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Vı́tor Neves
******************************
Departamento de Matemática
Universidade de Aveiro
2001
Introdução
O presente texto resulta da evolução de um conjunto de notas de apoio à disci-
plina Introdução à Teoria dos Números do segundo semestre do terceiro ano da
licenciatura em Ensino de Matemáticada Universidade de Aveiro.
Parafraseando um mestre, não pretendemos ”escrever para autodidatas, mas sim
para alunos com professor”, pelo que deixámos para o leitor demonstrar – por vezes
explicitamente como exercı́cio – o que é manifestamente rotineiro (não necessariamente
trivial...) ou nos parece estar fora do âmbito de um primeiro curso sobre Teoria dos
Números.
Não sendo especialistas, limitamo-nos a aspectos clássicos e elementares da Teoria,
de carácter mais formativo e menos técnico: a orientação foi de facto muito forte no
sentido de preparar docentes para o ensino secundário.
O capı́tulo sobre extensões do corpo dos números reais (Cap. 8) pretende recuperar o
estudo das construções do corpo real e suas extensões mais importantes, que deixou de se
fazer sistematicamente nas licenciaturas, mas continua a ser importante se se pretende
aprofundar o conceito de Número. As extensões não arquimedianas são afloradas de
modo a alertar para a sua existência e onde podem ser estudadas.
A finalidade principal do texto – apoiar uma disciplina semestral – obrigou a es-
colhas não muito agradáveis: por questões de tempo não se tem mostrado razoável
tratar cuidadosamente a equação de Pell, aspectos de Teoria Analı́tica, aproximação
por fracções contı́nuas, raı́zes primitivas, critérios de primalidade ou Teoria Combi-
natória. Tais assuntos poderiam ser abordados se a filosofia subjacente a este texto
se modificasse; mesmo assim, nem toda a matéria aqui descrita tem sido trabalhada
durante o semestre nas aulas teóricas ou teórico-práticas.
Utilizamos um mı́nimo de Álgebra, de modo a construir um texto tão independente
quanto possı́vel.
Os saltos na numeração das páginas são um expediente de organização tipográfica
incompleta: podem incluir-se sempre mais páginas alterando muito pouco as referências
de edição para edição.
Agradecemos aos Mestres Paulo Almeida e Rui Duarte e à Doutora Ana Foulquié
a leitura cuidada das várias versões preliminares destas notas bem como as sugestões
que apresentaram.
NOTAÇÃO
Salvo referência em contrário, variáveis representadas por letras
minúsculas designam números inteiros.
Aveiro
Maio de 2001
Vı́tor Neves
Índice
2 Congruências 201
2.1 Propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
2.2 Inversão I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
2.3 Congruências lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204
2.3.1 Inversão II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
2.4 A função φ de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
2.4.1 Sistemas reduzidos de resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
2.4.2 Teoremas de Euler, de Fermat e de Wilson . . . . . . . . . . . . 207
2.5 Congruências polinomiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
2.5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
2.5.2 Módulo primo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
2.5.3 Módulo potência de base prima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213
2.5.4 Teorema Chinês do Resto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
2.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218
i
Índice ITN (2001)
6 Fundamentação 603
6.1 Corpos ordenados e números racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 603
6.2 Uma visão construtiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 608
6.3 Extensões próprias do corpo dos números racionais . . . . . . . . . . . . 610
6.4 Corpos ordenados completos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 612
6.5 Existência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 615
6.6 Números transcendentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 618
6.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 619
8 Extensões 801
8.1 Os números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 801
8.2 Quaterniões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 803
8.3 Extensões ordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 805
8.3.1 (In)Completude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 805
8.3.2 Parte standard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 806
8.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 807
ii VN
Int. à Teoria dos Números Indı́ce
9 Criptografia 903
9.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 903
9.2 Sistemas afins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 903
9.3 Codificação Matricial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 904
9.4 Criptografia de chave pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 905
9.5 Assinaturas; ISBN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 907
9.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 908
VN iii
Índice ITN (2001)
iv VN
Parte I
1
Capı́tulo 1
Teorema Fundamental da
Aritmética
N3) Existe um elemento de N, designado por 1, que não é imagem por S, isto é,
S : N → N\{1}.
3
Teorema Fundamental ITN (2001)
Dem. As condições
I(11 ) = 12
I(S1 (x)) = S2 (I(x)) se x ∈ N1
1
Veja-se o Teorema de Recursão em [8, pp 39 e seg.]
2
Idem nota 1
4 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Teorema Fundamental
Tem-se então
respectivamente por (1.1), por S ser injectiva (N2) e porque p ∈ Amn . Mas então
1 ∈ Amn & p ∈ Amn ⇒ S(p) ∈ Amn (p ∈ N)
Pelo Princı́pio de Indução Amn = N. 2
Em virtude das partes 3 e 4 deste teorema diz-se que N é bem ordenado por <.
A relação de ordem permite um novo enunciado do Princı́pio de Indução.
VN 5
Teorema Fundamental ITN (2001)
Este teorema dá-nos mais uma razão para nos limitarmos a estudar como estrutura
de números naturais o terno ≺ N, S, 1 , onde N designa o conjunto dos números
naturais intuitivos 1,2,3,... com a respectiva soma +, ordem < e produto × usuais,
sendo S(n) = n + 1.
Os teoremas de extensão de semigrupos (ordenados) que verificam a lei do corte por
grupos (ordenados) e de domı́nios de integridade (ordenados) por corpos (ordenados)
permitem várias construções de anéis de Números Inteiros e de corpos de Números
Racionais a partir das estruturas de Números Naturais. Algumas destas construções,
bem como o estudo do corpo dos Números Reais e suas extensões, serão tratadas mais
tarde (parte II).
Terminamos esta secção com uma das propriedades mais importantes de N. Recorde-
se que ≤ designa a relação de ordem lata associada a <, i.e., a ≤ b se e só se a < b ou
a = b.
3
Idem nota 1
6 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Teorema Fundamental
1.2 Aritmética
1.2.1 O máximo divisor comum
Teorema 1.2.1 (Algoritmo de Euclides) Para quaisquer a e b, se a > 0 existem
números inteiros únicos d e r tais que
Dem.
Unicidade
Fixe-se a > 0. Suponha-se que da + r = d0 a + r0 & 0 ≤ r, r0 < a. Tem-se
Se d 6= d0 então 1 ≤ |d − d0 | e vem
a ≤ |d − d0 |a = |r0 − r| < a
VN 7
Teorema Fundamental ITN (2001)
Repare-se que zero é divisı́vel por qualquer número inteiro, no sentido em que para
qualquer a ∈ Z, existe d ∈ Z tal que 0 = da, nomeadamente d = 0; não se define o
cociente de zero por zero
2. em particular a | b ⇒ ∀x a | bx.
8 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Teorema Fundamental
1. d > 0
2. d | a & d | b
3. ∀c [[c | a & c | b] ⇒ c | d]
pelo que o máximo divisor comum de dois números inteiros não simultâneamente nulos
existe e é único.
portanto, se r > 0, r teria de ser maior ou igual ao mı́nimo de S, o que não é o caso. A
troca de a por b neste racicı́nio, permitiria concluir que d | b e a condição 2 da definição
também está verificada.
Por outro lado, se c | a & c | b, como d = ax0 + by0 , pelo teorema 1.2.2, c | d,
verificando-se a condição 3.
Quanto à unicidade: utilize-se o que acabámos de ver e a condição 1.6 para concluir
que se d0 verifica as mesmas condições que d, então d = d0 . 2
VN 9
Teorema Fundamental ITN (2001)
1. mdc(a, b) = 1 ⇔ ∃x, y ax + by = 1
a b
2. mdc( mdc(a,b) , mdc(a,b) )=1
3. [a | bc & mdc(a, b) = 1] ⇒ a | c
a
4. a | bc ⇒ mdc(a,b) |c
Dem. Alı́nea 1.
(⇒) é um caso particular do corolário 1.2.3.
(⇐) Como 1 é o menor inteiro positivo, se 1 = ax + by, necessariamente 1 =
min{z = ax + by| x, y ∈ Z & z > 0} e consequentemente, 1 = mdc(a, b), pelo teorema
1.2.3.
Alı́nea 2. Observe-se que d = ax + by, para certos x, y e divida-se por d em, ambos
os membros.
Alı́nea 3. Como mdc(a, b) = 1, para certos x, y, 1 = ax + by de onde se segue que
c = acx + bcy. Como a | bc, para certo q vem c = acx + aqy = a(cx + qy) e a | c.
Alı́nea 4. Esquematicamente:
1. p > 1
10 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Teorema Fundamental
Dem. Ou bem que n é primo e, nesse caso p = n, ou bem que não; neste caso n tem
divisores maiores que 1 e distintos de si próprio, o mı́nimo dos quais é p; ora p não
pode ter divisores distintos de si próprio e de 1, pois qualquer deles seria um divisor de
n, maior que 1 e menor que p, que não existe por definição de p; logo p é primo. 2
E passamos a demonstrar o
VN 11
Teorema Fundamental ITN (2001)
Dem. Vamos ver que, seja qual for o conjunto de números primos {p1 , · · · , pk } existe
um número primo que lhe não pertence.
Dados primos p1 , · · · , pk , seja n = p1 · · · pk + 1. De acordo com o Teorema Funda-
mental, n terá pelo menos um divisor primo. Ora como nenhum dos pi divide n, pois
pi | p1 · · · pk mas pi 6 |1, esse primo não pode ser um deles. 2
Teorema 1.2.6 Todo o número composto n > 0 tem um divisor primo menor ou igual
√
a n.
Dem. Se n é composto tem pelo menos dois divisores primos, possivelmente iguais,
caso contrário seria primo pelo Teorema Fundamental; se p1 , p2 são primos que dividem
√ √ √ 2
n, algum não é maior que n, pois p1 , p2 > n ⇒ n ≥ p1 p2 > ( n) = n, o que é
impossı́vel. 2
Teorema 1.2.7 (de Gauss) O produto de dois números naturais menores que um
número primo não é divisı́vel por este último.
12 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Teorema Fundamental
Quanto à distribuição dos números primos, o seguinte teorema é um dos mais im-
portantes de Dirichlet; a sua demonstração é muito difı́cil e está fora do âmbito do
presente texto; o leitor interessado pode encontrar uma demonstração por exemplo em
[3], onde todo o capı́tulo 7 lhe é dedicado.
Teorema 1.2.8 (de Dirichlet) Se a e b são números naturais primos entre si, a
progressão aritmética (na + b)n∈N tem uma infinidade de termos que são números pri-
mos.
N = 22 p1 · · · pn − 1.
Não é tão simples demonstrar que o teorema anterior vale com 4k + 1 em vez de
4k − 1; fá-lo-emos mais tarde (vide corolário 2.4.3).
1.3 Exercı́cios
1. Demonstre que a adição e a multiplicação em N são associativas, são comutativas
e verificam a Lei do Corte.
VN 13
Teorema Fundamental ITN (2001)
n−1
X
n n
(a) a − b = (a − b) ai bn−1−i ;
i=0
n−1
X
(b) an + bn = (a + b) (−1)i an−1−i bi , se n é ı́mpar;
i=0
n
X n
(c) (a + b)n = ai bn−i ;
i
i=0
n
sendo o coeficiente binomial i definido por
n n!
= (n ∈ N e 0 ≤ i ≤ n).
i i!(n − i)!
14 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Teorema Fundamental
n
8. O coeficiente multinomial é o número i1 i2 ···ik definido por
n n!
= ,
i1 i2 · · · ik i1 !i2 ! · · · ik !
com i1 + i2 + · · · + ik = n (k, n ∈ N, i1 , . . . , ik ∈ Z+
0 ).
• mmc(a, b) > 0;
• a | mmc(a, b) e b | mmc(a, b);
• para todo k ∈ Z, se a | k e b | k, então mmc(a, b) | k.
ab = mdc(a, b)mmc(a, b)
13. (a) Mostre que os factores de base prima da representação de mdc(a, b) (Teorema
Fundamental) são os factores de base prima comum a a e a b tomados com
o menor expoente.
(b) Mostre que os factores de base prima da representação de mmc(a, b) (Teo-
rema Fundamental) são todos os factores de base prima de a ou de b, sendo
os factores de base comum tomados com o maior expoente.
