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Desde a época das Upanishads (primeira grande corrente filosófica da Índia,


o berço dos Vedas), a índia só esteve verdadeiramente preocupada com um
único tema: a estrutura da condição humana, a análise rigorosa dos
diversos condicionamentos do ser humano. Não procuraram chegar a uma
explicação precisa e coerente do homem (como se processou no ocidente
no séc. XIX com base nos condicionamentos hereditários e sociais) mas
antes perceber até onde se estendiam as zonas condicionadas do ser
humano e ver se existiria alguma coisa para além desses condicionamentos.

Os grandes obstáculos à vida ascética (devota, iluminada, sagrada) e


contemplativa provinham da actividade do inconsciente, dos ³ a a è e
dos ³a è (impregnações, resíduos, latências) que se designam por
conteúdos e estruturas do inconsciente. O importante para o conhecimento
não era conhecer estas latências, mas dominá -las, trabalhar sobre os
conteúdos do inconsciente para os ³queimarè (sublimar). ³a
a  a 
a     a        a      a  a
 a   a !      aa    "  è(Yoga Sútra, 2,3). As
expressões de apego são denominadas a a (fontes de angústia) pois
estas resultam em todos os casos no acumular de vivências aflitivas.
Somente com a libertação desse s a a é que o yoguin pode interromper
a corrente kármica (a lei da acção e reacção) e libertar -se além da condição
humana. ³ a       #       $  a 
a aa a a     a  a         a  a 
a  a a    a % a a  %       &  
             %a%      &
 a !a a a' (a a a a a   a ) a %
 &   a    %a % a     a   a
    a  a   a a a a a   !    aa  a  
  a  # a        & a a   a.è
(Potter, Karl. *    +
   , aa  -  .   , 1980,
Berkeley) .

Patãnjali descobriu cinco matrizes produtoras de estados psicomentais (citta


vritti): a standardização ou o idealizável (prámana); a concepção errónea
(viparyaya); a imaginação sem base factual (vikalpa); o sono e a ausência
de ideias e experiências (nidrá); e a memória (smrti).

Patañjali enumera de seguida as cinco causas para que as    causem


sofrimento, aflições (a a): a ignorância ( / ); o sentimento de
individualidade ( a ); a paixão e o apego (   ); o aborrecimento, a
aversão (a ); e o amor pela vida, vontade de viver, e o medo da morte
(
a ) (Yoga Sútra 2,3 e o comentário de Vyása). Todos os  a
produzem sofrimento, aflições (a a), a vida humana na sua totalidade é
dolorosa.
Patañjali descreve os vásaná como ³sensações subconscientes específicasè.
Estes alimentam sem cessar o fluxo psicomental, a série infinita dos
cittavritti. São inapreensíveis, difíceis de controlar e dominar, a
³potencialidadeè carateriza a sua dinâmica e obriga-os a manifestarem-se e
a actualizarem-se sob a forma de actos de consciência . ³Os  a  têm
origem na memóriaè (Vyása), a vida é uma descarga contínua de  a 
que se manifestam através dos  . Os  a  transmitem-se
hereditariamente, historicamente e etnicamente, de geração em geração,
pela linguagem, costumes e cultura, ou transmigração kármica.

Torna-se inútil tentar modificar os estados de consciência (   )


enquanto não se controlarem e dominarem as latências psic omentais
( a  ), é indispensável cortar-se o circuito subconsciente-consciente, e é
o corte deste fluxo que as técnicas yoguicas se propõem a fazer, aniquilar o
fluxo psicomental. As latências querem sair à luz, actualizar-se, tornar-se
estados de consciência. A resistência que o subconsciente opõe a todo o
acto de renúncia ou de iluminação é o sinal do medo sentido por este
(subconsciente) que as latências ( a  ) ainda não manifestadas possam
falhar o seu destino, ser aniquiladas antes de terem tido te mpo de emergir
e actualizar-se.

O Yoga ilumina o circuito que une consciente e subconsciente, considerando


o subconsciente a matriz e receptáculo de toda a acção, gestos e intenções
egoístas, dominado pela ³sede do frutoè, pelo desejo de auto -satisfação, de
saciedade, de multiplicação. Tudo o que quer manifestar -se, ter uma forma,
mostrar o seu poder, definir a sua individualidade, vem do subconsciente e
ao subconsciente regressa (graças às ³sementesè kármicas,  a  ).

