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ARTIGO ARTICLE 1821

Avaliação crítica do Sistema de Informação


da Atenção Básica (SIAB) e de sua implantação
na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

Critical evaluation of the Primary Care


Information System (SIAB) and its implementation
in Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil

Anderson Soares da Silva 1


Milton Roberto Laprega 1

Abstract Introdução

1 Faculdade de Medicina As the health information system used by the Características dos sistemas
de Ribeirão Preto,
Family Health Program teams, the Primary Care de informação em saúde no Brasil
Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto, Brasil. Information System (SIAB) is a potential tool for
follow-up of registered families and local plan- A Constituição Federal de 1988 e a Lei n. 8.080/
Correspondência
ning, thus motivating the present study. Semi- 90 (Diário Oficial da União 1990; 19 set) lança-
A. S. Silva
Departamento de Medicina structured interviews were held with key indi- ram as bases para a criação do Sistema Único
Social, Faculdade de viduals in this health information system chain, de Saúde (SUS), o qual passou a reunir todos os
Medicina de Ribeirão Preto,
among Family Health Teams in the municipali- serviços públicos (federal, estadual e munici-
Universidade de São Paulo.
Av. Bandeirantes 3900, ty of Ribeirão Preto and surrounding region, São pal) e privados (conveniados/contratados) de
Ribeirão Preto, SP Paulo State, Brazil, with the objective of analyz- saúde, pregando o acesso universal e equâni-
14490-900, Brasil.
assilva@usp.br
ing certain characteristics in the system, includ- me ao sistema, bem como enfatizando ações
ing: knowledge and having received training to de promoção de saúde, prevenção, tratamento
handle it and utilization for local planning and e reabilitação de doenças.
social control. The study concluded that the Com a consolidação da implantação do SUS,
SIAB is an easy system to handle, but that it pre- houve a necessidade de uma melhor estrutura-
sents some limitations already found in other ção dos Sistemas de Informação em Saúde
health information systems, such as: difficulty (SIS), para que os mesmos seguissem a lógica
in identifying individuals in the program, lim- do acompanhamento integral pregada pelo
ited number of diseases reported, and limited novo sistema de saúde, assegurando a avalia-
utilization to back planning and decision-mak- ção permanente da situação de saúde da popu-
ing at the local level. Therefore, the analysis of lação e dos resultados das ações executadas,
the SIAB was highly important for improving fundamental para o acompanhamento, con-
this health information system and can con- trole e repasse de recursos 1. Desta forma, os
tribute to future improvements and adaptations municípios passaram a ser também responsá-
in the program. veis pela produção, organização e coordenação
das informações em saúde, devendo deixar de
Information Systems; Program Evaluation; Fam- lado o mero papel de coletor e repassador de
ily Health Program dados. Contudo, sabe-se que grande parte dos
SIS federais foi concebida antes da implanta-
ção do SUS, não incorporando, desta maneira,