VN 15
Teorema Fundamental ITN (2001)
• a = r0 ;
• b = q1 r0 + r1 , 0 ≤ r1 < a;
• se ri > 0 (i ≥ 1), então ri−1 = qi+1 ri + ri+1 , 0 ≤ ri+1 < ri ;
• se ri = 0, então r = ri−1 e o algoritmo termina.
(a) (21, 77), (12, 128), (54, 640), (28, 640); nesta alı́nea verifique a sua resposta
utilizando a definição de máximo divisor comum.
(b) (22587, 534), (9800, 180), (1587645, 6755).
17. Determine o mı́nimo múltiplo comum de cada um dos pares de números consid-
erados no exercı́cio anterior.
(a) 5x + 7y = 14;
(b) 4x + 6y = 24;
(c) 17x + 34y = 25;
(d) 56x + 634y = 168;
(e) 1521x + 1955y + 455z = 221;
(f) 2x + 3y + 5z = 7.
16 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Teorema Fundamental
10
20. Determine duas fracções cujos denominadores sejam 12 e 16 e cuja soma seja .
48
21. Numa papelaria vendem-se dois tipos de canetas por 110 e 70 escudos respectiva-
mente. Ao fim de um dia a importância total recebida pela venda dessas canetas
foi 6570 escudos. Qual é o menor número possı́vel de canetas vendidas? E qual o
maior?
22. Determine todas as soluções inteiras dos sistemas de equações seguintes.
2x + 3y − 4z = 9
(a)
6x + 9y + 3z = 12
3x − 2y + 6z = −3
(b)
14x + 28y − 21z = 35
4x + 5y + 6z = 11
(c)
7x + 14y + 21z = 35
9x + 3y + 15z = −3
(d)
5x − 6y + z = −2
3x + 2y − 5z = 10
(e)
6x + 12y + 4z = 14
k
23. Números de Fermat. Um número da forma Fk = 22 + 1 para algum k ∈ N0
diz-se um número de Fermat. F0 , F1 , F2 , F3 , F4 são primos. Euler mostrou em
1732 que F5 não é primo. (F5 = 4294967297 = 641 × 6700417.)
(a) Mostre que p é o máximo divisor comum dos coeficientes binomiais pi , onde
1 ≤ i ≤ p − 1.
(b) Mostre que para quaisquer a, b ∈ Z, ap − bp e p são primos entre si ou
p2 | (ap − bp ).
VN 17
Teorema Fundamental ITN (2001)
18 VN
Capı́tulo 2
Congruências
x ≡ y (mod n)
Repare-se que a definição também tem sentido com n = 1, neste caso todos os
números inteiros são congruentes entre si e por isso eliminamo-lo de inı́cio.
Outra formulação
201
Congruências ITN(2001)
2. ki=1 ai ≡
Q Qk
i=1 bi (mod n)
Teorema 2.1.2 Qualquer número inteiro é congruente (mod n) com um e só um dos
elementos de {0, 1, · · · , n − 1}.
Dem. Dados n ∈ N & x ∈ Z, pelo teorema 1.2.1, existem q e r únicos tais que
x = qn + r 0 ≤ r < n;
Exemplo 2.1.2 {−3, −2, −1, 0, 1, 2, 3} e {−7, 8, −5, 10, −3, 19, 13} são sistemas com-
pletos de resı́duos módulo 7.
202 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
Teorema 2.1.3 Todos os sistemas completos de resı́duos para um mesmo módulo têm
o mesmo número de elementos.
Dem.
Consideremos um sistema completo de resı́duos, digamos R = {r1 , r2 , · · · , rk }, para
um módulo fixo n > 1; seja ainda R0 = {1, 2, · · · , n−1}. Como vimos acima, no teorema
2.1.2, para cada j = 1, · · · , k, existe um e só um i(j) ∈ R0 tal que rj ≡ i(j) (mod n),
portanto R0 tem pelo menos o mesmo número de elementos que R; por outro lado, R
é também um sistema completo de resı́duos e, por definição, para cada elemento de R0
existe um e só um elemento de R com o qual aquele é congruente (mod n), donde R
tem pelo menos tantos elementos como R0 . Em suma: R e R0 têm de facto o mesmo
número n de elementos. 2
2.2 Inversão I
A congruência em x 2x ≡ 1 (mod 4) não tem solução, porque os múltiplos de 4 são
pares e 2x − 1 é sempre ı́mpar; mas 2x ≡ 1 (mod 5) tem solução 3.
Veremos adiante que dois inversos aritméticos de um mesmo número para o mesmo
módulo são congruentes entre si para esse módulo.
VN 203
Congruências ITN(2001)
E ainda
Corolário 2.2.2 Se p é primo e a 6≡ 0 (mod p), então a tem inverso (mod p).
ax ≡ b (mod n) (2.1)
Se a = 0, esta congruência tem solução x se e apenas se n | b e neste caso qualquer
x ∈ Z é solução. Assim consideraremos apenas congruências
ax ≡ b com a 6= 0. (2.2)
Teorema 2.3.2 Suponha-se que a 6≡ 0 (mod n). A congruência (2.1) tem solução se
e apenas se mdc(a, n) | b. Se d = mdc(a, n) | b, e a∗d é um inverso de ad (mod n), então
as seguintes condições são equivalentes
204 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
1. A congruência (2.1)
2. x ≡ a∗d db (mod nd )
3. x = a∗d db + k nd
0 ≤ k ≤ d − 1 (mod n)
ax ≡ b (mod n)
a b
d x ≡ d (mod n)
d d
a b n
x ≡ (mod ) (teorema 2.2.2).
d d d
2.3.1 Inversão II
Dados a 6= 0 e n > 0 tais que mdc(a, n) = 1, vimos na demonstração do teorema 2.2.1
que a∗ (mod n) é coordenada x da solução (x, y) da equação diofantina ax + ny = 1,
pelo que, determinado um a∗ , todos os outros são da forma a∗ + kn (k ∈ Z), ou seja
Teorema 2.3.3 Todos os inversos (mod n) de um mesmo número inteiro não nulo
são congruentes (mod n) entre si.
E ainda
VN 205
Congruências ITN(2001)
Teorema 2.4.2 Para cada n, todos os sistemas reduzidos de resı́duos (mod n) têm
φ(n) elementos.
206 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
VN 207
Congruências ITN(2001)
208 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
O lema seguinte é extremamente simples, mas tem uma consequência não trivial.
p−1
Lema 2.4.1 Se p é um número primo ı́mpar e (−1) 2 ≡ 1 (mod p), então p ≡
1 (mod 4).
p−1
Dem. Suponha-se então que p é um número primo ı́mpar e que (−1) 2 ≡ 1 (mod p);
queremos mostrar que p−1 p−1
2 é par. Se 2 fosse ı́mpar, viria −1 ≡ 1 (mod p), pelo que
p dividiria 2, o que não é o caso; portanto p−1
2 é par. 2
A consequência:
E consequentemente
Corolário 2.4.2 Se p é primo ı́mpar e para algum número inteiro x p | (x2 + 1), então
p ≡ 1 (mod 4).
VN 209
Congruências ITN(2001)
Dem. Vamos mostrar que seja qual for o número natural n, existe um número primo
maior que n da forma pretendida. Seja então n um número natural – maior ou igual a
4 para evitar trivialidades – e defina-se
N = (n!)2 + 1.
Exemplo 2.5.1 Se p é primo e p|n, então a congruência xp −x+1 ≡ 0 (mod n) não tem
soluções. Tal pode verificar-se do seguinte modo: quando p|n,
se xp −x+1 ≡ 0 (mod n) também xp −x+1 ≡ 0 (mod p); mas xp −x+1 ≡ 1 6≡ 0 (mod p),
quando p é primo, em virtude do Pequeno Teorema de Fermat; portanto a congruência
inicial não tem de facto solução.
Exemplo 2.5.2 Dois polinómios f (x) e g(x) congruentes (mod n) para todo o x ∈ Z
2
não têm necessariamente o mesmo grau (mod n): se p é primo, xp − x e xp − x
são ambos identicamente nulos (mod p).
210 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
Teorema 2.5.2 Para qualquer polinómio f (x) como em (2.3) e (2.4) e qualquer a ∈ Z,
existe um polinómio q(x), de coeficientes inteiros e grau m − 1, tal que
f (x) = (x − a)q(x) + f (a) (x ∈ Z).
Daqui decorre
Corolário 2.5.1 Se f (x) é um polinómio como em (2.3) & (2.4) e a ∈ Z, então f (a) ≡
0 (mod n) sse existe um polinómio q(x) de coeficientes inteiros, grau m − 1 (mod n) e
coeficiente de maior ordem igual ao de f (x) tal que
Dem. Se f (a) ≡ 0 (mod n), então n|f (a) e (2.5) resulta imediatamente do teorema
anterior, por definição de congruência. Reciprocamente, se vale (2.5),então como a é
concerteza solução de (x − a)q(x) ≡ 0 (mod n) para qualquer x ∈ Z, necessariamente
f (a) ≡ 0 (mod n). 2
Dem. A ideia é baixar tanto quanto possı́vel o grau dos monómios envolvidos, uti-
lizando o Pequeno Teorema de Fermat:
Repare-se que, se n = pq + r com 0 ≤ r < p, então
VN 211
Congruências ITN(2001)
Corolário 2.5.2 Quando p é primo e f (x) é um polinómio cujos coeficientes não são
todos nulos (mod p), o número de soluções distintas (mod p) de uma congruência
polinomial f (x) ≡ 0 (mod p) é quando muito degp (f ).
212 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
são da forma
x = b + kpα com k ∈ Z, (2.8)
sendo
f (b)
f (b) ≡ 0 (mod pα ) & f 0 (b)k ≡ − (mod p) (2.9)
pα
Lema 2.5.1 Seja f (x) um polinómio de grau m (mod n) de coeficientes inteiros como
em (2.3) & (2.4). Então
m
X f (k) (x)
f (x + y) = f (x) + yk (x, y ∈ Z) (2.10)
k!
k=1
f (k) (x)
e os coeficientes k! (1 ≤ k ≤ m) são números inteiros.
basta demonstrar o teorema quando f (x) = xm e neste caso (2.10) é nada mais nada
menos que uma outra forma de apresentar o desenvolvimento de Newton para (x + y)m ,
pois
m!
f (k) (x) = m(m − 1) · · · (m − k + 1)xm−k = xm−k .
(m − k)!
VN 213
Congruências ITN(2001)
como α ≥ 1, os termos do segundo membro em que i > 1 são divisı́veis por pα+1 , pois
αi > 2α = α + α ≥ α + 1. Assim
f 0 (b) α
f (b + kpα ) ≡ f (b) + kp (mod pα+1 );
1
mas f (b) ≡ 0 (mod pα ), pelo que f (b) = tpα , para algum t ∈ Z. A situação a analisar
é então a seguinte
pα t + f 0 (b)k ≡ 0 (mod pα+1 )
ou seja
f (b)
+ f 0 (b)k ≡ 0 (mod p)
pα
como se pretendia verificar. 2
214 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
ou ainda
x ≡ b − f 0 (b)∗ f (b) (mod pα+1 ) & f 0 (b)∗ f 0 (b) ≡ 1 (mod p) (2.12)
2
1≤i≤k
Acontece que este sistema é mesmo equivalente à congruência (2.13), pois potências de
primos distintos são primas entre si e o seu produto divide qualquer número dividido
simultaneamente por todas elas (se a|c, b|c e a e b são primos entre si, então ab|c.)
Provámos então o seguinte
n = pα1 1 · · · pαk k ,
a congruência
f (x) ≡ 0 (mod n)
é equivalente ao sistema de congruências
VN 215
Congruências ITN(2001)
Vimos já que algumas congruências polinomiais f (x) ≡ 0 (mod n) não têm solução,
mas se todas as do sistema (2.14) tiverem, então há de facto solução e deverá ser possı́vel
determiná-la. Utilizaremos o seguinte lema
Lema 2.5.2 (Teorema Chinês do Resto) Se m1 , ..., mk são números naturais pri-
mos entre si dois a dois e b1 , ..., bk são números inteiros quaisquer, o sistema de con-
gruências
x ≡ bi (mod mi )
(2.15)
1≤i≤k
x = x1 b1 + · · · + xk bk (2.16)
k
Y
m0i = mj |xi ;
j=1
j6=i
xi ≡ 1 (mod mi )
Ora cada m0i é primo com mi , portanto os inversos aritméticos (m0i )∗ existem e as
condições (2.16) e (2.17) definem uma solução para o sistema (2.15). 2
216 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
Por simples inspecção conclui-se que as soluções da congruência (i) são dadas por
x ≡ 1, −1 (mod 22 ).
x ≡ 1, −1 (mod 32 ).
