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PEAB – PROJETO DE

ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS:
Contexto, Resultados de Pesquisas
e Relatos de Experiências
UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná

REIT OR
REITOR
Alcibiades Luiz Orlando

VICE-REIT
VICE-REITOROR
Benedito Martins Gomes

PRÓ-REITORA DE PESQ
PRÓ-REITORA UISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PESQUISA
Fabiana Scarparo Naufel

DIRETOR DO CAMPUS DE CASCA


DIRETOR VEL
CASCAVEL
Paulo Sérgio Wolff

DIRET ORA DO CECA - CENTR


DIRETORA CENTROO DE
EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
DO CAMPUS DE CASCA VEL
CASCAVEL
Elenita Conegero Pastor Manchope

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICT


PROGRAMA STRICTOO SENSU EM
LETRAS, ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LINGUA GEM E
LINGUAGEM
SOCIEDADE, NÍVEL DE MESTRADO
SOCIEDADE,

Coordenadora
Profª. Drª. Lourdes Kaminski Alves
APARECIDA DE JESUS FERREIRA
Organizadora

PEAB – PROJETO DE
ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS:
Contexto, Resultados de Pesquisas
e Relatos de Experiências

Mestrado
em Letras

CASCAVEL
CASCAVEL
2008
Copyright ©2008 by Aparecida de Jesus Ferreira.

Capa: “Solaris”, de Marcelo Marcio de Oliveira

Arte-final da Capa: Rachel Cotrim

Revisão: Célio Escher

Projeto Gráfico e Diagramação: Rachel Cotrim

Ficha catalográfica
catalográfica: Marcia Elisa Sbaraini-Leitzke CRB-9/539
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P349p PEAB – Projeto de estudos afro-brasileiros: contexto, pesquisas e relatos de


experiências / Organização de Aparecida de Jesus Ferreira – Cascavel :
Unioeste, 2008.
116 p

Inclui bibliografias
ISBN: 978-85-7644-120-5

1. Relações Étnico-Raciais. 2.Formação de Professores. 3. Lei 10.639/2003.


4.Anti-Racismo. 5.Materiais Didáticos. I. Ferreira, Aparecida de Jesus. II. Título

CDD 20.ed. 305.896081


306
CIP-NBR 12899
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS 9
APRESENTAÇÃO 11

PARTE 1: CONTEXT
PARTE O E RESUL
CONTEXTO TADOS DE PESQ
RESULT UISAS
PESQUISAS
1. PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros:
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,

uma retrospectiva da história do PEAB 19


Aparecida de Jesus Ferreira

2. Abordagens críticas e folclóricas na aplicação da Lei Federal nº 10.639/2003 33


Rosani Clair da Cruz Reis

3. Limites, desafios e possibilidades para aplicação de


estratégias anti-racistas e da Lei Federal nº 10.639/2003 47
Aparecida de Jesus Ferreira

4. Os estereótipos do negro presentes em livros didáticos:


uma análise a partir dos Parâmetros Nacionais 61
Andréia Fernanda Orlando; Aparecida de Jesus Ferreira;
Fernanda Cristina Couto; Luciane Watthier

5. O desenvolvimento da sensibilização sobre a diversidade étnico-racial


na formação inicial e/ou continuada de professores de línguas 75
Andréia Fernanda Orlando

6. Uma análise das temáticas que permeiam o material didático:


a influência da discussão da diversidade étnico-racial na
formação da identidade dos alunos 89
Luciane Watthier

PARTE II: RELA


PARTE TOS DE EXPERIÊNCIAS
RELAT
7. Formação de professores de línguas e diversidade étnico-racial:
relatos de experiências 103
Andréia Fernanda Orlando
Luciane Watthier

8. Formação de professores e diversidade étnico-racial:


um curso que deu novo rumo a minha prática docente 111
7 Rosani Clair da Cruz Reis
AGRADECIMENTOS
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,

Sou muito grata às colaboradoras deste projeto, Andréia Orlando,


Luciane Watthier, Rosani Clair da Cruz Reis e Fernanda Couto, autoras dos ca-
pítulos que constituem esta coletânea de artigos, por contribuírem com seus
textos. As autoras também contribuíram com o projeto PEAB, nos seminários
que conduziram durante o ano de 2007.
Quero agradecer também a contribuição, recebida no último seminá-
rio do PEAB, da profa. Francy da Guia, pela apresentação da sua pesquisa de
mestrado, e da profa. Veralice Aparecida Moreira, também com a apresenta-
ção de sua pesquisa de mestrado. Sou grata também à profa. Dra. Lourdes
Kaminski Alves, por ter aceitado ser a debatedora no último seminário, em que
houve a apresentação das pesquisas das colaboradoras desta coletânea.
Sou grata também aos professores da rede pública e particular do
Ensino Fundamental, Médio e Universitário e alunos da graduação e da pós-
graduação que participaram dos cinco seminários que aconteceram em 2007,
seminários em que tivemos uma presença média de 60 participantes por semi-
nário, totalizando mais de 300 participantes.
Também quero agradecer aos integrantes do NEI (Núcleo de Estudos
Interdisciplinares), pela contribuição no momento das inscrições e pelo acolhi-
mento do projeto – as pessoas que contribuíram foram o diretor do NEI, Prof.
Dr. Paulino Orso e as secretárias Celeste e Daiane.

Aparecida de Jesus Ferreira


Coordenadora do PEAB

9
APRESENTAÇÃO

Esta publicação reúne trabalhos produzidos de 2005 a 2007 pelos co-


laboradores do projeto PEAB e que contribuíram efetivamente para a manuten-
ção e para a continuidade do projeto. O PEAB (Projeto de Estudos Afro-Brasilei-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

ros) é um projeto de extensão que existe desde 2005, no entanto passou a ser
chamado de PEAB em 2007 e tem o propósito de discutir questões acerca da
formação de professores e de relações étnico-raciais.
A primeira parte desta coletânea contém textos que enfocam o contexto do
PEAB e resultados de pesquisas. Nesta parte, o primeiro artigo aborda o PEAB –
Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: uma retrospectiva da história do PEAB, de auto-
ria de Aparecida de Jesus Ferreira. O artigo proposto tem a intenção de recontar o
contexto histórico do PEAB, projeto que teve como objetivo propiciar aos professo-
res em formação e em exercício (e demais interessados) a possibilidade de discutir
assuntos atinentes à formação de professores e a relações étnico-raciais. Esta propo-
sição se deu pensando nos PCNs, nas Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental
e na Lei nº 10639, de janeiro de 2003 (que torna obrigatório o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana) e pensando na falta de preparo dos professores
em lidar com esta temática. O projeto pretendeu dar embasamento teórico-prático
para tal temática, enfocando uma forma interdisciplinar de trabalho. Este projeto
também objetivou integrar os professores em formação e os professores em serviço,
auxiliando-os a incorporar no currículo escolar a discussão das relações étnico-raciais
e da identidade no Ensino Fundamental, Médio e Universitário. A metodologia utili-
zada foi em forma de vários workshops, seminários, trabalhos em grupos. Foram
discutidos textos, bem como foi realizada análise teórico-prático de materiais de
ensino, com aplicação de material que enfoca a temática, utilizando vários gêneros
(filmes, documentários, poemas, contos, autobiografias, livros de literatura infantil e
infanto-juvenil, textos de jornais e revistas, etc.). A expectativa dos organizadores/
realizadores do projeto era aproximar e promover o diálogo entre a educação básica
e o ensino superior quanto a questões pertinentes à formação e à atuação docente,
bem como era favorecer a prática de uma postura reflexiva dos professores sobre sua
própria atuação. Esperou-se também incentivar os professores a buscarem o aperfei-
çoamento de sua qualificação através dos cursos e dos eventos.
O segundo artigo trata das Abordagens críticas e folclóricas na aplica-
ção da Lei Federal nº 10.639/2003, artigo de autoria de Rosani Clair da Cruz Reis.
11 Este texto teve por objetivo detalhar as abordagens que podem ser utilizadas
APRESENTAÇÃO

pelos professores ao se aplicar a Lei Federal n.º 10.639/2003, a qual tornou obri-
gatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, tema desenvol-
vido em um dos seminários promovidos pelo Projeto de Estudos Afro-Brasileiros
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

(PEAB) no ano de 2007. A escolha deste tema justifica-se pela necessidade de


oferecer aos professores fundamentação teórico-metodológica para que eles
possam conduzir a educação das relações étnico-raciais de modo seguro e, as-
sim, contribuir para a construção de uma sociedade mais harmônica e mais justa.
As reflexões apresentadas neste artigo fazem parte de estudos desenvolvidos
para uma pesquisa em nível de mestrado, que teve por objetivo verificar o modo
como os professores estão compreendendo a Lei Federal n.º 10.639/2003 e, as-
sim, conduzindo a educação das relações étnico-raciais nas escolas estaduais
do município de Cascavel/PR. O conteúdo apresentado neste artigo, portanto, foi
embasado por pesquisa bibliográfica, a qual buscou sintetizar a fundamentação
teórica das abordagens que possibilitam a aplicação da referida lei. Tais aborda-
gens seguem duas orientações básicas: a educação anti-racista (DEI, 1999;
CAVALLEIRO, 2001) e a educação multiculturalista, sendo que esta última se
apresenta dividida em várias tendências: multiculturalismo conservador,
multiculturalismo liberal-humanista, multiculturalismo liberal de esquerda e
multiculturalismo crítico (MCLAREN, 2000, p. 110). Diferenciar tais abordagens
possibilitará ao professor compreender que seu trabalho pode assumir conotações
transformadoras na educação das relações étnico-raciais ao invés de somente
celebrar a diversidade por meio da realização de atividades folclóricas, como
sugere uma interpretação descuidada da Lei Federal n.º 10.639/2003.
O terceiro artigo discute os Limites, desafios e possibilidades para apli-
cação de estratégias anti-racistas e da Lei Federal nº 10.639/2003 e estratégias
anti-racistas no ambiente escolar, de autoria de Aparecida de Jesus Ferreira. Este
artigo teve a intenção de apresentar resultados de uma pesquisa que considerou
estratégias anti-racistas em um curso de formação continuada de professores.
Os/as participantes da pesquisa estavam localizados no oeste do Paraná, que é
uma região povoada principalmente por descendentes de alemães, poloneses e
italianos. Esta pesquisa mostrou os resultados parciais e, neste momento, de-
monstra os limites, os desafios, as implicações e as possibilidades que os pro-
fessores encontraram na implementação de estratégias anti-racistas no contexto
12 escolar. A implementação de parâmetros como igualdade, inclusão, justiça social,
APRESENTAÇÃO

identidade, diversidade e práticas sociais e cidadãs voltada para a questão étni-


co-racial (afro-descendente) tem sido muito discutida nos documentos oficiais,
tanto no que se refere à formação do professores quanto à implementação no
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

contexto escolar. Desta forma, esta pesquisa se mostrou relevante e pertinente. A


pesquisa foi embasada com os seguintes aportes teóricos: Micropolítica na es-
cola (BALL, 1987) no que se refere aos limites da implementação de uma educa-
ção anti-racista (GILLBORN, 1995) e a Teoria Racial Crítica (LADSON-BILLINGS,
1998), no que se refere às implicações e, finalmente, aponto algumas possibilida-
des. Os resultados da pesquisa demonstraram a necessidade de um maior
engajamento, por parte das secretarias locais de educação, bem como, um
envolvimento maior por parte da equipe pedagógica das escolas, no que se refe-
re à implementação de políticas de igualdade racial no contexto escolar, consi-
derando que a Lei nº 10639/2003 é obrigatória. Concluo apontando algumas pos-
sibilidades para os professores em exercício e em formação.
O quarto artigo trata de questões acerca dos Estereótipos do negro
presentes em livros didáticos: uma análise a partir dos parâmetros nacionais. As
autoras são Andréia Fernanda Orlando, Aparecida de Jesus Ferreira, Fernanda
Cristina Couto, Luciane Watthier. O artigo retratou que a discriminação contra os
negros é produzida e veiculada por vários meios que rodeiam nossa vida, inclu-
indo o ambiente escolar, o qual, muitas vezes, afeta a vida dos alunos ainda em
processo de formação do pensamento crítico. Dessa maneira, percebendo que
os livros didáticos possuem forte influência na educação e, conseqüentemente,
na formação da opinião dos alunos, este artigo teve como objetivo realizar um
estudo sobre as expressões de racismo presentes em livros didáticos brasileiros
de língua materna. Para melhor situar essa análise, retomamos conceitos retira-
dos de algumas autores que já analisaram este tema (CAVALLEIRO, 2001, SILVA,
1995, 2002). Utilizamos também os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e a Lei Federal nº 10.639/
2003 (BRASIL, 2003, 2004), lei que tornou obrigatório o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana no ensino. A metodologia utilizada foi uma
análise bibliográfica, com um corpus de um livro didático direcionado ao Ensino
Fundamental (6ª. série). Os resultados demonstraram uma reflexão sobre como é
tratada a questão racial no livro mencionado e sobre como o negro está sendo
representado socialmente neste livro. Concluímos que as figuras e os textos re-
13 presentam de forma grotesca e estereotipada a imagem do negro.
APRESENTAÇÃO

O quinto artigo aborda a questão da Análise das Temáticas que Permeiam


o Material Didático: a influência da discussão da diversidade racial na formação
da identidade dos alunos, de autoria de Luciane Watthier. O artigo tratou da
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

discriminação contra os afrodescendentes, explicada por Cavalleiro (2001, p.


75) como a materialização da crença racista em atitudes que limitam ou impe-
dem o desenvolvimento humano de pessoas pertencentes ao grupo discriminado,
e que esta crença está se tornando um grande problema num país como o Brasil,
no qual, segundo dados do Censo de 2000, a população negra corresponde a
aproximadamente 45,3%. Sendo produzida e veiculada por vários meios que ro-
deiam nossa vida, incluindo, principalmente, o ambiente escolar, a discrimina-
ção afeta a vida dos alunos ainda em processo de formação crítica e, sem um
trabalho voltado para essa temática, o problema tende a piorar cada vez mais,
prejudicando o desenvolvimento dos alunos afrodescendentes e eurodescendentes.
Dessa maneira, sabendo que os livros didáticos possuem forte influência na edu-
cação, sendo, muitas vezes, o principal ou o único material de apoio do profes-
sor em suas aulas, essa pesquisa teve como objetivo realizar um estudo sobre as
imagens e as expressões de racismo presentes em livros didáticos brasileiros de
língua materna. O estudo pretende perceber se estes livros trabalham com a ques-
tão da discriminação, proporcionando reflexões sobre o assunto, tanto com exer-
cícios e textos, quanto através de ilustrações, verificando de que forma o
afrodescendente é neles representado socialmente. Após, com a aplicação de
questionários a duas turmas do ensino médio, uma de primeiro e outra de tercei-
ro ano, pretende-se observar qual é a influência de trabalhos voltados para a
diversidade étnico-racial na formação da identidade dos/as alunos/as.
O sexto artigo aborda O desenvolvimento da sensibilização sobre a
diversidade étnico-racial na formação inicial e/ou continuada de professores de
línguas. A autora, Andréia Fernanda Orlando, apresentou dados parciais de uma
pesquisa realizada como trabalho de conclusão de curso e parte do argumento
de que o Brasil possui 45,3% de população afrodescendente (Censo Demográfico
2000) e, nesse contexto, possibilitar discussões a respeito da diversidade étnico-
racial na sala de aula do ensino básico ou universitário é uma questão de cidada-
nia. Nesse sentido, o artigo objetivou apontar algumas ações e visões tomadas
por professores frente a situações de racismo e discriminação nas salas de aulas
14 de línguas. Para tanto, foram aplicados 40 questionários a quatro públicos-alvo,
APRESENTAÇÃO

que são: professores e acadêmicos que já tiveram experiência com cursos (ou
eventos de qualquer outra natureza) acerca do tratamento da diversidade étnico-
racial na escola e, para realizar o contraponto, professores e acadêmicos que
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

não tiveram essa oportunidade ou interesse. Baseado nas informações coletadas,


este artigo apresentará como a inserção dessa temática no Ensino Universitário
contribui na formação inicial abrindo visões de mundo como, também, em que
diferencia o entendimento de professores de línguas antes e depois de participar
de cursos de extensão sobre diversidade étnico-racial frente a conteúdos e a
situações desse gênero. Assim, apresentou-se como se constatou que muitos dos
profissionais acreditavam numa valorização da homogeneização cultural ou no
silenciamento como sendo opções cabíveis no trato das expressões de racismo
no âmbito escolar ou, por outro lado, educadores cientes do reconhecimento da
diversidade dos universos culturais dos alunos.
A segunda parte contém textos que enfocam relatos de experiências das
colaboradoras do projeto PEAB, em que professores em serviço e professores
em pré-serviço refletem acerca da importância de cursos de formação de profes-
sores e de relações étnico-raciais.
O sétimo artigo aborda a Formação de professores de línguas e diversi-
dade étnico-racial: um relato de experiência. As autoras, Andréia Fernanda Orlando
e Luciane Watthier, no momento da produção deste artigo em 2007, eram professo-
ras em pré-serviço, cursando o 4º. Ano de Letras/Unioeste/Cascavel.
O oitávo artigo trata da Formação de professores e diversidade étni-
co-racial: um curso que deu novo rumo à minha prática docente, de autoria
de Rosani Clair da Cruz Reis. No momento da produção deste artigo em
2007, a autora era professora da Rede Pública Estadual de Ensino e aluna do
mestrado em Letras/Unioeste/Cascavel.

Aparecida de Jesus Ferreira


Coordenadora do PEAB

15
PARTE I

CONTEXTO E
RESULTADOS DE
PESQUISAS
1 PROJETO PEAB – PROJETO DE ESTUDOS
AFRO-BRASILEIROS: UMA
RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA DO PEAB 1

Aparecida de Jesus Ferreira


FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

(Coordenadora do PEAB)2

INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO

Fazer uma retrospectiva histórica do PEAB é recontar como se inicia-


ram na Unioeste/ Cascavel os estudos acerca de formação de professores e de
relações étnico-raciais, estudos que, depois, se estenderam para Cascavel e Re-
gião Oeste e Sudoeste do Paraná. Este relato histórico pretende mostrar como se
iniciaram os estudos, qual metodologia de trabalho e que os objetivos foram
desenvolvidos e quais foram os resultados obtidos até o presente momento.
O projeto PEAB teve a intenção de discutir assuntos atinentes à forma-
ção de professores e a relações étnico-raciais. Esta proposição se deu pensando
nos PCNs, nas Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e na Lei Federal nº
10639, de janeiro de 2003 (que torna obrigatório o ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana), e pensando também na falta de preparo dos profes-
sores em lidar com esta temática. O projeto pretendeu dar embasamento teóri-
co-prático para tal temática, enfocando uma forma interdisciplinar de trabalho.
Este projeto também objetivou integrar os professores em formação e professo-
res em serviço, auxiliando-os a incorporar no currículo escolar a discussão das
relações étnico-raciais e de identidade no Ensino Fundamental, Médio e Univer-
sitário. A metodologia utilizada é em forma de seminários (cinco durante o ano).
Textos foram discutidos, bem como foi realizada análise teórico-prático de ma-
teriais de ensino e aplicação de material que enfoca a temática, utilizando vários
gêneros (filmes, documentários, poemas, contos, autobiografias, livros de litera-
tura infantil e infanto-juvenil, textos de jornais e revistas, etc.). Com este projeto
foi possível aproximar e promover o diálogo entre a educação básica e o ensino
19 superior quanto a questões pertinentes à formação e à atuação docente, bem
Aparecida de Jesus Ferreira

como favorecer a prática de uma postura reflexiva dos professores sobre sua
própria atuação. A expectativa era a de também incentivar os professores a bus-
carem o aperfeiçoamento de sua qualificação através dos cursos, de eventos e da
participação neste tipo de projeto (tudo ofertado pela universidade), bem como
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

aproximar o ensino, a pesquisa e a extensão universitária.


Depois da implementação da Lei nº 10.639/2003, muitas têm sido as
publicações, bem como cursos de formação continuada que estejam discutin-
do sobre a formação de professores e o compromisso com as questões étnico-
raciais. As discussões têm se centrado em temas sobre a pluralidade cultural,
multi-culturalismo, diversidade étnico-racial e diversidade cultural, e está ocor-
rendo um número crescente de pesquisas interessadas em educação anti-racis-
ta nacionalmente e internacionalmente. A tônica das publicações tem sido
sobre educação para a cidadania, formação de professores, educação infantil
com grande ênfase em educação anti-racista, ensino crítico, justiça social den-
tro e fora do sistema escolar. Desta forma, o PEAB acreditou ser pertinente
haver cursos de formação de professores que pensem a formação continuada
dentro de uma perspectiva reflexiva, perspectiva em que o professor participa
do processo como um profissional que está sempre refletindo sobre sua práti-
ca no sentido de se tornar um profissional crítico e reflexivo acerca das ques-
tões étnico-raciais que ocorrem dentro e fora do sistema escolar.

OBJETIVOS DO PR
OBJETIVOS OJET
PROJETO PEAB
OJETO

• Dar embasamento teórico-prático aos professores para ser incorpo-


rado no currículo escolar visando à discussão da diversidade étnico-
racial e da identidade no Ensino Fundamental, Médio e Universitário.
• Colaborar com o processo de formação continuada dos professores
e refletir sobre como o racismo foi construído historicamente e soci-
almente e como o racismo pode ser desconstruído.
• Possibilitar informações para a melhora do processo de ensino/apren-
dizagem em sala de aula a partir de reflexões sobre diversidade étni-
co-racial, sobre identidade, sobre embranquecimento, sobre racis-
mo, sobre racismo institucional e sobre anti-racismo.
• Discutir os documentos oficiais tais como: Parâmetros Curriculares
20 Nacionais (PCNs), Lei Federal nº 10639/2003 ( da obrigatoriedade
PROJETO PEAB – PROJETO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS: UMA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA DO PEAB

do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no ensino


básico público e privado) e a Lei Federal nº 7716/1989 (que define os
crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor).
• Refletir sobre as possibilidades de incorporar nas aulas o tema da
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

diversidade étnico-racial, do racismo e da identidade através de vá-


rios gêneros, como, por exemplo: filmes, documentários, poemas,
contos, autobiografias, livros de literatura infantil e infanto-juvenil,
textos de jornais e revistas, etc.
• Aproximar e promover o diálogo entre a educação básica e o ensino
superior quanto a questões pertinentes à formação e à atuação docente.
• Favorecer a prática de uma postura reflexiva dos professores sobre
sua própria atuação.
• Incentivar os professores a buscarem o aperfeiçoamento de sua qua-
lificação através dos cursos, de eventos e da participação neste tipo
de projeto (ofertados pela universidade).

MÉTODOS
MÉTODOS

Este projeto de extensão foi desenvolvido com professores do Ensino


Fundamental e Médio e professores universitários, bem como com alunos dos
cursos de graduação e de pós-graduação (e demais interessados), projeto que
priorizou um aspecto particular na formação continuada do professor e na refle-
xão sobre o processo ensino/aprendizagem. O projeto aconteceu durante o perí-
odo letivo de 2005, 2006 e 2007. A metodologia utilizada variou de acordo com
cada ano, conforme descrição abaixo por ano.

Histórico de 2005

Em 2005 foram oferecidos dois cursos sobre formação de professores e


diversidade étnico-racial. O primeiro ficou intitulado Formação de Professores de
línguas e diversidade étnico-racial. Este curso foi oferecido somente para os pro-
fessores de Línguas. Teve uma carga horária de 40 horas foi realizado de junho a
participantes. O segundo curso foi de 60 horas com 44
agosto e contando com 19 participantes
participantes, realizado de setembro e outubro. O segundo curso fez parte do
participantes
21 Projeto: UNIAFRO, aprovado no MEC coordenado pela docente Lourdes Kaminiski
Aparecida de Jesus Ferreira

Alves. O projeto do UNIAFRO teve como colaboradoras as docentes Maria Ceres


Pereira - que pesquisou o desenvolvimento das crianças afrodescendentes nas esco-
las da região e a professora Aparecida de Jesus Ferreira que trabalhou com um sub-
projeto dentro do UNIAFRO, intitulado PIAFRO, o qual ofereceu cursos de formação
de professores e diversidade étnico-racial, conforme mencionado acima.
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Houve nos dois cursos atividades de leituras orientadas, o objetivo foi de


que cada participante fizesse uma reflexão escrita sobre o que estava sendo discutido
no curso. Os conteúdos e as atividades reflexivas desenvolvidas foram as seguintes:

1º. Encontro

Conteúdos
• Discussão de terminologias: raça, etnia, identidade, racis-
mo, discriminação, preconceito, mito da democracia racial,
embranquecimento, branquidão e racismo institucional.
• Estudo dos PCNs.
• Lei Federal nº 10.639/2003.

Atividades Reflexivas
• Quais são suas expectativas com relação ao Curso de For-
mação de Professores e Diversidade Étnico-Racial?
• Como e quando você se deu conta de que o racismo existe?
Faça uma relação com suas experiências pessoais.
• De que forma a questão racial /étnica permeia sua vida pro-
fissional?

2º. Encontro

Conteúdos
• Cultura e Literatura Afro-Brasileira (trabalho desenvolvido
pelo Prof. Espec. José Carlos da Costa).
• Formação de Professores e Diversidade Étnico/Racial.
• Reflexões étnico-raciais utilizando vários gêneros: autobiografias,
poemas e músicas, filmes, documentários, artigos de jornais e revis-
tas, entrevistas e livros de literatura infantil e infanto-juvenil.
22 • Reflexões sobre Raça e Classe.
PROJETO PEAB – PROJETO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS: UMA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA DO PEAB

Atividades Reflexivas

Apoiada/o nos textos que foram sugeridos como leitura prévia


para o primeiro e segundo encontros, reflita sobre as ques-
tões abaixo relacionadas:
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

1. De que forma a formação de professores pode contribuir


para uma formação que dê suporte para o ensino voltado
para a inclusão racial e étnica?
2. Como você considera que foi sua formação de professor
com relação às questões étnico-raciais? Seu curso de for-
mação de professor preparou você para trabalhar com uma
comunidade diversa? Se a resposta for negativa, por que
você acha que isto ocorreu? Embase teoricamente sua res-
posta utilizando os textos sugeridos para leitura.
3. Como você pode incluir a discussão da diversidade étnico-
racial em sua disciplina específica? Dê exemplos.
4. O projeto político-pedagógico (PPP) de sua escola
contempla o tema racial e étnico? Dê um exemplo de
como isso ocorre.
5. Você já trabalhou com a temática étnico-racial em sala
de aula? Se a resposta for afirmativa, o que você fez?
Quais recursos utilizou? Dê exemplos (ou então sugira o
que pode ser feito).

3º. Encontro

Conteúdos
• Discussão e análise de terminologia: ações afirmativas (co-
tas), identidade étnico-racial.
• Análise da Constituição Federal e lei contra o racismo.
• Negro na História do Brasil Colônia, Império e República
(trabalho desenvolvido pelo Prof. Dr. Nilceu Jacob Deitos).
23 • Discussão e análise do material de ensino.
Aparecida de Jesus Ferreira

Atividades Reflexivas
• Por favor, contribua com um exemplo de uma experiência de
racismo que tenha ocorrido com você, ou situação que tenha
presenciado ou ouvido. Os exemplos podem ser dentro e fora
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

do sistema escolar. Nos exemplos, deve ficar claro o seguinte:


• Onde ocorreu, quando (data), quem eram os envolvidos?
• Após ter exemplificado, relacione e analise este exemplo
como sendo: racismo, racismo institucional, mito da demo-
cracia racial, embranquecimento ou branquidão. Embase
teoricamente de acordo com os textos que você leu.