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as características exigidas pelo novo sistema de grupos prioritários, como: hipertensos, diabé-
saúde (por exemplo: a descentralização das in- ticos, gestantes, hansenianos e tuberculosos. A
formações). ficha C presta-se ao acompanhamento das con-
Pode-se, assim, resumir as principais carac- dições de saúde e seguimento médico de crian-
terísticas dos SIS em funcionamento no Brasil, ças menores de dois anos, sendo o próprio Car-
segundo Moraes 2 e Tasca et al. 3: (a) centraliza- tão da Criança fornecido pelo Ministério da
dos/verticalizados/fragmentados – os dados Saúde. A ficha D é utilizada por toda a equipe
obedecem ao fluxo municípios-estados-fede- do Programa Saúde da Família (PSF) para o re-
ração, ou seja, sempre na direção do nível local gistro das atividades diárias (consultas médicas
para o central, são fragmentados, pertencendo e de enfermagem, solicitação de exames com-
aos vários feudos técnicos da saúde e sofrem plementares, encaminhamentos), bem como
processamento fundamentalmente no nível para a notificação de algumas doenças (por
central; (b) exclusão do nível local (municí- exemplo: pneumonia em menores de cinco
pios) no processo de decisão e planejamento anos). Já os relatórios representam um consoli-
em saúde; (c) ausência de mecanismos de ava- dado dos dados presentes nas fichas de cadas-
liação e controle da qualidade dos dados pro- tro e acompanhamento: (1) SSA2 – consolida-
duzidos; (d) ênfase na coleta de dados médicos do dos dados das fichas A, B, C e D; (2) SSA4 –
ou de doenças, não permitindo a construção consolidado dos dados contidos nos relatórios
do perfil de saúde da população; (e) incompa- SSA2 de um município; (3) PMA2 – consolida-
tibilidade entre os diversos sistemas de infor- do das fichas D; (4) PMA4 – consolidado dos re-
mação utilizados; (f ) falta/deficiência de infra- latórios PMA2 do município; (5) relatórios A1
estrutura de informática nos municípios, o que ao A4 – consolidado dos dados presentes nas
dificulta ou até mesmo inviabiliza a coleta ade- diversas fichas A. Os números 1, 2, 3 e 4 refe-
quada e o processamento dos dados; (g) ter co- rem-se aos níveis de agregação corresponden-
mo base dos dados apenas a população assisti- te: 1 – micro-área, 2 – área, 3 – seguimento e 4 –
da, o que contribui para a produção de infor- município.
mações não compatíveis com a realidade local; Quanto ao software SIAB, o mesmo utiliza
(h) ausência da participação popular na gera- três formulários de entrada dos dados: um pa-
ção e uso das informações. ra o cadastramento familiar, um para as infor-
Então, fundamentalmente, o que tem ocor- mações de saúde e outro para as informações
rido é apenas a descentralização da digitação, de produção e marcadores para avaliação.
processamento e acesso aos dados, ficando Diferentemente de outros sistemas de in-
ainda às instâncias centrais (estadual e federal) formação em saúde, o SIAB caracteriza-se por
a definição das prioridades a serem seguidas 4. ser um SIS territorializado, ou seja, fornece in-
dicadores populacionais (morbidade, mortali-
Sistema de Informação da Atenção Básica dade e de serviços) de uma determinada área
de abrangência. Propõe, com isso, que se co-
O Sistema de Informação da Atenção Básica nheçam as condições de saúde dessa popula-
(SIAB) foi criado em 1998 pelo Departamento ção adscrita, bem como os fatores determinan-
de Informação e Informática do SUS (DATASUS), tes do processo saúde-doença. Representa, en-
em conjunto com a Coordenação de Saúde da tão, potencialmente, uma fonte de dados de
Comunidade/Secretaria de Assistência à Saúde grande valor para a realização do diagnóstico
(COSAC/SAS), para auxiliar o acompanhamen- de saúde de determinada área de abrangência,
to e avaliação das atividades realizadas pelos norteando o planejamento e avaliação de ações
agentes comunitários de saúde (ACS), agregan- em saúde.
do e processando os dados advindos das visi-
tas domiciliares, bem como, do atendimento
médico e de enfermagem realizado na unidade Métodos
de saúde e nos domicílios 5.
É composto por um programa de computa- Este trabalho teve como base metodológica da
dor (software) e por algumas fichas (A, B, C, D) construção e análise dos dados a pesquisa qua-
e relatórios (SSA-2, SSA-4, PMA-2, PMA-4 e A1 litativa.
ao A4). A ficha A representa a ficha de cadastro Para a coleta dos dados, optou-se pela rea-
familiar e, portanto, contém dados básicos de lização de entrevistas semi-estruturadas, indi-
características sócio-econômicas, de saúde viduais e em grupo, com os indivíduos-chave
(morbidade referida) e moradia das famílias e no manejo do SIAB, desde o nível local (equi-
seus indivíduos. As fichas B são utilizadas pe- pes do PSF), passando pelas respectivas Secre-
los ACS para o acompanhamento domiciliar de tarias Municipais de Saúde (SMS), até o nível