O sistema (2.19) dá então lugar aos sistemas seguintes, que podem ser resolvidos uti-
lizando, por exemplo, o Teorema Chinês do Resto 2.5.2, como vimos atrás.
x ≡ 1 (mod 22 ) (mod 22 )
x≡1
(S1) 3 (S2)
x ≡ 1 (mod 3 ) x ≡ −1 (mod 33 )
x ≡ −1 (mod 22 ) x ≡ −1 (mod 22 )
(S3) (S4)
x≡1 (mod 33 ) x ≡ −1 (mod 33 )
De um modo geral, as soluções da congruência (2.18) são dadas pela fórmula
x ≡ 3 · 33 · 1 + 7 · 22 · 1 ≡ 109 ≡ 1 (mod 22 · 33 ).
VN 217
Congruências ITN(2001)
2.6 Exercı́cios
1. Mostre que a congruência y 2 − x2 − 2 ≡ 0 (mod 4) não tem soluções e conclua
que a equação Diofantina y 2 − x2 − 2 = 0 também as não tem.
7. Resolva as congruências:
10. Mostre que uma quarta potência é congruente com 0 ou 1 (mod 5).
218 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
13. Mostre que se k for ı́mpar, 112k + 192k é divisı́vel por 241.
(Sugestão: Observe que se m > 4 e m não é primo então (m − 1)! ≡ 0 (mod m).)
17. Mostre que a equação Diofantina x2 + 1 = 23y não tem soluções inteiras.
20. Reduza o mais possı́vel o grau dos polinómios nas seguintes congruências e resolva-
as.
21. Factorize (mod 11) de duas maneiras distintas os polinómios f (x) seguintes, ob-
servando que em cada caso f (a) ≡ 0 (mod 11).
VN 219
Congruências ITN(2001)
22. Factorize (mod 13) o polinómio f (x) = x4 − 6x3 − 3x2 − 7x + 2 com pelo menos
dois factores de primeiro grau.
23. Mostre que o polinómio x3 + 3x2 + 2x + 2 não pode ser factorizado (mod 5).
α
24. Resolva a congruência xp ≡ b (mod p) sabendo que p é primo e α ≥ 1.
26. (a) Suponha que m, n ∈ N e que d = mdc(m, n). Mostre que o sistema de
congruências
x ≡ a (mod m)
x ≡ b (mod n)
tem solução se e só se a ≡ b (mod d) e que, nesse caso, a solução é única
(mod mmc(m, n)).
(b) Determine se cada um dos seguintes sistemas de congruências tem solução
e, em caso afirmativo, resolva-o.
x ≡ 5 (mod 6)
i.
x ≡ 7 (mod 10)
x ≡ 1 (mod 6)
ii.
x ≡ 8 (mod 15)
220 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Congruências
Nota: Pretende-se que este seja um exercı́cio de revisão dos vários temas tratados
sobre congruências polinomiais.
31. Mostre que 5n3 + 7n5 ≡ 0 (mod 12), para qualquer inteiro n.
32. Determine todos os números inteiros cuja divisão inteira por 8 e por 7 dá respec-
tiva e simultâneamente resto 6 e resto 5.
33. Um Coronel após ter sido destacado para comandar um regimento do Exército
quis saber por quantos efectivos esse regimento era formado, com esse objectivo
mandou-os dispor sucessivamente em colunas de:
34. Um casal resolveu ir fazer uma viagem à volta do mundo. Sabendo que partiram
no dia 1 de Março de um ano bissexto num domingo, que chegaram no dia 6 de
Março, segunda-feira e que demoraram menos de 4 anos, determine quantos dias
demorou a viagem usando o teorema chinês do resto.
VN 221
Congruências ITN(2001)
222 VN
Capı́tulo 3
Resı́duos quadráticos
3.1 Introdução
Neste capı́tulo, vamos estudar a resolubilidade de congruências polinomiais de segundo
grau
uy 2 + vy + w ≡ 0 (mod m) (2 < m 6 |u)
Repare-se que a condição 2 < m 6 |u evita que o grau do polinómio no primeiro membro
desça. Vamos ver como se pode reduzir este estudo a congruências da forma
301
Resı́duos quadráticos ITN(2001)
3.2 Preliminares
O número inteiro a diz-se resı́duo quadrático (mod n) se mdc(a, n) = 1 e a con-
gruência x2 ≡ a (mod n) tem solução; caso contrário diz-se resı́duo não quadrático.
Em primeiro lugar: se a ∈ Z é resı́duo quadrático (mod m), então é resı́duo
quadrático (mod p), para qualquer número primo que divida m. Pelo que as soluções
de x2 ≡ a (mod m) se encontram entre as do sistema
(
x2 ≡ a (mod p)
p|m p primo
Além disso qualquer número inteiro ı́mpar é resı́duo quadrático (mod 2); assim basta
considerar primos ı́mpares. Mas podemos ser mais precisos.
x2 ≡ a (mod pα ) (3.4)
x2 − a
(x + kpα )2 ≡ a (mod pα+1 ) se k ≡ k(x) = −(2x)∗ (mod p), (3.6)
pα
Finalmente observe-se que duas soluções da forma (3.6) da congruência (3.5) que
sejam congruentes (mod pα+1 ) provêm de soluções congruentes (mod pα ) da primeira.
Resumindo: há uma injecção do conjunto das soluções de (3.4) no das soluções de (3.5)
que, por sua vez está contido naquele, i.e., são equipotentes. 2
Segue-se
E podemos concluir
302 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Resı́duos quadráticos
Dem. verifiquemos que os resı́duos descritos não são congruentes (mod p). Ora
i2 ≡ j 2 (mod p) sse p|i − j ou p|i + j, isto é, sse i ≡ j ou i ≡ −j (mod p); mas, para
valores de i e j entre 1 e p−1
2 , estas condições são equivalentes a i = j. Como os resı́duos
entre p+1
2 e p são simétricos (mod p) dos já considerados, têm os mesmos quadrados
(mod p) e descrevemos de facto todos os resı́duos quadráticos (mod p). 2
Dem.
I) a é resı́duo quadrático.
VN 303
Resı́duos quadráticos ITN(2001)
Neste caso temos, por um lado x2 ≡ a (mod p), para algum x, pelo que p 6 |x, e daı́
a p−1 p−1
= 1 ≡ xp−1 ≡ (x2 ) 2 ≡ a 2 (mod p).
p
Obtém-se então
Ln é o sistema completo de resı́duos (mod n), de menor valor absoluto. Para cada
x ∈ Z e cada n ∈ N, designe-se por x̂ o resı́duo em Ln congruente com x (mod n).
304 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Resı́duos quadráticos
Teorema 3.3.3 (Lema de Gauss) Se p é um número primo ı́mpar que não divide a
e l = #{j| 1 ≤ j ≤ p−1
2
ˆ < 0}, então
& ja
a
= (−1)l .
p
p−1
2
Y
ˆ = (−1)l p−1
ja !
2
j=1
e por outro
p−1
2
Y
ˆ ≡a
p−1 p−1
ja 2 ! (mod p);
2
j=1
p−1
Dem. Para 1 ≤ j ≤ 2 tem-se
(
ˆ = 2j
2j 1 ≤ j ≤ p−1
4
ˆ = 2j − p p−1 p−1
2j 4 < j ≤ 2
VN 305
Resı́duos quadráticos ITN(2001)
2
e o segundo membro tem a mesma paridade que p 8−1 , como se pode ver observando
que p ≡ ±1 (mod 4), portanto para certos k ∈ Z, vem
p2 − 1
p−1 p−1
− = k & = 2k 2 + k
2 4 8
ou
p2 − 1
p−1 p−1 1
− = 2k − 1 − [k − ] = k & = 2k 2 − k
2 4 2 8
Por outras palavras: se dois números primos ı́mpares são congruentes com 3 (mod 4),
então um e um só deles é resı́duo quadrático mod o outro; caso contrário, qualquer deles
é ou nenhum é resı́duo quadrático mod o outro.
Dem. Considere-se a figura 3.3.
y
Lei de Reciprocidade Quadrática.
p 6
u
2
[− 12 q < px − qy < 0 ∼ Cpq ]
-
1
px − qy ≤ − 2 q
qy − px ≤ − 12 p
1
[C qp ∼ − 2 p < qy − px < 0]
u
1
2
x
u
u- x
1 q
2 2
306 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Resı́duos quadráticos
Sejam
q−1 q−1
Cpq = {x ∈ Z| 1 ≤ x ≤ & − ≤ px < 0 (mod q)}
2 2
p−1 p−1
Cqp = {y ∈ Z| 1 ≤ y ≤ & − ≤ qy < 0 (mod p)}
2 2
l = #Cpq
m = #Cqp
(p − 1)(q − 1)
l+m e têm a mesma paridade. (3.9)
4
Ora, para cada x ∈ Cpq existe um e só um y ∈ Z tal que − q−1 2 ≤ px − qy < 0 e
simultâneamente 0 < y < p2 (repare-se que p é ı́mpar). Segue-se que
1 1 1
Cpq = {(x, y) ∈ Z2 | 0 < x < q & 0 < y < p & − q < px − qy < 0}
2 2 2
Analogamente
1 1 1
Cqp = {(x, y) ∈ Z2 | 0 < x < q & 0 < y < p & − p < qy − px < 0}
2 2 2
Se
1 1
R = {(x, y) ∈ Z2 | 0 < x < q & 0 < y < p},
2 2
(q−1)(p−1)
então #R = 4 e #R − (l + m) é o número de pares (x, y) ∈ R tais que
1 1
− q < px − qy < 0 ou − p < qy − px < 0;
2 2
estas condições definem dois conjuntos dijuntos equipotentes pois
1
(x, y) 7→ (q + 1, p + 1) − (x0 , y 0 )
2
define uma bijecção entre eles. Conclui-se que vale a condição (3.9). 2
VN 307
Resı́duos quadráticos ITN(2001)
3.4 Exercı́cios
1. Determine todos os números primos ı́mpares p para os quais −3 é resı́duo quadrático
(mod p).
x2 + x − 3 ≡ 0 (mod p)
tem solução.
(a) Mostre que n2 − n + 41 é primo quando 1 ≤ n ≤ 40, mas não para n = 41.
(b) Mostre que n2 − 79n + 1061 é primo quando 1 ≤ n ≤ 79, mas não para
n = 80.
308 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Resı́duos quadráticos
(c) Mostre que n2 − 81n + 1681 é primo quando 1 ≤ n ≤ 80, mas não para
n = 81.
X af (x) a X f (x)
= , para todo a.
p p p
x(mod p) x(mod p)
p−1
X ax + b
= 0.
p
x=0
17. Seja f (x) = x(ax + b), onde mdc(a, p) = mdc(b, p) = 1. Prove que:
p−1 p−1
X f (x) X a + bx a
= =− .
p p p
x=1 x=1
18. Sejam α, β números inteiros de valores possı́veis ±1. Seja N (α, β) o número de
inteiros x no conjunto {1, 2, . . . , p − 2} tais que
x x+1
= α, = β,
p p
VN 309
Resı́duos quadráticos ITN(2001)
p−2
X x x+1
4N (α, β) = {1 + α }{1 + β }
p p
x=1
e deduza
−1
4N (α, β) = p − 2 − β − αβ − α .
p
19. Use o exercı́cio anterior para provar que para cada primo p existem inteiros x, y
tais que x2 + y 2 + 1 ≡ 0 (mod p).
310 VN
Capı́tulo 4
Equações Diofantinas
x2 + y 2 = z 2 . (4.1)
É bastante simples verificar que os ternos pitagóricos triviais são os que têm pelo
menos uma das primeiras coordenadas zero e as outras duas iguais ou simétricas. As
soluções não triviais de (4.1) são caracterizadas pelo seguinte teorema.
Teorema 4.1.1 O terno ordenado de números inteiros (x, y, z) é pitagórico sse é trivial
ou existem a, b, d ∈ N verificando simultâneamente as seguintes condições.
1. b < a
2. mdc(a, b) = 1
3. |z| = (a2 + b2 )d
4. |x| = 2abd & |y| = (a2 − b2 )d |x| = (a2 − b2 )d & |y| = 2abd
ou
401
Equações Diofantinas ITN(2001)
402 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Equações Diofantinas
1. (x, y, z) é primitivo.
