido incompres- Efeito Coanda
neblina causado pelo downwash de sível para vôos de baixa velocidade. Uma questão que surge natural-
um avião que acabou de sobrevoá-la. Isto significa que ele não pode mudar mente é como a asa desvia o ar para
Como, então, a asa desvia tanto seu volume e há uma resistência ao baixo. Quando um fluido que escoa
ar? Quando o ar se curva ao redor do surgimento de espaços vazios. Bem, encontra uma superfície curva pela
topo da asa, ele puxa o ar acima dele mas o ar foi acelerado no topo da asa frente, ele tentará acompanhar o perfil
acelerando-o para baixo. Caso contrá- pela redução da pressão. Isto faz com daquela superfície. Para ver este efeito,
rio haveria lacunas no ar acima da que o ar seja sugado da parte da frente segure um copo debaixo de um filete
asa. O ar é puxado da asa e seja expelido de água de uma torneira de modo a
A parte superior da asa faz
de cima. Isto faz para trás e para bai- fazer com que a água toque levemente
muito mais para mover o ar
com que a pressão xo da asa. É preciso o lado do copo. Ao invés de continuar
do que a parte de baixo. Por
do ar acima da asa compensar este des- fluindo na vertical, a presença do copo
este motivo, aviões podem
se torne menor. A locamento de ar e, faz a água grudar-se nele e escorrer
carregar compartimentos
aceleração do ar portanto, o ar se pela sua superfície, como mostra a
sob as asas, mas não em
acima da asa para move no entorno da Fig. 7. Esta tendência dos fluidos de
seu topo, onde elas
baixo é que cria a asa para suprir esta acompanharem uma superfície curva
interfeririam na sustentação
sustentação (na falta. Isto é análogo é conhecida como efeito Coanda.
próxima seção dis- ao escoamento de Sabemos, porém, da primeira lei de
cutiremos a razão pela qual a asa pu- água em torno do remo de uma Newton, que se o líquido se encurva
xa o ar com força suficiente para gerar canoa. Esta circulação do ar em torno é porque deve haver uma força atuan-
sustentação). da asa não é a força motriz que pro- do sobre ele, e a terceira lei de New-
Como podemos ver na Fig. 3, algo duz sustentação tanto quanto a circu- ton nos diz que o fluido exerce uma
que complica esta imagem é o efeito lação da água em torno do remo não
do upwash no bordo de ataque da asa. é responsável pelo movimento deste,
À medida que ela se desloca, o ar não embora seja verdade que se for
apenas é empurrado para baixo na possível calcular a circulação do ar ao
parte de trás da asa como é também redor da asa, então a sustentação pode
empurrado para cima no bordo de ser calculada. A sustentação é propor-
ataque. Este upwash, na verdade, cional à circulação.
provoca uma sustentação negativa e Uma observação que podemos
mais ar precisa ser jogado para baixo fazer, a partir da Fig. 6, é que a parte
para compensar este efeito. Discuti- superior da asa faz muito mais para
remos isso mais para frente quando mover o ar do que a parte de baixo. A
falarmos do efeito solo. superfície superior é, deste modo, Figura 7. O efeito Coanda.