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central (Direção Regional de Saúde – DIR XVIII). Bender & Ewbank 8 concordam: representa o
Quanto à adequação dessa técnica de pesquisa exame sistemático dos textos e notas de entre-
para o estudo em questão, Ziebland & Wrigtht 6 vistas, identificando e agrupando-os em temas,
(p. 113) justificam: “técnicas de entrevista qua- e classificando/desenvolvendo categorias. As
litativa podem ser utilizadas para explicitar categorias ou temas surgem a partir do referen-
pontos de vista e opiniões do público em geral, cial teórico e dos roteiros empregados nas en-
usuários e provedores de serviços, e aqueles liga- trevistas, ou quando algumas citações dos en-
dos à realização de políticas e implementação trevistados passam a ser relevantes dentro da
de processos”. análise (aparecem com maior freqüência). Des-
Por conseguinte, foram realizadas entrevis- ta forma, a construção dos temas levou em con-
tas em grupo com os ACS e entrevistas indivi- sideração os aspectos gerais a respeito do SIAB
duais com as respectivas enfermeiras das equi- (no contexto do estudo), os quais surgiram a
pes e com os responsáveis técnicos pelo SIAB partir de uma convergência dos objetivos do
nas SMS e na DIR XVIII. Vale salientar que, an- estudo (baseados na literatura consultada) e
tes de iniciar as entrevistas, a importância e os das falas dos entrevistados, chegando-se à se-
objetivos do estudo foram explicitados para os guinte divisão: (1) características do software –
entrevistados e aos mesmos foi pedido, caso entram nessa categoria as opiniões a respeito
concordassem com a pesquisa, que assinassem do manejo do programa de computador, difi-
um termo de consentimento. culdades encontradas e sugestões para sua me-
Desta forma, foram escolhidos cinco Nú- lhoria; (2) rotina de preenchimento das fichas
cleos de Saúde da Família (NSF) no Município e relatórios – nessa, estão representadas as opi-
de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, sendo es- niões quanto ao entendimento dos campos
ses ligados ao Centro de Saúde Escola Dr. Joel (com as respectivas dúvidas e sugestões) pre-
D. Machado, Faculdade de Medicina de Ribei- sentes nas fichas e relatórios, adaptação local
rão Preto, Universidade de São Paulo e escolhi- às dificuldades encontradas e opiniões a res-
dos aleatoriamente outros quatro Núcleos per- peito do manual técnico do SIAB; (3) SIAB no
tencentes a municípios ligados à DIR XVIII processo decisório – estão representados aqui
(uma equipe em Serrana e Jardinópolis, e duas o uso do SIAB como ferramenta para a realiza-
em Luiz Antônio). Quanto aos técnicos respon- ção de diagnósticos de saúde, planejamento de
sáveis pelo SIAB nas SMS, foram apenas entre- ações, controle social, existência de supervisão
vistados aqueles dos Municípios de Ribeirão local e relações com outros SIS; (4) relação en-
Preto e Serrana, visto que, nos demais municí- tre os diferentes níveis – nessa categoria, en-
pios, não havia pessoal encarregado para tal tram as proposições quanto à existência, ou
função. não, de supervisão e treinamento das equipes
Para a escolha dos outros municípios per- pelas SMS e DIR XVIII, conhecimento geral e
tencentes à DIR XVIII, foi dada preferência utilização do sistema pelos níveis centrais e re-
àqueles que tinham duas ou mais equipes de torno dos dados para as equipes locais.
saúde da família, e, dentre essas, foram esco- Conforme sugerido por Bender & Ewbank 8
lhidas aquelas com maior tempo de funciona- e Knodel et al. 7, como forma de facilitar a aná-
mento. lise interpretativa do conteúdo dos transcritos,
As entrevistas foram realizadas entre os foi construída uma tabela (“rede de visualiza-
meses de julho e setembro de 2002, com dura- ção”), contendo os tópicos chaves (categorias
ção média de uma hora, perfazendo um total ou temas) segundo os grupos de entrevistados.
de 19 entrevistas, sendo os sujeitos da pesquisa Cada célula da tabela continha sumários do
(enfermeiras, ACS e responsáveis técnicos pelo conteúdo das discussões de cada grupo de acor-
SIAB) entrevistados em seus locais de trabalho. do com cada tema ou categoria.
Quanto à análise do material obtido (entre- Assim dispostos os dados em categorias ana-
vistas), o primeiro passo foi a transcrição das liticamente úteis, procedeu-se a procura de ca-
mesmas. Feito isso, o próximo passo foi a leitu- racterísticas comuns existentes entre essas sub-
ra exaustiva de todas as transcrições, objeti- divisões, o que auxiliou a elaboração das con-
vando-se entender o fenômeno sob investiga- clusões a respeito de cada categoria.
ção. Essa etapa da análise também auxiliou, Como forma de avaliar a validade dos da-
em muito, a construção da próxima, qual seja, dos coletados, procedeu-se a comparação das
a análise de conteúdo do material. declarações entre os diversos grupos (ACS x
A análise de conteúdo representa um dos ACS, enfermeiras x ACS e enfermeiras x enfer-
métodos mais comuns de análise dentro da meiras) 8. Desse modo, pôde-se chegar a um
metodologia qualitativa. Quanto a esse ponto, ponto de saturação tal que conferiu validade e
os autores Ziebland & Wright 6, Knodel et al. 7 e representatividade ao trabalho 6.