Dem. Suponha-se que (x, y, z), (u, v, w) e d são dados como em (4.2).
(se) Por hipótese (u, v, w) é terno pitagórico primitivo e d|x, y, z. Vamos ver que d =
mdc(x, y), o que, pelo lema 4.1.3, arrasta d = mdc(x, y, z). Ora, por hipótese e pelo
lema 4.1.3, mdc(u, v) = mdc( xd , yd ) = 1, pelo que d = mdc(x, y), como se pretendia
mostrar.
(só se) Tem-se
(du)2 + (dv)2 = (dw)2 ;
dividindo por d2 conclui-se que (u, v, w) é terno pitagórico; mais uma vez utilizando o
lema 4.1.3, também se conclui que (u, v, w) é primitivo. 2
Resumindo:
Teorema 4.1.6 Para que o terno ordenado de números naturais (x, y, z) seja pita-
górico primitivo é condição necessária e suficiente que existam a, b ∈ N verificando
simultâneamente as seguintes condições.
2. b < a
VN 403
Equações Diofantinas ITN(2001)
3. mdc(a, b) = 1
4. z = a2 + b2
Lema 4.1.4 A soma de dois quadrados de números ı́mpares não é divisı́vel por 4.
Lema 4.1.5 Se (x, y, z) é terno pitagórico primitivo, então x e y têm paridades difer-
entes.
Dem. (do lema 4.1.5) Pelo lema 4.1.3, x e y não podem ser ambos pares e, pelo
lema anterior (4.1.4), não podem ser ambos ı́mpares pois nesses casos z 2 seria par e
consequentemente divisı́vel por 4 e soma de dois quadrados de números ı́mpares. 2
Lema 4.1.6 Para quaisquer números naturais a e b primos entre si, tais que b < a.
Tem-se uma das situações seguintes
Dem. Como a e b são primos entre si, não podem ser ambos pares, daı́ que as hipóteses
apresentadas esgotam as possibilidades. Alguns cálculos simples mostram que os ternos
em estudo são pitagóricos. Observe-se que no caso 2, como a e b são ambos ı́mpares, a
diferença e a soma de quadrados são ambas pares.
Suponha-se então que
404 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Equações Diofantinas
Se p|a e p|a+b, então p|b. Ora não há divisores primos comuns a a e b, donde d não tem
divisores primos, isto é, d = 1. Analogamente se estudam os casos em que p|a & p|a−b
ou p|b & p|a + b ou p|b & p|a − b.
2 2 2 2 2 −b2 2 +b2
2. Vejamos que d1 = mdc( a −b
2 ,
a +b
2 ) = 1. Como d1 ∈ N, d1 |
a
2 e d1 | a 2 ,
somando ou subtraindo adequadamente, conclui-se que
x = 2k. (4.4)
Tem-se
2|(2k)2 = x2 = z 2 − y 2 = (z − y)(z + y) (4.5)
Pelo que 2|z − y ou 2|z + y; em qualquer caso,
pois ambos os factores têm a mesma paridade. Segue-se que, para certos números
naturais u e v se tem
k 2 = uv (4.7)
Vejamos que
u e v são primos entre si : (4.8)
Se p fosse um número primo divisor simultâneo de u e v, então ter-se-ia, pela condição
(4.6)
p|u + v = z & p|v − u = y;
VN 405
Equações Diofantinas ITN(2001)
mas então (x, y, z) não seria primitivo pelo lema 4.1.3, pois p|mdc(y, z); assim neces-
sariamente se dá (4.8). Mas então resulta da equação (4.7) que u, e v são por sua vez
quadrados perfeitos e, para certos a, b ∈ N tem-se, ainda por (4.6),
tendo-se ainda que a e b têm paridades distintas pois, caso contrário, x e y seriam
ambos pares.
O caso em x é ı́mpar (e y é par) tratar-se-ia de modo análogo, dando lugar à outra
possibilidade em 5 no lema 4.1.6. 2
Teorema 4.2.1
x4 + y 4 = z 2
De outro modo
C := {z ∈ N| ∃x ∈ N ∃y ∈ N x4 + y 4 = z 2 } =
6 ∅. (4.9)
406 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Equações Diofantinas
é primitivo, pelo que, pelo teorema 4.1.6, possivelmente trocando u com v, existem
números naturais a, b tais que
admitamos que valem estas mesmas condições. Em primeiro lugar, por (4.10),
o que não pode acontecer porque v é ı́mpar e daı́ v 2 ≡ 1 (mod 4). Ora a2 = v 2 + b2 ,
por (4.15), e (v, b, a) é terno pitagórico primitivo, por (4.12). Por (4.16) e pelo teorema
4.1.6, existem números naturais s e t tais que
s > t,
mdc(s, t) = 1, (4.17)
2 2
a = s +t , (4.18)
b = 2st, (4.19)
2 2
v = s −t ; (4.20)
e portanto
x4 + y 4 = z 2 ,
ou seja
(x, y, z) ∈ C. (4.23)
VN 407
Equações Diofantinas ITN(2001)
Exemplo 4.3.1 Pode verificar-se por tentativas que a equação x2 + y 2 = 7 não tem
solução em Z: como 7 não é um quadrado perfeito,não há soluções triviais; por outro
lado, as únicas expressões de 7 como soma de dois números naturais são 1+6, 2+5, 3+4
e suas comutadas e 2, 3, 5 e 6 também não são quadrados perfeitos.
Teorema 4.3.1 A equação (4.25) tem solução sse existem s, n0 ∈ N tais que n0 é
simples e n = s2 n0 .
408 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Equações Diofantinas
Exemplo 4.3.2 5 = 1 + 4 = 12 + 22
Dem. (só se) Suponha-se que p é soma de dois quadrados, então pelo lema 4.3.1,
p 6≡ 3 (mod 4). Ora os números congruentes com 0 ou 2 (mod 4) são pares, pelo que p,
sendo primo e par só pode ser 2, e se for ı́mpar, só resta p ≡ 1 (mod 4).
(se) Se p = 2 então p = 12 + 12 . Vejamos o caso
VN 409
Equações Diofantinas ITN(2001)
ser nulos simultâneamente, já que, se x = 0 = y, então a ≡ 0 ≡ b (mod k), pelo que a2 ≡
0 ≡ b2 (mod k 2 ); mas então
ter-se-ia kp = a + b ≡ 0 (mod k ) ou seja kp = αk 2 para algum α ∈ Z, de onde
2 2 2
se concluiria k|p, o que é impossı́vel por (4.28). Assim, sob a hipótese (4.30), também
0 ≡ kp = a2 + b2 ≡ x2 + y 2 (mod k), isto é, x2 + y 2 = mk para algum m ∈ N, ficando
demonstrado (4.31) também sob a hipótese (4.30).
Mas podemos ser mais precisos ainda: nas condições (4.30)
m < k, (4.32)
pois
x2 + y 2 2k 2 /4 k
m= ≤ = < k.
k k 2
Vamos ainda poder concluir que
o que, junto com (4.32) está em contradição com a definição de k em (4.30), seguindo-se
que não pode ter-se k > 1, ou seja vale (4.29) como se pretendia provar. Deduzamos
então (4.33):
k 2 mp = (kp)(mk) = (ay − bx)2 + (ax + by)2
Como x e y foram escolhidos de modo que x ≡ a (mod k) e y ≡ b (mod k), deduz-se
que
ax + by ≡ a2 + b2 ≡ 0 (mod k) & k|ax + by
e também
ay − bx ≡ ab − ba = 0 (mod k) & k|ay − bx.
Segue-se que
2 2
ay − bx ax + by
mp = +
k k
e as duas fracções do segundo membro são os u e v que procurávamos para
deduzir (4.33).
O lema 4.3.2 está demonstrado. 2
Lema 4.3.3 Se dois números naturais são somas de dois quadrados, o seu produto
também é.
Dem. Basta lembrar a fórmula (do quadrado do valor absoluto) do produto dois
números complexos 1 na forma algébrica: se m = a2 + b2 e n = c2 + d2 , então mn =
(ac − bd)2 + (ad + bc)2 2
1
Veja-se a propósito (8.2)
410 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Equações Diofantinas
VN 411
Equações Diofantinas ITN(2001)
Lema 4.4.1 O produto de dois números naturais que são somas de quatro quadrados
é soma de quatro quadrados.
Dem. (do lema 4.4.1)2 Basta tomar em consideração a seguinte Identidade de La-
grange: para quaisquer a, b, c, d, u, v, x, y ∈ R,
x2 + y 2 ≡ −1 (mod p) (4.34)
412 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Equações Diofantinas
Dem. (do lema 4.4.2) Queremos provar que, para qualquer número primo p, existem
x, y, z, w ∈ Z tais que
p = x2 + y 2 + z 2 + w2 . (4.35)
De novo 2 = 12 + 12 + 02 + 02 , pelo que passaremos a supor que p designa um primo
ı́mpar.
Em primeiro lugar, resulta do lema 4.4.3 que, para certos m, x, y ∈ Z,
p−1
mp = x2 + y 2 + 12 + 02 & 0 ≤ 0, 1, x, y ≤ . (4.36)
2
Assim, definindo
x2 + y 2 + z 2 + w2 equiv 0 (mod k)
s<k & x≡a & y≡b & z ≡ c & w ≡ d (modk) & a2 +b2 +c2 +d2 = sk.
kpks = e2 + f 2 + g 2 + h2 . (4.39)
Como os e, f, g, h podem ser dados pela Identidade de Lagrange, pode supor-se que são
todos divisı́veis por k, pelo que, dividindo em (4.39) por k 2 , representamos sp como
soma de quatro quadrados e s < k, contradizendo a definição de k. Em qualquer caso
concluimos que k não pode ser maior que 1. 2
VN 413
Equações Diofantinas ITN(2001)
4.5 Exercı́cios
1. Resolva as seguintes equações Diofantinas:
(a) x2 + y 2 = 51;
(b) x2 + y 2 + z 2 = 18;
(c) x2 + 2xy + 2y 2 = 17;
(d) 4x2 + 12xy + 10y 2 = 26.
3. Mostre que nem todos os números inteiros positivos são somas de, no máximo,
três quadrados.
6. Mostre que para cada número inteiro n ≥ 3 existe um terno Pitagórico em que
uma das coordenadas é n.
8. Determine todos os ângulos θ para os quais sen θ e cos θ são números racionais.
12. Suponha que mdc(a, b) = 1. Mostre que se a não é soma de dois quadrados, então
ab também não é.
13. Mostre que a equação 5x2 + 14xy + 10y 2 = n tem soluções em inteiros se e só se
n é soma de dois quadrados.
14. Mostre que a equação (x2 + 1)4 + (y 2 + 2)4 = (z + 4)2 não tem soluções inteiras.
414 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Equações Diofantinas
(a) Mostre que se (x0 , y0 ) ∈ Z2 é uma solução da equação, então (5x0 +12y0 , 5y0 +
2x0 ) também é.
(b) Use a alı́nea anterior para obter pelo menos cinco soluções distintas da
equação.
(c) Mostre que a equação tem infinitas soluções.
n
17. Mostre que se 4k
≡ 7 (mod 8) (k ∈ N), então n não é soma de três quadrados.
VN 415
Equações Diofantinas ITN(2001)
416 VN
Capı́tulo 5
Funções aritméticas
5.1 Introdução
Uma função real de variável natural diz-se aritmética. Consideremos algumas funções
aritméticas importantes.
Para cada n ∈ N define-se
k
Y
d(n) = (1 + αi ) (5.1)
i=1
αi
k X
pji
Y
σ(n) = (5.2)
i=1 j=0
k
Y pαi +1 − 1
i
= (5.3)
pi − 1
i=1
com 1 ≤ βj ≤ αij .
501
Funções aritméticas ITN(2001)
k k h
1 i
pαi i −1 (pi − 1) .
Y Y
φ(n) = n 1− = (5.4)
pi
i=1 i=1
Dem. Se n = kd, os elementos do conjunto em questão são precisamente 1d, 2d, · · · , kd.
2
Dem. (do teorema 5.1.2) Seja n um número natural maior que 1, representado na
forma canónica por pα1 1 · · · pαk k . Se designarmos por C o conjunto dos números entre 1
e n que não são primos com n e definirmos
Ci := {k ∈ N| 1 ≤ k ≤ n & pi |k},
Ci1 ∩ · · · ∩ Cis = {k ∈ N| 1 ≤ k ≤ n & pi1 · · · pis |k} (i1 < · · · < is ; 1 ≤ s ≤ k).
