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A ORDEM JURÍDICA SEGUNDO O POSITIVISMO NORMATIVO E AS SUAS DERIVAÇÕES

A construção científica desta corrente foi feita essencialmente pela Escola de Viena, da
qual foi expoente o distinto Hans Kelsen que, na sua grande obra “Teoria Pura do Direito”
defendeu uma ideia de “ordem jurídica” como um sistema articulado de normas,
configurado na imagem de uma pirâmide dividida em patamares normativos,
hierarquicamente dispostos do topo à base.

Assim, a ordem jurídica constituiria um sistema de normas hierarquicamente


ordenadas, e cujo elemento de unidade e justificação seria dado por uma norma
fundamental pressuposta, a qual segundo Kelsen seria a premissa fundamental que
permitiria deduzir a posição das restantes normas. Contudo, a componente normativa e
sistemática da ordem jurídica não seria, de todo o modo separável do elemento humano e
social, uma vez que as normas são reconduzidas a um acto de vontade e o objecto das
mesmas, à regulação da vida colectiva.

No entanto, a “validade-legitimidade” de cada uma das normas derivaria


essencialmente de a sua criação ter sido concebida no respeito das regras de produção
fixadas numa norma imediatamente anterior e superior, ou seja, o direito regularia a sua
própria criação. Deste modo, cada escalão normativo, à excepção da “norma fundamental”
que a referida doutrina distingue da “norma constitucional”, assumir-se-ia simultaneamente
como consequência e instrumento de aplicação de uma norma imediatamente superior e
fundamento de produção de uma norma imediatamente inferior.

No que respeita ao Estado, esta corrente defendia a existência de um só


ordenamento jurídico, caracterizado pelo seu carácter originário.

Contudo, o positivismo normativo de Kelsen constituiu apenas a visão originária e


mais divulgada, do positivismo normativo a qual sofreu diversos tipos de derivações
doutrinais, nomeadamente:

Uma primeira derivação desta corrente, na qual se reviram autores como Merkl, Hart,
Joseph Raz e Shapiro, criticaram Kelsen por ser difícil para este aceitar a noção de “norma
independente” como fundamento dos restantes degraus normativos, pelo que deste modo,
para estes, Kelsen teria acabado por basear a validade da sua construção, numa norma
pressuposta, eventualmente revelada pelo direito costumeiro, ou seja, numa norma não
positiva, o que torna susceptível de corromper a neutralidade axiológica que subjaz ao
positivismo. Estes autores defendiam outrossim que as normas jurídicas seriam decisões de
autoridades tomadas por órgãos competentes e referenciar-se-iam, fundamentalmente, aos
factos sociais, sem que a sua validade fosse submetida a proposições de ordem moral, por
outro lado, defendiam que os factos sociais podiam implicar determinadas consequências
éticas, no entanto essa circunstância não obrigaria a que a norma se deva subordinar a
conteúdos morais, revelados através da aplicação do direito pelos tribunais, no entanto
defendiam que a validade das normas jurídicas positivas, concebidas como factos,
dependeriam de uma norma de reconhecimento, a qual deveria ser desprovida de pautas de
moralidade ou de sujeição a um qualquer “mérito ético”, para estes autores o vértice
normativo do ordenamento era a Constituição, a qual constituiria a moldura e a garantia de
uma ordem jurídica, cumpre ainda referir que para estes autores o significado das disposições
normativas seria delimitado por regras próprias da linguagem ordinária e por razões
jurídicas, as quais seriam um limite á latitude da interpretação das normas.

A par desta construção, destacou-se mais recentemente o chamado “positivismo


inclusivo”, o qual resulta de uma construção que teve as suas origens em diversos ensaios de
aproximação da “Teoria Pura” do direito ao institucionalismo e que foram esboçados pelos
distintos Alf Ross e Norberto Bobbio.

Alf Ross, representou, de algum modo, dentro do positivismo normativo, uma linha
de compromisso com o institucionalismo, neste sentido, afirmava que a ordem jurídica
revestia carácter institucional, destacando o papel que nela desempenham os órgãos de
poder.

Norberto Bobbio, procurou reconciliar fórmulas institucionalistas, como as de


“ordenamento” e “fontes do direito” com a construção jurídica normativista da “Teoria
Pura”, evoluindo para um neo-positivismo normativo, para uma análise dita “estrutural-
funcional” a qual constituiu uma janela aberta para o positivismo sociológico, tendo alguns
autores encontrado na última fase do pensamento do autor, alguma atracção pelo
jusnaturalismo.

O positivismo seguiu um trilho, após um “post scriptum”, elaborado por Hart, através
do qual se passou a aceitar limitadamente, a ideia de que a validade do sistema jurídico não
poderia apenas assentar em elementos de ordem fáctica, incorporando também em
princípios de justiça e valores de ordem moral. Nesse texto, Hart passou a entender que, da
norma superior de reconhecimento do sistema jurídico poderiam constar valores de ordem
moral. Nesse sentido, os referidos valores assumiriam carácter jurídico e poderiam irradiar
para todas as componentes normativas do mesmo sistema.

No hemisfério desta corrente, autores como Coleman argumentaram que, se a regra


superior de reconhecimento vier a declarar que a moral constitui uma condição de validade
de outras normas, então aquela passaria a assumir carácter vinculante. Se a moral não vier a
ser, ao invés, incorporada na norma de reconhecimento, não seria então condição de
validade normativa.

Desta linha de pensamento surge uma sensibilidade positivista que aceita a


existência plasmada na Constituição, de princípios normativos radicados em bens de raiz
ética ou filosófica, susceptíveis de irradiarem parâmetros axiológicos e jurídicos de validade,
para todas as normas que integram o ordenamento, revelando uma abertura ao papel
criativo da jurisprudência, na medida em que o carácter indeterminado ou “sub-
determinado” de certas normas, implicaria o reforço do protagonismo interpretativo dos
tribunais e afastaria uma relação biunívoca entre disposição e norma: a imprecisão
semântica de um enunciado prescritivo pode implicar vários sentidos normativos e estes
serão desvendados pelo intérprete jurisdicional, com recurso aos valores ou princípios
positivados na Constituição.
Trata-se de um positivismo inclusivo ou integrador de valores ético-filosóficos, desde
que estes figurem expressa ou implicitamente, mas de forma objectiva na Constituição e lhes
seja conferida consequente jurisdicidade.

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