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Resultados em determinar o estado nutricional da gestan-


te o fator mais citado, ponto esse também men-
Analisando o conteúdo das falas dos entrevis- cionado pelos ACS.
tados intra e inter grupos, pôde-se chegar às Sobre a ficha de acompanhamento dos hi-
seguintes conclusões sobre o SIAB, na região pertensos (ficha B-HA), os campos que mais
de Ribeirão Preto, na época em que o estudo geraram dúvidas foram os da pressão arterial e
foi realizado: dieta. Sobre este, as enfermeiras revelaram-se
preocupadas com a orientação dada pelos ACS
Características gerais do software durante as visitas domiciliares, pois haveria a
necessidade de treinamento desses profissio-
Todos ressaltaram a simplicidade de manuseio nais para que pudessem reforçar as orienta-
do programa, porém criticaram a impossibili- ções dadas aos pacientes hipertensos pelos
dade de digitar o nome das pessoas e os res- médicos e enfermeiras sobre os cuidados com
pectivos endereços, fato esse que facilitaria a a alimentação, em seu domicílio. Já aquele foi
melhor identificação das famílias e dos indiví- classificado como de pouca confiabilidade, vis-
duos dentro do programa. to que, segundo o Conselho Regional de Enfer-
Outra característica negativa bastante res- magem do Estado de São Paulo, aos ACS não é
saltada nos dois grupos (ACS e enfermeiras) foi permitido aferir a pressão arterial, e também
o número limitado de doenças ou condições pela dificuldade dos pacientes em lembrar o
referidas codificadas na ficha A, os quais não último valor da pressão arterial aferido.
refletiriam a realidade local. Como exemplo, foi A ficha de acompanhamento dos portado-
citada a impossibilidade de registrar doenças res de diabetes (ficha B-DIA) foi caracterizada
como depressão e AIDS, em detrimento de ou- pelas equipes como aquela de mais fácil preen-
tras codificáveis pelo SIAB, mas de menor pre- chimento. Considerações foram feitas por al-
valência ou até mesmo inexistentes para a gumas enfermeiras a respeito do campo: dieta
maioria das equipes (e.g. malária). e exercício. Para elas, os ACS deveriam ser ade-
O número limitado de ocupações que o pro- quadamente orientados, de forma semelhante
grama oferece também foi muito citado, fican- à observação feita para a ficha B-HA, como in-
do os ACS obrigados, em muitos casos, a adap- dagar e orientar os pacientes sobre alimenta-
tar a classificação da profissão de determinado ção saudável e atividade física durante as visi-
indivíduo àquela existente no programa. tas domiciliares.
Outro fato notado pela maioria das equipes Ainda sobre as fichas de acompanhamento
apenas depois de certo tempo de utilização do de hipertensos e diabéticos, alguns profissio-
software foi a não mudança automática da ida- nais entrevistados reclamaram da não utiliza-
de dos indivíduos cadastrados após fazerem ção pela equipe dos dados coletados, o que po-
aniversário, acarretando a contabilização erra- de ser exemplificado na fala deste ACS: “eu fa-
da dessa população nos relatórios de produ- ço isso, mas o médico nunca pega essa ficha pa-
ção, gerando confusão para os membros das ra ver, então para quê? É um papel a mais, por-
equipes. que o médico não pega essa ficha”.
As fichas de acompanhamento dos porta-
Preenchimento das fichas e relatórios dores de tuberculose (B-TB) e hanseníase (B-
HAN) praticamente não eram utilizadas, devi-
A maioria dos profissionais das equipes, prin- do à baixa prevalência desses casos nas áreas
cipalmente os ACS, reclamou do excesso de fi- de abrangência das equipes e/ou ao acompa-
chas usadas em sua rotina de trabalho, o que nhamento desses pacientes pelos profissionais
resultaria em perda de tempo, dificultando a da vigilância epidemiológica local.
dinamização do trabalho. A ficha C não era utilizada conforme orien-
Algumas enfermeiras também se queixa- tação do manual. Praticamente cada equipe
ram do manual técnico do SIAB, classificando- criou a sua própria ficha, quase todas acres-
o de “superficial e pontual”, pois não continha centando, além do calendário vacinal, outros
respostas às principais dúvidas sobre o SIAB, campos contendo dados sobre seguimento de
bem como não fornecia informações sobre co- puericultura, peso, tipo de aleitamento e ocor-
mo utilizar melhor todos os recursos que o sis- rência de diarréia, infecção respiratória aguda
tema dispõe. ou uso de terapia de reidratação oral no mês.
Quanto à ficha de acompanhamento das Quanto à ficha de registro de atividades,
gestantes (ficha B-GES), a maioria das enfer- procedimentos e notificações (ficha D), essa
meiras referiu haver dúvidas no seu preenchi- não era usada pelos ACS, por acharem-na des-
mento pelos ACS, sendo a dificuldade técnica necessária (alegaram que seria duplicação de