4º. Encontro

Conteúdos
• Avaliação da experiência do uso de material de ensino vol-
tado para uma reflexão étnico-racial em sala de aula.
• Reflexões sobre identidade profissional e relações étnico-raciais.

Atividades Reflexivas

Nós estamos finalizando o Curso de Formação de Professores e Diver-


sidade Étnico-Racial. Gostaria que refletissem sobre os aspectos de identidade
relacionados ao que segue:

• De que forma sua identidade como pr ofessora se transfor-


professora
mou e/ou está em transformação com a possibilidade de
estar fazendo o Curso de Diversidade Étnico-Racial?
• Como e onde você acha que poderá estar utilizando os
conhecimentos adquiridos no curso?
• Para você implementar tais conhecimentos na escola em
que trabalha e na sua disciplina/currículo, o que você acha
que será necessário?
24
PROJETO PEAB – PROJETO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS: UMA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA DO PEAB

A avaliação que faço com relação ao curso foi extremamente positiva,


principalmente porque a cada encontro mais se percebia a inquietação e o
descortinamento/desconstrução das crenças das/os professoras/es em formação
e das/os professoras/es em exercício sobre a questão raça/etnia. As atividades
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

reflexivas tiveram um papel muito importante, pois através deste exercício as/os
professoras/es puderam refletir sobre questões antes não pensadas.

Histórico de 2006

Em 2006 foi organizado o I Seminário de Formação de Professores e


de Relações Étnico-Raciais
Étnico-Raciais. Houve uma participação de aproximadamente 400
professores da programação que se encontra a seguir:

LOCAL: UNIOESTE – Campus de Cascavel.


Data: 24/8/2006 -
Horário: 8:00h às 17:30h (com intervalo para almoço).

Coordenação: Profa. Dra. Aparecida de Jesus Ferreira e


Profa. Dra. Maria Ceres Pereira.
Público-Alvo: Professores em exercício e em formação,
alunos do Mestrado em Letras e demais interessados.

INSCRIÇÕES
Local: NEI (Núcleo de Estudos Interdisciplinares),
da UNIOESTE, Campus de Cascavel.
Certificação: NEI (Carga horária total: 10 horas).

CRONOGRAMA
CRONOGRAMA
8:30 ABERTURA Formação de Professores e
de Relações Étnico- Raciais
Dra. Iolanda de Oliveira (UFF).

10:00 - 12:00 MESA REDONDA: Relações Étnico-Raciais e Escola.


REDONDA:

Políticas Educacionais e a Lei Federal nº10639/2003


Prof. Ms. Luiz Carlos Paixão da Rocha (APP – Sindicato).

Escola de Comunidade Quilombolas:


A Perspectiva dos Professores.
25 Profa. Ms. Sonia Marques (Unioeste/Francisco Beltrão).
Aparecida de Jesus Ferreira

Relato de Experiências do Curso de Formação de


Professores e Diversidade Étnico-Racial.
Profa. Dra. Aparecida de Jesus Ferreira (Unioeste/Cascavel).

Mediação: Profa. Dra. Maria Ceres Pereira (Unioeste/Cascavel).


FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

13:30 - 17:30 MINICURSOS

• Formação de Professores e Algumas Práticas para o


Respeito à Diversidade em Sala de Aula
(vagas 60 – Anfiteatro).
Profa. Dra. Aparecida de Jesus Ferreira (Unioeste/Cascavel).

• A Presença Afrodescendente em Contexto Escolar


(vagas 60 – sala 17).
Profa. Dra. Maria Ceres Pereira (Unioeste/Cascavel).

• Preconceito, Discriminação e Racismo: teoria e prática


em sala de aula (vagas 50 – sala 20).
Profa. Ms. Francy Rodrigues da Guia (Unioeste/Toledo).

• Narrativ
Narrativaa como Estratégia na Abordagem Étnico-Racial
Abordagem
(vagas 50 – sala 22).
Profa. Esp. Rosani Clair da Cruz Reis (Mestranda em Letras
- Unioeste/Cascavel e Profa. NRE).

• O Negro na Literatura Brasileira


(vagas 70 – Minianfiteatro).
Prof. Esp. José Carlos da Costa (Unioeste/Cascavel).

• Imagem e Identidade do Neg


Imagem Negrro na PPoesia
oesia de Craveirinha
Craveirinha
(vagas 40 – sala 34).
Profa. Dra. Lourdes Kaminiski (Unioeste/Cascavel).

• A Língua Inglesa é uma Língua Anglosaxã


(vagas 50 – sala 8).
Prof. Ms. Rinaldo Vitor da Costa (Unioeste/Francisco Beltrão).

VAGAS LIMIT
LIMITADAD AS: 400 para a Conferência e Mesa Redonda, vagas que
ADAS:
serão preenchidas de acordo com a ordem de inscrição e 380 para os
minicursos, vagas que serão preenchidas de acordo com a ordem de inscrição.

26 CUSTO: Não haverá taxa de inscrição.


CUSTO:
PROJETO PEAB – PROJETO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS: UMA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA DO PEAB

Histórico de 2007

Em 2007 as atividades foram em forma de vários seminários, com dura-


ção de 5 horas/aula por seminário, totalizando 25 horas. O projeto contou com a
colaboração de professores da Unioeste, alunos/as do mestrado e alunos/as da
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

graduação. Participaram dos seminários aproximadamente 300 professores e


alunos/as. Nos encontros foram discutidas as seguintes temáticas:
alunos/as
Professores Colaboradores e
Data Seminário
Títulos das atividades desenvolvidas

Profa. Dra. Aparecida de Jesus Ferreira

27/3/07 I Título: Lei Federal nº 10.639/2003: Limites e Possibilidades -


um relato de dois projetos de extensão sobre Formação de
Professores e Diversidade Étnico-Racial.

Profa. Rosani Clari da Cruz (Mestranda em Letras)


2/5/2007 II
Título: Representações Sociais, Construção da Identidade
da Criança Negra e Formação de Professores.

Profa. Dra. Aparecida de Jesus Ferreira (Doutora em Educação)


21/6/2007 III
Título: Repensando as Identidades: teoria e prática.

Luciane Watthier e Andréia Orlando (Graduandas em Letras)


4/9/2007 IV
Título: A Construção da Identidade do Negro
por meio de sua Representação no Livro Didático.

Tema:
P ro j e t o P E A B : U m o l h a r a c e rc a d a s p e s q u i s a s e m re l a ç õ e s é t n i c o - r a c i a i s

Debatedoras:
Profa. Dra. Aparecida de Jesus Ferreira
Profa. Dra. Lourdes Kaminski Alves

Profa. Ms. Francy Rodrigues da Guia Nyamien (Unioeste/Toledo)


Título: Ser Negro nas Vozes da Escola.

Profa. Esp. Rosane da Cruz Reis (Mestranda em Letras/Unioeste)


Título: Diversidade Étnico-Racial: abordagens multiculturais
4/10/2007 V folclóricas orientam a aplicação da Lei Federal n.º 10.639.

Profa. Veralice Aparecida Moreira dos Santos (Mestranda em Letras/Unioeste)


Título: O Ser Professor/a na Diversidade Étnico-Racial -
narrativas das constituições identitárias.

Andréia Orlando (Graduanda em Letras/Unioeste)


Título: Formação de Professores de Línguas e
Diversidade Étnico-Racial: vozes, visões e ações.

Luciane Watthier (Graduanda Letras/Unioeste)


Título: Análise das Temáticas que Permeiam o Livro Didático: a influência da
27 discussão da diversidade étnico-racial na formação da identidade dos alunos.
Aparecida de Jesus Ferreira

Outras ações sobre diversidade étnico-racial que ocorrem na


Unioeste/Cascavel

• 2002: Curso de extensão Reflexão sobre o ensino crítico de língua


inglesa – pluralidade cultural – ‘raça’/etnia, no ensino de língua ingle-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

sa – análise de material – produção, aplicação e análise do material


didático produzido (Unioeste/Cascavel) 20hs. Coordenação e
docência. Profa. Aparecida de Jesus Ferreira.
• 2004: Seminário de Literatura, História e Memória: Confluências en-
tre as Literaturas no Brasil e na África (Unioeste/Cascavel). Coorde-
nação: Profa. Lourdes Kaminski Alves.
• 2005/2006: Projeto de pesquisa: O contexto sócio-cultural na cons-
trução de identidade de professores: ‘raça’/etnia em questão. Coor-
denação: Profa. Aparecida de Jesus Ferreira.
• 2006: Publicação do livro: Formação de professores raça/etnia: re-
flexões e sugestões de materiais de ensino. Cascavel, PR: Coluna do
Saber, 2006. Autora: Aparecida de Jesus Ferreira.
• 2007: Curso Lei 10.639/2003 e o contexto escolar 100hs (Unioeste/
Cascavel). Coordenação: Profa. Lourdes Kaminski Alves. Integrante
da comissão organizadora: Profa. Aparecida de Jesus Ferreira. Do-
cente: Profa. Rosane Clari da Cruz Reis.

DISCUSSÃO E RESULTADOS
RESULT

No que se refere à formação de professores, os estudos feitos recente-


mente apontam discussões sobre como professores têm lidado com as questões
étnico-raciais em sala de aula (GILLBORN, 1995; FERREIRA, 2006a, 2006b, 2006c
e 2007; GOMES & SILVA, 2002; MOITA LOPES, 2003), uma vez que, dentro do
espaço escolar, existem diversos grupos étnicos. Sendo assim, de que forma o
sistema escolar, através de seus currículos, projetos político-pedagógicos, tem se
preocupado com a integração de assuntos que discutam problemas como o racis-
mo, a sexualidade, a integração de pessoas com necessidades educativas especi-
ais, a idade e com os assuntos de gênero? Desde 1998, através dos PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais), foi feita a inserção da questão étnica dentro da temática
28 da Pluralidade Cultural. Outro aspecto muito importante é a Lei Federal nº 10639
PROJETO PEAB – PROJETO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS: UMA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA DO PEAB

,de 9 de janeiro de 2003, que inclui, no currículo oficial da rede de ensino, a


obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” (BRA-
SIL, 2003). Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. Com relação a cursos de


formação continuada na área de relações étnico-raciais, a pesquisa desenvolvida
por Ferreira (2006c) demonstrou que as preocupações dos professores com rela-
ção ao trabalho da temática étnico-racial em sala de aula eram:
• Não saber como responder à reação do aluno.
• Ofender um aluno sem perceber.
• Insegurança quanto à forma de abordar o assunto em sala.
• Influenciar negativamente a formação da identidade do aluno.
• Tentar defender e acabar constrangendo o aluno.
• Na tentativa de amenizar um problema, acabar piorando-o e ser mal
interpretado.
• Insegurança quanto à forma de abordar o assunto.
• Medo de que haja conflito com os próprios professores.
• Medo de não superar o senso comum.
• Medo de não saber como agir diante da situação do racismo.

Os seminários foram organizados levando em conta as considerações


acima, pois a intenção era preparar os professores para discutirem temas relaci-
onados à diversidade étnico-racial com seus alunos e também incentivando-os a
colaborarem no processo de desconstrução do preconceito, da discriminação e
do racismo existente em nossa sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi exemplificado pelo PCN e também pela Lei Federal nº 10639/
2003, há uma necessidade de cursos de formação de professores que estejam preo-
cupados com uma educação anti-racista e que promova a igualdade racial e social.
Vários têm sido os exemplos que comprovam que as escolas e as universidades não
estão sabendo lidar com situações que reflitam sobre o direito à cidadania, à igual-
29 dade e à justiça social (GILLBORN, 1995; FERREIRA, 2004, MOITA LOPES, 2003).
Aparecida de Jesus Ferreira

Foi com essas reflexões que organizei o projeto de extensão PEAB,


para que fosse possível propiciar aos professores em serviço e aos professores
em pré-serviço uma formação que estivesse preocupada em formar docentes
comprometidos com assuntos que observem, de forma crítica, a relação entre o
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

sistema escolar e as desigualdades raciais e étnicas e a questão de identidade


(HALL, 2000; WOODWARD, 1997). No decorrer do projeto, vários foram os
exemplos dados pelos participantes, exemplos que mostraram a necessidade deste
projeto, bem como o quanto o projeto trouxe e está trazendo esclarecimento e
embasamento teórico aos professores para que possam estar trabalhando com
tal temática em sala de aula. Os acadêmicos em formação também demonstra-
ram a importância do curso para sua formação docente.

NOTAS
NOT

1
Este trabalho, em uma versão simplificada em formato pôster, foi apresentado e publicado em 2007
no VI SEU (Seminário de Extensão da Unioeste) e o mesmo trabalho foi premiado como um dos
melhores trabalhos de extensão da Unioeste e foi apresentado no SEURS (Seminário de Extensão
Universitária da Região Sul).
2
Aparecida de Jesus Ferreira é doutora em Educação de Professores e em Lingüística Aplicada pela
University of London - Institute of Education (2004). Suas pesquisas têm ênfase em Lingüística
Aplicada em Língua Inglesa e Línguas Estrangeiras e com ênfase em Formação de Professores de
Línguas. Ministra aulas no Curso de Letras (graduação), nas seguintes disciplinas: Língua Inglesa,
Iniciação à Pesquisa em Linguagem, Prática de Ensino. No mestrado em Letras ministra as seguin-
tes disciplinas: Formação de Professores de Línguas e Metodologia de Pesquisa em Linguagem.
Faz parte do grupo de pesquisa: Linguagem e Sociedade e da Linha de Pesquisa: Linguagem e
Ensino. As áreas de interesse em pesquisa são: a) Formação de Professores de Línguas; b) Ensino/
Aprendizagem de Línguas Estrangeiras; c) Desenvolvimento e Avaliação de Materiais Didáticos
para a Sala de Aula de Segunda Língua e Língua Estrangeira. Nos últimos anos suas pesquisas têm
se voltado para as questões de Formação de Professores e seu projeto de pesquisa atual é:
Formação de Professores de Línguas e Práticas Sociais. Seu último livro publicado é intitulado:
“Formação de Professores Raça/Etnia: reflexões e sugestões de materiais de ensino”. Cascavel:
Coluna do Saber. 2006. Também coordena o Projeto PEAB. E-mail: <cidajferreira@yahoo.com.br>.
Site: <www.aparecidadejesusferreira.com>.

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Tecnologias. Brasília: MEC. 1998a
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transversais
ersais. Brasília: MEC/SEF. 1998b.
BRASIL. Lei No. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Ensino sobre História e Cultura
30 Afro-Brasileira. Brasília: MEC. 2003.
PROJETO PEAB – PROJETO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS: UMA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA DO PEAB

BRASIL. Parecer No. CNE/CP 3/2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
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BRASIL. Resolução nº 1, de 17 junho de 2004. Institui Diretrizes Curriculares
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de


História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
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31
Aparecida de Jesus Ferreira

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difference.

32
2 ABORDAGENS CRÍTICAS E
FOLCLÓRICAS NA APLICAÇÃO
DA LEI FEDERAL N.º 10.639/20031

Rosani Clair da Cruz Reis2


FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Aparecida de Jesus Ferreira


(Orientadora – UNIOESTE)

INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO

Vivemos em um mundo marcado por desigualdades fundamen-


tais: um mundo no qual morrem diariamente 40 mil crianças
nos países do Terceiro Mundo; onde, em quase todas as soci-
edades e culturas, as diferenças construídas a partir de gênero,
raça, etnicidade, classe, idade, preferência sexual e outras dis-
tinções conduzem às desigualdades opressoras. (PENNYCOOK,
1998, p. 23).

Reforçando a sentença da epígrafe acima, Moreira e Candau (2005)


salientam que, “[...] se os currículos continuarem a produzir e a preservar divi-
sões e diferenças, reforçando a situação de opressão de alguns indivíduos e gru-
pos, todos, mesmo os membros dos grupos privilegiados, acabarão por sofrer”
(MOREIRA & CANDAU, 2005, p. 36). Os conflitos e as manifestações motivados
pelo não-respeito às diferenças, como, por exemplo, a proliferação de sites
neonazistas e os conflitos étnico-raciais no espaço escolar, confirmam a necessi-
dade de uma educação crítica que contemple a diversidade étnico-racial.
No Brasil, as discussões envolvendo questões culturais e étnicas se in-
tensificam e o reconhecimento da Cultura Afro-Brasileira torna-se, não uma op-
ção, mas obrigatoriedade em toda a nação, devido à criação da Lei Federal n.º
10.639/2003, que determina o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Afri-
cana em todos os estabelecimentos educacionais, sejam eles particulares ou pú-
blicos. Assim, os debates envolvendo o tema das relações étnico-raciais come-
çam a se intensificar dentro do espaço escolar, forçando o processo educativo a
reformular seu currículo e os professores a adequarem sua prática pedagógica.
33 Dessa forma, a educação pode ser utilizada como poderoso instrumento na bus-
Rosani Clair da Cruz Reis - Aparecida de Jesus Ferreira

ca da superação dos conflitos étnico-raciais, mas, para isso, é necessário fazer


distinções quanto às diversas abordagens por meio das quais esta temática pode
ser inserida na prática pedagógica, principalmente porque ela se confunde com
pluralidade cultural, temática abordada nos antigos PCNs.
Canen & Moreira (2001) alertam para o fato de que, devido à complexida-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

de e à polissemia envolvidas nas discussões e nas propostas multiculturais, é ne-


cessário analisar com clareza a concepção de multiculturalismo adotada, pois,
caso contrário, “[...] corre-se o risco de se colocar, sob o mesmo termo definidor,
programas pouco críticos e programas efetivamente comprometidos com a supera-
ção de linguagens e de práticas monoculturais” (CANEN & MOREIRA, 2001, p. 29).
De modo a esclarecer os pressupostos das diversas abordagens nas
quais os educadores podem fundamentar sua prática pedagógica ao aplicar a Lei
Federal n.º 10.639/2003, utilizo-me dos estudos de diversos teóricos (conforme
tabelas abaixo) com o objetivo de, ao definir as concepções embutidas em cada
uma, possibilitar aos professores tais conhecimentos, podendo eles assim esco-
lher, de forma crítica e fundamentada, uma abordagem que forneça sustentação
teórico-metodológica para sua prática docente, ao aplicar a lei aqui em referên-
cia. Assim, em primeiro lugar discutirei sobre as tendências multiculturalistas, as
quais são classificadas, por McLaren (2000, p.110), em três tipos: tendência con-
servadora, tendência liberal (humanista e de esquerda) e tendência crítica. Em
segundo lugar, comentarei sobre a educação anti-racista, apresentando os dez
princípios propostos por Dei (1999) e também as características definidas por
Cavalleiro para esta abordagem. Em terceiro lugar, apresento as considerações
finais, destacando os motivos pelos quais se faz necessário o conhecimento, por
parte dos professores, das diversas abordagens que subjazem à prática pedagó-
gica ao aplicar a Lei Federal n.º 10.639/2003.

TENDÊNCIAS MULTICUL
MULTICULTURALIST
TICULTURALISTAS
TURALISTAS

Em seu livro “Multiculturalismo Crítico”, McLaren (2000, p. 110) explica


que o multiculturalismo se apresenta sob quatro diferentes tendências:
multiculturalismo conservador ou empresarial, multiculturalismo humanista libe-
ral, multiculturalismo liberal de esquerda e multiculturalismo crítico. Segundo o
autor, “[...] as características de cada posição tendem a se misturar umas com as
outras dentro do horizonte geral da vida social” (MCLAREN, 2000, p. 110). Em
34 cada tendência predomina uma forma peculiar de enxergar as questões relacio-
ABORDAGENS CRÍTICAS E FOLCLÓRICAS NA APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N.º 10.639/2003

nadas à diversidade cultural e racial, contudo, de acordo com McLaren, a liberal


humanista enfatiza a questão da igualdade, e a tendência liberal de esquerda
ampara-se no discurso3 da diferença (Idem, p. 123). Essas tendências operam
dentro de uma lógica essencialista, na qual “[...] as identidades individuais são
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

presumidas como autônomas, autocontidas e autodirigidas” (Idem). Canen &


Moreira (2001) comentam que, nas tendências liberais ou folclóricas, o
multiculturalismo é tratado “[...] de forma exótica, folclórica, limitando-se à pro-
moção de práticas de reconhecimento de padrões culturais diversificados, com
seus ritos, costumes, culinária, etc.” (CANEN & MOREIRA, 2001, p. 27).
Justamente por considerar que estas tendências multiculturais não permi-
tem transformações sociais mais profundas, McLaren desenvolveu os princípios do
multiculturalismo crítico, tendência essa que propõe que as representações de raça,
de gênero e de classe sejam analisados criticamente a partir dos signos e das
significações produzidos pela sociedade. Amparada nos estudos de McLaren (2000),
apresento abaixo as características de cada uma das tendências multiculturais:

Multiculturalismo conservador:

• As primeiras manifestações desta abordagem estão presen-


tes na visão colonialista, visão esta que representava os des-
cendentes de africanos como escravos e escravas, serviçais
e pessoas que proporcionavam diversão (p. 111).
• A África é representada, nesta abordagem, como um conti-
nente selvagem e bárbaro e seus habitantes são considera-
dos criaturas inferiores. Essa visão é considerada como um
legado do racismo científico, que hierarquizava as raças
em superiores e inferiores (p. 111).
• Multiculturalistas conservadores sustentam que o não-su-
cesso de minorias marginalizadas não se deve ao sistema,
mas à bagagem cultural inferior e à carência de orientação
familiar com relação aos valores. Tal visão faz com que a
responsabilidade pelo sucesso ou pelo fracasso seja atri-
buída ao indivíduo, fornecendo, à elite cultural branca, ar-
gumentos que lhe permitem fazer uso do poder de forma
desproporcional e irrefletida (p. 113).
35
Rosani Clair da Cruz Reis - Aparecida de Jesus Ferreira

• Nesta abordagem, os regimes dominantes de discurso e de


práticas culturais e sociais com teor racista, classista, se-
xista e homófobo não são questionados (p. 113).
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Multiculturalismo humanista liberal:

Dá ênfase na questão da igualdade (p. 123). Defende a idéia de


que existe uma igualdade natural entre todos os segmentos ét-
nico-raciais, proporcionada pela igualdade intelectual, contu-
do enfatiza que a falta de oportunidade social e educacional
inviabiliza uma igual competição no mercado capitalista. Esta
tendência não propõe uma transformação social mais profun-
da, argumentando que há a possibilidade de se alcançar uma
igualdade relativa a partir de transformações e de reformas nas
restrições econômicas e socioculturais (p. 119).

Multiculturalismo liberal de esquerda:

Nesta abordagem a diferença é tratada como algo inerente


ao ser humano, que existiria independentemente da histó-
ria, da cultura ou do poder. Ao essencializar a diferença,
ignora que esta é resultado de uma situacionalidade históri-
ca e cultural, por meio da qual significados são produzidos
situando assim os indivíduos na hierarquia das relações de
poder. Segundo McLaren, todo processo de produção de
significado precisa sempre ser interrogado de modo a evi-
denciar como a identidade não é algo pronto e acabado,
sendo constantemente produzida “[...] através de um jogo
de diferença relacionado e refletido por relações, forma-
ções e articulações ideológicas que se deslocam e se
conflitam” (MCLAREN, 2000, p. 121).

Multiculturalismo crítico e de resistência (MCLAREN, 2000):

• A perspectiva multiculturalista crítica compreende a represen-


tação de raça, de classe e de gênero como lutas sociais mais
36 amplas sobre os signos e as significações, tendo por objetivo
ABORDAGENS CRÍTICAS E FOLCLÓRICAS NA APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N.º 10.639/2003

central transformar as relações sociais, culturais e institucionais


nas quais os significados são gerados. Desta forma, enfatiza o
papel que a língua e a representação desempenham na cons-
trução de significados e de identidades (p. 123).
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

• Recusa-se a ver a cultura como não-conflitiva, harmoniosa


e consensual (p. 123).
• A diversidade não é vista como uma meta, mas como algo
que, sendo produto da história, da cultura, do poder e da
ideologia, deve ser afirmada dentro de uma política de crí-
tica e de compromisso com a justiça social (Idem).
• A relação entre significante e significado é insegura e instável,
uma vez que os signos são partes de uma luta ideologia por
meio da qual se cria um regime particular de representações,
regime o qual serve para legitimar certa realidade cultural, como,
por exemplo, os termos negro, black e afro-americano (p. 128).
• Os educadores que trabalham nesta perspectiva não po-
dem repetir o essencialismo monocultural (anglocentrismo,
eurocentrismo, afrocentrismo, etc.), mas precisam construir
uma educação que consiga envolver a todos, independente
de sua origem ancestral, num projeto que vá além das abor-
dagens folclóricas, priorizando a busca pela “[...] liberda-
de, libertação, democracia e cidadania crítica” (p. 132).
• Um currículo multiculturalista crítico possibilita aos educa-
dores explorarem as maneiras pelas quais alunas e alunos
são diferencialmente sujeitados às inscrições ideológicas e
aos discursos de desejos multiplamente organizados por meio
de uma política de significação. Isso significa, por exemplo,
que educadores conseguirão perceber de que forma os ter-
mos utilizados para referirem-se a alunos de grupos raciais
distintos são escolhidos não de forma casual: pessoas negras
e latinas são enquadradas de acordo com seu “comporta-
mento”, enquanto aos estudantes de classe-média brancos
são atribuídos “problemas de aprendizagem” (p. 131).
37
Rosani Clair da Cruz Reis - Aparecida de Jesus Ferreira

EDUCAÇÃO ANTI-RACIST
ANTI-RACISTA
CISTA

A educação anti-racista, de acordo com Dei (1999), “[...] nomeia explici-


tamente as questões de raça e diferenças sociais, como, por exemplo, questões de
poder e de capitais próprios, não preocupando-se (sic) com questões de diversi-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

dade cultural e étnica” (DEI, 1999, p. 25). Esta abordagem é defendida por diversos
autores (DEI, 1999; CAVALLEIRO, 2001; 2005; GOMES & SILVA, 2002; HENRIQUES
& CAVALLEIRO, 2005; SANTOS, 2005; FERREIRA, 2006), contudo, por apresen-
tarem de forma sistematizada os princípios da educação anti-racista, bem como
suas características, utilizarei, para fundamentar esta abordagem, Dei (1999) e
Cavalleiro (2001). O primeiro propõe dez princípios básicos interligados para a
educação anti-racista; e a segunda sistematiza orientações para a prática desta
abordagem voltada para a educação das relações étnico-raciais.
No Brasil esta abordagem nas políticas educacionais é bastante recente,
uma vez que inicialmente esse tema, discutido nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997), recebia um tratamento nos moldes propostos pelo multiculturalismo
liberal, no item pluralidade cultural, constante entre os temas transversais. Depois de
2001, ano também em que aconteceu a Conferência de Durban4, é que começou a
haver, por parte do MEC, uma maior preocupação em dar um enfoque mais crítico às
discussões, publicando, então, em 2001, o livro “Superando o Racismo na Escola”, o
qual traz artigos que propõem um ensino voltado para a superação do racismo e do
preconceito racial no espaço escolar. Em 2003 foi sancionada a Lei Federal n.º 10.639/
2003 e, a partir de 2005, o MEC lançou várias publicações utilizando os conceitos
propostos pela educação anti-racista, obras dentre as quais o livro “Educação Anti-
Racista: caminhos abertos pela Lei Federal n.º 10.639/2003”.
A educação anti-racista pode ser definida, de acordo com Dei (1999),
como uma estratégia de ação orientada a uma mudança sistemática e institucional
para o enfrentamento do racismo e de outros sistemas de opressão e de desigual-
dades sociais, utilizando-se, para isso, de um discurso crítico de raça e do racis-
mo na sociedade. Ainda, conforme mencionado anteriormente, o anti-racismo
nomeia explicitamente as questões de raça e de diferenças sociais, em detrimen-
to de questões de diversidade cultural e étnica (DEI, 1999, p. 25). Ao discutir
assuntos relacionados à raça e às diferenças sociais identitárias, a educação
anti-racista questiona como se constituíram historicamente as relações de poder
e de dominação que estão embutidas nas estruturas institucionais da sociedade e
38 enfatiza que a noção romantizada de cultura, que não critica e nem interroga o
ABORDAGENS CRÍTICAS E FOLCLÓRICAS NA APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N.º 10.639/2003

poder, impõe limite à compreensão da realidade social (Idem, p. 26-27). Dei


salienta que a educação anti-racista é um projeto acadêmico e político que ques-
tiona e enfrenta não somente o racismo, mas também outras formas de opressão
e de desigualdades sociais (Idem, p. 122). Listo, na tabela abaixo, primeiramente,
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

os dez princípios defendidos por Dei e, na seqüência, reproduzo as característi-


cas que, de acordo com Cavalleiro, estão presentes na educação anti-racista.