Uma das maiores descobertas da Índia é a ³consciência-testemunhaè, a


consciência desvinculada das suas estruturas psicofisiológicas e do
condicionamento temporal, a consciência do ³libertadoè (ou liberado),
entenda-se como aquele que conseguiu desligar -se da temporalidade e
conhece portanto a verdadeira e inefável liberdade. A conquista dessa
liberdade absoluta constitui o objectivo de todas as filosofias e técnicas
místicas indianas, mas foi sobretudo através de uma das múltiplas formas
de yoga que a Índia acreditou poder assegurá -la.

      




Patañjali focou ainda as distracções e obstáculos (   a ) que


prejudicam e perturbam o sucesso na prática do aspirante a yoguin. Estes
são: /  (doença que perturba o equilíbrio do corpo físico); a /  (falta
de disposição mental para trabalhar); a a / (dúvida ou indecisão);
   (indiferença ou insensibilidade);  a/ (preguiça);  
(sensualidade, quando o desejo possui a mente);
    a 
(conhecimento inválido, ilusório); 
 
0  (falta de
concentração ou de linearidade mental de forma que a realidade não é
perceptível);   a   (instabilidade em permanecer focado após
prática continuada).

No entanto, existem ainda mais quatro distracções:  (dor ou miséria);


  a/ (desespero);   /  (falta de estabilidade e firmeza
física); a a  a a (respiração irregular).

 

´ualquer sistema de pensamento (  a  ) pós-Upanishads encontra a


sua razão de ser, o seu foco no sofrimento universal. O seu valor reside na
capacidade que têm de libertar o homem da ³dorè. A experiência humana,
seja de que natureza for, gera sofrimento: ³  #  %#  
   1 a a  a a
 a a  a a  a !   %
& a ! 1 )  &#a !  %#a 
a ! 'è(Anirudha, nos comentários aos Sâmhkya Sútras, 2,1).
´ualquer  a  expressa o desejo do Homem de escapar à tríplice
miséria: o sofrimento celeste (provocado por acção divina, que escapa ao
controle do Homem: desastres naturais, tempestades, furacões, tsunamis,
etc.); o sofrimento terrestre (causado pela natureza, pela acção do homem
e dos intervenientes naturais, a guerra, a falta de alimento, as más gestões
políticas e sociais que influenciam toda a Humanidade, ou até as picadas de
mosquito, as mordidas de cobras, etc.); e o sofrimento interior ou orgânico
(a doença, a instabilidade mental, emocional e/ou energética, etc.).

No entanto, perante este cenário pouco atraente ve rifica-se que nenhuma


filosofia indiana conduz ao desespero, mas o sofrimento é considerado
como condição a %    para a libertação, tendo assim um valor
estimulante e positivo. O sofrimento não é algo que esteja apenas
relacionada com o homem, mas antes como uma necessidade cósmica, o
simples facto de existir no tempo, de durar (esta realidade efémera é
entendida como ) implica sofrimento. Agora, ao contrário de todos os
outros seres, o homem tem a capacidade de transcender efectivamente a
sua condição e abolir o sofrimento.

A miséria da vida humana não advém de nenhum castigo divino nem de um


pecado original, mas sim da ignorân cia, não qualquer ignorância, mas a
ignorância da verdadeira natureza do espírito, a ignorância que nos leva a
confundir o espírito com a experiência psicomental, resumindo, uma
ignorância de ordem metafísica.

 ! !"#

O Ser ou Espírito (a ) é uma realidade única, universal e eterna,


dramaticamente implicada na ilusão temporal da Criação (máyá). O purusha
é o catalisador químico de todo o conhecimento e existência, é o substrato:
³ %  %   a      a   % a aa a  a a1 % 
%  a        a   a   a  %   a  
a 1 %    %   a  !a   %      #
 !a  .è(Kena Upanishad, 1,5-6). 2a é absoluto, irredutível,
autónomo e impassível, desprovido de atribu tos, qualidades ou desejos.
2a é eternamente livre: ³2a # %%   a 
aa  % #a  &    % a a 

   
  .è (Gaudapáda, Mándúkhya Káriká, 2,32 ±
comentário da Mándúkhya Upanishad).

Esta concepção levanta uma dúvida: então se o espírito é eterno,


indissociável, como pode este associar-se a algo como a experiência
psicomental, e todos os seus dramas e sofrimentos? Como é possível
tamanha relação? Tanto o Sâmkhya c omo o Yoga consideram este problema
insolúvel, porque ultrapassa a capacidade da compreensão humana. Uma
vez que o intelecto (
) não é mais do que um produto refinado da
   (natureza, vida), a inteligência humana não pode interpretar ou
conceber outro tipo de fenómenos que não os que como ela façam parte da
série infinita de criações da massa primordial (  ). Para se ter
conhecimento de causa acerca de algo transcendente à vida teria de se ter
ao dispor um instrumento de conhecimento que transcendesse também a
condição humana.

