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Capitulo 12 animais.

No entanto, certos termos, como “invejosa”,


“disse”, bem como a vontade de igualar-se ao boi são
elementos próprios do ser humano, aplicam-se ao
As várias possibilidades homem. Há então no texto uma reiteração do traço
de leitura de um texto semântico (de significado)/humano/. Essa reiteração
obriga a ler a fábula como uma história de gente. No
Leia o texto abaixo : plano humano, a rã não é a rã, mas o homem invejoso
que faz tudo para igualar-se a quem ele inveja.

Uma rã viu um boi que tinha uma boa estatura. Ela, que
era pequena, invejosa, começou a inflar-se para igualar- Os elementos com o traço /humano/ são os
se ao boi em tamanho. Depois de algum tempo, disse: - desencadeadores de um plano de leitura não integrado
Olhe-me, minha irmã, já é o bastante? Estou do tamanho ao plano de leitura inicialmente proposto. Com efeito, os
do boi? termos “rã” e “boi” propõem iniçialmente um plano de
- De jeito nenhum. leitura: uma história de bichos. Entretanto, à medida que
- E agora? vamos lendo o texto, os elementos que contêm traço
- De modo algum. /humano/ não permitem mais que se leia a fábula como
- Olhe-me agora. história de animais, pois desencadeiam um novo plano
- Você nem se aproxima dele. de leitura: a fábula passa a ser lida como história de
O animal invejoso inflou-se tanto que estourou. homens.
(Adaptação de fábula de LA FONTAINE, Fábulas.) A recorrência de traços semânticos estabelece a leitura
que deve
ser feita do texto. Essa leitura não provém dos delírios
O primeiro problema que a leitura dessa fábula coloca é interpretativos
o seguinte: trata-se de uma história de animais ou de do leitor, mas está inscrita como virtualidade
homens? O leitor responderia imediatamente: de (possibilidade) no texto.
homens, é claro. Mas como é que ele sabe disso? A Lido de maneira fragmentária, um texto pode dar a
resposta poderia ser: a escola sempre ensinou que as impressão de um aglomerado de noções desconexas, ao
fábulas põem a nu certos comportamentos humanos. qual o leitor pode atribuir o sentido que quiser. Sem
Mas como os estudiosos chegaram a essa conclusão? dúvida, há várias possibilidades de interpretar um texto,
Os personagens são as duas rãs e o boi, que são mas há limites. Certas interpretações se tornarão
inaceitáveis se levarmos em conta a conexão, a que nem se mostra.
coerência entre seus vários elementos. Essa coerência é
garantida, entre outros fatores, pela reiteração, a
redundância, a repetição, a recorrência de traços Eu não dei por esta mudança,
semânticos ao longo do discurso. 10 tão simples, tão certa, tão fácil:
Mas que deve fazer o leitor para perceber essa - Em que espelho ficou perdida a minha face?
reiteração? Deve tentar agrupar os elementos
significativos (figuras ou temas) que se somam ou se
(Cecília Meireles: poesia. Por Darcy Damasceno. Rio de
confirmam num mesmo plano do significado. Deve
Janeiro, Agir. 1974. p. 19-20.)
percorrer o texto inteiro, tentando localizar todas as
recorrências, isto é, todas as figuras e temas que
conduzem a um mesmo bloco de significação. Essa
recorrência determina o plano de leitura do texto.
Há textos que permitem mais de uma leitura. As mesmas Nos versos 1 e 5, o autor, ao dizer que não tinha este
figuras rosto e estas mãos com as características do momento
podem ser interpretadas segundo mais de um plano de presente, faz pressupor que, no passado, ele os tinha
leitura. com características opostas.
Tomemos, a título de exemplificação, o seguinte poema
de Cecília Meireles: Ao dizer, no verso 9: “Eu não dei por esta mudança”,
define

Retrato dois planos distintos: um, do passado; outro, do


presente, ambos opostos entre si.