Portanto
k
X X X
#C = #Ci − #(Ci1 ∩ Ci2 ) + #(Ci1 ∩ Ci2 ∩ Ci3 ) − · · ·
i=1 1≤i1 <i2 ≤k 1≤i1 <i2 <i3 ≤k
k+1
+ (−1) #(C1 ∩ · · · ∩ Ck )
502 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Funções aritméticas
φ(n) #C
= 1−
n n
k
X 1 X 1 1 X 1 1 1
= 1− + − + ···
pi pi1 pi2 pi1 pi2 pi3
i=1 1≤i1 <i2 ≤k 1≤i1 <i2 <i3 ≤k
1 1
+(−1)k · · ·
p1 pk
k
Y 1
= 1− ,
pi
i=1
ou seja
k
Y 1
φ(n) = n 1− .
pi
i=1
2
Outras funções aritméticas que virão a ser-nos úteis: defina-se para cada n ∈ N
1(n) := 1 (5.5)
(
1 1 se n = 1
e(n) := = . (5.6)
n 0 se n > 1
(5.7)
E ainda a função µ de Möbius, definida, para cada número natural n, por
1
se n = 1
µ(n) = 0 se ∃p [p é primo & p2 | n] (5.8)
(−1)k se n = p1 · · · pk com os pi primos distintos.
VN 503
Funções aritméticas ITN(2001)
As propriedades básicas deste produto ficam descritas nos teoremas seguintes, cuja
demonstração se deixa a cargo do leitor. Recordem-se as funções definidas na secção
anterior (5.1).
1 X n
g(n) = − f (d)g , se n > 1,
f (1) d
d|n
então
1. g ∗ f = f ∗ g = e,
2. (A1 , ∗) é grupo abeliano.
504 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Funções aritméticas
Corolário 5.3.1 Duas funções multiplicativas coincidem sse coincidirem nas potências
de expoente inteiro não negativo dos números primos.
Ilustremos a definição:
Teorema 5.3.2 1. Todas as funções definidas na secção anterior (5.1) são multi-
plicativas.
Dem. (1) Para verificar que d, σ e φ, basta observar que dois números naturais são
primos Q
entre si apenas Q
quando não têm divisores primos comuns; consequentemente,
se n = ki=1 pαi i e m = ri=1 qiβi , com primos pi e qj totalmente distintos dois a dois, e
mdc(m, n) = 1, tem-se
k r
qiβi
Y αi
Y
mn = pi
i=1 i=1
e(mn) = 1 = 1 × 1 = e(m)e(n).
VN 505
Funções aritméticas ITN(2001)
então f é multiplicativa.
Dem. Basta observar que, nas condições descritas f = g ∗ 1, e aplicar o teorema 5.3.2.
2
Ou seja
µ ∗ 1 = 1 ∗ µ = e. (5.13)
P
Dem. Defina-se f (n) = d|n µ(d). Como vimos no teorema 5.3.2, µ é multiplicativa,
pelo que f também é (teorema 5.3.3). Assim temos
X
f (1) = µ(d) = µ(1) = 1.
d|1
506 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Funções aritméticas
Se p é primo e α ≥ 1,
(
µ(1) + µ(p) = 1 − 1 = 0 se α = 1
f (pα ) = Pα i
(5.14)
i=0 µ(p ) = 1 − 1 + 0 = 0 α > 1
Portanto, se n = ki=1 pαi i for a decomposição canónica de n, tem-se que o valor (da
Q
função multiplicativa f ) f (n) é um produto de zeros, logo é zero. 2
Teorema 5.4.1 Seja g uma função aritmética qualquer. As duas condições seguintes
são equivalentes X
∀n ∈ N f (n) = g(d). (5.15)
d|n
X n
∀n ∈ N g(n) = µ(d)f ( ). (5.16)
d
d|n
Dem. (5.15) pode reformular-se por f = g ∗ 1, de onde se segue, pelo teorema 5.2.1 e
pelo lema 5.4.1, f ∗µ = (g∗1)∗µ = g∗(1∗µ) = g, que reformula (5.16). Reciprocamente,
(5.16) traduz-se por g = f ∗µ e segue-se analogamente g∗1 = f ∗µ∗1 = f , que reformula
(5.15). 2
VN 507
Funções aritméticas ITN(2001)
donde
n
d = min{d(xk 0 + y ) > 0| x, y ∈ Z}
d
= min{xdk 0 + yn > 0| x, y ∈ Z}
= mdc(dk 0 , n).
Teorema 5.5.1 X
n = φ(d) (n ∈ N) (5.20)
d|n
n
Dem. Por um lado d 7→ d define uma permutação dos divisores de n, consequentemente
X X n
φ(d) = φ( );
d
d|n d|n
por outro lado, os conjuntos Cnd definidos na demonstração do teorema anterior formam
uma partição de {1, 2, · · · , n} e daı́
X X n X
n = #{1, · · · , n} = #Cnd = φ( ) = φ(d).
d
d|n d|n d|n
Como querı́amos. 2
Em particular, φ é multiplicativa.
508 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Funções aritméticas
Por um lado os divisores positivos de n são da forma pβ1 1 · · · pβk k com 0 ≤ βi ≤ αi ; por
outro µ(d) = 0 se algum dos βi ≥ 2. Consequentemente µ(d) d 6= 0 apenas quando d é
livre de quadrados; mas então os termos não nulos do segundo somatório acima são da
forma
1 1
(−1)l ···
pi1 pil
As fórmulas de Van de Graaf para o desenvolvimento de li=1 (x − ai ) dão-nos a ex-
Q
pressão final.
A multiplicatividade de φ é agora fácil de demonstrar: basta observar que, se m e
n não têm divisores primos comuns, as comutatividade e associatividade do produto de
números naturais permitem concluir φ(mn) = φ(m)φ(n). 2
Teorema 5.6.2 Os números perfeitos pares são da forma 2n−1 (2n − 1) com n ∈ N e
2n − 1 primo.
Dem. Em primeiro lugar observe-se que uma potência de dois não é perfeita pois
Como σ é multiplicativa,
ou seja
2α+1 k = 2α+1 − 1 σ(k).
VN 509
Funções aritméticas ITN(2001)
5.7 Exercı́cios
1. Mostre que d(n) é ı́mpar se e só se n é um quadrado perfeito.
2. Mostre que para cada número natural m > 1 existe um número infinito de
números naturais n tais que d(n) = m.
3. Mostre que
Y d(n)
d=n 2 .
d|n
5. Nos problemas que se seguem supõe-se que para certos números primos distintos
pi e naturais αi ,
Yk
n= pαi i .
i=1
510 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Funções aritméticas
ii.
X 1 se n é quadrado perfeito
λ(d) =
0 caso contrário.
d|n
Pk
(b) Defina ν(n) = 2 i=1 αi e ν(1) = 1.PMostre que ν é totalmente multiplicativa
e determine uma expressão para d|n ν(d).
(c) Para um dado t ∈ Z defina ω(k) = tk e ω(1) = 1. Mostre que
i. ω é multiplicativa;
ii.
X k
Y
ω(d) = (1 + αi t).
d|n i=1
6. Mostre que
7. Defina
1 1 se n = 1
e(n) = = (n ∈ N)
n 0 se n > 1
1
g(1) =
f (1)
1 X n
g(n) = − f (d)g , se n > 1
f (1) d
d|n
Mostre que
(a) g ∗ f = e.
(b) Conclua da alı́nea anterior que o conjunto das funções aritméticas não nulas
em 1 munido do produto de convolução é grupo abeliano.
(c) Seja M o conjunto das funções multiplicativas não identicamente nulas. Que
pode dizer quanto à natureza algébrica de (M, ∗)?
VN 511
Funções aritméticas ITN(2001)
Ik (n) = nk 1(n) = 1
e mostre que
i. As funções Ik e 1 são multiplicativas.
ii. d = 1 ∗ 1;
iii. σ = 1 ∗ I;
iv. se σk (n) é a soma das k-ésimas potências dos divisores positivos de n,
então σk = 1 ∗ Ik ;
v. se f é totalmente multiplicativa, então f ∗ f = f d;
vi. Ik ∗ Il (n) = nl σk−l (n).
(b) Determine uma expressão para σ ∗ d.
é a função φ.
Mostre que
P
(a) log n = d|n Λ(d);
P
(b) Λ(n) = − d|n µ(d) log(d).
512 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Funções aritméticas
16. Seja f (n) uma função multiplicativa não identicamente nula. Então
X Y
µ(d)f (d) = (1 − f (p)),
d|n p|n
(a) an + 1, com n ≥ 2;
(b) an + bn , com n ≥ 2 e mdc(a, b) = 1 (28 = 33 + 13 ).
·n
n··
20. Mostre que não há números perfeitos pares da forma a n + 1, com n ≥ 2 e pelo
menos dois expoentes n.
21. Mostre que um número perfeito ı́mpar não é primo nem produto de dois primos.
23. Um par (m, n) ∈ N2 diz-se amigável se cada coordenada é a soma dos divisores
próprios (incluindo 1) da outra. Mostre que
VN 513
Funções aritméticas ITN(2001)
514 VN
Parte II
Números reais
601
Capı́tulo 6
Fundamentação
1. 0 6∈ K + 6= ∅
603
Números Reais ITN(2001)
(a) a = b
(b) a − b ∈ K +
(c) b − a ∈ K +
3. Para quaisquer a, b ∈ K + , a + b ∈ K +
4. Para quaisquer a, b ∈ K + , ab ∈ K +
1. A relação < é
De facto, estas propriedades de < podem ser tomadas como definidoras de corpo
ordenado, deduzindo-se delas que o conjunto {x ∈ K : 0 < x} verifica as propriedades
tomadas inicialmente como caracterı́sticas de K + , de tal modo que a relação de ordem
obtida a partir de K + é precisamente < . De modo um pouco informal: há uma
correspondência bijectiva natural entre ordens compatı́veis com as operações do corpo
e conjuntos de positivos.
Vamos ver que, a menos de um isomorfismo, todos os corpos ordenados, contêm o
corpo dos números racionais, ou seja Q é o menor corpo ordenado.
Seja então K um corpo ordenado com relação de ordem <.
604 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
(iv) 0 < 1
Dem. As condições (i) e (ii) são equivalentes, já que, em qualquer anel
a = −(−a). Assim limitar-nos-emos a provar (i), (iii) e (iv)
(i) Observe-se que vale a seguinte cadeia de implicações, pela compatibilidade de
< com +.
(iii) Como a2 = (−a)2 , por (i) e pela semicompatibilidade de < com ·, quando a 6= 0,
a2 é sempre o produto de dois elementos positivos, portanto é positivo.
(iv) Observe-se que 0 6= 1 = 12 e tome-se em conta (iii). 2
1. N é indutivo
2. S é uma função de N em N.
VN 605
Números Reais ITN(2001)
2. N ⊂ Q ⊆ K +
−1
3. np−1 = pn−1 , para quaisquer n, p ∈ N
6. (mk)(pk)−1 = mp−1
606 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
−N ⊆ −Q ⊆ K
Teorema 6.1.3 Q = { m
n : m, n ∈ Z & n 6= 0}
VN 607
Números Reais ITN(2001)
Φ(0) = 00
Φ(1) = 10
Φ(n1) = n10
Φ(a + b) = Φ(a) + Φ(b)
Φ(ab) = Φ(a)Φ(b)
Φ(−x) = −Φ(x)
As proposições 2 e 3 resultam apenas de os anéis serem fechados para a passagem
ao simétrico e os corpos serem fechados para a passagem ao inverso. As proposições 4
e 5 são meras reformulações de 2 e 3, respectivamente. 2
608 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Teorema 6.2.1 Dada uma estrutura de números naturais com as operações de so-
ma , +, e produto , ·, e a ordem < canónicas N = (N, S, 1, +, ·, < ), existe um corpo
ordenado Q = (Q, 0, 1, +, ·, < ), que a prolonga e, a menos de um isomorfismo de
corpos ordenados, está contido em todos os possı́veis prolongamentos de N por corpos
ordenados.
3. é distributiva em relação a ⊕
(a) x y sse x ⊕ z y ⊕ z x, y, z ∈ Q
(b) x y sse xz yz (x, y, z ∈ Q)
IV. A função φ : N → Q dada por φ(n) = [(n, 1)]• é um mergulho da estrutura algébrica
ordenada (N, +, ·, < ) para a estrutura algébrica ordenada
(Q, ⊕, , ); que identifica (N, +, ·, < ) com uma subestrutura de (Q, ⊕, , ), pelo
que voltamos a designar as operações e a ordem pelos seus sı́mbolos iniciais.
