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DIREITO E DEMOCRACIA 92420-280 - Canoas/RS
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Luís Luisi (ULBRA e UNICRUZ)
Luiz Carlos Lopes Moreira (ULBRA)
Vladimir Passos de Freitas (UFPR)
Artigos
257 Sistema jurídico brasileiro de controle da poluição das águas subterrâ-
neas ~ Vladimir Passos de Freitas
275 O emprego de artefatos explosivos, seus malefícios e a necessidade de
modificação. da norma penal ~ Miguel Gnigler e Felipe Martins de
Azevedo.
281 Entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal: por
uma negociação de fronteiras, navegando pela prescrição da medida
sócio-educativa ~ Jayme Weingartner Neto.
309 O Estatuto da Cidade e a construção de cidades sustentáveis, justas e
democráticas ~ Betânia Alfonsin
319 Considerações sobre a tutela de urgência no Juizado Especial Federal ~
Rosanne Gay Cunha.
333 O indíviduo enquanto sujeito ativo de Direito Internacional ~
Danielle Annoni.
353 A política externa e de segurança comum da União Européia: ficção ou
realidade? ~ Luiz Carlos Lopes Moreira.
367 Derechos humanos y globalizacion ~ Felipe Gomez Isa.
383 A homossexualidade e a discriminação por orientação sexual no direito
brasileiro ~ Roger Raupp Rios.
409 Da politicidade do Poder Judiciário ~ Plauto Faraco de Azevedo.
425 A teoria dos princípios de Ronald Dworkin ~ Ricardo Libel Waldman.
449 Situações subjetivas e processo ~ José Maria Rosa Tesheiner.
Documento Histórico
457 Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (2000).
RESUMO
Considerando a regulação estabelecida pela Constituição Federal e pela Lei nº
9.433/97, o autor analisa o tratamento jurídico dispensado ao controle da po-
luição das águas subterrâneas, destacando a jurisprudência, a importância das
Organizações Não Governamentais (ONGs) e os efeitos das decisões nas
esferas administrativa, civil e penal.
Palavras-chave: Águas subterrâneas, Meio ambiente, Responsabilidade civil,
Direito penal.
ABSTRACT
By taking account of the regulation established by Brazilian Federal Government
and by the Law no. 9.433/97, the author analyzes the juridical handling of
groundwater pollution control. The paper emphasizes the jurisprudence, the
importance of Non-Governmental Agencies and the effects of the decisions
taken in administrative, civil and penal spheres.
Key words: Groundwater, environment, civil liability, Penal Law.
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
Democracia 2º sem. 2001 p.257-273
257
INTRODUÇÃO
A poluição das águas, há poucas décadas passadas, não era motivo de
preocupação para a sociedade brasileira. Afinal, crescemos ouvindo dizer
que o Brasil possuía os maiores rios do mundo. A água jorrava em abun-
dância na maioria absoluta das cidades. Apenas na região Nordeste a
seca afligia os habitantes e originava a migração das populações locais
para os grandes centros.
Sendo poucos os problemas, poucos eram também os estudos jurídicos
sobre o tema. Os civilistas comentavam os artigos 563 a 568 do Código
Civil que dispunham sobre a matéria. Com a promulgação do Código de
Águas (Decreto 24.643, de 10.07.1934), alguns doutrinadores dedica-
ram-se ao estudo do tema (Pádua Nunes, 1980). Todavia, repito, sem que
ao assunto se desse a importância merecida. Na maioria dos casos as dis-
cussões acabavam ficando restritas a questões de vizinhança.
Foi na década de setenta, com o incremento da industrialização do
país, que surgiram os primeiros casos. A poluição de rios suscitava senti-
mentos de revolta e aceitação, esta por força da crença na necessidade
de gerar empregos. Na incipiente legislação então existente, procuravam
os Promotores Públicos cercear a atividade poluidora através de ações
criminais, fundadas no art. 271 do Código Penal (corrupção ou poluição
de água potável). Não havia a Lei da Ação Pública e a Constituição
vigente era a de 1967. Todavia, as ações penais enfrentavam dificuldades
em razão de discutir-se sobre a potabilidade da água, ou seja, se ela não
fosse potável não haveria delito, conforme antiga decisão da Corte pau-
lista (Tribunal de Justiça de São Paulo, in Revista dos Tribunais v. 238, p.
72). Com o tempo a discussão persistiu, ora entendendo haver o delito
(Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Ap. Crim. 587.623/1, j.
09.11.1989), ora concluindo pela absolvição (Tribunal de Alçada do Rio
Grande do Sul, Ap. Crim. 297010860, j. 12.06.1997).
Foi na década de oitenta, não através da via penal mas sim por meio
de ações civis públicas que o quadro passou a mudar. Com efeito, a Lei
7.347, de 24.07. 1985 veio a alterar completamente a proteção ambiental.
O Ministério Público, que detinha legitimidade para propor ações desde
a edição da Lei 6.938, de 31.08.1981 (art. 14, par. 1°), passou a ter a
necessária trilha processual. E a adotou com muito sucesso. Inúmeras
ações e conseqüentes condenações se sucederam. Por exemplo, julgando
procedente ação contra indústria que lançava poluentes em rio sem tra-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Humberto José. Legislação ignora exploração subterrânea. Jornal A
Gazeta Mercantil, C. Relatório, 19.11.1998.
CARVALHO, Afrânio. Águas interiores, suas margens, ilhas e servidões. São Paulo:
Saraiva, 1986.
LOBO, Mário Tavarela. Águas. Titularidade do domínio hídrico. Coimbra: Coimbra Ed.
Ltda., 1985.
PÁDUA NUNES, Antônio. Código de Águas. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, 1980.
MIGUEL L GNIGLER
FELIPE MARTINS DE AZEVEDO
Promotores de Justiça em SC
RESUMO
O artigo analisa os malefícios do emprego de artefatos explosivos, propondo a
necessidade de modificação da Lei nº 9.437/97.
Palavras-chave: Artefatos explosivos, Direito Penal, Lei nº 9.437/97.
ABSTRACT
The article analyses the employment of explosives and proposes the alteration
of Brazilian Law no. 9437/97.
Key words: Explosives, Penal Law, Brazilian Law.
Art. 10.
(...)
§ 4° - Quando se tratar de posse, detenção, fabrico, emprego e
deflagração perigosa de artefato explosivo e/ou incendiário do tipo
foguete, fogos de artifício ou assemelhados com carga explosiva
superior aos índices permitidos.
As referências literárias pretendem resgatar um dos tipos de racionalidade moderna, talvez o mais esquecido
1
em nosso campo de atuação, a racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura, acanhada diante
da racionalidade moral-prática do Direito e esmagada pela cognitivo-instrumental das ciências. A classi-
ficação, partindo de conceitos weberianos, encontra-se em Santos, 1999, p. 193.
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
Democracia 2º sem. 2001 p.281-308
281
S.S.L, 15 anos de idade, adolescente fragilizada, de família
pobre, envolvida em inúmeros atos infracionais (pouco gra-
ves) na Comarca de Cachoeira do Sul. Preta, drogada e pros-
tituída. Sentença recente (24 de março de 2002, Processo n°
3511-349/01), após analisar as provas dos autos e convencer-
se da inarredável necessidade de intervenção estatal para dar
efetividade à proteção integral da adolescente, julgou proce-
dentes as representações contra S.S.L e aplicou-lhe medida
sócio-educativa de liberdade assistida, bem como medida de
proteção consistente em freqüência obrigatória em estabeleci-
mento de ensino fundamental, além de programa para trata-
mento de desintoxicação. E, com fundamento no art. 129,
incisos II a VI, da Lei 8.069/90, submeteu os pais da adoles-
cente a programas específicos de orientação psicológica e tra-
tamento de alcoolismo e freqüência obrigatória a cursos de
orientação, além de adverti-los quanto à persistência da omis-
são e descumprimento das medidas impostas.
RESUMO
Após analisar os argumentos das duas correntes opostas que, em síntese, diver-
gem acerca da prescrição do ato infracional, assim como da natureza jurídica
das medidas sócio-educativas, o artigo apresenta proposta de mediação entre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal, salientando a concor-
dância prática dos princípios em tensão.
Palavras-chave: Prescrição, medida sócio-educativa, concordância prática
ECA-CP.
ABSTRACT
After examining the arguments of two opposing views which diverge about the
prescription of infraction acts, as well as about the juridical nature of socio-
educational measures, the article presents a proposal of mediation between the
Child and Adolescence Act and the Penal Code in Brazilian system, emphasizing
the practical agreement of the opposed principles.
Key words: Prescription, socio-educational measures, practical agreements.
2
Boa parte da doutrina específica, mesmo comentários ao ECA, tangencia ou omite a questão. As obras
indicadas na bibliografia e não citadas no corpo do texto enquadram-se nesta situação.
3
“Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me
tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena? Talvez que a saudade
de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. (...) Sou todas essas coisas, embora
o não queira, no fundo confuso de minha sensibilidade fatal.” (Pessoa, 2002, p. 66).
que, em se tratando de menor inimputável, o Estado não tem pretensão punitiva, mas tão-somente
pretensão educativa. Assim as medidas sócio-educativas no art. 112 do ECA não se revestem da mesma
natureza jurídica das penas restritivas de direito, em razão do que não se lhes aplicam as disposições
previstas na lei processual penal relativas à prescrição (Resp 270.181 – SC. Rel. Min Vicente Leal, j. 2/4/
2002). Nesta esteira: Recurso ordinário em HC n° 7698/MG, 6ª Turma do STJ. Rel. Vicente Leal . j.
18.8.1998 – www.stj.org.br). Nesse mesmo sentido, é o entendimento dos Tribunais do Rio Grande do Sul,
Paraná e de Minas Gerais: “ATO INFRACIONAL Inaplicabilidade do instituto aos procedimentos
infracionais. A prescrição atinge a pena e não a medida sócio-educativa. O caráter expiatório da medida
de prestação de serviços à comunidade tem um marcante alcance terapêutico e será útil à formação do
adolescente pois mostrará a ele, de forma indelével, a reprovabilidade social que pesa sobre a conduta
irresponsável e imprudente que desenvolveu causando lesões corporais” (Biblioteca dos Direitos da
Criança ABMP – Jurisprudência – Vol. 1/97. AC 596122382, TJRS, 7ª C. Civ, Rel Juiz de Alçada Sérgio
Fernando de Vasconcelos Chaves, vu, 04/12/96). Cf. Apelação Cível n° 70003379427, 7ª Câmara Cível do
TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, vu, 28/11/2001; Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP
– Jurisprudência - Vol 01/97. AI 94.0001469-4 – TJPR. Conselho de Magistratura, Rel. Des. Tadeu Costa,
vu 21/11/94.
5
NASCIMENTO, Adilson de Oliveira. Impossibilidade de Prescrição da Medida Sócio-educativa: solução jurídica.
www.direitopenal.adv.br/artigo5). Neste caminho: Ação Sócio-educativa – Infrator que completa 18 anos –
Extinção da ação – Há possibilidade de extinção e arquivamento da ação sócio-educativa, em caso de já
ter o adolescente completado 18 anos e estar respondendo a processo criminal, porém, somente quando já
houver condenação criminal e nas hipóteses de prisão preventiva decretada (Ementários dos posicionamentos
do Conselho de Procuradores e Promotores da Infância e da Juventude – CONPPIJ, do Ministério Público
do RS).
6
Trata-se de óbvia constatação, em face de preceitos legais: artigos 228 da Constituição Federal, 27 do Código
Penal e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
7
No horizonte, todavia, de controle social, são paisagens diferentes. As respostas sancionatórias elencadas têm
lógicas diversas, pena de dissolverem-se os campos específicos e só restar, aos defensores da tese, uma
inviável absorção, pelo direito penal, como metanorma, das respectivas prescrições.
8
Já o são, ao menos no que tange ao processo de conhecimento, “ex vi” dos artigos 110 e 111 do ECA. Idem,
em relação à conduta infracional propriamente dita (art. 103 do ECA). Essa também a percepção de
Leoberto Brancher, justamente pugnando contra a ausência de legalidade que macula a execução de
medida sócio-educativa: “como atividade estatal coercitiva, muitas vezes mais rigorosa, e no mais das
vezes mais arbitrária com os adolescentes do que com adultos, é inadmissível que, ao contrário do que
já ocorre desde a Lei 8.069/90 com o processo de conhecimento, a execução sócio-educativa se proceda
sem as garantias da legalidade expressas pela norma prévia, escrita, estrita e certa” (Proposta de lei de
Diretrizes Sócio-Educativas, ABMP, junho de 2001). O problema, bem vistas as coisas, não é de
legalidade, e sim de lacuna. Tanto que os próceres da prescrição, como segue no texto, apresentam
sugestões “de lege ferenda”.
9
Conforme SARAIVA, 1999. O autor comungava do entendimento.
10
“Art. 5° - A medida sócio-educativa não comporta prescrição. § 1° – Em razão do decurso do tempo entre a
conduta infracional e o momento do início e reinício do cumprimento da medida sócio-educativa, poderá
o juiz da execução, ouvido o Defensor e o Ministério Público, mediante decisão fundamentada declarar
sua extinção em razão da perda do objeto sócio-educativo. § 2° – O disposto no parágrafo anterior também
se aplica a procedimentos ainda em curso, que em tal caso serão declarados extintos sem a análise de seu
mérito”. A origem do trabalho remonta ao 18° Congresso da ABMP (Gramado, RS) 14/17 de novembro de
1999, que culminou num grupo de trabalho (do qual participaram, do RS, Saraiva e a Promotora de Justiça
Eleonora Machado Poglia) que consignou, na apresentação do texto, expresso reconhecimento ao Des.
Amaral e Silva. O conceito, indeterminado, de “perda do objeto sócio-educativo” representa evidente
recuo da tese prescricional. Harmonizado com tendência do pensamento jurídico contemporâneo, preci-
sará ser densificado por doutrina e jurisprudência, em busca de coerência dogmática e segurança jurídica.
Deixa em aberto a possibilidade de, afirmada a subsistência do objeto sócio-educativo, aplicar-se medida
sócio-educativa para fato que, em relação a adulto, estaria prescrito.
11
Não é possível, na ótica da investigação, partilhar tal visão “essencialista”. Ora, justamente a peculiar condição
subjetiva do sujeito ativo – que integra qualquer “essência” ou conteúdo material do ato humano infracional
– determinou a clivagem disciplinar e a autonomia, seja do Direito Penal Juvenil, seja, num ulterior
desenvolvimento, do próprio Direito da Criança e do Adolescente. Pior, assimilado tal argumento, serviria
para provar, “a contrario”, que seria axiologicamente possível punir – com igual severidade – adultos e
adolescentes. A substância do Direito Penal Juvenil, diversa do Direito Penal comum, não era desconsiderada
sequer por uma legislação ainda parcialmente medieval. Confira-se a “modernidade” inscrita no famigerado
Livro V das Ordenações do Reino: “... E se for de idade de dezessete anos até vinte, ficará em arbítrio dos
julgadores dar-lhe pena total ou diminui-lha. E neste caso olhará o julgador o modo com que o delito foi
cometido e as circunstâncias dele e a pessoa do menor; e se achar em tanta malícia que lhe pareça que merece
total pena, dar-lha-á, posto seja de morte natural. E parecendo-lhe que a não merece poder-lhe-á diminuir
segundo a qualidade ou simpleza com que achar que o delito foi cometido. E quando o delinqüente for menor
de dezessete anos cumpridos, posto que o delito mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas
ficará ao arbítrio dos julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delito em que caiba pena de morte
natural, se guardará a disposição do direito comum” (Lara, 1999, pp. 479-480).
ESTAUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. REMISSÃO. PRESCRIÇÃO.
12
13
“As medidas que se aplicam aos menores que realizam condutas típicas não são penas. A pena tem por objetivo
a prevenção especial, como meio de prover a tutela dos bens jurídicos. De sua parte, o direito penal do menor
pretende tutelar, em primeiro lugar, o próprio menor. O direito penal do menor pretende ter caráter tutelar
porque o menor é um ser humano em inferioridade de condições, devido a seu incompleto desenvolvimento
físico, intelectual e afetivo. Trata-se, pois, de um direito que aspira ser formador do homem. (...) O direito
penal do menor, ao contrário, não pode contentar-se com uma imagem imperfeita do homem, porque
geralmente é chamado a atuar diante do fracasso de uma instituição social básica: a família. Quando um pai
educa seu filho, não se orienta somente pela imagem do homem não-delinqüente; impõe-se que pretenda
para ele algo mais. Por isso, o direito penal do menor deve necessariamente aspirar a ser formador do homem
e isto coloca uma problemática inteiramente diferente à do direito penal. Um direito penal formador seria um
direito penal totalitário, enquanto um direito penal do menor que não seja formador não lograria cumprir a
sua tarefa” (Zaffaroni/Pierangelli, 1997). Mesmo um autor como Jakobs, que tantas concessões faz ao sistema
social, em seu funcionalismo jurídico-penal, ao discorrer sobre modelos recentes que legitimam a sanção
penal em teorias relativas, sinala as limitações jurídicas da prevenção especial. “O Estado não está legitimado
para regular a disposição moral dos cidadãos, senão que há de se conformar com a obediência externa do
Direito (relegalização). Não é meta da prevenção especial criar um membro útil à sociedade, senão facilitar
ao autor comportar-se conforme a lei” (Jakobs, 1997, pp. 33-34).
14
“Todas estas doutrinas se irmanam, todavia, no propósito de lograr a reinserção social (ou talvez melhor: a
inserção social, porque pode tratar-se de alguém que foi desde sempre um de-socializado) do delinqüente
e merecem, nesta medida, que elas se considerem como doutrinas da prevenção especial positiva ou de
socialização” (Dias/Andrade, 1996, p. 89).
15
“Pena é a perda de bens jurídicos imposta pelo órgão da justiça a quem comete crime. Trata-se da sanção
característica do direito penal, em sua essência retributiva. A sanção penal é em essência retributiva
porque opera causando um mal ao transgressor” (Fragoso, 1985, p. 292). Tais considerações, convém
lembrar, não são novidade. Já em maio de 1983, no item 23 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral
do Código Penal , ao defender-se a manutenção da inimputabilidade ao menor de 18 anos, gizava-se que
a opção apoiara-se em critério de Política Criminal. “Os que preconizam a redução do limite, sob a
justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não conside-
ram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que
não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à
educação, não à pena criminal” (Código Penal, p. 08).
16
Desde logo, porque “se de um lado, a ação delituosa constitui, de fato, ao menos como regra, o mais grave ataque
que o indivíduo desfere contra os bens sociais máximos tutelados pelo Estado, por outro lado, a sanção
criminal, também por sua natureza, dá corpo à mais aguda e penetrante intervenção do Estado na esfera
individual” (Pallazzo, 1989). E, mesmo assim, os crimes prescrevem, e “por razões de natureza jurídico-penal
substantiva (...) Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega
mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências da prevenção especial, porventura
muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo
falhar completamente os seus objetivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e
mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já
ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de
socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista
da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento
de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafática das expecta-
tivas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustadas” (Dias, 1993, pp. 698-699).
17
Pode ser comparada ao artigo 75 do Código Penal, que estabelece que “o tempo de cumprimento das penas
privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos”.
18
O que não é, modo algum, incoerente. Interna-se, após os 18 anos, como “ultima ratio”, medida escorada em
expresso preceito legal e considerando de prevenção especial. Naturalmente, a intervenção é restrita à
medida mais gravosa (internação), até por questão de proporcionalidade. Uma advertência, por exemplo,
ou seria desnecessária ou insuficiente.
19
Repele-se, para que não fiquem dúvidas, a concepção ôntica, que identifica crime/contravenção (e, agora, ato
infracional), apenas reconhecendo diferenças nas sanções. A doutrina e a experiência européias, em
sentido oposto, avançaram (desde a década de 50 na Alemanha) com a supressão da categoria (penal) das
contra-ordenações (ao considerar o domínio ético-social neutro destas infrações), substituindo este
Direito Penal Administrativo, por um direito administrativo sancionador, de mera ordenação social,
plasmado nas contravenções. Hoje, “o ponto mais importante a assinalar ainda neste contexto é o de que,
de uma perspectiva político-criminal, a persistência da categoria penal das contravenções, a par de um
ilícito de mera ordenação social legalmente institucionalizado, é contraditória e sem sentido: ou um
comportamento possui dignidade punitiva e deve constituir um crime, pertença este ao direito penal
primário, ou antes ao secundário; ou não possui e deve ser descriminalizado e passar eventualmente a
constituir uma contra-ordenação, punível com uma coima. E além de político-criminalmente contraditó-
ria e sem sentido, pode a persistência da dualidade acabar por conduzir ao aniquilamento prático da
categoria das contra-ordenações, se o legislador continuar no futuro a deixar-se seduzir pelo vício da
hiper-criminalização, criando novas contravenções (Dias/Andrade, 1992, p. 144).
20
“Essa consideração se tem afirmado como uma reação lógica ante os abusos do critério tutelar e levado a uma
maior ‘juridicização’ do direito do menor comparado dos últimos anos” (Zaffaroni /Pierangelli, 1997, p. 146).
O problema, aqui, comporta diferente matiz. As diretrizes internacionais do Direito Juvenil vêm plasmando
“um modelo misto de justiça penal juvenil em que se combinam aspectos dos sistemas educativo ou de bem
estar com os precedentes do sistema judiciário e que reflete em boa medida as notas características do
denominado modelo dos ‘4D’, de procedência norte-americana: descriminalização, desinstitucionalização,
diversão e devido processo” (Garcia-Pérez, 2001, p. 173). Quanto à desjudiciarização (diversion), ampara-se
em dois fundamentos: “por um lado a necessidade de evitar a estigmatização do infrator por meio de processo
penal e das sanções a eles impostas, pois isso contribui a criar e fortalecer a criminalidade em vez de evitá-la,
como se sabe desde a teoria do etiquetamento; por outro, a necessidade de descongestionar uma Adminis-
tração da Justiça sobrecarregada de trabalho” (idem, p. 175). Há tensão entre a concepção do Estado de
Direito (segurança jurídica via formalização) e a desjudiciarização, que implica a substituição da intervenção
penal juvenil formal por outra, de índole informal, que entra “em aberta contradição com um dos princípios
básicos do Direito Penal Juvenil: o respeito as garantias processuais essenciais” (idem, p. 192). Duas palavras,
com olhos na questão prescricional. O instituto, em si, não tem qualquer base “divertida”. Segundo, é
possível conciliar a manutenção do procedimento para a apuração de ato infracional (hoje, no Brasil, crivado
pelo devido processo legal), esvaziado de conteúdo aflitivo, com uma política “divertida”, tendo em vista o
grande filtro que se opera, no sistema positivo brasileiro, por meio da remissão (arts. 126 a 128 do ECA), a
indicar que, num funcionamento adequado, apenas as situações mais problemáticas (os “hard cases” – não
necessariamente os atos infracionais mais graves) ultrapassam a compota da necessidade de tutela jurisdicional.
Não fulminar o processo infracional, pois, não colide com um programa de diversão, pressuposto, como é lícito,
que a desjudiciarização (conceito reflexivo) depende de uma área de reserva para a judiciarização, em que
é preciso intervir. Tais argumentos confirmam-se na prática de 10 anos de Promotoria da Infância e da
Juventude de um dos autores e em dados empíricos obtidos em Cachoeira do Sul, como se vê de levantamento
(intervalo 1997-2001) realizado junto à Promotoria da Infância e da Juventude de Cachoeira do Sul (RS)
pelos acadêmicos de Direito Tiago Nunes Port e Vinícius Diniz Vizzotto. Com base nos relatórios oficiais
remetidos (trimestrais) à Corregedoria do Ministério Público (RS) e nos mapas estatísticos do respectivo
Juizado, percebe-se que as representações (efetivo desencadear de prossecução por ato infracional) ficam em
torno de um terço das ocorrências registradas nas delegacias de polícia da comarca.
Ano 2001
60% 54%
50%
37%
40% Remissão
30% Representações
20% Arquivamentos
9%
10%
0%
Não pelo âmbito das normas tratadas, senão que pela espe-
cial classe do autor, o direito penal juvenil converte-se num
campo autônomo de direito. Trata dos delitos dos jovens (de
14 a 18 anos) e suas conseqüências (só parcialmente pe-
nais) (...) contém preceitos especiais de direito material,
processual, de dosimetria da pena e penitenciária para jo-
vens menores (...), e, portanto, aos efeitos de sistemática
jurídica, deve enquadrar-se parcialmente em todas as disci-
plinas antes indicadas (...) O direito penal moderno não é
imaginável sem uma constante e estreita colaboração de to-
das as disciplinas parciais da ‘ciência do direito penal’21.
21
Roxin, 1997, pp. 46-47. Reparem-se nas ressalvas: “só parcialmente penais”, “enquadrar-se parcialmente em todas
as disciplinas”. Ao revés, os corifeus da prescrição pura e simples operam como se estivessem a aplicar uma
regra (que não existe, é preciso que se repita), na lógica do tudo ou nada, sequer tentando a integração
parcial – no caso, da prescrição no sub-sistema do ato infracional, cujos princípios informadores (que devem
ser otimizados) estão, por óbvio, no ECA e não no CP. Se bem que, numa estratégia de despenalização, uma
das vias hoje apontadas é a adoção de novos critérios objetivos (a redução de fatos tipificados como delitos)
para a configuração do ato infracional (dos pressupostos materiais do Direito Penal Juvenil), por dupla via: “o
estabelecimento de um catálogo mais restrito dos tipos penal e a introdução de eximentes específicas”
(Garcia-Pérez, 2001, p. 180). A intervenção penal deve ser excepcional, pois muitas infrações juvenis têm um
“caráter episódico e não constituem um sintoma da existência de um déficit educativo. Neste sentido deverá
se configurar como causa de exclusão da sanção penal a adoção de medidas por parte dos grupos primários
encarregados dos menores (família, escola, etc) e a reparação do dano” (idem, pp. 202/203).
22
“Na medida em que há um tratamento especial para os não adultos, recentemente, como é natural, reforçado
e aberto, há desejos de apresentar ‘formas procedimentais e modos de reação alternativos e informais que
permitam, sem efeito estigmatizador, uma reação mais rápida aos fatos puníveis menores e medianos e às
faltas juvenis, apartando-se do procedimento penal normal previsto no StPO e JGG (desviando-se antes
de chegar a uma solução jurídico-penal: diversão). O aspecto compreende desde a inatividade da polícia
nos casos de bagatela (diversion to nothing) até os programas de educação intensiva” (Jakobs, 1997, p. 17).
23
Confira-se, entre tantos, Jeschek, pp. 43-44. No fundo, discute-se, nesta grelha conceitual, se o Direito Penal
opera através de normas de determinação (à conduta) ou de valoração (do resultado). Ampla análise em
Roxin, 1997, pp. 318-326.
24
Mesmo no exclusivo âmbito penal, uma coisa é a prescrição das penas, outra a prescrição do procedimento
criminal. Ao fulminar-se o procedimento criminal (e a única conseqüência do crime é a aplicação de pena
ou medida de segurança), torna-se impossível, “por essa via, a aplicação de uma qualquer sanção”. Mas
não é disso que se trata no procedimento infracional, que pode culminar com aplicação de medida sócio-
educativa ou de proteção. Acompanhe-se o catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra: “É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constituiu motivo para que
tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob
certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua
reacção”( Dias, 1996, p. 699). E se o fato não deixou de existir, ainda que se possa, com boa razão (pela
incidência do princípio da prescrição), deixar de aplicar medida sócio-educativa, nada autoriza (pelo
contrário) que se não devam apurar suas circunstâncias e providenciar em medidas de proteção.
25
Trindade, 1996, p. 67. “A contraposição estática entre o paradigma abolicionista e o paradigma repressor é
improdutiva do ponto de vista científico e tem levado à oscilação entre indulgência e severidade, que
corresponde, no fundo, ao contraste entre assistência e defesa social” (p. 68).
26
Gizando que a prática de ações puníveis, nas formas menos graves, é um fenômeno normal no desenvolvimento
de muitos jovens (criminalidade juvenil), Jescheck considera, com razão, mais perigosa a “criminalidade
precoce” (na faixa dos jovens entre 14 e 17 anos e jovens adultos entre 18 a 20), “com manifestações de
desamparo e desordem presentes na infância e juventude (assistência irregular na escola, interrupção
prematura da educação , incapacidade para uma atividade profissional duradoura, vida irregular e rápida
sucessão de delitos), que podem representar sintomas de uma disposição criminal. Calcula-se que cons-
tituem em média 15% dos jovens delinqüentes, e se supõe que destes infratores precoces uns 25%
aproximadamente acabam na senda do delito, podendo-se estimar que com 25 a 30 anos serão delinqüen-
tes habituais. O número dos jovens e jovens adultos condenados por delitos graves e menos graves tem
crescido continuamente desde meados da década dos anos 50.” (Jescheck, 1993, pp. 4-5).
27
“(...) o princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o
poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva que se poderia
designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá
ter como meta permanente, promoção, proteção e realização concreta de uma vida com dignidade para
todos, podendo-se sustentar, na esteira da luminosa proposta de Clèmerson Clève, a necessidade de uma
política da dignidade da pessoal humana e dos direitos fundamentais. Com efeito, de acordo com a lição
de Pérez Luño, ‘a dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa
não será objeto de ofensas ou humilhações, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvol-
vimento de cada indivíduo’” (Sarlet, 2001, pp.107-108).
28
O Estado deve acudir em ajuda de qualquer pessoa cuja dignidade resulte ameaçada, com independência da
origem pública ou privada destes perigos (Benda, 1996, p. 120). E tem que fazer frente às ameaças novas,
que surjam no curso de mudanças sociais (p. 126). Certamente, proteger a população ante o crime conta-
se entre as obrigações do Estado (p. 127). Benda refere que a ordem constitucional há que se definir ante
a tensão entre a auto-suficiência do indivíduo e as necessidades, direitos e obrigações que derivam das
circunstâncias atuais da vida em comunidade – a qualidade de uma constituição depende decisivamente
de ofertar recursos para fazer frente com êxito a tais inevitáveis conflitos. Assim, o Tribunal Constitucional
Alemão não vislumbra, na Lei Fundamental, um indivíduo soberano em si mesmo, antes uma pessoa
vinculada à comunidade (p. 119).