Os dez princípios propostos por Dei (1999, p. 27-35):

1. O conceito de raça é central para o discurso anti-racista,


uma vez que é a partir dele que o poder, o prestígio e os
privilégios são organizados, regulamentados, distribuídos
e fundidos significativamente na sociedade contemporâ-
nea. Este princípio enfatiza que o significado dos termos
raça e racismo deve ser compreendido como um discurso
concernente ao corpo, uma vez que é este a partir do qual
significados são produzidos, sendo o mesmo, então, lido
diferentemente em espaços sociais também diferentes. As
diferenças entre os grupos sociais são construídas e
mantidas por meio de práticas racistas (Idem, p. 27).
2. Este princípio ensina que não se podem compreender com-
pletamente os efeitos sociais de raça sem uma compreen-
são da intersecção de todas as outras formas de opres-
sões sociais. O conceito de raça é mediado por todas as
outras formas de diferença, devendo, portanto, o discurso
anti-racista incorporar também a questão de gênero, de
classe e de sexualidade como conceitos relacionados e
fundamentais da experiência humana (Idem, p. 28).
3. O poder e o privilégio branco (masculino) e a racionalidade
para a posição dominante na sociedade são questiona-
dos, bem como é questionada também a ideologia que
sustenta e suporta a brancura como uma identidade social
e as instituições da sociedade dominante. A educação anti-
racista entende que há enormes benefícios sociais, econô-
micos e políticos que foram e são acumulados historica-
39 mente pelo grupo dominante, predominantemente branco,
Rosani Clair da Cruz Reis - Aparecida de Jesus Ferreira

enquanto aos grupos marginalizados é negado o acesso a


esses mesmos benefícios, sendo assim lhes negado tam-
bém o direito à humanidade (Idem, p. 28).
4. Problematiza a marginalização de certas vozes na socie-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
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dade, o que faz com que o conhecimento e a experiência


dos grupos subordinados no sistema de ensino seja
deslegitimado. Considerando que poder e construção so-
cial do conhecimento se relacionam, as metodologias de
ensino devem ser constantemente avaliadas, de modo que
o conhecimento possa ser apropriado por todos. Os pro-
cessos atuais de escolarização devem ser criticados, de-
safiando educadores, gestores, estudantes, pais e comuni-
dades para trabalhar mais colaborativamente, de modo
que esta parceria possa tornar as escolas mais justas para
todos e também auxiliar na resposta às necessidades e às
preocupações da sociedade (Idem, p. 29-30).
5. Todas as formas de educação devem proporcionar uma
compreensão holística e o reconhecimento da experiência
humana, quanto a aspectos sociais, culturais, políticos, eco-
lógicos e espirituais, alertando para a importância da co-
existência humana com nosso meio ambiente. Os educa-
dores devem despertar nos alunos a importância da res-
ponsabilidade coletiva em relação à defesa das virtudes
sociais e naturais da humanidade (p. 30-31).
6. Neste princípio, identidade relaciona-se com escolaridade
a fim de dar significado, lugar, contexto, origem e história
de quem somos nós, como professores, administradores,
alunos, pais e membros de uma comunidade, fazendo tam-
bém conexão entre nós mesmos e o grupo ao qual pertence-
mos. Este princípio reconhece que questões como raça, clas-
se, gênero, deficiência e identidades sexuais dos alunos afe-
tam e são afetadas pelos processos de escolarização e nos
resultados de aprendizagem. Dei salienta que, quando a
escola tenta criar uma identidade política para todos, ale-
40 gando em sua jurisdição que todos são estudantes, que to-
ABORDAGENS CRÍTICAS E FOLCLÓRICAS NA APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N.º 10.639/2003

dos ali são iguais e que o que conta é o que está no interior
de cada um, ela encerra as identidades, ignorando gênero,
raça e classe, criando, assim, um apagamento de sexismo,
de racismo e de classismo (Idem, p. 31).
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7. Neste princípio, a diversidade e a diferença são vistos como


fonte de conhecimentos que está disponível para o benefício
de todos. Desta forma, a escolaridade e a educação devem
proceder a partir da compreensão de que todos na escola têm
algo a oferecer e que, portanto, as diversas opiniões, experiên-
cias e perspectivas devem ser ouvidas e valorizadas (Idem).
8. Reconhece o papel tradicional do sistema de ensino na
produção e reprodução, não somente racial, mas também
sexual e de classe, baseada nas desigualdades presentes
na sociedade. A escola pública é um local de produção e
de reprodução da hegemonia ideológica do Estado e do
interesse econômico do capital global. Na interação exis-
tente entre a demanda de trabalho da economia global
competitiva e os processos de escolarização, as institui-
ções de ensino mantêm uma lógica de desigualdade entre
os estudantes, baseada no critério cor. Assim, ao chegar
ao mercado de trabalho, os estudantes negros desempe-
nham mais atividades manuais que intelectuais, gerando a
idéia de estudante com sucesso e estudante fracassado,
atribuindo somente a eles a responsabilidade pelo lugar
onde chegaram. Para Dei, a meritocracia ainda tem um
lugar central na prática e na teoria educativa (Idem, p. 34).
9. Este princípio defende a idéia de que os problemas vivi-
dos pelos estudantes na escola não podem ser entendi-
dos de forma isolada, mas compreendidos a partir das
circunstâncias materiais e ideológicas em que os alunos
se encontram (Idem, p. 35).
10. Os problemas apresentados pelo aluno na escola não po-
dem ser atribuídos à família ou ao ambiente familiar, pois,
assim, deixa-se de questionar por que e como as experi-
41 ências escolares afetam os resultados de aprendizagem.
Rosani Clair da Cruz Reis - Aparecida de Jesus Ferreira

Assim, esse princípio reconhece a necessidade de apoio


institucional para os alunos, as famílias, os professores e os
administradores poderem lidar com o racismo, com o desem-
prego e com a pobreza que afetam o ensino e os resultados na
aprendizagem A educação anti-racista enfatiza que as escolas,
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

ao invés de patologizarem as famílias, deveriam promover a


interação entre aluno, professor, comunidade e pais (p. 35).

Características da educação anti-racista (Cavalleiro, 2001, p. 158):

1. Reconhece a existência do problema racial na sociedade


brasileira.
2. Busca permanentemente uma reflexão sobre o racismo e
sobre seus derivados no cotidiano escolar.
3. Repudia qualquer atitude preconceituosa e discriminatória
na sociedade e no espaço escolar e cuida para que as
relações interpessoais entre alunos/crianças negros/as e
brancos/as sejam respeitosas.
4. Não despreza a diversidade presente no ambiente esco-
lar: utiliza-a para promover a igualdade, encorajando a
participação de todos/as os/as alunos/as.
5. Ensina às crianças e aos adolescentes uma história crítica
sobre os diferentes grupos que constituem a história bra-
sileira.
6. Busca materiais que contribuam para a eliminação do
“eurocentrismo” dos currículos escolares e contemplem a di-
versidade racial, bem como o estudo de “assuntos negros”.
7. Pensa meios e formas de educar para o reconhecimento
positivo da diversidade racial.
8. Elabora ações que possibilitem o fortalecimento do auto-
conceito de alunos e de alunas pertencentes a grupos dis-
criminados.

Apesar de os pressupostos do multiculturalismo crítico e da educação


anti-racista serem muito semelhantes, em função do alerta que Canen & Moreira
42 (2001, p. 29) fazem com relação à polissemia envolvida nas discussões e nas pro-
ABORDAGENS CRÍTICAS E FOLCLÓRICAS NA APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N.º 10.639/2003

postas multiculturais, considero que a educação anti-racista, por priorizar as ques-


tões envolvendo mais diretamente a educação das relações étnico-raciais, seja mais
aconselhável para o trabalho aqui proposto, ao passo que o multiculturalismo pode
dar margem a uma interpretação mais voltada a aspectos culturais.
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Para se praticar a educação anti-racista, tal como esta abordagem orienta,


é necessário que o professor esteja disposto a promover um ensino crítico, compro-
metido com as causas sociais, que busque superar as desigualdades existentes entre
diferentes segmentos da sociedade, segmentos estes representados pelas categorias
de gênero, de orientação sexual, de classe e de raça. A busca por justiça e por
eqüidade social deve ser um compromisso de todo o currículo escolar. O trabalho
pedagógico, ancorado nos pressupostos da educação anti-racista, possibilita o de-
senvolvimento de uma prática docente segura, em direção à construção de uma edu-
cação preocupada em formar sujeitos que, além de terem a consciência de seus
direitos e a disposição de lutar por eles, se interessem por questões que atingem a
todos, assim como reconheçam e respeitem o direito às diferenças, compreendendo
a dinâmica por meio da qual estas são produzidas e mantidas.
Também há de se considerar que a adoção desta abordagem não tem o
objetivo exclusivo de beneficiar a um determinado segmento da sociedade, uma vez
que, conforme bem salientam Henriques e Cavalleiro, “[...] a desigualdade racial e o
racismo são elementos desagregadores da sociedade como um todo, que corrom-
pem a ética e a moralidade de todos os indivíduos” (HENRIQUES & CAVALLEIRO,
2005, p. 225). Outro argumento favorável para a adoção da educação anti-racista na
prática docente é o seguinte: as competências desenvolvidas pelo professor para
lidar com as questões que estas abordagens fundamentam não serão aplicadas so-
mente naquilo que faz referência direta às relações inter-raciais entre brancos e ne-
gros, mas à educação de um modo geral, tornando a educação mais humana, reflexiva
e capaz de dar novos rumos à produção dos significados sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ter clareza dos pressupostos teórico-metodológicos que embasam o ensi-


no voltado para a educação das relações étnico-raciais é condição fundamental para
que os objetivos da Lei Federal n.º 10.639/2003, e das diretrizes que a regulamentam,
possam ser alcançados. Fazendo a distinção entre as características de tais referenciais,
os professores têm a possibilidade de planejar e de conduzir sua prática de modo
43 seguro e, assim, alcançar os resultados necessários, principalmente porque a Lei
Rosani Clair da Cruz Reis - Aparecida de Jesus Ferreira

Federal n.º 10.639/2003 “[...] é bem genérica e não se preocupa com a implementação
adequada do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira” (SANTOS, 2005, p. 33).
É genérica também porque nela não há nada falando sobre relações étnico-raciais,
deixando esse aspecto a cargo da interpretação feita pelos educadores, os quais, em
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

sua maioria, nunca leram as diretrizes que regulamentam a Lei Federal n.º 10.639/
2003, ou mesmo, no caso do Paraná, as Diretrizes Curriculares para a Educação das
Relações Étnico-Raciais, aprovadas em agosto de 2006.
Conhecer e diferenciar as abordagens por meio das quais a Lei Federal n.º
10.639/2003 pode ser cumprida, isto possibilitará ao professor o planejamento e a
adoção de atividades e de posturas capazes de formar cidadãos críticos, capazes de
ir além da aceitação das diferenças, conhecendo as origens destas; cidadãos consci-
entes da existência das relações de poder e dos mecanismos que as mantêm; cida-
dãos que, conscientes destas questões, percebam que a defesa de seus direitos pres-
supõe a defesa dos direitos daqueles que se encontram em situações semelhantes a
ele; cidadãos que não se neguem ou que não neguem sua cultura para tentar ser aquilo
que a cultura dominante impõe como norma. Enfim, trata-se de formar cidadãos
transformadores não só de sua realidade, mas dos rumos da história.

NOTAS
NOT

1
Este artigo é parte da dissertação “Diversidade Étnico-Racial: abordagens folclóricas predominam na
aplicação da Lei Federal n.º 10.639/2003”, desenvolvida no Mestrado em Letras, área de concentração
“Linguagem e Sociedade”, na UNIOESTE, Campus de Cascavel, defendida em fevereiro de 2008.
2
Rosani Clair da Cruz Reis: Possui graduação em Letras Português/Inglês pela Universidade Esta-
dual do Oeste do Paraná (1996), especialização em Didática e Metodologia do Ensino de Língua
Portuguesa – Teoria & Prática, pela Universidade Norte do Paraná (2002) e está concluindo
Mestrado em Letras, na área de concentração “Linguagem e Sociedade”, no qual desenvolve
pesquisa relacionada às relações étnico-raciais no contexto escolar, dentro da linha de pesquisa
“Linguagem e Ensino”. Rosani é professora da rede pública estadual de ensino da cidade de
Cascavel e ministrou, entre 2006 e 2007, o curso “A Lei Federal n.10.639/2003 no Contexto
Escolar”, promovido pelo Mestrado em Letras e Núcleo Sindical da APP naquele município. No
PEAB, em 2006, a profa. Rosani ofereceu a oficina “O Uso de Narrativas na Abordagem Étnico-
Racial” e, em 2007, apresentou seminário discutindo sobre as diversas abordagens nas quais os
professores se podem fundamentar para a aplicação da Lei Federal nº 10.639/2003.
3
Uso, neste estudo, a palavra discurso no entendimento proposto por Lankshear: Discursos podem ser
definidos como modos socialmente construídos e reconhecidos de fazer e de estar no mundo, que
integram e regulam as formas de agir, de pensar, de sentir, de usar a linguagem, de acreditar e de
valorizar. Através da participação em discursos, nós ocupamos papéis sociais e tomamos posições que
outros seres humanos podem identificar como significativas e com base nas quais são constituídas as
identidades pessoais (LANKSHEAR, 1994, p. 6). É dentro e através do(s) discurso(s) que os seres
humanos concebem, adotam, e, assim, dão forma aos valores e aos significados. (Idem, p. 7).
4
Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata.
44 Este evento aconteceu em Durban, África do Sul, entre os dias 31 de agosto a 8 de setembro de 2001.
ABORDAGENS CRÍTICAS E FOLCLÓRICAS NA APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N.º 10.639/2003

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professores. Belo Horizonte:
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MCLAREN. Peter. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez Editora, 2000.
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PENNYCOOK, Alastair. A lingüística aplicada nos anos 90: em defesa de uma abordagem
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transdisciplinaridade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998.
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racista do Movimento Negro. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei
Federal nº 10.639/2003. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

45
3 LIMITES, DESAFIOS, IMPLICAÇÕES E
POSSIBILIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO
DE ESTRATÉGIAS ANTI-RACISTAS
E A LEI FEDERAL nº 10.639/2003 1
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Aparecida de Jesus Ferreira 2


(UNIOESTE/Cascavel)

INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO

Este artigo tem a intenção de examinar em detalhes vários exemplos de


limites e de desafios que os/as professores/as encontram em implementar políti-
cas educacionais no que se refere a uma educação anti-racista. Estes limites e
desafios serão examinados em relação a: (i) condições de trabalho dos/as pro-
fessores/as e (ii) condições oferecidas pelas escolas e pela secretaria de educa-
ção local. Serão apontadas as implicações e as possibilidades da diversidade
étnico-racial no ambiente escolar para a implementação da Lei Federal nº 10.639/
2003, implicações e possibilidades embasadas nos resultados desta pesquisa.
A razão por focalizar este artigo acerca da formação de professores
leva em conta, em primeiro lugar, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
que dão ênfase, em particular, ao tema pluralidade cultural e, dentro desta temática,
raça/etnia (educação anti-racista, diversidade étnico-racial) é um assunto elencado,
a ser discutido. Em segundo lugar, considera também a Lei Federal nº 10.639, de
9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2005), que inclui, no currículo oficial da rede de
ensino, “a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira e Afri-
cana’” em todo currículo escolar. Em terceiro lugar, existem pesquisas feitas no
Brasil e no exterior que demonstram a desigualdade em relação às questões raci-
ais e étnicas no Brasil em relação aos afro-brasileiros (CAVALLEIRO, 2001;
FERREIRA, 2004; 2006; MOITA LOPES, 2002). Discorro, primeiramente, acerca
do contexto da pesquisa e sobre a metodologia. Em segundo lugar, trago os
limites e os desafios enfrentados pelos professores. Em terceiro lugar, analiso as
implicações dos resultados obtidos e, finalmente, aponto algumas possibilida-
47 des para a implementação da Lei Federal nº 10.639/2003.
Aparecida de Jesus Ferreira

O CONTEXTOD
CONTEXTO A PESQ
DA UISA E A MET
PESQUISA ODOLOGIA
METODOLOGIA

Esta pesquisa aconteceu na Cidade Verde (pseudônimo), no Sul do Brasil,


onde a maioria da população é descendente de imigrantes da Alemanha, da Itália e
da Polônia, embora, nos últimos anos, tenha havido uma grande migração de pessoas
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

de outras localidades para a região. Cidade Verde, no momento da coleta dos dados
em 2002, tinha 40 escolas (incluindo Ensino Fundamental e Médio). Dos docentes
das 40 escolas, 46 professores responderam a um questionário e seis destes foram os
meus entrevistados. Esta amostra de resultados é parcial, pois outros instrumentos de
coleta foram utilizados, como, por exemplo: uma oficina de produção de material de
ensino, considerando a temática; entrevistas (inicias e finais); questionários induzidos
para auto-reflexão; e observação de sala de aula. Neste momento apresento, no en-
tanto, somente estes resultados. Com relação às narrativas e às considerações que
utilizo para minha análise, somente nomeio (utilizando nomes) os professores que
foram meus informantes nas entrevistas. Com relação às contribuições dos questioná-
rios, nomeio os informantes (todos os nomes utilizados são pseudônimos, para pro-
teger a privacidade dos/as professores/as).
Com relação aos instrumentos utilizados para coleta no que se refere
aos questionários, estes continham duas partes, uma de informações pessoais
e profissionais e outra com informações acerca da formação dos professores.
Com relação às entrevistas, as perguntas foram semi-abertas, com seis profes-
sores que se dispuseram a colaborar.
Embora me utilize de números algumas vezes, para dar evidência ao
que ocorre com os professores, estes números são utilizados com o mesmo sen-
tido dado por Mason (1994), que discute sua experiência de juntar dados qualita-
tivos e quantitativos na análise. Para Mason, qualitativo (significado) e quantitati-
vo (estrutura) não é a divisão de dois estágios. Para ela, “Ambos os estágios são
designados para fazer questionamentos, entre outras coisas, em diferentes níveis
de significado” (MASON, 1994, p. 110). A sugestão de Mason exemplifica minha
abordagem nesta pesquisa. Com isto quero dizer que os dados quantitativos que
utilizei ajudaram-me a propiciar um significado qualitativo para meus dados,
conjuntamente com outros instrumentos de dados utilizados, tais como as res-
postas abertas sugeridas no questionário e nas entrevistas.
Na próxima seção discuto alguns dos limites elencadas pelos professores para
a implementação de políticas educacionais que considerem raça/etnia e uma educação
anti-racista. Em primeiro lugar estão as condições de trabalho e, em segundo lugar, as
48 condições dadas aos professores pelas escolas e pela secretaria local de educação.
LIMITES, DESAFIOS, IMPLICAÇÕES E POSSIBILIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS...

LIMITES: CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS/AS PR


TRABALHO OFESSORES/AS
PROFESSORES/AS

As condições de trabalho dos/as professores/as são um fator importan-


te que pode contribuir para que eles/as se sintam hábeis (ou não) para ensinar
com uma proposta que esteja ancorada por uma educação anti-racista. Conse-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

qüentemente, é importante, neste estudo, entender as maiores dificuldades dos/


as professores/as relacionadas a sua condição de trabalho. Sendo assim, apre-
sento evidências com relação a: contrato de trabalho dos/as professores/as; nú-
mero de horas trabalhadas; e número de escolas “trabalhadas”.
Em termos de contrato de trabalho, no momento da coleta dos dados
havia dois tipos de contrato entre os/as professores/as que participaram da pes-
quisa, ou seja, os/as contratados/as permanentes (concursados/as) e os/as con-
tratados/as em regime de CLT. De acordo com as respostas dos questionários,
37% dos/as professores/as são concursados/as. Neste contexto, significa que es-
tes/as professores/as têm o direito de escolher suas aulas no início do ano letivo
e serem alocados permanentemente em uma escola. Os/as professores/as traba-
lhando nesta situação geralmente escolhem as escolas centrais ou próximas de
suas casas, e a grande maioria trabalha no período matutino e vespertino.
Ocorre, entretanto, que 61% dos/as professores/as estavam empregados/as
temporariamente (CLT) na época em que estes dados foram coletados em 2002.
Estes/as professores/as não tinham a prioridade de escolher as escolas onde iriam
lecionar nem de escolher o número de aulas de acordo com suas necessidades. A
eles/as são oferecidas as aulas de acordo com a disponibilidade das escolas. Estas
atitudes têm várias implicações, porque os/as professores/as nunca sabem a quanti-
dade de aulas que terão no ano seguinte, ou a escola onde irão lecionar. Além destas
questões, os/as professores/as que trabalham com contrato temporário geralmente
têm que trabalhar em mais de uma escola para completar a sua carga horária (o
número de escolas em que cada professor/a trabalha será descrito abaixo).
Este fator é, sem dúvida, uma barreira para os/as professores/as que tentam
implementar estratégias anti-racistas. Muitos/as deles/as não se sentirão comprometi-
dos/as com nenhuma escola em particular e, por esta razão, é muito improvável que
eles/as irão alocar tempo para preparar um assunto que necessita de muita preparação.
Com relação à quantidade de horas trabalhadas, nesta pesquisa, a car-
ga horária trabalhada pelos/as professores/as varia de 11 a 40 horas por semana,
com a maioria trabalhando entre 26 e 40 horas por semana. A maioria dos/as
49 professores/as tem como meta trabalhar 40 horas por semana para aumentar
Aparecida de Jesus Ferreira

seus ganhos. De acordo com minha amostra, 67% dos/as professores/as têm um
grande número de aulas por semana, que varia de 26 a 40 aulas. O período de
trabalho dos/as professores/as varia de manhã à noite, em alguns casos, profes-
sores trabalham de manhã, de tarde e de noite. Ball, escrevendo sobre o contexto
do Reino Unido, afirma que “Os professores são confrontados por um aumento
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

crescente da carga de trabalho diverso que destrói a sociabilidade e reduz o


tempo de lazer e autodireção.” (BALL, 1987, p. 269).
Apesar de os comentários de Ball se referirem ao contexto britânico, eles
parecem se relacionar a meus resultados, porque é claro que a maioria dos/as
professores/as em meu estudo está com excesso de aulas. Certamente este é um
fator que conta em termos de os/as professores/as terem tempo suficiente para
elevar seu conhecimento para estarem aptos/as a usar estratégias anti-racistas no
ambiente escolar. É importante prestar atenção neste assunto, porque isto está rela-
cionado a tempo de preparação das aulas, e, ainda mais importante, é ter tempo
disponível para refletir sobre o assunto (MILNER, 2003; WALLACE, 1991). Para
melhorar seu conhecimento, é necessário ter tempo para ler textos teóricos na área
e ter tempo para relacionar o que foi lido com a prática pedagógica, bem como
conhecer a realidade de seus alunos/as, ou seja, aplicar o conhecimento em ação
(SCHÖN, 1983, WALLACE, 1991, PENNYCOOK, 2001; MILNER, 2003).
O grande número de escolas em que os/as professores/as trabalham é
outro fator a ser considerado. De acordo com meus informantes, 46% dos/as
professores/as que responderam ao questionário trabalham em mais do que uma
escola (21 professores e 5 não responderam), somente 20 professores de 46
trabalham em uma única escola. Trabalhar em mais do que uma escola pode
também acarretar algumas dificuldades em relação ao tempo de preparo para
ensinar e poder estar engajado nas discussões e nos compromissos na escola. A
razão por que os professores trabalham em mais de uma escola está relacionada
aos contratos de trabalho, como explicado anteriormente – em outras palavras, é
razão relacionada ao aspecto organizacional. Ocorreu um caso extremo de um
professor que trabalha em quatro escolas, além de que quase um quinto de meus
informantes trabalham em três escolas diferentes.
As informações quanto ao número de escolas em que cada professor
trabalha levantam questionamentos quanto à disponibilidade para discutir e para
implementar estratégias para uma educação anti-racista que envolva toda a escola.
É claro que a maioria dos/as professores/as em meu estudo não está implementando
estratégias anti-racistas e também parece que eles/as não têm tempo para praticar
50 um modelo de educação reflexivo como sugerido por Wallace (1991) e Milner (2003).
LIMITES, DESAFIOS, IMPLICAÇÕES E POSSIBILIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS...

DESAFIOS: ESCOLA E SECRETARIA LOCAL DE EDUCAÇÃO


SECRETARIA

Nesta seção argumento que nem as escolas nem as secretarias locais de


educação estavam preparadas para implementar as políticas educacionais e,
conseqüentemente, não estavam preparadas para implementar mudanças
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

curriculares com relação a raça/etnia e a educação anti-racista. Como resultado,


os/as professores/as não receberam o suporte de que necessitavam. De acordo
com os participanntes da pesquisa, somente 20% disseram que eles/as usavam as
reuniões na escola para se manterem informados/as com assuntos relacionados
ao ensino. Isto significa que a escola, como arena para os/as professores/as se
manterem atualizados/as, não está proporcionando essas informações. Parece
que as escolas em que os/as professores/as trabalham estão falhando em não
utilizar os horários de reuniões para dar suporte para os/as professores/as
implementarem novas políticas educacionais. Em relação a este assunto, Ball
(novamente falando do contexto do Reino Unido) argumenta que:
A arena de debate, as reuniões do corpo docente da escola ou comitês são
caracterizadas pela linguagem das políticas educacionais, através de uma grande
retórica cheia de propósito idealista. Aqui as competitivas definições de inova-
ção são o contexto público. Esta arena é significante, mas não necessariamente
onde as decisões são feitas ou formadas. Esta arena são onde os limites são
colocados. E onde são fixadas as políticas públicas. Aqui os contrastes são for-
tes, os argumentos são simples e direto ao ponto. (BALL, 1987, p. 39).

Aplicando as afirmações de Ball acima para os dados neste estudo, eu


afirmaria que é evidente que as escolas naquele momento não davam muito
encorajamento em termos de ajudar os/as professores/as na implementação do
que foi colocado nos PCNs. Estes resultados confirmam o que foi descoberto por
Pinto (1999) em outra pesquisa recente no Brasil, com professores em pré-servi-
ço. Pinto (1999, p. 199) pesquisou como os cursos que preparam futuros/as pro-
fessores/as em nível secundário propiciam oportunidades para discutir questões
voltadas para as relações raciais e étnicas no Brasil. Pinto usou três fontes de
dados para sua análise: currículo, livro didático em quatro disciplinas e os/as
professores/as que ministram a disciplina. Os livros analisados foram: história
do Brasil, biologia, sociologia de educação e psicologia. O objetivo de Pinto era
observar a contribuição de cada disciplina para entender a reflexão sobre as
diferenças raciais e étnicas. Os/as professores/as que participaram de sua pes-
quisa responderam a questionários e foram entrevistados/as. Pinto (1999, p. 228)
51 descobriu que alguns/mas futuros/as professores/as estavam conscientes da questão
Aparecida de Jesus Ferreira

das diferenças raciais e étnicas. Ela também descobriu que alguns/mas professo-
res/as mostraram iniciativas na sala de aula, mas muito poucas iniciativas foram
incorporadas em nível de escola. Desta forma, as iniciativas eram individuais e
ligadas ao próprio interesse do/a professor/a no assunto.
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Alguns/mas professores/as ligaram as dificuldades que eles/as experienciaram


com o relacionamento entre escolas e secretaria local de educação:
[…] o suporte pedagógico que nós temos na escola está muito preocupado com
o trabalho burocrático. (Ame, entrevista).