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trabalho, pois os dados que essa ficha contém nas ao levantamento numérico de algumas con-
são todos passados para o software SIAB). Era dições de saúde/doença (por exemplo: núme-
utilizada, sim, pelos médicos e enfermeiras, sen- ro de hipertensos, gestantes, diabéticos), para
do que estas se queixaram da existência de al- a realização de grupos de saúde com a comu-
guns problemas, tais como: inadequação da de- nidade.
finição de procedimentos coletivos (deixaria de Ademais, foi identificada a ocorrência de
fora atividades como participação em progra- outros SIS utilizados pelas equipes, tais como
mas de rádio comunitária, grupos de atividade os sistemas: HIPERDIA (Sistema de Cadastra-
física) e impossibilidade de registrar melhor os mento e Acompanhamento de Hipertensos e
atendimentos do enfermeiro e do auxiliar. Diabéticos), HYGIA (utilizado para registro de
Algumas equipes utilizavam o relatório SS2 produção, marcação de consultas e exames la-
(relatório de situação de saúde e acompanha- boratoriais), SISVANSP (Sistema de Vigilância
mento das famílias na área) original do SIAB, Alimentar e Nutricional do Estado de São Pau-
porém havia outras que trabalhavam com um lo) e SIA/SUS (Sistema de Informações Ambu-
relatório bem semelhante, salvo algumas mo- latoriais do SUS), todos eles empregados com
dificações (e.g. no campo correspondente às uma finalidade para a qual o próprio SIAB po-
micro-áreas, havia os dias do mês). Considera- deria servir.
ram-no de fácil preenchimento, porém traba-
lhoso. Algumas enfermeiras e ACS referiram Relação entre os níveis
não confiar na validade do campo: nutrição da
criança, devido à incapacidade técnica dos No período do estudo, todas as equipes do PSF
ACS em saber avaliar essa parte, visto que, em de Ribeirão Preto e aquelas pertencentes aos
apenas um dos NSF, os ACS pesavam as crian- municípios entrevistados utilizavam o sistema
ças no domicílio. SIAB em sua versão informatizada.
Também o relatório de produção e marca- Quanto à existência de responsáveis técni-
dores para avaliação (PMA2) era pouco utiliza- cos pelo SIAB, esse fato pôde ser constatado
do pelas equipes, sendo seus dados digitados somente na DIR XVIII e nas SMS de Ribeirão
diretamente no programa de computador. Al- Preto e Serrana. Porém, nesses dois municí-
guns declararam sempre deixar em branco os pios, esses técnicos tinham como função ape-
campos referentes aos marcadores, e sobre es- nas consolidar os dados do município e enviá-
se fato é digna de nota a observação de um en- los, mensalmente, à equipe técnica da DIR.
fermeiro: “desde o nosso trabalho, eu senti falta Os níveis regionais foram unânimes em con-
de alguns marcadores..., outros marcadores que firmar a regularidade de envio dos relatórios e
refletem a nossa realidade; as doenças respira- dados consolidados pelas equipes locais, po-
tórias seriam aqui um bom marcador”. rém, as SMS funcionavam apenas como repas-
sador dos dados, e a DIR realizava somente a
SIAB no processo decisório análise da cobertura e checava possíveis erros
de digitação ou consistência nos dados conso-
Em praticamente todas as equipes, a supervi- lidados e relatórios (por exemplo: número de
são do preenchimento das fichas e relatórios famílias cadastradas x acompanhadas).
era feita de maneira informal, ocorrendo oca- Como não havia análise dos dados pelas
sionalmente durante a conclusão dos relató- SMS ou DIR, os dados também não retornavam
rios do SIAB a serem enviados à SMS, realizado às equipes locais do PSF.
no final de cada mês. Quanto às dúvidas que Todas as equipes locais receberam treina-
surgiam, os ACS procuravam as enfermeiras no mento para lidar com o SIAB, no caso das equi-
dia-a-dia de trabalho ou em espaços reserva- pes de Ribeirão Preto, sob a responsabilidade
dos durante a semana para a discussão de ca- da SMS, e as equipes dos outros municípios,
sos pertinentes às famílias. pela DIR XVIII. Porém, o treinamento não foi
Evidenciou-se também que, em todas as suficiente para sanar todas as dúvidas existen-
equipes do PSF estudadas, não havia o repasse tes, pois, segundo uma enfermeira, foi direcio-
ou discussão com a comunidade dos dados ge- nado somente para os recursos que o SIAB ofe-
rados pelo sistema, ou seja, inexistia a partici- rece para o envio dos relatórios às secretarias
pação comunitária no planejamento e na to- municipais (as fichas A e B, e relatórios PMA2 e
mada de decisões. SSA2), deixando de fora outros recursos que o
Quanto ao emprego do SIAB como instru- programa pode fornecer.
mento de planejamento em saúde no nível lo- Quanto aos outros níveis, os funcionários
cal, as equipes pouco utilizavam seus recursos da DIR receberam treinamento da equipe téc-
para esse fim. Sua maior utilização visava ape- nica do PSF/PACS da Secretaria Estadual de