29
Hoffmann-Riem (1996, p. 146) fala do “estrato programático da norma fundamental”, a encomendar ao Estado
apoiar, assegurar e consolidar a liberdade ameaçada, o que foi elaborado, em grande medida, a partir “dos
direitos fundamentais da comunicação”, que só é realizável como “liberdade mediante e com os demais”.
30
“...é de destacar-se o dever de os tribunais interpretarem e aplicarem as leis em conformidade com os direitos
fundamentais, assim como o dever de colmatação de eventuais lacunas à luz das normas de direitos
fundamentais, o que alcança, inclusive, a Jurisdição Cível (...)” (Sarlet, 1998, p. 331).
31
De fato, o inciso VII do art. 112 opera como norma de ligação do Título II do Livro II ( das medidas de
proteção) com o respectivo título III (da prática do ato infracional), tudo unificado procedimentalmente.
32
Mesmo a um adulto jovem, entre 18 e 21 anos de idade, que tem a seu favor, prazos prescricionais reduzidos
pela metade (art. 115 do Código Penal).
33
Que só podem jogar a favor do adolescente quando em cotejo com adultos que praticaram condutas semelhantes.
O ENTREPOSTO PROPOSTO
O esforço argumentativo, enfim, pretende ter demonstrado:
a) os adolescentes não devem ser tratados de modo mais seve-
ro que um adulto que tivesse praticado fato semelhante35
– circunstância que aponta para a conveniência da apli-
cação analógica das regras incidentes sobre a prescrição
penal, a fim de atingirem a pretensão do Estado, de impor
medida sócio-educativa, de natureza aflitiva, passado tem-
po além do razoável em que se quedou inerte (e que se
esvai ainda mais rápido para um adolescente);
b) o Estado tem o dever de proteção irrenunciável em rela-
ção a sua pessoa e sua família, do qual não se pode de-
mitir pela mera inércia de autoridades administrativas –
circunstância que indica a necessidade de se manter a
jurisdição da Infância e da Juventude, a fim de que, ao
34
Sem que seja preciso entrar na polêmica acerca da natureza jurídica da prescrição, se é regulada por normas
de natureza substancial ou processual, dominante a teoria mista (Fragoso, 1985, pp. 421-422; Dias, 1993,
pp. 700-701), prevalecendo na jurisprudência a contagem do prazo prescricional como prazo penal, aplican-
do-se-lhe o art. 10 do CP. Isso porque é evidente que o instituto da prescrição não tem caráter procedimental.
35
“Também para a delinqüência juvenil se procuram insistentemente novos caminhos de política criminal que
são, em boa medida, caminhos de descriminalização. Por um lado, parece adquirido que não devem ser
criminalmente punidas as condutas dos menores que não constituiriam crimes se praticadas por adultos.
Por outro lado e sobretudo, aumento o coro dos que reclamam um recurso maior a solução de diversão, ou
mesmo de não intervenção radical, como vias privilegiadas para induzir a conformidade por parte dos
jovens – na linha conhecida reivindicação leave the kids wherever possible (Schur); e em conformidade, de
resto com os ensinamentos da criminologia interaccionista. São, com efeitos, os jovens os que menos
resistência oferecem à eficácia criminógena das reacções criminais, através designadamente da adscrição
duma identidade desviante e da entrada numa carreira delinqüentes” (Dias/Andrade, 1996, p. 431).
36
O que se harmoniza com as bases da mais arejada política-criminal de prevenção do delito. Das oito
apresentadas por García-Pablos, cinco podem ser importadas e aplicadas ao Direito Penal Juvenil: a)
Prevenir significa “intervir na etiologia do problema criminal, neutralizando suas causas”; b) A efetividade
dos programas de prevenção deve ocorrer a médio ou longo prazo. Um programa é tanto mais eficaz quanto
mais se aproxime etiologicamente das causas do conflito em que o delito se exterioriza; c) A prevenção
deve configurar-se, antes de tudo, como prevenção social e comunitária, precisamente porque o crime é
um problema social e comunitário; d) A prevenção implica prestações positivas para neutralizar situações
de desequilíbrio. Só a reestruturação da convivência entre a comunidade e seus membros poderá trazer
resultados satisfatórios para a ordem e para a prevenção do delito; e) A prevenção pressupõe uma
definição mais completa do cenário criminal e dos fatores que interagem, uma estratégia coordenada e
pluridirecional: o infrator não é o único protagonista do sucesso delitivo. Os programas de prevenção
devem orientar-se para todos os elos da comunidade. (Garcia-Pablos de Molina, 1996, pp. 264-265). Para
uma intervenção reabilitadora, há que “conscientizar a sociedade para que assuma a responsabilidade que
a ela corresponde (...) o crime se compreenda nos limites comunitários: como problema nascido na e da
comunidade a que o infrator pertence e segue pertencendo” (idem, pp. 85-86).
37
“Voltava a ver o rosto exageradamente maquiado de sua mãe dizendo ‘você existe porque me descuidei’.
Coragem, sim senhor, coragem é o que lhe havia faltado. Pois, do contrário, ele teria terminado na cloaca.
Mãecloaca (...) – Sempre fui um estorvo. Desde que nasci. Sentia-se como se gases venenosos e fétidos
tivessem sido injetados em sua alma, a milhares de libras de pressão. Sua alma, inchando-se a cada ano
mais perigosamente, já não cabia em seu corpo e ameaçava a qualquer momento lançar jatos de imundície
pelas fissuras. – Grita o tempo todo: Por que me descuidei?” (Sabato, 2002, pp. 16 e 28).
38
O relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa giza a particularidade da jurisdição de
menores, que reúne funções oriundas da justiça penal, da justiça civil etc., sinalando que o recurso a
conceitos fluidos, como perigo, “e o valor programático dos textos normativos, obriga o juiz a construir,
em cada situação, soluções jurídicas que, recorrentemente, reenviam às normas sociais”, a inserir o
trabalho do juiz “numa área mais vasta, que não é meramente jurídica, mas de intervenção social”
(Relatório, s/d, p. 13).
39
Evidente que há adolescentes infratores violentos, mas há exagero na histeria da (in)segurança pública que
assola a pauta nacional. A um, porque o ECA, bem aplicado, tem condições de responder com eficácia
(entre parênteses a limitação da internação em três anos). A dois, porque o que às vezes é apresentado
como “guerrilha urbana” não passa de manifestação cultural própria da fase de desenvolvimento peculiar.
Confira-se Norbert Schindler, 1996, pp. 265-324), que inicia com caso exemplar: o clero protestante de
Schaff (Suíça) reclama energicamente ao Conselho da Cidade contra o vandalismo juvenil – “nas trevas
da noite circulam com tambores, e durante a noite saem lambuzando com fezes humanas as fechaduras das
portas dos pregadores; e mais: cortam árvores de homens probos, a quem custara tanto esforço, dinheiro e
trabalho plantá-las.”. Isso, no ano de 1532! Por outro lado, “estudos da Europa Ocidental e Canadá
demonstram que 50% a 60% da delinqüência juvenil é dirigida a bens materiais (furtos) e apenas 5% dos
casos se dirige exclusivamente contra as pessoas” (Relatório, p. 9).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL E SILVA, Antonio Fernando do. O Mito da Inimputabilidade Penal e o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Rev. ESMESC, n°5.
40
“As mestiçagens nunca são uma panacéia; elas expressam combates jamais ganhos e sempre recomeçados. Mas
fornecem o privilégio de se pertencer a vários mundos numa só vida: Sou um tupi tangendo um alaúde...”
(Gruzinski, 2001, p. 320). Assim o historiador francês termina sua obra, com os mesmos versos de Mário
de Andrade que abrem, em epígrafe, o cap. 1. Na obra, interroga sobre os obstáculos que dificultam nossa
compreensão das mestiçagens. “Alguns são próprios à experiência comum, outros decorrem de hábitos
intelectuais e automatismos de pensamento dos quais as ciências sociais têm por vezes dificuldade em se
livrar.” (p. 19).
41
“Qualquer juiz, não importa a instância em que atue, a fortiori o juiz constitucional, precisa arrimar-se na
técnica jurídica para decidir, com a clara consciência da necessidade de um juízo político, em que se
incluem o senso de conveniência e de oportunidade e a prefiguração dos resultados da decisão.” (Azevedo,
1998. p. 156). No mesmo sentido, “a opção final, no sentido de privilegiar tal ou qual método (interpretativo),
faz-se sempre em conformidade com o resultado que se deseja atingir.” (Azevedo, 1999. pp. 140-141).
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método e Hermenêutica Material no Direito. Porto Ale-
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www.stj.org.br
BETÂNIA ALFONSIN
Advogada, mestra em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR-UFRGS, Professora na Faculda-
de de Direito da ULBRA - Universidade Luterana do Brasil e assessora jurídica da Secretaria do
Planejamento de Porto Alegre, membro da Coordenação da ONG ACESSO - cidadania e direitos
humanos (Porto Alegre).
RESUMO
O artigo demostra a importância da promulgação do Estatuto da Cidade na
renovação paradigmática do tratamento dispensado ao direito de propriedade no
ordenamento jurídico pátrio. O novo diploma legal faz da propriedade imobiliá-
ria urbana um instituto regulado pelo Direito Urbanístico, ramo do Direito Públi-
co, concretizando o princípio constitucional da Função Social da Propriedade e
esvaziando a visão liberal clássica do instituto assumida pelo Código Civil Brasi-
leiro. Além disto, o artigo demonstra que a lei tratou as cidades como territórios
cuja gestão deva ser democratizada e cujo desenvolvimento deve perseguir a idéia
Texto originalmente apresentado no 2º Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio Ambiente, realizado
em Canela de 29 a 31 de agosto de 2001, no painel “Equilíbrio ambiental no espaço urbano”.
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
Democracia 2º sem. 2001 p.309-317
309
de sustentabilidade, entendida como compromisso com a dignidade da pessoa
humana e com o meio-ambiente ecologicamente equilibrado.
Palavras-chave: Direito urbanístico, Direito ambiental, política urbana, fun-
ção social da propriedade.
ABSTRACT
The article shows how significant is the promulgation of the City Ordinance for
the paradigmatic renewal of the treatment administered to the right of property in
Brazilian juridical order. The new legal document makes of urban properties an
institute regulated by Urban Law, as part of the Public Law. So it solidifies the
constitutional principle of the social function of property, and empties the classical
liberal view assumed by the Brazilian Civil Code. Besides, the article also shows
that the Law considered cities as territories which management should be demo-
cratize and which development should pursue the ideal of sustainability, understood
as a compromise between human dignity and a ecological balanced environment.
Key words: Urban Law, Environmental Law, urban policy, social function of
property.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte:
Del Rey, 2001.
GENRO, Tarso – Diretrizes políticas – consolidação para orientar uma formulação estraté-
gica, Porto Alegre, 2001, mimeo.
RESUMO
Tendo em vista as alterações processuais advindas com a Lei nº 10.259/01,
discute-se a configuração, dentro do sistema do Juizado Especial Federal, da
tutela de urgência, tecendo considerações sobre a aplicação subsidiária do
Código de Processo Civil (CPC).
Palavras-chave: Cautelares, tutela de urgência, Juizado Especial Federal.
ABSTRACT
In view of the changes in legal proceedings advanced by Brazilian Law nº 10.259/
01, the paper discusses the configuration, in the system of the Special Federal
Judge, of emergency tutelage, presenting some considerations on the subsidiary
application of the CPC (the Civil Code of Legal Proceedings).
Key words: Legal cautions, emergency tutelage, Special Federal Judge.
A APLICABILIDADE SUBSIDIÁRIA
E SUPLETIVA DO CPC
A Lei nº 10.259/01 não faz nenhuma referência à aplicação subsidiária
e supletiva das normas do CPC, no caso de lacuna. Igual situação ocorreu
com a Lei nº 9.099/95.
A doutrina, em que pese inicialmente divergindo na matéria, tem
firmado o entendimento de que o CPC é aplicável supletivamente. Neste
sentido, Joel Dias Figueira Júnior (1997, p.47):
1
No caso em análise, apenas para fins de registro, “sentenças liminares” seria a definição mais correta, segundo
nosso entendimento. A discussão, entretanto, não tem lugar nessa oportunidade. O tema é bastante
controverso, razão porque é passível de análise em artigo próprio.
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA EM OUTRA
2
COMARCA. Alegação de cerceamento de defesa. Interposição de agravo. Desconhecimento. O recurso de agravo, seja
na forma de instrumento ou retido, não foi contemplado pela legislação especial, do Juizado de Pequenas Causas. Inaplicabilidade,
subsidiária, do CPC. Recurso não conhecido” (Processo nº 011948495582, Relator Dr. Pedro Celso Dal Prá, Turma
Recursal, Porto Alegre, 11-05-95). “JUIZADOS DE PEQUENAS CAUSAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Ausente previsão legal a ensejar recurso de agravo de instrumento, no sistema dos Juizados de Pequenas Causas, não se
conhece de tal irresignação” (Processo nº 958/528, Relator Dr. Montaury dos Santos Martins, Turma Recursal,
Capão da Canoa, 27-04-95). “AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. Por não precluírem as decisões interlocutórias dos
Juizados Especiais, contra elas não há previsão de recurso de agravo no sistema.(...) 4. Recurso não conhecido” (Expedi-
ente nº 2.131, 1ª Turma, Relator Dr. Wilson Carlos Rodycz, 14-12-95, unânime).
CONCLUSÃO
O juizado especial federal chega em boa hora, contribuindo para a
democratização do acesso à Justiça e para a pacificação social. Se, por um
lado, os juizados especiais trazem à cena judiciária litígios que antes não
figuravam nas estatísticas, caracterizando um aumento no número de pro-
cessos, também é certo que há um desafogamento da Justiça comum e
dos Tribunais, o que, por si só, já é motivo de entusiasmo na recepção da
nova lei.
A efetividade da prestação jurisdicional, entretanto, é mais do que
isso: é disponibilizar procedimentos justos, céleres e adequados. É neces-
sária uma interpretação sistemática do Direito, a fim de que se possa
demonstrar a aplicação do CPC à lei do Juizado Especial Federal, como,
aliás, acabou ocorrendo com a Lei nº 9.099/95, a que o art. 1º da Lei n.º
10.259/01 remete.
As concessões de medidas cautelares ou antecipatórias devem obede-
cer a orientação de efetividade do processo, entendida esta no plano
fático, sendo aconselhável o uso da razoabilidade no caso concreto, como
forma de garantir a eficácia social da prestação jurisdicional, bem como
de garantir a necessária eliminação do dogma da neutralidade do juiz.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken. Fungibilidade das medidas inominadas cautelares e satisfativas, Re-
vista de Processo, N. 100, 2000, p. 33/60.
CUNHA, Alcides M. Comentários ao Código de processo Civil, vol. 11. Coord. Ovídio
Araújo Baptista da Silva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
MARINONI, Luiz G. A antecipação da tutela. 3a. ed., São Paulo: Malheiros editores
Ltda, 1997.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Teoría de la acctión cautelar. Porto Alegre: Fabris, 1993.
ZAVASCKI, Teori A. A antecipação de tutela. 3a. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2000.
DANIELLE ANNONI
Professora do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
annoni1@hotmail.com
RESUMO
O direito internacional dos direitos humanos não se encontra codificado em um
único instrumento, e sim aparece regulado em várias fontes diversas. Os Esta-
dos, ao vincularem-se aos tratados que versem sobre Direitos Humanos, visam
realizar ideais comuns de proteção e respeito aos direitos humanos. Estudar os
principais mecanismos de proteção dos direitos humanos na ordem mundial é,
pois, o objetivo deste trabalho.