Para que um trabalho sério se efetive, todos os membros da escola devem


estar envolvidos se a escola estiver procurando por uma mudança substancial e
qualquer mudança deve ser sistemática. Desta forma, todos os membros da escola
podem participar em práticas grupais, observação do clima social da escola, tra-
balharem juntos através de práticas de avaliação do que foi planejado, e participa-
ção em conjunto de atividades extracurriculares. Ame enfatiza a necessidade de a
escola toda estar envolvida na implementação da questão racial/étnica, como já
discutido por alguns pesquisadores (CAVALLEIRO, 2001; GILLBORN, 1995).
Alguns dos participantes da pesquisa admitiram que a forma como algumas
escolas e a secretaria local de educação tratam a temática racial/étnica deixava a desejar:
A secretaria local de educação e escolas não nos dão suporte, os professores
estão sozinhos. O montante de horas que nos é dada para preparação de
aulas é insuficiente [...]. Nós usamos o nosso próprio tempo para preparar
as aulas e, se nós não fazemos isto, nós não somos considerados bons profis-
sionais. (Ame, entrevista).

Planejamento curricular é bem apertado. As regras são dadas em termos de


objetivos e você está amarrado a eles. Você tem que fazer o planejamento
curricular e somente escrever no papel simplesmente para ter, em caso da
secretaria de educação local aparecer na escola. E você não vai além disto.
(Cármen, entrevista).

A secretaria de educação local não oferece cursos, eu nunca escutei ne-


nhum comentário de cursos, dos meus colegas. (Bárbara, entrevista).

Desde que iniciei trabalhar, a secretaria local de educação nunca nos ofere-
ceu cursos sobre a temática pluralidade cultural – raça/etnia. Teve outros
tipos de cursos, mas nunca relacionadas à temática pluralidade cultural –
raça/etnia. (Fábia, entrevista).

Os/as professores/as que sentiram que a secretaria local de educação e


52 escolas não proporcionaram suporte pedagógico enfatizaram a falta de assistên-
LIMITES, DESAFIOS, IMPLICAÇÕES E POSSIBILIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS...

cia pedagógica, como também assinalaram a excessiva burocracia na adminis-


tração das escolas. Isto também mostra que o planejamento que ocorre na escola
é mais um documento a ser mostrado para as secretarias de educação do que um
interesse para ser implementado nas salas de aulas. Cármen apontou que o currí-
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

culo revela como a escola, e as secretarias de educação locais, e, conseqüente-


mente, os/as professores/as, tratam a implementação curricular. Entretanto, por
conta da falta de suporte, os professores não conseguem implementar esta polí-
tica. Estudiosos, discutindo raça/etnia e currículo, em suas pesquisas encontra-
ram resultados similares (APPLE, 1999; MILNER, 2003; PINTO, 1999). Apesar de
a maioria dos professores/as, em meu estudo, ter dito que eles/as não tinham
apoio neste aspecto, alguns/mas admitiram que as secretarias locais de educa-
ção pelo menos tentam oferecer alguma assistência:
A secretaria local de educação faz uma tentativa de oferecer cursos, entre-
tanto não houve encontros freqüentes. O assunto que foi tratado nas reuni-
ões é sempre o mesmo, não havia nenhuma continuidade e a discussão era
sempre branda. Eu acredito que, para a secretaria de educação local, o
assunto também seja novo. (Cármen, entrevista).

A secretaria de educação local tentou fazer seminários, mas eu não percebi


muito comprometimento por parte deles. (Elisa, entrevista).

Apesar de a secretaria local de educação ter propiciado espaço para dis-


cussão, o que ficou claro é que os/as professores/as sentiram falta de continuidade e
de profundidade na discussão sobre a temática da pluralidade cultural – raça/etnia.
As implicações das considerações feitas pelos/as professores/as podem ter um im-
pacto em seu trabalho no ambiente escolar em termos de continuidade e de compro-
metimento de seu trabalho. Analisando as considerações dos/as professores/as, eu
argumentaria que nem as escolas nem as secretarias locais de educação, ou cursos de
formação de professores em pré-serviço, fizeram uma tentativa séria de encorajar os/
as professores/as a usarem estratégias anti-racistas em suas aulas.

IMPLICAÇÕES

Os resultados dos limites elencados na seção anterior demonstram que


o sistema educacional colaborou na promoção de desigualdade. Isto se dá le-
vando em consideração que o currículo escolar representa uma forma de propri-
edade intelectual. Ladson-Billings & Tate (1995), que são os responsáveis por
53 trazerem a teoria racial crítica para o âmbito educacional, afirmam que a quali-
Aparecida de Jesus Ferreira

dade e a quantidade do currículo ofertado variam com relação à propriedade de


valores da escola (p. 54). Eu argumentaria que, por causa das precárias condi-
ções de trabalho dos/as professores/as, conforme relatado em meu estudo, é um
dos fatores que colaboram para a reprodução da desigualdade. Esta desigualda-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

de é reproduzida levando em consideração que:


• 61% dos/as professores/as em meu estudo trabalham com contrato
temporário.
• 67% dos/as professores/as em meu estudo estão sobrecarregados com aulas.
• 46% dos/as professores/as trabalham em mais de uma escola.
Os/as professores/as mencionados acima trabalham em escolas que estão
localizadas em subúrbios, onde há uma maior concentração de estudantes ne-
gros do que no centro da cidade (ver OLIVEIRA, 2003, p. 27), e, conseqüente-
mente, a condição de moradia dos alunos é inferior se comparada com os estu-
dantes que estudam no centro da cidade (tendência de ter mais estudantes bran-
cos). Considerando as condições de trabalho dos/as professores/as, os estudan-
tes dos subúrbios receberão uma instrução diferente de currículo, se comparada
com as escolas no centro da cidade. A Tabela 1.1 ilustra a intersecção de raça e
de propriedade, como exemplificada pela Teoria Racial Crítica.

Tabela 1 Condição de trabalho do professores: intersecção com propriedade e raça

Escolas no centro da cidade Escolas nos subúrbios

Condições de trabalho dos/as professores/as: Condições de trabalho dos/as professores/as:


• Contrato de trabalho permanente. • Contratos temporários.
• Trabalhando em uma escola. • Trabalhando em mais de uma escola.

Efeitos das condições de trabalho na escola: Efeitos das condições de trabalho na escola:
• Professores/as mais comprometidos/as. • Professores/as menos comprometidos/as.
• Mais tempo para preparar aulas. • Menos tempo para preparar aulas.

Estudantes: Estudantes:
• Tendência a ter mais estudantes brancos. • Tendência a ter mais estudantes negros.

Currículo: Currículo:
• Pais que têm condições de comprar livros • Pais não podem comprar livros didáticos
didáticos e materiais extras. e materiais extras.
• Pais podem participar nas reuniões esco- • Pais não podem participar dos encontros
lares (conseqüentemente eles exigem um da escola (é menos provável que eles sai-
currículo mais rígido da escola). bam o que está acontecendo na escola).
54
LIMITES, DESAFIOS, IMPLICAÇÕES E POSSIBILIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS...

A Tabela 1.1 propiciada mostra que:


[…] propriedade intelectual deve estar sujeita ao preparo por propriedade “real”, que
são laboratórios de ciências, computadores, e outras tecnologias, apropriadamente
certificadas e professores preparados. (LADSON-BILLINGS & TATE, 1995, p. 54).
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

A partir dos resultados é possível elencar algumas conclusões, especi-


ficamente a de que a educação pode ser vista como uma forma de excluir alunos
não brancos e as condições de trabalho dos/as professores/as é, certamente, um
dos fatores que mais influenciam nesta situação. Com estes resultados é possível
elencar algumas possibilidades para a implementação de uma educação anti-
racista na escola e da Lei Federal nº 10.639/2003, sendo as que seguem.

POSSIBILIDADES
POSSIBILIDADES

Desde a implementação da Lei Federal nº 10.639/2003, o MEC/SECAD e


SEPPIR e as secretarias locais de educação dos Estados, bem como as Universidades
através dos NEABs (Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros) têm desenvolvido cursos de
formação continuada para os professores de todas as áreas do conhecimento. Este é um
momento histórico muito importante para os afro-descendentes no Brasil, pois nunca na
história do Brasil houve tanto incentivo à pesquisa na área de relações étnico-raciais.
Abaixo encontram-se algumas possibilidades para serem
implementadas no micronível escolar. As informações abaixo foram retiradas
do livro de Ferreira (2006, p. 60-61).

Sugestões de estratégias para ser


Sugestões em consideradas nas escolas que trabalham
serem
em pr ol da T
prol eoria Racial Crítica e de uma educação anti-racista
Teoria
Estratégias organizacionais • Encontrar formas de engajar a comunidade como um todo no
desenvolvimento de uma prática anti-racista (CONNOLLY, 1998,
p. 192; GILLBORN, 1995, p. 109).
• Organização de cursos de formação continuada de professores,
deixando explícita a necessidade de políticas educacionais e desa-
fiar professores à discussão do assunto (GILLBORN, 1995, p. 110).
• Encorajar trabalho reflexivo, mas não de forma intimidadora
(CAVALLEIRO, 2001; GILLBORN, 1995).
• Ter o apoio da direção e de toda a equipe de ensino em estabe-
lecer um programa de atividades por um período longo, institu-
indo, nos compromissos da escola, o anti-racismo como uma
questão-chave (GILLBORN, 1995, p. 115).
• Encontrar formas de monitorar os resultados dos alunos por
grupos étnicos (OSLER & MORRISON, 2002, p. 331).
• Secretarias locais de educação devem possibilitar apoio e recursos para
55
dar suporte às escolas (OSLER & MORRISON et alii, 2000, p. 154).
Aparecida de Jesus Ferreira

Estratégias curriculares • Envolver a visão e as ações de todos os funcionários da escola,


bem como a visão dos alunos (GILLBORN, 1995, p. 114).
• Ensinar, a crianças e a adolescentes, um estudo crítico da histó-
ria do Brasil (CAVALLEIRO, 2001, p. 158).
• Encontrar formas de engajar toda a comunidade escolar no de-
senvolvimento de um currículo que considere a prática do anti-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

racismo (GILLBORN, 1995, p. 109).


• Envolver todas as disciplinas do currículo escolar na discussão
sobre educação anti-racista (GILLBORN, 1995, p. 132).
• Explorar as limitações das perspectives de neutralidade racial e a pers-
pectiva de não ver cor (colour blind) (LADSON-BILLINGS, 1998, p. 18).

Estratégias pedagógicas • Discutir em sala de aula sobre práticas anti-racistas para serem
adotadas por alunos.
• Ter uma discussão aberta com os alunos sobre xingamentos e
bullying (ameaças, pressão psicológica, descaso) relacionados a
raça/etnia (TROYNA & SELMAN, 1991, p. 54).
• Ter uma discussão aberta para que os alunos possam dividir
suas visões e seus sentimentos (EPSTEIN, 1993, p. 146).
• Desenvolver materiais de ensino que propiciem espaço para
que os professores os possam adaptar à realidade dos alunos
(TROYNA & SELMAN, 1991, p. 54).
• Organização de alguns materiais de ensino preparados pelos
alunos para discutir o assunto de raça/etnia (TROYNA &
SELMAN, 1991).
• Uso de estratégias de contar “estórias” para empoderar os alu-
nos negros (LADSON-BILLINGS, 1998, p. 13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo examinei o assunto da diversidade étnico-racial no contexto


escolar, mais os limites e os desafios que os/as professores/as têm que enfrentar na
implementação de uma educação anti-racista, bem como as implicações, e apontei
algumas possibilidades que consideram a implementação da Lei Federal nº 10.639/
2003. Finalmente, ficou evidente que os/as professores/as não podiam desenvolver
a implementação de uma educação anti-racista por vários fatores, tais como condi-
ções de trabalho que não lhes permitiam reflexão nem procurar por uma melhora
em sua prática pedagógica. Meu corpus de dados obtidos claramente sugere que
os/as professores/as estavam, em sua maioria, com uma carga horária excessiva, e
muitas vezes trabalhando em mais de três escolas ao mesmo tempo. Um outro
limite é em relação à falta de suporte pedagógico, que não lhes propicia condições
56
para ensinar o assunto. Isto ficou evidente porque a maioria dos/as professores/as
LIMITES, DESAFIOS, IMPLICAÇÕES E POSSIBILIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS...

afirma que não utiliza as reuniões escolares como recurso para se manterem
atualizados. Conseqüentemente, as escolas não eram vistas como fórum de discus-
são de pluralidade cultural (diversidade étnico-racial) nem como suporte aos/às
professores/as na implementação de novas políticas educacionais. Outro fator é
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

que as secretarias locais de educação não propiciavam cursos de formação conti-


nuada para apoiar os/as professores/as na implementação de políticas educacio-
nais. Com a implementação da Lei Federal nº 10.639/2003, as possibilidades são,
no entanto, inúmeras, pois se tornou obrigatório o ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana na educação básica. As universidades estão propiciando
cursos de formação continuada através dos NEABs (Núcleos de Estudos Afro-Bra-
sileiros). Desta forma, os professores são incentivados a terem mais formação con-
tinuada, a integrarem grupos de estudos, a participarem de reuniões com pais e
alunos, a participarem na elaboração de materiais de ensino, bem como a propo-
rem projetos relacionados ao tema da diversidade étnico-racial ao longo do ano.

NOTAS
NOT

1
Este artigo em uma versão simplificada foi apresentado do InPLA de 2007 na PUC/SP.
2
Aparecida de Jesus Ferreira é doutora em Educação de Professores e em Lingüística Aplicada pela
University of London - Institute of Education (2004). Suas pesquisas têm ênfase em Lingüística
Aplicada em Língua Inglesa e Línguas Estrangeiras e com ênfase em Formação de Professores de
Línguas. Ministra aulas no Curso de Letras (graduação), nas seguintes disciplinas: Língua Inglesa,
Iniciação à Pesquisa em Linguagem, Prática de Ensino. No mestrado em Letras ministra as seguin-
tes disciplinas: Formação de Professores de Línguas e Metodologia de Pesquisa. Faz parte do
grupo de pesquisa: Linguagem e Sociedade e da Linha de Pesquisa: Linguagem e Ensino. As áreas
de interesse em pesquisa são: a) Formação de Professores de Línguas; b) Ensino/Aprendizagem de
Línguas Estrangeiras; c) Desenvolvimento e Avaliação de Materiais Didáticos para a Sala de Aula
de Segunda Língua e Língua Estrangeira. Nos últimos anos suas pesquisas têm se voltado para as
questões de Formação de Professores e seu projeto de pesquisa atual é: Formação de Professores
de Línguas e Práticas Sociais. Seu último livro publicado é intitulado: “Formação de Professores
Raça/Etnia: reflexões e sugestões de materiais de ensino”. Cascavel: Coluna do Saber. 2006.
Também coordena o Projeto PEAB. E-mail: <cidajferreira@yahoo.com.br>. Site:
<www.aparecidadejesusferreira.com>.

REFERÊNCIAS

APPLE, Michael W. The absent presence of race in educational reform. Race Ethnicity
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59
4 OS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO
PRESENTES EM LIVROS DIDÁTICOS:
UMA ANÁLISE A PARTIR DOS
PARÂMETROS NACIONAIS 1
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Andréia Fernanda Orlando2


Aparecida de Jesus Ferreira3
Fernanda Cristina Couto4
Luciane Watthier5

INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO

A representação social do negro6 o transforma, na maioria das vezes,


em um ser estigmatizado, estranho e não familiar. Em nossa sociedade, a interação
entre as pessoas ainda acontece de acordo com valores construídos socialmente
e historicamente, valores que levam em consideração o grupo étnico, a raça, a
classe ou a nação a que cada pessoa pertence (SILVA, 2002, p. 1). E este compor-
tamento certamente leva a que muitas crianças cresçam com preconceito contra
raça, contra cor ou contra classe social e isto pode ser visto como uma “herança
familiar”, ou seja, as crianças já o trazem de casa e o preconceito se constitui “no
senso comum dos indivíduos” (SILVA, 2002, p. 1). Sendo assim, as crianças car-
regam estereótipos que vêm “influenciar negativamente a autopercepção das pes-
soas” (SILVA, 1995, p.43) pertencentes a um grupo que foi estereotipado cultural-
mente, socialmente e historicamente.
Dessa forma, entendemos o estereótipo como sendo uma visão
simplificada de uma pessoa (ou de um grupo de pessoas) que constrói uma idéia
negativa a respeito de outra pessoa (ou de um grupo de pessoas) seja pelo
pertencimento étnico-racial, pela religião, pela classe social, pela opção sexual,
pela idade, etc. dessa outra pessoa (SILVA, 1995, p.43). Pretendemos, no pre-
sente artigo, analisar um livro didático de língua portuguesa, da 6ª série, utiliza-
do atualmente no Ensino Fundamental de escolas estaduais. Nosso objetivo, com
este corpus, é perceber como este livro didático aborda os aspectos étnico-
raciais e se procura desfazer estereótipos ou, pelo contrário, reforçá-los
(SCHWARCZ, 1998; SILVA, 2002; CAVALLEIRO, 2001).
Concordamos com Silva (1995, p. 48) quando afirma que, mesmo não
61 sendo apenas os livros didáticos os transmissores de estereótipos, estes possuem
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira - Fernanda Cristina Couto - Luciane Watthier

um caráter de “verdadeiro”, o que torna necessário um trabalho mais cuidadoso


com esses livros, na procura de não permitir que o aluno adquira um comporta-
mento racista, comportamento que discrimina e que se constitui de preconceitos.
Neste artigo argumentamos que os parâmetros educacionais nacionais têm con-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

tribuído para que os livros didáticos apresentem melhoras significativas com


relação aos estereótipos apresentados sobre o negro. Os materiais didáticos, no
entanto, ainda refletem o que foi construído socialmente e historicamente sobre
o que é ser negro no Brasil. Para desenvolvermos nosso argumento, neste artigo
estaremos primeiramente fazendo uma retomada histórica sobre o que tem sido
discutido sobre análise de materiais didáticos e a questão racial. Na segunda
parte trazemos as contribuições dos parâmetros nacionais e a questão racial. Na
terceira parte trazemos considerações de como será feita a análise do livro, bem
como as análises propriamente ditas das figuras e dos textos. Finalmente faze-
mos algumas considerações finais em que refletimos acerca das omissões/limites
e das possibilidades que o material de ensino traz.

RETOMAD
RETOMADA HISTÓRICA: ANÁLISE DE MA
OMADA TERIAIS DE ENSINO
MATERIAIS

Os materiais pedagógicos têm papel fundamental na reprodução de ide-


ologias, expandindo visões estereotipadas acerca de raça/etnia, de classe social,
de gênero em nossa sociedade e isso ocorre porque estes materiais se sobressa-
em “pela importância que lhe[s] é conferida pelos pais, alunos e professores”,
sendo considerados “depositório[s] da verdade, a memória conservada das civi-
lizações” (SILVA, 1995, p. 47). Deste modo, faremos primeiramente uma exposi-
ção de estereótipos já encontrados em livros didáticos acerca do preconceito
racial, para, a partir disto, expormos a análise dos materiais aqui propostos.
Rosemberg (2003) afirma que os estudos sobre preconceito racial nos
livros didáticos e paradidáticos (leitura didática) iniciaram na década de 1950,
com a pesquisa de Dante Moreira Leite (1950): Preconceito racial e patriotismo em
seis livros didáticos brasileiros. Neste livro de Dante Moreira Leite se pode consta-
tar a representação do negro “[...] em situação social inferior à do branco: o trata-
mento da personagem negra com postura de desprezo; a visão do negro como
alguém digno de piedade; o enfoque da raça branca como sendo a mais bela e a de
mais poderosa inteligência [...]” (p. 132). De acordo com Rosemberg (idem), essas
representações defendem a “inferioridade natural dos negros” (p. 132).
62
OS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO PRESENTES EM LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE ...

Nas décadas de 1970 e 1980, através de análises de materiais didáticos,


enfatizou-se “[...] o papel da escola como reprodutora das discriminações existen-
tes na sociedade contra determinadas categorias étnicos-raciais” (PINTO, citado
por ROSEMBERG, 2003, p. 133). Rosemberg (2003, p. 134) resume as representa-
ções do negro e do branco no livro didático num quadro onde cita que o branco é
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

sempre o representante da espécie enquanto que o negro é menos freqüentemente


representado em ilustrações e é representado por etnias, nunca por nome próprio,
como os brancos. Além disso, negros desempenham atividades de menor prestígio
e de menor poder social e são apresentados com traços grotescos e estereotipa-
dos. Sabe-se que o negro foi estereotipado como selvagem, como demônio, como
mau, como primitivo e estereótipos similares (SILVA, 1995). Segundo Silva (1995, p.
44-45), estes nomes eram usados para justificar os maus tratos que os senhores
brancos infligiam aos negros durante a escravidão. A mulher mulata, por sua vez,
foi e ainda continua sendo vista como um ser exótico, lascivo e sedutor.
Todos estes estereótipos em relação às pessoas negras causam graves
conseqüências a elas, começando pela discriminação no mercado de trabalho,
pois o negro é visto, muitas vezes, como desonesto, como mau, como sujo, como
feio e como incapaz, ou seja, é desprezado, tendo-se sempre a “preferência” por
pessoas brancas e dentro do “padrão de beleza”, padrão que pode ser definido
pelos adjetivos: magro/a, alto/a e bonito/a. Além disso, um problema maior é a
identificação de uma criança com um ser estereotipado, fazendo com que essa
criança se auto-rejeite e se exclua da sociedade, percebendo-se desde cedo di-
ferente dos demais, perdendo, além de tudo, sua capacidade crítica.
Em análises de livros didáticos, Silva (1995, p. 51) destaca a associação
de crianças negras a animais, como, por exemplo, macacos, porcos e cães, pas-
sando a visão de um ser sujo, inapto e que polui – tal visão é passada por meio
de ilustrações onde a criança e o animal aparecem fazendo a mesma coisa ou a
criança realizando uma ação comum de um animal, como, por exemplo, se sacu-
dindo como um cão. Outro modo usado para estereotipar é a falta de famílias e
de nomes de família para os negros, sendo tratados somente por apelidos, mui-
tas vezes apelidos forjados de acordo com a cor da pele ou, ainda, são associa-
dos a seres sobrenaturais como o saci, que é sempre negro, ou o diabo. Já as
crianças brancas aparecem nestes livros com nomes próprios, com família, sur-
gindo para ajudar um menino negro a resolver um problema, denotando a idéia
de que os negros não são capazes de resolverem sozinhos seus problemas. O
que também se reserva às crianças negras em livros didáticos são serviços infe-
63 riores, como empregada doméstica, serviçal, mendigo, favelado, etc.
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira - Fernanda Cristina Couto - Luciane Watthier

Deste modo, de acordo com Silva (1995, p. 59), dando aos negros tais
características, os materiais acabam por omitir a “[...] contribuição econômica e
a diversidade de funções e papéis desempenhados pelo homem negro no Brasil,
desde a sua chegada até os dias atuais”, além de deixar de comentar o acesso das
pessoas negras à profissões reservadas às pessoas brancas, a existência de mães
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

negras e os inúmeros papéis ocupados por elas na sociedade. Todos estes este-
reótipos educam tanto a criança negra quanto a criança branca já com uma men-
talidade racista. Na próxima seção discutiremos os parâmetros nacionais.

PARÂMETROS NA
ARÂMETROS CIONAIS: PNLD, PCNS E LEI FEDERAL Nº 10.639/2003
NACIONAIS:

A escolha dos parâmetros nacionais para o Programa Nacional do Livro


Didático, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e da Lei Federal nº 10639/2003
se dá principalmente pelo fato de que estes são os documentos oficiais que permeiam
o ensino básico, bem como estes documentos trazem contribuições significativas
para avaliar nosso instrumento de análise (o livro didático) e a questão racial.

Programa Nacional do Livro Didático

O surgimento do movimento negro nos anos 1980 e a implantação do


Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 1996 fizeram com que se inici-
asse um interesse por um tratamento diferenciado aos negros. Pesquisadores
desenvolveram uma série de ações para que isso pudesse ocorrer e o PNLD
passou a proibir a circulação de livros didáticos que expressassem preconceitos
de origem, de cor, de condições socioeconômicas, de etnia, de gênero e qual-
quer outra forma de discriminação (ROSEMBERG, 2003, p. 137).
Deste modo, podem-se já perceber mudanças nos livros didáticos na
década de 1990. Silva (2002) afirma que, nestes livros didáticos da década de 1990,
a representação do negro é feita da mesma forma que a dos brancos. Segundo ela,
Eles [os negros] aparecem ilustrados, com status econômico de classe média,
com constelação familiar, crianças praticando atividades de lazer, em interação
com crianças de outras raças/etnias, com nome próprio, sem aspecto caricatural
e freqüentando a escola; adultos negros exercendo funções e papéis diversifica-
dos, descritos como cidadãos, interagindo com pessoas de outras raças/etnias
sem subalternidade, entre outras transformações. (SILVA, 2002, p. 2).

Através desta informação já se pode comprovar que realmente vêm


64 ocorrendo transformações na visão acerca dos negros e as legislações oficiais
OS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO PRESENTES EM LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE ...

certamente têm contribuído para isto. Estas mudanças são decorrentes de rei-
vindicações ocorridos por pressão de vários movimentos sociais (movimento
negro, movimento feminista e outros) e que foram transformados em parâmetros
nacionais como estes que estamos analisando.
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs

A visão trabalhada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRA-


SIL, 1998) sobre a temática racial e étnica é abordada como forma transversal através
do tema da pluralidade cultural. Conforme Souza & Menegassi (2004), a abordagem
da pluralidade cultural no contexto escolar é tratada como um desafio pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998), ou seja, uma luta contra todo tipo de
discriminação. Os autores afirmam ainda que os PCNs adotam como conceito de
raça o “conjunto de indivíduos com caracteres somáticos como cor da pele, tipo de
cabelo”, enquanto etnia é abordada como “grupos sociais diferenciados dos outros
por especificidade cultural”, sendo que o último termo (etnia) seria o mais adequado
para ser trabalhado no meio escolar, pois abrange uma maior dimensão cultural no
que tange às características físicas de um grupo e sua identidade cultural. Enten-
demos, no entanto, o termo raça como um conceito que precisa ser estudado,
por este ainda ter uma grande importância em nossa sociedade. O termo raça
conserva o que foi construído socialmente, culturalmente e historicamente acer-
ca de um determinado grupo étnico, e, no caso dos afro-descendentes, a
momenclatura raça é ainda significativa na sociedade contemporânea.
Segundo Souza & Menegassi (2005), os PCNs propõem uma educação
comprometida com a cidadania, no entanto esses autores revelam que essa temática
relacionada à questão racial e étnica vem sendo tratada de forma errônea. Essa
forma errônea está mais relacionada com a seguinte pergunta: – Como a escola tem
lidado com a questão da diversidade que está sempre presente dentro do âmbito
escolar? Infelizmente o que os resultados de várias pesquisas demonstram é que se
tem mais contribuído para que o preconceito permaneça do que para que ele seja
desconstruído e desafiado (CAVALLEIRO, 2001; FERREIRA, 2004)

LEI FEDERAL Nº 10.639/2003

A recente Lei Federal nº 10.639 foi aprovada em 9 de janeiro de 2003. Essa


lei torna obrigatório o ensino de Histórica e Cultura Afro-Brasileira e Africana no
65 Ensino Fundamental e Médio para escolas públicas e particulares, matéria que deve
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira - Fernanda Cristina Couto - Luciane Watthier

ser ensinada em todo currículo escolar de forma interdisciplinar, mas principalmente


nas disciplinas de História, de Literatura e de Artes. Para colaborar com a efetivação
da Lei Federal nº 10.639/2003, em junho de 2004 o CNE/CP, através do Parecer nº 3/
2004, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O


parecer mostra várias indicações de como este conteúdo pode ser implementado no
sistema escolar (BRASIL, 2003, 2004). O parecer nos informa que:
[...] procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da
população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de
políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura,
identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, soci-
ais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as
discriminações que atingem particularmente os negros. (BRASIL, 2004, p. 2).