V. Defina em Q2 a seguinte relação de equivalência
e designe por [(a, b)]+ as respectivas classes de equivalência e ainda por Q o correspon-
dente conjunto cociente.
VN 609
Números Reais ITN(2001)
e verifique que (Q, θ) é um grupo comutativo, com elemento neutro 0 = [(a, a)]+ e no
qual o simétrico (inverso para θ) de x = [(a, b)]+ , é −x = [(b, a)]+ .
OBS: Não é necessário utilizar a natureza dos elementos de Q, mas tão só que (Q, +)
é um semigrupo comutativo que verifica a Lei do Corte.
VII. A função ψ : Q → Q dada por ψ(x) = [(x + x, x)]+ é um mergulho da estrutura
algébrica (Q, +) em (Q, θ) e, identificando Q com ψ(Q), tem-se com união disjunta
Q = Q ∪ {0} ∪ −Q
1. a < b sse b − a ∈ Q
(
a se a ∈ Q ∪ {0}
2. |a| =
−a se a ∈ −Q
(
|a||b| se a, b ∈ Q ou − a, −b ∈ Q
3. a · b =
−|a||b| caso contrário
610 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
√ −1 a b √
• (a + b n) = a2 −nb 2 − a2 −nb2 n
√ √ √
• (a + b n)(c + d n) = (ac + nbd) + (ad + bc) n.
Lembrando que um número real α se diz algébrico se for raiz de um polinómio de
coeficientes inteiros e se diz transcendente caso contrário, tem-se que, para α ∈ R, o
menor corpo ordenado que contém Q ∪ {α}, Q(α),
• é uma extensão própria de Q sse α 6∈ Q
• é um espaço vectorial sobre Q que tem dimensão finita sse α é algébrico.
Informalmente: um número real é algébrico se e só se for representável por uma
expressão onde figurem apenas números inteiros, somas, produtos, diferenças, cocientes
e radiciações de ı́ndice natural em quantidade finita. Cálculos pacientes mostram que
esta última condição é de facto suficiente para que a expressão represente um número
algébrico; a demonstração de que é necessária não cabe no âmbito deste curso.
q √
3
Exemplo 6.3.1 3 + 4 5 é raiz do polinómio 64(x2 − 3)3 − 5 e não é racional.
Teorema P6.3.2 (de Liouville) Seja α um número irracional algébrico, raiz do polinómio
P (x) = ni=0 ai xi , de grau n ≥ 1, e irredutı́vel sobre Q[x]. Então existe M ∈ Q+ tal
que, para qualquer número racional mk (m ∈ Z, k ∈ N) se tem
m m M
|α − | < 1 ⇒ |α − | > n
k k k
VN 611
Números Reais ITN(2001)
Dem. P (x) não tem raizes racionais, por ser irredutı́vel sobre Q[x]; consequentemente,
para quaisquer m ∈ Z e k ∈ N,
n
m 1 X 1
|P ( )| = n | ai mi k n−i | ≥ n ,
k k k
i=0
porque o polinómio do segundo membro só toma valores inteiros e não nulos, donde o
seu valor absoluto só pode ser maior ou igual a 1. Faça-se
s = sup{|P 0 (x)| : |x − α| < 1}
Dados então m ∈ Z, k ∈ N tais que | m m
k − α| < 1 tem-se, para algum c entre k e α,
1 m m
≤ |P ( )| = |P ( ) − 0|
kn k k
m m
= |P ( ) − P (α)| = |P 0 (c)|| − α|
k k
m
≤ s| − α|.
k
pelo que podemos tomar M ∈]0, 1s ]. 2
Até Cantor ter demonstrado que há mais números transcendentes que números
algébricos (teorema 6.6.2), na segunda metade do século XIX, o Teorema de Liouville
era o único resultado que garantia a existência números transcendentes.
Isomorfismo √
Já os gregos do séc. V A.C. sabiam que 2 é irracional (incomensurável em linguagem
da época). Na verdade interessa-nos observar um pouco mais: dados números naturais
m e n, tem-se
" #
3m + 4n 2
m 2
m 3m + 4n
<2 ⇒ < & <2 .
n n 2m + 3n 2m + 3n
612 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Definição 6.4.1 Um corpo ordenado diz-se completo se qualquer dos seus subcon-
juntos não vazios e majorados tem supremo.
Acabámos de ver que o corpo ordenado dos números racionais não é completo. Por
outro lado, uma das propriedades do corpo ordenado dos números reais é precisamente
ser completo. Na verdade esta propriedade caracteriza este último a menos de um
isomorfismo, como se afirma no teorema 6.4.2.
Seja de ora em diante K = (K, +, ·, 0, 1, < ) um corpo ordenado completo.
Um lema importante em si mesmo:
Teorema 6.4.1 Para quaisquer a, b ∈ K tais que 0 < a < b, existe n ∈ N tal que
b < na.
Lema 6.4.2 Entre dois elementos distintos quaisquer de um corpo ordenado completo
existe um número racional.
Dem. Comecemos por supor 0 < a < b em K; pelo lema anterior, existem um número
1
natural n tal que n > b−a e n > a1 , ou seja, n1 < a, b−a. Seja m = max{k ∈ N : nk ≤ a}.
Tem-se que m n ∈ Q e a <
m+1
n < b. Os casos a < 0 < b e a < b < 0 tratam-se
analogamente ou por passagem ao simétrico. 2
Dem. Sejam K1 = (K1 , +, ·, 0, 1, < ) e K2 = (K2 , ⊕, , 0̄, 1̄, ) dois corpos ordenados
completos. Tendo em vista o teorema 6.1.4, cada um destes corpos contém um corpo Qi
de números racionais (i = 1, 2) e os Qi são isomorfos, digamos que por um isomorfismo
Φ : Q1 → Q2 .
Definam-se secções Qix e uma função Ψ : K1 → K2 por
VN 613
Números Reais ITN(2001)
x = supQix (x ∈ Ki ; i = 1, 2) (6.1)
Em segundo lugar
Ψ coincide com Φ em Q1 (6.2)
pois se x ∈ Q1 , por um lado Φ(x) majora Φ(Q1x ) (por (6.1)) e, por outro, se 0 ε ∈ Q2
então, pelo lema 6.4.2 existe u ∈ Q1 tal que x − Φ−1 (ε) < u < x, donde Φ(x) − ε
Φ(u) Φ(x) e Φ(x) = supφQ1x = Ψ(x). De seguida
Ψ é injectiva. (6.4)
Ψ é sobrejectiva : (6.5)
Vamos ver que
P ara qualquer y ∈ K2 , y = Ψ supΦ−1 (Q2y ) .
(6.6)
Seja x = supΦ−1 (Q2y ). Se u ∈ Q1x então existe v ∈ Φ−1 (Q2y ) tal que u < v ≤ x; mas
assim Φ(u) Φ(v) ∈ Q2y , pelo que Ψ(x) = supΦ(Q1x ) ≤ supQ2y = y (por (6.1)). Se
Ψ(x) y, existe v ∈ Q2y tal que Ψ(x) v y; tomando u ∈ Q1 tal que Φ(u) = v e,
portanto, tal que u ∈ Φ−1 (Q2y ), obtemos Ψ(x) v Ψ(x) o que é impossı́vel. Assim
(6.6) e (6.5) ficam provadas.
Repare-se que (6.6) afirma ser Ψ−1 da mesma natureza que Ψ. Vejamos que
δ δ
Ψ(x) w = Φ(u) Ψ(x) & Ψ(y) z = Φ(v) Ψ(y)
2 2
Segue-se, por (6.3), que u < x e v < y; daı́ que u + v < x + y e também, por (6.2),
614 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Como δ foi escolhido arbitrariamente, podemos concluir (6.7). Provemos agora que
e portanto basta demonstrar (6.8) com x, y > 0; neste caso podemos usar que, para
conjuntos de elementos positivos A, B ⊂ K2 , sup(AB)=supAsupB e raciocinar como
para a soma, com as abreviaturas usuais:
Necessariamente Ψ(xy)=Ψ(x)Ψ(y); dado δ e escolhendo u, v, w, z como acima, obte-
mos
2
δ δ
Ψ(x)Ψ(y) Ψ(x + y) ⊕ wz
2 2
= Φ(uv) = Ψ(uv)
Ψ(xy)
de onde se concluirá (6.8). Resumindo: (6.4), (6.5), (6.7), (6.8) e (6.3) dizem-nos que
Ψ é um isomorfismo entre os corpos ordenados K1 e K2 . 2
6.5 Existência
Também neste caso é possı́vel tomar uma visão “da base para o topo”quanto à existência
de um corpo ordenado completo, isto é de um corpo de números reais. Como vimos
em 6.2, pode construir-se um corpo de números racionais Q = (Q, +, ·, 0, 1) a partir
de um sistema intuitivo de números naturais. Na verdade podemos inspirar-nos na
demonstração da isomorfia entre corpos ordenados completos para definir um desses
corpos a partir do dos números racionais; é o que esquematizamos de seguida.
Uma construção
1. ∅ =
6 S ⊆ Q.
2. S tem majorante em Q.
VN 615
Números Reais ITN(2001)
A soma ⊕
Dadas secções S, T ∈ R defina-se
S ⊕ T = {s + t : s ∈ S & t ∈ T } (6.11)
1. S ⊕ T é não vazio
2. S ⊕ T é majorado
4. S ⊕ T é ideal de ordem
∀S, T, U ∈ R [S T ⇒ S ⊕ U T ⊕ U ]. (6.12)
616 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Dem. (1) Não é difı́cil mostrar que a estrutura é de semigrupo comutativo com
elemento neutro 0 = {x ∈ Q : 0 < x}. Quanto à existência de simétricos S:
( S
Q\ − (S {supS}) se supS existe em Q
S =
Q\ − S caso contrário
O produto
Comece-se por verificar que vale o
Lema 6.5.1 0 = S sse S = 0
Definindo ainda
1 = {x ∈ Q : x < 1}
tem-se o seguinte
Dem. Tal como para a soma, é necessário verificar que a definição do produto
é boa, no sentido em que o produto de secções ainda é uma secção, para o que basta
estudar os casos em que as secções são ambas maiores ou iguais a zero. A demonstração
correspondente para a soma fornece as linhas orientadoras.
VN 617
Números Reais ITN(2001)
se S < 0, S −1 = kSk−1 .
As propriedades associativa do produto e distributiva deste em relação à soma têm
demonstração também rotineira.
Finalmente, a verificação do axioma de completude: S
Se A é um conjunto de secções não vazio e majorado, então supA = S∈A S. 2
A este propósito, veja-se [18] caps. 16 e 20; neste momento interessa-nos apenas mostrar
que
]0, 1[ = {rn : n ∈ N}
para alguma contagem fixada. Fixando também para cada rn ∈]0, 1[ uma representação
decimal
rn = 0, r1n r2n r3n ...rnn ...
podemos definir um novo número real s = s1 s2 ...sn ... ∈]0, 1[ do seguinte modo
(
rnn + 1 se 0 ≤ rnn < 9
sn =
0 se rnn = 9
618 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
6.7 Exercı́cios
1. Mostre que toda a ordem parcial lata gera uma ordem parcial estrita. Recipro-
camente, mostre que toda a ordem parcial estrita gera uma ordem parcial lata.
2. Dê exemplos de ordens parciais densas, ordens parciais não densas e ordens par-
ciais que não são completas.
6. Se um corpo ordenado tem um elemento irracional, então entre cada dois quais-
quer dos seus elementos existe um elemento irracional.
VN 619
Números Reais ITN(2001)
√
7. Suponha que k ∈ N. Mostre que k n ∈ Q se e só se n é uma k-ésima potência
perfeita, isto é, se e só se existe m ∈ N tal que n = mk .
Verifique que
ν −1 (m) = (f (m), g(m)) (m ∈ N).
10. Dê vários exemplos de números transcendentes obtidos por meio do Teorema de
Liouville, além dos descritos acima e no restante texto.
Suponha que f ∈ NN . Que pode dizer quanto à natureza dos números da forma
11. P
∞ f (n) , quando lim f (n) = +∞ e a > 1? E se este limite for finito?
n=0 10 an
620 VN
Capı́tulo 7
7.1 Dı́zimas
Recorde-se que [x] designa a caracterı́stica do número real x, isto é, o maior número
inteiro que é menor ou igual a x.