Eu não tinha este rosto de hoje. Levando em conta esses dados, pode-se imaginar o
assim calmo, assim triste, assim magro, poema dividido
riem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo em dois eixos, da forma como segue:
5 Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas: Como se vê, as figuras do eixo 1 agrupam-se em função
eu não tinha este coração do significado da estaticidade, da perda da energia vital;
o que se pressupõe no eixo 2 agrupa-se em torno do que é indicado por termos como “magro”, “frias”, etc. No
significado do dinamismo, da posse da vitalidade plena. entanto, outras figuras, como “triste”, “amargo”, “que nem
Ao dizer “Eu não dei por esta mudança”, o poeta se mostra”, obrigam a ler o texto não como simples
manifesta a desgaste físico, mas como o desgaste psíquico, que se
sua perplexidade diante do contraste entre o que era e o manifesta como a perda da energia, do entusiasmo, da
que veio a ser. alegria de viver.
Quando se agrupam as figuras a partir de um elemento O texto admite ao menos duas leituras: o desgaste
significativo, estamos perto de depreender o tema do material das coisas com o fluxo inexorável do tempo e o
texto. No poema em pauta, por exemplo, é a decepção desgaste psíquico do ser
diante da consciência súbita e inevitável do humano com o passar do tempo.
envelhecimento. Entretanto, dizer que um texto pode permitir várias
leituras não
Significados que remetem ao presente Significados que remetem ao passado
implica, de modo algum, admitir que qualquer
(explicitamente) (implicitamente) interpretação seja correta nem que o leitor possa dar ao
Eu não tinha este rosto de hoje, Eu tinha aquele rosto detexto
outrora o sentido que lhe aprouver.
E em que dispositivos podemos nos apoiar para controlar
assim calmo, assim triste, tão irrequieto, tão alegre,
uma certa interpretação e impedir que ela seja pura
assim magro tão cheio invenção do leitor? Sem dúvida, o texto que admite
várias leituras contém em si indicadores dessas várias
nem estes olhos tão vazios, e olhos tão expressivospossibilidades. No seu interior aparecem figuras ou
temas que têm mais de um significado e que, por isso,
nem o lábio amargo e o lábio doce apontam para mais de um plano de leitura. São
relacionadores de dois ou mais planos de leitura. Há
Eu não tinha estas mãos sem força, Eu tinha aquelas mãos com energia,
outros termos que não se integram a um certo plano de
tão paradas, e frias, e mortas, tão dinâmicas, e cálidas,leitura proposto e por isso são desencadeadores de outro
e vivas,
plano.
eu não tinha este coração eu tinha outro coração, Na fábula “A rã e o boi”, se não houvesse figuras com o
traço
que nem se mostra. que se manifestava. /humano/, não se poderia interpretá-la como uma história
de gente.
Esses termos são os desencadeadores desse plano de
Esse texto pode ser lido como o envelhecimento físico, o leitura.
O leitor cauteloso deve abandonar as interpretações que De certo subiu lá em cima.
não encontrem apoio em elementos do texto. Reparou nas flores de ferro
20 dos quatro jarros das esquinas?
Pois aquilo é ferro forjado.
TEXTO COMENTADO Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de forma
moldadas pelas das campinas
25 Dou-lhe aqui humilde receita
O ferrageiro de Carmona
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarréia.
Um ferrageiro de Carmona Forjar: domar o ferro à força,
que me informava de um balcão: 30 não até uma flor já sabida,
Aquilo? É de ferro fundido, mas ao que pode até ser flor
foi a forma que fez, não a mão. se flor parece a quem o diga.”
5 Só trabalho em ferro forjado MELO NETO. João Cabral de. Crime na caile Relator.
que é quando se trabalha ferro; Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1987. p. 31-2.
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.
Num primeiro plano de leitura, que podemos denominar
trabalho com o ferro, observa-se que há duas maneiras
O ferro fundido é sem luta, de trabalhá-lo: a fundição e o forjamento. Na primeira, a
é só derramá-lo na forma. forma(ô) faz o ferro adquirir uma forma; na segunda, é a
Não há nele a queda-de-braço mão do ferreiro que dá a forma. Nessa, o ferreiro
e o cara-a-cara de uma forja. realmente trabalha o ferro num corpo a corpo com ele,
dá-lhe a forma que quer, enquanto naquela o ferro
10 Existe grande diferença adquire a forma da forma(ô).
do ferro forjado ao fundido;
15 é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos. Há, no texto, termos que não se encaixam nesse
Conhece a Giralda em Sevilha? primeiro plano
de leitura e estabelecem um segundo plano. São EXERCÍCIOS
desencadeadores de outro plano de leitura: “língua”,
“receita ao (...) poeta”, “voz”. Esses termos remetem à