O documento também aponta para questões que precisam ser modifi-


cadas no sistema educacional de ensino e, para tanto, o sistema de ensino e os
estabelecimentos de educação básica, nos níveis de educação infantil, educação
fundamental, educação média, educação de jovens e adultos, educação superior,
precisarão providenciar:
Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de
ensino, que atendam ao disposto neste parecer, em cumprimento ao disposto no
Art. 26A da LDB, e para tanto abordem a pluralidade cultural e a diversidade
étnico-racial da nação brasileira, corrijam distorções e equívocos em obras já
publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos afrodescendentes, sob o
incentivo e supervisão dos programas de difusão de livros educacionais do MEC
- Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Es-
colares (PNBE). (BRASIL, 2004, p. 11).

Considerando as questões colocadas, além de levar em conta a edição de


livros e de materiais de ensino, ainda há a necessidade de pensarmos como os
professores (sejam aqueles em formação, sejam aqueles já em exercício profissio-
nal) estão sendo preparados para exercer essa nova função. De acordo com resul-
tados de pesquisas feitas recentemente por Ferreira (2004, 2006 e 2007), Gomes &
Silva (2002), entre outros, os professores não estão sendo preparados para lidar
com a comunidade diversa que temos nas escolas brasileiras. Os resultados de-
monstram que há uma necessidade urgente de que as universidades (que formam os
professores) incluam em seus currículos (planos de ensino) e em seus PPPs (proje-
tos político-pedagógicos) estas discussões, para que tenhamos professores mais
66 preparados, críticos e cientes de seu papel transformador. Trata-se de um papel
OS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO PRESENTES EM LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE ...

que devem exercer dentro do sistema escolar de ensino em prol de práticas sociais
de igualdade étnico-racial, papel que, certamente, também passa pela questão de
saber analisar, de uma forma crítica e analítica, os materiais de ensino que utilizam
em sala de aula. É isso o que passamos a analisar na próxima seção.
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

ENCAMINHAMENTOS MET
ENCAMINHAMENTOS ODOLÓGICOS E ANÁLISE DO LIVR
METODOLÓGICOS O
LIVRO

Para a análise dos livros didáticos estaremos fazendo uso do livro de


Português intitulado, Português: Linguagens (CEREJA, William Roberto & MA-
GALHÃES, Thereza Cochar, 2002, 2ª edição) de 6ª série. A preferência pelo
material da 6ª série se deu pelo fato de que os respectivos alunos estão em fase
de pré-adolescência, ou seja, é o momento em que estão se preparando para
entrar no mundo adulto, momento em que formam sua consciência crítica e se
preparam para seguir um caminho por eles definido.
Nossa análise estará pautada em figuras e em textos de todo o livro, com os
objetivos de perceber como os mesmos textos propõem atividades com relação aos
aspectos étnico-raciais. O primeiro ponto que procuraremos analisar serão as figu-
ras, se estas representam também o negro e como o fazem. Após, nossa preocupação
se voltará aos textos e aos exercícios propostos pelo material. Procuraremos observar
se esses textos e exercícios propõem reflexões a favor da questão étnico-racial.

ANÁLISE DE FIGURAS

O livro Português: Linguagens, de 6ª série, está dividido em quatro uni-


dades intituladas: Heróis; Ser diferente; Viagens; e Viagem pela palavra, cada
uma subdividida em três capítulos.
No livro em questão, as ilustrações que proporcionam aos alunos refle-
xões sobre a questão étnico-racial são várias, e há mesmo ilustrações que não
tratam do assunto, o que faz com que os alunos percebam que não há diferenças
entre pessoas negras e pessoas brancas, pois estas aparecem juntas, valorizando
as características também do negro. Isso já pode ser observada na capa do livro,
pois nesta há quatro ilustrações e, entre elas, a primeira é a de uma menina negra
com um livro na mão, para o qual está olhando e sorrindo. Sua aparência é a de
uma criança como todas as outras: limpa e com o cabelo arrumado.
Já na segunda unidade, páginas 76 a 138, o material traz um trabalho
67 voltado às diferenças, não somente raciais e étnicas, mas também de usos, de
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira - Fernanda Cristina Couto - Luciane Watthier

costumes, de idéias, etc., propondo também reflexões sobre a questão. Já na pri-


meira página desta unidade há uma foto de crianças de diferentes raças e etnias
abraçadas, demonstrando a existência de união e de carinho entre elas, do mesmo
modo como na página 114, no terceiro capítulo, quando a discussão se volta exclu-
sivamente para as diversidades raciais. Na página 78, o livro traz um texto intitulado
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

A pipoca, em que, mesmo não tratando das diferenças raciais, traz a ilustração de
uma favela em que há apenas mulheres negras com o corpo bem destacado, talvez
para forçar a idéia do estereotipo da mulher afro-descendente sensual. Isto reforça
a análise feita por Gomes (1995), mencionada na seção da retomada histórica (aci-
ma), bem como o estereótipo de que negro mora na favela. Mais à frente, na página
101, há uma foto de uma menina afro-descendente com um piercing na língua, tra-
tando do preconceito social em relação ao que é diferente.
Na página 118, temos uma propaganda de protetor solar que força a idéia
da igualdade racial. Esta traz duas crianças, uma negra e outra branca, abraçadas,
porém mais à frente, na página 165 do material, já na terceira unidade, encontramos
a ilustração de um homem negro e uma entrevista com ele. Este homem negro conta
que ele fazia parte do submundo da violência e das drogas, e, com a ajuda de
algumas pessoas, conseguiu alcançar uma carreira de sucesso. Durante a entrevis-
ta, o pedagogo Roberto conta toda a história de sua vida e o que fez com que ele se
tornasse conhecido como O contador de histórias. Essa história pode auxiliar para
que os alunos consigam desconstruir aquela visão de que os negros são vistos
como subalternos, trazendo uma visão positiva, e também pode colaborar para
melhorar a auto-estima dos/as alunos/as afro-descendentes. Entretanto, quando o
material poderia aprofundar o assunto, passa para outras atividades, deixando ape-
nas a entrevista sem proporcionar nenhuma reflexão aos alunos/as. Podemos citar
ainda, nesta parte, a página 149, que traz a ilustração de crianças negras estudando,
o que mostra que estas também têm acesso ao estudo. Após, a página 171 aparece
com uma ilustração de várias pessoas, negras e brancas, participando de uma festa
religiosa e, por último, a página 224 (4ª unidade) contém uma ilustração com várias
crianças cantando, tanto brancas quanto afro-descendentes.

ANÁLISE DOS TEXTOS


TEXTOS

Voltamos agora nossa análise para os textos e os exercícios do livro


didático. Num primeiro olhar, na página 103 qualquer um pode elogiar o livro,
pois traz duas crianças afro-descendentes abraçadas. Ocorre, porém, que, após
68 uma leitura do texto acima desta ilustração, percebemos que o material trata do
OS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO PRESENTES EM LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE ...

preconceito em relação às pessoas portadoras do vírus da Aids. Deste modo, o


aluno, facilmente, interiorizará a idéia de que somente pessoas negras possuem
o vírus, o que parece um ponto negativo trazido pelo material. Neste sentido é
importante perceber o currículo oculto, ou seja, o que é passado para o aluno
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

sem uma reflexão. Por trás de um texto/ilustração desse tipo certamente estão
subentendidas algumas ideologias que desfavorecem o negro e favorecem o bran-
co, como exemplificamos na seção da retomada histórica.
No terceiro capítulo da segunda unidade, o assunto étnico e racial passa a
ser comentado de uma maneira mais aprofundada. O capítulo vem intitulado como A
cor de um país plural e mostra, logo no início, o preconceito existente no Brasil,
mesmo que não intencionalmente. Para explicar isto ele traz o seguinte enunciado:
“E aí, neguinho?”, “Ô Pelé, pega aquela caixa!”, Tudo bem, japa?”, “Entra aí,
alemão!”, “Me dá uma bala, meu: você parece turco!”. Quem nunca ouviu no dia-
a-dia frases como essas? O Brasil se diz um país se preconceito racial, mas será
que essas frases não ocultam algum tipo de preconceito?

Cavalleiro (2001, p. 145) afirma que, quando as pessoas negras são trata-
das como “neguinho” e “pretinho”, estes acontecimentos podem parecer apenas um
detalhe do cotidiano pré-escolar, porém “[...] são reveladores de uma prática que
pode prejudicar severamente o processo de socialização de crianças negras, im-
primindo-lhes estigmas indeléveis [...]”, contribui “[...] para um sentimento de recu-
sa às características raciais do grupo negro e fortalece o desejo de pertencer ao
grupo branco”. Cavalleiro (idem) ainda explica que este tipo de tratamento revela
um problema, revelando a existência de “uma hierarquia racial”.
Logo abaixo do terceiro capítulo da segunda unidade há depoimentos
de pessoas negras, algumas famosas, que já sofreram com o preconceito racial,
entre elas Cinthya Rachel, a Biba do Castelo Rá-Tim-Bum; Zezé Mota, cantora e
atriz; Netinho, vocalista do Negritude Júnior na época; Marcelo Pereira Surcin, o
Marcelinho Carioca, jogador de futebol, e outros. Entre estes depoimentos, os
autores do livro explicam que, “[...] segundo a constituição de 1988, todos os
homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos”. Após isso, na interpre-
tação dos textos, são propostos alguns exercícios para que os alunos reflitam
sobre os preconceitos e coloquem suas opiniões a respeito, exercícios nos quais
os alunos são convidados a comparar as atitudes tidas em relação às pessoas
brancas com as atitudes tidas em relação às pessoas negras, como nesta questão:
Na sua opinião, os funcionários da loja agiriam da mesma forma com uma pes-
69 soa branca, mas vestida com roupa simples?, além de perceber refletir sobre os
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira - Fernanda Cristina Couto - Luciane Watthier

efeitos de preconceitos contra uma pessoa: De acordo com o texto, a ausência


de preconceitos pode aproximar as pessoas: Justifique sua resposta.
Voltando novamente à propaganda da página 118 (mencionada na seção da
análise das figuras), em que há uma criança negra e uma branca abraçadas, o livro
propõe as seguintes questões: Pela imagem do anúncio, pode-se supor que, para o
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

anunciante, a pele dos negros requer cuidado tanto quanto a dos brancos? Justifique.
Você diria que a imagem do anúncio é preconceituosa ou não? Por quê? Através destas
atividades elencadas acima é possível que o aluno dê sua opinião sobre o assunto,
sendo que aqui caberia ao professor fazer com que o aluno observasse a ilustração não
como racismo, mas com uma visão positiva sobre o negro, pois mostra que este tam-
bém carece de cuidados com sua pele, ou seja, mostra o negro igual ao branco.
Ainda na página 118 encontramos resultados de pesquisas feitas com
negros, resultados que mostram que estes estão procurando vencer os preconcei-
tos existentes através de uma inserção maior na sociedade. A próxima página traz,
porém, o resultado de uma entrevista, a qual mostra o preconceito ainda existente:
a diferença entre o salário de um branco e o de um negro, ou seja, o baixo salário
deste último. E traz algo o mais impressionante, ou seja, a informação de que os
próprios negros são preconceituosos: “Metade dos negros diz concordar que ne-
gro bom é negro de alma branca” (p.119). Percebe-se aqui que há uma necessidade
de que o professor esteja preparado para lidar com este texto, pois, se não estiver,
pode perpetuar os estereótipos que foram repassados historicamente e socialmen-
te em nossa sociedade sobre o que é ser negro, como discutido na seção dos
parâmetros nacionais. Este texto dá uma fonte enorme de possibilidades para se-
rem “trabalhadas” na sala de aula: questões como embranquecimento, como racis-
mo institucional e como entender o processo que faz com que os próprios negros
reproduzam o que foi construído para eles socialmente e historicamente e que
infelizmente acabam reproduzindo estereótipos que os deixam em desvantagem
social com relação aos demais grupos étnicos (BRASIL, 2004).
Na página 120, os autores do material trazem um texto em que falam do
preconceito existente na televisão. Trata-se do fato de que as principais apresenta-
doras de programas serem loiras, o que, de acordo com as crianças, faz com que
as crianças negras se achem “feinhas, os cabelos feinhos, a cor dos olhos feinhos”
(p.120). Cavalleiro (2001, p. 145) aponta que o resultado de a criança assistir a esse
tipo de material (seja na televisão, seja em cartazes que são mostrados nos corre-
dores das escolas, seja em fotos ou em ilustrações de livros infantis), faz com que
elas percebam “uma suposta superioridade do modelo humano branco”, pois elas
70 não se vêem representadas nos diversos segmentos sociais.
OS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO PRESENTES EM LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE ...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que paulatinamente, a sociedade brasileira começa a depositar,


sobre o negro, uma nova visão, desta vez menos preconceituosa e mais consciente.
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Silva (2002) também chega às mesmas conclusões em sua pesquisa. Grande parte
das discussões e das lutas contra ações racistas ressoam no ambiente escolar, mas
algumas vezes de uma forma discriminatória. O ambiente escolar é um dos locais
em que os alunos interagem e onde, em suas mentes, se formam conceitos e ideolo-
gias que nem sempre levam em consideração as diferenças étnico-culturais, o que
acaba por influenciar a difusão de preconceitos e de práticas racistas. Passamos,
neste momento, a fazer uma análise das omissões, dos limites e das possibilidades
que o livro didático oferece com relação à discussão do tema.

Omissões/limites Possibilidades

• Algumas das figuras e alguns dos textos • O livro traz muitas propostas de reflexões
presentes neste livro estereotipam o ne- sobre a questão racial, tanto através de figu-
gro em papéis de baixo prestígio social. ras quanto através de perguntas e de textos.

Considerando as omissões, os limites e as possibilidades do livro aqui


analisado, Silva (2001) nos ajuda a refletir sobre este assunto quando afirma que
“[...] desmontar a ideologia que desumaniza pode contribuir para o processo de
reconstrução da identidade étnico-racial e da auto-estima da criança negra, com
conseqüentes efeitos positivos na sua aprendizagem [...]” ( p. 57), assim como
que somente quando uma reflexão sobre o estereótipo for realizada seriamente
nos ensinos fundamental e, também, no médio, essa reflexão poderá se constituir
em uma das formas de desconstrução do mesmo estereótipo.
Deste modo, percebemos que o livro didático analisado ainda traz al-
guns estereótipos do negro, como foi demonstrado. Os autores do livro fazem,
no entanto, uma tentativa de um trabalho a favor da igualdade entre o negro e o
branco. Embora o material de ensino apresente muitas possibilidades de discus-
são sobre o tema, é importante enfatizar que o trabalho a ser feito pelo professor
é imprescindível para que se tenha um resultado em prol de um ensino anti-
racista e a favor de práticas sociais inclusivas, pois o material apresenta algumas
omissões e alguns limites que precisam ser analisados com cuidado em sala de aula.
71
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira - Fernanda Cristina Couto - Luciane Watthier

NOTAS
NOT
1
Este trabalho foi apresentado no Seminário de Estudos da Linguagem, em 2006, na Unioeste, no
Campus de Cascavel.
2
Andréia Fernanda Orlando: Graduada em Letras Português/Espanhol em Cascavel/PR pela
UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). Dedicou-se, durante os anos de faculda-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

de, à monitoria, a projetos de pesquisa e de extensão nessa mesma universidade, sendo que estas
atividades se voltaram a reflexões acerca da formação de professores e tecnologia, bem como
ligadas à questão da diversidade étnico-racial e, ainda, a análises de obras literárias espanholas e
hispanoamericanas e, também, do ensino da língua materna nas escolas e à produção de materiais
propondo um trabalho com a gramática contextualizada. Já no que diz respeito a projetos de
extensão, participou de atividades como extensionista bolsista do projeto PILAR (Projeto de
Intercâmbio Lingüístico, Artístico e Cultural visando ao incentivo para o desenvolvimento de
trabalhos na área da língua estrangeira, no caso, de língua espanhola. Possui várias publicações em
anais de eventos locais, regionais e nacionais, bem como em revistas reconhecidas pela Qualis/
Capes. Entre seus principais artigos escritos, encontra-se um que se refere ao projeto PILAR e que
foi digno de premiação pelo SEURS (Seminário de Extensão Universitária da Região Sul).
3
Aparecida de Jesus Ferreira é doutora em Educação de Professores e em Lingüística Aplicada pela
University of London - Institute of Education (2004). Suas pesquisas têm ênfase em Lingüística
Aplicada em Língua Inglesa e Línguas Estrangeiras e com ênfase em Formação de Professores de
Línguas. Ministra aulas no Curso de Letras (graduação), nas seguintes disciplinas: Língua Inglesa,
Iniciação à Pesquisa em Linguagem, Prática de Ensino. No mestrado em Letras ministra as seguin-
tes disciplinas: Formação de Professores de Línguas e Metodologia de Pesquisa. Faz parte do
grupo de pesquisa: Linguagem e Sociedade e da Linha de Pesquisa: Linguagem e Ensino. As áreas
de interesse em pesquisa são: a) Formação de Professores de Línguas; b) Ensino/Aprendizagem de
Línguas Estrangeiras; c) Desenvolvimento e Avaliação de Materiais Didáticos para a Sala de Aula
de Segunda Língua e Língua Estrangeira. Nos últimos anos suas pesquisas têm se voltado para as
questões de Formação de Professores e seu projeto de pesquisa atual é: Formação de Professores
de Línguas e Práticas Sociais. Seu último livro publicado é intitulado: “Formação de Professores
Raça/Etnia: reflexões e sugestões de materiais de ensino”. Cascavel: Coluna do Saber. 2006.
Também coordena o Projeto PEAB. E-mail: <cidajferreira@yahoo.com.br>. Site:
<www.aparecidadejesusferreira.com>.
4
Fernanda Cristina Couto: Graduada em Letras Letras Português/Espanhol em Cascavel/PR, em
2007, pela UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). Durante a graduação, partici-
pou de projetos de pesquisa e de extensão.
5
Luciane Watthier: Atualmente é aluna do primeiro ano do Mestrado em Linguagem e Sociedade, com
concentração na linha de pesquisa “Linguagem e Ensino”, do Curso de Letras da UNIOESTE (Univer-
sidade Estadual do Oeste do Paraná). Em 2007 concluiu a graduação em Letras Português/Espanhol
pela mesma UNIOESTE, no mesmo Campus de Cascavel/PR. Durante a graduação, além de ser aluna
de iniciação científica (PIBIC), participou de vários outros projetos na área de lingüística textual –
formação de professores, práticas sociais e formação da identidade dos alunos. Tem artigos publicados
em anais de eventos regionais e nacionais, tanto na Unioeste quanto em outras universidade públicas,
e um artigo publicado no periódico “Educere et Educare”. Seu trabalho de conclusão de curso está
voltado para a diversidade étnico-racial, com foco na formação da identidade dos alunos.
6
Os termos negro e afro-descendente foram utilizados, neste artigo, de forma aleatória. Essa
nomenclatura serve justamente para mostrar que os dois termos são utilizados para referir as
pessoas de ascendência africana.

72
OS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO PRESENTES EM LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE ...

REFERÊNCIAS

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FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
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THEREZA, Cochar Magalhães; CEREJA, William Roberto. Português: linguagens – 6ª
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73
5 UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS QUE
PERMEIAM O MATERIAL DIDÁTICO:
A INFLUÊNCIA DA DISCUSSÃO DA
DIVERSIDADE RACIAL NA FORMAÇÃO
DA IDENTIDADE DOS ALUNOS 1
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Luciane Watthier 2
Aparecida de Jesus Ferreira 3
(Orientadora/UNIOESTE)

INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO

No Brasil, ainda hoje os afrodescendentes vêm sendo discriminados por


indivíduos que se dizem superiores apenas pelo fato de serem brancos (neste tra-
balho está-se utilizando indistintamente negro ou afrodescendente e branco ou
eurodescendente), motivo pelo qual o racismo já está interiorizado em nossa soci-
edade. Dessa forma, a identidade nacional foi e continua sendo construída sem a
devida valorização da cultura negra. Isso se dá pelo fato de que a população negra
tem vários estereótipos negativos historicamente construídos a serem contornados.ali
Ao adentrarmos o espaço escolar, observamos que, ali, a situação não
é diferente. Isso pode ser explicado se considerarmos que o tema dificilmente é
abordado nas escolas, pelo fato de os livros didáticos (doravante LDs) não for-
necerem, muitas vezes, embasamentos para trabalhos e nem reflexões sobre o
assunto em sala de aula e, também, pela falta de formação dos professores, os
quais, em sua maioria, se julgam despreparados para tratar do assunto.
Sendo assim, objetiva-se, no presente estudo, observar se os LDs forne-
cem subsídios para a inclusão do tema da diversidade em sala de aula e de que
forma isto é feito ou se, pelo contrário, fortalecem a questão da desigualdade
racial, vindo a prejudicar a formação da identidade dos alunos.
Para tal, organizamos o trabalho da seguinte forma: na primeira seção
trazemos parte de nosso referencial teórico, discorrendo sobre a presença do
racismo nos LDs e de que forma isto pode afetar na formação da identidade dos
alunos; na segunda seção explicamos a metodologia utilizada na pesquisa; na
terceira seção trazemos os resultados parciais desta, visto que se trata de uma
pesquisa de cunho monográfico e que, devido ao pouco espaço disponibilizado,
não é possível apresentar toda a análise realizada; por fim trazemos algumas das
75 conclusões a que chegamos com a realização deste trabalho.
Luciane Watthier - Aparecida de Jesus Ferreira

CONSTRUÇÃO DA IDENTID
DA ADE
IDENTIDADE

O ambiente escolar é um local que exerce influência intelectual e cida-


dã sobre um indivíduo, vindo a afetar a formação da identidade dos alunos, iden-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

tidade a qual é definida pelos comportamentos, pelas atitudes e pelos costumes


de um indivíduo e se modifica com a convivência entre sujeitos, ou seja, se cons-
trói tendo o outro como referência (GOMES, 1996). Por conseguinte, o fato de o
tema da diversidade étnico-racial não ser abordado na sala de aula pode acarre-
tar a não-valorização da pessoa negra pela sociedade, contribuindo para que os
alunos negros percebam suas diferenças como aspectos negativos.
A necessidade de estudar o processo de formação da identidade das crian-
ças sobre esses estereótipos veiculados em nossa sociedade é porque aqui se conside-
ra, conforme Gomes (1996, p. 88), que o processo de construção da identidade “[...] é
um dos fatores determinantes da visão de mundo, da representação de si mesmo e do
outro”. Além disso, ocorre que a identidade da criança está, continuamente, em cons-
trução, podendo ser afetada por nosso meio social, ou seja, é formada ao longo do
tempo e não algo inato, existente na consciência desde o momento do nascimento.
Assim, ela permanece sempre incompleta, está sempre sendo formada, numa interação
entre o eu e a sociedade e modificada num diálogo contínuo com os mundos culturais
“exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem (HALL, 2002).
De acordo com Silva (2002), as representações observadas no cotidia-
no de crianças constituem seu senso comum, elaborado a partir de imagens, de
crenças, de mitos e de ideologias, vindo a formar, então, a identidade cultural.
Sendo assim, o fato de, muitas vezes, os livros didáticos utilizados em sala de
aula retratarem o negro de uma forma estigmatizada pode acarretar danos ao
aluno, que passa a achar normal a discriminação contra os afrodescendentes.
Assim, percebe-se que o processo de construção da identidade se dá
também na escola, local que representa um papel central na formação da identi-
dade social de um indivíduo, principalmente sobre a conscientização de suas
identidades e as dos outros. Isso é assim porque, segundo Moita Lopes (2002),
os significados gerados em sala de aula têm mais crédito social do que em outros
contextos, particularmente devido ao papel de autoridade que os professores
desempenham na construção do significado.
Tudo isso nos remete à preocupação de muitos pesquisadores (GO-
MES, 1996; CAVALLEIRO, 2001; SILVA, 2005), os quais entendem que as discri-
76 minações que se dão com os estudantes negros os estigmatizam, minando suas
UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS QUE PERMEIAM O MATERIAL DIDÁTICO: A INFLUÊNCIA DA DISCUSSÃO...

identidades, porque aprendemos a ser quem nos dizem que somos e a pensar do
outro aquilo que dele imaginamos, sem ter para isso nenhum motivo real.
Nessa perspectiva, a preocupação de promover a igualdade deveria ser
também da escola. Assim, seria fundamental que tivéssemos professores capa-
zes de trabalhar com tais temáticas e de conscientizar seus estudantes da “[...]
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

diversidade cultural de nossa sociedade e de incentivar o questionamento das


relações de poder envolvidas na construção dessa diversidade [...]” (MOREIRA,
1999, p. 90), uma vez que o despreparo e, conseqüentemente, o não-
aprofundamento da temática poderão resultar em traumas aos alunos/as
afrodescendentes ou em desvalorização da cultura deste povo, deixando-os em
desvantagem social em relação à população branca.
Em razão disso, deve-se concluir que nem a escola nem os professores
poderiam, em momento algum, esquecer ou desconsiderar a diversidade racial e
étnica existente em nossa sociedade, mas, sim, deveriam tornar possível ao alu-
no, desde cedo, a conscientização da existência dessa diversidade e da impor-
tância de todas as etnias dentro da nossa história.

Racismo em LDs

A preocupação com a representação do afrodescendente em LDs se justifi-


ca pelo fato de se perceber que o material utilizando no contexto escolar retrata o
negro, muitas vezes, como um ser inferior ao branco, seja pelo fato de esses materiais
não abordarem o tema da diversidade étnico-racial, seja por não representarem os
negros. Essa realidade contribui para reforçar idéias racistas dentro e fora da escola.
Segundo Silva (1995, p. 47), nos LDs há, normalmente, uma melhor re-
presentação do eurodescendente em relação ao afrodescendente, sendo conferida
àquele uma importância maior do que aos afrodescendentes. Assim, os LDs pas-
sam a ter papel fundamental na reprodução de ideologias, pois expandem visões
estereotipadas dos segmentos oprimidos da sociedade (SILVA, 1995, p. 47).
Devido às denúncias da presença do racismo em LDs pelo Movimento
Negro e por pesquisadores interessados em estudar o racismo brasileiro, já exis-
tem vários estudos realizados em materiais didáticos que visam uma proposta
mais ampla de alteração curricular. Estes estudos iniciaram na década de 1950,
com a pesquisa de Dante Moreira Leite: “Preconceito racial e patriotismo em
seis livros didáticos primários brasileiros” (ROSEMBERG, 2003).
De acordo com Rosemberg (2003), após esse estudo de Dante Moreira
77 Leite surgiram, no entanto, também contribuições de outros pesquisadores. A
Luciane Watthier - Aparecida de Jesus Ferreira

partir destas pesquisas, pôde-se constatar que muitos LDs veiculavam estereóti-
pos e expressões de inferioridade natural do negro, o que prejudicava a constru-
ção da identidade dos alunos, como:
[...] a não representação de personagens negros na sociedade descrita nos livros;
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

a representação do negro em situação inferior à do branco; o tratamento da


personagem negra com postura de desprezo; a visão do negro como alguém
digno de piedade; o enfoque da raça branca como sendo a mais bela e a de mais
poderosa inteligência. (ROSEMBERG, 2003, p. 133).