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Saúde (Coordenadoria de Saúde do Interior – outros (ficha C, relatório SSA2, relatório PMA2),
CSI), no entanto o mesmo não aconteceu com há que se discutir possíveis reformulações, pa-
a equipe da SMS de um dos municípios, que, ra que melhor se adaptem ao trabalho das equi-
de acordo com a enfermeira responsável pelo pes do PSF, melhorias essas que devem ser fru-
SIAB na época da implantação das equipes do to da interlocução entre todos (equipes locais e
PSF, referiu: “eu não tive treinamento nenhum. gestores) os envolvidos no manejo do SIAB 13.
Simplesmente li o manual do Ministério da Sugere-se, então, a adoção de uma ficha C pa-
Saúde e fui tentando ajudar as equipes a preen- drão, semelhante às fichas B, que contenha da-
cher a ficha A, as fichas B e depois juntar todos dos importantes para o acompanhamento das
os dados para poder encaminhar para a DIR. crianças até dois anos, tais como: tipo de alei-
No começo, foi muito difícil. A gente não tinha tamento, vacinas, peso, principais intercorrên-
idéia de como fazer”. cias; a reformulação da ficha D, melhorando o
registro do trabalho dos enfermeiros e auxilia-
res de enfermagem; e a reformulação dos mar-
Discussão cadores presentes no relatório PMA2, para que
melhor reflitam a realidade da Atenção Primá-
Com a realização deste trabalho, conclui-se ria, por exemplo, utilizando-se de marcadores
que o SIAB, da forma como está estruturado e para os quais existam programas ou aqueles
é utilizado pelas equipes do PSF, SMS e DIR, que pudessem utilizar os dados já disponíveis
nos municípios analisados e no período em na unidade de saúde 9, bem como acrescentar
que o estudo foi feito, possui várias caracterís- campos para registro de ações de prevenção de
ticas importantes para um SIS voltado para doenças e promoção de saúde (Comissão In-
atenção básica, porém apresenta alguns pro- tergestores Tripartite. Reunião em 21/11/2002.
blemas de ordem estrutural e de aplicação, que http://intranet.ensp.fiocruz.br/descentrali-
em muito se assemelham aos demais SIS em zar/print_debates.cfm?debate=58&txt=212,
funcionamento no país. acessado em 31/Jan/2003), participação comu-
Apesar da simplicidade do programa, per- nitária e colaboração intersetorial 14. Ademais,
mitindo que pessoas sem qualquer treinamen- chama a atenção o fato de as fichas B não se-
to em informática o manuseie, as falhas encon- rem adequadamente aproveitadas pelas equi-
tradas no software (e.g. não identificação de in- pes, segundo relato dos ACS, principalmente
divíduos, pequeno número de doenças codifi- pelos médicos, que também pouco conhecem
cáveis) podem distorcer o retrato que ele for- ou utilizam o SIAB. Essa é uma preocupação
nece da população adscrita. Para tanto, sugere- realmente pertinente desses profissionais, pois
se, como forma de facilitar a localização de in- essas fichas contêm dados de fundamental im-
divíduos e famílias, mudanças nos indicadores portância para o acompanhamento dos indiví-
de cadastramento familiar, permitindo que o duos cadastrados, ou seja, deveriam ser objeto de
software contenha a identificação dos indiví- discussão e intervenção por parte da equipe 15.
duos cadastrados, unificando-o com o cadas- Apesar de ser um SIS territorializado, o SIAB
tro do cartão SUS 9, a adoção da tabela da Clas- ainda é verticalizado e centralizado, ou seja, o
sificação Brasileira de Ocupações como tenta- fluxo obedece à direção do nível local para o
tiva de resolução da falta de ocupações codifi- central, e a análise dos dados ainda se faz fun-
cáveis no SIAB 10 e a ampliação do número de damentalmente no nível central (Ministério da
doenças codificáveis no software, de acordo Saúde). Cometem-se, desta forma, os mesmos
com a realidade da Atenção Primária, basean- erros de outros SIS, onde a análise dos dados
do-se nas doenças e agravos mais comuns des- se faz principalmente no nível central, ficando
se nível de atenção, podendo-se utilizar, como os níveis local e regional como meros repassa-
base, formas de codificações internacionais já dores de dados. Perdem, então, as SMS e as equi-
bem estabelecidas 11. pes locais, pois, sendo o SIAB um SIS territoria-
Há também a necessidade de o Ministério lizado, possibilita, por meio dos seus indicado-
da Saúde melhorar o manual do SIAB, enrique- res, a micro-localização de problemas 16, fato
cendo-o com explicações mais detalhadas so- esse de valor inestimável para o planejamento
bre o preenchimento das fichas e a operacio- e a tomada de decisão nos níveis local/regional.
nalização do software (obtenção de relatórios, Quanto à falta de supervisão e controle da
marcadores etc.), sugestões essas já feitas em qualidade dos dados produzidos pelas equipes
documento oficial para outros SIS 12. do PSF, esse fato compromete sobremaneira a
No que se refere às fichas e aos relatórios, própria confiabilidade das informações gera-
devido às várias adaptações que alguns desses das 2. Ou seja, a adequada supervisão das fi-
instrumentos sofreram e a não utilização de chas e relatórios realmente mereceria maior