46 Uma descrição física do vôo Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006


força de reação igual, mas em sentido uma contribuição significativa da parte
oposto sobre o copo. de baixo). O que todas estas asas têm
Então por que o fluido acompa- em comum é um ângulo de ataque em
nha o perfil da superfície? A resposta relação ao ar que contra elas sopra. O
é a viscosidade, a resistência ao escoa- ângulo de ataque é o parâmetro mais
mento que também faz com que o ar importante que determina a sustenta-
tenha certa “aderência”. A viscosidade ção da asa.
do ar é pequena, mas o suficiente para Para melhor entender o papel do
fazê-lo querer se grudar na superfície. ângulo de ataque, é útil introduzirmos
Imediatamente sobre a superfície, a o conceito de ângulo de ataque “efeti-
velocidade relativa entre esta e as mo- vo”, cujo valor zero é definido como o
léculas do ar é zero (razão pela qual ângulo entre a asa e o ar para o qual a Figura 8. Sustentação vs. ângulo de ata-
não se consegue tirar a poeira de um sustentação é nula. Ao se mudar o ân- que.
carro jogando água gulo de ataque para
sobre ele). Um pou- Há vários tipos de asa: cima ou para baixo, Costumamos imaginar a asa como
co acima da super- convencionais, simétricas, descobre-se que a sendo uma lâmina delgada que vai
fície o fluido tem convencionais em vôo sustentação é pro- cortando o ar e de alguma maneira
uma pequena velo- invertido, etc. O que todas porcional ao ân- mágica gera uma sustentação. A nova
cidade e quanto elas têm em comum é um gulo. A Fig. 8 ilustra idéia que gostaríamos de adotar aqui
mais longe nos afas- ângulo de ataque em como a sustentação é aquela da asa como uma concha que
tamos da superfície, relação ao ar que contra de uma asa típica desvia certa quantidade de ar da
mais aumenta a ve- elas sopra... varia com o ângulo direção horizontal para uma direção
locidade do fluido de ataque. Uma aproximadamente igual ao ângulo de
até que ela atinja o valor do fluxo li- relação semelhante a esta existe para ataque, como mostra a Fig. 9. Para
vre. Uma vez que o fluido na super- todo tipo de asa, independentemente de asas de aviões típicos, podemos falar
fície muda de velocidade, seu fluxo é sua forma - isto vale para a asa de um com uma boa medida de aproximação
encurvado em direção à superfície por 747, para uma asa invertida ou para a que a área da concha é proporcional à
forças de cisalhamento. A menos que sua mão do lado de fora da janela do área da asa. O formato da concha é
a curvatura da superfície seja muito carro. A asa invertida pode ser explicada aproximadamente elíptico para todas
abrupta, o fluido seguirá o perfil da em termos de seu ângulo de ataque, as asas, como ilustrado na figura.
mesma. O volume de ar ao redor da não obstante sua aparente contradição Uma vez que a sustentação é propor-
asa que parece estar parcialmente com a explicação popular da susten- cional ao volume de ar desviado, ela
grudado a ela é chamado de “camada tação. Um piloto ajusta o ângulo de é, portanto, também proporcional à
limite” e tem menos de 2,5 cm de ataque para assim conseguir ajustar a área da asa.
espessura mesmo em asas grandes. sustentação à velocidade e à carga da Como dito anteriormente, a sus-
Olhe novamente para a Fig. 3. As aeronave. Para se en- tentação gerada por
magnitudes das forças sobre o ar (e tender a sustenta- ...e o ângulo de ataque é o uma asa é propor-
sobre a asa) dependem de quão “fecha- ção, o ângulo de ata- parâmetro mais importante cional à quantidade
das” são as curvas que o ar faz. Quanto que desempenha pa- que determina a de ar deslocado para
mais a curva for fechada, maiores as pel mais importante sustentação da asa baixo multiplicado
forças atuantes. Note que a maior parte do que detalhes da pela sua componen-
da sustentação ocorre na parte dian- forma das asas. O formato da asa te vertical de velocidade. À medida que
teira da asa. Na verdade, metade da aparece quando queremos entender as um avião aumenta sua velocidade, a
sustentação total de uma asa surge na características do estol ou do arrasto a concha desvia maior quantidade de ar.
região dianteira que corresponde a 1/4 grandes velocidades. Como a carga sobre as asas não au-
do comprimento da corda. A sustentação diminui tipicamen- menta, a velocidade vertical do ar deve
te a partir de um “ângulo crítico” de diminuir na mesma proporção. Assim
Sustentação como função do 15°. As forças necessárias para encur- o ângulo de ataque precisa diminuir
ângulo de ataque var o fluxo de ar em ângulos tão para manter constante a sustentação.
Há vários tipos de asa: convencio- íngremes são maiores que a viscosi- Quanto mais alto sobe o avião, menos
nais, simétricas, convencionais em vôo dade do ar pode suportar, e o ar come-
invertido, as asas dos biplanos antigos ça a se desprender da asa. Esta sepa-
que pareciam pranchas curvas e a ração entre o fluxo de ar e a parte
famosa “porta de celeiro” (barn door). superior da asa é o chamado estol.
Em todos estes casos a asa está jogando
ar para baixo, ou mais precisamente, A asa enquanto “concha” de ar
puxando o ar sobre ela para baixo Gostaríamos agora de introduzir
(embora as primeiras asas usassem uma nova imagem mental da asa. Figura 9. A asa enquanto “concha”.

Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006 Uma descrição física do vôo 47


denso se torna o ar e a concha desvia potência do que sim-
uma quantidade menor de ar para plesmente a potência
uma mesma velocidade. Assim, para necessária para manter
compensar, é preciso aumentar o a sustentação. A potên-
ângulo de ataque. Os conceitos desta cia associada à susten-
seção serão utilizados para explicar- tação é chamada de po-
mos a sustentação de uma maneira tência “induzida”.
que seria impossível com a explicação Potência também se faz
popular. necessária para vencer o
que chamamos de ar-
Sustentação requer potência rasto “parasitário”, que
Quando um avião passa por sobre é o arrasto associado
algum lugar, o ar que estava parado com o movimento das
anteriormente adquire uma veloci- rodas, das antenas e dos
dade para baixo, ou seja, o ar passa a struts sustentadores de
se movimentar após a passagem do asas através do ar. A Figura 10. Necessidade de potência vs. velocidade.
avião. Ao ar foi dada energia. Potência energia que um avião
é energia, ou trabalho por unidade de fornece às moléculas de ar em função para aumentar a velocidade de cruzei-
tempo e, portanto, sustentação requer do impacto é proporcional ao quadra- ro. Caso o tamanho do motor seja
potência. Esta vem dos motores do do da velocidade (1/2mv²). O número duplicado, obtém-se apenas um au-
avião (ou da gravidade e das correntes de moléculas com as quais o avião se mento de aproximadamente 25% na
térmicas no caso de planadores). choca por unidade de tempo é propor- velocidade de cruzeiro.
Quanta potência é necessária para cional à velocidade. Quanto mais Uma vez que agora sabemos co-
voar? Se dermos um tiro com uma rápido se voa, maior a taxa de impac- mo a potência necessária varia com a
bala de massa m e velocidade v a ener- to. Assim a potência parasitária neces- velocidade, podemos entender o arras-
gia dela será 1/2mv². Do mesmo mo- sária para se superar o arrasto to, que é também uma força. Arrasto
do, a energia do ar que foi movido parasitário aumenta proporcional- é simplesmente potência dividida pela
para baixo é proporcional à quanti- mente à velocidade. velocidade. A Fig. 11 ilustra o arrasto
dade do mesmo e ao quadrado da A Fig. 10 mostra as “curvas de induzido, o arrasto parasitário e o
velocidade por ele adquirida. Mas já potência” para a potência induzida, arrasto total como função da veloci-
mencionamos o fato de que a susten- parasitária e total (a soma das duas dade. O induzido varia como 1/v² e o
tação de uma asa também é propor- primeiras). De novo, a induzida varia parasitário como v². Olhando para
cional à quantidade de ar desviado com 1/v e a segunda com v. Para velo- estas figuras, podemos tirar algumas
multiplicado pela componente verti- cidades baixas, a potência necessária conclusões sobre como aviões são pro-
cal da velocidade adquirida. Assim, a é dominada pela potência induzida. jetados. Aviões mais lentos, como pla-
potência necessária para levantar um Quanto mais devagar se voa, menor nadores, são projetados visando a di-
avião é proporcional à carga (ou peso) o ar deslocado e, portanto, o ângulo minuir a potência induzida que
multiplicado pela velocidade vertical de ataque deve aumentar para au- domina em velocidades baixas. Aviões
do ar. Se a velocidade do avião dobra, mentar a velocidade vertical do ar. a hélice mais velozes têm que se preo-
dobra a quantidade de ar desviado pa- Pilotos aprendem a voar no “lado de cupar mais com a potência parasi-
ra baixo. Assim, para manter uma trás” da curva de potência para assim tária, e aviões a jato com o arrasto
sustentação constante, o ângulo de aprender a reconhecer
ataque tem que diminuir para que as- que o ângulo de ataque e
sim a velocidade vertical caia pela me- a potência necessária
tade de seu valor inicial. A potência para permanecer em vôo
necessária para a sustentação se reduz são consideráveis.
à metade. Isto mostra que a potência Em vôo de cruzeiro,
necessária para manter um avião no a necessidade de potência
ar se torna menor com o aumento da é dominada pela potência
velocidade do avião. Na verdade, mos- parasitária. Uma vez que
tramos que a potência necessária para ela aumenta com o cubo
gerar sustentação é inversamente da velocidade (v³), um
proporcional à velocidade do avião. aumento no tamanho do
Porém, todos nós sabemos que motor do aeroplano con-
para nos deslocarmos mais rápido tribui apenas para que ele
(em velocidade de cruzeiro) precisa- ascenda mais rapida-
mos aplicar mais potência. Disto con- mente (maior taxa de as-
cluímos que há algo mais por trás da censão), mas pouco faz Figura 11. Arrasto vs. velocidade.