Aos afrodescendentes masculinos sempre eram impostos estereótipos


que os caracterizavam como selvagens, como demônios, como maus, como primi-
tivos, enquanto que as mulheres mulatas eram vistas como seres exóticos, lascivos
e sedutores. Além disso, os afrodescendentes eram apresentados de forma pouco
freqüente, desempenhando um número limitado de atividades profissionais, e, mui-
tas vezes, fora de um contexto familiar ou em um contexto invariavelmente pobre.
Quanto às crianças negras, raramente se constatou que estas estavam imersas no
contexto escolar ou desempenhando atividades de lazer (ROSEMBERG, 2003).
Toda essa realidade vai contra os direitos do ser humano, pois “[...] a
educação é um direito social [...]” (GOMES, 2001, p. 84) e deve ser oferecida a
todos, independente da raça e da etnia. Dessa forma, dever-se-ia dar espaço
também à diversidade, apresentando práticas pedagógicas que superem as desi-
gualdades sociais e raciais. Além disso, os professores deveriam ter uma visão
crítica e reflexiva sobre o LD, não permitindo a adoção de materiais que veicu-
lam estereótipos do afrodescendente, o que, facilmente, acontece no contexto
escolar, resultando, assim, na adoção de materiais que veiculam idéias racistas.
Ocorre, porém, que o surgimento de movimentos sociais, especialmente
o surgimento do movimento negro nos anos 1980 e do projeto nacional do livro
didático (PNLD) em 1996, fez com que se iniciasse o interesse pelo tratamento
diferenciado aos negros, pois o PNLD passou a proibir a circulação de LDs que
expressassem preconceitos de origem, de cor, de etnia, de gênero e qualquer outra
forma de discriminação (ROSEMBERG, 2003). A partir disso e com a
obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em to-
das as disciplinas do currículo escolar e, em especial, nas disciplinas de Educação
Artística, de Literatura e de História, com a aprovação da Lei Federal nº 10.639/
2003 (FERREIRA, 2006), algumas mudanças nos LDs se tornaram perceptíveis.
Assim, em edições mais recentes, houve um tratamento mais cuidadoso
78 das ilustrações. Tendo como base uma pesquisa realizada na década de 1990, Silva
UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS QUE PERMEIAM O MATERIAL DIDÁTICO: A INFLUÊNCIA DA DISCUSSÃO...

(2002) cita, entre essas mudanças, a representação de personagens afrodescendentes


com status econômico de classe média, com constelação familiar, crianças prati-
cando atividades de lazer, em interação com crianças de outras raças/etnias, com
nome próprio, sem aspecto caricatural e freqüentando a escola; adultos
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

afrodescendentes exercendo funções e papéis diversificados, descritos como cida-


dãos, interagindo com pessoas de outras raças/etnias, sem subalternidade.
No geral, contudo, estes materiais didáticos ainda mantêm uma
homogeneidade na representação do afrodescendente. De acordo com Rosemberg
(2003, p. 136), são muitas as ilustrações que apresentam “[...] o negro escravo,
vinculando-o à passagem daquela condição à de marginal contemporâneo, pou-
co trabalhando a diversidade de sua condição”.
Na próxima seção será realizada a análise do corpus desta pesquisa e das
respostas dos alunos das turmas de primeiro e de terceiro anos às questões do questioná-
rio, bem como registradas algumas considerações a respeito dos resultados obtidos.

METODOLOGIA
METODOLOGIA

Tendo como base os estudos de André (1995), a presente pesquisa está


baseada em uma abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, na qual o pesqui-
sador enfoca sua atenção para um único caso, provindo de seu próprio ambiente
profissional (TELLES, 2002). Os resultados da pesquisa qualitativa do tipo estu-
do de caso podem levar outros professores a reflexões sobre seus próprios con-
textos de trabalho e salas de aulas, bem como sobre suas práticas pedagógicas
(TELLES, 2002). Assim, a escolha dessa modalidade de pesquisa se justifica
pelo fato de que esse trabalho tem como objetivo permitir que, com sua realiza-
ção, mais professores possam refletir sobre suas práticas pedagógicas.
A pesquisa parte da análise do livro didático Língua Portuguesa e Literatura,
do ensino médio, o qual está sendo utilizado atualmente pelas escolas públicas. A
análise está restrita ao tema da diversidade étnico-racial, observando se os textos e as
ilustrações propõem atividades com os aspectos étnico-raciais, se valorizam as dife-
renças entre as raças e se propõem reflexões acerca de questões étnico-raciais.
Após isso, o passo seguinte será a coleta dos dados por meio da apli-
cação de questionários a 35 alunos do primeiro ano de ensino médio e outros 35
do terceiro, para observar qual é a contribuição do trabalho com as diferenças
étnico-raciais para a formação da identidade dos alunos. A escolha por estes
79 participantes se deu porque, segundo a professora de Língua Portuguesa do colé-
Luciane Watthier - Aparecida de Jesus Ferreira

gio em que foi feita a coleta de dados, o conteúdo da diversidade étnico-racial estava
sendo “trabalhado” pela turma de primeiro ano. Por esse motivo foi decidido realizar
uma comparação entre a maneira como os alunos que estavam “trabalhando” com o
tema e os que não estavam entendiam a questão da diversidade étnico-racial.
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Na próxima seção serão apresentados alguns dos resultados desta pesqui-


sa, em contraposição a outras pesquisas, com temas similares a esta, já realizadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
RESULT

A representação dos negros nos LDs

Em todo o trabalho proposto pelo LD analisado observa-se que, pelo


menos em alguns momentos, há a preocupação com a representação de todos os
grupos étnicos existentes em nossa sociedade, a começar pela capa do material,
a qual ilustra várias crianças estudando, sendo uma branca, uma preta e duas
pardas. A preta aparenta estar limpa e com o cabelo ajeitado. Assim, não induz
o aluno a pensar que somente as pessoas brancas têm acesso ao estudo. Deve-se
ressaltar este aspecto, pois, em pesquisas anteriores (ROSEMBERG, 2003, p.
134), as crianças negras raramente apareciam imersas no contexto escolar.
No primeiro capítulo desse material percebe-se, porém, a veiculação
de um estereótipo em relação aos negros. Na página 24 é apresentada a música
“Construção”, de Chico Buarque de Holanda, a qual traz um verso que se repete
durante toda a letra, o que, assim como explica o material (2006, p. 24), contri-
bui para a representação da monotonia da colocação dos tijolos, um a um, num
trabalho repetitivo. A ilustração trazida ao lado desta música refere-se a um
afrodescendente trabalhando em uma construção. Além disso, esse personagem
não possui nome próprio e é comparado a uma máquina: “Subiu a construção
como se fosse máquina”. Assim, fica a pergunta: “Por que não um eurodescendente
nesta ilustração ao invés do afrodescendente?” e “Por que ele não possui nome
próprio?”. Assim, a ilustração mostrada perpetua o estereótipo de que negro é
sempre pobre e trabalha em posições de trabalhos inferiores, o que pode estar
mostrando uma prática de racismo por parte dos autores e da editora deste LD.
Nos capítulos seguintes, são trazidas algumas imagens de pessoas de diver-
sas raças/grupos étnicos, o que pode contribuir para a construção da identidade do
80 aluno em relação à pluralidade cultural. É o caso da ilustração trazida no capítulo
UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS QUE PERMEIAM O MATERIAL DIDÁTICO: A INFLUÊNCIA DA DISCUSSÃO...

dois, ilustração que trata de uma pessoa afrodescendente que ocupa o cargo de
diretor de uma empresa, como permite afirmar o texto trazido acima dessa imagem.
O trabalho proposto pela unidade três do LD trata da diversidade étnico-
racial, propondo textos e atividades que mostram a existência do racismo na forma-
ção de nossa sociedade. Observa-se, porém, maior enfoque sobre o tempo da escra-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

vidão, e pouco se menciona sobre a ocorrência do racismo atualmente, e sobre a


importância da diversidade étnico-racial na história da sociedade brasileira.
Na página 43 são apresentados quatro textos que correspondem a anúncios
de jornais, deixando a seguinte pergunta: – A que tipo de escravidão referem-se esses
textos?. Não há, no entanto, qualquer explicação do que vem a ser esse ato ou quais
tipos de escravidão existem, nem explicação sobre como se deu a escravidão e quais
interesses estavam por trás e quais foram as pessoas que se beneficiaram dela.
Após isso, na página 44 o material propõe a leitura do poema “Essa
Negra Fulô”, de Jorge de Lima, e, depois de trabalhar seus aspectos formais, ele
apresenta algumas atividades por meio das quais se percebe uma preocupação
dos autores em levar o aluno à interpretação do poema, refletindo sobre as fun-
ções que um escravo exercia naquela época.
A identidade cultural é o outro conteúdo abordado pelos autores do
livro nesta unidade. Para isso, é comentado sobre o modo como as pessoas se
vestem e sobre como se alimentam, mostrando marcas da mistura que constitui o
povo brasileiro. Como exemplo, são citadas a música, a religião e os costumes.
A ilustração trazida ao lado desta citação trata de uma negra com um
menino branco a seu lado, o qual representa que depende dela, que ela é muito
necessária para sua formação. Essa atividade pode fazer com que o aluno perce-
ba as variadas funções que uma negra exercia em uma casa e, assim, a influência
e a importância da cultura do preto em nossa formação e em nossa história colo-
nial. Essa reflexão terá, no entanto, que ser realizada pelo aluno por si só, por-
que o material não oferece subsídios para tal reflexão.
Outra ilustração trazida pelos autores do LD retrata a obra de Debret
intitulada “Mercado da Rua Valongo”, a qual representa um mercado de escravos,
com os senhores feudais e os negros, alguns com as mãos amarradas, esperando por
um comprador. Para a reflexão sobre esse aspecto, a seguinte questão é proposta:
“Quais conseqüências se podem observar, ainda hoje, decorrentes desse abandono
de que fala a historiadora?”. Assim, os alunos terão a oportunidade de comentar
sobre a forma como o racismo se expressa atualmente em nossa sociedade.
Após isso, o material comenta sobre o movimento egro, que se organi-
81 zou para a reivindicação de seus direitos e para a reparação da injustiça do
Luciane Watthier - Aparecida de Jesus Ferreira

quadro histórico da escravidão. Um dos exemplos citados é o estabelecimento


de cotas para o ingresso dos afrodescendentes no ensino superior. Esse trabalho
poderia ser uma forma de levar o aluno à reflexão sobre o racismo em nossa
sociedade atual, porém falta uma colaboração maior do material para tal.
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

De posse dessa análise, pode-se concluir que a unidade proporciona


várias reflexões acerca da diversidade étnico-racial, porém a maioria se concen-
tra na época da escravidão e muito pouco se preocupa com a atualidade, não
esclarecendo aos alunos o que vem a ser, realmente, o racismo e como ele apa-
rece na sociedade brasileira. Assim, é necessário um bom preparo do professor
para a condução de suas aulas de maneira a realizar um trabalho que possa
desconstruir estereótipos veiculados em outros capítulos.
O trabalho proposto por este material é importante, pois abre caminhos
para que o professor traga outros debates para aula. Ocorre, no entanto, que, no
livro, a única discussão que foi feita sobre a questão étnico-racial ainda está presa
à escravidão, o que é muito criticado por pesquisadores na área (SILVA, 2001,
GOMES, 2003, ROSEMBERG, et alii, 2003), que mostram que há uma necessidade
de que haja um avanço na discussão da temática da negritude e que não esteja
sempre atrelada à escravidão. Há uma necessidade de discussões que mostram o
que acontece no cotidiano na contemporaneidade, para que assim haja a possibi-
lidade de reflexão de como estão as relações étnico-raciais na sociedade hoje.

Racismo: o entendimento dos participantes

Considerando a análise do LD que propõe um trabalho com a diversi-


dade étnico-racial apenas para o primeiro ano, grandes diferenças puderam
ser percebidas na formação dos alunos das duas turmas participantes da pre-
sente pesquisa. Chega-se a essa conclusão porque os alunos de terceiro ano
pareceram apresentar maiores dificuldades nas respostas às perguntas do ques-
tionário. Isso porque apresentaram dificuldade de conceituação de racismo,
pois o confundiram muito com discriminação em relação a pessoas com defi-
ciências e/ou com diferentes opções sexuais:
“É a discriminação por parte da sociedade com relação à cor da pele de
determinada pessoa” (Rosa, primeiro ano).

“Preconceito contra negros, preconceito com pessoas com alguma deficiên-


cia” (Pedro, terceiro ano).

82 “Qualquer ato que discrimine alguém (Rafaela, terceiro ano)”.


UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS QUE PERMEIAM O MATERIAL DIDÁTICO: A INFLUÊNCIA DA DISCUSSÃO...

Como se dá a construção do racismo no indivíduo: a voz dos


participantes

Ao serem questionados acerca da forma como as pessoas adquirem o


racismo, alguns alunos do terceiro ano, que não estudaram o tema em sala de
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

aula, afirmaram que o racismo é algo inato no ser humano, ou seja, todas as
pessoas são racistas porque nasceram assim:
“Pessoas não adquirem o racismo, todos nascem com este defeito” (João,
terceiro ano).

Não sou racista, mas a sociedade brasileira é: a contradição

Percebeu-se, também, uma contradição nas respostas dos alunos, por-


que, quando pedimos se eles se consideravam pessoas racistas e se considera-
vam a sociedade brasileira racista, enquanto 72% dos participantes reconhece-
ram que a sociedade brasileira é racista, 87% afirmaram não serem racistas.
Esses resultados podem ser confirmados com a pesquisa de Gomes (2005). Se-
gundo ela (2005, p. 46), 87% da população reconhece que há racismo no Brasil,
mas 96% dizem que não são racistas. Assim, pode-se fazer, aqui, a mesma per-
gunta feita por esta pesquisadora: – Existe racismo sem racista?

O LD em Questão: a visão dos participantes

Em relação à representação dos grupos étnico-raciais no LD, foi possí-


vel perceber que os alunos do primeiro ano, talvez porque “trabalharam” recen-
temente com a questão da diversidade racial nas aulas de Língua Portuguesa,
conseguiram identificar os grupos étnicos que estão representados no seu LD:
“Pardo, negro, branco, indígena e amarelo” (Rosa, primeiro ano).

“Grupos dos negros, principalmente” (Maria, primeiro ano).

A resposta de Maria nos remete diretamente ao conteúdo do terceiro


capítulo do LD, pois, como esse trata especificamente da temática da diversidade
racial, certamente essa aluna utilizou o que havia “trabalhado” em sala de aula.
Já na turma de terceiro ano, vários alunos preferiram, inclusive, não
responder e/ou não justificar a resposta. Parece que isso seja um indício de
que eles não possuíam conhecimento para identificar a presença de todas as
83 raças, ou, mesmo, não haviam percebido:
Luciane Watthier - Aparecida de Jesus Ferreira

“Não, só os mais populares, negros, brancos, etc. E de uma maneira resumi-


da” (Pedro, terceiro ano).

As respostas apresentadas acima parecem confirmar uma falta de co-


nhecimentos para identificar a representação de todos os grupos raciais e étni-
cos e sobre a importância dessa representação. Conclui-se isso porque Pedro
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

acredita que as pessoas brancas e as pretas sejam as “mais populares”,


desconsiderando, dessa forma, as demais raças existentes em nossa sociedade.
A questão seguinte era para ser respondida apenas pelos alunos que
haviam assinalado a primeira alternativa na questão anterior, pois perguntava
como os negros são apresentados no LD.
“Que o negro só serve para ser empregado” (Rosa, primeiro ano).

Ocorre, no entanto, que, como este trabalho proposto pelo LD se pre-


ocupou, na maioria das situações, em trabalhar questões da época da escravi-
dão, alguns alunos, como Rosa, afirmaram que o LD retrata o afrodescendente
com a única função de ser empregado.

Identidade e LD

Após perceber qual era a visão dos participantes da pesquisa acerca


dos grupos representados no LD, passou-se a questionar sobre a importância da
representação de todas as raças para a formação da identidade de um indivíduo.
“Sim, pois assim não seria passada a idéia de que um é diferente do outro,
as pessoas crescem como sendo iguais” (Karine, primeiro ano).

A resposta de Karine mostra que essa aluna percebe a existência do racismo


em nossa sociedade e entende que a representação dos grupos raciais e étnicos influen-
cia na formação de uma pessoa, no entanto, ela não considera que as pessoas devem
ser tratadas cada uma de acordo com sua diferença e não todas como sendo iguais.
Ao questionar sobre a importância do trabalho com a diversidade étnico-
racial na sala de aula, respostas parecidas foram obtidas, até mesmo em relação à
quantia de alunos do primeiro e do terceiro ano que concordaram e que discordaram
com a importância do trabalho com a diversidade étnico-racial durante as aulas:
“Os professores deveriam se preocupar não só com os conteúdos formais,
mas, também, em ensinar o comportamento mais adequado numa sociedade
igualitária” (Rosa, primeiro ano).

“Sim, porque pode nos ajudar a se livrar do racismo que vem desde que
84 nascemos” (João, terceiro ano).
UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS QUE PERMEIAM O MATERIAL DIDÁTICO: A INFLUÊNCIA DA DISCUSSÃO...

Assim, percebeu-se que os alunos entendem o quanto é importante o


trabalho com a diversidade étnico-racial em sala de aula. A maioria dos partici-
pantes da pesquisa concordou, ainda, que a não-representação de todos os gru-
pos étnico-raciais significa negar e prejudicar a cultura dos afrodescendentes:
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

“Sim, porque os grupos étnicos discriminam os menos favorecidos e acham


que são os donos do mundo” (Lucas, primeiro ano).

“Sim, porque branco é tratado com respeito enquanto o preto é discrimina-


do” (Rafaela, terceiro ano).

Quanto a esse questionamento, alguns alunos do terceiro ano não


souberam, ou não quiseram, responder, o que parece se dever à falta de
subsídios escolares para isso.
Com base no que foi analisado, parece que os alunos de terceiro ano
apresentaram maiores dificuldades em entender o que significa o racismo e que
este é adquirido com a formação de nossa identidade, no meio em que vivemos.
Por outro lado, a maioria dos alunos acredita ser importante o trabalho com a
diversidade étnico-racial em sala de aula, concordando que, se isto não for feito,
nega-se a cultura do negro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto à representação dos negros nos LDs, no LD analisado constatou-


se que ele trabalha exclusivamente com a questão da diversidade étnico-racial so-
mente num capítulo, destinado ao primeiro ano, visto que esse material é destinado
aos três anos do ensino médio. Entretanto, o foco principal deste capítulo aborda,
principalmente, a temática na época da escravidão, trazendo poucas reflexões acerca
da forma como o racismo é manifestado hoje na sociedade.
No restante dos capítulos, o LD em questão traz algumas imagens que
ora valorizam, ora desvalorizam o afrodescendente, deixando a interpretação a
cargo do aluno, pois são poucas as vezes em que os autores propõem ao aluno
alguma questão ou alguma explicação, sobre o tema, que mostre a igualdade que
deveria existir entre as raças de nossa sociedade.
Devido a essas representações, destaca-se, mais uma vez, a necessida-
de de haver professores preparados para abordar tais questões em sala de aula,
uma vez que, com um trabalho adequado, a partir do que foi proposto por esse
85 LD, seria possível trazer leituras e atividades paralelas para se “trabalhar”, de
Luciane Watthier - Aparecida de Jesus Ferreira

maneira mais aprofundada, o tema do racismo nos dias atuais e, também,


desconstruir os estereótipos veiculados pelo material ou perceber a representa-
ção dos afrodescendentes no restante do livro.
A formação da identidade dos alunos de primeiro e terceiro anos do
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

ensino médio, frente à abordagem ou não do tema da diversidade racial pelo LD, se
torna perceptível quando se percebe que a sociedade brasileira, no geral, ainda
despreza a existência da diversidade étnico-racial e, como percebido com a análi-
se das respostas ao questionário, esse trabalho, quando levado até o aluno de
forma que o faça refletir sobre essas questões, tanto baseado na época da escravi-
dão quanto na realidade dos dias atuais, pode influenciar, positivamente, na forma-
ção de sua identidade, de modo a conduzi-lo a uma valorização das diferenças.
Chega-se a essa conclusão porque os alunos de terceiro ano pareceram
apresentar maiores dificuldades nas respostas às perguntas do questionário. Pri-
meiro apresentaram dificuldade de conceituação de racismo, pois o confundi-
ram muito com discriminação em relação a pessoas com deficiências e/ou com
diferentes opções sexuais. Também apresentaram dificuldade de detectar de que
forma o racismo é adquirido, certamente não sendo algo inato ao indivíduo (como
afirmado por alunos do terceiro ano), mas adquirido durante a formação de sua
identidade, a qual está sempre em construção. Por fim, tiveram dificuldade até
de identificação dos grupos étnico-raciais representados no LD e o reconheci-
mento da importância disso para a formação da identidade de um indivíduo.
De outra forma, os alunos da turma de primeiro ano demonstraram um
conhecimento maior sobre o assunto, até mesmo nas justificativas, as quais muitos
alunos do terceiro ano deixaram em branco. Percebeu-se, no entanto, que este
conhecimento se tornava mais claro quando era possível traçar uma relação com a
época da escravidão, muito abordada pelo LD, pois quando se tratava, especifica-
mente, dos dias atuais, estes também apresentavam dificuldades, uma vez que o
material didático não se preocupa muito em demonstrar o racismo em nossa soci-
edade atual. Em outras palavras, o “trabalho” com a diversidade étnico-racial, ain-
da que tendo como foco principal a época da escravidão, possibilitou aos alunos
do primeiro ano a formação de uma identidade que lhes permite respeitar e, acima
de tudo, entender a formação da diversidade étnico-racial em nossa sociedade.
Por outro lado, a maioria dos alunos acredita ser importante o “traba-
lho” com a diversidade étnico-racial em sala de aula, concordando que a falta
desse “trabalho” significa negar a diversidade étnico-racial de nossa sociedade e
86 a importância das distintas culturas existentes nela. Tal fato prova, também, a
UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS QUE PERMEIAM O MATERIAL DIDÁTICO: A INFLUÊNCIA DA DISCUSSÃO...

importância da formação de um professor que saiba conduzir tal temática em


sala de aula e que não silencie frente a imagens que estereotipam o negro ou,
mesmo, frente a situações reais de racismo que possam ocorrer em sala de aula.
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

NOT
NOTAS

1
Os resultados apresentados são parciais, pois se trata de um trabalho de conclusão de curso. Este
trabalho foi apresentado no VII Seminário Nacional de Literatura, História e Memória e I Simpósio
de Pesquisa em Letras da Unioeste. Em outubro de 2007.
2
Luciane Watthier: Atualmente é aluna do primeiro ano do Mestrado em Linguagem e Sociedade, com
concentração na linha de pesquisa “Linguagem e Ensino”, do Curso de Letras da UNIOESTE (Univer-
sidade Estadual do Oeste do Paraná). Em 2007 concluiu a graduação em Letras Português/Espanhol
pela mesma UNIOESTE, no mesmo Campus de Cascavel/PR. Durante a graduação, além de ser aluna
de iniciação científica (PIBIC), participou de vários outros projetos na área de lingüística textual –
formação de professores, práticas sociais e formação da identidade dos alunos. Tem artigos publicados
em anais de eventos regionais e nacionais, tanto na Unioeste quanto em outras universidade públicas,
e um artigo publicado no periódico “Educere et Educare”. Seu trabalho de conclusão de curso está
voltado para a diversidade étnico-racial, com foco na formação da identidade dos alunos.
3
Professora orientadora - Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Cascavel.

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Luciane Watthier - Aparecida de Jesus Ferreira

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88
6 O DESENVOLVIMENTO DA
SENSIBILIZAÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE
ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO
INICIAL E/OU CONTINUADA DE
PROFESSORES DE LÍNGUAS1
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Andréia Fernanda Orlando2


Aparecida de Jesus Ferreira3
(Orientadora/UNIOESTE)

INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO

Por meio da cultura, os indivíduos estipulam regras, convencionam va-


lores e significações que possibilitam a comunicação entre os distintos grupos
sociais, podendo, também, se adaptar ao meio que escolheram para viver e adaptá-
lo a si mesmos, transformando-o (GOMES, 2003).
Com isso, sendo a escola uma extensão dos valores, das ideologias e
das hierarquias da sociedade, o planejamento de práticas pedagógicas entraria
como uma maneira de combate à discriminação das classes excluídas, estabele-
cendo um rompimento com a “naturalização” das diferenças raciais (GOMES,
2003), ou seja, a crença, construída social e historicamente, de que os
afrodescendentes não alcançam os mesmos patamares que os brancos, seja na
área profissional, seja na educacional ou cultural, por falta de competência ou de
interesse, ignorando, assim, as desigualdades seculares que a estrutura social
hierárquica cria com prejuízos para os afrodescendentes.
A nomenclatura afrodescendente aqui utilizada se refere tanto aos pretos
quanto aos pardos, uma vez que o Instituto Brasileiro Geográfico Estatístico (IBGE),
que realiza censos demográficos nacionais periodicamente, classifica pretos e par-
dos numa mesma categoria: a de afrodescendente. Além disso, a distinção entre eles
acerca da obtenção de vantagens sociais e de outros bens e benefícios é, nas palavras
de Gomes (2005, p. 40), “tão insignificante estaticamente que podemos agregá-los
numa única categoria, a de negros, uma vez que o racismo no Brasil não faz distinção
significativa entre pretos e pardos, como se imagina no senso comum”.
Explorar esses pontos tanto na sala de aula universitária quanto nos ensi-
89 nos fundamental e médio significa desmistificar a insistente negação da sociedade
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira

brasileira de que aqui não há racismo, nem preconceito racial/social, mesmo quan-
do pesquisas atestam a existência da discriminação nas relações de gênero, no
mercado de trabalho, na educação básica e na universidade (GOMES, 2005).
Com base nisso, a pesquisa realizada objetivou comparar visões e atitu-
des dos professores dos ensinos fundamental e médio do sistema público de ensi-
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

no do Estado do Paraná e acadêmicos da graduação de Letras pela Universidade


Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) perante a questão da diversidade étni-
co-racial no âmbito escolar, verificando qual a compreensão dos professores e dos
acadêmicos acerca de raça e etnia e seu significado discursivo, bem como o enten-
dimento da questão da diversidade étnico-racial desses professores e acadêmicos
que passaram por formação referente ao tema e daqueles que não passaram.