Palavras-chave: Direitos humanos, direito internacional, sistemas internacio-
nais de proteção.
ABSTRACT
The international human rights law is not codified in an instrument only, but it
appears in several diverse sources. The countries, when accept to be part in
international treaties on Human Rights, intend to achieve common ideals of
protection and respect to the human rights. This paper intends to study the
principal means of protection of the human rights in the international scene.
INTRODUÇÃO
A preocupação com a proteção dos direitos humanos no mundo oci-
dental deu-se a partir da Segunda Guerra Mundial, muito embora se
possam citar algumas manifestações anteriores, como o Pacto da Liga das
Nações, a Declaração Inglesa de 1689, a Declaração Norte-Americana
de Independência de 1778, a Declaração Francesa dos Direitos do Ho-
mem e do Cidadão de 1789, ou ainda as posições tomadas pela Escola
Espanhola em defesa das populações indígenas nas terras descobertas, por
volta de 1550 (Las Casas, 1996).
Contudo, a extensão e alcance destes documentos, isto é, o objeto des-
tas cartas políticas era a proteção dos direitos de seus cidadãos no âmbito
interno dos Estados. Após a Segunda Guerra Mundial se passou a lutar pela
proteção dos direitos humanos para além das fronteiras do Estado-Nação.
O direito internacional dos direitos humanos não se encontra codifi-
cado em um único instrumento, e sim aparece regulado em várias fontes
diversas. Em algumas ocasiões aparecem em Declarações de princípios,
em outras, em Convenções internacionais, ora específicas, ora de âmbito
geral. O âmbito espacial de validade das normas também é distinto, sen-
do ora de caráter universal, ora válido para uma região determinada.
Certos tratados regulam um grupo importante de direitos, como os
civis e políticos, os sociais e culturais, econômicos; outros se referem a um
determinado direito ou direitos de uma minoria em particular, como os
direitos a não discriminação e tortura, no primeiro caso, e direitos das
mulheres, crianças e adolescentes, idosos, negros, índios, refugiados, no
segundo. Contudo, o titular dos direitos é sempre o ser humano.
Os Estados, ao vincularem-se aos tratados que versem sobre Direitos
Humanos, não visam conceder direitos e obrigações recíprocos, mas sim
realizar ideais comuns de proteção e respeito aos direitos do homem. Os
tratados de Direitos Humanos tendem a unificar os direitos reconhecidos
ao homem na ordem interna, ampliando-os, na maioria dos casos, no sen-
tido de estabelecer um código mundial de proteção aos direitos do ser
humano, não importando nacional de que país ele seja.
1
Importante lembrar o Sistema Africano que funciona dentro da estrutura da Organização da Unidade
Africana e é baseado na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981. Merece ainda
destaque o projeto de carta dos Direitos Humanos e dos Povos do Mundo Árabe, de 1971.
2
Informações extraídas principalmente da obra: Piovesan, 1997, p. 182, nota nº. 179.
3
Informações extraídas do site do Conselho da Europa: www.coe.fr/index.asp. Para obter maiores informações
sobre as convenções elaboradas pelo Conselho da Europa vide: http:conventions.coe.int.
4
Maiores informações sobre a Corte ou Tribunal Europeu de Direitos Humanos vide: www.dhcour.coe.fr
5
O Protocolo nº 11 já foi ratificado por 27 dos Estados signatários da Convenção, entre eles Bulgária,
Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Malta, Reino Unido, República Tcheca e Suécia. Dados de Carreira
Alvim, 1999, p. 41, notas nº 10 e 16.
6
São 41 os membros do Conselho da Europa. Todos ratificaram a Convenção Européia e 27 destes já ratificaram
o Protocolo nº. 11. Apud Carreira Alvim, J.E., op. cit.
7
Maiores informações sobre a Comissão Interamericana ver: www.cidh.oas.org
8
Esta é uma conquista da Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão da pessoa de Antônio Augusto
Cançado Trindade, brasileiro, hoje presidente da Corte, muito embora não seja ainda um entendimento
unânime.
9
A Corte Interamericana tem sede em San Jose, na Costa Rica, enquanto a Comissão de Direitos Humanos está
sediada em Washington, na sede da OEA. Os Estados signatários da Convenção são, até 1998, em número
de 24. Os Estados em negrito já ratificaram a Corte Interamericana de Direitos Humanos: 1. Argentina ;
2. Honduras; 3. Barbados; 4. Jamaica; 5. Bolívia; 6. México; 7. Brasil; 8. Nicaraguá; 9. Chile; 10.
Panamá; 11. Colômbia; 12. Paraguai; 13. Costa Rica; 14. Peru; 15. El Salvador; 16. República Dominicana;
17. Equador; 18. Suriname; 19. Guatemala; 20. Trinidad Tobago; 21. Granada; 22. Uruguai; 23. Haiti; 24.
Venezuela. (Dados sobre os Estados que ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos e a
Corte Interamericana de Direitos Humanos em: PIOVESAN Flávia, op. cit., p. 238, nota nº. 268.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) ao final
da 2ª Guerra Mundial em substituição a Liga das Nações que não foi
10
Informações extraídas do Boletim de casos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos,
publicado pela OEA e disponível no site: www.oas.org.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu & ARAÚJO, Nádia de (org.) Os Direitos
Humanos e o direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
CARREIRA ALVIM, J.E. A proteção dos direitos do homem e das liberdades funda-
mentais perante o tribunal europeu de direitos humanos. Novos Estudos Jurídicos,
Revista Trimestral do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas da UNIVALI,
ano V, nº. 9, setembro de 1999.
HORTENSIA, D.T. Gutiérrez Posse. Los Derechos Humanos y las garantías. Buenos
Aires: Zavalia, 1988.
LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído. 6ª ed., Porto Alegre: 1996.
RESUMO
A União Européia é cada vez mais solicitada a atuar como protagonista polí-
tico na cena internacional. Não são só as interdependências mundiais em ma-
téria de política comercial que tornam necessária um atuação conjunta dos
quinze Estados Membros a nível da política externa. Depois do fim da guerra
fria, e tendo em conta a eclosão de novos conflitos na Europa e nas regiões
vizinhas, o desenvolvimento de uma identidade própria em matéria de política
externa e de segurança comum será decisivo para a União Européia.
Palavras-chave: União Européia, política externa, segurança pública.
Colaboradores:
Dr. Jorge Thums e Bolsista pesquisador Marcelo Mendes Lech
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
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ABSTRACT
The European Union is more and more requested to act as political protagonist
in the international scene. It is not only the worldwide inter-dependency in trading
policy that makes necessary a conjoint action of the fifteen Members States in
the foreign politics level. After the end of the Cold War, and in account of new
conflicts in Europe and surrounding areas, the development of an identity of its
own in issues of foreign politics and common security will be decisive for the
European Union.
Key words: European Union, foreign politics, public security.
INTRODUÇÃO
Após o inicio dos anos 90, a concretização do Mercado único e a rea-
lização da União Econômica e Monetária coloca com uma premência
ainda maior a questão da política externa e de segurança comum (PESC).
A construção européia permanecerá inacabada na medida em que a União
Européia não seja capaz de conduzir uma política externa e de segurança
comum permitindo-lhe participar com voz ativa nas questões mundiais e
assegurar os meios para sua segurança.
Desde a origem do processo de unificação do continente europeu,
uma importância semelhante foi atribuída nos textos à realização de uma
união econômica e à construção de uma união política. O Tratado de
Roma, assinado em 1957, marcava claramente, no seu preâmbulo, a von-
tade dos autores de “estabelecer os fundamentos de uma união cada vez
mais estreita entre os povos europeus.” Ao instituir uma política externa
e de segurança comum (PESC), o Tratado de MAASTRICHT, assinado
em 7 de fevereiro de 1992 e com entrada em vigor em 1º de novembro de
1993, reafirmou claramente essa ambição de uma união política. Entre-
tanto, o programa de unificação econômica foi incontestavelmente mais
rápido que a da unificação política. Assim, a moeda única entrou em
circulação em 1º de janeiro de 2002, enquanto que o Tratado de Amster-
dã, assinado em 2 de outubro de 1997, não revela qualquer progresso real
na construção de uma Europa Política.
A criação da PESC, pelo Tratado de Maastricht, marcou uma nova
etapa no desenvolvimento da cooperação política européia (CPE), insti-
tuída desde 1970 e reconhecida pelo Ato Único Europeu de 1986. A
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Em 05.03.1947, França e Grã-Bretanha assinaram em Dunquerque um
tratado de aliança e assistência mútua não somente no plano militar como
também no plano econômico. Um ano depois a aliança foi ampliada com
adesão dos países do Benelux, através do Tratado de Bruxelas. A aliança
recebeu o nome de Organização de Defesa da União Ocidental, sendo
equipada com um mínimo de órgãos. A organização nunca prestou gran-
des serviços salvo no plano cultural.
Em 1948, visando melhor administrar e trabalhar com os recursos dis-
ponibilizados pelo plano Marshall, foi criada a Organização Européia de
Cooperação Econômica (OECE).
Em 1951, foi assinado o Tratado de Paris, pelo qual criou-se a Comuni-
dade do Carvão e do Aço (CECA). Os Países membros eram seis: França,
Itália, Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Pelo tratado ins-
tituía-se a produção e controle (mútua assistência entre os países mem-
bros) com relação ao carvão e aço. A constituição da CECA foi idealiza-
da como forma de impedir futuros conflitos entre França e Alemanha, em
razão do interesse da indústria alemã de aço sobre os depósitos de miné-
rio, situados no nordeste da França, bem como do interesse da indústria
Conselho
Europeu
Adota as Decide as
orientações estratégias
gerais comuns
Estado
membro
Propõe Conselho Prepara
Comissão
COREPER
Decide
Comitê
político
Posição
Ação
comum
comum
Grupos de
trabalho
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Livros de Referência
VILA MAIOR, Paulo. A Europa e os Desafios do Século XXI: Visão Crítica dos Tratados
de Maastricht e de Amsterdão. Portugal: Universidade Fernando Pessoa, 1997.
2. Livros e Artigos
CASELLA, Paulo Borba. A Comunidade Européia e seu Ordenamento Jurídico. São Pau-
lo: LTr, 1998.
HAAS, Ernst, The Uniting of Europe: Political, Social and Economic Forces – 1950/1957.
London: Stevens & Sons Ltda, 1958.
RESUMO
Salientando que a globalização não se reduz à dimensão econômica, o autor
analisa, neste processo, a redução do papel do Estado, o protagonista das
empresas transnacionais e as identidades culturais, pugnando, ao final, por
uma outra globalização- da cultura universal dos direitos humanos.
Palavras-chave: Globalização, direitos humanos, empresas transnacionais,
cultura.
ABSTRACT
The author, pointing that globalization is not reduced to the economical
dimension, analyses the minimization of the role of the State, the protagonist of
multinational corporations and the cultural identities, and proposes another
kind of globalization – of the universal culture of human rights.
Key words: Globalization, human rights, transnational corporations, culture.
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
Democracia 2º sem. 2001 p.367-382
367
común el referirse a la globalización1 y achacarle todos los males que aque-
jan actualmente a la humanidad. En este breve artículo vamos a intentar
desentrañar las diferentes implicaciones de este complejo fenómeno que es
la globalización, tratando de centrar nuestro análisis en las consecuencias
que está acarreando para una adecuada protección de los derechos huma-
nos tanto a escala nacional como en la esfera internacional. Asimismo,
abordaremos las oportunidades que el proceso de globalización ofrece para
la extensión de una verdadera cultura universal de los derechos humanos,
de la que ya se están manifestando algunos notables ejemplos.
Para ilustrar el creciente interés que ha despertado este fenómeno,
voy a reproducir a continuación las preocupaciones mostradas por los Je-
fes de Estado y de Gobierno reunidos en la sede de las Naciones Unidas
en Nueva York en la famosa Cumbre del Milenio celebrada en septiembre
de 2000. En su opinión,
Uno de los aspectos que más nos tiene que llamar la atención es que
la propia Asamblea General está clamando por una mundialización3 “ple-
namente incluyente y equitativa”, lo que pone claramente de manifiesto
que la actual globalización no camina por esos derroteros. Más bien al
contrario, el actual proceso de globalización está caracterizado por ser un
proceso generador de exclusión y de una profunda desigualdad, lo que
conlleva consecuencias muy serias para la protección de los derechos
1
De hecho, la literatura al respecto está siendo bastante abundante, sirviendo de pequeña muestra la siguiente:
Aguirre 1995; Garcia Canclini 1999; Ianni 1999; Giddens 2000; Jacques 2000; Held, McGrew, Goldblatt
and Perraton 1999.
2
Declaración del Milenio, Resolución de la Asamblea General de las Naciones Unidas 55/2, de 8 de septiembre de
2000.
3
Mundialización es el término que se suele utilizar en los países de habla francesa para referirse a la globalización,
siendo dos términos equivalentes.
4
Un análisis muy interesante de los efectos de la globalización dentro de los propios países, con una mención
especial al caso español, se puede encontrar en Navarro 2000. Análisis muy similar referido a América
Latina en Ruiz Vargas 2000; Urquidi 1997.
5
Esta creciente desigualdad no se circunscribe a las cifras macroeconómicas, sino que afecta a cuestiones como
la escolarización, el porcentaje de científicos y técnicos, las inversiones en investigación y desarrollo
mientras que, sin embargo, “ha disminuido en esperanza de vida, nutrición, mortalidad infantil, acceso al
agua potable…”, en Berzosa , 1999, pp. 22 y ss.
6
Esta es una expresión utilizada por el profesor de la Universidad de Coimbra José Manuel Pureza, en Pureza
1998.
7
Las tesis de este autor están desarrolladas con una mayor amplitud y profundidad en Held 1998.
8
De Lucas 2001, p. 1. Es muy interesante en este sentido todo el debate que está suscitando la aprobación de
la actual Ley de Extranjería y su posible colisión con determinados derechos fundamentales de los
inmigrantes, cuestión que, finalmente, va a tener que dilucidar el Tribunal Constitucional. Ver al
respecto Solozabal 2001, p. 10.
9
No debemos olvidar al respecto el artículo 2 del Pacto Internacional de derechos económicos, sociales y
culturales, que endosa claramente al Estado el deber de proteger efectivamente dichos derechos. Tal y
como señala este artículo 2, “cada uno de los Estados Partes en el presente Pacto se compromete a adoptar
medidas, tanto por separado como mediante la asistencia y la cooperación internacionales… para lograr
progresivamente… la plena efectividad de los derechos aquí reconocidos”.
10
Sobre este tema se puede consultar Gomez Isa 2000 e Thuan 1984.
11
Por poner tan solo un ejemplo, Amnistia Internacional acaba de denunciar la complicidad de varias Empresas
Transnacionales del sector del petróleo con las gravísimas violaciones de los derechos humanos que están
acaeciendo en Sudán. Además, dichas Empresas se benefician de esas violaciones de derechos humanos,
dado que les allanan el camino para la explotación petrolera, en AMNESTY INTERNATIONAL: Sudan:
The Human Price of Oil, AFR 54/04/00, 3 may 2000.
12
Relación entre el disfrute de los derechos económicos, sociales y culturales y el derecho al desarrollo, y los métodos de
trabajo y las actividades de las empresas transnacionales, Resolución 1998/8, 20 de agosto de 1998.