´uerer encontrar uma solução histórica para algo que não tem princípio
nem fim não somente será inútil como é de todo uma infantilidade. Os
estados de consciência são produto da    e não podem manter
qualquer relação com o espírito pois este está por natureza acima (ou
desapegado) de qualquer experiência. No entanto, a parte mais subtil e
transparente da vida mental, o intelecto (
) na sua forma de pura
luminosidade (a  )tem uma qualidade específica: a de ref lectir o espírito.

A compreensão do mundo exterior é possível graças à reflexão do a


na inteligência, mas o a não é semelhante nem diferente dela: não é
semelhante à inteligência porque não é modificado pelo conhecimento
sempre mutável dos objectos, o espírito dispõe de um conhecimento
ininterrupto, ele é de certa forma, O Conhecimento; e não é totalmente
diferente de
 (conhecimento) porque embora sendo puro, conhece o
conhecimento. ³3aa     !  a !   a   $  
!  a è (Yoga Sútra, 1,41). Seria ignorância atribuir ao cristal as
qualidades da flor (forma, dimensões, cores). ´uando a flor se move, a sua
imagem move-se no cristal, apesar deste permanecer imóvel. É uma ilusão
pensar que o espírito é dinâmico só porque a experiência mental o é. Na
realidade trata-se de uma situação ilusória, uma correspondência simpática
entre o Si e o intelecto.

³4       aa        a ! è (Chândogya


Upanishad, 7, 1, 3). A primeira etapa da conquista do conhecimento
consiste em negar que o espírito tenha qualquer atributo. Dizer e pensar
³eu queroè, ³eu sofroè, ³eu conheçoè, e pensar que esse ³euè se refere ao
espírito é viver na ilusão e prolongá -la. Desencadeia-se uma força
determinada ou semeia-se outra, cria-se um ³momentoè no circuito da
energia cósmica, que supostamente é eterna e ininterrupta, criam -se os
elos kármicos. A partir do momento em que compreendemos que o Si é
livre, eterno e inactivo, a dor e os sentimentos, desejos e pensa mentos já
não nos pertencem, são anulados, perdem o seu valor. O valor destes é
real, mas esta realidade não tem nada em comum com o a .

O conhecimento é um despertar que revela a essência do Si, não produz


nada, mas revela de forma imediata a realidade. Tal conhecimento
verdadeiro e absoluto não deve ser confundido com a actividade intelectual,
de essência psicológica, não se obtém pela experiência, mas pela revelação.

 $  " 

A substância primordial (   ou   ), a natureza real, dinâmica e


criativa possui três formas de ser, que se conhecem como  a (os três
são conhecidos como  ). Estes permitem a natureza manifestar-se de
três formas diferentes: a  (modalidade da luminosidade e da
inteligência);  a (modalidade da energia motora da actividade mental); e
 a (modalidade da inércia estática e obscuridade psíquica). Os  a e
a    são uma e a mesma coisa, não se dão em separado, em todos o s
fenómenos físicos, biológicos ou psicomentais eles exist em os três
simultaneamente, embora em proporções desiguais. É esta desigualdade
que permite o aparecimento de fenómenos, seja qual for a sua natureza. ,
caso contrário toda a existência seria eterna. Os  a têm um carácter
duplo: podem ser interpretados num sentido objectivo, constituindo
fenómenos do mundo externo; como subjectivo, constituindo fenómenos do
mundo interior, psicomental.

A    apresenta-se na sua origem como uma massa energética


denominada   (o grande). Arrastada pelo impulso da evolução , a
   passa do estado de mahat para o   (o ego, desprovida de
experiência pessoal mas possuindo a consciência obscura de ser um ego).
Daqui a    evolui em duas direcções opostas, o objectivo e o
subjectivo: quando o equilíbrio é dominado por a  , desenvolvem-se os
sentidos cognoscitivos ( 5 / : visão, olfacto, audição, paladar e
tacto) e a mente (  a), servindo este último de elo entre a actividade
perceptiva e a actividade biomotora; quando o equilíbrio é dominado por
 a, desenvolvem-se os sentidos conativos ( / : palavra, prazer,
aprendizagem, locomoção, excreção); quando o equilíbrio é dominado por
 a, desenvolvem-se os cinco elementos primordiais (   : éter, ar,
água, fogo, terra), os núcleos genéticos do mundo físico. Destes  
derivam os átomos e moléculas que dão origem aos organismos vegetais e
animais.
Desta forma, o corpo do homem, os estados de consciência e a inteligência
são frutos de uma única e mesma substância. Os  a impregnam todo o
universo e estabelecem uma simpatia orgânica entre a humanidade e o
Cosmos, sendo estas duas entidades penetradas pelo mesmo sofrimento
existencial e servindo ambas o mesmo espírito absoluto, estranho ao
mundo e determinado por um destino ininteligível à condição humana. De
facto, a diferença entre o Cosmos e o Homem é apenas uma diferença de
grau e não de essência.