0 ≤ xn ≤ 9 & 10cn+1 ≤ cn (n ∈ N0 )
e assim, para n ∈ N0
10n cn ≤ c0 = x (7.1)
n
X
x = 10n cn + 10n−i xn−i (7.2)
i=1
701
Números Reais ITN(2001)
entendendo-se 0i=1 αi = 0.
P
Por (7.1), se 10m ≤ x < 10m+1 , então 1 ≤ xm = cm ≤ 9 e xm+r = cm+r = 0
(r ∈ N). Em virtude da equação (7.2) o teorema fica demonstrado. 2
Teorema 7.1.2 Para cada número real x ∈ [0, +∞[, existe uma e só uma sucessão
(an )n∈N tal que, para qualquer n ∈ N, se verifica
0 ≤ an ≤ 9 (7.3)
n+1
!
X ai 1
0 ≤ x− [x] + < . (7.4)
10i 10n+1
i=1
Deste modo
∞
X an
x = [x] +
10n
n=1
x = xm · · · x0 , a1 a2 · · · an · · ·
O número 7.4 deste último teorema afirma que a dı́zima (an ) não é identicamente 9,
seja a partir de que ordem for.
Dem. Note-se que 0 é representável por 0, 000 · · · , verificando-se as asserções do teo-
rema; assim, provado este, a parte de unicidade garante ser esta a única representação
de zero nestas condições.
Defina-se
(
x1 = x − [x]
an = [10xn ] (n ∈ N)
xn+1 = 10xn − [10xn ] (n ∈ N)
1. É imediato que
0 ≤ xn < 1 (n ∈ N) (7.5)
de onde resulta que 0 ≤ [10xn ] < 10 e consequentemente, 0 ≤ an ≤ 9.
2. Por outro lado, para cada n ∈ N,
n
X
xn+1 = 10n x1 − 10n−i ai
i=0
702 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
· · · b1 · · · bp b1 · · · bp · · · b1 · · · bp · · ·
isto é, se existem n0 , p ∈ N tais que os termos da sucessão (an ) do teorema 7.1.2
verificam
an0 +i+kp = bi (k ∈ N; 1 ≤ i ≤ p),
representando-se
x = [x] + 0, a1 · · · an0 (b1 · · · bp ).
Se uma dı́zima é periódica de perı́odo b1 · · · bp e a1 = b1 , dir-se-á puramente periódica,
caso contrário diz-se que a dı́zima é mista. Uma dı́zima de perı́odo 0 também se diz
finita.
Dados números naturais primos entre si a e m > 1, a ordem de a (mod m) é o
menor número natural h tal que ah ≡ 1 (mod m).
Exercı́cio 7.1.1 Suponha que mdc(a, m) = 1 e que h é a ordem de a (mod m). Mostre
que:
1. h|φ(n).
2. h|m.
VN 703
Números Reais ITN(2001)
Dem. Vamos mostrar que se x tem dı́zima periódica, então é racional, ficando provada
uma parte do número 1. De seguida provaremos as restantes alı́neas do teorema, que
obviamente esgotam os casos em que x é racional, ficando provado o restante de 1.
1. Suponhamos que a dı́zima de x tem perı́odo ak+1 · · · ak+p ; segue-se que
k p
∞ X
X an X ak+i
x = +
10n 10k+sp+i
n=1 s=0 i=1
k p ∞
1 X X ak+i X 1
= 10k−n an +
10k 10k+i 10sp
n=1 i=1 s=0
k p
!
1 X 1 X 10p
= an 10k−n + k+p ak+i 10p−i ∈ Q
10k 10 10p − 1
n=1 i=1
704 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Pν ν−i a
Tomando r = i=1 10 i para certos ai ∈ N0 com aν > 0, segue-se que
ν
! ∞
X ai X 1
x = q+
10i 10nν
i=1 n=0
= q + 0, (a1 · · · aν )
Conclui-se, por um lado, que a dı́zima é puramente periódica e, por outro, que o
comprimento mı́nimo de um perı́odo, digamos λ, é menor ou igual a ν; mas de
λ
! ∞
X ai X 1
x − [x] =
10i 10nλ
i=1 n=0
Pλ λ−n
n=1 an 10
=
10λ − 1
r
= ∈ Q & mdc(r, n) = 1
n
deduz-se n|10λ − 1, ou seja 10λ ≡ 1 (mod n) pelo que λ ≥ ν. Segue-se que λ = ν.
c) (α + β > 0 & n > 1) Para estudar este caso, basta aplicar a alı́nea anterior a 10µ x.
2
Propriedades básicas.
Por comodidade de exposição convirá utilizar com frequência N0 = N ∪ {0} passando
as sucessões de números reais a indiciar-se em N0 .
Dados um número natural n, números reais positivos r1 , r2 , ..., rn e um número real
qualquer r0 , o sı́mbolo [r0 ; r1 , ..., rn ] define-se recursivamente do seguinte modo:
[r0 ] = r0
1
∀n ∈ N [r0 ; r1 , ..., rn+1 ] = [r0 ; r1 , ..., rn−1 , rn + ]
rn+1
sendo fácil verificar o seguinte:
VN 705
Números Reais ITN(2001)
2. Se todos os ri ∈ N, então
(a) [ri ; ..., rn ] > 0 (0 ≤ i ≤ n)
(b) [ri ; ..., rn ] ∈ Q
Definição 7.2.1 Uma sucessão (rn )n∈N0 de números inteiros diz-se simples se se ver-
ificarem ambas as seguintes condições
1. rn ∈ N0 seja qual for n ∈ N0 .
2. ∀n ∈ N [rn = 0 ⇒ ∀k ∈ N0 rn+k = 0].
Repare-se que numa sucessão simples, se um termo de ordem positiva é positivo, o
único termo de ordem menor que pode ser zero é o de ordem zero
Definição 7.2.2 Dada uma sucessão simples (an ), a fracção contı́nua simples [a0 ; a1 , ..., an , ...]
é a sucessão de números racionais xn definida do seguinte modo
1. Se an = 0 para todo o n ∈ N, então xn = a0 (n ∈ N0 )
2. Se an > 0 para todo o n ∈ N, então
xn = [a0 ; · · · , an ] (n ∈ N0 )
706 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
1 1
0 < = 1 < 1 (7.7)
[ai ; · · · , an ] ai + [ai+1 ;··· ,an ]
1
xi−1 = ai−1 + ,
xi
donde
ai = [xi ] = car([ai ; · · · , an ]);
em particular, m
a0 = car(x0 ) = car
k
e a0 é o cociente inteiro de m por k; portanto, se
vem
r0 1
=
k [a1 ; · · · , an ]
tendo-se também r0 > 0 como seria de esperar. De novo
k 1
= [a1 ; · · · , an ] = a1 +
r0 [a2 ; · · · , an ]
1 ri−1 ri+1
ai+1 + = = ai+1 +
[ai+2 ; · · · , an ] ri ri
VN 707
Números Reais ITN(2001)
donde
ri
= [ai+2 ; · · · , an ] = ai+2 + α (i + 2 ≤ n) (7.8)
ri+1
ri
ai+2 = car . (7.9)
ri+1
Ponhamos
ri = ai+2 ri+1 + ri+2 ;
se i + 2 < n, então [ai+2 ; · · · , an ] > ai+2 e a constante α em (7.8) é positiva, pelo que
ri+2 ≥ 0, como se pretendia verificar; se i + 2 = n, então α = 0 e rn−2 = an rn−1 .
Pelo que sabemos do algoritmo de Euclides para o cálculo de mdc(m, k), a divisão
de restos só é exacta quando o divisor é mdc(m, k), neste caso 1; portanto rn−1 = 1.
2
Uma consequência praticamente imediata deste teorema é
Dem. Se as duas fracções são iguais, representam o mesmo número racional e o teorema
anterior descreve a determinação das coordenadas univocamente. 2
Repare-se que a condição imposta às últimas coordenadas das reduzidas em cada
um dos teoremas anteriores é necessária em vista da equação (7.6).
Quanto à representação de números negativos por fracções contı́nuas:
se m ∈ Z & n ∈ N, independentemente do sinal de m tem-se sempre
m m
= car + r com r ∈ Q ∩ [0, 1[
n n
Segue-se que
m m
= [car ; a1 , · · · , ak ] se r = [0; a1 , · · · , ak ].
n n
Adiantando-nos um pouco:se soubéssemos que fracções contı́nuas simples diferentes
têm limites diferentes poderı́amos concluir
Teorema 7.2.4 Se [a0 ; · · · , an , · · · ] é uma fracção contı́nua simples infinita e o limn [a0 ; · · · , an ]
existe, então este limite é um número irracional.
708 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Em particular
Dem. (n = 1)
xh−1 +h−2
Observação: Repare-se que [x] = x = xk−1 +k−2 , pelo que a fórmula (7.11) vale mesmo
se n = 0.
hn
Corolário 7.2.1 [a0 ; · · · , an ] = kn (n ∈ N0 ).
Mais detalhadamente:
VN 709
Números Reais ITN(2001)
(−1)n−1
2. rn − rn−1 = kn kn−1
5. mdc(hn , kn ) = 1
Dem. A primeira e a terceira equações podem ser demonstradas por indução; a segunda
e a quarta equações obtêm-se dividindo respectivamente por kn kn−1 e kn kn−2 ; quanto
à última equação, observe-se que 0 < d|hn , kn implica que d|1 e logo que d = 1. 2
Teorema 7.2.7 Dada uma sucessão simples (an ), seja rn = [a0 ; · · · , an ]. Para quais-
quer k, s ∈ N,
2. (rn ) converge.
710 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
1
2. θ0 = a0 + θ1
Dem. (1) O caso em que θ0 é finita foi tratado na demonstração do teorema 7.2.2.
O caso em que θ0 é infinita obtém-se do seguinte modo: r0 < θ0 < r1 pelo teorema
anterior, isto é, a0 < θ0 < a0 + a11 ≤ a0 + 1 & a0 < θ0 < a0 + 1, logo a0 = [θ0 ].
(2) Se θ0 é finita, estamos perante a definição. Se θ0 é infinita, tem-se
1
θ0 = lim[a0 ; · · · , an ] = lim a0 +
n n [a1 ; · · · , an ]
1
= a0 +
limn [a1 ; · · · , an ]
1
= a0 +
θ1
2
Teorema 7.2.8 1. Duas fracções contı́nuas simples infinitas distintas têm limites
distintos
2. Duas fracções contı́nuas simples finitas distintas só têm o mesmo valor se forem
da forma [a0 ; · · · , an ] e [a0 ; · · · , an − 1, 1] com an > 1.
Veremos adiante que fracções contı́nuas simples infinitas têm limite irracional (teo-
rema 7.2.9).
Dem. (do teorema 7.2.8) A proposição 2 foi de facto demonstrada no teorema 7.2.3.
1 1 1
θ = a0 + = a0 + = a0 + ,
θ1 [r1 ; · · · , rn ] [r1 ; · · · , rn ]
pelo que também θ1 = [a1 ; · · · ] = [r1 ; · · · ]. Por indução pode então mostrar-se que
an = rn para qualquer n ∈ N. 2
1
0 < |θ − rn | < |rn − rn+1 | & 0 < |kn θ − hn | < ;
kn+1
VN 711
Números Reais ITN(2001)
Completando
r = x0
1
a0 = car(x0 ) & x1 =
r − a0
1
an = car(xn ) & xn+1 =
xn − an
1
= (n ∈ N)
xn − car(xn )
1
xn+1 = > 1 & an+1 = car(xn+1 ) ≥ 1 (n ≥ 0);
xn − an
1
r = x0 = a0 + = [a0 ; x1 ]
x1
1
= [a0 ; a1 + ] = [a0 ; a1 , x2 ]
x2
= · · · = [a0 ; a1 , · · · , an−1 , xn ];
xn hn−1 + hn−2
r = [a0 ; · · · , an−1 , xn ] =
xn kn−1 + kn−2
712 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
seguindo-se
hn−1
|r − rn−1 | = |r − |
kn−1
−(hn−1 kn−2 + hn−2 kn−1 )
= | |
kn−1 (xn kn−1 + kn−2 )
(−1)n−1
= | |
kn−1 (xn kn−1 + kn−2 )
1 1
= ≤
kn−1 (xn kn−1 + kn−2 ) kn−1
[a0 ; · · · , an ] = [a0 , · · · , an ]
ξ = [a0 ; · · · , an , · · · ] = [a0 , · · · , an ],
observe-se que
ξ = [a0 ; · · · , an , ξ],
de onde se conclui
ξhn + hn−1
ξ = , (7.12)
ξkn + kn−1
que é uma equação quadrática de coeficientes inteiros.