13
Informe del Grupo de Trabajo del período de sesiones encargado de examinar los métodos de trabajo y las actividades de
las empresas transnacionales sobre su primer período de sesiones, Presidente-Relator: Sr. El-Hadji GUISSE, E/
CN.4/Sub.2/1999/9, 12 de agosto de 1999, p. 5. Se puede consultar también el informe sobre el segundo
periodo de sesiones, en E/CN.4/Sub.2/2000/12, 28 de agosto de 2000.
14
Ver al respecto la obra de uno de los mayores expertos en temas de comunicación, en Mattelart 1998;
Mattelart 2000.
15
The relationship between the enjoyment of human rights, in particular economic, social and cultural rights, and income
distribution, Final Report prepared by Mr. José Bengoa, Special Rapporteur, E/CN.4/Sub.2/1997/9, 30 june
1997, p. 13.
16
Un análisis en profundidad de este artículo 28 de la Declaración Universal figura en Eide 1999.
17
No debemos olvidar al respecto que la Declaración sobre el derecho al desarrollo es una mera resolución de la
Asamblea General de las Naciones Unidas, cuya naturaleza jurídica es meramente recomendatoria.
Además, esta resolución cosechó el voto negativo de Estados Unidos y las abstenciones de Dinamarca, la
República Federal de Alemania, Reino Unido, Finlandia, Islandia, Suecia, Japón e Israel. Un análisis
pormenorizado de los avatares del derecho al desarrollo y de sus principales obstáculos en Gomez Isa, 1999.
18
Una crítica radical de este planteamiento occidental de la universalidad es efectuado por Ignacio Ellacuría,
para quien “la oferta de humanización y de libertad que hacen los países ricos a los países pobres no es
universalizable y, consiguientemente, no es humana… El ideal práctico de la civilización occidental no es
universalizable, ni siquiera materialmente, por cuanto no hay recursos materiales en la Tierra para que
todos los países alcanzaran el mismo nivel de producción y consumo…”, en Ellacuria, 1991, pp. 393 y ss.
19
La Audiencia Nacional se ha basado en el artículo 23.4 de la Ley Orgánica del Poder Judicial (1985) para
solicitar la extradición de Pinochet. En este artículo se dispone que “igualmente será competente la
jurisdicción española para conocer de los hechos cometidos por españoles o extranjeros fuera del territorio
nacional susceptibles de ser tipificados, según la ley penal española, como alguno de los siguientes delitos:
genocidio, terrorismo, piratería y apoderamiento ilícito de aeronaves…, y cualquier otro que, según los
tratados o convenios internacionales, deba ser perseguido en España”.
20
Ver al respecto el análisis que hace el Ministro de Asuntos Exteriores mexicano sobre las repercusiones de este caso
para el futuro del sistema de protección internacional de los derechos humanos, en Castaneda 2001, p. 4.
21
Ver al respecto Talens 2001. Una crítica de lo que Marcos representa como “gran líder mediático de nuestro
tiempo” que ha seducido a intelectuales europeos “obnubilados por el discurso de Marcos y… por el ruido
hiperbólico de sus palabras”, en Malamud 2001.
DUBOIS, A. Una globalización sesgada. Mientras Tanto, nº 70, 1997, pp. 67-84.
O’SHAUGHNESSY, H. Pinochet. The Politics of Torture. New York: New York University
Press, 2000.
PIGRAU I SOLE, A. Las políticas del FMI y del Banco Mundial y los Derechos de los
Pueblos. Afers Internacionals, nº 29-30, 1995, pp. 139-175.
ROBINSON, Mary. Business and Human Rights: A Progress Report. OHCHR, Geneva,
January 2000.
RESUMO
A discriminação por orientação sexual, no direito brasileiro, encontra seu tra-
tamento jurídico nas conseqüências do princípio constitucional da igualdade.
tanto do ponto de vista formal, quanto do ponto de vista material, o princípio
da igualdade proíbe a discriminação fundada na homossexualidade, calcada
numa realidade preconceituosa. Este artigo fornece a compreensão geral do
princípio da igualdade nestas duas dimensões e aponta suas repercussões dian-
te da orientação sexual homossexual.
Palavras-chave: Homossexualidade, discriminação, igualdade formal e material.
ABSTRACT
Discrimination against sexual orientation, in Brazilian Law, finds its juridical
treatment in the consequences of the constitutional principle of equality. From
the formal as well as from the material point of view, the principle of equality
forbids discrimination based on homosexuality, i.e, based on prejudice. The
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
Democracia 2º sem. 2001 p.383-408
383
article provides a general understanding of the principle of equality in those two
dimensions, and points to its repercussions vis-a-vis the homosexual orientation.
Key words: Homosexuality, discrimination, formal and material
equality.
INTRODUÇÃO
1
Título XIII do Quinto Livro das Ordenações Filipinas.
2
Ver, especificamente sobre este dado, Grupo Gay Da Bahia, 1999; a respeito de um panorama municipal,
regional, nacional e internacional, ver Anistia Internacional, 1994; Stonewall, 1996; Rio Grande do Sul,
1998 e 1999; Porto Alegre, 1998; Nuances 1998a e 1998b.
3
Sobre a concretização das normas constitucionais, ver Hesse, 1998, pp. 66 e seguintes.
4
N. Bobbio (1996, p. 12) salienta a dificuldade de se estabelecer um significado descritivo da igualdade em face
de sua indeterminação, resultante do caráter relacional deste conceito. Aduz, assim, a necessidade de se
responder a duas questões sempre que se indaga acerca da igualdade: igualdade entre quem? e igualdade em quê?
“Mais precisamente: enquanto a liberdade é uma qualidade ou propriedade da pessoa (não importa se física
ou moral) e, portanto, seus diversos significados dependem do fato de que esta qualidade ou propriedade
pode ser referida a diversos aspectos da pessoa, sobretudo à vontade ou sobretudo à ação, a igualdade é pura
e simplesmente um tipo de relação formal, que pode ser preenchida pelos mais diversos conteúdos. Tanto isso
é verdade que, enquanto X é livre é uma proposição dotada de sentido, X é igual é uma proposição sem sentido,
que, aliás, para adquirir sentido, remete à resposta à seguinte questão: igual a quem?”
5
A respeito do tema, Lucas (1996) salienta relevância da dimensão normativa da igualdade, na medida em que
posição diversa conduz à diminuição da eficácia jurídica da norma constitucional de direito fundamental,
especialmente em sua dimensão subjetiva.
6
Para uma discussão a respeito do significado do termo “orientação sexual”, ver Wintemute, 1995, p. 6-10.
7
Uma exposição sistemática de hipóteses de discriminação por orientação sexual nos diversos ramos do direito
estadunidense é fornecida pela Harvard Survey, 1990), tais como direito criminal, direito do trabalho,
direito administrativo, direito estudantil, direito de família e imigração.
8
Ver, por todos, Hesse, cuja exposição da igualdade jurídica no direito constitucional alemão se estrutura a
partir desses dois sentidos do princípio (1998, nota 4, p. 330 e seguintes). Registre-se que o tratamento do
princípio da igualdade a partir destas duas dimensões encontra ressonância na doutrina e na jurisprudên-
cia nacional, como será visto na quarte parte deste artigo.
9
Bobbio 1996, nota 7, p. 27. No mesmo sentido, ver a exposição de Bianchi (1996), cujo texto aponta idêntica
compreensão por parte de inúmeros constitucionalistas pátrios.
10
As palavras de Maurice Hauriou, no mesmo diapasão, são precisas: “Ce qu’on appelle égalité est une égalité
devant la loi ou une égalité de droits légaux. Ce n’est pas une égalité de fait dans les conditions matérielles
de la vie. Le principe de l’ordre individualiste est que chacun fait as vie à ses risques et périls; on se borne
à donner à chaque individu les mêmes moyens juridiques d’action et à lever les obstacles juridiques qui,
dans l’ancien régime, provenaient des privilèges de classe. On ne lui donne ni on ne peut lui donner les
résultats économiques.” citado por Verdú, 1979, p. 294.
11
Acerca finalidade da atribuição desse caráter negativo ao princípio da igualdade em face das circunstâncias
históricas aludidas, Francisco Campos (1956, v. 2, p.15) alertou que “...no sentido que sua finalidade
consistia tão-somente em suprimir e impedir que renascesse a estrutura social, que a revolução acabava de
desmontar ou destruir. (...) Embora já fosse corrente na filosofia social e política do século XVIII, e constitu-
ísse um dos temas da propaganda revolucionária, a idéia de que a igualdade entre os homens deveria ser
completa e radical, o certo é que a declaração constitucional da igualdade tinha como foco particular de
incidência o regime ou a estrutura social que vinha de ser abolida. A acentuação tônica do princípio da
igualdade teria de recair precisamente sobre o seu conteúdo negativo. Ele era, então, um conceito polêmico
e, como é próprio do conceito polêmico, a sua significação ou o seu conteúdo se define melhor de modo
negativo do que positivamente, mais por oposição ou negação concreta do que de maneira geral e abstrata.”
12
Conforme a parte final do artigo 3º, IV, da Constituição da República, a enumeração constitucional convive
com a abertura para quaisquer outras formas de discriminação.
13
Neste sentido, identificando na discriminação por orientação sexual uma espécie de discriminação por motivo de
sexo, decidiram, no direito estrangeiro, conforme indicação de Wintemute, 1995, p. 84, 86 e 200): a Suprema
Corte do Canadá (University of Saskatchewan v. Vogel - 1983 e Bordeleau v. Canada - 1989), a Suprema Corte
do Hawaii (Baehr v. Lewin - 1993) e a Corte de Apelações da Califórnia (Engel v. Worthington - 1993).
14
No direito norte-americano pode-se encontrar expressa rejeição desta tentativa de justificar uma discrimina-
ção pela outra, sem apresentar qualquer fundamentação para a diferenciação em causa. Neste sentido, o
clássico precedente proferido pela Suprema Corte diante das discriminações raciais na legislação que
proibia o casamento inter-racial (Loving v. Virginia, 1967), na esteira da superação da teoria racial
segregacionista conhecida como “separated but equal”, realizada pela decisão em Brown v. Board of
Education (1956).
15
Neste passo, refira-se a distinção entre igualdade e identidade. Juízos de igualdade evidentemente pressupõe
a existência de diferenças entre os entes comparados, donde não se confundem igualdade e identidade.
A respeito do significado do termo “igualdade” e de sua irredutibilidade à noção de identidade, desde o
vocabulário das matemáticas até as especulações jurídicas e filosóficas, ver Mendes 1984; dentre nós,
pode-se encontrar considerações sobre o conceito lógico de igualdade e suas relações com identidade e
diferença em Pontes de Miranda, 1987, p. 667.
16
Excerto de julgado do Tribunal Constitucional Federal, Alexy 1993, p. 395.
17
Não se deve esquecer, na descrição dos juízos de igualdade entre homens e mulheres, a existência de normas
constitucionais excepcionando a igualdade material consagrada no artigo 5º, I, como, por exemplo, a
proteção do mercado de trabalho da mulher(artigo 7º, XX).
18
Os conceitos Estado de Direito Social e de dignidade humana bem exemplificam a pluralidade de concepções
com as quais a jurisdição constitucional trabalha os diversos conteúdos constitucionais, como noticiam a
respeito Hesse 1998, n° 183-185, p. 157-159 e Maihofer 1996, p. 278-287.
19
A respeito desta evolução, discorreu José Reinaldo de Lima Lopes (1994, p.139): “Certo que historicamente as
divisões entre iguais e semelhantes sofrem alteração, ou seja, ao longo da história as condições materiais de
vida se alteram de modo que semelhanças e distinções deixam de ser razoáveis: passam a ser injustificáveis
e incompreensíveis. Com o acréscimo e ampliação do saber em torno de certos temas pode-se compreender de
modo novo certos fatos ou fenômenos. Isto posto, a ignorância passa a ser inexcusável e os critérios de ação
racional mudam. Por exemplo: a pobreza já não se compreende como uma fatalidade natural, uma herança,
ou o resultado da vontade dos deuses. Já sabemos muito sobre os processos de geração de pobreza. A
consciência possível em torno do tema já não pode excusar ou justificar divisões sociais que a ela se reportem.
O mesmo se pode dizer quanto às diferenças étnicas e genéticas, ao comportamento sexual, etc. Sendo tais
conquistas do saber conquistas gerais da humanidade, ainda que precárias e frágeis, o princípio de ação que
determina tratar casos iguais de forma igual mantém-se como regra racional, mas seu conteúdo é preenchido
de forma nova. Naturalmente, o resultado do juízo a respeito de certos casos será completamente novo.”
20
Neste sentido, a exposição de Stein 1976.
21
Stein 1976, p. 222 traz jurisprudência alemã ilustrando a proibição de arbitrariedade decorrente do princípio
da igualdade em face da inadequação entre o critério de diferenciação e a finalidade perseguida. Ao
examinar o artigo 38 da Lei contra Incêndios de Baden-Württenberg, o tribunal concluiu que a diferen-
ciação tão-só com base na idade (que não considerava a incapacidade física) como critério de imposição
para o pagamento da “contribuição para incêndios”, exigida dos homens compreendidos entre os 18 e 60
anos que não formassem voluntariamente parte do Corpo de Bombeiros, era inadequada, uma vez que
incapaz de satisfazer quaisquer das finalidades pretendidas. Na doutrina brasileira, ver Bandeira de
Mello, 1993 e Bonavides, 1980.
22
O exame das principais obras que servem de referência nas ciências médicas e psicológicas revela que a
homossexualidade não é mais considerada doença. Além da exclusão do catálogo oficial de doenças da OMS
(ver Organização Mundial de Saúde, 1988, p. 155), o reconhecido Compêndio de Psiquiatria Dinâmica, de
Kaplan & Sadock (1988) registra: “A Associação Americana de Psiquiatria, em abril de 1974, estabeleceu que
a homossexualidade per se não é uma perturbação mental e não deveria mais se relacionada como tal. Em seu
lugar, foi criada nova categoria de “distúrbio de orientação sexual”. No MDE-III, o distúrbio de orientação
sexual foi omitido, sendo mencionada uma classificação de “homossexualidade ego-distônica” sob uma
categoria maior de “perturbações psicossexuais”. (...) Um comentário introdutório prolongado, para a classi-
ficação da homossexualidade, mais uma vez salienta que a homossexualidade por si não constitui perturbação
mental e não deve ser classificada como tal. O MDE-III menciona, entretanto, que para algumas pessoas há
uma aflição persistente associada com a preferência por parceiros do mesmo sexo e que a pessoa experimenta
forte necessidade de mudar o comportamento ou, pelo menos, de aliviar a aflição associada com a homosse-
xualidade. Essas pessoas sofrem de “homossexualidade ego-distônica”. (...) Na ausência de angústia por ser
homossexual ou do desejo de tornar-se heterossexual, o diagnóstico de “homossexualidade ego-distônica”
não pode ser feito. (...) A homossexualidade per se não é considerada perturbação mental.”(p.484-7). No
mesmo sentido, Louza Neto e outros, 1997, p. 302; e Erkow e Fletcher, 1992, p. 1556). Obras específicas sobre
o tema registram tal conclusão, como Fernandez-Martos (1995) e Hoffman, (1970, especialmente p. 174-175).