' ! % !&    


'  ( )

Com efeito, a libertação ( a ) não é mais que a tomada de consciência


de uma situação pré-existente, é na verdade uma libertação da ideia do mal
e da dor que advém da ignorância. O sofrimento extingue -se a si mesmo a
partir do momento em que compreendemos que este é exterior ao espíri to
e que só diz respeito à personalidade humana, a partir deste momento
deixam de se criar novos núcleos kármicos. ´uando o homem se liberta da
sua personalidade condicionada pela efemeridade natural, pelo medo do fim
e da morte, pelo apego à vida e aos be ns materiais e aos frutos da acção, e
deixa de ser o actor da sua vida para passar a ser um instrumento da acção
absoluta, este elimina o sofrimento da sua existência pois passa a viver em
pleno a sua consciência cósmica.

Estas soluções que passam pelo desapego psicomental, emocional e


experiencial podem parecer pessimistas ao homem ocidental para quem a
personalidade é o pilar basilar de toda a moral em sociedade, mas uma vez
que a personalidade é a responsável pela produção do sofrimento e do
drama humano, para a obtenção da libertação absoluta a personalidade
deverá ser sacrificada. O libertado em vida pode estender a sua esfera de
acção tanto quanto desejar pois ele já não age como um ³eu-próprioè, mas
como um simples instrumento impessoal do Si. A libertação não elimina a
dor, ela apenas nega a sua existência como parte do espírito, o sofrimento
permanece pois é um facto cósmico, mas perde o seu significado.

A esperança prolonga e agrava até a miséria humana, só é feliz aquele que


perdeu toda a esperança: ³2 % a   #     a   a %
a    aa       a !  a è (Mahábhárata, citado pelo
comentador Mahadeva Vedántin em Sâmkhya Sútra, 4, 2).

c   !  
 * 

Os Yoga-Sútra consistem em 4 capítulos, ou livros (  ): o primeiro, com


51 aforismos (a0  ), é o capítulo sobre o êxtase yoguico , o trilho da
hiperconsciência (6    ); o segundo, com 55 aforismos denomina-
se de 6      (capítulo da realização/prática); o terceiro de 55
a0  a trata dos poderes maravilhosos (7
0   ); e o quarto e último,
o *  /    (capítulo da libertação/isolamento), com 34 a0  a que
retratam questões já desenvolvidas nos capítulos anteriores.

´uanto ao autor, Patañjali, nada se sabe de concreto acerca dele, não se


sabe sequer se viveu no séc.II A.C., no III ou mesmo no V da nossa era.
Alguns comentadores indianos identificam -no como Patañjali o gramático,
que viveu no séc. II A.C., autor do Grande Comentário Mahábháshya sobre
o clássico de gramática escrito por Pánini. Outros autores referem-no como
Patañjali o médico, autor do tratado Charaka Samhitá sobre medicina
ayurvédica, que teria vivido séc.III desta era, e alguns ocidentais afirmam
que ele terá vivido por volta do ano 400 D.C.. De qualquer forma, est a
polémica é irrelevante pois o seu mérito é reconhecido por ele ter
sistematizado um conhecimento anterior a ele com muitos milhares de
anos, que até então tinha vindo a ser transmitido de geração em geração
através do sistema chamado     (tradição oral). O que importa
verdadeiramente é que a mensagem dos yoguis da antiguidade continua a
ser transmitida nos dias de hoje graças a Patañjali.

  
 
 '% 


Patañjali estruturou nos Yoga Sútra um sistema de yoga com 8 membros


bem definidos, os quais passaremos a apresentar:

+, '

Controle ou Domínio. Prescrições universais. Este aborda-se no início da


prática, são prescrições éticas, refreamentos que pretendem purificar o
yoguin na sua mente e emoção, na sua postu ra e acção, eliminando a
subjectividade que se manifesta do egocentrismo, preparando o yoguin para
os estágios/membros seguintes no Yoga.

