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500 anos de resistência e luta pela vida

Éden Magalhães1

Eram mais de cinco milhões de pessoas no Brasil antes da chegada das


caravelas de Cabral, em 1500. E se calcula que eram mais de 900 povos
diferentes que habitavam estas terras, cada um vivendo a seu modo, em seu
território. Esses povos tinham a sua própria história, seus modos de vida, suas
culturas e tradições, sua religião, sua sabedoria. Na primeira carta escrita por
Pero Vaz de caminha ao rei de Portugal dando notícias dessas terras, ele conta
que os primeiros encontros com os povos indígenas foram cordiais, cercados
de trocas de presentes e de entusiasmo. Mas essa primeira impressão positiva
sobre os índios não foi suficiente para anular a carga de preconceitos dos
europeus. Por causa disso, as diferenças culturais passaram a ser vistas como
pecados e como costumes primitivos que deveriam ser abandonados.

Até hoje a história que escutamos na escola, na televisão, nos livros, fala do
“descobrimento do Brasil”. Descobrir, diz o dicionário, é achar pela primeira
vez. Neste caso, foram os índios que descobriram o Brasil, pois seus
ancestrais viviam aqui há mais de 40 mil anos. E para os povos que viviam
nestas terras, a chegada dos portugueses foi o começo de uma grande invasão
e de uma história de dor e sofrimento. A colonização do Brasil significou, para
os povos indígenas, a perda gradual de suas terras, de sua liberdade e de sua
autonomia.

O processo de colonização, a escravização e as epidemias trazidas da Europa


foram responsáveis por um verdadeiro extermínio de povos e de culturas.
Muitos desapareceram, outros fugiram para regiões que não estavam
acostumados e perderam seus conhecimentos, acumulados por séculos,
enquanto outros povos foram escravizados e submetidos a formas de viver
estranhas aos seus costumes. Em 1975 houve um grande encontro dos povos
indígenas, na cidade de Port Alberni, Canadá, e lá eles escreveram esta
Declaração Solene:

“Quando a terra-mãe era nosso


alimento,
Quando a noite escura formava o
nosso teto,
Quando o céu e a lua eram nossos
pais,
Quando todos éramos irmãos e irmãs,
Quando nossos caciques e anciãos
eram grandes líderes,
Quando a justiça dirigia a lei e a sua
execução,

Aí outras civilizações chegaram!

1
Coordenador do Conselho Indigenista Missionário da Amazônia Ocidental. Este texto foi reproduzido
do POVOS DO ACRE: História Indígena da Amazônia Ocidental publicado pela Fundação de
Cultura e Comunicação Elias Mansour (FEM), Rio Branco, 2002.
Com fome de sangue, de ouro, de
terra e de todas as riquezas, trazendo
numa mão a cruz e na outra a espada,
sem conhecer ou querer aprender
os costumes de nossos povos, nos
classificaram abaixo dos animais,
roubaram nossas terras e nos levaram
para longe delas, transformando
em escravos os filhos do sol.
Entretanto não puderam nos eliminar
Nem nos fazer esquecer o que somos...
E mesmo que nosso universo inteiro
seja destruído
Nós viveremos por mais tempo que o
império da morte!”

A violência praticada contra os povos indígenas nesses 500 anos se repete


hoje, de diferentes maneiras: através de invasões de suas terras, das
perseguições e assassinatos de suas lideranças, da construção de grandes
projetos (hidrelétricas, hidrovias, rodovias, etc.) em suas áreas, do roubo dos
recursos da biodiversidade e dos conhecimentos indígenas, do ecoturismo que
desrespeita seus espaços de vida. Todas essas formas de violência são
estimuladas pelos governos que pregam o desenvolvimento a qualquer preço.

A situação em que vivem os povos indígenas e grande parte da população


brasileira, é resultado do modelo de organização da nossa sociedade, baseado
na apropriação privada dos recursos e da terra e na exploração do trabalho.
Essa lógica de organização econômica, política e social gera uma profunda
desigualdade e leva ao desrespeito dos direitos da pessoa humana. Para os
povos indígenas os efeitos são devastadores, a violência se intensifica e a
exploração sem limites dos recursos naturais traz repercussões desastrosas
para as futuras gerações.

Na história desses 500 anos, marcada pela violência, a maior lição que
podemos aprender é a da resistência dos povos indígenas, dos negros, dos
movimentos populares. Os povos indígenas não aceitaram passivamente a
dominação, a destruição de seus modos de vida, de suas aldeias, de suas
famílias e a invasão de suas terras. E por causa da luta pela vida e para
defender o que era seu, os povos indígenas foram considerados violentos,
bárbaros, vingativos, selvagens.

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