A posição oficial dos órgãos representativos reforça essa posição: ver, por exemplo, na ASSOCIAÇÃO
AMERICANA DE PSICOLOGIA (Policy Statements on Lesbian, Gay, and Bisexual Concerns – discrimination
against homosexuals in www.apa.org/pi/lgbpolicy/against.html, 01.02.2000; Policy Statements on Lesbian, Gay, and
Bisexual Concerns – Use of diagnoses “homosexuality” and “ego-dystonic homosexuality” in www.apa.org/pi/lgbpolicy/
ego.html, em 01.02.2000; Policy Statements on Lesbian, Gay, and Bisexual Concerns – Resolution on appropriate
therapeutic responses to sexual orientation, www.apa.org/pi/lgbpolicy/orient.html, em 01.02.2000).
23
Duas importantes iniciativas ilustram esta transformação, como demonstram a União Européia e a França. Com
efeito, no seio da União Européia, além da Resolução do Conselho da Europa de 1º de outubro de 1981
(exortando os países membros à descriminalização da homossexualidade e à instituição de direitos iguais),
editou-se importante Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de março de 1984, cujos termos, diretamente
relacionados ao direito de igualdade, propõe, dentre outras medidas, (1) descriminalização das relações sexuais
homossexuais, (2) igualdade na idade de consentimento sexual entre heterossexuais e homossexuais, (3) a
realização de campanhas contra a discriminação por orientação sexual, (4) igualdade de condições entre
associações civis de homossexuais e de heterossexuais e (5) a adoção de um regime geral de igualdade na
legislação militar, laboral, administrativa, civil e comercial. Por fim, registre-se a legislação aprovada pelo
Parlamento francês em 07 de abril de 1999, alterando o Código Civil mediante a instituição do “Pacto Civil de
Solidariedade” e a modificação do concubinato. Consoante a nova lei, a orientação sexual dos contratantes do
pacto de solidariedade e daqueles que vivem em regime concubinário não é fator de discriminação, sendo,
inclusive, superadas pela mesma legislação diferenciações nos campos tributário, administrativo e previdenciário.
24
Nos últimos anos, importantes decisões receberam destaque internacional, por proíbirem discriminações por
orientação sexual. A Suprema Corte do Hawaii (Baehr v. Lewin, 1996) declarou a inconstitucionalidade da
legislação estadual que discriminava o direito de contrair casamento entre pessoas do mesmo sexo, vislumbran-
do na discriminação por orientação sexual uma hipótese de discriminação por motivo de sexo (ver Strasser, 1997,
especialmente p. 5-22; Errante, 1998, especialmente p. 295-301). A Suprema Corte dos Estados Unidos, por sua
vez, decidiu em maio de 1996, no caso Romer v. Evans, pela inconstitucionalidade de emenda constitucional do
Estado do Colorado que bania da legislação estadual a possibilidade de proteção jurídica específica a homosse-
xuais, com fundamento na equal protection doctrine (ver Gerstmann, 1999; Dworkin, 2000; Maltese, 1984 e
Harvard Law Review, 1996). A Corte Européia de Direitos Humanos, nos casos Lustig-Prean and Beckett v. The
United Kingdom e Smith and Gray v. The United Kingdom (ambos julgados em 27.09.1999), declarou ofensiva ao
direito à privacidade a política britânica de proibição de homossexuais nas Forças Armadas, rechaçando os
argumentos de ordem hierárquica, disciplinar e psicológica invocados pelo governo britânico. A Câmara dos
Lordes, no caso Fitzpatrick v. Sterling Housing Association Ltd. (28.10.1999), decidiu que o conceito de família
utilizado pela lei de locações inglesa abrange o companheiro do mesmo sexo que vive em longa e estável relação
afetiva com o falecido titular da relação contratual, reconhecendo-lhe o direito à continuidade do contrato.
25
Na pesquisa das constituições nacionais, encontrei apenas previsão explícita de proibição de discriminação por
orientação sexual na África do Sul (seção 8, nº 2: “É proibida toda discriminação, direta ou indireta, e, sem
prejuízo do caráter geral desta disposição, em virtude de um ou de mais dos seguintes motivos, em
particular: pertinência racial, étnica ou social, sexo, cor, preferência sexual, idade, deficiência física,
religião, crença, cultura ou língua”) e no Equador (artigo 23, 3: “A igualdade perante a lei. Todas as pessoas
serão consideradas iguais e gozarão dos mesmos direitos, liberdades e oportunidades, sem discriminação
em razão de nascimento, idade, sexo, etnia, cor, origem social, idioma, religião, filiação política, posição
econômica, orientação sexual, estado de saúde, incapacidade ou diferença de qualquer outra índole.”).
Ver, sobre a efetividade do dispositivo constitucional sul-africano em face da jurisprudência, Pierre De
Vos, 1998, especialmente p. 286-288; sobre a Constituição do Equador, Magdalena León, 1999).
26
Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição nº 67, de 1999, de autoria do Deputado Federal Marcos Rolim,
propondo a alteração do artigo 3º, inciso IV, e do artigo 7º, inciso XXX, da Constituição de 1988. Tais
dispositivos teriam a seguinte redação: “Art. 3º, IV - promover o bem de todos, sem preconceito de origem,
raça, sexo, orientação sexual, crença religiosa, cor, idade e quaisquer outras formas negativas, de discri-
minação.”; art. 7º, XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo de sexo, orientação sexual, crença religiosa, idade, cor ou estado civil.” Na sua
justificação, a proposta historia a apresentação de anteriores projetos no mesmo sentido, desde a Assem-
bléia Constituinte de 1987, passando pela revisão constitucional de 1993 e chegando ao ano de 1995.
27
Constituição do Estado de Mato Grosso, artigo 10; Constituição do Estado de Sergipe, artigo 3°; Lei Orgânica
do Distrito Federal, artigo 2°, parágrafo único.
28
Ver artigo 4º da Lei nº 9.612, de 1998.
29
Ver, neste sentido, o Programa Nacional de Direitos Humanos (Brasil, 1996), cujas propostas de ações
governamentais, ao tratar de medidas de curto prazo, registram: “propor legislação proibindo todo tipo de
discriminação, com base em origem, raça, etnia, sexo, idade, credo religioso, convicção política ou orien-
tação sexual, e revogando normas discriminatórias na legislação infraconstitucional, de forma a reforçar e
consolidar a proibição de práticas discriminatórias existentes na legislação constitucional.” (p. 23).
30
Ver a exposição de motivos da proposta de emenda constitucional acima referida.
31
Registre, neste ponto, a larga abrangência da Lei n° 9.791, de 12 de maio de 2000, dispondo sobre a atuação do
município no combate às práticas discriminatórias por orientação sexual.
32
Ver Czajkowki (s/d), defendendo a inadequação do regime familiar às uniões homossexuais e o impedimento
da adoção; Suannes, 1996; Gontijo, 1997; Oliveira, 1997; e Pinto, 1996. Além dos artigos e referências
citados nesta nota, relativos a direito de família, registre-se a publicação de dois livros cuidando do tema:
Cunha e Moreira, 1999, e Dias, 2000.
33
A ementa, no que importa à presente pesquisa, foi assim redigida: “O parceiro tem o direito de receber a
metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com
os requisitos previstos no art. 1363 do Código Civil.”
34
O acórdão recebeu a seguinte ementa: “RESP - PROCESSO PENAL - TESTEMUNHA – HOMOSSEXUAL
– A história das provas orais evidencia evolução, no sentido de superar preconceito com algumas pessoas.
Durante muito tempo, recusou-se credibilidade ao escravo, estrangeiro, preso, prostituta. Projeção, sem
dúvida, de distinção social. Os romanos distinguiam - patrícios e plebeus. A economia rural, entre o
senhor do engenho e o cortador da cana, o proprietário da fazenda de café e quem se encarregasse da
colheita. Os Direitos Humanos buscam afastar distinção. O Poder Judiciário precisa ficar atento para não
transformar essas distinções em coisa julgada. O requisito moderno para uma pessoa ser testemunha é não
evidenciar interesse no desfecho do processo. Isenção, pois. O homossexual, nessa linha, não pode receber
restrições. Tem o direito-dever de ser testemunha. E mais: sua palavra merecer o mesmo crédito do
heterossexual. Assim se concretiza o princípio da igualdade, registrado na Constituição da República e no
Pacto de San Jose de Costa Rica.”
35
Apelação Cível nº 96.04.55333-0/RS, Relatora Juíza Marga Barth Tessler, j. 20.08.1998.
36
Reproduzo os excertos da ementa que dizem respeito diretamente à presente investigação: “6. A recusa das rés
em incluir o segundo autor como dependente do primeiro, no plano de saúde PAMS e na Funcef, foi
motivada pela orientação sexual dos demandantes, atitude que viola o princípio constitucional da igual-
dade que proíbe discriminação sexual. Inaceitável o argumento de que haveria tratamento igualitário para
todos os homossexuais (femininos e masculinos), pois isso apenas reforça o caráter discriminatório da
recusa. A discriminação não pode ser justificada apontando-se outra discriminação. (...) 8. No caso em
análise, estão preenchidos os requisitos exigidos pela lei para a percepção do benefício pretendido: vida em
comum, laços afetivos, divisão de despesas. Ademais, não há que alegar a ausência de previsão legislativa,
pois antes mesmo de serem regulamentadas as relações concubinárias, já eram concedidos alguns direitos
à companheira, nas relações heterossexuais. Trata-se da evolução do Direito, que passo a passo, valorizou
a afetividade humana abrandando os preconceitos e as formalidades sociais e legais. 9. Descabida a
alegação da CEF no sentido de que aceitar o autor como dependente de seu companheiro seria violar o
princípio da legalidade, pois esse princípio, hoje, não é mais tido como simples submissão a regras normativas,
e sim sujeição ao ordenamento jurídico como um todo; portanto, a doutrina moderna o concebe sob a
denominação de princípio da juridicidade. (AC nº 96.04.55333-0/RS, unânime, j. 20-08-1998).
37
Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0 - 3ª Vara Federal Previdenciária de Porto Alegre; Agravo na
Suspensão de Execução de Liminar nº 2000.04.01.043181-0/RS, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa.
CONCLUSÃO
A discriminação por orientação sexual é uma das realidades que mais
fortemente resiste e desafia o mandamento constitucional da igualdade.
Com efeito, sem que seja vencida tal realidade discriminatória,
cidadãos continuarão a ver negligenciados direitos e garantias consti-
tucionais fundamentais, em virtude de preconceito e intolerância. Ati-
tudes fundadas nestas bases não podem subsistir, uma vez que tama-
nha violência ao princípio isonômico compromete, a um só tempo, a
dignidade da pessoa humana e os meios processuais para sua proteção.
Impende, portanto, afirmar-se a operatividade do princípio da igual-
dade diante de diferenciações injustificadas, fundadas na orientação
sexual dos sujeitos das relações jurídicas processuais. Se não for as-
sim, preconceito, intolerância e incompreensão permanecerão esvazi-
ando a proteção dos direitos fundamentais, essencial ao Estado De-
mocrático de Direito.
38
Apelação Cível nº 1999.04.01.074054-1/SC – 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relator Juiz
Valdemar Capeletti, DJU 23/08/2000.
39
Agravo de Instrumento nº 599075496, Relator Desembargador Breno Moreira Mussi, j. 17.06.1999.
40
Reza a ementa: “RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE SEPA-
RAÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO DOS CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO
SEXO. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o
julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais
heterossexuais.”
CUNHA, Graciela Leães Alvares da; MOREIRA, José Alberto. Os Efeitos Jurídicos da
União Homossexual. Porto Alegre: Autores Independentes, 1999.
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RESUMO
O artigo trata da dimensão política do Poder Judiciário, habitualmente não
enfrentada, buscando demonstrar seu significado, em conexão com o método
jurídico e o Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Poder Judiciário, politicidade do Direito, método jurídico.
ABSTRACT
The paper deals with the political dimension of the Judiciary, usually not faced,
and tries to show its meaning, in connection to the juridical method and the
Democratic State of Right.
Key words: Judiciary, politics and Law, juridical method.
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
Democracia 2º sem. 2001 p.409-423
409
víduos e o Estado ou entre um e outro Estado. “Daí a necessidade de prover
eficazmente o modo de assegurar a manutenção da convivência mediante
a prevenção ou solução de conflitos” (Azevedo, 1998, p. 60).
Tendo em vista esta situação o Estado moderno institui a função
judicial, distinta das suas duas outras funções primordiais – a executiva e
a legislativa. Como escreve à perfeição Pontes de Miranda, “organizando
a Justiça para que se decida os conflitos, para que se estabeleça a paz
entre os indivíduos ou entre indivíduos e grupos, duplo é o papel que o
Estado assume: (1) realizar o direito objetivo, isto é, quando a lei, que
incidiu num caso, não foi aplicada, aplicá-la para que incidência e apli-
cação coincidam; (2) dirimir as contendas, que perturbariam a ordem
social, levariam para o campo da força bruta a solução das
divergências...(Pontes de Miranda, 1958, p. 195).
Tem, pois, o Poder Judiciário o poder de dizer, com especificidade,
o direito, dirimindo contendas. Tendo em vista tal objetivo organiza-se a
técnica do processo, que é a “regulamentação do exercício de uma das
funções capitais do Estado moderno, qual seja o poder jurisdicional que
ao Judiciário vem atribuído (Marques, 1962, p. 49).
É, portanto, o processo o meio de atingir a prestação jurisdicional,
não podendo ser visto como fim em si, como amiúde tem sido considera-
do, a ponto de praticamente pôr-se no lugar do direito material, impe-
dindo ou dificultando o encontro das soluções que neste se acham. Pro-
cesso não é sinônimo de procedimento, nem procedimentalista pode ser
tido como processualista. É importante que se tenha esta circunstância
em mente, visto que a técnica processual, como toda técnica, não é
neutra. Mas não o sendo, e traduzindo as ideologias dominantes e o
estágio cultural em que elas se encontram, a técnica processual deve
sempre pôr-se a serviço da realização da prestação jurisdicional tão pronta
quanto possível. Assim, deve compreendê-la e utilizá-la o juiz, para que
não se deixe ofuscar por seu discurso, freqüentemente estribado no lo-
gicismo ou preciosismo vocabular, a ponto de obscurecer os interesses
em litígio. Se assim não se acautelar, o juiz corre sério risco de, em nome
do processo, denegar a justiça.
O papel a ser desempenhado pelo juiz é fundamental à democra-
cia. Cabe-lhe concretizar a Constituição, notadamente no que concerne
a auto limitação do poder do Estado, de que constituem contraponto os
Direitos Fundamentais de primeira geração, explicitados no art. 5º da
Mas não é só no direito ambiental que o juiz deve abrir seu mundo. O
próprio Reale ajunta, em perspectiva mais ampla, que a aplicação judici-
al do direito “somente será plenamente adequada se houver mudança de
atitude por parte daqueles juízes que ainda se consideram presos à letra
da lei, sem dar atenção às finalidades sociais, políticas e econômicas que
as informam”. (idem)
Vale dizer, o juiz precisa conhecer o direito positivo, em seus funda-
mentos e meandros, mas seu conhecimento não pode ser informado pela
restrição gnoseológica positivista. A Ciência empírica do direito positi-
vo tem que ser compreendida de modo a permitir a recriação do siste-
ma jurídico para adaptá-lo às mutáveis condições sociais, aos fatos no-
vos que a vida não cessa de oferecer. Nestas condições, tem-se que
distinguir uma velha Ciência do Direito de uma nova Ciência do Direi-
to, sendo esta simultaneamente analítica e crítica do ordenamento ju-
rídico. Em suma, o tecido atual do mundo pede que o “dogma” com que
trabalha a Dogmática Jurídica - a ordem jurídica globalmente vista-
suas instituições, conceitos, hierarquia e princípios orientadores – seja
trabalhada de modo diverso do dogma religioso. O “dogma”, aqui, deve
ser o parâmetro com que trabalham o jurista e o juiz, que lhe devem
fidelidade, mas há de tratar-se de fidelidade inteligente, sem a qual
não se trabalha adequadamente. Esse trabalhar adequadamente tem
que ser respeitoso da segurança jurídica e, simultaneamente, prospecti-
vo, aberto, criativo, sem que a criação, no entanto, conduza ao decisio-
nismo desrespeitoso da ordem jurídica.