São cinco as prescrições, mas todas elas conduzirão sempre à primeira aqui
apresentada, sob qualquer forma: a (não violência); a / (verdade);
a / (não roubar);
   / (não desvirtuar a sexualidade);
   (não possuir).

Os yamas desempenham o controle dos impulsos naturais que se


manifestam através dos cinco  / (órgãos de acção): braços ( 
ou
) e mãos ( a ), pernas e pés (  ), boca ( ), órgãos sexuais
( a : /  na mulher, e  no homem)e órgãos excretores ( /).

 %, a não violência, entende -se como não matar, não agredir nem
causar qualquer tipo de dor ou violência ( seja esta de natureza física,
psicomental, ou emocional) a si mesmo, ao próximo ou a qualquer ser vivo,
humanos, animais ou plantas. Os outros quatro yamas são consequências
naturais da não violência.
- , a verdade, consiste em fazer coincidir pensament os, palavras e
acções, evitando a falsidade e a mentira em todas as suas formas, nas suas
relações com o próximo e consigo mesmo. Um consegue enganar quem
quiser, só não consegue enganar a sua própria consciência. Falar a verdade
é agir em nome do amor com passivo ao próximo, faltar com a verdade
hipocritamente a quem desta necessita, é enganar, ferir, violentar
subtilmente alguém que precisa da verdade. No entanto existem verdades
que podem magoar o próximo por serem expressas sem caridade ou por
terem um propósito sórdido, como por exemplo alguém que procura vingar -
se de outra pessoa punindo-a fisicamente e pergunta-nos se a vimos passar
ou sabemos onde se encontra, nestas situações a verdade deve ser
sacrificada pela manutenção do bem -estar e de a , a não violência.
Sacrifica-se a verdade pela entronização do amor compassivo.

- , não roubar, não cobiçar ou invejar bens ou conquistas do próximo.


Passa não somente por não roubar, mas por eliminar totalmente o impulso
de apoderar-se de objectos, existências, ideias prestígio ou mérito alheios.
´ualquer furto é a , violência, pois causa dano à vítima. Os lucros
excessivos são também agressões e constituem violência, pois aquele que
acumula e se apropria indevidamente de qualquer valor, tirando -o
desonestamente dos demais, seja pelo roubo directo ou por estratégias
mais ardilosas para obtenção fácil e rápida de lucros desmedidos que
desequilibram a balança das necessidades humanas. Se a humanidade não
se tentasse apoderar daquilo que é de todos, haveria bastante para cada
um de nós viver.

† %  - , o não desvirtuar a sexualidade, pode ser interpretado como


total e absoluta abstinência do acto sexual, ou a não dissipação da energia
sexual através do orgasmo, sendo económico quanto à excreção do sémen.
Em ambos casos pretende-se por meios distintos conter a energia vital e
geradora, a fim de preservá-la para a sua evolução no sádhana (prática) e
na vida em geral. Desviar-se desta prescrição é manter o abuso, a
exploração, a aberração, a degradação, a poluição sexual não só no físico,
mas na mente e na emoção. Isto é uma forma degradante de violência
sobre si mesmo ou sobre o próximo. O sexo é algo divino, potencia a
criação, a sua energia é a expressão da energia divina (a  ), portanto
brahmacharya não significa a repressão do divino mas sim o encontro do
caminho (  / ) para o divino (
  ). Poupar no orgasmo para ganhar
na concentração das aa   (energias mentais, espirituais).

 
 , a não possessividade, traduz-se como generosidade e
desapego em relação aos bens materiais, às relações afectivas e
emocionais, de uma forma geral, desapego aos frutos da acção. È outra das
formas de a / , não roubar, não tomar como seus os frutos da acção. Ao
observar este yama, o yoguin simplifica ao máximo a sua vida, e tudo
aquilo que ele necessita realmente vem ter a si a seu tempo. O praticante
desenvolve a capacidade de permanecer satisfeito com aquilo que lhe
acontece no seu dia-a-dia. Apegar-se aos objectos da mente ou das
relações, querer possuir ou controlar os objectos exteriores, as relações ou
o próximo é uma forma de violência sobre si mesmo e sobre outrem, é
reforçar a ilusão da posse.