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atenção por parte das equipes locais, pois a Com vistas a essas e outras mudanças ne-
qualidade do registro dos dados é parte funda- cessárias, já existe, há algum tempo, um grupo
mental de qualquer SIS. do Ministério da Saúde e do DATASUS discu-
Também, a constatação de incompatibili- tindo e propondo mudanças para o SIAB, obje-
dade da plataforma do SIAB com outros SIS tivando torná-lo um sistema de avaliação e
(SIA/SUS, HYGIA, HIPERDIA) utilizados pelas monitoramento capaz de refletir a complexida-
equipes resultava em duplicação dos dados pro- de e heterogeneidade das várias realidades
duzidos, ocasionando perda de tempo e de re- municipais e dos diferentes níveis de gestão do
cursos financeiros. SUS. Foi batizado de SIAB/PLUS e teria como
Não foi evidenciado, por parte das equipes objetivo primordial “disponibilizar aos gestores
locais, o adequado estímulo à participação da do SUS, nos diversos níveis, informações que re-
comunidade na geração e uso das informações flitam o perfil de atendimento e a situação de
para a tomada de decisão. Tornar as informa- saúde (processo assistencial e morbidade ambu-
ções em saúde transparentes para a população latorial), permitindo adequado planejamento,
é parte fundamental do processo de democra- acompanhamento e avaliação das ações, sim-
tização da tomada de decisões em nível local. É plificando os processos, através da padroniza-
parte importante da construção da cidadania ção, unificação, atualização tecnológica e flexi-
17. Não fazendo isso, as equipes do PSF, enquan- bilização” (Comissão Intergestores Tripartite.
to serviços de Atenção Primária, estão deixan- Reunião em 21/11/2002). O que se espera é
do de desempenhar seu importante papel na que, com a conclusão dos trabalhos da equipe
democratização do SUS. técnica, que estava prevista para o 1o semestre
Por fim, o SIAB constitui-se em um instru- de 2004 (Departamento de Informação e Infor-
mento fundamental para a gestão das unida- mática do SUS, Ministério da Saúde. Apresen-
des do PSF, que poderia ter sua importância tação. http://www.datasus.gov.br/siab/siab.htm,
aumentada caso ocorressem algumas melho- acessado em 10/Set/2004), o SIAB torne-se um
rias no software, nas fichas e relatórios, bem co- SIS que realmente contribua para o monitora-
mo um maior conhecimento e utilização por mento e avaliação da Atenção Básica.
parte das equipes locais e dos cidadãos usuários.