O Poder Judiciário precisa ter consciência da politicidade de seu tra-
balho. Uma hermenêutica crítica, servida por uma dogmática aberta, não
pode permitir que a Constituição da República do Brasil seja vista como
“regimento interno do governo”, antes da Emenda Constitucional nº 32,
de 11-09-2001. Lamentavelmente, para isso contribui o Supremo Tribunal
Federal, ao afastar, “por inúteis, formalidades constitucionais: entendeu
que relevância e urgência são ‘questão política’, insuscetível de aprecia-
ção pelo Judiciário, e passou a admitir que MPs não apreciadas pelo Con-
gresso fossem reeditadas, com o mesmo ou diferente teor, indefinidamen-
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118. (Há tradução brasileira por Juarez Tavares : Poder Judiciário, crise, acertos
e desacertos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995)
RESUMO
O trabalho tem por objetivo analisar a teoria de Ronald Dworkin a respeito da
natureza jurídica dos princípios, como estes se distinguem das regras e qual é
sua função no ordenamento jurídico.
Palavras- chave: Princípios, regras, Dworkin, ordenamento jurídico.
ABSTRACT
The paper analyses Ronald Dworkin’s theory about the juridical nature of principles,
how they differ from rules and which is their function in the juridical order.
Key words: Principles, rules, Dworkin, juridical order.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar a teoria de Ronald Dworkin a
respeito da natureza jurídica dos princípios, como estes se distinguem das
regras e qual é sua função no ordenamento.
Direito
vol.2, e Democracia
n.2, 2001 Canoas
Direito e vol.2, n.2
Democracia 2º sem. 2001 p.425-447
425
Optou-se por não tratar, neste artigo, da diferenciação que o autor
faz entre princípio em sentido estrito e policy, embora seja feita uma
breve referência. O que interessa aqui é demonstrar, pois, a existência
dos princípios nas práticas jurídicas e porque estes são normas jurídicas
essencialmente diferentes das outras e não determinar com precisão
quais são as espécies de princípios e qual o tipo de influência que cada
uma destas podem ter na definição sobre o que o direito requer no caso
concreto. Entretanto, foram examinadas as teorias mais abrangentes de
Dworkin sobre o direito, sua natureza e em que consiste a tarefa do
jurista. Isso foi necessário, pois, como se verá no decorrer deste traba-
lho, não há como entender o papel dos princípios no ordenamento jurí-
dico, na visão do autor ora examinado, sem conhecer a sua visão a res-
peito do direito como um todo.
A importância desta teoria reside no fato de demonstrar falhas muito
sérias no Positivismo Jurídico, a teoria atualmente mais aceita entre nós,
em termos de filosofia do direito. Esse não consegue perceber, ou não tem
instrumental teórico para explicar, que o direito não é composto apenas
de regras, mas também de princípios. As falhas positivistas demonstradas
pelo autor não se resumem a esta e fazem com que seu pensamento sirva
ao menos para apontar os ajustes necessários ao positivismo, tornando-o
uma melhor descrição de nossas práticas.
A análise será feita levando em consideração suas três principais obras,
Taking Rights Seriously (1991, publicado pela primeira vez em 1977), A Mat-
ter of Principle (1985), e Law’s Empire (1986), principalmente a primeira e a
última, além de diversos artigos comentando e criticando estas obras.
Este artigo se dividirá em duas partes: na primeira, se fará uma
exposição da natureza dos princípios na teoria de Dworkin, definin-
do-os como normas jurídicas e depois apontando sua diferenciação
com relação às regras; na Segunda, a análise recairá sobre a parte da
teoria de Dworkin que explica como os princípios podem justificar
decisões sobre direitos e porque apenas estas normas podem justificar
a coerção estatal.
1
Hart expõe sua teoria em: HART, H.L.A. - O Conceito de Direito, 2ª ed. com pós-escrito. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbekian, 1996. Título original The Concept of Law, 1ª ed. em 1961, 2ª ed. com pós - escrito em
1994.
2
Dworkin, 1991, p. 17. Dworkin fala da regra de reconhecimento de Hart, mas poderia ser a norma fundamental
de Kelsen. Não se quer dizer aqui que ambas as noções têm a mesma natureza: a regra de reconhecimento
de Hart é decorrente da prática dos funcionários públicos encarregados da aplicação do direito de aceitar
como válidas as regras criadas a partir de determinados procedimentos, enquanto a norma fundamental de
Kelsen é pressuposto de validade da ordem jurídica, não sendo verificável em fatos concretos. Entretanto,
para ambos os autores, estas normas têm a função de garantir a unidade do ordenamento jurídico a partir
de critérios formais de validade.
3
A tradução mais próxima possível do termo seria “políticas públicas”, mas, no contexto deste estudo, ela pode
parecer ambígua, tendo em vista que esta expressão em português refere-se mais a ações concretas do que
propriamente uma indicação de objetivo.
4
Como para o entendimento da noção de princípios stricto sensu é necessário perceber o que Dworkin quer dizer com
moralidade faremos algumas considerações a este respeito. Trata-se de uma questão pouco trabalhada pelos
intérpretes de Dworkin. Este remete ao assunto em Dworkin 1991, capítulo 10, “Liberty and Moralism” . Pois
bem, ao examinar quais argumentos podem ser considerados como argumentos morais, o autor primeiro faz a
distinção entre moralidade no sentido antropológico e no sentido discriminatório. No sentido antropológico, a
moralidade é o conjunto das crenças de uma comunidade a respeito do que é correto ou não fazer do ponto de
vista da moral. No sentido discriminatório, a moralidade é um conjunto de critérios que usamos para saber se
consideraremos um argumento moral ou não, independente de concordar ou não com ele; por exemplo, se um
amigo nosso diz que não vai votar nestas eleições por considerar que o Brasil não é uma democracia, podemos
discordar dele mas não deixaremos de considerar sua posição como moral, se esta se enquadrar dentro de
determinados critérios. Dworkin está preocupado com a moralidade no sentido discriminatório, pois muitas
vezes o princípio que deve ser determinante para a decisão do juiz não é o que a maioria das pessoas acredita ser
o melhor, mas aquele que o magistrado considera ser o mais justo. Para que algum julgamento sobre a
moralidade ou não de alguém ou de uma instituição seja aceito como um julgamento moral, é preciso, em
primeiro lugar, que sejam oferecidas razões para este julgamento. Nós não aceitamos como morais opiniões de
alguém que não pode nos dar razões em favor destas. Voltando ao exemplo, se alguém nos diz que o Brasil não
é uma democracia, vamos querer saber o porquê. Se esta pessoa não nos informar que razões pode aduzir em favor
desta opinião, não respeitaremos sua posição nem ao menos como uma posição moral a respeito da realidade
brasileira. Mais do que isso, as razões oferecidas em favor de uma determinada posição moral devem ser de um
determinado tipo, ou, pelo menos, não ter determinadas características.
Não aceitamos como morais opiniões que têm por base um preconceito, um fato a respeito do qual as pessoas que
estão sendo moralmente avaliadas não têm escolha; ainda no exemplo, não aceitaríamos como um julgamento
moral, aquele que dissesse que o Brasil não é uma democracia por que latino-americanos, apenas em razão
de serem latino-americanos, não são capazes de viver numa democracia. Não aceitamos como morais
julgamentos que tenham por base uma mera reação emocional, sem argumentos, por exemplo quando um
cidadão brasileiro diz que o Brasil não é uma democracia apenas porque não se sente em uma democracia.
Trata-se de um sentimento irracional, que não admitimos em juízos a respeito do valor moral de uma pessoa
ou instituição. Precisamos que qualquer juízo moral tenha por base fatos comprováveis pela experiência e ou
pela ciência. Não nos serve uma opinião que diga que o Brasil não é uma democracia porque todas as eleições
são fraudadas. Não há comprovação deste fato. Portanto, se alguém o usasse como justificativa de uma
asserção moral, esta não seria aceita como tal. Quem defende uma postura moral deve estar racionalmente
convencido desta postura, não pode estar simplesmente repetindo aquilo que ouviu na rua, ou da boca do
vizinho: “o Brasil não é uma democracia porque meu vizinho disse isso outro dia”. Além disso, exigimos que
uma pessoa que faça juízos de valor moral, seja coerente nestes juízos. Não aceitamos que alguém que diga
que o Brasil não é uma democracia porque é o que a Bíblia diz (admitimos isto na hipótese), ignore outras de
suas mensagens, por exemplo, a mensagem que diz que devemos acreditar em Deus. Se isso acontecer
exigiremos, ao menos, que esta pessoa explique porque aceita a Bíblia em um sentido mas não em outro.
Não estamos tratando aqui de critérios inventados por Dworkin, mas de critérios que efetivamente usamos ao
analisar julgamentos de valor moral. A exigência de racionalidade é, na verdade, critério para todo e
qualquer argumento humano. A sua forma pode até variar, mas racionalidade é sempre exigida. Kelsen, em
sua “Teoria Pura do Direito” (1999), refere que os primitivos analisavam os fenômenos da natureza por uma
relação de imputação: se não está chovendo e não estamos tendo uma boa colheita é porque os deuses estão
insatisfeitos com os sacrifícios que lhes oferecemos. O homem sempre busca razões para os fatos da vida.
A importância destes critérios está em que estes reduzem, se não extinguem, as possibilidades de um
relativismo moral sem limites, embora não se queira com isso dizer que existem valores morais metafísicos
e preexistentes a tudo, nem que todo o direito está de acordo com a moral, já que os princípios são
manifestações da moral e fazem parte do sistema jurídico. A história da Humanidade apresenta exemplos
de sistemas jurídicos que podem ser classificados como injustos, como imorais: a moralidade no sentido
discriminatório é um critério que se refere a forma que deve assumir um argumento para ser considerado
um argumento moral; quanto a se o argumento moral vai ser bom ou ruim isto é outro problema.
5
Hart (1996, p.322) diz que a diferença entre princípios e regras é meramente de proporção, sendo aqueles mais
e estes menos genéricos.
6
ALEXY. Teoria de los derechos...
Quanto à Validade
As regras são válidas se criadas de acordo com a regra de conheci-
mento ou a norma fundamental. São válidas apenas se podem ser recon-
duzidas a esta regra de reconhecimento ou norma fundamental. Os prin-
cípios não podem ser reconduzidos a uma norma fundamental (Dworkin,
1991, p. 41), pois não é possível traçar sua origem a uma decisão determi-
nada, quanto mais saber se a autoridade que os criou é competente para
tanto. As regras ligam-se umas às outras na estrutura escalonada do or-
denamento jurídico a que se refere Kelsen (1999), enquanto que os prin-
cípios seguram-se uns aos outros, sem ser cada um deles dependente da
validade de um outro princípio superior.
Talvez este último critério não sirva para todos os princípios do nosso
ordenamento, vez que muitas vezes eles são explicitados em leis e na
constituição e, portanto, podem ter sua origem traçada até a norma fun-
damental. Mas o fato é que, quando se trata de princípios, mesmo não
sendo reconduzíveis a uma norma fundamental, eles ainda assim fazem
7
Este é um problema que se apresenta tanto em Kelsen como em Hart quando eles tratam de costume, pois este
pode ser capaz, inclusive, de revogar a Constituição sem ter um pedigree determinável, sem ser possível
determinar quando uma simples prática social passa a ser direito.
Quanto às Exceções
As regras possuem exceções e estas são previstas expressamente
(Dworkin 1991, p. 25). É possível, quanto a uma determinada regra, pre-
vermos todas as exceções, e qualquer formulação da mesma que não in-
clua todas as suas exceções é considerada incompleta. O mesmo não ocorre
com os princípios: tais normas não sofrem exceções, apenas deixam de
determinar a decisão em razão de ter peso menor no caso concreto. Ain-
da, não se pensa que a formulação de um princípio será mais exata quan-
to mais casos nos quais ele não se aplica forem mencionados.
Quando uma regra sofre exceção, ela é simplesmente substituída; já
um princípio é sempre levado em consideração, ainda que ele não seja
determinante para a decisão no caso concreto.
8
Para explicação de como se dá este processo v. próxima seção.
9
Diz-se “devem oferecer” porque às vezes o ordenamento é, em si incoerente, e não é possível uma continuação
na cadeia de direito. De todo modo, completude e coerência do sistema são objetivos a serem perseguidos
e os princípios são a forma que nossa prática encontrou para atingi-los. Quando estas incoerências
ocorrem, não se pode dizer que delas é possível extrair um princípio orientador de outras decisões; sua
influência será restrita a seu lugar na hierarquia normativa, não tendo o que Dworkin chama de “força
gravitacional”, geradora de princípios.
Conclusão
Fica claro que não se trata de uma diferença de grau, quando se refe-
re à diferença entre regras e princípios. Tratam-se de normas com um
caráter totalmente diferente, cuja aplicação é feita de modo completa-
mente diversa.
A aplicação dos princípios está muito ligada a um raciocínio preocu-
pado com as características do caso concreto. Mais do que isso, assim
como a racionalidade prática, não quer dar validade universal para suas
conclusões, por isso um princípio não aplicado não perde sua validade.
A aplicação de regras é feita em uma racionalidade abstrata, preocu-
pada com o método como critério de verdade, o que se exprime por seu
caráter de tudo ou nada. A regra não aplicada é inválida. A preocupação
com a justiça concreta na aplicação de regras é secundária, assim como a
correspondência entre asserção e realidade é secundária para a razão
abstrata. Em outros termos, assim como para a razão abstrata o método é o
critério de verdade, em detrimento da correspondência com a realidade,
quando se aplicam regras, o justo é o conforme a regra, independente da
justiça no caso concreto.
Mais do que isso, a diferença se percebe melhor quando se nota que o
direito não é um conjunto de regras e princípios, mas uma construção
interpretativa. Esta idéia é explicável através da “analogia da corda” de
Princípio e interpretação
Mas como é possível, no caso concreto, determinar quais os princípios
e dentre estes, qual aquele que vai, por fim, determinar a decisão? Mais:
como aplicar princípios com garantia de que o direito está sendo respeita-
do, sem que, ao fim e ao cabo, não se trate de arbítrio do juiz?