‰,& '

As prescrições psicofísicas, a conduta individual do yoguin. Estes cumprem


a função de domínio sobre os cinco órgãos da percepção ( 5 / ):
olhos (  a), ouvidos (a  ), nariz (  ), língua ( a  ) e pele
(a a  ). O controlo sobre os sentidos conduz à organização da vida
pessoal do praticante. As prescrições compreendem 5 disciplinas: a   
(purificação); a  a (contentamento);  a (austeridade ou esforço
sobre si próprio); a8 / / (estudo de si próprio e da metafísica do
yoga); e a      , a consagração a íshvara, o arquétipo do
yoguin perfeito.

 , a purificação, inclui a realização de diversas técnicas de


purificação interna e externa, que dão ao yoguin um estado de limpeza dos
elementos do corpo físico denso (
0  a). 6    é também a
eliminação das impurezas do pensamento e da emoção. Uma pessoa que se
alimente de animais, especialmente carnes, e que tenha situações de prisão
de ventre, encontra-se internamente intoxicada, tenderá mais facilmente a
ter tendências bruscas ou agressivas por ter no seu corpo toxinas que são
próprias às espécies animais que dependem da agressividade para bem da
sua existência. A purificação conduz assim também á não violência.

 , o contentamento, consiste em cultivar um estado interior de


permanente alegria, independentemente de factores externos. Esta atitude
potenciará bastante o progresso da prática. Uma mente que não está
contente não se consegue concentrar ou realizar. Uma pessoa contente é
uma pessoa pacífica e paciente, livre da insegurança, da ansiedade, da
inveja, da auto-aflição de violência física e psíquica. Estar contente implica
menos uma pessoa violenta na sociedade.

  é o calor, ascese, determinação, austeridade, força de vontade e


esforço sobre si próprio: ³.  a  & a    a & a  %
&  !     aa
     è (Yoga Sútra, 2, 43).
O objectivo desta disciplina é proporcionar um estado de purificação que
permite ao praticante ter o controlo do seu corpo, romper com os limites
impostos pela percepção limitada da realidade. Um praticante de tapas
desenvolverá uma resistência que o fortifica para lidar com as maiores
dificuldades da vida, tornando-se forte e destemido, e queimando também
os seus desejos, o seu egoísmo, ambições ou fraquezas, tornando-o
compassivo e tolerante, pacífico. Os tapas podem ser de 3 ordens: do
corpo, purificação e extermínio das impurezas; da fala, pelo uso de palavras
não ofensivas nem agressivas, preferindo um discurso compassivo e
amoroso, falar sobre o conhecimento que produ z a ascese; e mental,
quando o yoguin permanece tranquilo e contente, rejubilado no equilíbrio e
controlo da sua mente.

. -- é o estudo sobre si mesmo e sobre a metafísica do yoga,


abrange o autoconhecimento através da reflexão sobre a sabedoria das
escrituras, a aplicação prática desse conhecimento e a observação atenta da
mesma. Alarga os horizontes do intelecto e estimula a prática das técnicas.
Este é um processo de auto-educação, onde o professor e o aluno são unos
na mente e partilham de amor e respeito mútuos. O conhecimento entra
directamente na corrente sanguínea e passa a fazer parte da vida do ser.
´uem o pratica lê e escreve o seu próprio livro da vida, revendo -o e
completando-o continuamente. A sua prática conduzirá o praticante a tirar o
melhor proveito e a apreciar da melhor forma o seu próprio destino. O
     , a repetição de um    para fins de meditação também é
considerado a8 / / . Aquele que possui o verdadeiro conhecimento da
sua vida retirou por completo a violência da sua esfera de acção.

j       é a consagração a ja  , entendido como o


arquétipo do yoguin perfeito. Desta forma, é o modelo ideal, um exemplo a
ser seguido pelo praticante. A prática de a      consiste em
adoptar esse modelo como objecto de meditação para alcançar a
iluminação, o samádhi. Pressupõe entregar as acções e seus frutos a uma
vontade superior à própria. Prazer e sofrimento devem curvar-se perante o
conhecimento supremo e ser atribuídos a Íshvara, para não desenvolverem
nem apego nem a perda, nem narcisismo nem frustração. Íshvara é como o
sol, debaixo deste ne nhuma outra luz é grandiosa e toda a es curidão se
desvanece. As acções espelham melhor a personalidade de uma pessoa do
que as suas próprias palavras, desta forma, o yoguin aprende a arte de
dedicar as suas acções à energia  a de todas as acções, reflectindo a
divindade em si mesmo.