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parasitário (a diferença entre estes está o aumento da área, um aerofólio de obtido de dados reais). Uma vez que
além da abrangência deste artigo). tamanho infinito não requer potência a velocidade é constante, a mudança
alguma para se sustentar no ar. Se na taxa de consumo de combustível é
Eficiência da asa para a sustentação não fosse neces- devida à mudança da potência indu-
Em vôo de cruzeiro, uma quanti- sária qualquer potência, aviões carre- zida. Os dados são ajustados por uma
dade não desprezível do arrasto de gados teriam o mesmo alcance que constante (potência parasitária) e um
uma asa moderna é o arrasto induzi- quando vazios, e helicópteros pode- termo proporcional ao quadrado da
do. O arrasto parasitário de uma asa riam voar em qualquer altitude e com carga. Este segundo termo é exata-
de um Boeing 747 é equivalente qualquer carga. Melhor ainda, hélices mente aquele que havíamos previsto
àquela de um cabo de 1/2 polegada (que são asas em rotação) não neces- na nossa discussão baseada nas leis
de espessura do mesmo comprimento. sitariam de potência alguma para de Newton sobre o efeito da carga so-
A pergunta então é o que afeta a efi- produzir tração. Infelizmente vivemos bre a potência induzida.
ciência de uma asa. Vimos que a po- no mundo real, onde tanto sustenta- O aumento do ângulo de ataque
tência induzida de uma asa é propor- ção quanto propulsão requerem com aumento de carga tem um lado
cional à velocidade vertical do ar. Se potência. negativo além daquele do aumento da
aumentássemos a área da asa, o ta- potência necessária. Como mostrado
manho de nossa concha também au- Potência e carga sobre a asa na Fig. 8, uma asa eventualmente
mentaria, desviando mais ar. Deste Vejamos agora a relação entre po- entrará em estol sempre que o ar não
modo, para uma mesma sustentação, tência e carga sobre a asa. Se a carga mais puder acompanhar o formato
a velocidade vertical (e, portanto o sobre uma asa é aumentada à veloci- da superfície superior da asa, ou seja,
ângulo de ataque) teria que ser redu- dade constante da aeronave, a veloci- quando o ângulo crítico é atingido. A
zida. Uma vez que dade vertical do ar Fig. 13 mostra o ângulo de ataque
a potência induzida Algumas pessoas cometem deslocado deve ser como função da velocidade do ar para
é proporcional à a falácia de achar que aumentada para o caso de uma carga fixa e uma curva
velocidade vertical sustentação não requer compensar o au- de 2 g. O ângulo de ataque crítico no
do ar, ela também potência. Este erro vem do mento da carga. Isto qual o avião entra em estol é constan-
é reduzida. Assim, estudo de casos ideais da se obtém aumen- te e não depende da carga sobre a asa.
a eficiência da sus- teoria de seções de asas tando o ângulo de O ângulo de ataque aumenta com a
tentação de uma (aerofólios) em aeronáutica ataque. Se o peso to- carga e a velocidade de estol aumenta
asa aumenta com a tal de um avião do- com a raiz quadrada da carga. Assim,
área da mesma. Quanto maior a asa, brar (como por exemplo em uma se dobrarmos a carga em uma curva
menor a potência induzida necessária curva com 2 g)5, e a velocidade não com 2 g, a velocidade no qual o avião
para produzir uma mesma quantida- variar, a velocidade do ar tem que entra em estol aumenta em 40%. Um
de de sustentação, embora isto seja dobrar para compensar
obtido com um aumento do arrasto o aumento da carga
parasitário. sobre as asas. A po-
Como discutiremos brevemente tência induzida, sendo
na seção sobre o efeito solo, a carga proporcional ao produ-
adicional sobre a asa em vôo reto e to da carga pela velo-
nivelado devido ao upwash é igual ao cidade do ar desviado,
peso do avião vezes 2/AR, onde AR deve ser quadruplicada,
(iniciais de aspect ratio) é a razão de uma vez que ambos os
aspecto definida como a razão entre a fatores dobraram de
envergadura da asa e a corda média. valor. Ou seja, a potên-
Assim, quando temos que decidir en- cia induzida é propor-
tre duas asas de mesma área mas AR cional ao quadrado da
diferentes, a asa com maior AR é mais carga.
eficiente. Uma maneira de
Algumas pessoas cometem a fa- medir a potência total é
lácia de achar que sustentação não re- olhar para a taxa de
quer potência. Este erro vem do estu- consumo de combus-
do de casos ideais da teoria de seções tível. A Fig. 12 mostra
de asas (aerofólios) em aeronáutica. esta taxa em função do
Quando nestes textos se lida com peso bruto de um avião
aerofólios, na verdade estão tratando de carga de grandes
do caso de um com envergadura infi- proporções viajando a
nita. Como vimos que a potência uma velocidade cons- Figura 12. Consumo de combustível vs. carga bruta para um
necessária para sustentação cai com tante (este gráfico foi grande avião de transporte voando a uma velocidade constante.

Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006 Uma descrição física do vôo 49


dade tão maior de ar, o asa, isto causa um aumento de efi-
efeito resultante é que ciência. O problema é que o projeto
a lâmina do downwash de winglets não é simples e elas podem,
começará a enrolar-se na verdade, piorar o desempenho se
sobre si própria para não forem projetadas corretamente.
longe da fuselagem, da
mesma maneira que o O efeito solo
ar se curva sobre a Um outro fenômeno comum e
parte superior da asa freqüentemente incompreendido é o
devido à mudança de efeito solo, que é o aumento de efi-
sua velocidade. Isto é o ciência da asa quando um avião voa
que se chama de vórtice a uma altitude igual ao comprimento
de asa. O quão fechados da asa. Um avião com asa inferior
Figura 13. Ângulo de ataque vs. velocidade para um vôo estes vórtices são de- sente uma redução de 50% no arrasto
plano e em linha reta e para uma curva de 2 g. pende da taxa de mu- pouco antes de pousar. Este fenômeno
dança da sustentação é usado por grandes aves, que às vezes
aumento na altitude aumentará ainda ao longo da asa, ou seja são direta- podem ser observadas voando pouco
mais o ângulo de ataque em uma mente proporcionais à taxa de mu- acima da superfície da água. Pilotos
curva de 2 g. É por este motivo que dança. Na ponta da asa a sustentação que decolam de pistas de grama alta
pilotos treinam “estol acelerado”, que deve cair rapida- ou pistas de decola-
mostra que um avião pode entrar em mente para zero, Winglets (aquelas pequenas gem macias tam-
estol em qualquer velocidade, uma razão pela qual aí os extensões verticais na ponta bém utilizam o efei-
vez que para cada velocidade sempre vórtices são mais de algumas asas) são to solo. Muitos pi-
haverá uma carga que induzirá uma fechados. Este vór- empregadas para melhorar lotos erroneamente
perda de sustentação. tice, chamado de a eficiência das asas acreditam que este
vórtice de ponta da aumentando-as em efeito é devido ao ar
Vórtices de asa asa, é apenas uma comprimento efetivo e, ser comprimido en-
Podemos nos perguntar qual a pequena fração do portanto, em área tre a asa e o chão.
aparência do downwash de uma asa. vórtice total da asa, Para entender
O downwash sai da asa como uma embora geralmente seja o mais visível. este efeito, temos que olhar novamen-
lâmina de ar e depende dos detalhes Voltando à Fig. 5, podemos clara- te para o upwash. Note, na Fig. 15,
da distribuição de carga sobre a mes- mente ver o surgimento dos vórtices que o ar se desvia de seu fluxo hori-
ma. A Fig. 14 ilustra, por meio da de asa bem como dos de ponta da asa. zontal para formar o upwash. A
condensação, a distribuição de susten- Winglets (aquelas pequenas exten- primeira lei de Newton diz que deve
tação em um avião durante uma sões verticais na ponta de algumas haver uma força sobre ele para que
manobra com um alto g. A partir des- asas) são empregadas para melhorar isto ocorra, e esta deve estar dirigida
ta figura podemos ver como a distri- a eficiência das asas aumentando-as para cima. A terceira lei de Newton
buição de carga muda da parte da asa em comprimento efetivo e, portanto, diz que deve haver uma força igual e
junto à fuselagem até a sua ponta, o em área. A sustentação da asa vai a oposta em sentido sobre a asa, ou seja,
que significa que a quantidade de zero na ponta porque ali o ar do topo para baixo. O resultado é que um
downwash deve ser diferente em dife- e da parte de baixo se encontram. As upwash aumenta a carga sobre a asa.
rentes pontos da asa. A parte da asa winglets impedem que isso ocorra, de Para compensar este aumento, a asa
junto à fuselagem está “puxando” modo que a sustentação se estende precisa voar com um ângulo de ata-
muito mais ar do que a parte da pon- para mais longe na asa. Uma vez que que maior e, portanto, com uma
ta. Por estar desviando uma quanti- a eficiência aumenta com a área da maior potência induzida. À medida

Figura 14. Condensação mostrando a dis-


tribuição de sustentação ao longo da asa
(extraído de Patterns in the Sky, J.F. Camp-
bell e J.R. Chambers, NASA, SP-514). Figura 15. Asa no efeito solo.