RECONHECIMENT
RECONHECIMENTOO DOS DIREIT OS DOS AFR
DIREITOS ODESCENDENTES EM
AFRODESCENDENTES
LEIS E DOCUMENTOS D
DOCUMENTOS A EDUCAÇÃO
DA

A partir dos anos 1980 e 1990 os caminhos da educação foram traçados


conforme as necessidades sociais que pediam o domínio de novas tecnologias espe-
cialmente pelo professor, já que este era o responsável pela transmissão dos conhe-
cimentos. Foi, porém, na década de 1990 que as discussões acerca da importância de
uma boa formação do educador tomaram força, à medida que “Os debates dirigiram-
se às propostas de reformulação dos cursos Normais em nível médio e das Licencia-
turas e de re-direcionamento dos cursos de pedagogia” (AMBRÓSIO, 2004).
Como reflexo de anos de reivindicações do movimento negro, que cum-
pre uma “[...] importante tarefa não só de denúncia e reinterpretação da realida-
de social e racial brasileira como, também, de reeducação da população, dos
meios políticos e acadêmicos [...]” (GOMES, 2005, p. 39) ao longo do século
XX, bem como reflexo de pesquisas realizadas no meio acadêmico que postu-
lam a urgência de se levar para a sala de aula o debate sobre questões étnico-
raciais, objetivando desmistificar os estereótipos construídos a respeito dos
afrodescendentes no Brasil e assegurar o direito à igualdade de condições de
vida e de cidadania, o Congresso brasileiro aprovou, no ano de 2003, a Lei Fede-
ral nº. 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana na educação básica.
Antes isso, o debate acerca dessa temática e o respeito à diversidade
étnico-racial no espaço escolar foram obter enfoque nos Parâmetros Curriculares
90 Nacionais da Educação somente a partir do ano de 1997, mesmo tendo o Con-
O DESENVOLVIMENTO DA SENSIBILIZAÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO...

gresso brasileiro promulgado a Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, na


qual se decretava, no artigo 20, que o ato de praticar, de induzir ou de incitar a
discriminação ou o preconceito de raça, de etnia, de cor, de religião ou de pro-
cedência nacional, seja em qualquer espaço social que seja, constituiria crime
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

com pena de reclusão de um a três anos e multa.


O reconhecimento dos direitos dos afrodescendentes, reconhecimento
apoiado por essa Lei Federal nº 10.639/2003, implica valorar o que distingue os
negros dos outros grupos que compõem a sociedade brasileira, o que requer não
apenas a promulgação de uma lei, mas, principalmente, uma transformação de
discursos, de raciocínios, de lógicas, de gestos, de posturas, de modos de tratar as
pessoas negras e requer, também, desconstruir o mito da democracia racial, ou
seja, a crença, construída social e historicamente, de que os afrodescendentes não
alcançam os mesmos patamares que os brancos, seja na área profissional, seja na
educacional ou cultural, por falta de competência ou de interesse, ignorando, as-
sim, as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuí-
zos para os afrodescendentes (BRASIL, Conselho Nacional de Educação, 2004).
Com a implantação da lei e com o reconhecimento das diferenças en-
quanto constituinte da identidade nacional, no ano de 1996 torna-se lei a
obrigatoriedade de formação em nível superior dos professores de educação
infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental, haja vista os resultados ultra-
passados, improdutivos e pouco eficientes das escolas, buscando-se, cada vez
mais, investir em conhecimento, como verificamos hoje com os modernos paco-
tes educacionais e com a grande variedade de cursos de aperfeiçoamento profis-
sional exigidos, principalmente pelo aumento da população escolar, pelos limi-
tados recursos e materiais pedagógicos e pela entrada, no sistema escolar, de
alunos com dificuldades no ambiente social e familiar.
O conceito de identidade que se considerou neste estudo refere-se à
noção trabalhada por Stuart Hall (2002), que enfatiza que a identidade não é
algo inato, mas algo construído e transformado ao longo do tempo por proces-
sos inconscientes de socialização, pois, segundo este teórico, “[...] se sentimos
que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas
porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora
‘narrativa do eu’” (HALL, 2002, p. 13).
Stuart Hall (2002) repensa a questão da identidade a partir dos conceitos
de local e global, que fazem parte dos discursos teóricos contemporâneos. Por
91 isso, levanta pontos essenciais para a análise dos discursos que os universitários
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira

negros fazem acerca da noção de identidade. Esse autor (2002) observa que a
modernidade, ao introduzir a descontinuidade do eu, coloca em cheque as grandes
identidades sociais coletivas – como a classe, a raça, a nação, o gênero e a de
Ocidente – que passam a não ser capazes de oferecer mais aquela estabilidade, ou
forma de ancoradouro, que era o que ofereciam essas identidades globalizantes.
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Nenhuma dessas identidades, a racial entre elas, em nenhum sentido que


fosse abordada (social, histórica ou epistemologicamente), forneceria a mesma
homogeneidade de antes e, assim, seria necessário estarmos atentos a diferenças, a
contradições, a segmentações e a fragmentações, exatamente porque essas identida-
des não produziriam mais a estabilidade e a totalidade no mundo contemporâneo.
Em comunhão com as mesmas perspectivas postuladas pelo Conselho
Nacional de Educação (2004), estão as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licen-
ciatura, de graduação plena (RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, de 18 de fevereiro de
2002), diretrizes que instituem, no artigo 2º, que, dentre as orientações observa-
das na organização curricular da instituição de ensino está, no parágrafo II, a do
acolhimento e do trato da diversidade na formação docente e, no parágrafo III, a
de garantir o exercício de atividades de enriquecimento cultural que abarquem os
vários segmentos da sociedade, já que, no artigo 6º deste mesmo documento, se
faz menção ao comprometimento da escola com seu papel social e com os valo-
res inspiradores da sociedade democrática.
Na atualidade, segundo Tosi (2007) ao fazer referência aos estudos de Jean
Biarnès, o trabalho com essa questão está sendo ou deverá ser, sobretudo, humano,
se a educação se basear no reconhecimento do outro, isto é, na aceitação da diversi-
dade étnico-racial, porque um trabalho que se pretenda pedagogicamente voltado às
diferenças requer o reconhecimento da diversidade existente entre educadores, mé-
todo que permita construir e avaliar as respectivas identidades, pessoais e coletivas.
O tratamento desse assunto em colégios é sublinhado neste estudo por-
que é nesse ambiente onde são formados conceitos e ideologias nas mentes dos
alunos e, uma vez que esses conceitos não são “trabalhados” de maneira a dissu-
adir os estereótipos, definidos por Silva (2001) como uma visão simplificada de
uma pessoa ou de um grupo, sobre o qual se constrói uma idéia negativa, e
considerar as diferenças étnico-culturais, o professor estará influenciando e re-
forçando a difusão de preconceitos e de práticas racistas, indo em contra uma
educação cidadã em prol da justiça social e étnico-racial.
Realizar um diagnóstico de como este assunto é visto pelos professores e
92 pelos acadêmicos é, também, um modo de refletir sobre estas representações nega-
O DESENVOLVIMENTO DA SENSIBILIZAÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO...

tivas feitas aos afrodescendentes a fim de buscar uma forma de eliminá-las, primei-
ramente, do principal espaço de formação de opiniões e ideologias: a escola.
Vale esclarecer que o termo racismo, quando utilizado na pesquisa, se
referiu às concepções trabalhadas por Gomes (2007), que o diferencia do precon-
ceito e da discriminação. Para ela, o racismo é suscetível a três noções, sendo, por
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um lado, um comportamento resultante de uma aversão a pessoas que possuem um


pertencimento racial observável através de sinais como cor de pele, tipo de cabelo
e, por outro, um conjunto de idéias/imagens criadas por grupos que crêem na exis-
tência de raças superiores. Gomes (2007) se refere, também, ao racismo resultante
do desejo de imposição de uma crença particular como única e verdadeira.
Já a noção de preconceito denota um julgamento negativo e prévio dos
membros de um grupo racial, étnico, religioso ou de pessoas que ocupam outro
papel social significativo, sem levar em conta os fatores que o contestam. Desse
modo, o ato de discriminar significa adotar práticas reais que efetivam essas
ideologias preconceituosas e racistas (GOMES, 2007).
Ainda em relação à nomenclatura, optou-se nesta pesquisa pela postu-
ra étnico-racial para embasar o andamento dos respectivos questionamentos,
porque ela envolve uma multiplicidade de dimensões e de questões envolvendo a
história, a cultura e a vida dos afrodescendentes no Brasil. De acordo com esses
argumentos, na seção seguinte faz-se a apresentação e a análise dos principais
dados coletados na pesquisa e que contribuem para as respostas às perguntas de
pesquisa do estudo realizado, bem como para atingir os objetivos propostos.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS PRINCIP


APRESENTAÇÃO AIS D
PRINCIPAIS ADOS COLET
DADOS ADOS
COLETADOS

Quando se propõe a análise das visões desses públicos-alvo a respeito


da temática se está pretendendo refletir sobre o ponto de vista do professor e do
acadêmico, o que pensam e como vêem a questão da diversidade étnico-racial
na escola e/ou na sociedade. Já a referência ao termo atitude o vê enquanto ação,
prática cotidiana dentro de sala de aula fundamentada em tais visões.
Com relação à visão desse educador sobre a questão da diversidade
étnico-racial, observou-se que, dentro de sala de aula, ele possui um alto poder
de persuasão e de influência na formação enquanto ser humano do aluno, pois
seu discurso, exteriorizado a partir de suas concepções de mundo, como ressalta
Moita Lopes, oferece os meios necessários para que essas identidades sejam
93 “[...] reescritas e reconstruídas em outras bases por meio de práticas discursivas
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira

em sala de aula que garantam espaços para viver a natureza multifacetada da


experiência humana” (MOITA LOPES, 2002, p. 192).
Assim, a formação identitária do aluno, principalmente a do
afrodescendente, fica comprometida se o docente não tiver a preparação ade-
quada para estar lidando com esse assunto, sendo que foi isso o que se verifi-
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cou na pesquisa, ou seja, uma confusão em algumas respostas que definem a


diversidade, ao dizerem, por exemplo,
[...] seriam pessoas de diversas etnias e raças no contexto mundial
(A1, acadêmica Nair).

[...] as diferenças de raças presentes em nossa sociedade (P1, professora Paula).

Nestas respostas se observam contestações generalizadas, tratando os


termos raça e etnia somente por meio da explicação de um deles, sendo que isso
não acontece com o A2 e P2, grupos de participantes nos quais as repostas levam
em conta a cor de pele, a cultura e as origens dos indivíduos:
Pluralidade de raças humanas levando-se em conta a origem e cultura dos
povos (A2, acadêmico Camilo).

A ausência de uma disciplina ou de debates no curso formador de professo-


res sobre a diversidade étnico-racial fica comprovada quando se nota que grande nú-
mero de A2 (50%) que procurou essas discussões ainda nos primeiros anos do curso.
Com base nas respostas obtidas, chega-se ao resultado de que, por
mais que possa parecer uma temática simples de ser tratada no contexto escolar
ou, talvez, que seja algo já extinto de nossa sociedade, o racismo e a discrimina-
ção em geral persistem fortemente em nosso convívio, como foi observado na
maior parte das respostas, as quais ora afirmavam sua existência, ora deixavam
marcas implícitas de racismo internalizado, como nas seguintes:
[...] passar a considerar o ser humano na sua essência, não sua aparência
(A1, acadêmica Maria).

Nessa afirmação da acadêmica Maria revela-se um preconceito, o qual


deixa subentendido que, desde que a essência do ser humano seja boa, de cará-
ter, a aparência é relevante, isto é, se está confirmando que os traços fenotípicos
de um indivíduo lhe conferem maior ou menor valor, status e superioridade.
O professor é, dentro da sala de aula, responsável pela formação de
opiniões dos alunos, por isso as concepções e os conteúdos “trabalhados por ele
devem estar livres de preconceitos, para não acabar formando indivíduos racis-
tas ou mesmo frustrando um aluno que pertença a uma dessas classes social,
94 racial ou financeira vítimas de discriminação.
O DESENVOLVIMENTO DA SENSIBILIZAÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO...

Nesse sentido, uma formação profissional que contemple subsidiar o profes-


sor e o acadêmico com conhecimentos e informações que os levem a respeitar as
diferenças, e que ensine que as diferenças são algo positivo, se torna imprescindível.
Essa preocupação ficou aparente nas respostas de alguns dos participantes, mostrando
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o interesse pela questão e a dificuldade em se tratar de um tema sem respaldo teórico:


Com estes cursos, além de deixar de ser preconceituoso, o professor aprenderia
como lidar com situações de preconceito em sala de aula (P1, professora Beatriz).

Aprenderia a não fugir do problema, o comprometimento com a questão, a


tratar a diferença com naturalidade e trazer o aluno negro para participar
da aula, ser ativo (P2, professora Maiara).

O conhecimento deste tema e o saber lidar com o mesmo no contexto escolar


é de extrema importância para a formação do professor e, dessa forma,
para a formação da identidade dos alunos (A2, acadêmica Rosa).

Nesses questionários foi relatada a preocupação com a hipótese de


acabar lidando com a temática de modo equivocado, receio justificado pelo
desconhecimento das melhores maneiras de discutir isso em sala sem acabar,
por exemplo, magoando um aluno, discriminando outra raça ou veiculando mais
estereótipos ainda, como se pode averiguar nas contestações seguintes:
[...] não sei se o faço de maneira correta, mas não tenho dificuldades com
isso [...] (P1, professora Maura).

No momento, seria um pouco difícil tomar um posicionamento, já que eu


nunca tive um curso com respeito a isso (A1, acadêmica Nair).

Em alguns momentos, os professores e os acadêmicos apontam tomada de


atitudes equivocadas em situações de práticas discriminatórias e racistas em sala de
aula e, ainda, denunciam que muitos colegas educadores são preconceituosos:
Eu discriminaria quem estivesse praticando o racismo (A1, acadêmica Maria).

[...] olharia com desprezo para os racistas. Pois uma das maneiras de pro-
testar contra a discriminação é o desprezo para os racistas (A1, acadêmico
Claudionor).

É comum atitudes racistas entre alunos e até professores (A1, acadêmica Maluce).

Nem todos os profissionais da educação estão livres de preconceitos (A1,


acadêmica Clara).

A atitude relatada como a mais correta a ser tomada pelos acadêmicos


95 A1 reflete o total despreparo desses futuros docentes uma vez que tentariam disse-
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira

minar as práticas racistas de suas salas por meio, também, da discriminação, o


que só agravaria o problema, porque não se ofereceriam ao aluno explicações a
respeito do porquê da existência de estereótipos sobre algumas raças e algumas
etnias e, ainda, colocando-o em contato com mais veiculação de discriminação.
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Nessa perspectiva, como comenta Auad (1998, p. 2), é mais difícil lutar
contra os preconceitos dos alunos se o educador toma atitudes discriminatórias,
porque não tem como criar “[...] condições para que as crianças e adolescentes
conheçam e lidem com suas idéias, sentimentos, corpos e sensações, sem que
tenha conhecido e lidado com ela mesma”.
Frente a isso, percebe-se que as atitudes desses profissionais A1 e P1 medi-
ante situações ou conteúdos do livro didático que exijam um posicionamento crítico
e livre de preconceitos por parte deles são, na maior parte das vezes, erradas, isto é,
reafirmam o preconceito e prejudicam a formação identitária do aluno discriminado.
As respostas dos P1 e dos P2 coincidiram em seus relatos. Os primeiros
(P1) relataram que as maiores dificuldades seriam não ter embasamento teórico
sobre a diversidade étnico-racial e o conseqüente medo de estimular ainda mais
as práticas racistas em sala e ofender o aluno, principalmente o afrodescendente,
por causa de sua raça. Os segundos (P2) relataram, como especial contribuição,
terem obtido, através de curso específico, segurança, respeito e preparo para
tratar do assunto, para saber buscar leituras e materiais apropriados para elabo-
rar atividades relacionadas a isso e para saber agir e falar numa sala de aula
freqüentada por alunos de diversas raças/etnias.
Enfim, levando em conta os professores sem preparo específico, o trato
da diversidade na sala de aula está se constituindo em campo de silêncio, como
assegura Marlucy Alves Paraíso (2007, p. 2), já que os professores “[...] não
conhecem as discussões sobre os temas, não tiveram acesso a essas discussões
durante a sua formação e, na maioria das vezes, nem conseguem ver espaço no
currículo para a sua problematização e discussão”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão dos professores e dos acadêmicos acerca de raça e


etnia e seu significado discursivo demonstram, na maioria das definições obti-
das, uma grande generalização dos termos, sem especificar o que cada um signi-
fica, ou seja, ficando, apenas, no senso comum com uma reflexão bem superfici-
96 al, tendo em vista que 60% deles definiram esses termos como diversas raças e
O DESENVOLVIMENTO DA SENSIBILIZAÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO...

etnias ou diversidade dos povos. Outros 20% dos pesquisados acabaram expli-
cando ambos os termos (raça e etnia) como se fossem sinônimos, como, por
exemplo, diversidade étnico-racial se trata de um grupo de etnias da sociedade.
Ocorre, porém, que 70% dos A2 e P2 citaram, além dos fatores biológi-
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cos que originam raças e etnias, também os aspectos sociais e culturais que as
envolvem. Assim, para os públicos-alvo que possuem respaldo teórico para tra-
tar da questão, a diversidade não se refere, portanto, somente às origens das
raças e à descendência de povos, mas enquanto constituída também pelos valo-
res, pelas ideologias, pela cultura e pelos costumes socialmente construídos ou
assimilados por esses grupos raciais e étnicos.
Desse modo, o entendimento demonstrado pelos P2 e A2 foi mais deta-
lhado que o dos P1 e A1, à medida que estes conseguiram oferecer uma visão
mais ampla e crítica da temática, porque englobaram aspectos como cultura,
costumes e valores, aspectos que também influenciam na formação identitária e
na aceitação e na valorização das raças e das etnias em nossa sociedade, o que
não ocorreu nas contestações dos P1, por exemplo.
O entendimento, enquanto ação, da questão da diversidade étnico-raci-
al dos professores e dos acadêmicos que passaram por formação referente ao
tema e daqueles que não passaram, de acordo com as concepções de diversida-
de étnico-racial expostas anteriormente, por parte desse público-alvo sem funda-
mentação teórica acerca do tema, aponta para uma prática realçadora dos este-
reótipos há tempos perpetuados em nossa sociedade sobre os afrodescendentes.
O entendimento destes professores sem a devida formação específica
para o assunto, quando se trata de indicar ações e posicionamentos em contextos
de práticas racistas que os exijam, se demonstra frágil. Trata-se de um entendi-
mento frágil tanto por não saberem qual discurso adotar, quanto por não conse-
guiram se decidir por qual atitude tomar. Dessa forma, muitos deles acabariam
deixando a discussão para uma aula posterior, postergação essa a fim de pode-
rem levar materiais aos alunos ou com o intuito de acalmarem os ânimos dentro
da sala de aula, levando ao esquecimento do ocorrido.
Lidar com a diversidade étnico-racial quando se tem a discriminação
de uma raça por um grupo de alunos no contexto de sala de aula é uma ação
pedagógica desnecessária para alguns deles, na medida em que a solução para
tal caso seria desprezar o racismo ou o racista, o que mostra que, além do des-
prezo dos alunos em relação a algumas raças de seus colegas de turma, essas
97 crianças e adolescentes ainda terão contato com o desprezo do professor com
Andréia Fernanda Orlando - Aparecida de Jesus Ferreira

aqueles que têm esse tipo de atitude e com uma prática que fere tanto quem é discri-
minado quanto os outros que encaram as diferenças como algo positivo e natural.
Os acadêmicos e os professores que possuem respaldo teórico para
tratar da temática (70%) defendem que o correto tratamento e a correta compre-
ensão da questão são cruciais para uma boa formação profissional na área da
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educação, porque esta questão lida não só com a formação intelectual do aluno,
mas, sobretudo, com sua formação cidadã.
Ao voltar o olhar para o conjunto das respostas dos A2 e dos P2, veri-
fica-se que, apesar de já terem tido momentos de discussões sobre a lida com a
diversidade em sala de aula, muitos deles apontam a intenção de continuar se
aprofundando em leituras e debates. Comprova-se isso ao se contabilizar que
60% dos A2 e 20% dos P2 participam de projetos de extensão ou de pesquisa que
trabalham nessa perspectiva de levar essas discussões a um público maior com a
finalidade de esclarecimento de visões estereotipadas relacionadas às concep-
ções de raça, de gênero, de etnia e de valores a elas incutidos e, também, 10%
dos P2 desenvolvendo projetos de pós-graduação stricto sensu nessa área temática.

NOTAS
NOT
1
Este artigo mostra o resultado do TCC de Andréia Fernanda Orlando, apresentado em Outubro de 2007.
2
Andréia Fernanda Orlando: Graduada em Letras Português/Espanhol em Cascavel/PR pela UNIOESTE
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná). Dedicou-se, durante os anos de faculdade, à monitoria,
a projetos de pesquisa e de extensão nessa mesma universidade, sendo que estas atividades se
voltaram a reflexões acerca da formação de professores e tecnologia, bem como ligadas à questão da
diversidade étnico-racial e, ainda, a análises de obras literárias espanholas e hispanoamericanas e,
também, do ensino da língua materna nas escolas e à produção de materiais propondo um trabalho
com a gramática contextualizada. Já no que diz respeito a projetos de extensão, participou de ativida-
des como extensionista bolsista do projeto PILAR (Projeto de Intercâmbio Lingüístico, Artístico e
Cultural visando ao incentivo para o desenvolvimento de trabalhos na área da língua estrangeira, no
caso, de língua espanhola. Possui várias publicações em anais de eventos locais, regionais e nacionais,
bem como em revistas reconhecidas pela Qualis/Capes. Entre seus principais artigos escritos, encon-
tra-se um que se refere ao projeto PILAR e que foi digno de premiação pelo SEURS (Seminário de
Extensão Universitária da Região Sul). Integrante do grupo de pesquisa “Formação de Professores de
Línguas e Práticas Sociais”, orientado pela professora Dra. Aparecida de Jesus Ferreira.
3
Professora Orientadora - Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, Cascavel/PR.

REFERÊNCIAS

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99
PARTE II

RELATOS DE
EXPERIÊNCIAS
7 FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
LÍNGUAS E DIVERSIDADE ÉTNICO-
RACIAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA1
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

Andréia Fernanda Orlando2


Luciane Watthier3

O curso de extensão intitulado Formação de Professores de Línguas e


Diversidade Étnico-Racial, promovido pela professora Dra. Aparecida de Jesus
Ferreira no Campus de Cascavel da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), iniciou em abril de 2005 e findou no mês de setembro do mesmo
ano. Tal curso tinha como público-alvo professores da rede estadual de ensino,
no entanto, além destes, também participaram pedagogos, diretores de escolas,
uma bibliotecária e alguns professores em pré-serviço, isto é, acadêmicos dos
cursos de licenciaturas, mais especificamente do Curso de Letras.
A promoção desse curso tinha como intuito proporcionar aos professo-
res, estivessem eles em serviço ou em formação, que não tiveram contato com a
questão da diversidade cultural, racial e étnica dentro do meio acadêmico, obter
subsídios científicos para lidar com esta temática em sala de aula, evitando o
silenciamento comum a quem não tem segurança por falta de conhecimento no
tratamento desta temática frente a situações de discriminação.
Participar de discussões, de relatos de experiências de outros profissi-
onais que se vêem diante do mesmo dilema que nós, enquanto professoras em
pré-serviço, significa partilhar dúvidas e construir novos conhecimentos acerca
do que até então era desconhecido e intocável devido ao receio de estar ampli-
ando o problema ao tocar no assunto dentro de sala de aula.
Assim como a oportunidade deste curso de aprimoramento profissio-
nal, também é válida a experiência de participar de outros projetos nesta área e
que se vinculam à pesquisa sobre o contexto sociocultural na construção de iden-
tidade de professores e de alunos. Com essas iniciativas esses atores passam a
pensar a temática e sua abordagem em sala de aula, bem como passam a preo-
cupar-se com propor atividades de inserção desta questão nos conteúdos
103 programáticos das aulas de línguas.
Andréia Fernanda Orlando - Luciane Watthier

A esse respeito, Canen (2001) assegura que estas iniciativas são os melho-
res caminhos por uma “[...] formação docente que sensibilize professores e futuros
professores à pluralidade cultural e favoreça práticas pedagógico-curriculares a ela
coadunadas”. Longe de oferecer receitas prontas de como “trabalhar” esta questão
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

em sala de aula, a oferta de tais cursos de formação continuada baseia-se num ensino
construído sob uma visão multicultural, conforme ressalta Canen (2006, p. 45), ensi-
no o qual pode buscar meios diversificados que “[...] focalizem as práticas curriculares,
os projetos construídos e as relações interpessoais cotidianas, dentre outras”.
A maior parte dos professores, se não a totalidade deles, ao iniciar esse
curso relatou que estava procurando subsídios teóricos que pudessem embasar as
discussões sobre discriminação e preconceito racial no contexto escolar por sentir
necessidade de tal conhecimento, uma vez que, na prática de sala de aula, estes
profissionais já haviam presenciado muitas situações discriminatórias diante das
quais se silenciaram por falta de informação sobre o tratamento da questão.
As discussões geradas nos encontros abrangiam temas simples, como a
conceituação de preconceito, de discriminação e de racismo, até os mais comple-
xos, ou seja, como estes temas podem e devem ser abordados em sala de aula,
contribuindo com nossa formação no sentido de que tenhamos propriedade para
lidar com a questão quando expostos a situações que exijam tal propriedade.
Nas séries iniciais esta omissão do educador perante tais situações ra-
cistas é mais grave ainda, pois, de acordo com Laing (apud SILVA, 2001), “[...] a
primeira identidade social da pessoa lhe é conferida pelos demais. Aprendemos
a ser quem nos dizem que somos [...]” e, também, a fazer e a pensar dos outros
aquilo que deles imaginamos, sem ter sobre isso nenhuma razão real. Deste modo,
podem estar sendo incutidos valores, crenças e estereótipos errôneos nas mentes
das crianças mesmo sem os professores terem se dado conta disto.
Até mesmo o fato de um educador deixar passar uma simples expressão
ou pequena atitude que denota traços de preconceito já permite ao aluno inferir
que tal postura não é condenada e que pode, perfeitamente, ser repetida. Muitas
destas expressões definem todo um povo e um país por estereótipos que são
perpetuados por séculos, histórica e socialmente construídas, e atribuídos por
fatores tais como raça e etnia de origem ou religião.
Sobre isso, alguns dos professores participantes relataram a existência
de casos de brincadeiras comuns em suas aulas, brincadeiras que, à primeira
vista, parecem inocentes, mas que, se não levadas a sério pelos pais e não consi-
104 deradas pelo colégio, podem acabar formando pessoas agressivas,
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: ...

preconceituosas e fechadas ao mundo. Ocorre que, no entanto, devido ao pouco


valor dado ao assunto, quase nada se tem feito para bani-lo do ambiente escolar.
Como a sociedade, a escola é um espaço pluriétnico e pluricultural (GO-
MES, 2002), no qual convivem sujeitos sociais pertencentes aos mais distintos gru-
pos sociais e étnico-raciais, que impregnam este contexto com suas particularida-
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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

des e semelhanças, compondo um cenário de diversidade. Diante disso, Canen


(2006) propõe que o cume do trabalho escolar esteja no desafio a dogmatismos e
a visões congeladas sobre o outro, trabalhando no sentido de possibilitar a forma-
ção de identidades abertas à diversidade e à hibridização identitária, como tam-
bém “[...] à desconstrução de discursos congeladores das identidades em marcadores
únicos e ao trabalho com as tensões entre propostas culturais plurais e a necessida-
de da construção de uma identidade escolar multiculturalmente comprometida”.
Para a realização dos primeiros encontros, dividia-se a turma em gru-
pos de aproximadamente cinco integrantes. Visava-se, com isso, que participan-
tes de um grupo pudessem conversar entre si e, depois, partilhar estas reflexões
com os demais grupos. O fato de estarmos em contato com profissionais forma-
dos em nossa área de Letras foi importante para termos idéia da realidade com a
qual certamente nos depararemos ao adentrarmos o espaço da sala de aula, ou
seja, uma carga horária muito grande, falta de tempo para preparar uma boa aula
ou para participar de eventos como congressos, seminários e carga excessiva de
provas e/ou de trabalhos para serem corrigidos.
Nestes momentos em grupo, percebíamos as visões carregadas pelos
educadores em relação ao assunto, a forma como eles a tratavam e, ainda, como se
dava o comportamento de seus alunos a respeito dos colegas afrodescendentes ou
homossexuais. Os educadores relataram várias vezes que só a partir do contato
com o curso e com textos que versavam sobre o preconceito na sala de aula que
eles puderam notar que seus alunos cometiam tais agressões sem estarem cientes
de seus atos e, muito menos, das conseqüências que isso poderia acarretar. Além
disso, eles mesmos, enquanto educadores e formadores de opinião, não viam este
tipo de agressão como tal e, por isso, se omitiam diante da situação.
Com estas discussões pudemos ainda conceituar alguns termos que,
talvez, ainda estejam um pouco confusos entre os professores: preconceito, como
um pré-julgamento; discriminação, como a prática do preconceito, desprezando
as pessoas por sua aparência; e, por fim, racismo, como o resultado do precon-
ceito somado ao poder de exclusão.
Quando falamos em racismo, para a maioria das pessoas a primeira
105 coisa que vem à cabeça é o negro, mas falando em discriminação, sabemos que
Andréia Fernanda Orlando - Luciane Watthier

ela acontece em qualquer lugar, mesmo quando não se tem um afrodescendente


presente. Em especial nos chamou a atenção um exemplo de racismo e de discrimi-
nação relatado por uma professora participante, mostrando que uma pessoa pode
ser discriminada também por seu modo de ser. Tratava-se de um jovem que sofria
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preconceito, tanto que inclusive apanhou de seus colegas por ser um menino more-
no, bailarino e homossexual. Isso acontece porque a criança negra, pobre, índia ou
com qualquer outra diferença, perante aquilo que a sociedade julga ser o padrão
de beleza e status, encontra dificuldades de relacionamento e de integração no
grupo escolar, pois os colegas costumam rechaçar esses colegas e, se o professor
não souber conduzir a situação, ele a ignora ou acaba por agravá-la.
Assistindo a um vídeo sobre o fenômeno da bullying, pudemos observar e
conhecer outra forma de se discriminar uma pessoa por uma determinada caracte-
rística física, atribuindo a uma criança e/ou a um adolescente algum apelido. A
imposição de apelido, além de excluir e rejeitar socialmente tal criança ou adoles-
cente, também pode causar nela/e depressão, revolta e fechamento para o mundo.
Assim, a preocupação reside mais uma vez na falta de formação dos professores,
os quais se silenciam frente a essas situações e não tentam solucioná-las.
Além disso, o curso propiciou a reflexão sobre os cuidados que devemos
ter em sala sobre a maneira de tratar os alunos, pois, às vezes, mesmo tratando-se
de uma brincadeira, podemos ofender e traumatizar crianças, chamando-as, por
exemplo, de macacada, de tigrada, etc. Estes exemplos foram citados por uma
professora que comentou ter arranjado problemas com o uso de tal vocabulário.
Lendo um texto que tratava dos direitos e dos deveres dos negros, foi
possível um debate em relação à educação das relações étnico-raciais. Uma
prática pedagógica que se pretenda eficiente não deve concentrar suas preocu-
pações somente na formação do educador, mas principalmente incitar a partici-
pação da família nesse combate, pois este não é um dever exclusivo da escola e
a maior parte dos alunos já traz de casa estereótipos construídos a partir de uma
“herança familiar” (SILVA, 1995, p. 43).
A falta de formação do professor para “trabalhar” com questões relacionadas
à discriminação racial acarreta o medo de se abordar o assunto, construindo-se estere-
ótipos e mitos em relação ao racismo. A preocupação dos professores que buscaram
pelo curso de aprimoramento sobre diversidade era de abolir o receio de, na tentativa
de amenizar um problema relacionado a este assunto, acabar complicando-o mais
ainda, sendo mal interpretado, além da insegurança quanto à forma de abordar o assun-
106 to, quer dizer, não saber onde começar a discuti-lo e até onde levá-lo.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: ...