 ,/ &

Este é o terceiro membro do yoga, a  ou postura psicofísica. A prática


de a  desenvolve a estabilidade e a saúde do corpo, e a leveza dos
membros. Uma postura estável e agradável produz o equilíbrio mental e
previne a instabilidade da mente. A sua prática desenvolve agilidade,
equilíbrio, paciência, resistência e grande vitalidade . Exercitam todos os
músculos, nervos e glândulas no corpo, mantendo o corpo livre de doenças.

A prática de a  não se centra no culto do corpo, é antes um trono de


contemplação e meditação acerca dos seus sentidos, acerca da mente, do
intelecto e da alma. Desta forma, o corpo torna-se um veículo para o
espírito. Corpo, mente, emoção e espírito são um só, não actuam
separadamente, e a prática de a  transporta-nos para essa consciência
absoluta.

O ser, e neste caso particular, o seu corpo, estão em pe rmanente e


constante transformação, passam por um processo de nascimento,
crescimento, desenvolvimento, maturação, e naturalmente morre« a
prática de a  permite que este processo efémero seja efectuado da
forma mais consciente e equilibrada possível, ma ntendo o funcionamento
vital saudável até o seu último suspiro, e não só torna a vida mais longa e
tranquila, como torna o processo da morte mais simples, menos doloroso,
mais confortável. Nos dias de hoje as pessoas envelhecem e degradam -se
bastante nos últimos anos de vida, perdendo a total qualidade de vida,
vivendo em necessidade de apoio extremo e sofrimento, e os últimos
momentos de vida são longinquamente dolorosos e perpetuados pela
doença até ao último momento. Com a prática continuada de a  , a
morte torna-se um processo simples e rápido, uma simples passagem de
um plano de consciência para outro plano mais subtil.

Os nomes dos a  a são significativos e ilustram o princípio evolucionário.


Alguns adquirem os seus nomes inspirados na vegetação (a ± árvore;
  ± lótus), outros em insectos (a 
 ± gafanhoto; a  ±
escorpião), outros em animais aquáticos ou anfíbios (  a/ ± peixe;
0 ± tartaruga), outros em aves ( /0 ± pavão;  a ± cisne),
outros nos quadrúpedes (a  ± cão; a  ± camelo), outros nos seres
rastejantes (
  ± serpente), ou mesmo o estado embrionário (  
 9
 ou
 ± embrião/bebé). Alguns a  a são nomeados em
homenagem a heróis lendários ( 7
  ± O Guerreiro; :   ± O
Deus Macaco, filho do Vento), outros representam alguns deuses e avatares
do panteão hindu ( ; a ± Deus Elefante, filho de Parvati e Shiva;
*a ).

O /  percebe pela prática de ásana que a sua mente não deve
descuidar ou tomar irrelevante qualquer forma de vida, independentemente
da criatura, toda a gama da criação desde o insecto mais baixo à forma de
vida mais perfeita, todos respiram o mesmo espírito universal ( a ),
assumindo infinitas formas. Por este meio o /  entende que a forma
mais elevada é a do ser sem forma (o Si). O verdadeiro a  é aquela
postura em que o pensamento de Brahma flui incessante e sem esforço na
mente do praticante.

³6  a  a  è(Yoga Sútra, 2, 46). ³<a   #   a   ! 


!  è. Para encontrar a maneira correcta de interpretar este sútra,
devemos ir até a origem da questão: a  significa firme, sólido. Por outro
lado, há várias formas de definirmos a : felicidade, fácil, fluído ou
agradável. Patañjali coloca primeiramente o termo a  . Não há dúvida,
então que deve mos construir o a  primeiramente, da maneira mais
firme. Somente depois vem a , o conforto. 6  não pode ser
mole, seria ilógico uma vez que a   significa firme. Portanto, agradável,
já que a  significa mesmo felicidade, alegria, apresenta -se como uma
forma adequada de traduzir o termo.

U,c0/& /'

Este  centra-se sobre a expansão e o domínio da bioenergia através do


desenvolvimento de técnicas respiratórias. 2  significa alento, força
vital, respiração, energia, e /  significa expansão, controle, domínio,
retenção ou pausa. Representa também a alma como corpo subtil oposto ao
corpo denso.

Na prática de   /  identificamos 3 diferentes fases da respiração e


desenvolve-se conhecimento e experiência no controlo e expansão das
mesmas fases: 0  (inalação ou inspiração ± encher os pulmões de ar);
   (exalação ou expiração ± esvaziamento dos pulmões); e 

(reter ou aguentar o ar dentro dos pulmões). ´uando a retenção é feita
sem ar nos pulmões, suprimindo a entrada de ar, o 
 é
denominado de a  .
2  /  é então a ciência da respiração. Estes ritmos respiratórios
fortalecem o sistema respiratório, tonificam o sistema nervoso, e reduzem a
ansiedade. ´uando o desejo e a ansiedade diminuem, a mente liberta -se e
torna-se um veículo para a concentração. Esta prática produz ainda a
lubrificação e limpeza dos tecidos (pele, músculos, articulaçõ es), dos órgãos
internos, e das  , o corpo energético por onde flui a energia vital
(  ).