Segundo Dworkin, estas perguntas apenas surgem em razão daquilo
que ele chama de aguilhão ou ferrão semântico. Os positivistas (mas tam-
bém os jusnaturalistas e realistas) acham que existe um acordo sobre aquilo
que é direito, ainda que nem todos saibam explicá-lo. Acham que este
acordo tem mesma natureza do acordo que se tem, por exemplo, a respei-
to daqueles que são carecas. Sabemos dizer quem é careca e quem não é,
sabemos que Esperidião Amin é careca e que Fernando Henrique Cardo-
so não é. Podem surgir casos em que fique difícil de definir se alguém é
careca. Por exemplo: Antônio Carlos Magalhães é calvo ou não? Mas isto
não quer dizer que não saibamos o que é uma pessoa calva ou que o
conceito de calvície não é satisfatório, significa apenas que existem casos
limites para os quais a solução é mera questão de acordo, e nenhuma
posição está mais correta que a outra.
10
Neste ponto fazemos uma interpretação mais coerente do próprio Dworkin, a partir das justificativas que ele
mesmo oferece para o processo interpretativo, apesar de o texto não ser concludente no sentido de que é
possível a elaboração de um novo conceito e não apenas de novas concepções.
11
Embora nem sempre estas tenham de ser incompatíveis, admita-se que o sejam.
12
Devido processo jurídico pois a expressão em inglês é “due process of law”, sendo que “law” significa, nesta
expressão, direito e não lei.
CONCLUSÃO
Para Dworkin, a idéia da existência de princípios em um ordenamento
jurídico é conseqüência de uma outra, mais complexa, segundo a qual o
direito é uma prática interpretativa e só desta forma pode ser efetivamen-
te compreendido. Ele é, por esta razão, um crítico feroz das outras teorias
a respeito do direito, que segundo pensa, não entendem esta natureza
interpretativa e tentam tratar o conceito de direito da mesma forma que
se trata os conceitos referentes a objetos físicos, sobre os quais temos cer-
tezas absolutas.
Dworkin está correto. É só por meio da idéia de que o direito é uma
prática interpretativa que podemos explicar a existência dos princípios,
13
Usa-se “cultural” aqui num sentido muito específico, de influências não jurídicas, sem pretensão de precisão
terminológica.
BURNET, D. A. - Dworkin and Pound. Archiv für Rechts und Sozialphilosophie vol. 71,
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CALSAMIGLIA, Albert - Dworkin and the Focus on Integrity.. Archiv für Rechts und
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HUND, John - New light on Dworkin’s Jurisprudence. Archiv für Rechts und
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KELSEN, Hans - Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
ZACCARIA, Giuseppe. Diritto comme interpretazione, sul rapporto tra Ronald Dworkin
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RESUMO
O autor expõe sua concepção de situações ou estados jurídicos fundamentais ,
explicando a dinâmica das relações jurídicas, em especial, a da relação jurídica
processual. Incidentemente, mostra a identidade essencial dos conceitos de ônus
e de direito formativo.
Palavras-chave: Situações jurídicas, estados jurídicos, processos legais.
ABSTRACT
The author presents his conception of fundamental juridical situations or states
of affairs, explaining the dynamics of juridical relations, especially the legal
proceedings one. Eventually, he shows the essential identity between the concepts
of onus and of formative right.
Key words: Juridical situations, juridical states of affairs, legal proceedings.
INTRODUÇÃO
O Direito regula o convívio. Regula relações interpessoais, ordenan-
do, proibindo ou permitindo. Daí a relevância jurídica dos atos humanos
devidos (ordenados ou proibidos) ou permitidos. Ordenam-se, proibem-
CONCEPÇÃO DE GOLDSCHMIDT
As idéias aqui expostas não coincidem a concepção de Goldschmidt,
que vê o processo, não como relação jurídica, mas como uma situação
jurídica.
Segundo esse autor, as normas processuais têm por destinatário o juiz,
não constituindo para as partes senão avisos de que ele observará deter-
minada conduta e, a final, pronunciará uma sentença com determinado
conteúdo. Os vínculos que daí decorrem para as partes não são propria-
mente “relações jurídicas” (consideração “estática” do Direito), isto é,
não constituem direitos nem deveres, mas “situações jurídicas” (conside-
ração “dinâmica” do Direito), quer dizer, situações de expectativa da con-
duta do juiz, e, em última análise, do futuro julgamento; em uma palavra:
expectativas, possibilidades e ônus. Os direitos processuais não são senão
expectativas. O próprio direito à tutela jurídica (ação processual) não é,
nessa perspectiva, mais do que uma expectativa juridicamente fundada.
Por sua vez, os ônus, “imperativos do próprio interesse”, ocupam no pro-
cesso o lugar das obrigações. A situação jurídica diferencia-se da relação
juríica não só por seu conteúdo, mas também porque ligada, não à exis-
tência, mas à prova de seus pressupostos. Trata-se de um conceito espe-
cificamente de direito processual ( Goldschmidt, 1936, pp. 7-9).
CONCLUSÃO
As situações subjetivas de que falamos têm seu lugar na Teoria Geral
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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WINDSCHEID, Bernardo. Diritto delle Pandette. Trad. Carlo Fadda e Paolo Bensa.
Torino, Editrice Torinese, 1902. v. I. t. I.
PROCLAMAÇÃO SOLENE
PREÂMBULO
Os povos da Europa, estabelecendo entre si uma união cada vez mais
estreita, decidiram partilhar um futuro de paz, assente em valores co-
muns.
Consciente do seu patrimônio espiritual e moral, a União baseia-se
nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da li-
berdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da de-
mocracia e do Estado de direito. Ao instituir a cidadania da União e ao
criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, coloca o ser
humano no cerne da sua ação.
CAPÍTULO I
DIGNIDADE
Artigo 1º
Dignidade do ser humano
Artigo 2º
Direito à vida
1. Todas as pessoas têm direito à vida.
2. Ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado.
Artigo 3º
Direito à integridade do ser humano
1. Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade
física e mental.
2. No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados,
designadamente:
- o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos
da lei,
- a proibição das práticas eugênicas, nomeadamente das que
têm por finalidade a seleção das pessoas,
- a proibição de transformar o corpo humano ou as suas par-
tes, enquanto tais, numa fonte de lucro,
- a proibição da clonagem reprodutiva dos seres humanos.
Artigo 4º
Proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes
Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desu-
manos ou degradantes.
CAPÍTULO II
LIBERDADES
Artigo 6º
Direito à liberdade e à segurança
Todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança.
Artigo 7º
Respeito pela vida privada e familiar
Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e famili-
ar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.
Artigo 8º
Proteção de dados pessoais
1. Todas as pessoas têm direito à proteção dos dados de caráter
pessoal que lhes digam respeito.
2. Esses dados devem ser objeto de um tratamento leal, para fins
específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com
outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as pessoas têm
Artigo 9º
Direito de contrair casamento e de constituir família
O direito de contrair casamento e o direito de constituir família são
garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.
Artigo 10º
Liberdade de pensamento, de consciência e de religião
1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de cons-
ciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar
de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifes-
tar a sua religião ou a sua convicção, individual ou coletiva-
mente, em público ou em privado, através do culto, do ensino,
de práticas e da celebração de ritos.
2. O direito à objeção de consciência é reconhecido pelas legisla-
ções nacionais que regem o respectivo exercício.
Artigo 11º
Liberdade de expressão e de informação
1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este direi-
to compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber
e de transmitir informações ou idéias, sem que possa haver in-
gerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de
fronteiras.
2. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comuni-
cação social.
Artigo 13º
Liberdade das artes e das ciências
As artes e a investigação científica são livres. É respeitada a liberdade
acadêmica.
Artigo 14º
Direito à educação
1. Todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à
formação profissional e contínua.
2. Este direito inclui a possibilidade de freqüentar gratuitamente o
ensino obrigatório.
3. São respeitados, segundo as legislações nacionais que regem o
respectivo exercício, a liberdade de criação de estabelecimentos
de ensino, no respeito pelos princípios democráticos, e o direito
dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acor-
do com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas.
Artigo 15º
Liberdade profissional e direito de trabalhar
1. Todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma
profissão livremente escolhida ou aceite.
Artigo 16º
Liberdade de empresa
É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito comu-
nitário e as legislações e práticas nacionais.
Artigo 17º
Direito de propriedade
1. Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus
bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de
os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado
da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos
casos e condições previstos por lei e mediante justa indenização
pela respectiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode
ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse
geral.
2. É protegida a propriedade intelectual.
Artigo 18º
Direito de asilo
É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra
de 28 de Julho de 1951 e do Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, relativos
ao estatuto dos refugiados, e nos termos do Tratado que institui a Comu-
nidade Européia.
CAPÍTULO III
IGUALDADE
Artigo 20º
Igualdade perante a lei
Todas as pessoas são iguais perante a lei.
Artigo 21º
Não discriminação
1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo,
raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas,
língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, per-
tença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiên-
cia, idade ou orientação sexual.
2. No âmbito de aplicação do Tratado que institui a Comunidade
Européia e do Tratado da União Européia, e sem prejuízo das
disposições especiais destes Tratados, é proibida toda a discri-
minação em razão da nacionalidade.
Artigo 23º
Igualdade entre homens e mulheres
Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os
domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração.
O princípio da igualdade não obsta a que se mantenham ou adotem
medidas que prevejam regalias específicas a favor do sexo sub-represen-
tado.
Artigo 24º
Direitos das crianças
1. As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao
seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que
será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam res-
peito, em função da sua idade e maturidade.
2. Todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades
públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente
em conta o interesse superior da criança.
3. Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações
pessoais e contatos diretos com ambos os progenitores, exceto se
isso for contrário aos seus interesses.
Artigo 25º
Direitos das pessoas idosas
A União reconhece e respeita o direito das pessoas idosas a uma exis-
tência condigna e independente e à sua participação na vida social e
cultural.
CAPÍTULO IV
SOLIDARIEDADE
Artigo 27º
Direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa
Deve ser garantida aos níveis apropriados, aos trabalhadores ou aos
seus representantes, a informação e consulta, em tempo útil, nos casos e
nas condições previstos pelo direito comunitário e pelas legislações e prá-
ticas nacionais.
Artigo 28º
Direito de negociação e de ação coletiva
Os trabalhadores e as entidades patronais, ou as respectivas organiza-
ções, têm, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas
nacionais, o direito de negociar e de celebrar convenções coletivas, aos
níveis apropriados, bem como de recorrer, em caso de conflito de interes-
ses, a ações coletivas para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve.
Artigo 29º
Direito de acesso aos serviços de emprego
Todas as pessoas têm direito de acesso gratuito a um serviço de emprego.
Artigo 31º
Condições de trabalho justas e eqüitativas
1. Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho sau-
dáveis, seguras e dignas.
2. Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração
máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal,
bem como a um período anual de férias pagas.
Artigo 32º
Proibição do trabalho infantil e proteção dos jovens no trabalho
É proibido o trabalho infantil. A idade mínima de admissão ao traba-
lho não pode ser inferior à idade em que cessa a escolaridade obrigatória,
sem prejuízo de disposições mais favoráveis aos jovens e salvo derrogações
bem delimitadas.
Os jovens admitidos ao trabalho devem beneficiar de condições de
trabalho adaptadas à sua idade e de uma proteção contra a exploração
econômica e contra todas as atividades susceptíveis de prejudicar a sua
segurança, saúde ou desenvolvimento físico, mental, moral ou social, ou
ainda de pôr em causa a sua educação.
Artigo 33º
Vida familiar e vida profissional
1. É assegurada a proteção da família nos planos jurídico, econômi-
co e social.
2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional,
Artigo 34º
Segurança social e assistência social
1. A União reconhece e respeita o direito de acesso às prestações
de segurança social e aos serviços sociais que concedem prote-
ção em casos como a maternidade, doença, acidentes de traba-
lho, dependência ou velhice, bem como em caso de perda de
emprego, de acordo com o direito comunitário e as legislações e
práticas nacionais.
2. Todas as pessoas que residam e que se desloquem legalmente no
interior da União têm direito às prestações de segurança social
e às regalias sociais nos termos do direito comunitário e das
legislações e práticas nacionais.
3. A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União
reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma
ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência con-
digna a todos aqueles que não disponham de recursos suficien-
tes, de acordo com o direito comunitário e as legislações e prá-
ticas nacionais.
Artigo 35º
Proteção da saúde
Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de
saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e
práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e ações da
União, será assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana.
Artigo 37º
Proteção do ambiente
Todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de pro-
teção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acor-
do com o princípio do desenvolvimento sustentável.
Artigo 38º
Defesa dos consumidores
As políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos
consumidores.
CAPÍTULO V
CIDADANIA
Artigo 39º
Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu
1. Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de ser
eleitos para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de resi-
dência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.
Artigo 40º
Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais
Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de ser eleitos
nas eleições municipais do Estado-Membro de residência, nas mesmas
condições que os nacionais desse Estado.
Artigo 41º
Direito a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam trata-
dos pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial,
eqüitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
- o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu
respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete
desfavoravelmente,
- o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que
se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da
confidencialidade e do segredo profissional e comercial,
- a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as
suas decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comuni-
dade, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus
agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os
princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições
da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter
uma resposta na mesma língua.
Artigo 43º
Provedor de Justiça
Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou
coletiva com residência ou sede social num Estado-Membro, tem o direi-
to de apresentar petições ao Provedor de Justiça da União, respeitantes a
casos de má administração na atuação das instituições ou órgãos comuni-
tários, com excepção do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira
Instância no exercício das respectivas funções jurisdicionais.
Artigo 44º
Direito de petição
Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou
coletiva com residência ou sede social num Estado-Membro, goza do di-
reito de petição ao Parlamento Europeu.
Artigo 45º
Liberdade de circulação e de permanência
1. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e perma-
necer livremente no território dos Estados-Membros.
2. Pode ser concedida a liberdade de circulação e de permanência,
de acordo com as disposições do Tratado que institui a Comuni-
dade Européia, aos nacionais de países terceiros que residam
legalmente no território de um Estado-Membro.
CAPÍTULO VI
JUSTIÇA
Artigo 47º
Direito à ação e a um tribunal imparcial
Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da
União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal.
Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma eqüita-
tiva, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e
imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibi-
lidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos
suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para ga-
rantir a efetividade do acesso à justiça.
Artigo 48º
Presunção de inocência e direitos de defesa
1. Todo o argüido se presume inocente enquanto não tiver sido
legalmente provada a sua culpa.
2. É garantido a todo o argüido o respeito dos direitos de defesa.
Artigo 50º
Direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez
pelo mesmo delito
Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do
qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na
União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.
CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 51º
Âmbito de aplicação
1. As disposições da presente Carta têm por destinatários as insti-
tuições e órgãos da União, na observância do princípio da sub-
Artigo 52º
Âmbito dos direitos garantidos
1. Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reco-
nhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respei-
tar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na obser-
vância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só
podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem
efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela
União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades
de terceiros.
2. Os direitos reconhecidos pela presente Carta, que se baseiem
nos Tratados comunitários ou no Tratado da União Européia,
são exercidos de acordo com as condições e limites por estes
definidos.
3. Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspon-
dentes aos direitos garantidos pela Convenção européia para a
proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais,
o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por
essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma pro-
teção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a
que o direito da União confira uma proteção mais ampla.
Artigo 53º
Nível de proteção
Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sen-
tido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades funda-
Artigo 54º
Proibição do abuso de direito
Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sen-
tido de implicar qualquer direito de exercer atividades ou praticar atos
que visem a destruição dos direitos ou liberdades por ela reconhecidos,
ou restrições maiores desses direitos e liberdades que as previstas na pre-
sente Carta.