Se a fracção é mista, digamos
θ = [b0 ; · · · , bm , a0 , · · · , an ]
ξ = [a0 , · · · , an ],
então
ξh0m + h0m−1
θ = 0 + k0
. (7.13)
ξkm m−1
VN 713
Números Reais ITN(2001)
pelo que, em virtude de (7.13), θ é da mesma forma, por também ser irracional.
Suponhamos agora que
Tomando
sn = [an ; · · · , an+1 , · · · ]
tem-se
sn hn−1 + hn−2
ξ= ,
sn kn−1 + kn−2
Substituindo em (7.14), obtém-se
An s2n + Bn sn + Cn = 0 (7.16)
com
An x2 + Bn x + Cn = 0 (7.17)
Ora
ξ − hn < 1 1
< 2
kn kn kn+1 kn
pelo que
δn − 1
hn−1 = ξkn−1 + & |δn−1 | < 1.
kn−1
714 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Daı́
2
δn − 1 δn − 1 2
An = a ξkn−1 + + bkn−1 ξkn−1 + + ckn−1
kn−1 kn−1
δ 2
= (aξ 2 + bξ + c)kn−1
2
+ 2aξδn−1 + a n−1
2 + bδn−1
kn−1
2
δn−1
= 2aξδn−1 + a 2 + bδn−1 ,
kn−1
pelo que
|An | < 2|aξ| + |a| + |b|
e, como Cn = An−1 ,
|Cn | < 2|aξ| + |a| + |b|.
Por (7.18),
e a fracção é periódica. 2
7.4 Exercı́cios
4567890
1. Considere n := 123456
(a) Suponha que f ∈ Z[x] e que f tem grau positivo. Mostre que para qualquer
m ∈ N, existe n ∈ N tal que n > m & f (n) é composto.
VN 715
Números Reais ITN(2001)
3. Seja x o número real em ]0, 1[ cuja parte decimal é a sequência dos números
primos, por exemplo, uma aproximação de x é 0, 23571113171923 · · · 89 · · · 2161
(2161 é um dos primeiros 1000 números primos). Prove que x é irracional. (SUG:
Comece por deduzir do Teorema de Dirichlet sobre progressões aritméticas que
há infinitos números primos congruentes com 1 para o módulo 10s e conclua que
há infinitos números primos cuja expressão decimal tem um número arbitrário de
zeros consecutivos.)
(b) Mostre que qualquer número real em ]0, 1[ tem uma representação na base
b, i.e., é a soma de uma série como a descrita em (7.19).
(c) Mostre que um número em ]0, 1[ é racional sse a sua representação na base
b é periódica.
5. Mostre que:
k := máx{j ∈ N| ∀i ∈ N [0 ≤ i < j ⇒ ai = bi ]}
máx ∅ := 0,
(
k é par e ak < bk
r < s ⇔
k é ímpar e bk < ak .
716 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
10. Converta em número racional as fracções contı́nuas [2, 1, 4], [−3, 2, 12] e [0, 1, 1, 100].
(a) [1];
(b) [2, 1];
(c) [2, 3, 1];
(d) [2];
(e) [1, 2];
(f) [2, 1].
12. Para cada uma das dı́zimas 0, 12(4), 12, 23(465) e 1, (12345679), determine a
fracção reduzida correspondente.
VN 717
Números Reais ITN(2001)
√ p
a) n2 + 1 = [n, 2n] b) n(n + 1) = [n, 2, 2n]
718 VN
Capı́tulo 8
Extensões
De ora em diante supomos fixado um modelo de corpo ordenado completo, isto é, o
corpo dos números reais; também nos referiremos indistintamente ao corpo enquanto
estrutura algébrica K = (K, +, ·, 0, 1, < ) ou ao seu suporte K; além disso, designaremos
genericamente por + e · (abreviando a · b por ab) as operações de soma e produto de
qualquer corpo; finalmente: 0 = 0 e 1 = 1.
i2 + 1 = 0. (8.1)
C = {a + bi : a, b ∈ R}
801
Números Reais ITN(2001)
1. a + bi = c + di sse a = c e b = d.
4. (a + bi)−1 = a
a2 +b2
− b
a2 +b2
i
Dem. (1) Se a + bi = c + di, então a − c = (b − d)i portanto (a − c)2 = −(b − d)2 ; mas
então
0 ≤ (a − c)2 = −(b − d)2 ≤ 0
pelo que 0 = a − c = b − d.
As restantes propriedades são consequências do facto de K ser um corpo e a sua
demonstração fica como exercı́cio. 2
Por outro lado, o lema 8.1.1 só utiliza o facto de i ser uma raiz quadrada de −1,
pelo que vale seja ela qual for, em particular se, por exemplo, substituirmos i por −i
no enunciado.
Por outro lado, também não interessou a natureza do corpo K para além do facto
de conter uma raiz quadrada de −1.
Resumindo:
Teorema 8.1.3 Qualquer corpo que contenha (um corpo ordenado isomorfo a) R e
onde a equação x2 + 1 = 0 tenha solução contém um corpo isomorfo a C; um isomor-
fismo Φ pode ser descrito do seguinte modo: se i e j designam respectivamente raizes
quadradas de −1 em cada um dos corpos extensão, então
802 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
N (z) = zz
z
z −1 =
N (z)
N (zw) = N (z)N (w).
Em particular
8.2 Quaterniões
Seja K =≺ K, + um espaço vectorial sobre o corpo R dos números reais com dimensão
4. Vamos definir uma operação binária • de modo a que
1. i2 = j2 = k2 = −1
2. ij = k jk = i ki = j
1
Recorde-se a propósito o teorema 4.3.3.
VN 803
Números Reais ITN(2001)
3. Se a, b, c, d, α, β, γ, δ ∈ R, x = a1 + bi + cj + dk, y = α1 + βi + γj + δk então
Dem. As propriedades da soma estão garantidas pelo facto de K ser espaço vectorial.
A única propriedade que possivelmente exige mais que cálculos rotineiros é a existência
de opostos multiplicativos. Na verdade, analogamente ao que se passa com C, se
a1 + bi + cj + dk 6= 0 a, b, c, d ∈ R
a1 − bi − cj − dk
(a1 + bi + cj + dk)−1 =
a2 + b2 + c2 + d2
2
a1 + bi + cj + dk = a − bi − cj − dk ((a, b, c, d) ∈ R4 ), (8.3)
N (α) := a2 + b2 + c2 + d2 ((a, b, c, d) ∈ R4 ),
N (α) = αα
α
α−1 =
N (α)
N (αβ) = N (α)N (β).
804 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
2. ∀r ∈ R α < r
A = {x ∈ R : x < α}
VN 805
Números Reais ITN(2001)
ou finitos, se
∃r ∈ R+ |α| < r. (8.5)
A condição 8.4 é equivalente à disjunção das 1 ou 2 da demonstração acima; a condição
8.5 é equivalente a 3 da mesma demonstração.
Teorema 8.3.2 Seja K uma extensão própria ordenada do corpo dos números reais.
Para cada elemento finito α ∈ K, existe um e só um número real o α tal que o α ≈ α.
O número oα cuja existência é garantida por este teorema diz-se parte standard
de α.
Teorema 8.3.3 Seja K uma extensão ordenada própria do corpo R. Sejam respecti-
vamente O e Θ os conjuntos dos números finitos e dos números infinitesimais em K.
Para simplificar a notação, entendam-se as operações e ordem restringidas adequada-
mente.
806 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Números Reais
Corolário 8.3.1 Os corpos ordenados que prolongam propriamente o corpo dos números
reais não são completos.
Dem. Vejamos o conjunto dos infinitesimais Θ não tem supremo, mesmo sendo majora-
do por qualquer número real positivo: se s = sup Θ então s 6∈ Θ, porque 0 < s < 2s ∈ Θ;
mas então existe r ∈ R tal que 0 < r ≤ s, portanto (o supremo) s é menor ou igual a(o
majorante) r, o que é absurdo. Em suma: Θ não tem supremo. 2
8.4 Exercı́cios
1. Determine os seguintes produtos de quaterniões:
2. Mostre que os únicos quaterniões que comutam com i são da forma a + bi.
5. Suponha que a = a21 + a22 + a23 + a24 e que b = b21 + b22 + b23 + b24 , onde ai , bi ∈ Z.
Mostre que ab = c21 + c22 + c23 + c24 , onde
(a1 + a2 i + a3 j + a4 k)(b1 + b2 i + b3 j + b4 k) = c1 + c2 i + c3 j + c4 k.
VN 807
Números Reais ITN(2001)
1
(c) Se x ≈ a 6≈ 0, então x ≈ a1 , mas pode acontecer x ≈ a & 1
x 6≈ a1 .
(d) Sendo a função f (x) um polinómio em x de coeficientes em O e grau n ∈ N
e a ∈ O \ Θ, para todo o h ∈ Θ, existe ε ∈ Θ tal que
1
f (a + h) = f (a) − h + εh.
a2
808 VN
Parte III
Aplicações
901
Capı́tulo 9
Criptografia
9.1 Introdução
Um alfabeto é um conjunto finito de sı́mbolos com os quais serão elaboradas sequências
ou unidades de texto. Designaremos por T (A) o conjunto das unidades de texto no
alfabeto A.
Uma função de cifra é uma aplicação injectiva de um conjunto de unidades de
texto para outro; os elementos do contradomı́nio da função de cifra designam-se por
unidades de cifra. Um texto é uma sequência de unidades de texto; um texto
cifrado é uma sequência de unidades de cifra.
Vamos considerar apenas casos em as unidades de cifra e de texto são do mesmo
tipo e construidas com o mesmo alfabeto.
Um sistema de cifra é um terno
f f −1
T (A) → T (A) → T (A)
903
Aplicações ITN(2001)
Os sistemas afins mais simples ocorrem com k = 1 = a e podem ser designados por
sistemas de deslocamento.
(2 ⇒ 4) e (4 ⇒ 3) são imediatas.
(3 ⇒ 1) Suponha-se que δ = mdc(∆, n) > 1 e ponha-se n = mδ. Repare-se que
0 < m < n e portanto n 6 |m; em particular
904 VN
Int. à Teoria dos Números (2001) Aplicações
VN 905
Aplicações ITN(2001)
an = arφ(m)+1
m
= harsφ( d )+1
irs
m
= aφ( d ) ·a
m
≡ 1rs · a (mod )
d
m
≡ a (mod )
d
Em particular, para algum α ∈ N,
m
d|an − a = α ·
d
e, pela proposição 1, d|α, donde an ≡ a (mod m). 2
Um exemplo de codificação
I. Fixe-se um código nσ para cada sı́mbolo σ da linguagem que vai ser utilizada.
Exemplo 9.4.1 Se σ designar uma letra do alfabeto latino, seja nσ o seu número de
ordem alfabética habitual com dois dı́gitos: na = 01, nb = 02, ..., nj = 10, ...
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Int. à Teoria dos Números (2001) Aplicações
VN 907
Aplicações ITN(2001)
9.6 Exercı́cios
1. (a) Suponha que m = pq e φ = (p − 1)(q − 1) onde p e q são números reais.
Encontre uma fórmula para p e para q em função de m e de φ;
(b) Suponha que m = 39247771 é o produto de dois primos, p e q, distintos.
Determine p e q sabendo que φ(m) = 39233944
908 VN
Bibliografia
[5] Owen Brison: Teoria Elementar dos Números I e II: Bol. da SPM 33, Dezem-
bro de 1995 & 37, Outubro de 1997.
[6] John H. Conway & Richard K. Guy: O Livro dos Números, (Trad. de
José Sousa Pinto) Univ. de Aveiro/Gradiva 2000.
[13] Neil Koblitz: A course in Number Theory and Criptography Springer GTM
114, 1994.
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Aplicações ITN(2001)
910 VN
Índice remissivo
911
Aplicações ITN(2001)
reduzida, 706
resı́duo
não quadrático, 302
quadrático, 302
sı́mbolo
de Legendre, 303
simples
fracção contı́nua, 706
número, 408
912 VN