â,c0 /1/0

Expansão, abstracção ou retracção dos sentidos. É a faculdade de libertar a


actividade sensorial do domínio das imagens ou objectos exteriores. Ne sta
fase, o praticante desenvolve uma busca no auto -exame de si mesmo. Para
ultrapassar a atracção pelos objectos externos cuja sensualidade capturam
os seus sentidos, o praticante deve atrair à sua mente com devoção total
(
  ) a origem criadora que deu forma a todos os objectos. Tal acção
romperá a visão dual na mente do / . Tal prática motivará o equilíbrio
dos  (a   a  a) na natureza humana, e levará no final à
ascenção da manifestação a  , de natureza iluminada, conduzind o o
praticante à libertação dos opostos e à concentração na totalidade da alma
universal.

ù,1/0&

Neste membro do yoga, desenvolve -se a concentração da mente e dos


sentidos num só ponto (   ), no intuito de limitar a actividade da
consciência exclusivamente na essência da imagem contemplada. O
praticante que tiver uma mente focada desenvolve poderes intelectuais
superiores e sabe exactamente o que pretende, então utiliza toda a sua
concentração para esse objectivo.

A mente encontra-se agrupada em 5 estados mentais: a (dispersão,


negação); a (agitação, distracção); 0 (loucura, entorpecimento,
estupidez);   (atenção, concentração, foco); e  (anulação da
mente, do intelecto e do ego, unidade com o divino).

Para atingir o   , o /  concentra-se sobre o AUM. O AUM é a


essência de todas as coisas, a sua prática conduz à libertação da sua forma
mortal para entronar todas as formas existentes, ou estar conscientem ente
sem forma alguma em toda a existência. 

2,1 /&

A meditação contemplativa, consiste em deter as flutuações da consciência


através da sua saturação na contemplação de um objecto. A meditação é o
resultado espontâneo da concentração da consciência e c onstitui a
preparação essencial para atingir o estado de a   (libertado).

Tal como uma garrafa de água adquire a forma do seu recipiente, a mente
adquire a forma do objecto que contempla. Tal como uma lâmpada eléctrica
brilha ininterruptamente quando os filamentos mantém a corrente
ininterrupta, também a mente brilha continuamente quando focada no
espírito universal. Atinge-se um estado de consciência absoluta, sem
qualificação possível, onde se manifesta exclusivamente um sentimento de
felicidade e paz. O /  descobre através de /  a sua luz interior,
tornando-se luz para si e para os outros. Neste momento ele liberta-se do
  e torna-se um    (uma alma liberada).

X, '/13

O último membro apresentado no sistema de Patañjali , a iluminação. No


pico da meditação, o /  passa para um estado em que o corpo e os
sentidos estão repousados como se estivessem a dormir, as faculdades
mentais e a razoabilidade estão alertas como se estivessem despertas, no
entanto ele atravessou para além da consciência, está totalmente
consciente, totalmente alerta. Existe apenas a experiência da consciência,
da verdade e de uma alegria inalterável, não existem pensamentos que
descrevam este estado nem palavras que possam articular a experiência,
apenas um profundo silêncio consegue transmitir a essência do a  . O
yoguin partiu do mundo material e mergulhou na eternidade. Não existe
diferença entre o conhecedor e o conhecido, entre o observador e o
observado.
Estes textos foram produzidos e adaptados com base nas seguintes obras
bibliográficas apresentadas em baixo, as quais desde já recomendo para
aprofundar o conhecimento nestes temas aqui desenvolvidos:

B K S IYENGAR, š   =  9 =   > , George Allen & Unwin


(Publishers) Limited, Great Britain, 1966;

MIRCÉA ELIADE, 2 5    =   ?@AA, Relógio de Água Editores,


Santa Maria da Feira, 2000;

PEDRO KUPFER, ; B  , Câmara Brasileira do Livro, São Paulo,


Brasil, 1999;

PATAÑJALI, =  60  .

Desde já os meus agradecimentos e reverências a estes mestres cuja


contribuição e inspiração nos permite reconhecermos o caminho do
conhecimento nas nossas vidas e práticas.

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