linguagem. Pode-se então denominar o segundo plano Paisagens com cupim
de leitura de trabalho com a linguagem. Neste, vemos No canavial tudo se gasta
que há duas maneiras de trabalhar a linguagem: a pelo miolo, não pela casca.
fundição, que deve ser lida como a construção de textos Nada ali se gasta de fora,
a partir de uma fórmula, e o forjamento, que deve ser qual coisa que em coisa se choca.
concebido como a produção original dos textos. Naquela, 5 Tudo se gasta mas de dentro:
a linguagem (ferro) esparrama-se na forma(ô); neste, ela o cupim entra os poros, lento,
é domada e adquire a forma que o poeta quer dar-lhe. e por mil túneis, mil canais,
Nos dois planos de leitura, a fundição é apresentada as coisas desfia e desfaz.
como algo de valor negativo, que não se deve fazer (“o
ferro não deve fundir-
-se”), porque nela não há originalidade (“flores de
Por fora o manchado reboco
forma(ô) moldadas pelas das campinas”). O forjamento é
10 vai-se afrouxando, mais poroso,
o termo de valor positivo pois é um trabalho original
enquanto desfaz-se, intestina,
(“Forjar: domar o ferro à força / não até uma flor já
o que era parede, em farinha.
sabida, / mas ao que pode até ser flor / se flor parece a
E se não se gasta com choques,
quem o diga”).
mas de dentro, tampouco explode.
A categoria de base com que trabalha o texto na
15 Tudo ali sofre a morte mansa
estrutura fundamental é /imitação/ (presente no processo
do que não quebra, se desmancha.
de fundição) versus /criação/ (presente no processo de
MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas (1940-
forjamento). O texto nega a imitação e afirma a criação.
1965). 3. ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1979. p. 149.
Essa imitação e essa criação aparecem tanto no trabalho
com o
ferro (primeiro plano de leitura) quanto no trabalho com a Questão 1
linguagem Anote as palavras que mostram a oposição semântica
(segundo plano de leitura). (de sentido) /exterioridade/versus/interioridade/,
Questão 2
Anote palavras e expressões que mostram a oposição de
sentido /silêncio/ versus /ruído/.
Questão 3 capacidade de luta, com sua inércia.
As coisas no canavial se acabam silenciosa ou (c) A corruptibilidade das coisas materiais, dos sistemas
ruidosamente, a partir sociais, dos seres humanos.
de dentro ou de fora? Justifique sua resposta com (d) Todos os agentes externos que corroem as coisas.
elementos do texto. (e) As causas indeterminadas de corrosão.
Questão 4
Com base na resposta à questão anterior, que mostra o
modo como PROPOSTA DE REDAÇÃO
as coisas se acabam, estabeleça o tema do poema. Uma senhora inglesa foi passear na Alemanha. Lá viu
Questão 5 uma casa muito bonita e pensou em alugá-la para nela
Os termos “reboco” e “parede” indicam o termo “casa”, passar com a família as férias de verão. Foi falar com o
que tem um significado físico (edifício) e um significado proprietário, acertou com ele as bases do aluguel,
social (família). Os termos “poros” e “morte” têm um valor assinou o contrato e voltou para a Inglaterra.
humano e um valor não-humano. Que função têm no Já em sua casa, lembrou-se de que não havia visto
poema esses termos com mais de um significado? banheiros na
casa que alugara. Imediatamente, escreveu a seguinte
carta para o
Questão 6 proprietário:
Levando em conta a possibilidade de várias leituras do “Prezado senhor:
poema, a corrosão (o desgaste) pode ser lida em Sou a pessoa que alugou sua casa para as próximas
diferentes planos. São eles o plano físico, o histórico férias. Gostaria que o senhor me indicasse a localização
(social) e o humano. Como entender a corrosão em cada do W.C. e o descrevesse
um desses planos? para mim’
Questão 7
O agente da corrosão é o cupim. Com base nas múltiplas
possibilidades de leitura, mostre o que simboliza o cupim. O alemão, não sabendo o significado da abreviatura
W.C. (banheiro), julgou que a mulher falasse da igreja
(a) O tempo físico das secas e das intempéries, o tempo chamada White Chapel (Capela Branca). Com base
histórico da estagnação, o tempo psicológico da nessa depreensão errada de significado, redigiu uma
estreiteza de horizontes e da impotência. resposta que provocou um efeito cômico.
(b) O homem com seu trabalho, com sua falta de
Observe que esse efeito humorístico resulta do fato de
se ler uma carta que fala de igreja como se fosse uma
carta que falasse de banheiro.

Redija a carta que o alemão mandou para a inglesa,


procurando tirar o maior proveito possível da dupla
interpretação que o texto
propiciou.

No discurso literário, sobrepõem-se ao significado


denotativo de um termo significados paralelos.
impressões, valores, que constituem o que se denomina
sentido conotativo.

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