Resumo Colaboradores

Por ser o Sistema de Informação em Saúde (SIS) utili- A. S. Silva realizou a revisão da literatura, elaborou o
zado pelas equipes do Programa Saúde da Família projeto, coletou os dados e redigiu o artigo. M. R. La-
(PSF), o Sistema de Informação da Atenção Básica prega participou da elaboração do projeto, análise
(SIAB) representa uma ferramenta em potencial para dos resultados e da redação final do artigo.
o acompanhamento das famílias cadastradas, assim
como para o planejamento local, razão pela qual se
propôs o presente estudo. Foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com os indivíduos-chave na cadeia
de articulação deste SIS, em equipes do PSF do Muni-
cípio de Ribeirão Preto e região, São Paulo, Brasil, com
o objetivo de analisar algumas características desse
sistema, tais como: conhecimento, recebimento de trei-
namento para o seu manejo, utilização para planeja-
mento local e controle social, dentre outros. Concluiu-
se que o SIAB é um sistema de fácil manipulação, mas
apresenta algumas limitações já encontradas em ou-
tros SIS, como: dificuldade de identificação de indiví-
duos no software, número limitado de doenças referi-
das, pouca utilização para subsidiar o planejamento e
a tomada de decisões em nível local. Portanto, a análi-
se do SIAB foi de suma importância para o aprimora-
mento deste SIS, podendo contribuir para futuras me-
lhorias ou adaptações no programa.

Sistemas de Informação; Avaliação de Programas; Pro-


grama Saúde da Família

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(6):1821-1828, nov-dez, 2005


1828 Silva AS, Laprega MR

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Versão final reapresentada em 05/Abr/2005
Aprovado em 18/Mai/2005

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(6):1821-1828, nov-dez, 2005

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