Entre alguns dos estereótipos existentes em relação ao afrodescendente,


podemos citar os seguintes: não existe racismo; o negro é menos inteligente;
pertence sempre a uma classe social inferior; e o branco é sempre visto como o
patrão e o negro como o empregado. Em meio a estas reflexões, é importante
esclarecer aos professores em formação e aos alunos em sala de aula que tais
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práticas racistas possuem origem na escravidão e até hoje se fazem presentes na


mente social e na construção identitária afrodescendente.
Isto foi o que ocorreu no decorrer do curso Formação de Professores de
Línguas e Diversidade Étnico-Racial, curso no qual se propiciou o ensejo de pensar
a presença dos negros no país enquanto partícipes da história do Brasil. Deste
modo, devemos levar em conta três fases históricas importantes: Brasil Colônia,
Brasil Imperial e Brasil Republicano. No Brasil Colônia o negro possuía uma “fun-
ção estratégica” no país, já que o desenvolvimento da colônia se dá somente atra-
vés da presença do negro, isto é, quanto mais negros melhor seria para a elite
burguesa. Nesse período (1500–1822), calcula-se que ingressaram no Brasil cerca
de quatro a dezoito milhões de escravos, cinqüenta a sessenta mil negros por ano,
o que nos leva a afirmar que foi a mão-de-obra negra que sustentou o país.
A segunda fase do regime escravagista (1822–1889) pode ser considerada a
mais conturbada do Brasil, pois, nesta, a presença do afrodescendente já não era mais
tão importante, contudo ainda era bem marcada, tendo em vista que a abolição da
escravatura ocorreu apenas em 1888, um ano antes do término desse período. Aqui, o
Brasil já não é mais colônia e deve construir uma identidade nacional, pressuposto
apoiado pela receptividade e pelo fortalecimento do abolicionismo, a partir do qual se
originaram as teorias raciais. Na terceira fase (a partir de 1889), há um esforço para
mostrar que a presença negra no Brasil não é problemática, isso nos anos entre 1930 e
1945, pois a partir de 1960 já se tem a tentativa de derrubar este mito.
Nesse período tem-se três grupos sociais: positivismo; darwinismo soci-
al; e evolucionismo. É o período em que o homem branco evolui para o mestiço, ao
mesmo tempo em que a sociedade também busca uma superação e uma evolução.
No decorrer destes encontros ainda discutimos sobre as ações afirmati-
vas, tendo como apoio o texto “Ação Afirmativa e o Combate ao Racismo Institucional
no Brasil”, de Valter Roberto Silvério (2002), e comentamos sobre o artigo de
Marília Pinto de Carvalho “Quem São os Meninos que Fracassam na Escola?”.
Conversamos, então, sobre o racismo institucional, ou seja, o racismo a
partir de instituições públicas, podendo ser citado o exemplo de um menino
negro que, por estar em sua casa ouvindo música com um volume alto à noite, foi
107 espancado pelos policiais. De acordo com Silva (2001), este tipo de racismo
Andréia Fernanda Orlando - Luciane Watthier

[...] dispõe as instituições (escola, Estado, igrejas) a serviço dos pressupostos do


racismo individual; limita a partir de algumas práticas institucionais as escolhas,
os direitos, a mobilidade e o acesso de grupos de pessoas (negras) a determina-
das posições ou ao seu desenvolvimento pleno. (SILVA, 2001, p. 77).

O racismo pode acontecer em dois níveis: o consciente e o inconscien-


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pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

te. O primeiro, como o próprio nome já diz, acontece quando a pessoa está
consciente do que faz. Ocorre com afrodescendentes ou não, podendo aconte-
cer, por exemplo, em relação aos estereótipos apresentados pela mídia, como o
padrão de beleza (loiro, magro, alto, etc.), que pode ser do tipo individual (uso
de nomes para pessoas negras) ou institucional.
O segundo nível de racismo, o inconsciente, ocorre sem a intenção da pessoa
e, algumas vezes, sem que ela perceba. Pode ser causado apenas pelo fato de uma
pessoa rir de uma piada racista ou pelo uso de linguagem racista (“serviço de preto”,
quando alguma coisa está mal feita; “ovelha negra da família”, etc.), entre outros.
Tendo em vista que uma sala de aula é extremamente heterogênea, ou
seja, que os indivíduos se agregam “[...] de acordo com sua pertença e referên-
cia, mobilizados por fatores como gosto musical, nível intelectual, nível social,
etc.[...]” (SILVA, 2005, p. 99), comentou-se, também, que é importante que os
professores tentem ligar o conteúdo à realidade do aluno, o que pode ser feito,
por exemplo, com o uso de vídeos, de músicas e de aulas diversificadas. Entre-
tanto, o que vemos nas escolas é um desinteresse pelo assunto, desinteresse que
o leva a ser camuflado pelas instituições que, mesmo que o coloquem nos planos
de ensino, no entanto não se adquirem materiais para abordá-lo em sala de aula,
ocasião quando ao menos se trabalha com ele junto aos alunos.

NOTAS
NOT

1
Reflexões produzidas como trabalho final do Curso de Formação de Professores de Línguas e
Diversidade Étnico-Racial em 2005.
2
Andréia Fernanda Orlando: Graduada em Letras Português/Espanhol em Cascavel/PR pela
UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). Dedicou-se, durante os anos de faculda-
de, à monitoria, a projetos de pesquisa e de extensão nessa mesma universidade, sendo que estas
atividades se voltaram a reflexões acerca da formação de professores e tecnologia, bem como
ligadas à questão da diversidade étnico-racial e, ainda, a análises de obras literárias espanholas e
hispanoamericanas e, também, do ensino da língua materna nas escolas e à produção de materiais
propondo um trabalho com a gramática contextualizada. Já no que diz respeito a projetos de
extensão, participou de atividades como extensionista bolsista do projeto PILAR (Projeto de
Intercâmbio Lingüístico, Artístico e Cultural visando ao incentivo para o desenvolvimento de
trabalhos na área da língua estrangeira, no caso, de língua espanhola. Possui várias publicações em
108 anais de eventos locais, regionais e nacionais, bem como em revistas reconhecidas pela Qualis/
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: ...

Capes. Entre seus principais artigos escritos, encontra-se um que se refere ao projeto PILAR e que
foi digno de premiação pelo SEURS (Seminário de Extensão Universitária da Região Sul).
3
Luciane Watthier: Atualmente é aluna do primeiro ano do Mestrado em Linguagem e Sociedade, com
concentração na linha de pesquisa “Linguagem e Ensino”, do Curso de Letras da UNIOESTE (Univer-
sidade Estadual do Oeste do Paraná). Em 2007 concluiu a graduação em Letras Português/Espanhol
pela mesma UNIOESTE, no mesmo Campus de Cascavel/PR. Durante a graduação, além de ser aluna
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de iniciação científica (PIBIC), participou de vários outros projetos na área de lingüística textual –
formação de professores, práticas sociais e formação da identidade dos alunos. Tem artigos publicados
em anais de eventos regionais e nacionais, tanto na Unioeste quanto em outras universidade públicas,
e um artigo publicado no periódico “Educere et Educare”. Seu trabalho de conclusão de curso está
voltado para a diversidade étnico-racial, com foco na formação da identidade dos alunos.

REFERÊNCIAS

SILVA, Rosângela Souza da. Racismo e discriminação racial no cotidiano de uma escola
pública de nível médio. In: PINTO, Regina Pahim; OLIVEIRA, Iolanda de (Org.). Neg
Negrro
e educação
educação: escola, identidades, culturas e políticas públicas. São Paulo: Ação
Educativa, Anped, 2005.
SILVA, Ana Célia da. A discriminação do neg
negrro no livro didático
livro didático. Salvador: CEAO,
CED, 1995.
SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as para o combate ao racismo:
mais uma tarefa essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e anti-racismo
na educação
educação: repensando nossas escolas. São Paulo: Summus, 2001.
SILVA, Antonio Ozaí da; Maurício Tragtenberg: Identidade e alteridade. Revista
Urutágua. N. 01, maio de 2001. Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br//
ru18_mtrag.htm>. Acesso em: 1º nov. 2006.

109
8 FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL:
UM CURSO QUE DEU NOVO RUMO
À MINHA PRÁTICA DOCENTE1
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
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Rosani Clair da Cruz Reis2

Hoje, em função da cobrança que está havendo por parte, principal-


mente, do movimento negro e dos órgãos governamentais responsáveis em acom-
panhar e fiscalizar a educação, a temática das relações étnico-raciais está sendo
uma das mais contempladas nas discussões entre os educadores. Isso ocorre
porque, a partir da aprovação da Lei Federal nº 10.633/2003, tornou-se obrigató-
rio o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em todo o contexto
escolar. Ocorre, contudo, que, embora um grande número de professores esteja
comprometido com a aplicação da lei, são muitas as dúvidas e as inseguranças
que dificultam a realização de um trabalho que dê conta de promover o respeito
pela cultura afro-brasileira e pelo povo afro-descendente.
Esta temática nunca esteve presente nos currículos, de um modo geral,
dos diversos cursos de licenciatura e, portanto, os professores não saíam e não
saem preparados para discutir questões relacionadas a esta temática ao iniciar
sua prática pedagógica. Embora esteja havendo uma certa cobrança no sentido
de que a escola cumpra com o disposto na lei, não está havendo, por parte do
governo (nas três instâncias), empenho em capacitar esses profissionais e, assim:
A inserção da discussão sobre a diversidade no campo de formação de professo-
res/as ainda fica restrita ao interesse específico de alguns profissionais, cujo inves-
timento se dá devido à sua própria história de vida, pertencimento étnico/racial,
postura política, escolha pessoal, desejo e experiências cotidianas que aguçam a
sua sensibilidade diante da diferença, trazendo-lhes de forma contundente a impor-
tância dessa discussão na prática escolar. (GOMES & SILVA, 2002, p. 25)

Essa constatação feita por Gomes e Silva é perfeitamente aplicável ao


contexto no qual realizo minha prática pedagógica. Há apenas uma professora
universitária que discute temas relacionados à diversidade no campo de forma-
111 ção de professores, a qual promove os cursos que são oferecidos na região, pos-
Rosani Clair da Cruz Reis

sibilitando a alguns profissionais a discussão desta temática. Tive o privilégio de,


no ano de 2005, ser uma das professoras participantes de um destes cursos, o
curso “Formação de Professores e Diversidade Étnico-Racial”, que aconteceu entre
setembro e outubro de 2005, na UNIOESTE, Campus de Cascavel, e que teve como
coordenadora a prof. Dra. Aparecida de Jesus Ferreira. Naquela oportunidade tra-
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vei meus primeiros contatos com temas como racismo, preconceito, discrimina-
ção, raça, etnia e bullying, temas estes que, seguramente posso afirmar, fizeram e
fazem toda a diferença em minha prática pedagógica. Comecei a olhar a educação
com outros olhos e tomei consciência da responsabilidade enquanto professora
em desenvolver uma prática pedagógica mais humana, que venha a contribuir com
a construção de uma sociedade que respeite o ser humano. Passei a ser, de fato,
professora-pesquisadora, como foi proposto durante os encontros do citado cur-
so, observando como aconteciam as relações inter-pessoais estabelecidas na esco-
la, por meus alunos. Foi assim que me deparei com situações para as quais anteri-
ormente não havia desenvolvido a sensibilidade adequada, sendo as mais sérias a
prática de bullying e as práticas racistas entre os alunos. Perceber como acontecem
essas relações no interior da escola é fundamental se quisermos nelas interferir e
assim melhorar o convívio entre os educandos.
Todos os profissionais da educação deveriam ter a oportunidade de fre-
qüentar cursos como aquele, curso que, além de tratar de temática hoje muito discu-
tida (relações étnico-raciais), utilizou para isso de uma abordagem crítica, apresen-
tando os princípios da educação anti-racista, indo, portanto, muito além da proposta
apresentada pelos PCNs quanto à pluralidade cultural, ou mesmo de uma interpreta-
ção superficial da Lei Federal nº 10.639/2003. Durante os encontros, discutimos as
relações de poder existentes na sociedade, relações de poder por meio das quais são
determinadas as situações socioeconômicas dos cidadãos, colocando por terra má-
ximas como: “As pessoas miseráveis assim o são por não terem vontade de traba-
lhar”. Interligada a esta problemática, discutimos também a situação do negro hoje,
observando dados estatísticos que apontam para as desigualdades raciais presentes
na sociedade hoje e que são decorrentes de uma herança da escravidão: “[...}a popu-
lação negra era de fato imensa, e isso levou as elites a fortalecer as teorias racistas e
a produzir preconceitos contra as pessoas de origem africana, com o objetivo exclu-
sivo de garantir seus privilégios.” (SILVA, 2001, p. 76).
Ao discutirmos estas questões, as ações afirmativas foram lembradas
enquanto medidas criadas como reconhecimento de uma dívida social que a
população brasileira tem para com os descendentes de africanos, dos quais tudo
112 se tirou e depois foram abandonados à própria sorte em decorrência do fim do
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: UM CURSO QUE DEU NOVO RUMO...

sistema escravista. Políticas públicas não foram adotadas naquela época para
integrar o negro à sociedade, exigindo, da sociedade contemporânea com rela-
ção aos direitos humanos, o reconhecimento de tal dívida.
Ainda durante o curso, como propõe a educação anti-racista, trabalha-
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mos com os artigos presentes na Constituição Federal que prevêem o crime de


racismo. Foi solicitada aos cursistas a elaboração de um plano de aula envolvendo
um trabalho pedagógico com tais artigos. Este plano de aula a que estou me refe-
rindo foi posteriormente adaptado por mim e aplicado em sala de aula com o
objetivo de proporcionar ao aluno afro-descendente o conhecimento das leis que o
protegem e ao aluno branco com propensão à discriminação, a racismo ou a
preconceito, o alerta sobre as conseqüências que tais práticas podem acarretar.
A questão dos estereótipos também foi discutida, pois, “No cotidiano
escolar, a educação anti-racista visa à erradicação do preconceito, das discrimi-
nações e de tratamentos diferenciados. Nela, estereótipos e idéias preconcebi-
das, estejam onde estiverem [...] precisam ser duramente criticados e banidos.”
(CAVALLEIRO, 2001, p.150). Assim, foi nos sugerido que analisássemos alguns
livros didáticos verificando se nestes havia a presença de estereótipos e se a
diversidade humana estava ou não neles contemplada. Para esse trabalho, foi nos
fornecida uma ficha na qual tínhamos que pontuar, de acordo com a incidência
ou não, as representações presentes no livro relativas a raça, a gênero, a classe e
a orientação sexual. Esse cuidado foi tomado, pois, conforme bem nos ensina
Cavalleiro, “A utilização de material pedagógico ou de apoio que não contemple
a diversidade dos alunos e alunas presentes na escola também colabora para
reforçar a percepção de que em nossa sociedade determinado grupo é mais
valorizado.” (Idem, p. 153). Esse trabalho desenvolvido durante o curso “Forma-
ção de Professores e Diversidade Étnico-Racial” forneceu-me subsídio para que,
quando da escolha do livro didático, eu possa optar por aqueles que contem-
plem a diversidade humana, possibilitando assim, a meus alunos, um material
que lhes sirva como referencial positivo na construção de sua auto-imagem e de
seu auto-conceito, condições estas imprescindíveis para uma aprendizagem mais
significativa, já que “[...] aprendemos mais e melhor quando emocionalmente
estamos preparados para isso.” (ROMÃO, 2001, p.175)
Ao manifestar o desejo de que todos os profissionais de educação
pudessem participar de cursos semelhantes a esse, faço-o em função de reconhe-
cer o quanto este curso influenciou no aperfeiçoamento, não somente de minha
113 prática pedagógica, mas também de modo pessoal, na forma de enxergar a pro-
Rosani Clair da Cruz Reis

blemática que envolve as relações étnico-raciais, principalmente quanto aos con-


flitos presentes na sociedade, motivados por características fenotípicas. Outro
benefício que me foi proporcionado pelo curso diz respeito ao reconhecimento
de minha afro-descendência, condição esta que, embora dela soubesse, não des-
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pertava para o interesse de conhecer a história de meus antepassados.


Durante o curso estávamos sempre sendo levados a refletir sobre nossas
representações e sobre a forma como víamos o outro. Aconteceram momentos
perturbadores, motivados por depoimentos surpreendentes, por meio dos quais os
depoentes se permitiam manifestar sentimentos há muito escondidos, bem guarda-
dos. E, ao manifestarem-se, tinham a possibilidade de refletir sobre situações, so-
bre representações e sobre crenças que sempre os acompanharam. Experiências
como estas são essenciais na formação de professores, pois, conforme bem nos
ensina Gomes & Silva, o profissional da educação deve ser entendido
[...] enquanto sujeito sócio-cultural, ou seja, aquele que atribui sentido e signifi-
cado à sua existência, a partir de referências pessoais e coletivas, simbólicas e
materiais e que se encontra inserido em vários processos socializadores e forma-
dores que extrapolam a instituição escolar. Muitas vezes, esses processos apre-
sentam-se como referência e orientação para a prática docente mais do que
aqueles que acontecem pela via institucional. (GOMES & SILVA, 2002, p. 21).

Ou seja, antes de sermos professores, somos sujeitos históricos, com uma


identidade construída, conforme nos lembra Berger (1983, p. 228), por meio das
interações sociais que estabelecemos no decorrer de nossas vidas. A prática pedagó-
gica é fortemente influenciada pelas crenças e pelas percepções que o professor foi
subjetivamente construindo desde seu nascimento até o momento em que passa a
atuar enquanto profissional da educação, motivo pelo qual ele deve ser levado a
refletir sobre o modo como enxerga o mundo e as outras pessoas. Nesse sentido,
Gomes e Silva enfatizam a importância que se deve dar durante a formação docente,
propiciando “[...] espaços de interação entre as dimensões da vida pessoal e profis-
sional.” (Idem) As autoras dizem ainda que, por meio dessas interações:
[...] podemos construir práticas pedagógicas que incentivem os/as professores/as
a assumir responsavelmente sua formação, dando-lhes um sentido não somente
para sua vida particular, mas também para o grupo profissional a que pertencem,
e igualmente para as comunidades junto às quais desenvolvem seu trabalho. (GO-
MES & SILVA, 2002, p. 21).

Para Ferreira, “Tornar-se professor não é apenar terminar o curso de


114 graduação. É necessário refletir criticamente sobre o significado de ser professor
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: UM CURSO QUE DEU NOVO RUMO...

no contexto onde este professor irá trabalhar ou está trabalhando.” (FERREIRA,


2006, p. 39). A autora lembra ainda que “A forma como os professores ensinam
será uma influência nas oportunidades futuras de vida dos alunos.” (Idem).
Outra questão bastante discutida durante o curso diz respeito ao “dar
voz aos alunos”. Essa preocupação, evidenciada por Ferreira durante o curso
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ministrado, é observada também em seu livro (FERREIRA, 2006, p. 40), quando


ela diz que “Os professores podem refletir e propiciar uma oportunidade para os
aprendizes participarem em discussões que os ajudem a prepará-los como cida-
dãos. Os alunos necessitam de ajuda para aprender a argumentar, a respeitar as
idéias dos outros [...]”. Com relação a este aspecto, o livro didático foi lembrado
durante o curso como um instrumento utilizado, muitas vezes, para silenciar o
aluno, composto por folhas cheias de exercícios para serem preenchidos num
curto espaço de tempo, não sobrando tempo para discussões, por meio das
quais o aluno poderia tornar-se um ser mais reflexivo e crítico.
Parece-me que todos os temas abordados durante o curso “Formação de
Professores e Diversidade Étnico-Racial” apontam para a pedagogia crítica, a qual
se preocupa em formar alunos conscientes de seu papel no mundo enquanto sujei-
tos transformadores e, ao mesmo tempo, sujeitos sócio-históricos influenciados
por questões subjetivas, como pertencimento étnico-racial, classe, gênero e orien-
tação sexual. Concordo com as palavras de Ferreira quando ela menciona que:
[...] pessoas não nascem com conhecimento de conceitos como ensino crítico e
reflexivo. Tais conhecimentos têm de ser ensinados, refletidos e desafiados, e as
escolas e as universidades são os melhores lugares para que tal conhecimento seja
discutido e disseminado. (FERREIRA, 2006, p. 40).

Penso que o sistema educacional somente deixará de ser um “elemento


excepcionalmente importante na manutenção das relações existentes de domina-
ção e exploração” (APPLE, 2002, p. 26) quando aos professores for oportunizada
uma formação que os habilite a conduzir sua prática pedagógica de modo refle-
xivo e, portanto, de modo transformador. Esta orientação foi uma constante du-
rante o curso “Formação de Professores e Diversidade Étnico-Racial”.

NOTAS
NOT

1
Este artigo foi produzido como reflexão acerca do curso “Formação de Professores e Diversidade
Étnico-Racial” de que ela participou em 2005.
2
Rosani Clair da Cruz Reis: Possui graduação em Letras Português/Inglês pela Universidade Esta-
115 dual do Oeste do Paraná (1996), especialização em Didática e Metodologia do Ensino de Língua
Rosani Clair da Cruz Reis

Portuguesa – Teoria & Prática, pela Universidade Norte do Paraná (2002) e Mestre em Letras, na área
de concentração “Linguagem e Sociedade”, no qual desenvolve pesquisa relacionada às relações étnico-
raciais no contexto escolar, dentro da linha de pesquisa “Linguagem e Ensino”. Rosani é professora da
rede pública estadual de ensino da cidade de Cascavel e ministrou, entre 2006 e 2007, o curso “A Lei
Federal n.10.639/2003 no Contexto Escolar”, promovido pelo Mestrado em Letras e Núcleo Sindical da
APP naquele município. No PEAB, em 2006, a profa. Rosani ofereceu a oficina “O Uso de Narrativas na
Abordagem Étnico-Racial” e, em 2007, apresentou seminário discutindo sobre as diversas abordagens
FERREIRA. Aparecida de Jesus (Org). PEAB – Projeto de Estudos Afro-Brasileiros: contexto,
pesquisas e relatos de experiências. Cascavel: Unioeste, 2008. ISBN: 978-85-7644-120-5

nas quais os professores se podem fundamentar para a aplicação da Lei Federal nº 10.639/2003.

REFERÊNCIAS

APPLE, Michael W. Educação e poder


poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade
realidade. 11. ed.
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1983.
CAVALLEIRO, Eliane. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo
melhor. In: Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São
Paulo: Summus, 2001.
FERREIRA, Aparecida de Jesus. Formação de professores raça/etnia: reflexões e
sugestões de materiais de ensino. Cascavel: Coluna do Saber, 2006.
GOMES, Nilma Lino; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. O desafio da diversidade.
In: Experiências étnico-culturais para a formação de professores
professores. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
SILVA, Maria Aparecida (Cidinha) da. Formação de educadores/as para o combate ao
racismo: mais uma tarefa essencial. In: Racismo e anti-racismo na educação:
repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.
ROMÃO, Jeruse. O educador, a educação e a construção de uma auto-estima positiva
no educando negro. In: Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa
escola. São Paulo: Summus, 2001.

116
“Solaris”, de Marcelo Marcio de Oliveira

A imagem que ilustra a capa deste livro é de autoria do artista plástico


Marcelo Marcio de Oliveira. Sua formação inclui a oficina de Gravura em
Metal, promovida pela Universidade Federal do Paraná e o Curso de Dese-
nho e Pintura, promovido pelo Ateliê Respirando Arte, de Cascavel. Seus
interesses são bastante diversificados e incluem artes plásticas, fotogra-
fia, cinema, televisão, design e literatura. O diálogo constante entre estas
diversas artes é uma característica que marca sua obra.

A obra original foi fotografada e modificada por meio do software Adobe


Photoshop, exclusivamente para fins editoriais.

Os direitos de uso da imagem desta produção artística foram cedidos pelo


autor, de acordo com convênio assinado entre a Universidade Estadual do
Oeste do Paraná e a Associação de Artistas Plásticos de Cascavel.

Endereço eletrônico de
Marcelo Marcio de Oliveira
marcelom@pop.com.br
Página na internet:
www.marcelom.pop.com.br

Informações sobre a AAPLAC -


Associação de Artistas Plásticos de Cascavel
http://aaplac.cjb.net
www.aaplac.com

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