50 Uma descrição física do vôo Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006


que a asa se aproxima do chão, a
circulação sob ela fica impedida de
ocorrer. Como conseqüência, como se
vê na Fig. 16, há uma redução no
upwash e na carga adicional sobre a
asa a ele devida. Como compensação,
o ângulo de ataque diminui e com ela
a potência induzida. A asa se torna
mais eficiente.
A carga adicional devida ao
upwash é igual ao peso da aeronave
multiplicada por 2/AR. A maioria dos
Figura 16. Redução do upwash devido à proximidade do solo
aviões pequenos que tem um AR igual
a 8 pode sentir uma redução de até do ar.
25% na carga sobre a asa devido ao Vejamos agora algumas situações pode ser satisfatória para muitos,
efeito solo. Uma vez que a potência do ponto de vista físico e do ponto de mas ela não nos fornece as ferra-
induzida é proporcional ao quadrado vista da explicação popular. mentas necessárias para realmente
da carga, isto representa uma redução • A velocidade do avião diminui. entendermos o vôo. A abordagem
de 50% na potência. Estimamos Neste caso a abordagem física diz que física é fácil de entender e muito mais
anteriormente que um Cessna 172 a quantidade de ar desviada diminui poderosa.
voando a 220 km/h precisa deslocar e, portanto o ângulo de ataque tem
aproximadamente 5 ton/s de ar para que aumentar para compensar a Notas
gerar sustentação. Em nossos cálculos diminuição. A potência necessária 1
A velocidade de estol é aquela abaixo da
desprezamos a contribuição do para sustentação também tem que qual o avião não é mais capaz de se
upwash. A quantidade de ar desviada aumentar. A abordagem popular não manter no ar (N.T.).
é provavelmente próxima de 6 ton/s. consegue explicar estes fatos. 2
Ver o artigo de Eastlake neste número.
• A carga aumenta. A abordagem
Conclusões física diz que a quantidade de ar des- 3
, se a
Façamos uma breve revisão do viada continua a mesma, mas o velocidade do ar é constante. Para a
que aprendemos para que tenhamos ângulo de ataque tem que aumentar sustentação, somente a componente
uma idéia de como a descrição física para produzir sustentação adicional. vertical da aceleração é relevante
nos permite melhor entender o vôo. A potência necessária para sustenta- (N.T.).
4
Primeiro aquilo que aprendemos: ção também aumenta. Aqui também Struts vem do inglês structures e é utilizado
em aviação para se referir a quaisquer
• A quantidade de ar desviada pela a abordagem popular não consegue
estruturas sob as asas que servem pa-
asa é proporcional à velocidade da asa dar conta destes fatos. ra lhe dar estabilidade estrutural. São
e à densidade do ar. • Um avião faz um vôo invertido. normalmente usadas entre as asas de
• A velocidade vertical do ar des- Para a abordagem física não há qual- biplanos (N.T.).
viado é proporcional à velocidade da quer contradição nisto. O avião sim- 5
As asas devem gerar alguma sustentação
asa e ao ângulo de ataque. plesmente ajusta o ângulo de ataque extra para puxar o avião durante a
curva (força centrípeta). Esta susten-
• A sustentação é proporcional à da asa invertida para conseguir a tação extra é usualmente medida em
quantidade de ar desviado multiplica- sustentação necessária. Na aborda- unidades da aceleração da gravidade
do pela velocidade vertical do ar. gem popular, o vôo invertido é impos- g, de modo que uma curva modera-
• A potência necessária à susten- sível. damente íngreme de 2 g equivale a
duas vezes a força exercida pela gra-
tação é proporcional à sustentação Como vemos, a explicação popu- vidade (N.T.).
multiplicada pela velocidade vertical lar, que se atém ao formato da asa,
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As coisas são mais belas quando vistas de cima

As invenções são, sobretudo, resultado de um trabalho teimoso

O meu primeiro balão, o menor, o mais lindo, o único que teve um nome: Brasil

Alberto Santos Dumont

Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006 Uma descrição física do vôo 51

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